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Do direito ao trabalho à garantia de aprender a pescar: revisionismos, política social de
combate à pobreza
Alana Andreia Pereira1
RESUMO: Apresentamos aqui resultados parciais da tese de Doutorado. A principal contribuição deste artigo será a realização da análise de algumas abordagens das posturas desenvolvimentistas, dos revisionismos social-liberais a brasileira e das teorias de combate à pobreza no Brasil. Primeiramente, trabalhamos com o fim das teorias desenvolvimentistas furtadiano-cepalinas como estratégias de superação da dependência internacional. No segundo momento, falamos sobre o social-liberalismo dos governos brasileiros de FHC e do PT e as políticas de combate à pobreza. Por fim, reforçamos a crítica às ações de enfrentamento, ao “empoderamento” e ao combate à pobreza. Enfatizamos a prioridade por políticas estruturantes com o horizonte da emancipação humana. Palavras-chaves: Desenvolvimentismo. Social-liberalismo. “Empoderamento”. Combate à pobreza. Emancipação humana.
ABSTRACT: We present here partial results of the doctoral thesis. The main contribution of this article will be the analysis of some approaches of developmental postures, of Brazilian social-liberal revisionisms, and of theories of how to battle poverty in Brazil. Firstly, we discuss the end of the Furtadian-ECLAC developmental theories as strategies for overcoming international dependence. In the second moment, we discuss about the social-liberalism of the Brazilian governments of the FHC and PT, and the policies to overcome poverty. Finally, we reinforce our critique to these actions of coping, "empowerment" and the fighting against poverty. We emphasize the priority for structuring policies with the horizon of human emancipation. Keywords: Developmentalism. Social-liberalism. “Empowerment”; fight against poverty. Human emancipation.
1 INTRODUÇÃO
A questão da dependência e do subdesenvolvimento é um debate central para o
Brasil, marcada por propostas como as análises cepalino-furtadianas, a teoria marxista da
dependência, mas que na contemporaneidade está sendo tomada por vertentes, cujo foco é
o combate à pobreza. As políticas sociais de combate à pobreza têm severas implicações na
implementação das políticas sociais brasileiras.
1 Assistente Social da Prefeitura de Jaguariúna/SP, Doutoranda pelo PEPG em Serviço Social da PUCSP, E-mai: alana.aap@gmail.coml. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
Para compreender os governos FHC e Ptistas, buscaremos a princípio, perpassar
pela história dos governos anteriores a ditadura militar de 30 a 60, período conhecido pelo
desenvolvimentismo a brasileira. ´
Na sequência serão evidenciadas análises críticas tanto das recomendações
cepalino-furtadianas que dão vazão as ideias desenvolvimentistas no Brasil, quanto das
implantações frustradas das diretrizes da Sociedade de Mont Pèleren, quanto das
manifestações revisionistas do neoliberalismo que busca absorver as demandas da classe
trabalhadora não como “questão social” entendida como embate entre classe trabalhadora e
classe dominante, mas como problemas sociais que devem ser enfrentados por ações de
combate à pobreza.
A partir disso reconstruímos mediações postas na realidade sob orientação da
ontologia do ser social, ou razão ontológica para explicitar a intencionalidade de tal ideologia
e os custos para a classe trabalhadora.
2 O FIASCO DO DESENVOLVIMENTISMO A BRASILEIRA
Ao analisarmos a cena brasileira numa primeira aproximação (imediato),
acessamos noções que indicam que se trata de um país subdesenvolvido, de economia
dependente do mercado externo, que aboliu a escravidão tardiamente. Se o ponto de partida
para a análise for a realidade dos países de capitalismo desenvolvido, há uma grande chance
de incorrer no equívoco de acreditar que a pergunta a ser feita seria “Como desenvolver o
país?”.
As limitações deste trabalho não permitem que sejam trabalhados textos com
enfoque no Brasil colônia, apesar de Oliveira (2003) ressaltar que autores cepalinos-
furtadianos, e outros contemporâneos a Florestan Fernandes devem de alguma forma às
interpretações forjadas pelos clássicos da década de 1930, trabalhos que teriam buscado
explicitar a originalidade do Brasil colônia portuguesa fundada na exploração escravista.
O desenvolvimentismo, por consequência, surge da preocupação de equacionar
formas para a expansão das forças produtivas, condicionada a solucionar questões
fundamentais do país. O controle do desenvolvimento do capitalismo no Brasil era o cerne da
questão, para tanto era necessário criar alicerces sociais e culturais.
Sampaio Jr. (2012), no entanto, alerta que este seria um termo esvaziado, um
instrumento ideológico com vistas a tratar das formulações para o desenvolvimento
econômico de países latino-americanos, propagando a possibilidade de existir um capitalismo
sob controle dos interesses nacionais, tais como a condição de dependência externa e o
acirramento das expressões da “questão social”2. Ainda sobre o termo, Oliveira (2003) lembra
que o sufixo “sub” evidencia o lugar destinado aos países periféricos na divisão social do
trabalho internacional imperialista.
As teorias cepalino-furtadianas padeciam de um messianismo, inferiam que as
contradições do subdesenvolvimento poderiam ser solucionadas queimando etapas, a partir
das experiências já conhecidas de desenvolvimento.
Almeida (2003) falando sobre o nacional-desenvolvimentismo refere que seu
apogeu ocorre durante um período de crise que se iniciou com a chamada Revolução de 30,
momento que causa o desfecho da hegemonia da burguesia mercantil-bancária.
Nessa cena havia uma força direcionada a entender a industrialização do Brasil
como pressuposto para a emancipação nacional, essa vertente busca legitimação ideológica
e encontra impulso via burocratização do Estado, perdurando até 1964, com maior
intensidade na economia.
Juscelino Kubitschek (1956-1961) representou um período de democracia restrita,
anticomunismo, mobilização controlada via sindicatos de Estado, além da negação do direito
ao sufrágio para analfabetos. Representante da política nacional-desenvolvimentista, com
ampliação de quadros nacionalistas, responsável pela ruptura com o FMI, às custas de
investimentos audaciosos para o desenvolvimento econômico subsidiados por centros
capitalistas, principalmente os EUA, com vistas a combater iniciativas comunistas.
Contraditoriamente Bubitschek teria sido elogiado por Luiz Carlos Prestes, líder do Partido
Comunista da época. Tais fatos expressam que Kubitschek não deixava que o seu
anticomunismo lhe impedisse de realizar acordos que julgasse necessários.
Vargas e Kubitschek representaram, no solo histórico brasileiro, tentativas de
desenvolver a indústria e o mercado interno forte. Nas análises cepalinas-furtadianas, a partir
desses elementos, foi outorgado a classe trabalhadora organizar-se para romper com a
superexploração, acreditando ainda que a reforma agrária viria para romper com a lógica do
“exército industrial de reserva” (OLIVEIRA, 2003).
Oliveira (2003, p. 132) ainda elucida que contrariando tais expectativas a
burguesia nacional “[...] voltou as costas à aliança com as classes subordinadas, ela mesma
já bastante enfraquecida pela invasão de seu reduto de poder de classe pela crescente
internacionalização da propriedade industrial [...]”.
2 Aqui entendida de acordo com as análises de Netto (2011), como embate entre classe trabalhadora e classe dominante que ocorre via relação social de exploração.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado seria uma das principais
características aplicadas aos países de capitalismo periférico, como condição para a
existência do imperialismo.
Atentando-se aos contratempos e às descontinuidades históricas mundiais do capitalismo (o desenvolvimento desigual e combinado), o “atraso” aparece, por aqui, como a contraface da modernidade especificamente periférica, como a sua verdade oculta necessária e funcionalmente integrada no circuito global de valorização do capital (QUERIDO, 2010, pp.109-110).
Os desenvolvimentistas acreditavam, entretanto, que resolveríamos o atraso
realizando mudanças em nossas bases históricas e industrializando o país. A proposta foca
em ultrapassar os atrasos, enquanto que as desigualdades sociais seriam solucionadas por
medidas voltadas aos interesses coletivos, proporcionando a população o acesso aos
avanços.
O modelo de substituição de importações recomendado pela CEPAL aos países
de “Terceiro mundo” começa a se exaurir a partir de fins da década de 50. Este projeto
defendia que pelo investimento interno junto a diminuição das importações pelo controle de
taxas de câmbio e demandas, poderíamos superar o subdesenvolvimento.
Ocorre que os países de “Terceiro Mundo”, neste período passam a sofrer com
golpes de Estado, “contrarrevoluções preventivas” (NETTO, 2015) – termos de Florestan
Fernandes aqui retirado pelas análises de Netto. No Brasil ocorre o golpe de abril de 64, tais
eventos foram expressão, de acordo com Netto (2015) foram respostas dos grandes centros
imperialistas sob hegemonia norte-americana. Baseadas no medo de insurgências
comunistas, essas ações vislumbraram destruir as resistências ao capitalismo subalterno, ao
imperialismo.
As análises concretas nos exigem compreender o Brasil, país de desenvolvimento
tardio, heteronômico e excludente (NETTO, 2015), esboçando particularidades de uma
economia baseada na agricultura voltada para o mercado externo; grandes latifúndios; de
uma burguesia fragilizada que não consegue fazer frente ao poder advindo da concentração
de terras; de um país que tem seu plano econômico baseado muito mais em reformulações
para a aceleração da industrialização que uma revolução industrial; com uma sociedade civil
inserida por interesses da classe dominante e reprimida quanto as lutas da classe
trabalhadora (NETTO, 2015).
A contrarrevolução colocou fim nos sonhos desenvolvimentistas, pois evidenciou
os usos da miserabilidade e das desigualdades sociais feitos em prol do aumento das taxas
de lucro para o grande capital internacional com alguns ganhos resguardados ao capital
interno. Ou ainda, as expressões da “questão social”, como a miserabilidade passam a ser
naturalizadas como necessárias ao desenvolvimento do país, intrínsecas e inelimináveis a
lógica capitalista.
Oliveira (2003) tece suas análises revelando a inexequibilidade de tais crenças,
pois infere que o exército industrial de reserva ocupado em atividades informais urbanas,
servia para o rebaixamento de salários – desvalorizando o custo da força de trabalho -, bem
como a não realização da reforma agrária forçando o êxodo rural.
A burguesia nacional não compartilhou do projeto desenvolvimentista, preferindo
aliar-se de forma subsumida aos interesses da burguesia internacional.
A Teoria Marxista da Dependência (TMD), aqui representada por Marini (1973),
nos revela elementos fundantes para o entendimento de tal posicionamento quando falando
sobre condição latino-americana de gênese e inserção no mercado globalizado.
O desafio reside em adotar a história como recurso imprescindível. Marini (1973)
infere que tal inserção foi feita por um processo de vinculação da Inglaterra e suas
necessidades atendidas pelos países da América-latina, esses últimos ignoraram uns aos
outros, passando a realizar a produção e exportação de bens primários conforme demandas
do primeiro, recebendo em troca produtos de consumo manufaturados. A manutenção da
dependência, neste contexto, reside em compreender que quando as exportações superaram
as importações as dívidas também aumentaram.
Nestes termos a gênese da produção agrária visa a atender as necessidades do
capital inglês, conforme fomos precisando ampliar a produção fomos contraindo dívidas. No
momento em que começamos a ampliar os ganhos pela exportação, a dívida é cobrada por
um valor que supera os ganhos, gerando um processo cíclico de endividamento.
A relação social de dependência é assim constituída, por meio de subordinação
econômica de países supostamente independentes. A partir dessa constatação é que se
evidencia que a dependência só pode gerar mais subordinação e que a superação desse
vínculo só é possível pela superação do modo de produção capitalista, do imperialismo e suas
estratégias de exploração predatórias.
Sampaio Jr. (2012) aponta que a partir desse desfecho começam a ser gestados
alguns revisionismos da estrutura desenvolvimentista, tais como apresentar o mercado
globalizado não como um empecilho, mas como espaço frutífero para a inserção submissa
como condição para o desenvolvimento. Destarte, as contradições de classes sociais são
entendidas não como obstáculos para o subdesenvolvimento, e sim como resquícios
coloniais.
Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1972 analisando o empresariado industrial
brasileiro em ascensão inferindo que houve uma preferência pela aliança com a burguesia
internacional em detrimento das relações internas, e em ‘Dependência e desenvolvimento’ em
2004, FHC e Enzo Faletto teriam esboçado o primeiro momento de diluição das contradições
de classes sociais, relegando tal fato a condição de economia.
No segundo momento, Sampaio Jr. (2012) analisa outra trabalho revisionista
acerca das esperanças desenvolvimentistas, “Além da estagnação” de Maria da Conceição
Tavares e José Serra de 1972, apontando-o como bibliografia básica da gênese desse
movimento, uma vez que apresentaria os padrões de consumo modernizados, a concentração
de renda como tendência estrutural e o subdesenvolvimento de forma fragmentada.
Ao reduzir desenvolvimento ao simples processo de industrialização e modernização, deixando de lado a questão da autonomia nacional e o problema da integração social, lançavam-se as bases para uma profunda ressignificação do próprio conceito de desenvolvimento (SAMPAIO JR., 2012, p.677).
Temos aqui o marco de ruptura com as ideias desenvolvimentistas na cena
brasileira, cabendo entender os equívocos cometidos por autores que também influenciaram
a esquerda do país por estratégias equivocadas. Notoriamente, a superação do
subdesenvolvimento nunca esteve de fato na pauta internacional, o que vai sendo desvelado
com as primeiras solicitações externas de produção com foco na exportação, propostas de
investimentos falsamente solidários que, em última instância, tornaram o país cada vez mais
endividado e dependente.
As tendências apresentam de forma diluída que as contradições de classe
terminam por ganhar a cena com FHC assumindo a presidência. FHC marca, com maior força,
tempos de união do inconciliável, ou seja, de um coletivo constituído por social-democratas,
direitas, “esquerdas”, aparentemente unidos por uma conciliação que se metamorfoseou em
totalitarismo.
A esperança do desenvolvimento dependente também vai se revelando inviável,
Oliveira (2003) alerta para os limites concretos entre a Segunda Revolução Industrial teria
sido um momento que possibilitava determinados saltos a partir de conhecimentos divulgados;
e a Terceira Revolução Industrial, marcada pelo conhecimento patenteado, rompendo com
expectativas de que a adesão ao futuro capitalista faria com que superássemos as
características de economia dependente.
Em Oliveira (2003, p. 137) temos a constatação do “ornitorrinco” brasileiro, quando
detecta que o trabalho assalariado explorado formal via extração de mais valia relativa, é
utilizado tanto quanto a mais valia absoluta, principalmente pela lógica da informalidade.
2. 1 O canto da erradicação da pobreza para o Brasil: a recusa das políticas estruturantes
A realidade dos países desenvolvidos foi proporcionada historicamente pelo
desenvolvimento industrial pelo modo de produção capitalista (MPC), com vistas a atingir esse
mesmo patamar, como vimos acima, organizações como a CEPAL indicaram a ideologia
desenvolvimentista para solucionar as incongruências dos países de capitalismo periférico,
que possuiriam parcas capacidades para expandir o progresso tecnológico industrial e
absorver a força de trabalho ociosa.
A década de 1960 foi marcada pelas estratégias desenvolvimentistas no Brasil, já
a década de 1970 esboçou que tais diretrizes só poderiam surtir os efeitos esperados para
países de capitalismo central, pois havia toda uma lógica imperialista que precisaria ser
considerada, além de compreendermos as determinações socio-históricas de cada país.
A década de 80 na cena internacional foi marcada por tentativas de implantação
do mais puro neoliberalismo Hayekiano, mais precisamente o difundido pela Sociedade de
Mont Pèlerin com Pinochet no Chile em 1973, Ronald Reagan nos EUA em 1980 e Margaret
Thatcher na Gran-Bretanha em 1979 e Deng Xiaoping na China em 1978. Castelo (2013)
alerta que essas experiências não ocorreram com linearidade e harmonia, em muitos casos
contrastando até mesmo com as diretivas da doutrina, entretanto, os impactos vorazes da
concentração de renda e riquezas pelas elites só seriam sentidos na década de 1990.
Diante das tensões daí resultantes, o pensamento neoliberal incorpora o tema da “questão social” em suas pesquisas e ações políticas. [...] visa neutralizar as proposições igualitaristas da esquerda, rebaixando o horizonte intelectual das forças sociais progressistas com os debates sobre equidade, igualdade de oportunidade, vulnerabilidade/exclusão/coesão social, ativismo ético e virtuoso de indivíduos empoderados e comunidades dotadas de capital social, bem como da funcionalidade do Terceiro Setor (CASTELO, 2013, p. 222, grifos meus).
O Brasil vivenciava o fim do ciclo autocrático burguês e, início do processo de
redemocratização. Somente a partir da década de 90 com os governos de FHC e os anos
2000 a 2016 com os governos PT é que foram se evidenciando os novos rumos do projeto
societário vigente. Em Castelo aparece como social-liberalismo, projeto que teria chegado ao
Brasil para “reafirmar e reatualizar a direção intelectual-moral das classes proprietárias” (2013,
p. 343).
Castelo (2013) analisa meticulosamente diversos autores defensores do que seria
um novo projeto, tais como a “terceira via” de Giddens, entre outros como os “novos
movimentos sociais” por Touraine, o que lhe permite inferir que para essas concepções a
chave para solucionar o problema da distribuição de renda reside na desigual distribuição do
ativo educação, defendendo que para combater a exclusão social os investimentos deveriam
ser revertidos em um sistema educacional mais eficiente voltado para a formação atrelada as
demandas do mercado de trabalho.
Tal postulado defende que as políticas universais são ineficientes, onerosas,
chegando até a incidir negativamente na economia, acreditam que o problema não seja falta
de recursos, mas a má distribuição, defendendo assim, políticas focalizadas. A atenção para
esse discurso deve ser redobrada, pois ao notar a má gestão dos recursos,
contraditoriamente, lançam políticas focalizadas como solução para a desigualdade social.
As experiências social-liberais dão vazão às políticas de combate à pobreza. No
âmbito internacional o deslocamento do combate a “questão social” para o combate à pobreza
insurge a partir dos anos 80 com as reformas dos Estados de Bem-Estar Social, momento em
que tanto nos países centrais como nas periferias do capitalismo as políticas públicas
governamentais passam a ser referenciadas em sua elaboração no movimento da econômica
mundial.
No Brasil teríamos fortes indícios apontando para políticas sociais contraditórias
que expressam um mix de projeto societários, podendo os direitos serem subdivididos em
categorias fragmentadas, entre acessos básicos sob oferta do Estado pelo tripé da seguridade
social, bem como educação, agricultura que ficam a cargo das propostas dos governos e, as
propostas de enfrentamento à vulnerabilidade social, ficando aqui as políticas focalizadas que
atendem a população abaixo da linha da pobreza, como atual Programa de Transferência de
Renda do Governo Feral, Bolsa Família.
O reducionismo do acesso democrático, direitos sociais como um dever do Estado
e o sucateamento das políticas estruturantes vem ocorrendo justamente pelo privilégio as
políticas de combate à pobreza.
Vivemos um momento em que o assistencialismo toma conta da cena, clamando
por certo “empoderamento” por meio de parcos recursos e ofertando acessos irrisórios para
a população, como acesso a convivência para cursos de violão e crochê. Ao incorrer neste
reducionismo, recorre a recursos retrógrados moralistas e moralizadores, pois entende que o
pobre está nesta condição de vida por falta de capacidades.
Oliveira que havia nutrido por um longo período expectativas de que Lula a partir
de 2002 mudaria o curso da história de inserção dependente construída por FHC, mais
adiante, já no segundo governo do PTista, escreve que Lula recompõe as estratégias de
conciliação de classes, ou ainda teria reconstituído o sistema político combinando
desregulamentação e globalização. (OLIVEIRA apud QUERIDO, 2018, p 15).
O governo Lula ficou marcado pela estratégia de conciliação pela via do
aprofundamento do uso das Transferências de Renda em detrimento dos investimentos nas
políticas sociais de serviços, propostas que permitem a inserção dos mais espoliados ao
consumo e ao direito ao trabalho em condições de proteção e garantias, como renda fixa,
décimo terceiro, férias, jornadas de trabalho fixas, com cálculo proporcional a horas extras,
finais de semana remunerados, fundo de garantia, auxílio doença, aposentadoria, entre outras
garantias que hoje estão sendo destruídas, mas que tiveram o princípio de seu fim ainda
nesses governos, a título de exemplo, basta lembrar da Reforma da Previdência feita por Lula
nos primeiros anos de seu primeiro governo.
Reforma deixou de ser uma palavra progressista, pois com os programas de
erradicação da fome e da pobreza, bem como as mudanças nas legislações que visavam
tornar a assistência um direito do cidadão e dever do Estado, fica explícito o cenário alarmante
de perpetuação do assistencialismo em detrimento do direito ao trabalho, ofertando benefícios
eventuais e transferências de renda e aspectos morais invés de trabalhar a questão da
consciência coletivamente e as lutas sociais visando a luta pelo direito ao trabalho. Esses
ataques devem ser vistos no máximo como contrarreformas.
A desresponsabilização do Estado vai se agudizando cada vez mais via oferta
recursos ínfimos para a sobrevivência das famílias estacionadas na condição de
superpopulação relativa, e a culpabilização da família que mediante transferência de renda,
benefícios eventuais e acesso a cursos e a educação precarizada, mercantilizada. O trabalho
para essas perspectivas teria deixado de ser categoria central para o debate, sendo
substituído por oportunidades individuais de geração de renda.
Por essa análise dialógica de ordenamento racional fenomênico, temos que a
pobreza é equivocadamente colocada como objeto de intervenção. O distanciamento das
análises concretas de situações concretas apresenta um horizonte esvaziado de conteúdo
político, permeado por análises que tratam as análises de esquerda, pela vertente crítica como
utópicas, obsoletas e doutrinadoras, como se a essência não fosse acessível e a
fragmentação fosse a própria lógica do real.
A prioridade por políticas focalizadas ganha a cena, enquanto que as iniciativas
voltadas para o fortalecimento das políticas estruturantes vão se deteriorando, via retirada de
direitos sociais e terceirização dos serviços sociais públicos.
3 CONCLUSÃO
O projeto societário que defende que a “questão social” será atenuada com o
desenvolvimento das capacidades humanas é mais uma expressão das estratégias
ideológicas burguesas, visando a manutenção do modo de produção capitalista,
pressupondo-o e positivando-o. Ou seja, para conservá-lo em sua linearidade a burguesia
lança mão de ideologias conforme seus projetos societários vão se esvaindo ao longo da
história.
O social-liberalismo recusa o trabalho como categoria central e a renda como
elemento fundamental para a sobrevivência da classe trabalhadora, renega a própria história,
concluindo por equívocos, criando teses que reverberam de forma destruidora na vida
cotidiana dos trabalhadores da cena mundial.
Assim como pontuamos acima para países na periferia do capitalismo o golpe é
muito maior, fazendo com que não seja possível vislumbrar os confins a que podem chegar
as valas de trabalhadores jogados como batatas podres e inúteis em prol da manutenção da
superpopulação relativa, que transita entre manutenção para aumento da taxa de lucro da
burguesia, retomada da acumulação, sendo absorvida, expulsa ou jamais acessando o
mercado de trabalho formal.
As ações de enfrentamento por políticas de “empoderamento”, não obstante, não
estão somente enquadradas nas bases da razão fenomênica, como também da quadra pós-
moderna ou pós-verdade, que assim como a razão moderna se fundamenta em dados
empíricos e fenomênicos.
Maranhão (2010) em suas análises evidencia os nuances da pós-verdade quando
fala de teóricos como Castel que seria crítico do termo “exclusão”, mas que concordaria com
Rosanvallon que os conflitos sociais atuais não possuem precedentes, sendo a “questão
social”, entendida como embate entre proletariado e burguesia, algo superado.
Vivemos o movimento inverso ao que acreditavam tanto os teóricos do
desenvolvimentismo, quanto os da pós-verdade creem, pois a ideia de exclusão, de periferia
e centro, cai por terra quando analisamos determinados fenômenos como o “Quarto Mundo”
dos marginalizados. O termo vem romper com ideia binária de desenvolvidos e
subdesenvolvidos, por termos uma reatualização de conceitos, inicialmente formulados para
a realidade latino-america, que estariam sendo retomados para tratar da precarização social
francesa pós “trinta anos gloriosos”.
As expressões da “questão social” que até então seriam remetidas a periferia do
capital, contudo, começam a ser identificadas nos países ditos centrais, fato este que leva a
entendimentos de que estaria ocorrendo uma brasilianização ou ainda uma
terceiromundização, pois estariam aumentando o número de postos de trabalho em condições
informais (ARANTES, 2004) mesmo em grandes centros capitalistas.
A contemporaneidade vem esboçando os limites da sociedade capitalista, sistema
incontrolável que necessita acumular, para tanto, não economiza em sua característica
exploratória, ainda que as custas da destruição das capacidades produtivas, o que se
evidencia com as análises revisadas ao longo do texto, quando falando do processo de
acirramento das expressões da “questão social” na quadra do capitalismo imperialista não
apenas na periferia, como também nos países centrais.
A palavra “empoderamento” aparece nessas teorias como sinônimo de
emancipação, ficando esta última categoria com um conteúdo esvaziado de seu significado.
Notoriamente, as ações de “empoderamento” não estão orientadas para a emancipação
humana – transformação radical da sociedade pela via comunista, quando muito, seguem nos
limites da emancipação política – remetendo a condição formal de cidadão munido de direitos,
que não se efetivam, ou acessos insuficientes e precários, sem romper com as bases da
desigualdade social.
Nestes termos a garantia do estatuto de cidadão é atribuído ao indivíduo que
acessa meios para desenvolver suas capacidades individuais, podendo o mesmo acessar ou
não a renda no livre-mercado, sendo extremamente conveniente justificar que a não
realização dos desejos deste cidadão via livre-mercado será fruto de sua própria ausência de
habilidades.
Os efeitos da perspectiva neoliberal travestida de social-liberal sobre a classe
trabalhadora explicitam o viés de culpabilização por um trato moralista. Além disso, é notório
que em maior ou em menor medida a classe trabalhadora sempre perde, sendo mais ou
menos explorada pela extração de mais-valia relativa ou absoluta em países periféricos e
agora centrais, pela flexibilização no mundo do trabalho.
A luta, portanto, é pela unidade na esquerda, mas não sem apontar de forma
crítica para a contradições. Falamos da esquerda comprometida com a emancipação humana,
que luta pelos acessos às políticas estruturantes, mas que não se deixa enganar por
revisionismos e conciliações falaciosas.
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