Poema portugueses

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  • 7/24/2019 Poema portugueses

    1/30

    Ser poeta

    Ser poeta ser mais alto, ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija!

    ser mendigo e dar como quem sejaRei do Reino de Aqum e de Alm Dor!

    ter de mil desejos o esplendorE no saber sequer que se deseja!ter cdentro um astro que flameja,ter garras e asas de condor!

    ter fome, ter sede de Infinito!Por elmo, as manhs de oiro e de cetim...

    condensar o mundo num sgrito!

    E amar-te, assim, perdidamente...seres alma, e sangue, e vida em mimE diz-lo cantando a toda a gente!

    Florbela Espanca, Charneca em Flor(1930)

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    Recado

    ouve-me

    que o dia te seja limpo e

    a cada esquina de luz possas recolher

    alimento suficiente para a tua morte

    vai atonde ningum te possa falarou reconhecer - vai por esse campo

    de crateras extintas - vai por essa porta

    de gua to vasta quanto a noite

    deixa a rvore das cassiopeias cobrir-tee as loucas aveias que o cido enferrujouerguerem-se na vertigem do voo - deixa

    que o outono traga os pssaros e as abelhaspara pernoitarem na dourado teu breve corao - ouve-me

    que o dia te seja limpo

    e para lda pele constri o arco de sal

    a morada eterna - o mar por onde fugiro etreo visitante desta noite

    no esqueas o navio carregado de lumesde desejos em poeira - no esqueas o ouroo marfim - os sessenta comprimidos letais

    ao pequeno-almoo

    Al Berto,Horto de Incndio

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    Vive

    Vive, dizes, no presente,

    Vive sno presente.

    Mas eu no quero o presente, quero a realidade;Quero as cousas que existem, no o tempo que as mede.

    O que o presente?uma cousa relativa ao passado e ao futuro.uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.Eu quero sa realidade, as cousas sem presente.

    No quero incluir o tempo no meu esquema.No quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelascomo cousas.

    No quero separ-las de si-prprias, tratando-as por presentes.

    Eu nem por reais as devia tratar.

    Eu no as devia tratar por nada.

    Eu devia v-las, apenas v-las;V-las atno poder pensar nelas,V-las sem tempo, nem espao,

    Ver podendo dispensar tudo menos o que se v.esta a cincia de ver, que no nenhuma.

    Alberto Caeiro

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    E eu te encontrei, nu alcantil a!reste

    E eu te encontrei, num alcantil agreste,

    Meia quebrada, cruz. Sozinha estavasAo pr do Sol, e ao elevar-se a LuaDetrs do calvo cerro. A soledadeNo te pde valer contra a mo mpia,Que te feriu sem d. As linhas purasDe teu perfil, falhadas, tortuosas,

    mutilada cruz, falam de um crime

    Sacrlego, brutal e ao mpio intil!A tua sombra estampa-se no solo,Como a sombra de antigo monumento,

    Que o tempo quase derrocou, truncada.

    No pedestal musgoso, em que te ergueram

    Nossos avs, eu me assentei. Ao longe,Do presbitrio rstico mandavaO sino os simples sons pelas quebradas

    Da cordilheira, anunciando o instante

    Da ave-maria; da orao singela,Mas solene, mas santa, em que a voz do homem

    Se mistura nos cnticos saudosos,Que a natureza envia ao Cu no extremoRaio de sol, pasmado fugitivo

    Na tangente deste orbe, ao qual trouxeste

    Liberdade e progresso, e que te paga

    Com a injria e o desprezo, e que te invejaAt, na solido, o esquecimento!

    Ale"andre #erculano

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    5/30

    $au Catrineta

    Lvem a Nau CatrinetaQue tem muito que contar!

    Ouvide agora, senhores,

    Uma histria de pasmar.

    Passava mais de ano e dia

    Que iam na volta do mar,

    Jno tinham que comer,

    Jno tinham que manjar.

    Deitaram sola de molho

    Para o outro dia jantar;

    Mas a sola era to rija,Que a no puderam tragar.

    Deitaram sortes venturaQual se havia de matar;

    Logo foi cair a sorte

    No capito general.

    - "Sobe, sobe, marujinho,

    quele mastro real, Vse vs terras de Espanha, As praias de Portugal!"

    - "No vejo terras de Espanha, Nem praias de Portugal;

    Vejo sete espadas nuas

    Que esto para te matar."

    - "Acima, acima, gageiro,

    Acima ao tope real!

    Olha se enxergas Espanha,

    Areias de Portugal!"

    - "Alvssaras, capito, Meu capito general! Jvejo terras de Espanha, Areias de Portugal!"

    Mais enxergo trs meninas, Debaixo de um laranjal:

    Uma sentada a coser,

    Outra na roca a fiar, A mais formosa de todas

    Estno meio a chorar."

    - "Todas trs so minhas filhas, Oh! quem mas dera abraar! A mais formosa de todas

    Contigo a hei-se casar."

    - "A vossa filha no quero, Que vos custou a criar."

    - "Dar-te-ei tanto dinheiro

    Que o no possas contar."

    - "No quero o vosso dinheiro Pois vos custou a ganhar."

    - "Dou-te o meu cavalo branco,

    Que nunca houve outro igual."

    - "Guardai o vosso cavalo, Que vos custou a ensinar."

    - "Dar-te-ei a Catrineta,

    Para nela navegar."

    - "No quero a Nau Catrineta, Que a no sei governar."

    - "Que queres tu, meu gageiro,

    Que alvssaras te hei-de dar?"

    - "Capito, quero a tua alma, Para comigo a levar!"

    - "Renego de ti, demnio, Que me estavas a tentar!

    A minha alma sde Deus; O corpo dou eu ao mar."

    Tomou-o um anjo nos braos,No no deixou afogar.

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    Deu um estouro o demnio,Acalmaram vento e mar;

    E noite a Nau Catrineta

    Estava em terra a varar.

    Aleida %arrett,Romanceiro

    As aldeias

    Eu gosto das aldeias sossegadas,

    com o seu aspecto calmo e pastoril,

    erguidas nas colinas azuladas,

    mais frescas que as manhs finas de Abril.

    Pelas tardes das eiras, como eu gosto

    de sentir a sua vida activa e s!V-las na luz dolente do sol-posto,e nas suaves tintas da manh!...

    As crianas do campo, ao amorosocalor do dia, folgam seminuas,

    e exala-se um sabor misterioso

    de agreste solido das suas ruas.

    Alegram as paisagens as crianasmais cheias de murmrios do que um ninho:e elevam-nos s coisas simples, mansas,ao fundo, as brancas velas dum moinho.

    Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos

    zunirem nas suas notas sibilantes...

    E mistura-se o uivar dos ces distantescom o cntico metlico dos galos.

    %oes &eal, Claridades do Sul

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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  • 7/24/2019 Poema portugueses

    8/30

    Quanto a Morte, em breve, me vier buscar!...

    %uerra 'unueiro

    Soneto * anti!o

    Olha, Daisy: quando eu morrer tu hs-dedizer aos meus amigos ade Londres,embora no o sintas, que tu escondesa grande dor da minha morte. Irs de

    Londres pra York, onde nasceste (dizes...

    que eu nada que tu digas acredito),

    contar quele pobre rapazitoque me deu tantas horas to felizes,

    Embora no o saibas, que morri...mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,

    nada se importar... Depois vai dar

    a notcia a essa estranha Cecilyque acreditava que eu seria grande...

    Raios partam a vida e quem lande!

    +lvaro de Capos

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    9/30

    oea e lin-a recta

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

    Todos os meus conhecidos tm sido campees em tudo.

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

    Indesculpavelmente sujo,

    Eu, que tantas vezes no tenho tido pacincia para tomar banho,Eu que tantas vezes tenho sido ridculo, absurdo,Que tenho enrolado os p

    s publicamente nos tapetes das etiquetas,

    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

    Que quando no tenho calado, tenho sido mais ridculo ainda;Eu, que tenho sido cmico s criadas de hotel,Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moos de fretes,Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

    Para fora da possiblidade do soco;

    Eu que tenho sofrido a angstia das pequenas coisas ridculas,Eu que verifico que no tenho par nisto tudo neste mundo.

    Toda a gente que eu conheo e que fala comigo,Nunca teve um acto ridculo, nunca sofreu um enxovalho,Nunca foi seno princpe - todos eles princpes - na vida...

    Quem me dera ouvir de algum a voz humana,Quem confessasse no um pecado, mas uma infmia;Que contasse, no uma violncia, mas uma cobardia!

    No, so todos o Ideal, se os oio e me falam.

    Quem hneste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?princpes, meus irmos,

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    10/30

    Arre, estou farto de semideuses!

    Onde que hgente no mundo?

    Ento sou seu que vil e errneo nesta terra?

    Podero as mulheres no os terem amado,Podem ter sido trados - mas ridculos nunca!E eu, que tenho sido ridculo sem ter sido trado,Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

    Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,

    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    +lvaro de Capos

    $o"

    Noite, vo para ti meus pensamentos,quando olho e vejo, luz cruel do dia,tanto estril lutar, tanta agonia,E inteis tantos speros tormentos...

    Tu, ao menos, abafas os lamentos,

    Que se exalam da trgica enxovia...O eterno mal, que ruge e desvaria,Em ti descansa e esquece, alguns momentos...

    Oh! antes tu tambm adormecessesPor uma vez, e eterna, inaltervel,Caindo sobre o mundo, te esquecesses,

    E ele, o mundo, sem mais lutar nem ver,

    Dormisse no teu seio inviolvel,Noite sem termo, noite do No-ser!

    Antero de .uental

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    11/30

    $/o c-oro

    A dor no me pertence.

    Vive fora de mim, na natureza,

    livre como a electricidade.

    Carrega os ceus de sombra,

    entra nas plantas,desfaz as flores...

    Corre nas veias do ar,

    atrai os abismos,

    curva os pinheiros...

    E em certos momentos de penumbra

    iguala-me paisagem,Surge nos meus olhos

    presa a um passaro a morrerno cu indiferente.

    Mas no choro. No vale a pena!A dor no humana.

    'os %oes Ferreira

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    12/30

    &ivro, se lu2 deseas, al te en!anas

    Livro, se luz desejas, mal te enganas.

    Quanto melhor serdentro em teu muroQuieto, e humilde estar, inda que escuro,

    Onde ningum t'impece, a ningum danas!

    Sujeitas sempre ao tempo obras humanas

    Coa novidade aprazem; logo em duro

    dio e desprezo ficam: ama o seguroSilncio, fuge o povo, e mos profanas.

    Ah! no te posso ter! deixa ir cumprindoPrimeiro tua idade; quem te move

    Te defenda do tempo, e de seus danos.

    Dirs que a pesar meu foste fugindo,Reinando Sebastio, Rei de quatro anos:Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.

    Antnio Ferreira,Poemas Lusitanos(1495)

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    13/30

    6eta78sica

    De cada vez que nos teus braosPor uns momentos morro,

    Nos abismos de mim o meu amor pede socorro

    Como se fora algum lhe desatasse os laos.

    De cada vez apreendoQue fica em muito pouco, ou nada, aquele tanto

    Que o querer ter promete, enquanto

    Se no tendo.

    Desejar que ter! mas no nos basta.Sonhar que possuir sem tdio nem cansaos.

    Sei-o, mas sjmorto nos teus braos.Sofre a carne de ter, ou de ser casta.

    Sobre o desejo farto, a alma se debrua,Contempla o nada a que o fart-lo aponta.E atrs do mesmo nada eis que ela mesma, tonta,

    Vai, se a carne reacende a escaramua.

    Entrar num corpo atonde se oculteO para Ldo corpo - eis o supremo sonho.

    De que desejos o componho,

    Se ei-lo se descompe quando o desejo avulte?

    Sfrega, a carne pede carne. Saciada,Pede, ela prpria, o que jamais sacia.Para de novo se inflamar, um dia.

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    14/30

    Para de novo desgostar, um nada.

    Ai, como no te amar e no te aborrecer,Carne de leite e rosas, - terra inglria

    Do longo prlio-entendimento sem vitriaQue carne e alma, ter-no ter?

    'os R!io,Filho do Homem

    edra 7iloso7al

    Eles no sabem que o sonhouma constante da vidato concreta e definidacomo outra coisa qualquer,

    como esta pedra cinzenta

    em que me sento e descanso,

    como este ribeiro manso,

    em serenos sobressaltos,

    como estes pinheiros altos,

    que em oiro se agitam,

    como estas aves que gritam

    em bebedeiras de azul.

    Eles no sabem que o sonhovinho, espuma, fermento,bichinho alacre e sedento,

    de focinho pontiagudo,

    que foa atravs de tudo

    num perptuo movimento.

    Eles no sabem que o sonhotela, cor, pincel,base, fuste, capitel,

    arco em ogiva, vitral,

    pinculo de catedral,contraponto, sinfonia,

    mscara grega, magia,que retorta de alquimista,mapa do mundo distante,

    rosa dos ventos, Infante,

    caravela quinhentista,que cabo da Boa Esperana,ouro, canela, marfim,

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    15/30

    florete de espadachim,

    bastidor, passo de dana,Colombina e Arlequim,

    passarola voadora,

    pra-raios, locomotiva,barco de proa festiva,

    alto-forno, geradora,ciso de tomo, radar,ultra-som, televiso,desembarque em foguetona superfcie lunar.Eles no sabem, nem sonham,que o sonho comanda a vida.

    Que sempre que o homem sonha

    o mundo pula e avanacomo bola colorida

    entre as mos de uma criana.

    Antnio %ede/o,Poesias completas

    oea pico

    O rapago da camisola vermelha sacode a melena da testae retesa os braos num bocejo como um jovem leo voluptuoso.Dorme a sesta

    o involuntrio ocioso.

    A filha do alfaiate atirou a tesoura e o dedal pela janela

    e sumiu-se na noite escura do mundo.

    Quis respirar mais fundo

    e isso de ser coitada lcom ela.

    O homem da barba por fazer contas os filhos e as moedas

    e balbucia qualquer coisa num tom inexpressivo e roufenho.

    Sbito chamejam-lhe os olhos como labaredas;- Eu jvenho!

    O da face doente,

    o que sofre por tudo e por nada, sem querer,

    abana a cabea negativamente:- Isto no pode ser! Isto no pode ser!

    Sentados s soleiras das portas,mordendo a lngua na tarefa inglria,com letras gordas e por linhas tortas

    vo redigindo a Histria.

    Antnio %ede/o

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    16/30

    Ao cair das 7ol-as

    minha irmMaria da Glria

    Pudessem suas mos cobrir meu rosto,Fechar-me os olhos e compor-me o leito,

    Quando, sequinho, as mos em cruz no peito,Eu me for viajar para o Sol-posto.

    De modo que me faa bom encosto,O travesseiro comporcom jeito,E eu to feliz! por no estar afeito,Hei-se sorrir, Senhor! quase com gosto.

    Atcom gosto, sim! Que faz quem viverfo de mimos, vivo de esperanas,Solteiro de venturas, que no tive?

    Assim, irei dormir com as crianasQuase como elas, quase sem pecados...

    E acabaro enfim os meus cuidados.

    Clavadel, Outubro, 1895

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    17/30

    Auela triste e leda adru!ada

    Aquela triste e leda madrugada,

    cheia toda de mgoa e de piedade,enquanto houver no mundo saudade

    quero que seja sempre celebrada.

    Ela s, quando amena e marchetadasaa, dando ao mundo claridade,viu apartar-se de a outra vontade,que nunca poderver-se apartada.

    Ela sviu as lgrimas em fio,de que uns e outros olhos derivadas

    se acrescentaram em grande e largo rio.

    Ela viu as palavras magoadas

    que puderam tornar o fogo frio,

    e dar descanso s almas condenadas.

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    18/30

    &u8s de Caes

    Aor 7o!o ue arde se se ver

    Amor fogo que arde sem se ver;ferida que di e no se sente;um contentamento descontente;dor que desatina sem doer;

    um no querer mais que bem querer;solitrio andar por entre a gente;nunca contentar-se de contente;

    cuidar que se ganha em se perder;

    querer estar preso por vontade;servir a quem vence, o vencedor;ter com quem nos mata lealdade.

    Mas como causar pode seu favor

    Nos coraes humanos amizade,Se to contrrio a si o mesmo Amor?

    &u8s de Caes

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    19/30

    6uda:se os tepos, uda:se as vontades

    Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

    Muda-se o ser, muda-se a confiana;Todo o mundo composto de mudana,Tomando sempre novas qualidades.

    Continuamente vemos novidades,

    Diferentes em tudo da esperana;Do mal ficam as mgoas na lembrana,E do bem, se algum houve, as saudades.

    O tempo cobre o cho de verde manto,Que jcoberto foi de neve fria,E em mim converte em choro o doce canto.

    E, afora este mudar-se cada dia,

    Outra mudana faz de mor espanto:Que no se muda jcomo soa.

    &u8s de Caes

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    20/30

    Cavalo ; solta

    Minha laranja amarga e doce

    meu poema

    feito de gomos de saudade

    minha pena

    pesada e leve

    secreta e pura

    minha passagem para o breve, breve

    instante da loucura

    Minha ousadiameu galope

    minha rdeameu potro doido

    minha chama

    minha rstiade luz intensa

    de voz aberta

    minha denncia do que pensado que sente a gente certa

    Em ti respiro

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    21/30

    em ti eu provo

    por ti consigo

    esta fora que de novoem ti persigo

    em ti percorro

    cavalo soltapela margem do teu corpo

    Minha alegria

    minha amargura

    minha coragem de correr contra a ternura.

    Por isso digo

    cano castigoamndoa travo corpo alma amante amigo

    por isso cantopor isso digo

    alpendre casa cama arca do meu trigo

    Meu desafio

    minha aventura

    minha coragem de correr contra a ternura

    Ar< dos Santos

    Se"tina

    Ontem ps-se o sol, e a noutecobriu de sombra esta terra.

    Agora joutro dia,tudo torna, torna o sol;

    sfoi a minha vontadepara no tornar co tempo!

    Tdalas coisas, per tempo,passam, como dia e noute;

    a s, minha vontade,no, que a dor comigo a aterra;nela cuido enquanto hsol,nela em quanto no hdia.

    Mal quero per um sdiaa todo outro dia e tempo,

    que a mim ps-se-me o solonde eu stemia a noute;

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    22/30

    tenho a mim sobre a terra,

    debaxo minha vontade.

    Dentro na minha vontade

    no hmomento do diaque no seja tudo terra;ora ponho a culpa ao tempo,

    ora a torno a pr noute:no milhor, pon-se-me o sol!

    Primeiro no haversolque eu descanse na vontade.

    Pon-se-me a escura noutesobre a lembrana de um dia...Inda mal porque houve tempo

    e porque tudo foi terra.

    Haver de ser tudo terra

    quanto hdebaxo de solme descansa, porque o tempo

    me vingarda vontade;se no que antes deste diah-de passar tanta noute!

    Bernardi Ribeiro

    Caes, !rande Caes, u/o seel-ante

    Cames, grande Cames, quo semelhanteAcho teu fado ao meu, quando os cotejo!

    Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,

    Arrostar c'o sacrlego gigante.

    Como tu, junto ao Ganges sussurrante

    Da penria cruel no horror me vejo;Como tu, gostos vos, que em vo desejo,Tambm carpindo estou, saudoso amante.

    Ludbrio, como tu, da sorte dura,Meu fim demando ao co, pela certezaDe que sterei paz na sepultura.

    Modelo meu tu s, mas... oh tristeza!...

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    23/30

    Se te imito nos transes da ventura,

    No te imito nos dons da natureza.

    Boca!e

    E ale!re se 7e2 triste

    Aquela clara madrugada que

    viu lgrimas correrem no teu rosto

    e alegre se fez triste como sechovesse de repente em pleno Agosto.

    Ela sviu meus dedos nos teus dedosmeu nome no teu nome. E demorados

    viu nossos olhos juntos nos segredos

    que em silncio dissemos separados.

    A clara madrugada em que parti.

    Sela viu teu rosto olhando a estradapor onde um automvel se afastava.

    E viu que a ptria estava toda em ti.

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    24/30

    E ouviu dizer-me adeus: essa palavra

    que fez to triste a clara madrugada.

    6anuel Ale!re, O canto e as armas

    = re!resso

    "Lvem a Nau CatrinetaQue tem muito que contar.

    Ouvi, agora, SenhoresUma histria de pasmar..."A Me correu varanda,Bem longe de imaginar

    Que o alarme desejado

    Vinha dum cego a cantar:

    "Passava mais de ano e dia

    Que iam na volta do mar,

    Jno tinham que comer,Jno tinham que manjar..."A Me abriu num soluoO corao a sangrar,Porque a sola era to rija

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    25/30

    Que a no podiam tragar..."Deitam sortes venturaQual se havia de matar".

    (A Me tinha po na arcaE no lho podia dar!)"Logo foi cair a sorte..."(Que sorte to singular!).O gageiro olhava, olhava,

    Mas svia cu e mar..."Alvssaras, Capito..."E o vento a enrodilhar

    A voz do homem da gveaNa do ceguinho a cantar!

    "A minha alma sde Deus,O corpo dou-o eu ao mar..."

    A Me, que nada podia,Jspodia rezar..."Deu um estoiro o demnio,Acalmaram vento e mar."

    E quando o cego acabou

    Estavam em terra a varar...

    6i!uel >or!a,Poemas Ibricos

    Vaidosa

    Dizem que tu s pura como um lrio

    E mais fria e insensvel que o granito,E que eu que passo apor favoritoVivo louco de dor e de martrio.

    Contam que tens um modo altivo e srio,Que s muito desdenhosa e presumida,E que o maior prazer da tua vida,

    Seria acompanhar-me ao cemitrio.

    Chamam-te a bela imperatriz das ftuas,a dspota, a fatal, o figurino,E afirmam que s um molde alabastrino,

  • 7/24/2019 Poema portugueses

    26/30

    E no tens corao como as esttuas.

    E narram o cruel martirolgioDos que so teus, corpo sem defeito,E julgam que montono o teu peitoComo o bater cadente dum relgio.

    Porm eu sei que tu, que como um pioMe matas, me desvairas e adormeces

    s to loira e doirada como as messesE possuis muito amor... muito "amor prprio".

    Ces*rio Verde

    = oeta

    Trabalha agora na importao e exportao. Importametforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador

    por conta prpria,um desses que preenche

    cadernos de folha azul com

    nmerosde deve e haver. De facto, o que

    deve so palavras; e o que temesse vazio de frases que lhe

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    acontece quando se encosta

    ao vidro, no inverno, e a chuva cai

    do outro lado. Ento, pensaque poderia importar o sol

    e exportar as nuvens.

    Poderia serum trabalhador do tempo. Mas,

    de certo modo, a sua

    prtica confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere,

    com a pedra do instante, o que

    passa a caminho

    da eternidade;

    suspende o gesto que sonha o cu; e fixa, na dureza da noite,

    o bater de asas, o azul, a sbia interrupo da morte.

    $uno '?dice

    @a Aps @a

    Uma aps uma as ondas apressadasEnrolam o seu verde movimento

    E chiam a alva 'spuma

    No moreno das praias.

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    Uma aps uma as nuvens vagarosasRasgam o seu redondo movimento

    E o sol aquece o 'spaoDo ar entre as nuvens 'scassas.

    Indiferente a mim e eu a ela,

    A natureza deste dia calmoFurta pouco ao meu senso

    De se esvair o tempo.

    Suma vaga pena inconsequentePara um momento porta da minha almaE aps fitar-me um poucoPassa, a sorrir de nada.

    Ricardo Reis

    oea ; /e

    No mais fundo de ti,

    eu sei que tra, me!

    Tudo porque jno souo retrato adormecido

    no fundo dos teus olhos!

    Tudo porque tu ignoras

    que hleitos onde o frio no se demorae noites rumorosas de guas matinais!

    Por isso, s vezes, as palavras que tedigo

    so duras, me,e o nosso amor infeliz.

    Tudo porque perdi as rosas brancas

    que apertava junto ao coraono retrato da moldura!

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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    Se soubesses como ainda amo as rosas,

    talvez no enchesses as horas depesadelos...

    Mas tu esqueceste muita coisa!Esqueceste que as minhas pernas

    cresceram,

    que todo o meu corpo cresceu,

    e ato meu coraoficou enorme, me!

    Olha - queres ouvir-me? -,

    s vezes ainda sou o meninoque adormeceu nos teus olhos;

    ainda aperto contra o coraorosas to brancascomo as que tens na moldura;

    ainda oio a tua voz: "Era uma vez uma princesa

    no meio de um laranjal..."

    Mas - tu sabes! - a noite enormee todo o meu corpo cresceu...

    Eu sada moldura,dei s aves os meus olhos a beber.

    No me esqueci de nada, me.Guardo a tua voz dentro de mim.

    E deixo-te as rosas...

    Boa noite. Eu vou com as aves!

    Eu!nio de Andrade,Antologia Bree

  • 7/24/2019 Poema portugueses

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