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Direta de Inconstitucionalidade n. 9122476-19.2015.8.24.0000 Relator: Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE INSTITUIU A CRIAÇÃO DO SOLO CRIADO E ALTEROU GABARITOS. TRÂMITE LEGISLATIVO QUE NÃO CONTOU COM A PRÉVIA REALIZAÇÃO DE DEBATES, AUDIÊNCIAS E CONSULTAS PÚBLICAS, NO INTENTO DE GARANTIR A PARTICIPAÇÃO POPULAR. PLANEJAMENTO URBANÍSTICO DEMOCRÁTICO. GARANTIA TALHADA NO ART. 141, INCISO III, DA CESC. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. PEDIDO PROCEDENTE. "O certo é que se a Constituição Estadual exigiu, além da representatividade, o instrumento democrático da participação popular, só cabe ao intérprete o respeito à norma. Não se pode ler preto onde está escrito branco, o que impõe a autoaplicabilidade da Carta Catarinense. De lembrar, por derradeiro, que os vereadores (representatividade) podem ser substituídos a cada quatro anos. Já o povo (participação popular) permanece, inclusive para futuras gerações". (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2008.064408-8, de Itajaí, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 21.9.2011) "A realização de audiências públicas ou de debates materializam o princípio constitucional da democracia participativa e viabilizam o direito à informação sobre o planejamento urbano, também como instrumento apto a permitir o debate pleno sobre a política municipal de desenvolvimento urbano." (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2013.058002-7, da Capital, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 16.9.2015) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n. 9122476-19.2015.8.24.0000, do Tribunal de Justiça, em

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Direta de Inconstitucionalidade n. 9122476-19.2015.8.24.0000Relator: Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE INSTITUIU A CRIAÇÃO DO SOLO CRIADO E ALTEROU GABARITOS. TRÂMITE LEGISLATIVO QUE NÃO CONTOU COM A PRÉVIA REALIZAÇÃO DE DEBATES, AUDIÊNCIAS E CONSULTAS PÚBLICAS, NO INTENTO DE GARANTIR A PARTICIPAÇÃO POPULAR. PLANEJAMENTO URBANÍSTICO DEMOCRÁTICO. GARANTIA TALHADA NO ART. 141, INCISO III, DA CESC. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. PEDIDO PROCEDENTE.

"O certo é que se a Constituição Estadual exigiu, além da representatividade, o instrumento democrático da participação popular, só cabe ao intérprete o respeito à norma. Não se pode ler preto onde está escrito branco, o que impõe a autoaplicabilidade da Carta Catarinense.

De lembrar, por derradeiro, que os vereadores (representatividade) podem ser substituídos a cada quatro anos. Já o povo (participação popular) permanece, inclusive para futuras gerações". (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2008.064408-8, de Itajaí, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 21.9.2011)

"A realização de audiências públicas ou de debates materializam o princípio constitucional da democracia participativa e viabilizam o direito à informação sobre o planejamento urbano, também como instrumento apto a permitir o debate pleno sobre a política municipal de desenvolvimento urbano." (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2013.058002-7, da Capital, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 16.9.2015)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n. 9122476-19.2015.8.24.0000, do Tribunal de Justiça, em

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que é/são (s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina e (s) Prefeito Municipal de Governador Celso Ramos e outros.

O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, julgar procedente o pedido formulado na inicial e declarar, por inobservância ao art. 141, inciso III, da Constituição Estadual, a inconstitucionalidade formal da Lei Municipal n. 947/2014. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Torres Marques, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargador Fernando Carioni, Desembargador Rui Fortes, Desembargador Marcus Tulio Sartorato, Desembargador Cesar Abreu, Desembargador Desembargador Ricardo Fontes, Desembargador Salim Schead dos Santos, Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Desembargador Lédio Rosa de Andrade, Desembargador Sérgio Izidoro Heil, Desembargador Jânio Machado, Desembargadora Soraya Nunes Lins, Desembargador Ronei Danielli, Desembargador Rodrigo Collaço, Desembargador Pedro Manoel Abreu, Desembargador Cláudio Barreto Dutra, Desembargador Newton Trisotto, Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Eládio Torret Rocha e Desembargador Nelson Schaefer Martins.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza. .

Florianópolis, 02 de março de 2016.

Sérgio Roberto Baasch LuzRELATOR

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RELATÓRIO

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo

representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina impugnando a

Lei n. 947/2014, do Município de Governador Celso Ramos, cujo teor "institui a

criação do solo criado no Município de Governador Celso Ramos, alterando os

gabaritos pré-estabelecidos por lei e dá outras providências".

Afirmou o autor, resumidamente, que o referido Diploma Legal por

cuidar de matéria afeta ao desenvolvimento urbano do Município, deveria ter feito

cumprir o comando inserto no art. 141, inciso III, da Constituição Estadual, o qual

assegura a participação popular em casos como tal.

Em vista da ausência de efetiva participação popular no processo

legislativo, defendeu que a Lei n. 947/2014 padece de inconstitucionalidade

formal, por descumprir o regramento previsto no art. 141, inciso III, da

Constituição Estadual.

Enfatizando a presença dos requisitos fumus boni juris e periculum

in mora, postulou a suspensão cautelar da lei questionada, e, ao final, a

procedência do pedido. (fls. 2-9)

Devidamente notificado, o Prefeito do Município de Governador

Celso Ramos apresentou informações em defesa da norma atacada,

argumentando, em síntese, que "a participação popular em matérias de cunho

edilício, possui como condão a ideia de definir o planejamento estratégico das

cidades, para casos de difícil reversão, o que não é o caso, para a qual não se

exige a participação popular prevista no artigo 141, III da Constituição do Estado

de Santa Catarina". Seguidamente, aduziu que nem todas as normas

urbanísticas dependem de prévia participação popular no processo legislativo,

uma vez que não se inserem no conceito amplo de "planos, programas e

projetos", conforme previsto no art. 141, inciso III, da Constituição catarinense,

até porque se a exigência da participação popular fosse necessária para a

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edição de todas as leis que tenham relação com assuntos da cidade, o exercício

da função legislativa restaria inviabilizado. Disse, por fim, que a população do

Município é inferior a 20.000 (vinte mil) habitantes, o que o desobriga a elaborar

plano diretor. (fls. 378-381)

O Presidente da Câmara de Vereadores (fls. 385-387) e o

Procurador-Geral do Município (fls. 393v.-396) seguiram a mesma linha

defensiva.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Drª.

Vera Lúcia Ferreira Copetti, opinou pela procedência do pedido. (fls. 399-405)

Este é o relatório.

VOTO

Com base no art. 12 da Lei n. 12.069/2001, à vista da relevância e

urgência do tema, passa-se ao julgamento definitivo da lide.

Acerca do assunto, destaca-se precedente deste Tribunal de

Justiça:

MEDIDA CAUTELAR. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E SIGNIFICADO PARA A ORDEM SOCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. SUBMISSÃO DO PROCESSO AO ÓRGÃO ESPECIAL PARA JULGAR DEFINITIVAMENTE A AÇÃO. EXEGESE DOS ARTS. 12 DA LEI 9.868/99 E 12 DA LEI ESTADUAL 12.069/01. POSSIBILIDADE.

"Por força do preceito insculpido no art. 12 da Lei n. 9.868/99, em se tratando de ação direta de inconstitucionalidade, independentemente do exame da conveniência ou não da cautelar pleiteada, pode o Tribunal julgar em definitivo a lide, quando versarem os autos sobre matéria relevante e de especial significado para a ordem social e para a segurança, tendo sido ofertadas as necessárias informações, presentes, de outro lado, manifestações da Procuradoria do Município e da Procuradoria-Geral de Justiça" (ADIN n. 2006.042082-2, de Descanso, rel. Des. Trindade dos Santos) [...]. (ADI n. 2011.008396-7, da Capital, Rel. Des. Sérgio Paladino, DJe de 7-10-2011)

Sem prefaciais, passa-se ao mérito.

Por meio da presente ação, questiona o representante do Ministério

Público a constitucionalidade formal da Lei Municipal n. 947/2014, de

Governador Celso Ramos, ao argumento de que o processo legislativo que

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culminou na edição do reportado Diploma Legal desrespeitou o regramento

imposto pelo artigo 141, inciso III, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

A Lei ora questionada "institui a criação do solo criado no Município

de Governador Celso Ramos, alterando os gabaritos pré-estabelecidos por lei e

dá outras providências", texto que, segundo o autor da ação, interfere

diretamente no desenvolvimento urbano do Município, de modo que a

participação popular, nos termos do art. 141, inciso III, da Constituição Estadual,

deveria ter sido observada.

Ao tratar da política de desenvolvimento urbano, a Constituição

Estadual estabelece princípios e normas de observância obrigatória:

Art. 111. O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, e os seguintes preceitos:

[...]XII - cooperação das associações representativas no planejamento

municipal; XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do

Município, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado;

[...]Art.141. No estabelecimento de normas e diretrizes relativas ao

desenvolvimento urbano, o Estado e o Município assegurarão: [...]III - participação de entidades comunitárias na elaboração e

implementação de planos, programas e projetos e no encaminhamento de soluções para os problemas urbanos;

O Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/2001), o qual

regulamentou estas garantias constitucionais e que se aplica a todos os

municípios brasileiros, prescreve:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

[...]II - gestão democrática por meio da participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

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[...]Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico

da política de desenvolvimento e expansão urbana.[...]Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser

utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:[...]II - debates, audiências e consultas públicas;

Sobre a imprescindibilidade da participação dos setores da

sociedade no planejamento urbanístico democrático, valiosas são as lições de

José Afonso da Silva, que assinala:

Quando se diz que os planos são bons quando levam em conta o bem-estar do povo, quando são sensíveis às necessidades e aspirações deste, é preciso que se esclareça que tal sensibilidade há de ser captada por via democrática, e não idealizada autoritariamente, como é comum nos tecnocratas e nos salvadores do "bem comum" subjetivamente projetado.

Merece afirmar, com destaque, que só o planejamento urbanístico democrático realizará aqueles princípios indicados acima. Esse tipo de planejamento busca realizar-se com base no consentimento popular. Entende que o povo deverá participar, a fim de que seja legítimo. Concepção bem sintetizada por Lubomir Ficinski nos seguintes termos:

"O novo tipo de planejamento - uma nova fase - será de conteúdo humano e democrático. É um completo engano pensar que a Democracia atrapalha o planejamento, mesmo porque, se esta antinomia fosse verdadeira, seria correto eliminar, imediatamente, o planejamento. Ao contrário, o planejamento é uma forma de organizar a Democracia e de exprimi-la. O que devemos dizer, de forma clara e tranquila, é que esse tipo de planejamento toma o partido da maioria da população da cidade e a defende - aliás, por isso, ele é

democrático.""Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou erradas

em relação ao crescimento e à direção da cidade. Mas ainda assim busca contê-las e orientá-las adequadamente – e não eliminá-las de vez, pois é um planejamento que reconhece algumas circunstâncias básicas da vida humana."

Acrescente, depois, que é preciso estar ouvindo constantemente as gentes, para determinar o que elas querem e o que sentem. E conclui que "a democracia no planejamento apresenta uma vantagem inigualável: ao mesmo tempo em que o progresso é menos rápido, é um pouco mais lento, permite também que os erros cometidos sejam menos duradouros", e que "outro resultado, nunca negligenciável no planejamento democrático, é que a discussão pública gera o apoio – se o plano é bom, evidentemente – e esse apoio público garante sua execução".

Esses princípios, que já constavam de edições anteriores deste volume, são agora exigências da Constituição, que, no referente ao planejamento municipal, declara que a Lei Orgânica do Município terá que assegurar a

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cooperação das associações representativas, além de prever a iniciativa popular de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, 5% do eleitorado (art. 29, X e XI).

[...]Participação que o Estatuto da Cidade tornou obrigatória por via de

debates, audiências e consultas públicas, ou por iniciativa popular de projeto de lei e planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 43, II e IV). (Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 110-111)

Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, "os debates, audiências e

consultas públicas (art. 43, II), inclusive como condição obrigatória para sua

aprovação pela Câmara Municipal (art. 44), atestam, sob o ponto de vista

jurídico, a vontade do legislador de submeter ao próprio povo - livre de

'intermediários' institucionais - a gestão democrática da cidade" (Estatuto da

cidade comentado. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 114)

Perfilhando desse mesmo entendimento, vaticinou o eminente

Desembargador Rodrigo Collaço: "A realização de audiências públicas ou de

debates materializam o princípio constitucional da democracia participativa e

viabilizam o direito à informação sobre o planejamento urbano, também como

instrumento apto a permitir o debate pleno sobre a política municipal de

desenvolvimento urbano." (Ação Direta de Inconstitucionalidade n.

2013.058002-7, da Capital, j. 16.9.2015)

Nessa tessitura, ponderosa foi a reflexão tecida pelo ínclito

Desembargador Vanderlei Romer no julgamento da ação direta de

inconstitucionalidade n. 2008.064408-8:

O certo é que se a Constituição Estadual exigiu, além da representatividade, o instrumento democrático da participação popular, só cabe ao intérprete o respeito à norma. Não se pode ler preto onde está escrito branco, o que impõe a autoaplicabilidade da Carta Catarinense.

De lembrar, por derradeiro, que os vereadores (representatividade) podem ser substituídos a cada quatro anos. Já o povo (participação popular) permanece, inclusive para futuras gerações.

O teor da Lei ora questionada (Lei Municipal n. 947/2014), a qual,

como já dito, instituiu a criação do solo criado no Município de Governador Celso

Ramos e alterou os gabaritos pré-estabelecidos por lei, certamente exerce

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influência direta no planejamento urbanístico daquele Município, de modo que o

trâmite legislativo, consoante art. 141, inciso III, da Constituição do Estado,

deveria homenagear a participação popular.

A este propósito, veste como luva a ponderação tecida pelo douto

Procurador de Justiça em seu parecer:

Esclarece-se, por oportuno, que a Lei n. 947/2014, do Município de Governador Celso Ramos, ao contrário do afirmado pelas autoridades municipais, não se limita a promover alteração pontual quanto à possibilidade de edificação em parcela do território do respectivo município, tendo em vista que seu artigo 2º estabelece que "O direito de aplicação do solo criado dar-se-á por lote ou gleba, em todos os zoneamentos do Município, não sendo permitida a transferência de índices para outros lotes ou glebas do Município". (fl. 401)

Na hipótese em tela, todavia, depreende-se que a edição da norma

reprochada pelo autor não contou com a participação da comunidade, uma vez

que não houve a realização de uma audiência pública sequer, conforme

determina o art. 141, inciso III, da Constituição Estadual.

Aliás, tal ilação é roborada nas informações prestadas pelo Prefeito

Municipal, pelo Presidente da Câmara de Vereadores e pelo Procurador-Geral do

Município, que não rechaçaram a alegada inexistência da participação popular

no processo legislativo, limitaram-se a afirmar, em linhas gerais, que nem todas

as normas urbanísticas dependem de prévia participação popular no processo

legislativo, e que se a exigência da participação popular fosse necessária para a

edição de todas as leis que tenham relação com assuntos da cidade, o exercício

da função legislativa restaria inviabilizado.

Neste caso, portanto, a Lei Municipal n. 947/2014 padece de

inconstitucionalidade formal.

Como cediço, dá-se a inconstitucionalidade formal "[...] quando a

violação à Constituição reside no processo de formação do ato impugnado, isto

é, quando não foram seguidos os procedimentos para adequada elaboração."

(FLORES, Patrícia Teixeira de Rezende. Aspectos processuais da ação direta de

inconstitucionalidade de lei municipal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.

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É dizer, em outras palavras, que a inconstitucionalidade formal "[...]

propriamente dita ocorre quando o órgão que produz o ato não segue o

procedimento legislativo fixado na Constituição". (ALMEIDA NETO, Manoel

Carlos. O novo controle de constitucionalidade municipal. Rio de Janeiro:

Forense, 2010. p. 37)

Ainda, a respeito do tema, esclarece Alexandre de Moraes que:

O processo legislativo é verdadeiro corolário do princípio da legalidade [...] que deve ser entendido como ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada de acordo com as regras de processo legislativo constitucional (arts. 59 e 69, da Constituição Federal). Assim sendo, a inobservância das normas constitucionais de processo legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo método concentrado. (Direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 712)

Este colendo Órgão Especial, em situações muita assemelhadas,

declarou a inconstitucionalidade de leis municipais atreladas ao planejamento

urbanístico, por desrespeito ao preceito do art. 141, inciso III, da Constituição

Estadual, confira-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NORMA DO MUNICÍPIO DE XANXERÊ QUE ALTERA O PLANO DIRETOR AO REGULARIZAR CONSTRUÇÕES CLANDESTINAS. APROVAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 3.554/2013 PELA CÂMARA MUNICIPAL SEM PRÉVIA REALIZAÇÃO DE DEBATES, AUDIÊNCIAS E CONSULTAS PÚBLICAS. PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS INDISPENSÁVEL (ART. 141, INC. III, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). APRESENTAÇÃO DE UM ABAIXO-ASSINADO EM NOME DA POPULAÇÃO LOCAL. MEDIDA INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE. PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA VIOLADO. DIREITO À INFORMAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DECLARADA.

FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS AO CURADOR ESPECIAL NOMEADO PARA EXERCER A DEFESA DO MUNICÍPIO. VALOR ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM O CRITÉRIO DA EQUIDADE (ART. 20, §4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). ENCARGO DO MUNICÍPIO. PRECEDENTES DESTA CORTE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2013.058002-7, da Capital, rel. Des. Rodrigo Collaço, j.

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Ainda:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 1.576/2011, DO MUNICÍPIO DE GAROPABA, QUE REGULAMENTOU O INSTRUMENTO JURÍDICO DE OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR. PROCESSO LEGISLATIVO NÃO SUBMETIDO À PARTICIPAÇÃO POPULAR. EXIGÊNCIA PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO EM SEU ARTIGO 141, III, BEM COMO NO ESTATUTO DA CIDADE (LEI FEDERAL N. 10.257/2001). EXIGÊNCIA DE PROCESSO DEMOCRÁTICO, COM A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE. INOBSERVÂNCIA DA NORMA EM VOGA. VÍCIO INSANÁVEL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DECRETADA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2013.004015-2, de Garopaba, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 17.4.2013)

E mais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 144/2008, DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ, QUE ALTEROU O PLANO DIRETOR DE GESTÃO E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, COM INSTITUIÇÃO DE NORMAS PARA O ZONEAMENTO, PARCELAMENTO E USO DO SOLO URBANO. PROCESSO LEGISLATIVO NÃO SUBMETIDO À PARTICIPAÇÃO POPULAR. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL. NÃO OBSERVÂNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO INSANÁVEL. INCONSTITUCIONALIDADE DECRETADA.

É inconstitucional a Lei Complementar n. 144/2008, do município de Itajaí, que alterou o plano diretor urbano e instituiu normas para zoneamento, parcelamento e uso do solo no seu território, tidas como contrárias aos interesses dos munícipes e afrontosas às regras de proteção ao meio ambiente.

Caso concreto que não configura contrariedade à legislação infraconstitucional e, sim, ao texto da Constituição Estadual: "Art. 141. No estabelecimento de normas e diretrizes relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e o Município assegurarão: [...] III - participação de entidades comunitárias na elaboração e implementação de planos, programas e projetos e no encaminhamento de soluções para os problemas urbanos".

Os arts. 111, XII e 141, III, dentre outros da Constituição Estadual, similares ao art. 29, XII e XIII, da Carta Magna, consagram o princípio da democracia participativa. São normas autoaplicáveis, sobretudo in casu, onde não se permitiu, a despeito do clamor popular, sequer uma única audiência, discussão ou consulta públicas.

Reuniões e deliberações em setores internos da própria administração do Executivo não suprimem a necessidade da participação popular de entidades comunitárias na elaboração de normas e diretrizes relativas ao desenvolvimento urbano junto ao Legislativo.

"Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que,

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se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhes expõem os interesses envolvidos e as consequências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (TJSP, ADIn n. 184.449-0/2-00, rel. Des. Artur Marques). (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2008.064408-8, de Itajaí, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 21.9.2011)

Pelo exposto, voto para acolher o pedido formulado na inicial e

declarar, por inobservância ao art. 141, inciso III, da Constituição Estadual, a

inconstitucionalidade formal da Lei Municipal n. 947/2014.

Este é o voto.