JASBRA no jornal O Globo

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6 ● SEGUNDO CADERNO Domingo, 26 de dezembro de 2010O GLOBO.

O GLOBO ● SEGUNDO CADERNO ● PÁGINA 6 - Edição: 26/12/2010 - Impresso: 24/12/2010 — 14: 50 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

Novo ‘boom’ de Jane AustenFilmes, vídeos, livros e HQs baseados na obra da autora mobilizam fãs, conhecidos como Janeites, quase 200 anos após sua morte

Fotos de divulgação

PREVISTO PARA 2011, o filme “From Prada to Nada” transporta “Razão e sensibilidade” para uma comunidade latina de uma Los Angeles atual

“AISHA”, uma

adaptação

contemporânea do

romance “Emma”

feita em Bollywood,

estreou na Índia

este ano

SUCESSO no

YouTube, o vídeo

“O clube da luta

de Jane Austen”

faz a personagem

Elizabeth Bennet

perder a compostura

A HQ “Orgulho e preconceito e zumbis”: direitos vendidos para cinema

Mônica Imbuzeiro

ENCONTRO de Janeites no Rio, semana passada: aniversário da autora

André Miranda

A frase vem sendo repeti-da à exaustão: “É verda-de universalmente re-conhecida que um ho-

mem solteiro em posse de boafortuna deve estar necessitadode esposa.” A afirmação, queabre o romance “Orgulho e pre-conceito”, o segundo de JaneAusten, publicado em 1813, éuma espécie de mantra que re-sume bem o realismo, o contex-to histórico, a classe social abor-dada e também a ironia que vêmgarantindo à autora inglesa oposto de uma das mais popula-res entre os leitores ao redor domundo — os mais ardorosos fãssão chamados de Janeites. Qua-se 200 anos após sua morte, em1817, Jane Austen ainda é lida,discutida, filmada, adaptada ereinventada por aí, tanto na vidareal quanto na internet. Exem-plos não faltam. Da Índia aosEUA, novos filmes baseados emseus livros estão sendo prepara-dos ou recém-chegaram aos ci-nemas. Em 2010, um romance euma graphic novel misturaramseus personagens mais famososcom zumbis. E um dos vídeosmais bacanas da internet em2010, “O clube da luta de JaneAusten”, que faz graça com ouniverso da autora, bateu a mar-ca de um milhão de acessos.

Jane Austen nasceu em 16 dedezembro de 1775, na Inglaterra.Sétima criança de uma famíliade oito filhos, ela foi criada numambiente rico que lhe permitiuter acesso a peças de teatro e li-vros. Foi daí que surgiu seu in-teresse pela literatura e tambémfoi daí que vieram muitas dasinspirações para sua obra. O pri-meiro de seus seis romances pu-blicados, “Razão e sensibilida-de”, de 1811, mostra como as Ir-mãs Dashwood precisam se vi-rar após a morte do pai. “Orgu-lho e preconceito”, o mais famo-so, é simplesmente a história deuma jovem em meio a limita-ções morais, tradições e amoresno século XIX. Já o póstumo“Persuasão”, de 1818, acompa-nha o amor de uma moça porum militar pobre, o que desagra-da sua família.

— O que fisga os jovens é ométodo infalível da típica histó-ria de amor. E isso é sempremais forte entre as meninas —explica a professora mineiraAdriana Zardini, de 37 anos, pre-sidente da Jane Austen Socieda-de do Brasil (Jasbra) e tradutorados romances “Mansfield Park”e “Razão e sensibilidade” para aeditora Landmark.

Popular no FacebookA Jasbra surgiu há quatro

anos, a partir de uma comunida-de do Orkut. O grupo já fez doisencontros nacionais, sendo queo último, no Rio de Janeiro, emjulho, teve 60 Janeites — todasmulheres, exceto por um maridocorajoso e um filho sem opção. Asociedade tem cerca de 160 par-ticipantes em seu fórum de dis-cussão, um número ainda tímidoperto dos quatro mil da Jasna, aassociação que atende aos fãs deEstados Unidos e Canadá.

— A grande maioria dos par-ticipantes é de mulheres comidades entre 21 e 25 anos. Eumesma adoto os livros da JaneAusten entre meus alunos dosensinos médio e universitários— explica Adriana.

Uma prova da popularidadede Jane Austen está em sua pe-netração na internet. No Face-book, a principal página sobre aautora tinha sido “curtida”(“curtir” é a maneira com que osusuários do Facebook declaramseu apreço por algum tema) por251.581 pessoas até a últimaquinta-feira. Outros escritoresdo século XIX, como Charles Di-ckens (99.986 pessoas), GeorgeEliot (5.967) ou as Irmãs Brontë(3.732), não chegam nem pertode tanta curtição.

Curioso é a forma com que osfãs interagem com sua obra. Al-guns alunos de Adriana Zardinijá criaram uma esquete em quea protagonista de “Orgulho epreconceito”, Elizabeth Bennet,era uma ogra verde como Shrek.O mesmo romance deu origem a“Orgulho e preconceito e zum-

bis” (lançado no Brasil este anopela editora Intrínseca), de SethGrahame-Smith, em que os per-sonagens da autora precisamconviver com mortos-vivos empleno século XIX. O texto deabertura da versão de Grahame-Smith faz uma paródia da frasefamosa do livro: “É uma verdadeuniversalmente aceita que umzumbi, uma vez de posse de umcérebro, necessita de mais cére-bros.” “Orgulho e preconceito ezumbis” também virou uma gra-phic novel, lançada em maio nosEUA, e teve seus direitos vendi-dos para o cinema — especula-se que Natalie Portman pode vi-ver Elizabeth.

O cinema, aliás, foi fundamen-tal para o crescimento da paixãopor Jane Austen, e um ano-cha-ve para se compreender essesentimento é 1995, quando, deuma só vez, foram lançados doisfilmes e ainda uma série de TVbaseados em obras da autora.Esta foi produzida pela emissorainglesa BBC a partir de “Orgulhoe preconceito”, com Colin Firthinterpretando Fitzwilliam Darcy,o popular Mr. Darcy, a paixão deElizabeth Bennet e o persona-gem pelo qual as Janeites suspi-ram em seus sonhos. O mesmoDarcy já havia sido interpretadopor Laurence Olivier na versãopara o cinema de “Orgulho e

preconceito” de 1940, e depoisfoi vivido por Matthew Macfa-dyen na versão de 2005. Não poracaso, o nome do galã de Firthem “O diário de Bridget Jones”(2001) é Mark Darcy.

— Eu só conheci a Jane Aus-ten pelo filme “Orgulho e pre-conceito” de 2005. Dali fui atrásdos livros — conta a historiado-ra Ana Maria Almeida, de 31anos, cofundadora da Jasbra eorganizadora de um encontro naúltima semana, na ConfeitariaColombo, no Rio, para homena-gear o aniversário de nascimen-to da autora. — Nós nos reuni-mos para estudar a obra, trocarexperiências e falar dos perso-

nagens. As meninas trazem ca-misas, DVDs, livros e canecas.

Ainda em 1995, o diretor AngLee lançou “Razão e sensibilida-de”, baseado no livro homôni-mo. O filme acabou indicado asete Oscars, vencendo o de ro-teiro adaptado. “Razão e sensibi-lidade” deu origem ainda a duasséries de repercussão da BBC(uma de 1981, outra de 2008) eao livro “Razão e sensibilidade emonstros marinhos”, da mesmaeditora americana que criou aobra dos zumbis e ainda inéditono Brasil. Para o ano que vem,está prevista a comédia “FromPrada to Nada”, com Camilla Bel-le no elenco, em que “Razão e

sensibilidade” é transposto parauma comunidade latina de umaLos Angeles atual.

As leituras contemporâneasde Jane Austen são possíveisdesde o bom desempenho dacomédia adolescente “As patri-cinhas de Beverly Hills”, daquelemesmo 1995. A produção serviupara lançar Alicia Silverstone co-mo a nova (e temporária) queri-dinha de Hollywood e para mos-trar como “Emma”, romance daautora de 1815 sobre uma jovemrica e mimada, poderia se pas-sar nas high schools americanas.No ano seguinte, em 1996, outraadaptação do livro chegou aoscinemas, desta vez com o título“Emma” — a trama era passadaem sua época original e comGwyneth Paltrow como protago-nista. “Emma” ainda serviu deinspiração ao recente “Aisha”,uma produção de Bollywoodlançada em agosto e que faz otexto de Jane Austen viajar paraa classe média de Nova Déli.

— Fala-se muito do caráterromântico das histórias de Ja-ne Austen, mas não se trata sódisso. Ela tinha um texto irôni-co e lidava com questões so-ciais da época. Seus livrosabordavam feminismo muitotempo antes do surgimentodos movimentos feministas —garante Ana Maria.

Sua fama também pode sermedida pelos acessos ao vídeo“O clube da luta de Jane Aus-ten”, uma brincadeira feita parao YouTube que mistura os títu-los dos filmes “Clube da luta”(1999) e “O clube de leitura deJane Austen” (2007), este sobrecomo os textos da autora aju-dam mulheres no século XXI. Noar desde julho e com mais de 1,3milhão de acessos, o vídeo mos-tra como Elizabeth Bennet, ves-tida a caráter, organiza um grupode terapia na base do tapa.

— Tem gente que escreve se-quências dos livros, outros fa-zem vídeos e há também umascoisas malucas. Já houve atéum filme pornô sobre o encon-tro de um escritor iniciantecom a Jane Austen — conta Ra-quel Sallaberry, autora dosblogs “Jane Austen em portu-guês”, “Biblioteca Jane Austen”e “Lendo Jane Austen”. — Aspessoas foram percebendoque criar em cima de Jane Aus-ten era popular, e muita genteembarcou na onda.

Fenômeno editorialFormada em Mecânica Indus-

trial e um pouco mais velha doque a média das Janeites, Raqueldemonstra carinho pela autoraem seus textos. Nos blogs, cria-dos de três anos para cá, ela reú-ne tudo o que encontra relacio-nado ao universo de Jane Aus-ten, faz sorteios, dá dicas de lei-tura e analisa a obra. Num dosúltimos posts, ela chama a aten-ção para o site “Bad Austen”,que convoca os fãs a escrevemum texto no estilo de Jane Aus-ten, prometendo publicar em li-vro os mais interessantes.

— Nos últimos anos, redes-cobriu-se Jane Austen por con-ta dos filmes e das séries. A par-tir daí as pessoas gostam doque é feito e vão atrás dos li-vros — explica Raquel. — A Ja-ne Austen falava sobre senti-mentos que existem até hoje. Amaioria das jovens pensa em secasar, em ter um namorado ba-cana, e ainda vive as intrigasdessas relações amorosas. Sãocasos universais e os livros es-tão aí para contá-los.

Além da Landmark, editorascomo a Best Seller, a MartinClaret, a Paulus, a Scipione e aL&PM têm obras de Jane Aus-ten disponíveis em catálogo.Os l ivros vendem bem. AL&PM, por exemplo, lançouum bonito volume de bolso de“Orgulho e preconceito” em ja-neiro, e já foi obrigada a fazerduas reedições.

— Nós temos uma coleçãode clássicos e estávamos hábastante tempo querendo lan-çar Jane Austen. Mas acaba-mos descobrindo que ela é umfenômeno engraçado — contaCaroline Chang, editora daL&PM. — São centenas de lei-tores engajados que se sentemíntimos da autora. ■

“Fala-se muito docaráter românticodas histórias deJane Austen, masnão se trata sódisso. Ela tinhaum texto irônicoe lidava comquestões sociaisda época. Seuslivros abordavamfeminismo muitotempo antesdo surgimentodos movimentosfeministasAna Maria Almeida, historiadorae cofundadora de “fã-clube”

“Nós temos umacoleção declássicos eestávamos hábastante tempoquerendo lançarJane Austen.Mas acabamosdescobrindoque ela é umfenômenoengraçado. Sãocentenas deleitores engajadosque se sentemíntimos da autoraCaroline Chang,editora da L&PM

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