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10 gritos rumo ao nada do poema
Benedito Gomes Rodrigues
i.
queria
a sinceridade naturalíssima da criança
a sutileza modal e monástica da freira
impura
na minha sede de querer
na minha fome de saber
nos “meus” e “não-tão-meus-assim”
e “menos-teus-por-mim”
egoístas
e “não-somos-assim” que me contaram
em números cômicos o suficiente
para que não compreendesse
a tônica resultante
da soma equidistante
dos quilômetros
que separam nossos corações.
ii.
ao Inferno com a hipocrisia
sua poesia morta!,
que só rima consigo mesma
e não comporta [nem comportará]
mais do que a eloquência sofística
de uma balada cantada decorada [decorosa em
demasia]
ao Céu esta agonia!
que sangra em poesia
que jorra e grita
que chora e canta rouco
como menino aliviado
ou como mulher sedutora
como a voz abrasadora
da paixão perdida
- que é a verdadeira paixão -
sempre à procura de si mesma(o)
e de um sim que complete o não
e se zerem, porquanto se encontrem.
iii.
escorri desde cedo
ao sabor que tem a palavra sem sal
e sem açúcar
a palavra que corrói e educa
que amarra com seus pontos finais
e sempre se interpola com interrogações
despercebidas
e que desconduzem a alguma coisa
que espreita todo enunciado
esta costura de linha fina
lindamente elucidada
pelos dicionaristas mais analfabetos
foi-me esclarecida pelo cantor louco
que disse sem saber o que dizia
mas falou assim mesmo, como é normal:
- sou aqueles três pontinhos que nunca dizem nada
assim como tudo que vem antes
aos quais comi sem mastigar
como quem come a si mesmo.
iv.
revolta
e dá a volta por trás
porque por cima não dá mais
já ficou tentativa conservadora
que tal passar por entre as pernas
e se remoer sem reservas
e chorar sem contar gotas?
largar os porquês aos místicos
os poréns aos críticos
e os versos certinhos
aos poetas ventríloquos
e fazer, uma vez ou outra
regurgitação
lucidez lunática
esta ação-não-ação
esta indecisão
tão-própria desta palavra
dita poema
enxertada no papel, como a gente no véu do nada.
v.
soprei
onde a mordida não se encontrava
e consolei quem não sofria
e esperei de onde não vinha
e depois ainda há quem diga que isto não é auto
boicote
ou pose para parecer mais seguro de si
e dirimir o buraco que existe
bem depois da goela de cada um
desses seres falantes
propriamente sem-rumo
e, quer saber?, tenho pena desses
- que como eu um dia -
querem parecer sábios demais
eu sou é ignorante!
e a minha resposta
às perguntas que não calam
é um poema que soa como silêncio
que soa como minha essência de sem-tempo e sem-
ação
essa elucubração poética
essa masturbação estética
- porque neste caso, faço por mim, não pelos outros
esse apontamento desapontado
esse ponto não pontuado
e sem rima coerente
o que importa agora
é aproveitar o dia
de se fazer poesia nas ações
sendo o delinquente
que ama simplesmente
e faz pelo simples prazer de fazer
sem objetivo definido
e sem ter pelo que se frustrar
porque a recompensa
está no reles fato de tentar
amar, quem sabe {é}, você,...
vi.
metaforicamente falando
saiam-se as saídas fáceis
e partam-se as partidas doloridas
venha a saudade do que ainda não foi
que alguns chamam de amor
e outros de tortura
um sadismo qualquer
mau-me-quer
bem-me-quis
quanto mais um tem o outro
mais o outro foge
pois a falta
aquela inominável vontade central
a todo discurso apaixonado
é freio e impulso, numa vez só
que afasta e suga
como a língua do beijo
que sussurra incompreensão
e furor.
vii.
soltei-me
ao léu
e sorteei-me ao ninguém
que apostou
e se angustiou
quando perdi
o tempo
passado
de meus poemas.
viii.
já não tenho tema
nem tempo para escrever
embora o empuxo dos versos
seja tão automático quanto o bocejar
gostoso no frio de uma noite que fantasiei um dia
e a inspiração, não forçosa, dispersa
dispensa a atenção ao escrever
as palavras não são minhas
literalmente elas caem do céu
da boca de Outros
e fazemos amor com a humanidade falando
e quando é poema então
nem se diz depois
a fatídica pergunta
“se foi bom?”.
ix.
agarre-se enquanto existe
ao trem que passa
à condução de esperança
e das ilusões, boas ilusões
e que não espera depois do horário
vá-se logo ao lá
ao largo dos trilhos
descampados
porque as flores foram pisoteadas
pelos que perderam tempo sem vê-lo passar.
x.
adeus poema
e adeus palavra que me recebeu
este amor confuso de nós dois
enfim sucedeu de se acabar
e lhe fui abandonar
olhando estupefato
o fato de não poder enxergar
depois de ti
adeus poema
foi bom enquanto tive tua duração
e enquanto tive que contigo espreitar
o que já sabia
ser o nada o vão
ser o rumo o sem-direção
ser o não-ser da pergunta
e o não-querer do pedido
fui e fui-te
fútil como viver.
Adeus!