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NEGÓCIOS Nº EDIÇÃO: 494 | 14.MAR.07 - 10:00 | Atualizado em 13.06 - 16:47 Como dominar o mundo Depois de salvar a Brahma e construir a Ambev, Marcel Telles colhe lucros recordes na Inbev e costura uma fusão com a dona da cerveja Bud Por por darcio oliveira " O segr edo é cer car -se das pessoas cer tas. Par a tê-las ao seu lado, o melhor caminho é ofer ecer uma par te dos negócios " Mar cel Telles, chair man da Inbev Marianne Amssons, diretora de comunicação corporativa da cervejaria belgo-brasileira Inbev, foi categórica ao telefone: “O senhor não foi o primeiro a procurar por Marcel Telles. O mundo inteiro está atrás dele. O problema é que ele não dá entrevistas.” Mas já deu, Marianne. Quando era presidente da Brahma, o brasileiro costumava falar sobre seus sonhos de transformar a marca em ícone mundial. Quando formou a Ambev, tornando real a improvável união entre as rivais Brahma e Antarctica, dizia que a empresa, dona de 68% do mercado local, ganharia o planeta, como a primeira multinacional verde-amarela do setor. E quando todos pensavam que Marcel Telles havia sossegado, ele idealizou, planejou e executou, em 2004, um dos maiores negócios da história no ramo das cervejas: a união entre a Ambev e a belga Interbrew, resultando na Inbev. Pronto. Agora ele chegara ao topo. Será mesmo? Nos últimos dias, a indústria da cerveja foi chacoalhada com a notícia da iminente fusão entre Inbev e Anheuser Busch, a norte-americana que fabrica a Budweiser. Juntas, as duas primeiras do ranking formariam uma empresa de US$ 31 bilhões de faturamento, 116 mil funcionários, lucro de mais de US$ 3,5 bilhões, avaliada em US$ 81,7 bilhões e com participação de 24,8% no mercado mundial. Um gigantismo que levaria Marcel Telles, atualmente chairman da Inbev, ao olimpo das cervejarias. Um autêntico Mister Beer, como ele já foi chamado pela imprensa inglesa. Mas como o senhor cerveja não dá entrevistas, Marianne se encarregou de dizer que a Inbev não comenta rumores de mercado. Um executivo bem informado sobre as estratégias de Telles garantiu à DINHEIRO, no entanto, que as duas partes, Inbev e Anheuser Busch, já fizeram algumas boas rodadas de negociação. “É bem possível que essa fusão vá adiante”, declarou o executivo. Há quem aposte que fusão não é palavra correta, mas sim aquisição. A Inbev encontra-se hoje numa situação invejável e não descartaria até uma tomada hostil da rival. Suas ações nunca estiveram tão valorizadas – hoje, a empresa está avaliada em US$ 42 bilhões, 7,7% a mais que a dona da Bud. O lucro líquido de 2006, de US$ 1,9 bilhão, foi 56% maior do que no ano anterior, um recorde. As receitas atingiram US$ 16,7 bilhões e o ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações), US$ 5,9 bilhões, 16,8% superior a 2005. Isso vem de 2004 para cá, pós-gestão made in Brazil na Inbev.

Como dominar o mundo (Inbev) - istoé dinheiro

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Page 1: Como dominar o mundo (Inbev) - istoé dinheiro

NEGÓCIOS

Nº EDIÇÃO: 494 | 14.MAR.07 - 10:00 | Atualizado em 13.06 - 16:47

Como dominar o mundoDepois de salvar a Brahma e construir a Ambev, Marcel Telles colhelucros recordes na Inbev e costura uma fusão com a dona da cervejaBud

Por por darcio oliveira

" O segredo é cercar-se das pessoas certas. Para tê-las ao seu lado, o melhor caminho é oferecer uma parte dos negócios " Marcel Telles, chairman da Inbev

Marianne Amssons, diretora de comunicação corporativa da cervejaria belgo-brasileira Inbev, foi

categórica ao telefone: “O senhor não foi o primeiro a procurar por Marcel Telles. O mundo inteiro

está atrás dele. O problema é que ele não dá entrevistas.” Mas já deu, Marianne. Quando era

presidente da Brahma, o brasileiro costumava falar sobre seus sonhos de transformar a marca em

ícone mundial. Quando formou a Ambev, tornando real a improvável união entre as rivais Brahma e

Antarctica, dizia que a empresa, dona de 68% do mercado local, ganharia o planeta, como a primeira

multinacional verde-amarela do setor. E quando todos pensavam que Marcel Telles havia sossegado,

ele idealizou, planejou e executou, em 2004, um dos maiores negócios da história no ramo das

cervejas: a união entre a Ambev e a belga Interbrew, resultando na Inbev. Pronto. Agora ele chegara

ao topo. Será mesmo? Nos últimos dias, a indústria da cerveja foi chacoalhada com a notícia da

iminente fusão entre Inbev e Anheuser Busch, a norte-americana que fabrica a Budweiser. Juntas, as

duas primeiras do ranking formariam uma empresa de US$ 31 bilhões de faturamento, 116 mil

funcionários, lucro de mais de US$ 3,5 bilhões, avaliada em US$ 81,7 bilhões e com participação de

24,8% no mercado mundial. Um gigantismo que levaria Marcel Telles, atualmente chairman da Inbev,

ao olimpo das cervejarias. Um autêntico Mister Beer, como ele já foi chamado pela imprensa inglesa.

Mas como o senhor cerveja não dá entrevistas, Marianne se encarregou de dizer que a Inbev não comenta

rumores de mercado. Um executivo bem informado sobre as estratégias de Telles garantiu à DINHEIRO, no

entanto, que as duas partes, Inbev e Anheuser Busch, já fizeram algumas boas rodadas de negociação. “É

bem possível que essa fusão vá adiante”, declarou o executivo. Há quem aposte que fusão não é palavra

correta, mas sim aquisição. A Inbev encontra-se hoje numa situação invejável e não descartaria até uma

tomada hostil da rival. Suas ações nunca estiveram tão valorizadas – hoje, a empresa está avaliada em US$ 42

bilhões, 7,7% a mais que a dona da Bud. O lucro líquido de 2006, de US$ 1,9 bilhão, foi 56% maior do que no

ano anterior, um recorde. As receitas atingiram US$ 16,7 bilhões e o ebitda (lucro antes de juros, impostos,

depreciação e amortizações), US$ 5,9 bilhões, 16,8% superior a 2005. Isso vem de 2004 para cá, pós-gestão

made in Brazil na Inbev.

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INBEV sede da empresa na cidade de Bruxelas, na Bélgica

ANHEUSER-BUSCH QG da fabr icante da Budweiser, em Saint Louis, nos EUA

Eficiência operacional talvez seja a palavra-chave dos negócios que envolvam o nome de Marcel Telles e de

seus sócios Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira. Juntos, os três formaram um império que inclui,

além de participações na Inbev, o grupo Lasa (Lojas Americanas, Americanas.com, Submarino, Blockbuster e

Shoptime). O lema do trio é comprar empresas estagnadas, dar um choque de gestão, recuperar suas finanças

e elevar seu valor para, na maioria dos casos, vendê-las por um preço muito maior do que a adquiriram. “Se

Lemann é o pensador e o Beto (Sicupira) é o estruturador financeiro dos negócios, o Telles é o grande

gestor, o homem que faz o empreendimento acontecer”, elogia Luiz Cesar Fernandes, ex-dono do banco

Pactual. Ele conhece bem essa turma. Foi Fernandes quem contratou o então estagiário Marcel Telles para

trabalhar no Banco Garantia, fundado por Lemann e que hoje é do Credit Suisse. “Dê a Telles uma carrocinha

de cachorro- quente e ele vai transformá-la na mais rentável do mundo”, diz Fernandes.

Filho pródigo da cultura de negócios do Garantia, Telles formou-se na cartilha de grandes riscos financeiros,

desafios quase impossíveis, estruturas de custos enxuta e busca incessante por resultados. Pois o homem

implementou esse modelo por quase todas as empresas pelas quais passou. Na Brahma, comprada por US$ 60

milhões pelo trio em 1989, tal cartilha foi seguida à risca. Telles cortou metade da folha de pagamento,

fechou fábricas, aumentou a produtividade por sete vezes e catapultou o lucro operacional à oitava

potência, atingindo US$ 505 milhões para uma receita de US$ 1,8 bilhão. Era esse o quadro da empresa em

1999. No ano seguinte, a Brahma uniria-se à Antarctica, criando a Ambev. Estava aberto o caminho para o

sonho mundial de Telles, concretizado com a Inbev, que rendeu ao trio US$ 4,1 bilhões quando se consumou

a troca de ações com a Interbrew.

Na Ambev, Telles cercou-se de executivos de peso. Montou um conselho com sete membros da Brahma – uma

empresa conhecidamente mais arrojada – e três da Antarctica – bem mais conservadora. Alguma dúvida do

rumo que a então quinta cervejaria do mundo iria tomar? Telles também convocou um expert em custos,

Magim Rodriguez, diretor-geral da Brahma, para tocar a parte operacional da Ambev. Filosofia de Rodriguez:

“Das variáveis que afetam o resultado final, apenas os custos estão sob total controle da empresa.” E dá-lhe

tesoura, nas fábricas, no quadro de funcionários, onde fosse possível cortar. A dupla também instituiu

ferramentas importantes de gestão, como, por exemplo, o orçamento base zero ou OBZ. Vale a explicação:

tradicionalmente, as empresas costumam inspirar-se no orçamento do ano anterior e aplicar-lhe índices de

redução para montar o do ano corrente, sem saber se o valor de cada despesa corresponde à realidade. Com

o OBZ, parte-se do zero no começo do ano, estudando as despesas uma por uma para identificar possíveis

excessos (ou carências) nos gastos de cada item. Isto vale desde a compra de insumos até a aquisição de

material de escritório. Na Brahma, o OBZ reduziu, em 1999, R$ 152 milhões em custos fixos. E a Ambev, em

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2003, já comemorava o título de “cervejaria dona dos menores custos do mundo”.

Mas é claro que nem só de corte de custos vive uma empresa. Marcel Telles costuma dizer que o segredo

para o sucesso é cercar-se das pessoas certas. “E o melhor caminho para ter boas pessoas é dar a elas uma

parte dos negócios”, disse ele em entrevista à revista norte-americana Forbes. Significa dizer que as metas

cumpridas são sempre bonificadas pela empresa. Nas empresas geridas por Telles, cada departamento

funciona com se fosse uma subempresa, com orçamento próprio. Quem alcança as metas e não estoura

orçamento é premiado.

Na Inbev, toda essa nova cultura de gestão causou espanto e até protestos. Fábricas foram fechadas na

Bélgica e no Canadá e 100, dos 400 funcionários foram demitidos. Isso sem contar o corte de mordomias.

Viagens de executivos em primeira classe, por exemplo, deram lugar aos vôos nos assentos econômicos. O

OBZ, é claro, também foi implementado. No balanço de 2005, a economia de custos chegou a 140 milhões de

euros. Outra medida foi colocar jovens (com menos de 35 anos) em postos-chave – na cartilha de Telles isso

se chama dinamismo – e pagar bônus por meio de ações, para gerar comprometimento do funcionário com a

empresa. Na cúpula da companhia, o toque final: o empresário colocou seis brasileiros (leia quadro) em

cargos de confiança, incluindo o CEO Carlos Britto. Para os que se surpreendem com a passividade da

Interbrew (a compradora) em concordar com as regras da Ambev (a comprada), segue a explicação. O que a

Interbrew comprou, na verdade, foi exatamente o modelo de gestão mais eficiente do setor. De quebra,

carimbou o passaporte para a América Latina, região onde o consumo de cerveja tem grande potencial de

crescimento.

Há, no entanto, quem não veja no estilo Telles exatamente um modelo de gestão a ser seguido. Os conceitos

de competição e meritocracia, levados ao limite, têm provocado polêmica no meio empresarial. Se

funcionários que cumprem metas são bonificados, os que não as cumprem às vezes passavam por situações

constrangedoras. Existem relatos de vendedores tendo que fazer flexões públicas, outros tendo que entrar

em “caixões” de plástico e por aí vai. Nos sites de relacionamento da internet proliferam as comunidades do

tipo “Eu odeio a Ambev” e na Justiça correm ações contra a companhia por assédio moral. Por falar em

Justiça, Telles também teve problemas às vésperas da formação da Inbev, em 2004. Ele vendeu 156 milhões

de ações preferenciais da Ambev em junho de 2003, um negócio de R$ 92,9 milhões. Após a formação da

Inbev, houve uma queda abrupta de ações da Ambev. Telles foi investigado por suposta informação

privilegiada. Segundo ele, o dinheiro foi usado no reinvestimento em ações ordinárias da própria empresa.

“Telles está longe de ser unanimidade. Mas os grandes homens de negócio são assim, despertam ódios e

paixões”, diz um ex-diretor da Ambev.

Hoje, aos 51 anos, Telles mantém residência oficial em Mônaco, mas vive mais entre o Brasil e a Bélgica.

Quem o acompanha diz que, apesar do patrimônio de US$ 1,2 bilhão (segundo ranking da revista Forbes), ele

continua com hábitos simples. Não usa gravata. E ainda usa sapatos sem meias, moda que aprendeu nos

tempos do Garantia. O uniforme é calça social – ou jeans mesmo – e camisas de manga curta ou camisetas, as

da Hering e da Banana Republic são as preferidas. Um horror, aos olhos dos elegantes executivos europeus da

Inbev. Quanto aos acionistas da cervejaria... eles não estão nem aí com o visual dos brasileiros. Se a

informalidade está gerando dividendos, que Mister Beer e sua equipe continuem sem meia e sem gravata.

US$ 16,7 bilhões foi o faturamento da Inbev em 2006, 15% superior ao de 2005

Wall Street brinda uma fusão

Na situação atual da Anheuser, união com a Inbev poderia ser uma boa solução

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INBEV sede da empresa

na cidade de Bruxelas,

na Bélgica

ANHEUSER-BUSCH QG da fabricante da Budweiser, em Saint Louis, nos EUA

Os rumores de uma fusão entre a Inbev e a Anheuser-Bush se intensificaram na semana passada após a

divulgação dos resultados recordes da Inbev. A situação da cervejaria belgo-brasileira é diametralmente

oposta à de sua rival norte-americana. A Anheuser vive um período difícil, com diminuição de receitas e

ações em queda livre. Ficou com receio, inclusive, de ser alvo de uma oferta hostil e contratou uma

consultoria de investimentos para protegê-la. Em Wall Street, uma possível união entre as duas maiores

cervejarias do mundo é vista com otimismo. Analistas acreditam na perfeita sinergia das duas companhias. As

empresas, que já mantêm parcerias internacionais nos EUA e no Canadá, poderiam ampliar a aliança. A

Anheuser, por exemplo, está louca para fazer a Bud decolar na Europa e a Inbev quer emplacar marcas como

Brahma e Stella Artois nos Estados Unidos e no México – onde a Anheuser tem 50% de participação na líder de

mercado, a cervejaria Modelo. “Além disso, Inbev e Anheuser já manifestaram o sonho de criar uma coca-

cola das cervejas, ou seja, uma marca global, sinônimo de categoria. Quem mais se aproxima disso, numa

escala reduzidíssima, é a Heineken”, avalia Adalberto Viviani, da consultoria Concept. Resta apenas saber se

os órgãos reguladores de Europa e Estados Unidos aprovariam a transação. E se August IV Bush, herdeiro do

império Budweiser, está disposto a negociar. Ele já esteve no camarote Brahma, a convite de Telles, para

apreciar o Carnaval brasileiro. Será que vai dar samba? Há alguns anos, executivos da Interbrew também

foram convidados a visitar a Marquês de Sapucaí. Anos depois, nasceu a Inbev.

A SELEÇÃO BRASILEIRA DA INBEV

Os executivos-chave que Telles levou para a Bélgica

Marcel Telles

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Jorge Paulo Lemann

Carlos Alberto Sicupira

Carlos Britto CEO

Cláudio Ferro Diretor de suprimentos

Miguel Patrício CEO para a América do Norte

Felipe Dutra CFO- diretor financeiro

Cláudio Garcia Diretor de TI

Sílvio Reichert Mestre- cervejeiro