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MICHEL FOUCAULT
VIOLÊNCIA, RACISMO E
BIOPODER NA AULA DE 17 DE
MARÇO DE 1976
DANILO ARNALDO BRISKIEVICZ1
1.Problematização
Este artigo visa a uma análise da biopolítica em geral e da violência política
(racismo e guerra) em específico a partir da leitura direta da aula de 17 de março de 1976,
de Michel Foucault, do livro Em defesa da sociedade2. A violência política é um dos
capítulos da história remota e recente da humanidade e a Filosofia Política tem se
aplicado na compreensão de suas manifestações ensejadas nas práticas da
governamentalidade.
A violência política no século XX nos permite identificar em suas
materializações – a emergência do racismo de Estado, do nazi-fascismo, dos
totalitarismos, do terrorismo e definitivamente e da guerra total – um discurso do poder
sobre a vida humana. A relação perigosa - e muitas vezes tida como necessária, entre
violência e poder é discutida na Filosofia Política foucaultiana a partir do que ele
considera “a análise concreta das relações de poder3”.
Assim, ao detectar a emergência da violência como um fenômeno político
concreto das sociedades contemporâneas – não que a violência não estivesse realmente
no passado mais remoto da própria Humanidade, o que os livros de história das
civilizações não nos deixam enganar nesse ponto-, Foucault pretende elaborar uma crítica
do pensamento político manifestado nas guerras mundiais, hipostasiado em campos de
1 Artigo de 2007. Mestre em Filosofia Social e Política pela UFMG. Imagem da exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante" que trouxe ao Brasil 16 cadáveres de homens e mulheres e 225 órgãos dissecados, criada por Roy Glover, professor de anatomia e biologia celular da Universidade de Michigan. 2 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: 2005, Martins Fontes, 382 pp. A aula apreciada é a última do livro, datada de 17 de março de 1976, que ao meu modo de ver sugere um resumo conceitual do curso. 3 Op. Cit., p. 319.
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concentração, em discursos racistas, no anti-semitismo e na discordância imediata entre
um discurso de poder baseado no modelo jurídico da soberania: “este, de fato, pressupõe
o indivíduo como sujeito de direitos naturais ou de poderes primitivos; propõe-se o
objetivo de explicar a gênese ideal do Estado; enfim, faz da lei a manifestação
fundamental do poder4”. Importa não a indagação das origens primitivas dos Estados,
mas de sua relação concreta com os sujeitos: “em vez de perguntar a sujeitos ideais o
que puderam ceder de si mesmos ou de seus poderes para deixar-se sujeitar, deve-se
investigar como as relações de sujeição podem fabricar sujeitos, (...) estudá-las, pois,
como relações de força que se entrecruzam, remetem umas às outras, convergem ou, ao
contrário, se opõem e tendem a anular-se5”. Por isso, é importante identificar como o
poder e a violência já entendida aqui como instrumental, como técnicas de coerção, são
empregadas.
As “guerras reais a as batalhas efetivas”, demandam um discurso
essencialmente histórico-político, “um discurso em que a verdade funciona como arma
para uma vitória partidária, um discurso sombriamente crítico e ao mesmo tempo
intensamente mítico6.” É nessa trincheira entre o discurso filosófico-jurídico e o discurso
histórico-jurídico que Foucault vai transitar sua crítica à trama entre poder – o que ele vai
designar biopoder - e violência política.
Michel Foucault é assim, um pensador da Filosofia Política7, estudando o
funcionamento e os efeitos, a inter-relação entre poder e a violência no discurso histórico-
jurídico e filosófico-jurídico. Em defesa da sociedade, da sociedade permeada por
relações de poder e relações de violência, é necessário colocar-se como crítico das
práticas de sujeição e analisar qual a racionalidade política está engendrada na utilização
das tecnologias de guerra e quais os dispositivos de poder podem ser identificados nos
4 Loc. Cit. 5 Loc. Cit. 6 Op. Cit., p. 324 7 A Filosofia Política compreendida como uma análise da vida coletiva, das instituições políticas e suas práticas sociais, bem como sobre as justificações teóricas sobre as formas de Estado, a liberdade, o poder e a violência. Cf. MILLER, DAVID (1998). Political philosophy. In E. Craig (Ed.), Routledge Encyclopedia of Philosophy. London: Routledge. Disponível em http://www.rep.routledge.com/article/S099, acesso em 30 de abril de 2007.
Ou ainda: “O filósofo político analisa conceitos como os de igualdade, liberdade, estado, democracia, tolerância, obediência, castigo, etc., a partir dos quais discute problemas como: O que é a liberdade? Em que consiste a igualdade? Será possível atingi-las ou realizá-las? Se assim for, como deveremos organizar-nos para as conseguir? O que é a discriminação? Serão injustas todas as formas de discriminação? Existe alguma justificação para dar um tratamento desigual a certos cidadãos? Ou deveremos sempre orientar-nos para a igualdade de tratamento? Que justificação se pode dar para as restrições impostas pelo Estado aos que violam a lei? Como fundamentar a privação de liberdade imposta a certos cidadãos? E existirão algumas circunstâncias nas quais devamos violar a lei? Quais e com que razões? E que argumentos existem para não o fazer?”, COSTA, Antônio Paulo.Problemas de Filosofia Política. Disponível em http://www.didacticaeditora.pt/arte_de_pensar/filosofiapolitica.pdf, acesso em 30 de abril de 2007.
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porões de uma apologia à violência, essa apologia que insiste em tornar-se um discurso-
amálgama dos Estados e da própria sociedade civil em muitos casos, no século XX.
2.Situação do curso
Michel Foucault foi professor no Collège de France de janeiro de 1971 até
junho de 1984. O curso de 1976 traz considerações críticas quanto à conjuntura
intelectual e histórica dele, quanto à sua inserção em relações políticas de crise, seja do
marxismo vulgar posto em cheque pelo totalitarismo stalinista na União Soviética, seja
pela ascensão de um discurso neoliberal. Não somente Foucault foi levado a considerar
tais conjunturas do pós-guerra e da Guerra Fria8. O cenário mundial era ricamente fértil
para uma crítica da violência e um questionamento sobre o poder9: “a questão da filosofia
é a questão deste presente que somos nós mesmos. É por isso que hoje a filosofia é
inteiramente política e inteiramente historiadora. Ela é a política imanente à história, é a
história indispensável à política10”. Enfim, a situação do curso de Foucault é, no mínimo,
provocadora para um pensador político. É uma situação em que “as balas mudam mais
governos que os votos11” e em que a violência aparece como a face mais cruel e talvez
mais visível do biopoder.
8 Referimo-nos aqui à filósofa política Hannah Arendt que, entre 1968 e 1969, escreveu o opúsculo Sobre a violência (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, 114 p., tradução: André Duarte) tornando-se uma referência na crítica à apologia da violência, a partir do cenário político da Guerra Fria e dos fatos marcantes relacionados à ela em todo o mundo. A obra arendtiana enseja uma possibilidade de compreensão do poder a partir do advento dos fenômenos bárbaros do século XX, em especial o totalitarismo, analisado com notoriedade em Origens do totalitarismo, de 1951, que dá reconhecimento internacional às suas especulações em torno da banalização da violência. Ver Arendt, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989, 562 p. 9 Em 1975, ano anterior ao curso, portanto ano provocador das questões desse curso, ocorreram fatos importantíssimos em todo o mundo: a tentativa de golpe de estado de direita em Portugal liderada pelo general Antônio de Spínola, que acabou fugindo para Espanha depois de roubar diverso material de guerra ao exército português; no Camboja, o Khmer Vermelho entrou em Phnom Penh, o que marcou o fim da guerra civil e o início do regime de Pol Pot; a independência de Moçambique, a independência de Cabo Verde, a independência de São Tomé e Príncipe; Martina Navratilova, campeã tcheca de tênis, deserta e pede asilo político aos Estados Unidos, ocorreu a independência da Papua-Nova Guiné, a independência de Angola, a independência do Suriname, uma tentativa de golpe de estado em Portugal por parte das forças de direita, que pretendia dar a entender terem sido as forças de esquerda a organizá-la. O país fica à beira da guerra civil. Emerge a figura do general Ramalho Eanes que, sabe-se hoje, através de documentos tornados públicos, disse numa reunião "isto tem que parecer obra dos comunistas", o Timor-Leste declarou a independência e foi invadido pela Indonésia logo depois dando início às Guerras de Independência, morreu nesse ano o ditador espanhol Francisco Franco (citado na página 296 como símbolo da pasagem do direito de soberania para o biopoder) além da filósofa Hannah Arendt. O Prêmio Nobel da Paz desse ano foi para Andrei Dmitrievich Sakharov que foi um importante físico nuclear soviético por seu projeto de defesa dos Direitos Humanos na União Soviética. 10 FOUCAULT, Michel. Op. Cit., p. 348 (citação de Dits et ecrits, p. 266). 11“Bullets change governements far sure than votes.” A frase é do personagem judeu vendedor de armas Simeon Weisz, no filme de Andrew Niccol, Senhor das Armas, de 2005. Simeon Weisz disputa mercado de armas com Yuri Orlov que é, no filme, interpretado por Nicolas Cage. A história real é de Marc Rich - um dos maiores contrabandistas de armas do planeta e por essa razão responsável pela morte in-direta de milhões de civis. Ele foi suíço descendente de espanhóis comerciante bilionário internacional que fugiu dos Estados Unidos em 1983 para a Suíça para evitar a repercussão por sonegar impostos e ilegalidade com o Irã durante a Crise do Irã. Ele recebeu perdão presidencial pelo presidente dos Estados Unidos Bill Clinton em 2001, que apenas retirou as queixas com um pagamento de $100 milhões de dólares.
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De modo geral, podemos considerar dois conceitos estruturantes do texto Em
defesa da sociedade. Foucault vai lentamente demonstrando como esses conceitos são
atemporais, e como podem fazer parte de um determinado modelo de Estado (nazismo ou
socialismo). Os conceitos de poder soberano e biopoder foram, durante anos, até mesmo
séculos, utilizados para legitimar uma determinada posição frente a um individuo ou à
população, posição que sempre implicava em vida e morte. Segundo Foucault, o
elemento aglutinador que permitiu que esses dois conceitos representassem a uma só
vez o mesmo objetivo foi o racismo. Ele não se refere ao racismo tradicional, que pode
ser resumido como ódio pelo outro, mas, acima de tudo, uma espécie de justificativa
cientifica para permitir o domínio de alguns sobre outros e a utilização dessas formas de
poder sobre os mais fracos.
3.Considerações a partir da Aula de 17 de março de 1976
O problema da guerra como “gabarito de inteligibilidade dos processos
históricos12” era a guerra das raças que teve sua concepção e aplicação durante o século
XVIII. A reconstituição da origem do discurso sobre a guerra das raças levou Foucault a
identificar seu ressurgimento no século XIX como racismo de Estado.
O racismo de Estado tem sua origem na “assunção da vida pelo poder13”
quando o biológico é estatizado, passa a ser coordenado, comandando, subordinado,
orientado pelo Estado. Mas o pano de fundo do controle do Estado sobre o sujeito é a
teoria clássica da soberania, que significa que o soberano pode fazer morrer e deixar
viver:
“o direito de vida e de morte era um de seus atributos fundamentais. Ora, o
direito de vida e de morte é um direito que é estranho, estranho já no nível
teórico: com efeito, o que é ter direito de vida e de morte? (...) Quando se vai
um pouco mais além (...) o súdito não é, de plano direito, nem vivo nem
morto.Ele é do ponto de vista da vida e da morte, neutro, e é simplesmente
por causa do soberano que o súdito tem direito de estar vivo ou tem direito,
eventualmente, de estar morto. Em todo caso, a vida e a morte dos súditos
só se tornam direitos pelo efeito da vontade soberana. (...) o direito de vida e
de morte só se exerce de uma forma desequilibrada, e sempre do lado da
morte. O efeito do poder soberano sobre a vida só se exerce a partir do
momento em que o soberano pode matar. Em última análise, o direito de
matar é que detém efetivamente em si a própria essência desse direito de
12 FOUCAULT, Michel. Op. Cit., p. 285.
13 Op. Cit., p. 286.
5
vida e de morte: é porque o soberano pode matar que ele exerce seu direito
sobre a vida. É essencialmente o direito de espada14”.
A interpretação do direito soberano seria justificada pelo direito de morte – o
direito de espada, e é por poder matar que o soberano domina seus súditos, e exerce
direitos sobre a vida dos mesmos. O controle sobre a vida se dá pela imediata e
consistente capacidade de matar a vida. A natureza humana, a raça humana teme morrer
e seu instinto de preservação então indicaria como regra de ouro: “manda quem pode
obedece quem tem juízo”. Ora, esse direito do soberano de fazer morrer e deixar viver
tem como prerrogativa a negação da vida como direito. O Estado deve-se ater, apenas,
na preservação da sua possibilidade sobre a morte e não da afirmação sobre a vida. Mas
o que querem os súditos, senão o oposto: que o Estado faça viver e deixe morrer? E a
ênfase recai aí, desde o direito de vida e de morte, sobre estar no direito de viver. Mas o
que pretende um organismo vivo? Viver. O que intenciona uma mente em gozo de suas
faculdades plenas? Viver. A vida funda o direito do soberano e não a morte.
Com o aperfeiçoamento das técnicas de poder no século XVII e XVIII há um
controle do corpo, do corpo individual. As técnicas se aprimoram e se tornam um poder
disciplinar que nada mais é que uma organização visível desses corpos no espaço. É o
controle do individuo, técnica de controle individualizante.
Aperfeiçoando o poder disciplinar e não o excluindo, nem o negando, temos
na segunda metade do século XVIII o surgimento do biopoder. O biopoder é massificante,
é exercido sobre a multiplicidade dos homens, uma massa global “afetada por processos
de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a
produção, a doença, etc.15”. É o surgimento da biopolítica que visa o controle da espécie
humana. É uma técnica de controle da massa: “trata-se de um conjunto de processos
como a proporção dos nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de
uma população, etc16”.
A medição estatística e a medição demográfica enquanto iniciativas do Estado têm
seu advento nesse contexto. É assim que podemos afirmar que o termo estatística surge
da expressão em Latim statisticum collegium, palestra sobre os assuntos do Estado, de
onde surgiu a palavra em língua italiana statista, que significa "homem de estado", ou
político, e a palavra alemã Statistik, designando a análise de dados sobre o Estado. A
palavra foi proposta pela primeira vez no século XVII, em latim, por Schmeitzel na
14 Op. Cit., p. 286-287. 15 Op. Cit., p.289. 16 Op. Cit., p.290.
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Universidade de Lena e adotada pelo acadêmico alemão Godofredo Achenwall. Aparece
como vocabulário na Enciclopédia Britânica em 1797, e adquiriu um significado de coleta
e classificação de dados, no início do século XIX. A estatística é uma área do
conhecimento que utiliza teorias probabilísticas para explicação de eventos, estudos e
experimentos. Tem por objetivo obter, organizar e analisar dados, determinar as
correlações que apresentem, tirando delas suas consequências para descrição e
explicação do que passou e previsão e organização do futuro. A estatística é também
uma ciência e prática de desenvolvimento de conhecimento humano através do uso de
dados empíricos. Baseia-se na teoria estatística, um ramo da matemática aplicada. Na
teoria estatística, a aleatoriedade e incerteza são modeladas pela teoria da probabilidade.
Algumas práticas estatísticas incluem, por exemplo, o planejamento, a sumarização e a
interpretação de observações. Porque o objetivo da estatística é a produção da "melhor"
informação possível a partir dos dados disponíveis, alguns autores sugerem que a
estatística é um ramo da teoria da decisão.
A medição demográfica emerge também como forma de biopoder: a
Demografia é a ciência que estuda a dinâmica populacional humana. O seu objeto de
estudo engloba as dimensões, estatísticas, estrutura e distribuição das diversas
populações humanas. Estas não são estáticas, variando devido à natalidade, mortalidade,
migrações e envelhecimento. A análise demográfica centra-se também nas características
de toda uma sociedade ou um grupo específico, definido por critérios como a Educação, a
nacionalidade, religião e pertença étnica. No século XIX, mais precisamente no ano de
1855, Achille Guillard em seu livro Eléments de Statistique Humaine ou Démographie
Comparée, usou pela primeira vez o termo demografia.
A biopolítica lida com a população humana. Por isso, Foucault apresenta
como exemplos da nova atuação do Estado a criação das instituições públicas para a
medicalização da população, a higiene pública, o controle das epidemias e a criação das
instituições de assistência à população. A cidade se torna o locus privilegiado da atuação
biopolítica: “a natalidade, a morbidade, das incapacidades biológicas diversas, dos efeitos
do meio, é disso tudo que a biopolítica vai extrair seu saber e definir o campo de
intervenção de seu poder17”.
Foucault analisa a noção de população. É um novo elemento que surge à
margem da teoria do direito e da prática disciplinar. O indivíduo com seu corpo (indivíduo-
corpo) ressurge reagrupado num coletivo, múltiplo, numerável, quantificável,
17 Op. Cit., p. 292.
7
contabilizável. A população é o objeto de interesse supremo da biopolítica por que diz é
um problema político, intrinsecamente ligado á problemática biológica da espécie.
A noção de fenômeno coletivo advem do surgimento dos acontecimentos
aleatórios do qual irá se ocupar a biopolítica: “a biopolítica vai se dirigir, em suma, aos
acontecimentos aleatórios que ocorrem numa população considerada em sua duração18”.
Os mecanismos de previdência surgem, assim, em torno dos fenômenos
aleatórios, qualidade intrínseca da população de seres vivos. Esses mecanismos
disciplinares visam maximizar as forças “mediante mecanismos globais, de agir de tal
maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade19”, conseguindo-
se assim, sob a espécie humana uma regulamentação.
É assim que a regulamentação surge acoplando-se, aperfeiçoando-se,
aglutinando-se ao poder da soberania – poder fazer morrer, criando o poder de fazer viver
e deixar morrer. É a objeção, é a negação, a desqualificação progressiva e incisiva da
morte: “isso sobre o que o poder tem domínio não é a morte, é a mortalidade. E, nessa
medida, é normal que a morte, agora, passe para o âmbito do privado e do que há de
mais privado. Enquanto, no direito de soberania, a morte era o ponto em que mais
brilhava, da forma mais manifesta, o absoluto poder do soberano, agora a morte vai ser,
ao contrário, o momento em que o indivíduo escapa a qualquer poder, em sua parte mais
privada. O poder já não conhece a morte. No sentido estrito, o poder deixa a morte de
lado20”. Essa regulamentação é a biopolítica21.
Mas no século XIX qual a condição do poder da soberania e a biopolítica?
Como eles se articulam nesse contexto histórico? Há um elemento que vai se aplicar ao
poder disciplinar (corpo) e ao poder regulamentador (população) com excepcional
capilaridade. Trata-se da norma: “a norma é o que pode tanto se aplicar a um corpo que
se quer disciplinar quanto a uma população que se quer regulamentar. (...) A sociedade
da normalização é uma sociedade que se estende do orgânico ao biológico, do corpo à
população, mediante o jogo duplo das tecnologias de disciplina, de uma parte, e das
tecnologias de regulamentação, de outra22.” Para Foucault é a norma, empregada pelos
agentes detentores do saber, que finalmente fará a ponte entre um e outro mecanismo
18 Op. Cit., p. 293. 19 Op. Cit., p. 294. 20 Op. Cit., p. 296. Foucault cita como complemento de sua argumentação sobre o direito da soberania e o biopoder, a morte de Franco, que exerceu o poder soberano de vida e de morte e que se manteve vivo mesmo depois de sua morte física. 21 Foucault usa a seguinte distinção: os sistemas de poder são o poder da soberania ou a soberania sobre a morte (tecnologia disciplinar do corpo) e a biopolítica, biopoder ou regulamentação da vida (tecnologia regulamentadora da vida). Ver p. 297. 22 Foucault, Michel. Op. Cit., p. 302.
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(disciplina e regulamentação). A medicina será responsável pelo surgimento da idéia de
sociedade de normalização. O poder no século XIX, incumbiu-se da vida, do orgânico ao
biológico, utilizando as tecnologias de disciplina e regulamentação.
Um paradoxo do biopoder surge na análise do poder atômico. O poder de
matar já era uma prerrogativa do soberano. Esse poder se acopla ao biopoder. Mas com
uma paradoxo invitável: o poder atômico não é somento o poder de matar os outros,
senão matar a si mesmo juntamente com os outros inimigos. É fazer-se inimigo de si
mesmo. Ele suprime e tem por objetivo – mesmo que irracional, mas é um instrumento de
persuasão muito eficaz, típico da violência política – a supressão da vida. O excesso de
biopoder também aparece – como paradoxo - na proliferação de armas químicas que,
usando da proliferação da vida de vírus incontroláveis e letais pode “ultrapassar toda a
soberania humana23” por que representaria o fim de todos.
A genealogia do racismo contemporâneo ou o racismo de Estado – já que o
racismo é tão antigo quanto a espécie humana - está na emergência do biopoder e na
retração do poder de soberania. A pergunta enfática é: como um poder que surge para
afirmar o objetivo de fazer viver pode promover o seu oposto que é deixar morrer?
Foucault incorpora um novo elemento conceitual à sua discussão, prossegue
em sua aula discorrendo sobre o racismo e como o biopoder está relacionado com o
racismo: “o contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção
das raças, a hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras,
ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do
biológico de que o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população,
uns grupos em relação aos outros24.”
O racismo funciona fragmentando, criando áreas no interior desse contínuo
biológico a que se dirige o biopoder. O racismo terá também um papel de permitir uma
23 Op. Cit., p. 303. O poder atômico é um tema presente em várias publicações da Filosofia Política do pós-guerra e da Guerra Fria. Foucault mostra-se aqui, preocupado com a extinção da humanidade por causa de um excesso de biopoder ou uma falta de controle sobre ele. Ele apresenta aqui duas guerras possíveis e distintas. A primeira é guerra nuclear através de foguetes de alcance mundial que seriam utilizados para causar destruição total e irreversível no oponente. Jamais houve esse tipo de guerra, mas a ameaça de haver uma inspirou a Guerra Fria entre EUA e URSS. A primeira estratégia sugerida foi a "Destruição Mútua Garantida", ou "Mutual Assured Destruction" (MAD, "louco"). Esta rezava que, se um lado atacasse, o outro revidaria, havendo apenas vencidos. Outra tática seria proposta pelos EUA: em último caso, atacar preventivamente alguns pontos estratégicos do inimigo, de forma a neutralizar uma possível reação nuclear deste. Esta seria conhecida como "Estratégia de Alvos de Uso Nuclear", ou "Nuclear Utilization Target Strategies" (ou apenas NUTS, "maluco"). Pelo visto, Foucault apegou-se à primeira estratégia para exemplo. A segunda é guerra biológica que desenvolveu como tática de guerra o uso de agentes biológicos nocivos (vírus, bactérias, doenças, etc). Diz-se ironicamente que a conquista da América inaugurou a guerra biológica, pois os europeus trouxeram consigo doenças que dizimavam as populações nativas das Américas. Mas Foucault não teve esse tipo de referencial. A preocupação dele, no texto, refere-se às guerras de inovadas tecnologias e com devastador potencial biopolítico. 24 Op. Cit., p. 304.
9
relação positiva, quando diz respeito a manter-se vivo: “se você quer viver, é preciso que
você faça morrer, é preciso que você possa matar25”, essa atitude representa uma relação
de tipo guerreira, constituída em parte por esse racismo, que permite que eu mate o meu
oponente, meu inimigo, para me manter vivo, permitindo que exista entre a minha vida e a
morte do outro uma relação compatível com o exercício do biopoder: “quanto mais as
espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem
eliminados, menos degenerados haverá em relação à espécie, mais eu – não enquanto
individuo mas enquanto espécie – viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mas
poderei proliferar. A morte do outro não é simplesmente a minha vida, na medida em que
seria minha segurança pessoal; a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior
(ou do degenerado, ou do anormal), é que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais
sadia e mais pura26.”
Não se trata somente de uma relação militar, guerreira e sim de uma
relação biológica, sendo assim, a eliminação da vida no biopoder é permitida, porque
representa uma eliminação de um perigo biológico, e, por sua vez, essa eliminação do
perigo, acarretará no fortalecimento de um determinado grupo biológico, racial: “a raça, o
racismo é a condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização27”.
O racismo legitima, justifica a ação do poder soberano e do biopoder. Existem outras
formas de eliminar um inimigo. Segundo Foucault: “(…) por tirar a vida não entendo
simplesmente o assassínio direto, mas também tudo o que pode ser assassínio indireto; o
fato de expor à morte, de multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e
simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição28.”
Dessa forma, podemos compreender a associação estabelecida entre a
teoria biológica do século XIX e o discurso do poder. A teoria biológica não seria somente
uma forma de mascarar os interesses políticos, tampouco seria somente uma imagem
científica, mas, uma forma de pensar as colonizações, as guerras, a criminalidade, os
fenômenos da loucura e da doença mental, a história das sociedades com diferentes
classes, etc. O racismo, sem dúvidas, foi um elemento muito importante na articulação e
utilização do biopoder para subjugar e matar vidas, ele também esteve presente quando
se pensou na criminalidade, Foucault afirma: “se a criminalidade foi pensada em termos
de racismo foi igualmente a partir do momento em que era preciso tornar possível, num
mecanismo de biopoder, a condenação à morte de um criminoso ou seu isolamento.
25 Op. Cit., p. 305. 26 Loc. Cit. 27 Op. Cit., p. 306. 28 Loc. Cit.
10
Mesma coisa com a loucura, mesma coisa com as anomalias diversas29.” O que Foucault
tenta dizer é que não se trata de um racismo que se traduz em ódio de uma raça pela
outra, ou uma espécie de operação ideológica tradicional: “o racismo é ligado ao
funcionamento de um Estado que é obrigado a utilizar a raça, a eliminação das raças e a
purificação da raça para exercer seu poder soberano30”.
O nazismo ou o Nacional Socialismo (termo vindo do alemão
Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei ou Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães ou ainda, NSDAP) designa a política da ditadura que governou a
Alemanha de 1933 a 1945, o Terceiro Reich. Mas qual a relação entre o Estado mais
assassno e o mais racista manifestado no Estado nazista? Por que Foucault afirma haver
essa conexão horizontal e inseparável entre violência política, nazismo e racismo de
Estado? Por que o nazismo é o mais exemplar dos Estados?
O Estado nazista utilizou-se dos mecanismo de poder novos introduzidos a
partir do século XVIII: “não há Estado mais disciplinar, claro, do que o regime nazista;
tampouco há Estado onde as regulamentações biológicas sejam adotadas de uma
maneira mais densa e mais insistente; Poder disciplinar, biopoder: tudo isso percorreum
sustentou a muque a sociedade nazista (...). Não há sociedade a um só tempo mais
disciplinar e mais previdenciária do que a que foi implantada, ouem todo caso projetada,
pelos nazistas. O controle das eventualidades próprias dos processos biológicos era um
dos objetivos imediatos do regime31”. Os campos de concentração foram um instrumento
de guerra. Uma guerra cuja finalidade é a superposição de uma raça superior sobre uma
raça infeior e derrotada. Os derrotados são inferiores. Por isso, o risco de uma guerra é
mútuo: “é preciso que se chegue a um ponto tal que a população inteira seja exposta à
morte. Apenas essa exposição universal de toda a população à morte poderá
efetivamente constituí-la como raça superior e regenerá-la definitivamente perante as
raças que tiverem sido totalmente exterminadas ou que serão fdefinitvamente
sujeitadas32.”
29 Op. Cit., p. 308. 30 Op. Cit., p. 309. 31 Op. Cit., p. 310. A respeito da organização nazista há um excelente filme de Peter Cohen, “Arquitetura do mal” (The arquitecture doom), de 1989. Cohen retrata a pretensão do nazismo de ser o continuador do ideal estético grego da Antiguidade e o judaísmo como corrupção desse ideal. Os judeus ficariam a parte do processo da nova civilização pela razão racista – seriam fora dos padrões arianos. A eliminação da arte, das expressões culturais, dos bancos, da religião judaicas ajudariam na criação de uma raça pura. O engajamento de todos os alemães não judeus no processo era o requisito primário. Sem a participação de todos no projeto de uma nova nação vitoriosa, poderia ser o fim de todos por causa da impossibilidade da raça alemã viver sem os ideais nazistas. 32 Op. Cit., p. 310.
11
A sociedade nazista é exemplo de coexistência radical entre o biopoder e o
direito soberano de matar. Nela se encontram os dois mecanismos interagindo
mutuamente: “houve, entre os nazistas, uma coincidência de um biopoder generalizado
com uma ditdura a um só tempo absoluta e retransmitida através de todo o corpo social
pela formidável junção do direito de matar e da exposição à morte33.” O Estado nazista é
ao mesmo tempo racista, assassino, suicida. Por isso, o projeto nazista necessitou de um
inimigo biológico e elemento estranho ao corpo dos verdadeiros alemães (raça ariana)
designados por raça inferior – os judeus; necessitou de um discurso legalizador da morte
de outra raça e de outros povos sem a qual não haveria uma nação Alemã orgulhosa de
sua vitória e, por fim, necessitou de um discurso apocaliptico em que a derrota dos
alemães seria o fim do mundo – o cosmos – germânico. Esses ingredientes justicaram a
barbárie: “solução final para as outras raças, suicídio absoluto da raça (alemã). Era a isso
que levava essa mecãnica inscrita no funcionamento do Estado moderno. Apenas o
nazismo, é claro, levou até o praxismo o jogo entre o direito soberano de matar e os
mecanismo do biopoder34”.
O racismo é a ligação entre biopoder e o exercício dos direitos de guerra, ou
seja, entre o arcaico e o novo, entre a antiga prerrogativa da soberania – fazer morrer e
deixar viver e a moderna biopolítica – fazer viver e deixar morrer. Assim, o racismo é o elã
necessário para o funcionamento da biopolítica.
4.Considerações finais
Finalizando, a guerra, a violência politica par excellence, provocada ou não
pelo racismo, o instrumento letal dos Estados na biopolítica é assim, desvalorizada por
Foucault. Na sua aula de de 17 de março de 1976, bem como durante seu curso de 1976,
evoca uma inversão do aforismo de Carl von Clausewitz que afirma que “a guerra não é
somente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das
relações políticas, uma realização destas por outros meios. O que se mantém sempre
caracterísitico da guerra releva puramente da especificidade dos meios que ela põe em
prática. (...) pois que a intenção política é o fim, enquanto a guerra é o meio, e não se
pode conceber o meio independentemente do fim35”. O poder não é a guerra, não são
equivalentes nem equiparáveis. Não há entre guerra e poder uma relação necessária, ao
contrário, Foucault propõe uma inversão do aforismo resumido na expressão de que “a
33 Op. Cit., p. 311. 34 Loc. Cit. 35 CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 27.
12
guerra é uma simples continuação da política por outros meios”. A inversão reivincada por
Foucault põe seu acento sobre o fim da barbárie nos campos de batalha e introduz esse
elemento perturbador na paz civil. Quando Foucault afirma que “a política é a guerra
continuada por outros meios36” indica que a sociedade civil exercita dentro de si, através
dos seus sujeitos, relações de força numa guerra silenciosa, fria, mas não sem vencidos e
vencedores. A política, assim, é uma relação entre sujeitos nas instituições, nas
desigualdades econômicas, na forma de expressão, e de corpo para corpo: “a política é a
sanção e a recondução do desequilíbrio das forças manifestadas na guerra” ou ainda “o
poder não se dá, nem se troca, nem se retoma, mas que ele se exerce e só existe em
ato37.” Assim, podemos concluir com uma indagação: resistência dos sujeitos contra o
deixar-se morrer não é uma grande batalha, não é a guerra imprenscindível da política?
5.Referências bibliográficas
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13
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