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Bicentenário da Barra de Aveiro – Inês Amorim

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Palavras da Prof. Doutora Inês Amorim, por ocasião do lançamento do livro “PORTO DE AVEIRO: Entre a Terra e o Mar”, obra de que é autora. Edifício da Antiga Capitania de Aveiro, 3 de Abril de 2008 . Visite-nos em www.portodeaveiro.pt, www.youtube.com/portodeaveiro , http://www.portodeaveiro.pt/portofolio/, http://www.portodeaveiro.pt/navegantes2005/ , e http://www.portodeaveiro.pt/natal/

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Palavras da Prof. Doutora Inês Amorim, por ocasião do lançamento do livro

“PORTO DE AVEIRO: Entre a Terra e o Mar”, obra de que é autora. Edifício da Antiga Capitania de Aveiro, 3 de Abril de 2008

Dificilmente poderei, hoje, dizer mais do que fui repetindo nos últimos dias nas

sucessivas entrevistas que me solicitaram. Muito me honra se desta forma presto um

serviço. Dar a conhecer o que não era conhecido. Ou que existia e não se via, não se

investigava, ou se esquecera. Uma comemoração cria uma oportunidade, que bem

apreciamos.

Permitam-me que recorde e me associe a vários investigadores locais que,

sensíveis à importância da barra e do porto de Aveiro, foram, ao longo dos tempos,

editando fontes históricas sobre o porto de Aveiro, publicadas numa muito importante

revista local, mas que é muito mais do que isso – O Arquivo do Distrito de Aveiro –

1935-1976. A maioria da documentação transcrita nestes 42 volumes, estava depositada

em arquivos centrais: Arquivo Histórico Militar, o então Instituto Geográfico e

Cadastral – hoje Instituto Geográfico Português, ou ainda o Arquivo Nacional da Torre

do Tombo. Aqui ou ali, alguns dos autores referenciavam outra documentação que nos

levava a suspeitar de uma proveniência próxima da instituição de produção da

informação – o Porto de Aveiro.

Esta hipótese foi confirmada quando, em tempos que remontam, talvez, a 1990,

pela primeira vez observei alguns livros de capa em pergaminho em instalações da

então JAPA, sediadas nesta Avenida. Posteriormente, no âmbito de um outro projecto,

sobre a História dos Portos, pude confirmar e analisar os livros mais antigos do Arquivo

do Porto de Aveiro, já nas instalações da Gafanha. A ideia de desenvolver pesquisa

sobre esses fundos (da chamada Superintendência) ficou latente. E o interesse por uma

aproximação mais profunda aguçou-se quando se abriram umas pastas, amorosamente

designadas por “Velharias”, título que simbolizava a consciência não do ultrapassado,

mas do precioso, porque de plantas e desenhos belíssimos se tratava, intuitivamente

sentidos como raros.

Um dos aspectos que se nos revelou no processo de pesquisa que iniciámos em

finais de 2006, foi a percepção de indicadores que nos apontavam para um cuidadoso

registo da documentação secularmente produzida pelas diferentes tutelas do Porto de

Aveiro. A explicação impõe-se, por diferentes razões: porque os decretos-lei de

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constituição das sucessivas estruturas orgânicas a isso obrigavam, porque, num tempo

em que não existiam bases de dados informatizadas, era essencial fundamentar as

sucessivas tomadas de decisão. E, porque, finalmente, sem esta Memória acumulada o

Porto-Instituição não existiria. Assim, Memória Justificativa ou Memória Descritiva,

aplica-se, muito a propósito, ao Arquivo do Porto de Aveiro.

Mas porque me empenhei, ao longo do livro, em apontar diferentes escalas de

análise, gostaria de também, a este nível, de recolocar ou contextualizar este projecto de

Identificação do Património-Cultural Portuário que a actual administração promoveu e

continua a promover, no âmbito dos fundamentos estratégicos da Política Europeia para

os Mares. Invoco três documentos recentes:

- um, relativo vector estratégico I.3, preconizado no Relatório dos Oceanos

(2004), que se obriga a identificar, estudar e divulgar os portos marítimos possuidores

de importante significado histórico1.

- o outro é o LIVRO VERDE sobre a futura política marítima Europeia (que

esteve sob consulta de 7 de Junho de 2006 a 30 de Junho de 2007) e que, no seu ponto

6, intitulado REIVINDICAR O PATRIMÓNIO MARÍTIMO E REAFIRMAR A

IDENTIDADE MARÍTIMA DA EUROPA, indica que os Estados-Membros devem ser

encorajados a assinar a Convenção da UNESCO para a protecção do património cultural

subaquático e a Convenção europeia para a protecção do património arqueológico e a

estudar de que forma os seus programas escolares poderão ilustrar mais cabalmente a

dimensão marítima da Europa. Neste ponto, e citando o texto da Europa Nostra

(Federação Europeia do Património Cultural), a continuidade que existe entre o

passado, o presente e o futuro deve guiar e inspirar as estratégias europeias, nacionais

e regionais e as políticas e acções que se prendem com o património cultural.

- o terceiro diz respeito à POSIÇÃO PORTUGUESA, relativa ao Livro Verde

dos Mares, intitulada “Para uma futura política marítima da União: Uma visão europeia

para os oceanos e os mares, POSIÇÃO NACIONAL”. Neste documento, naquele

mesmo ponto 6 afirma que O Livro Verde introduz a dimensão cultural num contexto

marcadamente socio-económico ao reivindicar o património marítimo e ao reafirmar a

identidade marítima da Europa. A UE deverá apoiar a defesa e a salvaguarda efectiva

dos patrimónios das comunidades marítimas através do financiamento de investigação e 1 (Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, Parte II, Análise e Propostas, Comissão Estratégica dos Oceanos, OBJECTIVO ESTRATÉGICO I - VALORIZAR A ASSOCIAÇÃO DE PORTUGAL AO OCEANO COMO FACTOR DE IDENTIDADE, Vector Estratégico 1.3. – Preservar e Valorizar o Vasto Património Marítimo-Cultural de Portugal; 1.3.4. O Património Marítimo-Cultural Arquitectónico, p. 37

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de estudos sobre estas populações, programas de levantamento e valorização do

património e em programas de constituição de colecções, iniciativas que devem ser

profundamente partilhadas entre os museus e as comunidades da zona em que se

inserem.

A divulgação da cultura e tradição marítima Europeia nas suas diversas

expressões, deve ser promovida através das redes europeia já existentes, como é por

exemplo o caso da Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa

(CRPM), fomentando o desenvolvimento de parcerias e outras formas de cooperação

com instituições públicas e privadas e a sociedade civil conducentes a uma ampla

divulgação e aprofundamento de iniciativas locais junto dos cidadãos e das

comunidades.

Estas redes europeias devem funcionar como constelações de redes nacionais e

locais, podendo algumas delas integrar-se regionalmente. A estrutura local deve

basear-se em rede comunitárias constituídas por municípios, Universidades e escolas,

administrações portuárias, organizações económicas, sociais e ambientais,

empresas e órgãos de comunicação social, associações cívicas e cidadãos.

Pretende-se assim (e continuo a citar) que seja um espaço de encontro e permuta

de experiências e informação, aberto, permanente, orientado por objectivos de

cooperação comuns na divulgação da realidade patrimonial e no processo da sua

preservação e reconstrução, tendo por finalidade a sensibilização e

consciencialização públicas e a prestação de um contributo para a educação

ambiental e cívica, onde o mar desempenha o papel principal.

Deste ponto de vista, sente-se, neste momento, que, de alguma forma, se

cumpriu já parte destes propósitos e, sublinho uma ideia que continuamente

repito: não se pode divulgar a realidade patrimonial se não essa realidade não for

estudada e conhecida.

Ora, os portos são, fundamentalmente, testemunhos de uma especificidade de

organização e gestão do espaço, dinâmicos, pela adaptação ao meio e às actividades que

animam, ao longo de séculos, porque são seres vivos, marcados pelo risco, desde a sua

fundação; porque a sua orgânica passa pela institucionalização de um corpo governativo

(administração); porque emerge de um esforço construtivo, na confluência de factores

técnicos, económicos e políticos. Então, os traços desse processo inscrevem-se nas

marcas documentais, registos escritos, fotografias, cartografia, memórias, produzidas

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pelas instituições tutelares (administrações portuárias, poderes locais e centrais)

articuladoras das múltiplas funções de um porto. A documentação produzida pela

instituição (escritos “de dentro”), são de um valor patrimonial extraordinário, avaliado

pelo trabalho realizado por uma equipa de jovens investigadores, ao longo do ano de

2007/2008, fundo documental que, em boa hora, a Administração do Porto de Aveiro

decidiu recensear, preservar e divulgar, possibilitando a projecção de investigações

futuras. Este livro, hoje apresentado, é, somente, um elo desta cadeia prospectiva.

Assim se cumpre um objectivo, a história de um porto, caleidoscópio de

múltiplas leituras, “laboratório de investigação” por excelência:

- por ser palco de um ambiente de reflexão “interdisciplinar”, origem da

formação de uma opinião pública acertiva, no discurso dos negociantes aos empresários,

dos funcionários locais, monárquicos ou já republicanos, médicos e bispos, e dos

engenheiros, que se pronunciavam sobre a funcionalidade do porto e dos portos da Ria,

sobre a necessidade de melhorar as suas infra-estruturas, que reflectiam sobre as suas

potencialidades, veiculando intenções. Este processo afirmou-se, com muito maior

veemência, quando os resultados não eram os melhores e a barra teimava em fechar-se,

mesmo para além da sua fixação, em 1808, na defesa de um porto interior.

- “laboratório de investigação”, porque projectos e reformulações de projectos se

multiplicaram e desenharam, procurando ultrapassar as teimosias dos bancos de areias,

das correntes e das marés. Mais do que desenhos finais, temos ora rascunhos ora

estudos detalhados, em diferentes escalas, numa tão grande riqueza, fruto da dureza do

trabalho, de todos os que se envolveram num grande “desenho” da ria e do mar e na

construção do seu porto ….

- “laboratório de investigação” dada a atitude, repetida, de nunca ignorar as

experiências anteriores, passadas mas não ultrapassadas, porque relidas, atitude que se

conhece bem através das reflexões deixadas por sucessivos engenheiros que passaram

pelas obras da barra e que aos projectos antigos, acrescentavam informações

actualizadas.

Enfim, um permanente “laboratório de investigação”, norteado pelo esforço

humano e pela imaginação…