Lisboa: território e literatura
Preview:
Citation preview
- 1. Na cidade as grandes casas fecham a vista chave, Escondem o
horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o cu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos
podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa nica riqueza ver.
Alberto Caeiro, heternimo de Fernando Pessoa Lisboa: territrio e
literatura 25 de julho de 2015
- 2. ITINERRIO Av. 24 de julho (Mercado da Ribeira) Praa Duque de
Terceira (Hotel Central) Rua do Arsenal (Comrcio Tradicional) Praa
do Municpio (Pelourinho; Cmara Municipal; ERTRL; ATL) Praa do
Comrcio Arco Triunfal; Esttua Equestre; Welcome Center; Pousada de
Portugal; Martinho da Arcada) Rua Augusta (MUDE; Elevador de Santa
Justa) Rossio (Teatro D. Maria II; Caf Nicola; Igreja-Convento de
S. Domingos; Estao do Rossio) Portas de Santo Anto (Casa do
Alentejo; Gambrinus) Praa dos Restauradores (Palcio Foz; PSP
Turismo; Hard Rock Caf; Posto de Turismo Y) Calada da Glria
(Elevador da Glria) Miradouro S. Pedro de Alcntara Bairro Alto
(Tasca do Chico) Rua da Misericrdia (Igreja de S. Roque; Espao
Chiado; Restaurante Tavares; Teatro da Trindade) Largo Rafael
Bordalo Pinheiro (Bistr Franais) Chiado (Casa Havaneza, A
Brasileira; Igreja do Loreto, Igreja da Encarnao; Igreja dos
Mrtires) Largo de S. Carlos (Teatro S. Carlos, Casa de Fernando
Pessoa) Rua do Alecrim (Monumento a Ea de Queirs)
- 3. 3 Caf Martinho da Arcada Come chocolates, pequena; Come
chocolates! Olha que no h mais metafsica no mundo seno chocolates.
Olha que as religies todas no ensinam mais que a confeitaria. Come,
pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade
com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que de
folha de estanho, Deito tudo para o cho, como tenho deitado a
vida.) lvaro de Campos, heternimo de Fernando Pessoa in Tabacaria
Caf Nicola Eu sou Bocage Venho do Nicola Vou pr outro mundo Se
dispara a pistola
- 4. Olha, Marlia, as flautas dos pastores Que bem que soam, como
esto cadentes! Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, no sentes Os Zfiros
brincar por entre flores? V como ali beijando-se os Amores Incitam
nossos sculos ardentes! Ei-las de planta em planta as inocentes, As
vagas borboletas de mil cores. Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folgas a abelhinha pra, Ora nos ares sussurrando gira: Que
alegre campo! Que manh to clara! Mas ah! Tudo o que vs, se no te
vira Mais tristeza que a morte me causara. Bocage Rossio Teatro
Nacional D. Maria II Este inferno de amar - como eu amo! Quem mo ps
aqui n' alma... quem foi? Esta chama que alenta e consome,
- 5. 5 Que a vida - e que a vida destri - Como que se veio a
atear, Quando - ai quando se h de ela apagar? Eu no sei, no me
lembro: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho
talvez... - foi um sonho - Em que paz to serena a dormi! Oh! que
doce era aquele sonhar... Quem me veio, ai de mim! despertar? S me
lembra que um dia formoso Eu passei... dava o sol tanta luz! E os
meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus. Que
fez ela? eu que fiz? - no no sei; Mas nessa hora a viver comecei...
Almeida Garrett, in Folhas Cadas S. Pedro de Alcntara um dos mais
belos miradouros da cidade. Merece ser recordada a descrio que Ea
faz do panorama da cidade, vista da pelos olhos de Lusa e do
Conselheiro Accio.
- 6. Atravs dos vares viam, descendo num declive, telhados
escuros, intervalos de ptios, cantos de muro com uma ou outra magra
verdura de quintal; depois, no fundo do vale, o Passeio estendia a
sua massa de folhagem prolongada e oblonga, onde a espaos
branquejavam pedaos de rua areada. Do lado de l erguiam-se logo as
fachadas inexpressivas na Rua Oriental, recebendo uma luz forte que
fazia faiscar as vidraas: por trs iam-se elevando no mesmo plano
terrenos de um verde crestado fechados por fortes muros sombrios, a
cantaria da Encarnao de um amarelo triste, outras construes
separadas, at ao alto da Graa (). in O Primo Baslio Lembro-me ento
daquela Lisboa de cinquenta e dois anos atrs, vista da Graa, ou de
So Pedro de
- 7. 7 Alcntara. Fixo-me nas artrias da Baixa, traadas a rgua e
esquadro, e na multido que se precipita para o Terreiro do Pao, e
que se escoa devagar nos barcos que partem para Cacilhas. Est ainda
azul o cu, mas paira sobre a cidade um alarme de acabamento, isto
como se se houvesse esgotado a esperana que anima as criaturas, e o
direito que lhes cabe a aceder a um amanh. Mrio Cludio, in Boa
noite, senhor Soares, D. Quixote, 2008, 2 ed., pp.47-48 Igreja de
So Roque Na Rua Larga de S. Roque, hoje Rua da Misericrdia, Ea
costumava comprar o papel almao em que gostava de escrever. Ao
subi-la deparamo-nos com o teatro da Trindade, que abriu as suas
portas em 1867 e, desde ento, mantm as suas caractersticas
originais, embora tenha sido sujeito a vrias remodelaes.
- 8. Na esquina do Largo da Misericrdia depara-se-nos a Igreja de
S. Roque, de austera fachada e precioso recheio, propriedade dos
jesutas desde finais de sculo XVI. Na Igreja de So Roque, no sculo
XVII, os sermes do Padre Antnio Vieira foram celebrizados, sendo o
mais conhecido deles o Sermo de Santo Antnio aos peixes: Olhai,
peixes, l do mar para a terra. No, no; no isso o que vos digo. Vs
virais os olhos para os matos e para o serto? Para c, para c; para
a cidade que haveis de olhar. Cuidais que s os tapuias se comem uns
aos outros; muito maior aougue o de c, muito mais se comem os
brancos. Vedes vs todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes
todo aquele concorrer s praas e cruzar as ruas? Vedes aquele subir
e descer as caladas, vedes aquele entrar e sair sem quietao nem
sossego? Pois tudo aquilo andarem buscando os homens como ho de
comer, e como se ho de comer.
- 9. 9 Largo Cames Amor fogo que arde sem se ver; ferida que di e
no se sente; um contentamento descontente; dor que desatina sem
doer. um no querer mais que bem querer; um andar solitrio entre a
gente; nunca contentar-se de contente; um cuidar que ganha em se
perder; querer estar preso por vontade; servir a quem vence, o
vencedor; ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu
favor Nos coraes humanos amizade, Se to contrrio a si o mesmo Amor?
Cames
- 10. Igrejas do Chiado Chegando ao Largo do Loreto, hoje Largo
do Chiado, encontramos face a face, duas igrejas: a do Loreto, cuja
missa da uma, ao Domingo, era a mais chique de Lisboa, e a da
Encarnao. Caf A Brasileira O poeta um fingidor. Finge to
completamente Que chega a fingir que dor A dor que deveras sente. E
os que lem o que escreve, Na dor lida sentem bem, No as duas que
ele teve, Mas s a que eles no tm. E assim nas calhas de roda Gira,
a entreter a razo, Esse comboio de corda Que se chama corao.
Fernando Pessoa, 1932
- 11. 11 Casa Havaneza No largo do Chiado ficava a melhor
tabacaria de Lisboa, a Casa Havaneza, fundada em 1865. Vendia
charutos de Havana, cigarros ingleses, turcos e russos. Nos seus
tempos ureos tinha seis portas para a rua principal, alm das
situadas na Rua Nova da Trindade. Sobreviveu at hoje, num espao
reduzido, sendo o restante ocupado por um banco. Ea de Queirs
entrou na Havaneza pela primeira vez com Manuel de Arriaga e logo
se tornou assduo frequentador da casa. Reconheceu-a como local
ideal para descobrir os
- 12. hbitos dos lisboetas, para desvendar os segredos ocultos da
capital. Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigo, Pinheiro Chagas eram
igualmente seus clientes. No havia no Chiado mais importante ponto
de encontro. L paravam os polticos a caminho de S. Bento, os atores
a caminho dos teatros, os desocupados a caminho dos cafs. L se
travavam rixas, se marcavam duelos. L se reuniam, em tertlia, os
literatos. L eram afixados os telegramas com as ltimas notcias. A
uma esquina, vadios em farrapos fumavam: e na esquina defronte, na
Havanesa, fumavam, outros vadios, de sobrecasaca, politicando. Ea
de Queirs in Os Maias Largo de So Carlos Perto do Chiado fica o
Largo de S. Carlos. O teatro que lhe deu o nome foi criado em 1793
e era a sala de espetculos mais prestigiada da capital. Nela
atuavam principalmente companhias de pera italiana.
- 13. 13 Era frequentada pelos reis, pela nobreza e pela
burguesia endinheirada. Dois espetculos paralelos a decorriam: o
que se passava no palco e o que era protagonizado pelos
espetadores, exibindo atitudes, toiletes, relaes. A tem voc S.
Carlos; chique, hem? Levou-o logo a comprar duas cadeiras do lado
do Rei (.) Na plateia, nas bancadas clareadas, sujeitos quase
deitados namoravam com languidez; ou de p, taciturnos, acariciavam
as luvas; velhos dilettandi, de leno de seda, tomavam rap,
caturravam; e D. Felicidade interessava-se por duas espanholas de
verde, que na superior imobilizavam, numa afetao casta os seus
corpos de lupanar. Ea de Queirs in O Primo Baslio, cap. XIII Nesta
poca no se ia ao teatro apenas para assistir a um espetculo, era
uma questo social. Nas antecmaras encontravam-se pessoas ilustres,
decorriam conversas entre amigos e conhecidos, na escurido dos
camarotes namorava-se, e porta ajustavam-se contas, por vezes
bengalada.
- 14. Casa onde nasceu Fernando Pessoa Todas as cartas de amor so
Ridculas. No seriam cartas de amor se no fossem Ridculas. Tambm
escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridculas. As
cartas de amor, se h amor, Tm de ser Ridculas. Mas, afinal, S as
criaturas que nunca escreveram Cartas de amor que so Ridculas. Quem
me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso
- 15. 15 Cartas de amor Ridculas. A verdade que hoje As minhas
memrias Dessas cartas de amor que so Ridculas. () lvaro de Campos,
heternimo de Fernando Pessoa Rua do Alecrim Descendo a Rua do
Alecrim, encontramos, esquerda, o mais conhecido monumento a Ea de
Queirs. De autoria de Teixeira Lopes, foi descerrado em 1903, trs
anos aps a morte do homenageado. A esttua, representando o
- 16. grande romancista e a verdade, simbolizada numa figura de
mulher, tem aos ps a legenda: Sobre a nudez forte da verdade o
manto difano da fantasia O monumento suscitou escndalo e polmica na
opinio pblica e imprensa da poca pela sua indecncia, tornando- se
alvo de stiras, dichotes, anedotas. Sucessivos atos de vandalismo a
tm mutilado at aos nossos dias. Hotel Central Na Praa Duque da
Terceira, junto ao Cais do Sodr (antiga Praa dos Remolares), do
lado nascente fica o prdio do mais referenciado hotel do mundo
queirosiano o Hotel Central. Maria Eduarda (de Os Maias), Baslio
(de O Primo Baslio) e muitas outras personagens ai se hospedaram. E
como guiados pelas duas linhas de pontos de gs que desciam a Rua do
Alecrim, o seu pensamento, o seu desejo foram logo para o Hotel
Central. Ea de Queirs, in O Primo Baslio
- 17. 17 O Sentimento dum ocidental Nas nossas ruas, ao
anoitecer, H tal soturnidade, h tal melancolia, Que as sombras, o
bulcio, o Tejo, a maresia Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
() Vazam-se os arsenais e as oficinas; Reluz, viscoso, o rio,
apressam-se as obreiras; E num cardume negro, hercleas,
galhofeiras, Correndo com firmeza, assomam as varinas. Vm sacudindo
as ancas opulentas! Seus troncos varonis recordam-me pilastras; E
algumas, cabea, embalam nas canastras Os filhos que depois
naufragam nas tormentas. Descalas! Nas descargas de carvo, Desde
manh noite, a bordo das fragatas; E apinham-se num bairro aonde
miam gatas, E o peixe podre gera os focos de infeo! Cesrio
Verde
- 18. Cursos Profissionais de Tcnico de Turismo (109 A e 129) Ano
letivo 2014-2015 Professores organizadores: Francisco Henriques e M
Carla Crespo