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texto que fala sobre a importância da cultura organizacional nos resultados das empresas.
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Tudo menos baunilha
Por que cada vez mais empresas se preocupam em definir um sabor
marcante para sua cultura corporativa Por Alexandre Teixeira
Cultura costuma ser definida como
o conjunto de ideais e valores com
base nos quais as empresas
evoluem ao longo do tempo. O
sucesso de qualquer organização,
em boa medida, depende da
capacidade de alinhar seus
colaboradores em torno dessas
ideias básicas. Algumas
companhias possuem culturas com
sabores fortes, daqueles que se
ama ou odeia. Não há nada de
errado nisso. O sabor ajuda a
selecionar pessoas com as quais
uma empresa deseja trabalhar.
Também orienta candidatos a se
decidirem por esta ou aquela
companhia. Toda empresa
ambiciosa quer ser cobiçada como
local de referência para talentos,
parceiros de negócios, clientes. O
grande risco que corre uma cultura corporativa é ficar no meio do caminho, com o
desejo ilusório de ser tudo para todos – como a neutra baunilha, sem uma personalidade
definida.
Quer um exemplo de cultura que não deixa dúvida quanto ao sabor? A AmBev, maior
fabricante de bebidas da América Latina, é conhecida no mercado por perseguir metas
agressivamente e ser uma empresa na qual os melhores têm ascensão rápida e quem
“não entrega” é convidado a sair. Assim, atrai jovens trainees adeptos dos desafios da
competição. “A cultura é o que mantém coeso um país, um time ou uma empresa”, diz
Marcel Telles, acionista do bloco de controle da Anheuser-Busch InBev. “Nunca
transigimos quanto à nossa cultura. Ela é para poucos, mas são esses poucos que nos
interessam e garantirão a continuidade da companhia.”
Toda cultura empresarial se cristaliza ao longo dos anos. Não é fácil mudá-la. O caso da
Usiminas é emblemático. Marco Antônio Castello Branco, um executivo mineiro de 50
anos que fez carreira na Mannesmann, está sentindo na pele o peso da resistência. Ele
assumiu a presidência da siderúrgica em junho de 2008 com o desafio de reformar sua
cultura corporativa, que, privatizada em 1991, ainda rescendia a estatal. Na pesquisa que
encomendou à Interbrand, consultoria especializada em marcas, logo que assumiu o
cargo, a Usiminas foi descrita como uma empresa tão cinzenta quanto o uniforme de
seus funcionários. Fechada até para os analistas financeiros. Conservadora, provinciana
e bairrista, ironizada por “olhar o mundo pelos óculos de Ipatinga”, cidade do interior
onde está sua sede. “Estes eram os atributos que queríamos eliminar”, diz Castello
Branco. “Começando de dentro para fora.”
Exceto pela proposta de mudar o nome da companhia para dar-lhe ares mais
cosmopolitas, ele aceitou de tudo. A logomarca, antes azul, passou a admitir cinco cores
alternadamente, e o cinza sumiu dos uniformes dos operários. Para mostrar que a
diversidade agora era levada a sério, criou-se um programa de contratação de ex-
presidiários. Buscaram-se no mercado referências de melhores práticas: sistemas de
gestão da Gerdau e da Votorantim, técnicas siderúrgicas japonesas. Nem todos os
funcionários, porém, vestiram bem as novas cores da Usiminas. Como resultado, a
siderúrgica é alvo de uma investigação no Ministério Público do Trabalho, motivada por
denúncias de assédio moral e sexual. Ao mesmo tempo, a demissão de funcionários
aposentados que continuavam ocupando cargos de direção provocou uma rebelião logo
abaixo da cúpula da companhia. Embaraçado perante os acionistas, sobretudo os
japoneses, Castello Branco corre o risco de não ter seu mandato renovado em 30 de
abril.
Revoluções culturais nas empresas – e resistências a elas associadas – não são novidade.
Em meados dos anos 80, no início do reinado de Jack Welch na GE, 100 mil pessoas
foram demitidas da corporação, apesar dos lucros ao final de cada trimestre. Enquanto
cortava cabeças com uma mão, o futuro “executivo do século” assinava com a outra um
cheque de US$ 75 milhões, para a reforma completa do centro de desenvolvimento
gerencial da GE, a hoje incensada escola de Crotonville. A lógica de Welch: livrar-se
dos medíocres e formar pessoas competitivas, voltadas para resultados e comprometidas
com inovação permanente. A resistência foi feroz. “Felizmente o mercado de ações
estava do meu lado”, diz Welch em suas memórias. Há quem questione a sistemática
demissão de 10% dos funcionários a cada ano, desenvolver os 70% medianos e premiar
regiamente os 20% mais competentes. E quase ninguém tolera franqueza brutal em
avaliações de desempenho. Mas o que empresas ambiciosas assim buscam são exceções
que sobrevivam às suas regras.
CULTURA representa para grupos o mesmo que caráter para indivíduos.
É o que afirma o psicólogo americano Edgar Schein,
que cunhou a expressão “cultura corporativa”
No Brasil, alguns pesquisadores costumam confrontar a AmBev – empresa
assumidamente influenciada pela GE de Jack Welch – com a Natura, maior fabricante
de cosméticos do país. De um lado, uma radical meritocracia. De outro, uma cultura que
combina filosofia grega e pragmatismo americano, temperados com discurso new age.
Em comum, ambas mantêm a integridade do modelo escolhido. Uma cultura deve ser
consistente com o estilo de liderança, com a gestão de pessoas e com a estrutura
organizacional. “Se você mistura a cultura da AmBev com os processos da Natura, a
empresa quebra”, afirma Betania Tanure, psicóloga social e consultora. O modelo de
gestão da AmBev é guiado por uma filosofia básica de autonomia. O funcionário é
estimulado a tomar decisões e remunerado pelo risco. A Cultura Natura aposta no bem-
estar das relações. Talento individual é importante, mas o do grupo é ainda mais. Buscar
resultado, as duas buscam. A Natura, procurando o consenso. A AmBev, estimulando o
confronto. Quem tem razão?
“Cultura representa para grupos o que caráter é para indivíduos”, disse a Época
NEGÓCIOS Edgar Schein, psicólogo que cunhou a expressão cultura corporativa.
Professor da escola de negócios Sloan, do MIT, Schein sustenta há décadas a ideia de
que não há cultura certa ou errada, melhor ou pior. “Se o seu caráter é a soma de tudo o
que você se tornou por meio de seu aprendizado, dizer que é um caráter bom ou um
caráter mau não faz nenhum sentido. Você é o que é, e, pelo mesmo motivo, uma
empresa é o que é.”
A cultura é vivenciada em vários níveis, alguns deles bem visíveis. As pessoas se
vestem informalmente e trabalham em ambientes sem paredes? Ou o que se vê são
executivos engravatados fechados em suas salas? Ambos os cenários dizem algo sobre a
organização. Mas será que a primeira impressão conta tudo? Um pouco de pesquisa de
campo não mostrará um quadro mais completo? Portas fechadas têm uma razão de ser.
A empresa provavelmente valoriza a privacidade e a oportunidade para que os
empregados reflitam antes de partir para a ação. Cave um pouco mais fundo e surgirá a
história da empresa, os valores do fundador. “Uma companhia que cresceu de um certo
modo e é bem-sucedida certamente tem uma cultura”, diz Schein. Em geral, quanto
mais antiga a empresa, mais sólidos serão seus valores. Isso tende a ajudá-la em
períodos de tranquilidade nos mercados ou em setores que pouco mudam. “Mas, se o
ambiente muda, algumas partes dessa cultura podem tornar-se disfuncionais”, afirma
Schein.
A cultura forjada por Luiz Seabra, fundador da Natura, em torno dos conceitos de bem-
estar e sustentabilidade, revelou-se pouco flexível quando foi posta à prova por uma
sequência de eventos em meados da década passada. Primeiro, a companhia abriu
capital, em maio de 2004, e passou a conviver com analistas lhe cobrando resultados
trimestrais. Nove meses depois, houve a profissionalização da gestão, com a sucessão
de Pedro Passos – um dos acionistas controladores – por Alessandro Carlucci. Isso
coincidiu com uma fase de crescimento ao ritmo de quase 40% ao ano no mercado
interno e aceleração da internacionalização. Como não havia talentos internos
suficientes para triplicar a quantidade de gestores em três anos, foi preciso recrutar
muita gente de fora.
AmBev
O modelo de gestão da AmBev, introduzido por Marcel Telles, tem
uma filosofia básica, que é de autonomia na ponta. “Os valores são
comuns, mas os indivíduos trazem diversidade de atuação e estilo”,
diz ele. Originária do banco Garantia, a Cultura AmBev é centrada
em metas, resultados e ascensão rápida
Natura
Luiz Seabra fundou a Natura influenciado por filósofos. Portanto, os
valores expressos em sua identidade são similares aos que
orientaram as grandes tradições religiosas. É uma cultura baseada
no bem-estar das relações, a partir das quais se constrói valor. A
ideia é buscar o resultado pelo consenso
Com a dificuldade de fazer com que quase 300 gerentes vindos das mais diversas
companhias se adaptassem à filosofia de Seabra, o trem quase saiu do trilho. A volta por
cima foi dada com providências clássicas do mundo empresarial: corte de custos e
redefinição de prioridades estratégicas. Mesmo assim, segundo Marcelo Cardoso, vice-
presidente de Desenvolvimento Organizacional da Natura, a normalização da empresa
não se deu pela adaptação da cultura à nova realidade, mas pelo aculturamento dos
novatos. “Em nenhum momento existiu a intenção de mudar a cultura da companhia”,
afirma. “Os resultados da Natura são consequência do alinhamento profundo do que ela
acredita ser sua proposta de valor para o mundo, sua utopia de transformação do
planeta.”
Transformação do planeta? Uma fabricante de cosméticos quer mudar o mundo? O
ceticismo é saudável, mas a Natura não está sozinha. A Whole Foods, considerada um
dos “arautos da nova ordem administrativa” por Gary Hamel, um guru americano da
estratégia, não se considera uma empresa. Apresenta-se como “uma comunidade de
pessoas que trabalham para fazer diferença no mundo, em que a missão é tão importante
quanto o resultado financeiro”. Whole Foods é aquela rede americana de supermercados
naturebas com 200 lojas e US$ 6 bilhões de faturamento. “Logo no início, o fundador
da Whole Foods, John Mackey, disse: „Quero construir uma empresa que seja baseada
em amor em vez de medo‟”, contou Hamel a Época NEGÓCIOS. “Todos os sistemas de
gestão deles partem daquele compromisso inicial em torno de um conjunto particular de
valores.” A empresa tem uma Declaração de Interdependência, em que se descreve
como uma comunidade que trabalha em conjunto para criar valor para outras pessoas.
É o tipo de cultura que se encontra em algumas das melhores empresas do Vale do
Silício. “Pessoas talentosas sentem-se atraídas pelo Google porque lhes damos poder
para mudar o mundo”, dizem Larry Page e Sergey Brin em um documento chamado
Carta a Futuros Acionistas. “Se, como geralmente se afirma, os funcionários do Google
são uns tipos arrogantes, também são incrivelmente idealistas”, afirma Hamel. Afirmam
que trabalham para democratizar o acesso à informação e, por tabela, tornar as pessoas
menos alienadas. Alex Dias, presidente da filial brasileira do Google, veste a carapuça –
de idealista, não de arrogante. “O Google vê a tecnologia como uma alavanca de
mudança do mundo para melhor”, diz ele. “Por trás de tudo que desenvolvemos há uma
pergunta aparentemente boba: por que não fazer diferente?” Chamam a isso saudável
desprezo pelo impossível. Pela natureza pulverizada da internet, a ideia de publicidade
online não parecia viável como modelo de negócio. Hoje é. Pelo menos para o Google.
O mote interno da companhia é “Don‟t be evil” (não seja mau). É a base do
relacionamento de longo prazo com o usuário e está por trás da reação da companhia
aos problemas com o Buzz, rede de relacionamento social lançada pelo Google para
concorrer com o Facebook. Numa demonstração de transparência, a empresa admitiu
publicamente falhas na proteção da privacidade dos participantes e modificou o sistema.
Dias afirma que decisões já foram tomadas em detrimento do resultado financeiro, para
“não ser mau”. “Nossa última manifestação em relação à China tem muito a ver com
isso”, diz ele, referindo-se à ameaça de deixar o país depois que hackers, aparentemente
a serviço do governo, invadiram contas de e-mails de dissidentes políticos e a censura
foi intensificada. “Essa situação fere valores nossos que são valores da internet.”
NO PRINCÍPIO, Marcel Telles era tudo para a AmBev, um líder carismático
que impunha seus traços à companhia. Depois, esse tipo de liderança
tornou-se dispensável, afirma Vicente Falconi
E o que dizer da Apple, de Steve Jobs – aquele que é, reconhecidamente, o cara da
inovação? “A Apple é feita por pessoas que pensam de uma forma diferente e original,
que querem usar os computadores para ajudá-las a mudar o mundo, para ajudá-las a
criar coisas que façam diferença, e não apenas para executar um trabalho”, disse Jobs à
revista Time, nos idos de 1998. “Ao longo de sua carreira, Jobs motivou funcionários,
atraiu desenvolvedores de software e cativou compradores invocando um chamado
superior. Para ele, os programadores não trabalham para criar programas fáceis de usar:
estão tentando mudar o mundo”, diz Leander Kahney no livro A Cabeça de Steve Jobs.
Do mesmo modo, o iPod nasceu com a pretensão de ser mais que um tocador de MP3.
“A música está sendo realmente reinventada nesta era digital, e isto está trazendo-a de
volta à vida das pessoas”, disse Jobs à Rolling Stone, em 2003. “É assim que estamos
trabalhando para tornar o mundo um lugar melhor.”
O padrão da Apple para recrutamento e seleção é de assumido elitismo: “Contrate
apenas atores nota 10, demita os idiotas”. É o darwinismo da GE versão iWelch. Na
ânsia de livrar-se dos medíocres, mas também de desenvolver o potencial dos especiais.
Isto é verdade na Apple e também na Pixar, o estúdio de animação que Jobs vendeu à
Disney em 2006 por US$ 7,4 bilhões. No livro Mavericks no Trabalho, Polly LaBarre e
William Taylor explicam que a cultura da Pixar é oposta à de Hollywood, onde se
contratam cineastas por empreitada e financiam-se ideias para roteiros. Jobs instituiu a
prática de manter os artistas na folha de pagamentos e investir neles. Assim, a
Universidade Pixar, com centenas de cursos de animação, arte e produção, está para o
desenvolvimento de colaboradores como Crotonville para a GE.
O gênio e as idiossincrasias de Jobs parecem marcar o fim de uma longa época no
mundo dos negócios. Na última década do século passado, diferentes autores
decretaram o fim da história, da física, da macroeconomia, da ciência e da incerteza.
Mas tantos fins devem igualmente significar outros tantos novos começos. É o que
afirmam Rajendra Sisodia, Jagdish Sheth e David Wolfe, autores de um estudo sobre as
empresas mais queridas do mundo: “Estamos oscilando diante do que os físicos
denominam ponto de bifurcação – um interregno ou intervalo de tempo entre os polos
da morte e do nascimento (ou do renascimento), quando uma velha ordem está
chegando ao fim e uma nova ordem luta para sair de sua condição embrionária”.
Há uma razão demográfica por trás do que parece um convite quatro décadas atrasado
para celebrar a chegada da Era de Aquário. “O sentido da vida (...) constitui uma
questão recorrente na meia-idade”, afirmam Sisodia, Sheth e Wolfe. Com o
envelhecimento da população, os questionamentos afloram. “Que vou fazer do resto da
minha vida?”, perguntam os que já construíram carreira e família. “Como vamos fazer
para que essa empresa seja um instrumento a serviço da sociedade enquanto cumprimos
com o nosso dever de construir riqueza para os acionistas?”, questionam-se cada vez
mais líderes empresariais.
Apple
“A Apple é feita por pessoas que pensam de forma diferente e
original e querem usar computadores para ajudá-las a mudar o
mundo, criar coisas que façam diferença e não apenas para executar
um trabalho”, diz Steve Jobs. O mote para o recrutamento é:
“Contrate só gente nota 10 e demita os idiotas”
PAI E PAÍS
Para Alfredo Behrens, professor de gestão intercultural no MBA Internacional da
Universidade de São Paulo, a cultura de uma organização é uma mistura das culturas de
seu fundador e de seu país de origem. Esta é mais fácil de se observar quando traduzida
em pequenos códigos de conduta. A pontualidade, por exemplo. “Em países latinos,
chegar atrasado pode ser considerado estiloso e apropriado. Já nos países do norte da
Europa é visto como um insulto”, afirma Schein. Do mesmo modo, chegar ao trabalho
cedo e sair tarde pode significar coisas diferentes em contextos diferentes: forte
compromisso com a empresa ou incapacidade de ser eficiente.
Pode ser mera curiosidade, até o momento em que pessoas de diferentes origens são
alocadas em equipes multiculturais e mal-entendidos tornam-se ameaças à
produtividade. “Se você olha para organizações americanas em geral, o indicador mais
claro de individualismo é a vaca sagrada da responsabilidade individual”, diz Schein.
“Não importa o quanto o trabalho em equipe seja propagandeado na teoria, ele não
existe na prática até que a responsabilidade seja designada ao time todo e sistemas de
pagamento e recompensa sejam instituídos.”
Será que existe uma cultura corporativa brasileira? É possível identificar as suas
origens? Jacques Marcovitch, ex-reitor da Universidade de São Paulo e autor da trilogia
Pioneiros & Empreendedores, entende que sim. “Há uma cultura empresarial com
origem na trajetória dos homens de negócio que lideraram a transição do Brasil de uma
economia agrícola para a industrialização”, diz. Como Roberto Simonsen. Dirigente da
Companhia Construtora de Santos, ele viveu a grande crise de 1918 e 1919, que entrou
para a história como a Crise dos Quatro Gês: geadas, gafanhotos, guerra e gripe
espanhola. Nesse período, Simonsen correu a Europa em busca das melhores práticas
que pudesse importar. Sua arrancada empresarial teve início logo depois. “A partir da
segunda década do século 20, Simonsen modernizou a administração de suas empresas,
que iam do setor de construção civil aos frigoríficos e aos produtos cerâmicos,
aplicando conceitos que foi buscar na Grã-Bretanha e na França”, diz Marcovitch.
O Brasil, naturalmente, tem traços culturais com impactos notáveis sobre suas
empresas. Três deles são mais importantes, para o bem e para o mal. O primeiro é a
flexibilidade, o conhecido jeitinho brasileiro. Seu trunfo, para a maioria das empresas, é
a facilidade de adaptação a mudanças. O efeito colateral é a indisciplina, que gera
procrastinação e retrabalho. O segundo traço é a ênfase nas relações pessoais. Colegas
de trabalho são amistosos e hospitaleiros, mas com frequência praticam o mote “aos
amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Isso ajuda a entender o paternalismo e a dificuldade
de dar feedback. Basicamente, evita-se o conflito a todo custo, especialmente com quem
tem mais poder. O terceiro – e mais oculto – dos traços diz respeito ao modo como se
lida com o poder. “As empresas do Brasil ainda são extremamente autoritárias nas suas
relações de poder”, afirma Betania Tanure. “Achamos que o Japão é mais autoritário,
mas não é.”
Com suas virtudes e fraquezas, o jeito brasileiro de fazer negócios começa a ser
exportado com algum sucesso. A chamada “Cultura AmBev” talvez seja o melhor
exemplo. Partindo do país, expandiu-se pela América Latina, chegou à Europa e mais
recentemente aos Estados Unidos. Houve choques culturais no caminho – ainda há
muita resistência na Bélgica, onde está a sede da InBev. “Respeitamos as culturas
locais, mas não abrimos mão, nem um centímetro, da nossa, e temos visto que em
qualquer país encontramos os poucos extraordinários que adoram nossa cultura
corporativa”, afirma Marcel Telles.
Diferentemente do que muitas vezes se imagina, a proximidade geográfica não é
garantia de afinidade cultural. “Nos poucos contatos que tive com empresas da
Argentina, percebi que a cultura empresarial de lá é muito difícil de se trabalhar. Em
todos os níveis, até no do operariado”, afirma Vicente Falconi, fundador do Instituto de
Desenvolvimento Gerencial e membro do conselho da AmBev. Segundo ele, seus pares
argentinos, quando ingressam em empresas brasileiras, surpreendem-se com a
humildade do trabalhador local. Talvez seja o complexo de vira-lata rodrigueano
jogando a nosso favor. “Só aprende quem é humilde”, diz Falconi. Nos Estados Unidos,
segundo ele, o desafio é outro. “Você tem de gastar mais tempo para convencê-los, para
vender a ideia”, afirma. “Mas, uma vez assimilada, com uma boa liderança, eles vão
mais longe porque têm mais competência formada.
Mais sutis, mas não menos importantes, os valores do fundador dizem muito sobre as
empresas. Uma das culturas corporativas mais tradicionais do país, a da Odebrecht, não
é baseada nas ciências da administração, mas em uma filosofia de vida. “Ela valoriza a
formação do homem para o trabalho, pelo trabalho e no trabalho”, diz Antonio Carlos
Gomes da Costa, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de um
livro que analisa a obra de Norberto Odebrecht. Educado em alemão até a entrada no
ginásio, o patriarca dos Odebrecht atribui os fundamentos da cultura de um dos maiores
conglomerados da indústria pesada brasileira a seu preceptor, Otto Arnold. Primeiro
pastor luterano de Salvador, Arnold foi hóspede dos Odebrecht em meados dos anos 20.
Todas as manhãs, dava aulas a Norberto, de acordo com o rígido conceito germânico de
Bildung (formação). Além de caligrafia gótica, o pastor transmitiu ao futuro empreiteiro
uma visão de mundo impregnada da ética protestante e capitalista de Max Weber.
Whole Foods
Considerada pioneira de uma nova ordem gerencial, a maior rede de
varejo orgânico do mundo, fundada por John Mackey, não se
considera uma empresa. Define-se como “uma comunidade de
pessoas que trabalham para fazer diferença no mundo, em que a
missão é tão importante quanto o resultado financeiro”
Odebrecht
Uma das culturas corporativas mais tradicionais do país, a
Tecnologia Empresarial Odebrecht não é baseada nas ciências da
administração, mas no conceito alemão de Bildung (formação). Foi
desenvolvida por Norberto Odebrecht, a partir da educação recebida
de um pastor luterano
Em um texto a respeito de sua formação, Odebrecht afirma que, graças a Arnold,
compreendeu “que a riqueza moral é a base da riqueza material, e a riqueza sem ética
não é riqueza sadia”. Quando foi para o Ginásio Ipiranga, Odebrecht teve de tomar aulas
particulares de português. O contato com a elite baiana foi o primeiro choque de sua
vida. Hábitos como o de apagar o quadro-negro depois da saída do professor foram
tomados por bajulação e lhe renderam apelidos nada elogiosos. A segunda paulada veio
quando seu pai – Emilio Odebrecht, já então o maior construtor da Bahia – faliu,
durante a Segunda Guerra. Norberto tinha 23 anos e ainda estudava engenharia quando
assumiu os negócios – e as dívidas. No futuro, ao comentar a virada que tirou a empresa
da bancarrota e a colocou no rumo do crescimento, ele sempre destacaria o fato de ter
herdado um corpo de funcionários bem preparado e com um jeito muito próprio de
trabalhar. Era o embrião da TEO, Tecnologia Empresarial Odebrecht.
Mesmo na era dos gurus da gestão, há espaço para culturas nascidas em casa. O sucesso
da Casas Bahia foi um fenômeno dependente da sua cultura. “Ela tinha o que o
Bradesco nunca teve, o que o Itaú nunca teve. Uma cultura de emprestar para pobre”,
diz Clemente Nobrega, consultor de empresas e colunista de Época NEGÓCIOS. “Isso
veio do Samuel Klein [fundador da empresa], que era mascate.” Depois, com o sucesso
da Casas Bahia decodificado, a concorrência descobriu esse mercado. De modo similar,
David Neeleman, fundador da JetBlue, já relatou de que modo sua experiência como
voluntário, vivendo e trabalhando em favelas do Brasil, ajudou a moldar a cultura de sua
empresa. “Entre mim e as pessoas com quem trabalho, me esforço para eliminar as
diferenças mais evidentes de riqueza e posição social e tento propiciar oportunidades
para servir os outros”, disse ele certa vez. “Ao voar a trabalho, sirvo drinques e lanches
junto com a tripulação e levo o lixo para fora quando terminamos.”
Toda cultura corporativa depende, em diferentes medidas, de valores do fundador da
empresa. “Ele tem opiniões fortes sobre como os empregados devem fazer seu trabalho
e que prioridades a organização precisa ter”, afirma Nobrega. “Se os julgamentos do
fundador são falhos, a empresa fracassa. Mas se são sólidos, os empregados vão atestar
por si próprios sua validade para resolver problemas e tomar decisões.” Ou seja, os
processos são definidos por tentativa e erro até que passam a ser o piloto automático da
organização, sua cultura. Não há fórmula pronta para isso. Algumas empresas têm
culturas inspiradas em um livro escrito por um líder, ou por um conjunto de líderes.
Outras partem de comportamentos espontaneamente desenvolvidos e, algum tempo
depois, formalizados. Se a Odebrecht representa o primeiro modelo, a AmBev
certamente alinha-se com o segundo. Sua cultura corporativa nasce com a compra da
Brahma pelo banco Garantia, em 1989, e a chegada de Marcel Telles para administrá-la.
“No começo o Marcel era tudo. Um líder carismático que impunha traços culturais de si
mesmo, o que foi bom para a empresa”, diz Falconi. “Só que, como ele teve a
preocupação de cuidar das pessoas e de formar equipes com gente excepcional, não
existe mais necessidade de um líder carismático.” É natural que seja assim. Líderes
carismáticos geralmente estão associados a sistemas fracos. Quando uma empresa tem
sistemas gerenciais mais fortes, ele já não é indispensável. Dito de outro modo,
enquanto a liderança cria a cultura nos estágios iniciais da empresa, é a cultura que
forma líderes depois que a organização amadurece.
AS CULTURAS unilaterais, aquelas que reúnem pessoas que pensam
parecido e têm a mesma maneira de trabalhar, podem bloquear
a diversidade e a capacidade criativa para inovar
É por isso que startups de sucesso podem ser fulminadas caso seus engenheiros ou
programadores sejam “roubados” pela concorrência. Os jovens líderes das companhias
que dominam a internet hoje têm total consciência disso e, no entanto, adotam
abordagens distintas sobre recursos humanos. Um exemplo é Mark Zuckerberg, CEO do
Facebook. Sua estratégia é contratar “hackers empreendedores” mesmo que eles não
permaneçam muito tempo na empresa. Zuckerberg prefere engenheiros mesmo para
funções de suporte, como marketing. Sua meta declarada é fazer da maior rede social do
planeta o melhor lugar do mundo para se aprender a construir um negócio baseado na
internet. Considerando que o YouTube, gigante dos vídeos na web, foi cofundado por
Steve Chen, um ex-funcionário do Facebook, não é uma visão distante da realidade.
“Hackers são pessoas impacientes e não querem ficar em um lugar para sempre”, disse
Zuckerberg em uma palestra em outubro na Startup School, na Califórnia.
É uma visão oposta à da Zappos, varejista digital de moda, comprada em 2009 pela
Amazon por US$ 847 milhões. “Queremos que nossos funcionários permaneçam na
empresa por um longo tempo, durante dez anos, talvez a vida inteira”, disse Tony
Hsieh, CEO da Zappos, no mesmo evento. “Damos orientação e treinamento para que
os empregados entrem e, ao longo de um período de cinco a sete anos, possam se tornar
líderes seniores.” Uma estratégia para fazer isso é apertar o ritmo das promoções,
desdobrando-as em degraus menores. Em vez de um salto de longa distância a cada 18
meses, que tal um salto triplo dividido por semestres? Hsieh incentiva chefes e
funcionários a participarem juntos de eventos não vinculados ao trabalho. Mentes
abertas, segundo afirma, captam melhor o propósito da Zappos – oferecer o melhor
serviço do mundo ao consumidor – e vão além da dobradinha receita e lucro.
Ter uma cultura forte traz vantagens inegáveis para as organizações. Por exemplo, a
clareza para selecionar que tipo de gente se quer recrutar, reter e desenvolver. Se essa
cultura torna-se conhecida do mercado, potenciais candidatos, sejam eles estudantes ou
executivos, poderão avaliar se os valores e as práticas da empresa são compatíveis ou
não com os seus. “Nossas entrevistas são interessantes porque sempre forçamos o
candidato a nos fazer várias perguntas, principalmente sobre cultura”, diz Márcio Fróes,
diretor de Gente e Gestão da AmBev, onde trabalha há 18 anos. “Se você não tiver a
capacidade de se apaixonar por esta empresa, não venha, porque aqui você vai casar de
novo.”
Usiminas
Marco Antônio Castello Branco assumiu a siderúrgica em 2008 com
a missão de renovar uma cultura de ex-estatal. A empresa era tida
como pesada, lenta e cinzenta. No pacote de mudanças, adotaram-
se cinco cores para o logotipo e uniformes coloridos. A resistência à
transformação foi parar na Justiça
VISÃO DE MUNDO
Toda empresa que se preze possui uma missão. Não para pendurar na parede, mas para
orientar suas atividades. Isso é importante, mas não separa os homens dos meninos. O
que empresas inspiradoras, como Apple e Google, têm de diferente é uma visão de
mundo particular. Uma ideologia, como prefere Jim Collins, autor do clássico Feitas
Para Durar. As pesquisas de Collins indicam que “a autenticidade da ideologia e o grau
de alinhamento com ela obtido pela companhia contam mais do que o conteúdo da
ideologia”. Dito de outro modo, consistência é mais importante do que originalidade.
Pelo menos até certo ponto.
Em duas situações críticas – fusões de um lado, gestão de crises do outro –, culturas
muito fortes podem ser um fardo. Quando se torna necessário unir, às vezes à força,
pessoas com origens diferentes, entram em cena especialistas em cultura com o
propósito de evitar, ou ao menos amortecer, os inevitáveis choques. Na maioria dos
casos, a preocupação com culturas diferentes sendo espremidas numa nova organização
surge depois do choque cultural. Nos últimos tempos, companhias previdentes têm
tentado se antecipar.
Tome o exemplo da BRFoods, fruto da união da Perdigão com a Sadia. A nova
companhia aguarda com ansiedade o sinal verde do Cade, previsto para até meados de
junho, para dar início à integração das duas empresas. O temor é de perda de talentos
neste meio-tempo. Dos 20 executivos considerados chaves para a BRFoods, cinco,
provenientes da Sadia, já deixaram a empresa, atraídos por boas ofertas no mercado
aquecido. Em princípio, foi estabelecida a impossibilidade de que duas culturas
diferentes convivessem em uma mesma organização. Ficou decidido que prevalecerá a
do comprador, no caso a Perdigão, com gestão profissionalizada e transparência. “Será
uma cultura com padrão de multinacional”, diz um especialista que acompanha de perto
a movimentação. Isso não deve significar, porém, uma atitude revanchista em relação à
Sadia, que reconhecidamente tem áreas de excelência, como marketing e vendas.
Duas consultorias internacionais foram contratadas para colaborar nesse processo. À
americana McKinsey foi confiada a tarefa de levantar as melhores práticas de cada uma,
a fim de se estabelecerem sinergias. De seu lado, a alemã Egon Zehnder começou a
entrevistar os 15 altos executivos remanescentes, para avaliar eventuais problemas de
adaptação. Perdigão e Sadia têm culturas divergentes. Operada por fundos de
investimento, há muito a Perdigão – que até o início da década de 90 pertencia à família
Brandalise – perdeu os resquícios de empresa familiar. Já a Sadia seguia sob controle
dos muitos herdeiros de seu fundador, Attilio Fontana. Essas diferenças entre antigos
rivais tornaram-se claras em 2001, quando as companhias formaram uma aliança para
operar internacionalmente, responsável pelas exportações de carne para vários países.
Durou cerca de um ano. “Essa curta e conflituosa convivência, que frustrou o negócio
na ocasião, agora serve como importante aprendizado”, diz o observador.
De todos, porém, o principal risco trazido por uma cultura organizacional forte é que a
confiança excessiva em seus valores pode tornar as lideranças emocionalmente
incapazes de aceitar a necessidade de mudar. A indústria automotiva internacional é
uma prova viva disso. “É evidente que um dos pressupostos-chave por trás da cultura da
General Motors era financeiro – você deve sempre maximizar a margem de lucro”,
afirma Schein. Por esse motivo, até a rejeição por parte dos consumidores tornar-se
quase irreversível, a GM resistiu em mudar a ênfase nos SUVs bebedores de gasolina
para carros pequenos e econômicos e em apostar nos modelos híbridos e elétricos.
Agora, com a onda de recalls que já atinge 8,5 milhões de veículos seus, é a Toyota que
está na berlinda. “Os problemas da Toyota são apenas dela, mas sublinham falhas mais
amplas na governança corporativa japonesa, que tornam empresas grandes
particularmente vulneráveis a lidar mal com uma crise como essa”, afirmou
recentemente a revista The Economist. Quem conhece a Toyota por dentro sabe que sua
rígida hierarquia desestimula, para usar um eufemismo, as pessoas a levarem más
notícias para o andar de cima. Na dúvida entre esconder o problema e expô-lo ao chefe,
que corre o risco de passar um carão (lose face, na expressão em inglês), dá-se sempre
um jeito de dourar a pílula. O fato de o conselho de administração da montadora ser
composto por 29 homens japoneses, nenhum deles independente, ajuda pouco a
oxigenar essa cultura. O caso da Toyota é um prato cheio para estudiosos da
administração. Trata-se de uma reconhecida cultura de excelência que está sofrendo
arranhões sérios justamente por problemas de qualidade. “Sua cultura foi construída
sobre confiabilidade, e eles são reconhecidos no mundo todo como modelo de
manufatura”, afirma Schein. “Então, o grande enigma é: mesmo com essa cultura, o que
deu errado?” Segundo Schein, os japoneses, não apenas na Toyota, são orgulhosos e
resistentes a admitir erros, além de rígidos no que diz respeito à lealdade de seus
funcionários. “O problema é que dizer „eles não deveriam ser desse jeito‟ é como dizer
„vocês, brasileiros, não deveriam ser tão amantes da diversão‟. É fácil criticar um traço
cultural, mas difícil mudá-lo.”
Culturas unilaterais, que reúnem pessoas que pensam parecido, têm os mesmos valores
e a mesma maneira de trabalhar, podem bloquear a diversidade de pensamento. É o caso
de uma empresa que junta um grupo de pessoas motivadas por resultados, que gostam
de competição e de ser desafiadas, e que se dispõem a trabalhar sob um sistema de
controle permanente de despesas. Ora, se está todo mundo pensando em economizar
cada tostão, talvez falte alguém raciocinando de maneira criativa. Marcel Telles tem
resposta a este questionamento. Segundo afirma, nas empresas de sua esfera, em
especial a AmBev, “os valores são comuns mas os indivíduos trazem diversidade de
atuação e estilo” para o trabalho. “Acreditamos que pessoas excepcionais procurando
oportunidades de crescer dentro de um time com sonho comum empurrarão a empresa
para a frente e para cima”, afirma ele. A regra do jogo é interesse individual, sim, mas
alinhado com o propósito maior do time. “O ousar é sempre encorajado, desde que
ajude na direção do sonho comum.”
Com todos os riscos e dificuldades, é difícil lembrar de outra era em que tantas
empresas dedicassem tanta energia a suas culturas. Cardoso, da Natura, explica: “É que
os ambientes passaram a ser mais complexos e incertos. A ilusão de controle gerada
pelos modelos tradicionais de gestão evaporou, e a cultura passou a desempenhar papel
fundamental”. A globalização leva companhias a desenhar num país, projetar em outro,
produzir num terceiro e vender em diversos. Tudo isso com a empresa sendo cobrada
pelo triple bottom line (o tripé lucro, pessoas e planeta). “Cuidar da cultura é como
cuidar da água do aquário”, diz Cardoso. “O peixe não percebe, mas alguém está
zelando para que a água tenha a oxigenação, os nutrientes e micro-organismos
necessários para que o ambiente seja saudável.”
“O sucesso é produto dos valores e da paixão
por eles”
Na economia criativa de Gary Hamel, o pensador
americano da gestão do futuro, o desafio não é
controlar as pessoas, mas inspirá-las a levar seus dons
para o trabalho
Entre os qualificativos colecionados por Gary
Hamel estão os de “pensador de negócios mais
influente do mundo” (The Wall Street Journal),
“guru de estratégia dominante” (The
Economist) e “principal especialista do mundo
em estratégia de negócios” (Fortune). Hamel é
professor convidado de Estratégia e Gestão
Internacional da London Business School e
cofundador da consultoria californiana
Strategos. Autor de O Futuro da Administração,
ele afirma nesta entrevista que, em muitas
empresas contemporâneas, os sistemas de
administração são do fim do século 19, era da Revolução Industrial. Controle e
disciplina tolhem paixão e criatividade – “dons que as pessoas levam ou não levam para
o trabalho todo dia”. Exceções? Sim, americanas como Apple e Google; brasileiras
como Natura e Semco. “As empresas que estão liderando essa transformação com
certeza serão as vencedoras.”
O senhor defende uma cultura humanista, com pouca hierarquia e pequenas diferenças
de remuneração. Mas um de seus modelos é a Apple, uma empresa personalista._Muitas
vezes achamos que o sucesso vem da estratégia ou talvez de uma pessoa. Não é esse o
caso. No fim das contas, o sucesso é produto dos valores que alguém tem e da paixão
que se consegue criar em torno desses valores. Não dá para entender uma empresa como
a Apple sem olhar para os valores profundos que formam sua cultura corporativa. Você
pode dizer: é o Steve Jobs. Mas eu te digo, ele é um só. Não existe pessoa com
imaginação suficiente, visão suficiente para reinventar tantos setores. Quando se olha
para a Apple, há um conjunto de valores muito mais profundo. Por exemplo, um valor
que diz: “Vamos ser apaixonados, queremos criar coisas lindas, sensacionais de se
olhar, adoráveis de segurar”.
São culturas como essa que, a seu ver, moldarão o futuro da administração?_É
interessante que, dentro da maioria das empresas, não se possa nem falar sobre beleza,
alegria ou amor. E esses ideais são os mais importantes para nós, como seres humanos.
Isso tem de mudar, porque, em uma economia criativa, você está tentando trazer pessoas
do mundo todo para contribuirem com a sua organização, tentando abrir o processo de
inovação, tentando tornar seus clientes, parceiros e funcionários apaixonados. Não dá
para fazer isso a não ser que sua empresa seja construída em torno de ideais e valores
que realmente mexam com o coração. Não é a riqueza do acionista, não é liderança
numa categoria de produtos, não é vantagem competitiva. É uma percepção profunda de
valores. Por todas essas razões, o que se vê aqui e ali como apenas alguns casos isolados
vão se tornar cada vez mais a norma. As empresas que estão liderando essa
transformação com certeza serão as vencedoras.
Mas, por ora, são organizações à frente de seu tempo, certo?_Em muitas empresas hoje,
os sistemas de gestão, as ferramentas e os métodos têm suas fundações no fim do século
19 quando, no começo da Revolução Industrial, estávamos quebrando a cabeça para
descobrir como transformar seres humanos em robôs programáveis. Nossos sistemas de
gestão tendem a enfatizar desempenho, controle, disciplina e diligência, às custas de
criatividade, iniciativa, paixão e compromisso. Então, acho que a pergunta é: como se
constroem organizações que sejam altamente disciplinadas e focadas, mas altamente
inovadoras e adaptáveis? Não uma versus a outra. No desenvolvimento de qualquer
cultura corporativa, o ponto de partida crítico é definir que valores serão honrados.
Acho que frequentemente não há uma conversa explícita sobre o tema.
Como se muda isso?_É preciso criar organizações com funcionários dispostos a trazer
seus dons de criatividade e paixão para o trabalho todo dia. Vivemos uma situação
estranha, na qual as capacitações mais importantes para o sucesso das organizações são
as que menos se podem extrair na marra. Criatividade, iniciativa e paixão são dons que
as pessoas levam ou não levam para o trabalho. Os líderes não podem mais perguntar
“Como faço para fazer as pessoas servirem a organização?”. A pergunta é: “Como crio
o senso de propósito e os valores que vão inspirar as pessoas a trazerem esses dons para
o trabalho todo dia?”.
“Quanto mais forte a cultura, mais difícil é
mudá-la”
Edgar Schein, o psicólogo que cunhou a expressão
“cultura corporativa”, diz que valores sólidos podem
ser um fardo quando o ambiente de negócios se
transforma
General Motors e Toyota têm culturas
empresariais fortes, que lhes garantiram
lealdade interna na fase de crescimento. Agora
que o ambiente mudou e o consumidor tem
novas demandas, valores arraigados – como o
orgulho dos japoneses e sua resistência em
admitir erros – dificultam a adaptação. A
avaliação é do psicólogo americano Edgar
Schein, 82 anos, a quem se deve a autoria da
expressão “cultura corporativa”. Professor da
escola de gestão Sloan, do MIT, Schein é autor
de pelo menos dois clássicos sobre a cultura das
empresas. Um deles, The Corporate Culture Survival Guide, foi reeditado no ano
passado, com uma discussão sobre vantagens e desvantagens de possuir valores fortes
em tempos de crise econômica e ambiental. Nesta entrevista, Schein desencoraja
tentativas de mudar culturas inteiras. “É preferível perguntar que partes da cultura
precisam se tornar mais adaptáveis, que partes já não funcionam tão bem”, diz. “Só
então começaremos a entender como fazer as mudanças necessárias.”
Em tempos de crise, o interesse pelo tema cultura corporativa parece aumentar. Por que
isso acontece?_Penso que todas as companhias estão enfrentando transformações. O
mundo está mudando, e as empresas precisam acompanhar. E quando necessitam de
uma palavra para descrever as mudanças que têm de fazer, cultura é muito conveniente.
Mas é a palavra equivocada, porque o que as companhias realmente precisam fazer é
alterar seu comportamento, para se tornarem mais eficazes e adaptáveis. Falar em
mudança de cultura é apenas um jeito fácil de dizer aos empregados, por exemplo, que
não são suficientemente orientados para o cliente.
Sim, mas há empresas focando em cultura, no sentido que o senhor descreve em seu
livro. Isso tem a ver com o ambiente econômico?_Uma empresa que cresceu de um
certo jeito e é bem-sucedida certamente possui uma cultura. A questão então é: essa
cultura é algo que ela deva tentar preservar ou mudar, reforçar ou enfraquecer? E a
resposta é: tudo depende dos problemas que a companhia enfrenta. Por exemplo, uma
empresa com uma história longeva vai ter uma cultura forte, por definição. Então, se o
ambiente muda, algumas partes dessa cultura podem se tornar disfuncionais. Mas não se
deve dizer: “Eu vou mudar a cultura toda”. É preferível perguntar que partes da nossa
cultura precisam se tornar mais adaptáveis, que partes já não funcionam tão bem. Só
então começaremos a entender como fazer as mudanças necessárias.
Nesta reedição de seu livro, o senhor menciona a General Motors como exemplo de
empresa cuja cultura forte dificultou sua adaptação ao ambiente pós-crise. Isso vale para
a Toyota agora?_A cultura da Toyota foi construída sobre a confiabilidade, e eles são
reconhecidos no mundo todo como modelo de manufatura. Então, o grande enigma é:
mesmo com essa cultura, o que deu errado?
Certo, mas eu me referia ao modo como eles reagiram ao problema de qualidade. A
resposta demorou, e há quem diga que foi porque os orientais têm medo demais de
passar um carão._Os japoneses, não apenas na Toyota mas nas empresas japonesas em
geral, são muito orgulhosos e muito resistentes a admitir erros, muito rígidos no que diz
respeito à lealdade da sua gente. O problema é que dizer “eles não deveriam ser desse
jeito” é como dizer “vocês, brasileiros, não deveriam ser tão amantes da diversão”. É
fácil criticar um traço cultural, mas muito difícil mudá-lo.
Ter uma cultura forte é ou não é uma vantagem para uma empresa?_Uma cultura forte
significa que há consenso e lealdade. A GM tem uma cultura forte. A Toyota também.
Isso é bom ou ruim? Depende dos ambientes econômico e tecnológico. Se é um setor
estável, então claramente uma cultura forte é uma vantagem. A indústria automotiva
vive num ambiente muito distinto. O que o consumidor quer hoje é bem diferente do
que queria quando a GM e a Toyota foram construídas. Então, no caso delas, uma
cultura forte pode ter sido ótima para crescer, mas torna-se ruim quando o ambiente
exige uma nova resposta. Porque quanto mais forte a cultura, mais difícil é mudá-la.