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PERFIL DO PÚBLICO DAS ARTES EM PORTO ALEGRE Álvaro Santi 1 Resumo: O artigo apresenta e analisa alguns resultados da pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais dos Porto-Alegrenses, realizada pelo Observatório da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, entre novembro e dezembro de 2014, referentes à frequência de atividades culturais externas, tais como a assistência a espetáculos de música, dança, teatro, exposições e filmes, segundo variáveis como idade, sexo, cor ou raça, escolaridade, renda, trabalho, profissão e estado civil. Palavras-chave: consumo cultural, práticas culturais, tempo livre, participação cultural A pesquisa Usos do tempo livre e práticas culturais dos porto- alegrenses 2 , iniciativa do Observatório da Cultura de Porto Alegre, visou caracterizar o perfil da população desta cidade, em relação a seus hábitos de lazer e, mais especificamente, ao consumo de bens e serviços artístico- culturais, como subsídio para a formulação de políticas públicas por parte da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Uma primeira publicação apresentou os resultados básicos da pesquisa, sem contudo efetuar cruzamentos entre as diversas variáveis. Foram entrevistados, entre novembro e dezembro de 2014, 1220 porto-alegrenses de ambos os sexos, com idade a partir de 14 anos. As entrevistas foram feitas a domicílio, sendo a amostra estratificada segundo 1 Prefeitura de Porto Alegre (Observatório da Cultura). [email protected] 2 A pesquisa foi coordenada pela equipe formada pelo Prof. Dr. Caleb Faria Alves (IFCH-UFRGS), Profa. Ms. Mariana Aydos (SENAC-RS) e Ms. Fátima Ávila, além do autor.

Perfil do público das artes em Porto Alegre

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PERFIL DO PÚBLICO DAS ARTES EM PORTO ALEGRE

Álvaro Santi1

Resumo: O artigo apresenta e analisa alguns resultados da pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais dos Porto-Alegrenses, realizada pelo Observatório da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, entre novembro e dezembro de 2014, referentes à frequência de atividades culturais externas, tais como a assistência a espetáculos de música, dança, teatro, exposições e filmes, segundo variáveis como idade, sexo, cor ou raça, escolaridade, renda, trabalho, profissão e estado civil.

Palavras-chave: consumo cultural, práticas culturais, tempo livre, participação cultural

A pesquisa Usos do tempo livre e práticas culturais dos porto-alegrenses2,

iniciativa do Observatório da Cultura de Porto Alegre, visou caracterizar o perfil da

população desta cidade, em relação a seus hábitos de lazer e, mais especificamente, ao

consumo de bens e serviços artístico-culturais, como subsídio para a formulação de

políticas públicas por parte da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Uma primeira

publicação apresentou os resultados básicos da pesquisa, sem contudo efetuar

cruzamentos entre as diversas variáveis. Foram entrevistados, entre novembro e

dezembro de 2014, 1220 porto-alegrenses de ambos os sexos, com idade a partir de 14

anos. As entrevistas foram feitas a domicílio, sendo a amostra estratificada segundo

idade, sexo e residência nas 17 regiões da cidade. A margem de erro calculada é de

2,8% para mais ou para menos.3

Este artigo dá continuidade à análise daqueles resultados, relacionando

características dos entrevistados - como idade, sexo, cor ou raça, escolaridade, renda,

profissão e estado civil - com a frequência com que declararam assistir a eventos

externos (fora de casa), identificados habitualmente como culturais: sessões de cinema,

shows musicais, circo, concertos ou óperas, espetáculos de dança ou balé, de teatro,

exposições de fotos, de pintura ou outras artes e bailes ou outros locais de dança.

A perguntas sobre a frequência a esse tipo de eventos ofereciam quatro respostas

possíveis: 1) “Sim, ao menos uma vez nos últimos 30 dias”; 2) “Sim, ao menos uma vez

nos últimos 12 meses”; 3) “Sim, alguma vez na vida, há mais de 12 meses” e 4)

“Nunca”. Neste artigo analisamos as respostas extremas, denominando (de forma

1 Prefeitura de Porto Alegre (Observatório da Cultura). [email protected] A pesquisa foi coordenada pela equipe formada pelo Prof. Dr. Caleb Faria Alves (IFCH-UFRGS), Profa. Ms. Mariana Aydos (SENAC-RS) e Ms. Fátima Ávila, além do autor. 3 Mais informação sobre a metodologia da pesquisa na publicação citada. ( V. Referências)

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conscientemente imprecisa) aqueles que optaram pela primeira de “frequentadores

assíduos”; e os que se enquadraram na última, como “excluídos” dessas manifestações

culturais.

Não se assume aqui, evidentemente, um conceito de cultura restrito às atividades

citadas acima, que representam uma parcela pequena das 114 perguntas do questionário;

ou às artes em geral. Sendo, porém, o fomento a essas atividades objeto de gasto público

significativo na função cultura, nas três esferas de governo, não pode haver dúvidas

quanto à relevância de se conhecer em que medida elas são fruídas pela sociedade, em

seus diferentes estratos.

Idade

De maneira geral, à medida que aumenta a idade, tornam-se mais raros os

frequentadores assíduos. Jovens de 15 a 24 anos são a faixa etária que apresenta os

maiores percentuais de frequentadores assíduos de cinema (59,7%, contra 39,8% do

total da amostra), bailes (53,6% contra 39,3% do total) e shows musicais (51,6% contra

36,3%). No caso do cinema, por exemplo, essa parcela cai para 19,1% entre 55 e 64

anos e apenas 8,1% com 65 anos ou mais. Para exposições de fotografia ou de artes em

geral, há uma predominância da faixa de 25 a 44 anos. Nas demais atividades, existe

uma distribuição mais equitativa dos frequentadores entre as faixas intermediárias, com

variações que ficam dentro da margem de erro, porém sempre com redução significativa

na de maior idade. Destaca-se o fato de nenhum dos 115 respondentes desta faixa (que

corresponde a quase 10% do total da amostra) ter frequentado concerto ou ópera, nem

exposições de artes nos últimos 30 dias, enquanto apenas dois (1,7%) frequentaram

espetáculos de dança ou balé.

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No polo oposto, da exclusão, o maior índice encontra-se novamente entre os

jovens de 15 a 24 anos, dos quais 76,9% nunca estiveram em um concerto ou ópera,

percentual bem acima da média da amostra, para esta atividade (67,1%). Um pouco

menos pior é a situação da dança ou balé: 67,5% dos jovens de 15 a 24 anos nunca

frequentaram essa atividade, contra 58,7% da população em geral. Essa tendência em

parte é esperada, se considerarmos que o número de oportunidades para frequentarmos

eventos tende a crescer de forma proporcional ao tempo vivido. No entanto, quando se

trata de exposições, são os idosos (65 anos ou mais) que apresentam os maiores índices

de exclusão - 64,3%, contra média de 52,9% para exposições de foto; 65,2% contra

49,7% para exposições de artes. O fenômeno se repete no teatro - 53,9% entre os idosos,

contra 43,2% na população em geral. Já o circo tem características peculiares. Embora a

exclusão em geral seja menor que para as outras artes (23,3%), ela aumenta em

proporção inversa à idade, atingindo 35,7% na faixa de 15 a 24 anos, o que poderia

indicar uma tendência à redução do acesso ou do interesse por essa atividade

tradicional, nos últimos tempos, entre os mais jovens. O recorte da pesquisa, porém, ao

entrevistar somente pessoas com mais de 14 anos, deixou de fora as crianças, público

por excelência do circo, motivo pelo qual seria precipitado concluir algo nesse sentido.

Em relação a shows musicais, há duas categorias distintas de exclusão (que poderíamos

chamar generacionais): dos 15 aos 44 anos o percentual de pessoas que nunca foram a

shows (entre 4,1% e 5,1%) é menos da metade do apresentado entre as pessoas com

mais de 45 anos (entre 9,6% e 11%).

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Sexo

A pesquisa entrevistou 626 mulheres (51,3%) e 594 homens (48,7%). Diferenças

significativas de frequência entre os sexos ocorrem em poucos tipos de atividades

culturais. Entre os frequentadores assíduos de shows musicais, a maioria é de homens

(39,7%, contra 33,1% de mulheres), o mesmo acontecendo entre os que costumam sair

para dançar (41,8% x 36,9%).

Já os excluídos da música de concertos e ópera são mais frequentemente

mulheres (69% x 65,2%). No caso de espetáculos de dança, ocorre o contrário: 62,5%

são homens e 55,1% mulheres.

Raça ou Cor

Em relação a esta variável, 847 entrevistados (69,4%) declararam-se brancos,

259 pretos (21,2%) e 89 pardos (7,3%). Para uma melhor representatividade, em função

do tamanho da amostra, pretos e pardos foram considerados em conjunto na análise

(como “negros”), totalizando 28,5%. Devido à pouca representatividade, não utilizamos

as respostas dos 23 respondentes que se declararam indígenas (1,9%) e dos 2 da raça

amarela (0,2%).

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As percentagens de frequentadores assíduos são maiores entre brancos do que

entre os negros, para quaisquer das atividades pesquisadas (embora, em alguns casos, a

diferença fique dentro da margem de erro). A maior diferença em termos proporcionais

encontra-se no público teatral: são 10,2% entre brancos, 2,2 vezes mais do que entre

negros e pardos (4,6%). Em termos absolutos, está no cinema, com 43,3% para brancos

contra 30,5% para negros. Em média, a probabilidade de um branco ser frequentador

assíduo de alguma das atividades consideradas é 42% maior do que para um negro.

Também as taxas de exclusão são maiores entre negros do que entre brancos,

para todas as atividades pesquisadas. Em média, as chances de um entrevistado ser

excluído são 50% maiores para negros.

Trabalho

Os índices de frequentadores assíduos entre pessoas que declararam ter atividade

remunerada (769 respondentes, ou 63% da amostra) são sempre superiores aos que não

trabalham, sugerindo que dispor de tempo livre tem menos relevância do que ter

recursos para frequentar atividades culturais – não apenas para ingressos, mas para

transporte e outros custos associados. Em termos proporcionais, a diferença é mais

acentuada entre os frequentadores de circo, onde o percentual entre trabalhadores é

quase quatro vezes maior do que entre não-trabalhadores; de concertos (3,4 vezes

maior); e de dança (2 vezes). Contudo, como os percentuais gerais de assíduos nessas

atividades são pequenos (4,4% para circo, 3,4% para concertos e 6,6% para dança), tais

diferenças ficam dentro da margem de erro. Já entre frequentadores de espetáculos de

música popular, o fator trabalho influencia pouco: são 37,7% entre trabalhadores, contra

33,9% de não trabalhadores. A exceção à regra fica por conta das exposições de artes,

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onde frequentadores assíduos são mais comuns entre não-trabalhadores (12,6%) do que

entre trabalhadores (11,7%), porém a diferença não ultrapassa a margem de erro.

Já os dados da exclusão seguem, como de costume, a tendência inversa, com

índices maiores entre os não-trabalhadores para todas as atividades. Aqui, a maior

discrepância surge em relação aos bailes, onde a exclusão é 2,1 vezes maior entre não-

trabalhadores (14,4% contra 6,8%). Já em relação ao circo os índices são muito

semelhantes (22,9% contra 23,9%).

Os trabalhadores foram classificados conforme o tipo de vínculo: 357

empregados do setor privado (29,3%), 260 autônomos ou profissionais liberais (21,3%),

84 servidores públicos (6,9%), 32 empresários (2,6%) e 26 bolsistas ou estagiários

(2,1%)4. Observou-se que os frequentadores assíduos são significativamente mais

frequentes entre empregados do setor público do que outras categorias, para a grande

4 4 entrevistados não responderam à pergunta.

Page 7: Perfil do público das artes em Porto Alegre

maioria das atividades culturais. Em muitas delas, a percentagem de assíduos entre os

servidores públicos chega ao dobro da média entre os trabalhadores, como nos

concertos (11,9%, contra média de 4,6%), dança ou balé, circo e exposições. As

exceções ficam com o cinema, em que os servidores públicos são superados pelos

bolsistas ou estagiários (54,8% contra 65,4%), atividade em que predomina o público

mais jovem, como vimos anteriormente; e o teatro, onde 25% dos empresários são

assíduos, contra 19% dos servidores públicos. Chama a atenção ainda o fato de não se

encontrarem, entre os 26 entrevistados que se declararam bolsistas ou estagiários,

nenhum que tenha frequentado concerto ou ópera, dança ou balê e circo nos últimos 30

dias. Tampouco foi encontrado frequentador assíduo a concerto ou ópera entre os 32

empresários entrevistados.

No aspecto da exclusão, os funcionários públicos mantém uma performance

invejável, sendo o fato mais notável o não haver nenhum entre os 84 que não haja

frequentado alguma vez um cinema ou show musical. O mesmo, porém, ocorre entre os

26 bolsistas e estagiários, categoria que também apresenta o menor índice de excluídos

para exposições de fotos (26,9%). Por outro lado, os empresários são os que apresentam

as menores taxas de exclusão para as atividades de teatro (12,5%, menos de um terço da

média de 39,9%), dança (25% contra média de 55,1%), exposições de artes (21,9%

contra 46%) e circo (9,4% contra 22,9%).

Entre as 451 pessoas que declararam não ter atividade remunerada (37% da

amostra), cerca de 1/3 são estudantes, enquanto outro 1/3 são aposentados. O restante

dividem-se entre afazeres domésticos e os que estão desempregados ou procurando

emprego. As baixas frequências à maioria das atividades reveladas pelos idosos foram

confirmadas pelos que se declaram aposentados, sempre com frequências

significativamente mais baixas que a média dos entrevistados. Mesmo no cinema, bailes

e shows musicais, atividades que apresentam os menores índices de exclusão, não

iremos encontrar muitos aposentados entre os frequentadores assíduos, reforçando a

tendência a considerar outros fatores como preponderantes sobre a disponibilidade de

tempo livre na decisão de frequentar atividades culturais. Somente 12,9% dos

aposentados frequentaram cinema nos últimos 30 dias, por exemplo, percentagem 5

vezes menor do que os 64,6% do total dos entrevistados.

Page 8: Perfil do público das artes em Porto Alegre

Já na categoria dos excluídos tem destaque os que se dedicam a afazeres domésticos,

com índices maiores de exclusão para a maioria das atividades (concertos, dança, teatro,

exposições e circo). Observe-se que os estudantes, se por um lado apresentam as

menores taxas de exclusão em atividades como teatro e exposições, chegando à taxa

zero em cinema (todos os 140 estudantes já o frequentarem pelo menos uma vez), em

outras tem índice acima da média, como no circo e concertos.

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Estado civil

Quase a metade da amostra (48,4%) é de pessoas casadas ou que vivem em

união estável, seguidas pelos solteiros (38%). Separados são 7,3% e viúvos, 5,7%. Os

frequentadores assíduos distribuem-se de forma bastante desigual, em relação a diversas

atividades culturais, conforme seu estado civil. Mais da metade dos solteiros, por

exemplo, são assíduos ao cinema (56,5%), percentual que não é igualado em nenhuma

outra atividade, em nenhum estado civil. Casados assíduos ao cinema, por exemplo, são

apenas 30,3%. Situação semelhante ocorre em relação a shows musicais (46,4% entre os

solteiros; 31% entre casados) e bailes (48,8% contra 35,5%). Somente 1,7% dos

solteiros (8 entre 463 entrevistados) frequentaram concertos no último mês, sendo esta a

menor porcentagem para qualquer estado civil e atividade. Tendência inversa ocorre nas

atividades de público menos numeroso, como os concertos e ópera, onde são assíduos

4,9% dos casados, contra apenas 1,7% dos solteiros; assim como nos espetáculos de

dança (8,3% contra 4,8%) e circo (6,1% contra 3%), ainda que essas diferenças estejam

dentro da margem de erro.

Já as pessoas que nunca frequentaram eventos culturais são proporcionalmente

mais numerosas entre os viúvos, para quase todos os tipos de eventos, com exceção do

circo. (No caso da dança ou balé, em que os excluídos representam 62,9% dos viúvos,

há um empate técnico com os solteiros, com 63,5%). A maior taxa de exclusão ocorre

entre os viúvos para a música erudita: 77,1% nunca frequentaram.

Escolaridade

Somente 21,5% dos entrevistados são estudantes, ou seja, declararam ter vínculo

ativo com instituição de ensino. A percentagem destes que frequentou eventos culturais

nos últimos 30 dias é significativamente superior aos não-estudantes, para qualquer tipo

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de evento, chegando a ser mais que o dobro para o cinema (66,4% contra 32,5%). O

menor impacto desta variável foi registrado no caso dos espetáculos teatrais, onde

11,1% dos estudantes são frequentadores, ainda assim um percentual superior aos 7,9%

de não-estudantes. A diferença, contudo, encontra-se dentro da margem de erro.

Já entre os excluídos, repete-se de forma geral a tendência inversa (maior

exclusão proporcional à menor escolaridade), com interessantes exceções. No caso dos

concertos, os percentuais são praticamente idênticos entre estudantes ou não-estudantes.

Para o cinema, atividade em que os índices de exclusão são em geral pequenos, o dos

não-estudantes é 4,5 vezes maior do que o dos estudantes, já que somente 2 entre 262

estudantes entrevistados declararam nunca ter ido ao cinema (0,8%). Contudo, para

frequência ao circo e a bailes, o percentual de excluídos é maior entre os estudantes.

Somente 105 dos entrevistados (8,6%) possui curso superior completo (aí

incluídos 17, ou 1,4%, com pós-graduação); 394 concluíram o Ensino Médio (32,3%);

433, o Ensino Fundamental (35,5%) e 277 chegaram até à 4ª Série do EF (antigo

primário, aqui chamado abreviadamente de EP) (22,7%).5 Conforme o tipo de

atividades, verifica-se diferentes impactos da escolaridade nos hábitos da população

entrevistada. Bailes são os eventos mais amplamente frequentados por pessoas,

independentemente de sua escolaridade, seguidos dos shows musicais. Quanto aos

bailes, a variação fica em torno de 10 pontos percentuais abaixo como acima da média

de 39,3%: de 27,8% entre os que cursaram o ensino “primário” até 48,3% entre os que

completaram o EF. Nos shows de música, a situação é semelhante, ficando a média de

36,4%, entre o mínimo de 28% com EP e o máximo de 45%, com EF completo. Em

5 Devido ao número muito pequeno dos que nunca estudaram (somente 7 entrevistados dos 1220), não consideramos esse grupo na análise.

Page 11: Perfil do público das artes em Porto Alegre

ambas as atividades, a faixa de escolaridade que tem mais frequentadores

proporcionalmente é a que tem o EF.

Diferenças bem maiores entre os hábitos das pessoas situadas em diferentes

faixas de escolaridade aparecem na frequência a concertos, exposições e espetáculos de

teatro e dança. Nas exposições de fotos, a percentagem de entrevistados que frequentou

ao menos uma vez nos últimos 30 dias entre pessoas com ES é mais de três vezes

superior (11,4%) do que entre os que tem apenas o EP (3,2%). Números semelhantes

aparecem no teatro: 12,4% contra 3,6%. A diferença entre as faixas extremas é ainda

mais expressiva no caso da música erudita: 4,8% contra 0,4%.

Há que se destacar, contudo, que tais variações não são tão expressivas quando

comparamos a faixa de graduados universitários com aqueles que tem o EF completo,

inclusive em algumas atividades são semelhantes os índices. Cinema, concertos,

dança/balé e exposições apresentam pouca diferença entre as duas faixas; somente no

teatro há uma diferença significativa, de 12,4% (ES) para 8,5% (EF), mesmo assim

dentro da margem de erro. Já os shows musicais e bailes, como dito acima, são mais

frequentados pela faixa com EF do que a de ES, o mesmo ocorrendo com o Circo.

A associação mais forte que se verifica é entre a frequência assídua e a

conclusão do EF. A partir deste grau, as alterações são pouco significativas quando da

conclusão do EM ou ES, mesmo no caso da música erudita. Inclusive, em alguns casos,

a alteração é para menos: para circo, baile e shows de música, percentual de assíduos

decresce do EF para EM e deste para o ES. A exceção desta regra é o cinema, em que a

posse do diploma universitário aumenta em 12,2% a chance de encontrarmos um

frequentador assíduo.

Page 12: Perfil do público das artes em Porto Alegre

No outro extremo, vamos agora analisar a exclusão cultural, conforme

distribuída entre as distintas faixas de escolaridade. Aqui, existe uma tendência mais

uniforme de queda contínua na exclusão, inversamente proporcional ao grau de

escolaridade dos entrevistados, com poucas exceções. Em todas as atividades

pesquisadas, o maior percentual de pessoas que nunca frequentou encontra-se

invariavelmente na faixa com menor escolaridade (EP). No circo e bailes há empate

técnico com o EF, considerando a margem de erro. Somente no circo não há queda

contínua para cada novo grau escolar, onde na faixa de maior escolaridade encontramos

21,9% de pessoas que nunca frequentaram, contra 15,3 na faixa com EM.

Embora os shows de música, como assinalamos, tenham na distribuição dos

frequentadores assíduos uma das mais equilibradas, no caso dos não-frequentadores

esses eventos apresentam a maior variação entre as faixas de escolaridade extremas,

sendo o percentual de não-frequentadores entre pessoas com EF (15,2%) oito vezes

maior do que entre graduados universitários (1,9%). No caso do cinema, esta diferença

ainda é alta, de quase seis vezes (entre 5,8 e 1%). A menor diferença ocorre no caso do

circo (1,2 vezes), mas nos demais casos é pelo menos o dobro.

Renda6

No cruzamento dos dados referentes à renda familiar e à frequência à atividades

artísticas, verificou-se a esperada desigualdade entre as quatro distintas faixas de renda

adotadas. As desigualdades são menores na frequência a bailes, em que mesmo assim o

maior percentual de frequentadores assíduos da maior faixa de renda (42,4%) supera em

muito o da menor (26,2%). Cinemas e shows de música apresentam cenários de

6 Devido ao pequeno número de entrevistados (17 em 1220) que declarou renda familiar superior a 20 SM, nesta análise optamos por considerar esse grupo em conjunto com a faixa de renda entre 10 e 20 SM.

Page 13: Perfil do público das artes em Porto Alegre

desigualdade entre as diferentes faixas de renda, porém não tão pronunciados como nas

demais atividades. Os percentuais de frequentadores assíduos em cada faixa de renda

são semelhantes para ambas as atividades, sendo cerca de três vezes maior na classe

mais alta (52,9% para ambas atividades) do que na mais baixa (17,4% para o cinema,

14,9% para shows). Chama a atenção, na maioria das atividades, que a esperada

tendência de aumento do percentual de frequentadores assíduos proporcional ao

aumento da renda, observada da primeira faixa para a segunda e desta para a terceira,

sofre uma queda na última faixa. Ou seja, o percentual de frequentadores assíduos é

maior entre os que têm renda de 4 a 10 SM do que entre os que recebem mais de 10 SM.

Tal fenômeno só não ocorre para shows de música, teatro e exposições de fotos, nas

quais os percentuais de frequentadores assíduos aumentam de forma contínua, conforme

cresce a renda.

A exclusão apresenta diferenças significativas entre as quatro faixas de renda

para todas as atividades. Mesmo na atividade em que a exclusão em geral é menor, no

cinema (2,9%), 10,8% dos que possuem renda familiar até 2 SM nunca o frequentaram,

enquanto entre os que recebem mais de 10 SM esta taxa é de apenas 1,5%. Para

espetáculos musicais, repete-se o fenômeno (13,3% entre os de menor renda, contra

2,3% entre os de maior), assim como para bailes (13,8%, contra média de 2,3%). As

atividades com níveis altos de exclusão em geral. Concertos e espetáculos de dança

apresentam distribuição semelhante entre si, quanto às faixas de renda, com percentuais

elevados de exclusão mesmo na maior faixa (42,4% para concertos, 37,1% para dança),

e ultrapassando os 70% na menor faixa. Esta última cifra é semelhante para exposições

de arte ou fotografia, porém nestas atividades a exclusão é menor nas classes mais

favorecidas, pouco mais de 20%. Os números para o teatro são um pouco mais

animadores, pois embora os percentuais de excluídos sejam maiores do que para bailes,

cinema e música, são inferiores aos de exposições, dança e concertos, para todas as

faixas de renda.

Considerações finais

Conforme dito acima, constituem objeto deste artigo uma pequena parcela dos

resultados da pesquisa, muito restando a ser analisado, como as práticas de lazer

realizadas em casa (ler, ouvir música, assistir TV) ou aquelas “não-culturais” (passear

no parque, praticar esportes), entre outros exemplos. Também serão de interesse as

comparações com dados similares de outras pesquisas, que ponham em evidência

diferenças ou semelhanças da população de Porto Alegre com outras cidades e estados.

Page 14: Perfil do público das artes em Porto Alegre

Não obstante, os dados aqui apresentados indicam de forma clara a existência de

graves desigualdades na participação da população em eventos artísticos, que clamam

por maior atenção das políticas públicas locais, entre cujos objetivos deve figurar

naturalmente o atendimento da disposição constitucional de “proporcionar os meios de

acesso à cultura” (Art. 23, inc. V). De igual forma, a Secretaria da Cultura de Porto

Alegre, quando de sua criação, em 1988, teve estabelecido entre seus objetivos o de

“possibilitar o acesso de todas as camadas da população do Município aos bens

culturais” (Art. 3°, Inc. I). É urgente, portanto, encontrar formas de ampliar os públicos

desses eventos, atraindo a população que apresenta maiores índices de exclusão,

notadamente os jovens e idosos, negros, pobres e pessoas com baixa escolaridade.

Políticas sociais transversais voltadas para a juventude, os idosos, a acessibilidade e o

combate à discriminação racial – cuja existência institucional é bem mais recente do que

no campo da cultura – podem e devem contribuir nessa tarefa, atuando de forma

coordenada com os órgãos de cultura. Da mesma forma o sistema de ensino, cujo papel

na formação de públicos é evidente, com resultados a médio e longo prazo.

Os motivos alegados pelos entrevistados para não frequentarem atividades

culturais externas (como a falta de recursos, de tempo ou de interesse, o medo da

violência, etc.), não abordados aqui por falta de espaço, constituem informação

imprescindível para a construção de estratégias nesse sentido, que ultrapassem o campo

das boas intenções ou soluções simplistas como a entrada franca.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

PORTO ALEGRE. Lei 6.099, de 3 de fevereiro de 1988. Cria a Secretaria Municipal da

Cultura, cargos em comissão e funções gratificadas, altera a denominação e as

finalidades da Secretaria Municipal de Educação e Cultura e a vinculação do

COMPAHC, autoriza o Executivo a criar o Fundo Pró-Cultura e dá outras providências.

http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/avancada.html

PORTO ALEGRE. Observatório da Cultura. Usos do tempo livre e práticas culturais

dos porto-alegrenses. Porto Alegre, Secretaria Municipal da Cultura, 2015.

http://culturadesenvolvimentopoa.blogspot.com.br/2015/08/usos-do-tempo-livre-e-

praticas.html.