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A internet: “o mundo do tudo pode” 68 3 A internet: “o mundo do tudo pode” Figura 40: tirinha veiculada na revista eletrônica Iber Antes de dar início à apresentação das questões que são expostas e abordadas neste capítulo, devo compartilhar uma informação bastante relevante sobre a internet e os sites de “paquera” feitos para e utilizados por homossexuais masculinos. Segundo o pesquisador da University of Queensland, Mark J. McLelland, as redes de computadores vêm sendo usadas por homossexuais

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A internet: “o mundo do tudo pode” 68

3 A internet: “o mundo do tudo pode”

Figura 40: tirinha veiculada na revista eletrônica Iber

Antes de dar início à apresentação das questões que são expostas e

abordadas neste capítulo, devo compartilhar uma informação bastante relevante

sobre a internet e os sites de “paquera” feitos para e utilizados por homossexuais

masculinos. Segundo o pesquisador da University of Queensland, Mark J.

McLelland, as redes de computadores vêm sendo usadas por homossexuais

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como ferramenta de busca de parceiros há pelo menos quinze anos, desde o

começo da década de 1990. Tudo começou nos BBS30 e depois evoluiu através

da internet com os primeiros sites de namoro na web, que teriam surgido antes

mesmo dos sites voltados para o público heterossexual31. Portanto parece que o

ato de procurar parceiros e encontros pela rede é um hábito inserido na cultura

gay há alguns anos. Levando em conta um dos meus questionamentos iniciais

(essa rede online de busca de parceiros para homossexuais seria uma variação

ou adaptação dos sites de namoro para heterossexuais, e a internet seria um

simples prolongamento do espaço das “paqueras” homossexuais), esta

constatação trouxe uma perspectiva esclarecedora sobre o conteúdo deste

terceiro capítulo que trata da internet e dos sites de “pegação” gay.

Aqui também serão desenvolvidas questões sobre as representações

visuais dos sites de busca de parceiros para homossexuais masculinos. Para

conduzir esta argumentação, apresento primeiramente o que chamo nesta

pesquisa de “mundo do tudo pode” e, a partir daí, introduzo o debate sobre suas

representações imagéticas. Quais são essas páginas, como elas operam? Quais

são os sites mais procurados e porquê? De que forma a linguagem visual de

algumas páginas influencia na usabilidade e na popularidade desses

mecanismos?

Uma vez apresentadas tais representações, proponho pensar nesses

sites como produtores ou reprodutores de estereótipos da homossexualidade

masculina.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é a importância do papel das

entrevistas para a obtenção de muitos dos dados contidos neste capítulo, uma

vez que são analisados aqui dados inerentes à utilização da internet como

ferramenta para obter parceiros e como isso acontece através da utilização dos

30 Bulettin Board System: muito utilizado pouco antes da popularização da internet,

um BBS pode ser definido como um computador que aceita ligações de usuários

externos e oferece serviços como troca de arquivos, correio eletrônico, chat, jogos e

informações. Alguns BBS fazem conexões regulares entre si, formando redes de trocas

de mensagens, como Fidonet e RBT. Outros expandiram seus serviços, oferecendo

também conexão à internet. Como os BBSs normalmente não mantém ligações

dedicadas com a rede, o acesso à internet costuma ser limitado ao uso do correio

eletrônico. 31 Esses dados foram retirados do programa de TV Plugado em sexo: vem teclar

comigo, transmitido dia 5 de maio de 2008, às 23h30. O autor da declaração acima é

Mark J. McLelland PhD, pesquisador da University of Queensland.

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sites voltados para essa busca. Neste sentido, os depoimentos foram

fundamentais para a compreensão deste meio. Ao todo foram realizadas vinte e

quatro entrevistas em três etapas, três entrevistas piloto, treze entrevistas com

enfoque nos sites e mais oito entrevistas online via MSN, sobre os

relacionamentos afetivos/sexuais dos usuários de sites de busca de parceiros

para homossexuais masculinos.

“O mundo do tudo pode”

“Não existe interdição que não possa ser transgredida. Freqüentemente a transgressão é admitida, freqüentemente ela é prescrita.” Georges Bataille

Segundo Perlongher, 1986, os relacionamentos homossexuais

constituem “Uma rede de relações complexas entre os corpos, cuja natureza

reside no oposto da ordem cristalizada, das convenções, instituições,

constituições de todas as escalas, e que mistura diversos imaginários sociais.”

Nesta dissertação, vemos como isso se reflete e se reproduz na internet, e

também como a web facilita a reprodução dessa rede de encontros e

relacionamentos. É justamente nesse momento que ocorre o que chamo de

“mundo do tudo pode”. A expressão surgiu em uma entrevista, realizada para

esta dissertação, na qual um rapaz usou tais termos para referir-se à internet

como uma espécie de “zona franca” que permite a realização de qualquer

desejo, fantasia, ou fetiche, bastando apenas digitar as palavras certas para

executar sua procura de forma precisa.

O “mundo do tudo pode” abarca os espaços nos quais acontecem os

relacionamentos sexuais esporádicos que fazem parte de uma intimidade que o

usuário compartilha somente com os outros participantes desse “mundo”, ou

seja, ele não leva tais relações para fora desse ambiente, não as apresenta para

seus amigos ou familiares, tornando esse “mundo” desconhecido para aqueles

que não fazem parte dele. Na maior parte das vezes, tais encontros casuais

permanecem secretos, sendo partilhados somente entre pessoas muito próximas

ou que sejam freqüentadoras desses espaços.

“A “paquera” homossexual constitui, no fundamental, uma estratégia de procura de um parceiro sexual adaptada às condições históricas de marginalização e clandestinidade dos contatos homossexuais. Esta necessidade de salvaguardar certo segredo vai ter um papel decisivo, segundo Pollack, na determinação das características dos modos de conexão inter-homossexual; “isolamento do ato sexual no tempo e no espaço, a limitação a um mínimo dos ritos de preparação do ato sexual, a dissolução da relação imediatamente após o ato, o desenvolvimento de um

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sistema de comunicação que permite esta minimização dos investimentos, enquanto maximiza os rendimentos orgásticos.” (apud Pollack, 1983, p. 53, in: Perlongher, 1986, p. 157)

Para Mark J. McLelland, 2008, o caráter “secreto” da internet facilitou a

proliferação dos encontros homossexuais, uma vez que a identificação ali ocorre

por meio de apelidos, permitindo, então, uma preservação que só é possível na

rede, uma vez que em bares e boates gays qualquer pessoa poderia facilmente

ser identificada.

Na “pegação”, seja nos chats, nos sites ou ao vivo, a identificação só

acontece se a pessoa assim quiser, o que torna possível uma vivência reservada

ao “virtual” e que transcorre somente nesses espaços. É comum ouvir relatos de

homens que fizeram sexo com parceiros dos quais eles não sabem seus

verdadeiros nomes ou, ainda, de situações em que nenhuma das partes se

identificou.

Uma parcela desses relacionamentos não sai do cyberespaço e os que

saem, muitas vezes ficam reservados a um espaço bem delimitado: o das

saunas, motéis, escadas e banheiros públicos, estacionamentos e outros pontos

de “pegação”.

A internet e o “mundo do tudo pode”

A internet apresenta-se como uma alternativa bastante atraente para

pessoas que, por alguma razão, não possam ou não queiram procurar parceiros

fora da rede, além de constituir uma forma rápida e constante de obter sexo

casual, como uma espécie de ponto de encontro quase sempre disponível.

Existem diversos autores que abordam a internet em pesquisas

acadêmicas, enfatizando seu caráter de ponto de encontro. Entre eles estão

Bauman, Laddaga, Castells e Nicolaci da Costa, além de outros.

Nesta pesquisa, a internet apresenta-se como suporte das

representações dos sites de busca de parceiros para homossexuais masculinos.

Este espaço não é somente um ponto de encontro, mas também um universo

pictórico que abriga uma série de imagens que retratam subgrupos e culturas da

homossexualidade masculina, em alguns casos mostrando estereótipos

associados à homossexualidade, como a representação barbie, por exemplo.

Este suporte constitui uma etapa importante no desdobramento de

algumas questões propostas para esta dissertação, como, por exemplo, a

relação entreos estereótipos apresentados na rede e o uso que as pessoas

fazem dos sites ou, ainda, se existe alguma relação entre os estereótipos

reproduzidos na rede e os que são encontrados fora dela.

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As páginas especificamente voltadas para homossexuais masculinos que

buscam encontros, parceiros ou qualquer forma de contato com esse universo,

constituem um ambiente de reunião para diferentes culturas da

homossexualidade masculina. O “mundo do tudo pode” não está completamente

inserido na internet, ele se estende para além se pensarmos na proposta da

procura de um encontro que virá a se concretizar fora dela ou no uso da internet

como um estimulo visual para qualquer forma de “despertar da sexualidade”32. O

movimento dentro e fora da rede é constante, e as referências visuais entre

online e offline são mescladas todo o tempo. Isso vale para todos os tipos de

usuários como mostra Nicolaci-da-Costa:

“Foram criados ambientes coletivos próprios, como as salas de bate-papo, que reuniam inúmeros usuários e podiam ser freqüentadas por quem quer que assim o desejasse, independentemente de onde vivesse. A criação desses ambientes de encontro coletivos foi o que realmente subverteu todos os parâmetros então vigentes de comunicação à distância, pois inaugurou uma era em que contatos interpessoais podiam ser travados virtualmente (geralmente por escrito) (...) Movidos pela curiosidade de experimentar algo completamente novo, milhões de pessoas ao redor do mundo passaram a despender horas à frente de um computador, freqüentando os ambientes de encontros e construindo relacionamentos virtuais mais ou menos duradouros.” (Nicolaci-da-Costa, 2005, p. 57)

A partir de um “mundo do tudo pode” que se funde e se mistura entre

vivências que ocorrem dentro e fora da rede, pode-se pensar na internet como

reprodutora dos estereótipos que foram apresentados nos capítulos anteriores

ou como uma produtora de novos estereótipos?

Se a web produz estereótipos, quais seriam eles? Como aconteceria essa

articulação com as representações do offline? Para tentar esclarecer estas

questões, é necessário explorar melhor o conteúdo da rede relacionado aos sites

de encontro e busca de parceiros para homossexuais masculinos.

3.1. Os sites de busca de parceiros para homossexuais masculinos

Nesta seção, apresento uma descrição e uma análise da amostragem

geral dos sites pesquisados, lembrando que ao todo visitei aproximadamente

setenta páginas na tentativa de obter uma amostra significativa do que é

32 Alguns entrevistados citaram constantemente o uso da internet para “despertar

a sexualidade” segundo eles a rede funciona para muitos como um estímulo visual para

a masturbação.

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oferecido na rede para a busca de parceiros. Contudo, vale ressaltar que faço

uma análise mais detalhada do conteúdo e da linguagem visual apenas dos

cinco sites mais mencionados pelos entrevistados, que são os seguintes:

Disponível.com, Manhunt.net, Gaydar.co.uk e dois sites da rede Muscle.com –

BigMuscle.com e Bearwww.com.

Para fazer a exposição dos sites nesta seção, os seguintes critérios

foram utilizados: em um primeiro momento faço uma apresentação do que existe

na rede voltado para homossexuais masculinos relacionado à busca de

parceiros, ou seja, quais sites, o que mostram, qual seu conteúdo; para, a partir

desta introdução, abordar aspectos do funcionamento técnico e operacional do

site, como, por exemplo, a criação de um perfil e a apresentação dos recursos

mais comumente encontrados na navegação dessas páginas. Além disso,

apresento também alguns critérios relacionados ao design dessas páginas,

como a escolha das imagens utilizadas nas homes e as formas cromáticas mais

encontradas nesse meio.

Os sites de busca de parceiros voltados para homossexuais masculinos

existentes na internet constituem mecanismos de busca complexos, abrindo uma

gama bastante extensa de possibilidades a seus usuários. Entre suas formas

mais conhecidas estão os “sites de pegação”, os chats online e o “segundo

Orkut”33.

Os “sites de pegação” apresentam diferentes variações de expressão

visual além de aspectos da conduta das várias culturas existentes no universo

homossexual masculino.

Existem sites de busca de parceiros voltados para diferentes segmentos

da homossexualidade, como, por exemplo, sites específicos para homossexuais

femininos, como o GaydarGirls.com – não tão populares ou difundidos quanto os

voltados para os rapazes –, e os voltados para homossexuais masculinos como

o GaydarGuys.com, Manhunt.com e os sites da rede Muscle.com, que procuram

atrair um público de bodybuilders, possuindo alguns desdobramentos como o

33 O segundo Orkut consiste em um perfil fake criado por alguns usuários para

freqüentar comunidades relacionadas a sexo, sejam elas heterossexuais ou

homossexuais.

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site BigMuscleBear.com, para rapazes musculosos, com pêlos no corpo,

“parrudos”34 e seus admiradores.

Pode-se encontrar, também, páginas voltadas para os diferentes

subgrupos e culturas da homossexualidade masculina, algumas com uma

grande diversidade, como os sites para ursos e barbies, além de outros com

menos variedade, mas tão facilmente acessíveis como as webpages

especificamente voltadas para algum fetiche ou prática sexual, como leathers,

BDSM, gears, military, truckers 35.

A forma de utilização desses sites é razoavelmente simples e

semelhante. O usuário faz um perfil pessoal e preenche um cadastro com alguns

detalhes de sua constituição física e preferências sexuais – alguns sites são tão

detalhados, que já vêm com opções pré-estabelecidas para serem preenchidas,

tais como ativo, passivo ou versátil, solteiro ou casado, homossexual, bissexual

ou heterossexual – e, por fim, faz uma descrição breve de si e o que procura em

um parceiro. Ainda há a opção de colocar disponíveis para visualização uma ou

mais fotos, que podem ou não ter conotação sexual, o que varia conforme o

regulamento de cada site e o desejo do usuário.

Os muitos sites de “pegação” que existem hoje na rede possuem

diferentes quantidades de mecanismos de funcionamento, ferramentas de

procura e filtros que traçam o perfil do usuário que mais se adequaria ao gosto

de quem procura. Entretanto, fui surpreendida ao ouvir de dois entrevistados que

estes consideram a complexidade das ferramentas de busca uma limitação e

não uma vantagem na procura de um perfil específico. O que pode ser visto no

depoimento abaixo:

“A ferramenta de busca do Gaydar te dá tantas opções de busca, que te atrapalha. Às vezes você pode gostar de tudo aquilo ou nada. É chato, você não tem como se enquadrar, você perde um monte de gente, pessoas que podem simplesmente ver a sua foto e gostar”.

34 Para o “universo ursino” os parrudos são rapazes musculosos que não

necessariamente tem uma aparência atlética. São homens altos, corpulentos de braços

fortes, mas com certo acúmulo de gordura não existentes em atletas e bodybuilders. 35 Leathers, gears, military e truckers são gírias relacionadas a fetiches

encontrados em alguns sites ligados a sexo para homossexuais masculinos. Leather

designa o fetiche com couro; gear, com roupas esportivas e uniformes não militares;

military, com uniformes militares, armas de fogo e acessórios relacionados a fardas; e

truckers é o termo usado para designar os que têm fetiche por caminhoneiros.

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Alguns sites são totalmente gratuitos, enquanto outros oferecem

algumas facilidades e uma sofisticação na navegação com o pagamento de uma

taxa mensal, proporcionando um status VIP ou gold, forma como a maioria dos

sites denomina os usuários pagantes.

As formas de interação entre os usuários desses sites são muitas e vão

para além do primeiro apelo visual que é oferecido ao acessar a página inicial.

Existem diversas opções como troca de mensagens instantâneas,

encaminhamento direto de mensagens para caixas de e-mail e bate papo em

tempo real. Pode-se também utilizar outros recursos, como adicionar pessoas

como melhores amigas, favoritas e também deixar emoticons36, além de dar nota

aos perfis que o usuário mais gostar.

Há ainda neste mesmo contexto a promoção de concursos de beleza

internos, como acontecem no site www.gaydar.co.uk e nos sites da rede

muscle.com.

Nas imagens abaixo apresento um exemplo do preenchimento do perfil

do site www.manhunt.net, mostrando alguns detalhes de como realizar uma

busca por outros usuários.

Figura 41: detalhe do preenchimento do perfil do site Manhunt.net. O primeiro passo é

criar um nome para o perfil, inserir endereço de e-mail, criação de senha e leitura dos

termos de utilização do site.

36 Emoticons são grafismos, imagens, símbolos e desenhos, como, por exemplo,

smiles e GIFs animados, utilizados em alguns programas da internet.

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Figura 42: opções pré-estabelecidas para preenchimento pelo usuário, como:

constituição corporal, preferência por práticas sexuais (ativo ou passivo), local e data

para encontro, além do espaço para o cabeçalho e o about, um texto criado pelo usuário,

resumindo suas características pessoais em poucas palavras

Figura 43: procura no site Manhunt.com e lista com os perfis que se encaixam na

busca realizada

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Figura 44: exemplo de perfil do site Manhunt.net

3.1.1. Os perfis versus as homes

Um aspecto me chamou bastante a atenção ao observar os sites para a

pesquisa: mesmo com o contraste estético entre as diferentes culturas da

homossexualidade masculina, existe uma constante homogeneidade de imagens

contidas nas homes dos sites de busca de parceiros.

Por outro lado, observa-se uma diferença marcante ao pensar nos perfis

existentes e nas homes dos sites. Há um contraste constante entre imagens –

homens musculosos com o torso nu, em poses que remetem ao sexo ou à

sexualidade de uma forma geral –, com os muitos perfis contidos dentro dos

sites. Já na área restrita aos perfis, a semelhança entre as imagens se repete, só

que de outra maneira.

Na “parte de dentro” dos sites, ou seja, nos perfis, podemos ver outros

padrões imagéticos recorrentes, que se apresentam da seguinte forma: close-

ups de órgãos sexuais, cuecas molhadas, ânus expostos, pênis em ereção

sendo comparados com todo tipo de objeto fálico, ou seja, uma série de alusões

ao caráter sexual dos sites, mas com imagens que na maioria das vezes não

foram trabalhadas por um profissional. Em contrapartida, existem outros perfis

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mais discretos que exibem somente partes de corpos como uma espécie de

quebra-cabeças. Raramente vêem-se perfis com fotos exibindo o rosto dos

usuários. Abaixo, seguem alguns depoimentos que mostram a opinião de

usuários com relação ao conteúdo dos perfis dos sites de busca de parceiros

para homossexuais masculinos:

“Tem gente que põe foto do pinto ao lado do desodorante Rexona que é um

tubo enorme, ou do controle remoto. Tem gente que tem um pau enorme e põe

ao lado de lata de cerveja para comparar tamanho, grossura (risos).”

“Eu acho ótimo as pessoas que têm um texto assim: “pirus e bundas

falantes nem me escrevam.” (...) Então por que está ali? (...) Então saí dali,

porque a maioria não põe o rosto.”

“É, meus perfis eram super discretos, uma coisa assim: uma foto do corpo,

um comentário e nada. (...) E nu, não, eu nunca botei nada nu.”

A aparência da maioria dos perfis dos sites de “pegação” está descrita

nos depoimentos acima, o que denota uma outra forma de homogeneidade

imagética ali contida. Além disso, nesses perfis, estão implícitas algumas

questões que vão além da simples apresentação informal do conteúdo. Ao

aprofundar-se um pouco mais nessas imagens, pode-se notar variações

recorrentes de alguns estereótipos ligados à homossexualidade masculina, como

ativo e passivo, por exemplo.

Nas muitas vezes que os usuários colocam fotos somente de seus

genitais, pode-se levar em conta a existência de um “código” que explicita

sexualmente ativos e passivos. Ativos costumam colocar fotos de seus pênis em

destaque, enquanto passivos fazem o mesmo com fotos de suas nádegas ou

ânus. Este fato não constitui uma obrigatoriedade, mas pode ser constatado com

significativa freqüência ao se observar as preferências sexuais associadas aos

perfis com essas imagens.

Além desses exemplos, existe uma minoria de usuários que se recusa a

colocar fotos que exponham algo a mais do que seu corpo, ou seja, existe a

crença de que ao não exibirem seus rostos, eles estão contando com algum tipo

de preservação. Outros acreditam, também, que não mostrar muito faria parte de

um jogo de sedução. Portanto, em alguns casos, não se aposta no obvio, a

opção por revelar, ou não, certas partes configura uma atmosfera de “suspense”

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que pode tornar bem mais interessante para alguns a procura em sites de busca

de parceiros.

“No fundo – ou no limite – para ver bem uma foto, mais vale erguer a cabeça ou fechar os olhos. (...) A subjetividade absoluta só é atingida em um estado, um esforço de silêncio (fechar os olhos é fazer a imagem falar no silêncio) a foto me toca se retiro seu blábláblá costumeiro “técnica”, “realidade”, “reportagem”, “arte”, etc. Nada dizer, fechar os olhos, deixar o detalhe remontar sozinho a consciência afetiva.” (Barthes, 1984, pp. 84,85)

Por outro lado, existem aqueles que contam com um tipo de exposição que

não teriam no meio da rua, ao exibir pernas, um peitoral definido ou um pênis

enorme. Alguns usuários afirmam que a rede abre precedente àqueles que

preferem exibir partes do corpo que normalmente não se mostram expostas a

um potencial parceiro em um primeiro momento ou em um encontro fora da

internet.

Pode-se dizer que de certa forma os perfis podem diferenciar-se das

imagens da home, pois boa parte dos usuários tem uma aparência física

diferente daquela dos modelos expostos na abertura das páginas, além de

muitos não contarem com os recursos fotográficos utilizados em estúdios ou

know-how necessário para retocar uma foto digitalmente. Contudo, eles guardam

semelhanças com as homes, ao reproduzir certos padrões imagéticos, alguns

estereótipos e muitas vezes estarem associados a algum tipo de postura ligada à

sexualidade.

3.1.2. A relação imagem, desejo e sexualidade nos sites

A relação entre as imagens ligadas ao sexo/sexualidade e a utilização

dos sites é muito estreita. Apesar de alguns entrevistados afirmarem não

utilizarem os sites para procurar um parceiro, havia sempre a menção de que as

imagens ali contidas funcionariam como uma espécie de “revista eletrônica de

conteúdo adulto”. Isso fica bem ilustrado em certos depoimentos que obtive por

parte de alguns entrevistados. Um deles afirma nunca ter utilizado os sites para

procurar um parceiro, somente osprocura os sites “a título de curiosidade (...) é

só para masturbação, p******* sabe? Ver também quem do seu círculo freqüenta

a rede.”

Além dessa utilização da internet como “revista eletrônica”, o contato com

a rede pode levar usuários para um pouco além do estímulo visual e tornar-se

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uma ferramenta de busca para satisfazer outros de seus desejos sexuais, uma

vez que fica bem clara a utilização que é feita desses espaços, como explica

outro entrevistado: “o Disponível diz: “sexo já”. (...) Os sites são para arrumar

alguém para fazer sexo, para excitação sexual ou procura de parceiros.”

Por outro lado ainda, quando um site foge ao apelo sexual direto, seu

conteúdo muitas vezes não fica claro e, segundo alguns entrevistados, “pode

haver confusão na intenção do site”, o que, ainda segundo eles, poderia

ocasionar o “fracasso” do site, uma vez que as imagens funcionam como

chamariz. Ao serem questionados sobre alguns sites que mostram imagens de

dois homens abraçando-se ou rapazes de mãos dadas na rua, alguns rapazes

afirmam que não se sentiam atraídos a conhecê-los ou explorá-los mais

detalhadamente, como é o caso do anúncio mostrado na figura 45. Em alguns

depoimentos, isso pode ser percebido de forma bem clara:

“A primeira coisa que se nota é o visual: as imagens têm que usar o

estereótipo para atingir, têm que usar, senão não vai atingir”.

Outros entrevistados também mencionam como as imagens direcionam o

usuário e o estimulam a conhecer o conteúdo:

“A imagem serve para te ligar que é de p******”. “Esse site deve ser

vazio, essa imagem de dois carinhas juntos no meio da rua soa falso.”

Figura 45 e figura 46: imagem de dois homens abraçados mostrada aos entrevistados e

imagem do site anunciado, o Significant Others

(http://www.significantothers.co.uk/uncovered.php)

É interessante perceber nas imagens acima que tanto o anuncio quanto o

site fogem bastante da proposta gráfica do restante do conteúdo visto nesta

dissertação, porém, todas as vezes que essas imagens foram apresentadas para

usuários, as reações a elas foram negativas. Por outro lado, as imagens vistas

nos sites comumente citados e utilizados como referência pelos entrevistados

são bem aceitas entre os rapazes, assim como os estereótipos contidos nas

homes ou nos perfis dos sites.

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Os estereótipos que vão além das homes

Pode-se notar de forma razoavelmente clara ao se observar alguns

perfis em sites de busca de parceiros que algumas vezes existe uma relação

próxima entre as figuras utilizadas por usuários para retratarem a si mesmos nos

perfis dos sites, e a intenção erótica/pornográfica das imagens contidas na

home. Abaixo, seguem alguns exemplos de perfis de sites que possuem

imagens de alguma forma semelhantes àquelas encontradas nas homes.

Figura 47: perfil do site BigMuscleBear Figura 48 : perfil do site Gaydar.co.uk

Figura 49: perfil do site Gaydar.co.uk Figura 50: perfil do site Manhunt.net

Portanto, a repetição constante dos estereótipos fica presente não

somente nas páginas principais dos sites, mas também nas imagens utilizadas

por muitos usuários, e, além disso, pode-se pensar na constituição de um padrão

imagético relacionado diretamente à internet, ou seja, na formação de um novo

estereótipo derivado daquele barbie/beefcake que é difundido em alguns meios

de comunicação ligados à homossexualidade masculina só que próprio da

internet, sendo que, neste caso, quem cria, propaga e alimenta esse estereótipo

são os usuários dos sites.

Sendo assim, os estereótipos apresentam-se de diversas maneiras nos

sites, seja reforçando o caráter de “entretenimento adulto” desses espaços ou

devido à interação com os usuários na constituição de seus perfis. A existência

desses perfis possibilitou a criação e a reprodução de estereótipos e

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personagens como o “saradão da internet”37 ou aqueles presentes nos vastos

sites de fetiches. Antes de sua difusão na rede, os adeptos de fetiches ou

práticas sexuais especificas partilhavam espaços de interação mais restritos ou

fechados, mas atualmente a informação sobre essas práticas pode ser acessada

de qualquer localidade no mundo conectada à rede.

Seria a rede, então, produtora de novos estereótipos? Ou a internet

funcionaria apenas como uma extensão daqueles que existem nos meios de

comunicação offline voltados para a homossexualidade masculina?

3.2. Verdade ou conseqüência? – Estereótipo: produção, reprodução e/ou extensão

Esta seção tem como objetivo principal discutir a relação da internet com

a produção e a reprodução de estereótipos ligados à homossexualidade

masculina. A escolha do conteúdo imagético utilizado aqui deu-se basicamente

por duas vias: a primeira foi a observação que fiz dos sites de busca de

parceiros e a segunda, as repetidas menções a alguns deles nas entrevistas que

realizei para esta dissertação. O cruzamento desses dados forneceu pistas

interessantes para averiguar qual o papel da internet na propagação das

imagens estereotipadas contidas nas páginas e o que ocorre com essas figuras

em decorrência da interação dos usuários com os sites.

Para conduzir esta argumentação, apresento primeiramente os

estereótipos e representações imagéticas mais freqüentemente visualizados na

rede através das imagens dos sites de busca de parceiros com que tive contato

durante o levantamento de dados, expondo detalhes, semelhanças e diferenças

em seus projetos de design, como a utilização de cores, fotografias, ilustrações e

aspectos de navegação das páginas, para, então, a partir dessa apresentação

inicial, apontar questões relacionadas à constituição e à reprodução de alguns

estereótipos da rede.

37 O que os usuários chamam de “saradão da internet” é o rapaz que monta seu

perfil nos sites de parceiros com fotos que levam a crer que ele possui um corpo

musculoso ou em forma, mas na verdade aquelas imagens em pouco lembram a

aparência daquele indivíduo ali retratado.

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3.2.1. Quem é quem na rede: o design, os estereótipos e as representações

Os sites de busca de parceiros voltados para homossexuais masculinos

são mecanismos bastante democráticos em abrangência, porém possuem

contornos muito específicos no que diz respeito a quem são direcionados.

Existem diferentes categorias de sites que são voltados para os diversos

subgrupos e culturas da homossexualidade masculina.

Entre essas categorias e variações estão sites dirigidos para bears,

muscles, leathers, turkish, gears, além de outros especificamente ligados a

fetiches ou práticas sexuais específicas como top-bottom (ativo ou passivo),

considerando que, quando se trata de ativo e passivo, muitas vezes a imagem

pode fazer referência também a “dominador e dominado”, além de outros tipos

de representações e referências ligadas ao BDSM.

Para a melhor compreensão dos estereótipos e das representações

contidas nos sites, optei por expor o conteúdo que melhor os sintetizava.

Primeiramente, ressalto aspectos relacionados ao design das páginas, para, em

um segundo momento, comentar os estereótipos que estão presentes nesse

meio de comunicação.

As páginas foram separadas e selecionadas em duas categorias:

subgrupos e culturas; e sites ligados a fetiches e práticas sexuais específicas.

Boa parte das páginas expostas aqui foi indicada por amigos ou

entrevistados. Algumas outras, encontrei explorando os sites e pesquisando

seus links.

3.2.1.1. O design: subgrupos, culturas e etnias

Exemplos de sites bears

Figura 51: site BcnBears.com Figura 52: site AllBears.net

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Figura 53: site BearWorld.com Figura 54: site Bmb.com

Os sites bears e as peculiaridades em seu design

Os sites voltados para bears utilizam cores que remetem à bandeira bear,

ou seja, uma adaptação da bandeira do arco-íris, variando do marrom claro até o

preto. Essa gama cromática é muito utilizada em impressos voltados para os

“ursos”. Além das cores, outro símbolo forte relacionado ao movimento bear e

bastante encontrado é a pata do urso. Alguns sites ligados à cultura “ursina”

empregam ilustrações, enquanto outros criaram personagens próprias, utilizando

o animal urso como forma de representação. Porém, de uma forma geral, os

sites bear mais utilizados e citados por usuários contam com a mesma “fórmula”:

uma ou mais imagens de usuários ilustrando a sua página de abertura, em

conjunto com algumas referências da cultura bear, como pode ser visto nos

exemplos anteriores.

Exemplos de sites muscle e jocks

Figura 55: site BigMuscle Figura 56: site DudesNude

Figura 57: site Gaydar.co.uk Figura 58: site RealJock.com

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O design dos músculos

Sites muscles, jocks e barbies, muitas vezes recorrem à cor branca como

fundo, o que os torna um excelente pano de fundo para a utilização de cores de

diferentes matizes. De forma semelhante aos sites bears, pode-se perceber

referências à bandeira do arco-íris, neste caso em sua versão original. Alguns

detalhes de navegação como menu, logotipo e barra de rolagem, também

podem ter cores vibrantes ou detalhes coloridos. A forma sob a qual as imagens

são apresentadas não varia muito entre si, bem como a aparência dos modelos

utilizados: homens musculosos, sem camisa, às vezes somente com roupas de

baixo ou em trajes de banho. Vale ressaltar que este é o modelo imagético mais

recorrente na maioria dos sites de busca de parceiros voltados para

homossexuais masculinos, formando uma espécie de padrão.

Exemplo de sites normal gay

Figura 59: site NormalGay.com Figura 60: site Qausus.com

Everyday design

Sites normal gay, segundo relatos dos usuários, constituem uma espécie

de “movimento de resistência” daqueles que dizem não se “encaixar em lugar

nenhum”. Sua linguagem visual é bastante semelhante entre eles, porém não tão

diferente dos sites jocks/barbies, a não ser pela ausência de modelos

fotográficos em suas páginas de abertura. É comum visualizar cores claras ao

fundo, menu de opções à esquerda, e fotos de perfis dos usuários na home.

Curiosamente, esta é uma “fórmula”, ensinada e praticada por alguns

webmasters, para a construção de websites acadêmicos e empresariais.

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Exemplos de sites para asiáticos, japoneses, turcos e negros

Figura 61: site GayEbonyxxx.com Figura 62: site HairyTurkish.com

Figura 63: site FridaeGayAsia.com Figura 64: site JapanBoyz.com

Design e etnia

Sites voltados para diferentes grupos étnicos possuem aparências bem

variadas entre eles. O que é mostrado acima são exemplos do que existe na

rede portando esse conteúdo. A semelhança de tais espaços com o restante do

que existe ligado à busca de parceiros para homossexuais masculinos encontra-

se na disposição das imagens e na forma como elas são apresentadas: homens

nus masturbando-se, ilustrações explícitas de dois rapazes fazendo sexo na

home, além de torsos nus e modelos com corpos depilados abraçando-se. A

utilização das cores é diversa, algumas vezes fazendo alusão à bandeira

nacional do país ao qual se refere (como no site JapanBoys.com) e em outras,

sem nenhum motivo aparente para a escolha. Quanto à navegabilidade, todos

funcionam de forma bem semelhante, com um menu de ferramentas, um espaço

para realizar buscas e outro para inserir o login.

3.2.1.2. O design: fetiches e práticas sexuais específicas

Os sites voltados para fetiches e práticas sexuais especificas não

possuem uma variedade tão extensa para escolha de uma mesma categoria

como as páginas mostradas na seção acima. Entretanto, possuem uma gama

razoavelmente grande de temáticas. Durante a procura online, pude encontrar

uma série de especificidades ligadas a tais variações: fetiches com couro –ou

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relacionado não ao BDSM –, fetiches gear, ou seja, por todo o tipo de uniforme

não militar e roupa esportiva – roupas de mergulho, ciclistas, boxeadores, roupas

infláveis, uniformes de trabalho, frentistas, pedreiros, pipoqueiros,

caminhoneiros,etc. –, fetiche por uniformes militares de todas as forças armadas,

BDSM e submissão, fetiche por pés, fetiche pelo uso de objetos sexuais, e,

finalmente, o fetiche ligado a alguma faixa etária específica, como por rapazes

entre 18 e 21 anos e homens com mais de 40 anos.

A apresentação desta sessão difere um pouco da anterior pela seguinte

razão: não existe uma homogeneidade específica no design de cada grupo de

fetiche ou determinada prática sexual, mas ainda assim a maioria desses sites

possui aspectos em comum em seu design. Sendo assim, optei por agrupá-los

em categorias para que se possa ter uma idéia geral de seus conteúdos. Os

comentários relacionados ao design de todos os sites apresentados nesta seção

vêm após a exposição de seu conteúdo.

Exemplos de sites trucker e caminhoneiros

Figura 65: site BigTrucker.com Figura 66: site GayTruckers.com

Figura 67: site TruckChaser.com

Exemplos de sites gear e militares

Figura 68: site GearFetish.com Figura 69: site GearFetish.com

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Figura 70: site GayMilitaryxxx.com Figura 71: site MilitaryFantasy.com

Exemplo de site leather e BDSM

Figura 72: site Slave4Master.com

Exemplos de sites voltados para uma faixa etária específica

Figura 73: site GaydarYoung.com Figura 74: site HotMature.com

Design, sexo e fetiche

No que diz respeito à linguagem visual desses sites, sua aparência geral

não difere muito do restante das páginas da seção anterior. Nas homes pode-se

visualizar quase sempre a imagem de um modelo que representa a temática

abordada pelo site, com alguma parte do seu corpo à mostra – o torso, as

pernas, uma camiseta entreaberta –, podendo-se visualizar repetidas vezes o

gesto “mãos nos genitais”38.

38 Manipular os genitais desta forma é uma “gíria” utilizada na “pegação” de rua

conhecida como “passar o cartão” e “digitar a senha”, ou seja, o rapaz interessado

manipula seus genitais olhando para a contraparte da paquera que, se estiver

interessada, retribui o gesto.

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Outra forma de linguagem visual utilizada nesses sites é a pose que

insinua uma postura sexual. Já na palheta de cores usada, nota-se a repetição

do uso do preto, das cores escuras e do vermelho em muitas ocasiões, enquanto

nos sites especificamente voltados para fetiches militares percebe-se a repetição

do uso de diferentes tonalidades de verde – muito provavelmente por remeter ao

aparato militar – e aos uniformes de campanha.

Na seção seguinte, serão discutidos os estereótipos que estão presentes

nos sites apresentados anteriormente e como se dá a relação dos usuários com

as imagens apresentadas nos sites.

3.2.2. Estereótipos: produção, reprodução ou extensão?

“O sujeito amoroso não tem à sua disposição nenhum sistema de signos confiáveis.” (Roland Barthes)

Esta seção tem como objetivo dar continuidade à discussão das questões

pertinentes ao tratamento gráfico que o design dá especificamente às imagens

dos sites de busca de parceiros. Contudo, neste momento, mais do que a

descrição das características mais evidentes de seu design gráfico, como foi

apresentado acima, o que será discutido é o papel da internet na produção ou

reprodução de estereótipos através dos sites. Afinal, qual o papel dela? Como

acontece a relação entre as imagens da home das páginas e o propósito dos

sites? Existe uma conexão entre a visível homogeneidade imagética existente no

universo online da procura de parceiros e o uso que é feito dessas páginas?

Para conduzir a argumentação neste subcapítulo, empreguei trechos das

entrevistas realizadas para esta dissertação, já que elas ilustram bem as

relações dos usuários com a rede, além de algumas imagens que demonstram

as diferenças entre as representações da rede e as que acontecem fora dela.

3.2.2.1. A rede: o objeto e seus objetivos

A primeira constatação que pude fazer após algumas entrevistas foi a

respeito do caráter de utilização da rede: por que aquelas imagens estão ali e

são apresentadas daquela forma? As imagens estereotipadas estão lá porque de

alguma maneira elas funcionam como um código, uma sinalização de uma

conduta sexual. Pouco importa se aquilo traduz ou não o que existe fora do

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suporte, seja ele o site, a filipeta ou o anúncio da revista, desde que deixe bem

claro o seu propósito.

Então, ao realizar uma observação em cerca de setenta sites, pude ver

claramente a repetição e a reprodução dos estereótipos ligados ao sexo, ao

desejo, e a homogeneidade das imagens ali contidas. A questão é o sexo, o

desejo, e principalmente a forma como são mostrados os objetos do desejo.

Para ilustrar um pouco do que existe na rede através da exposição da

opinião dos usuários, escolhi dois trechos de entrevistas que deixam claras suas

opiniões sobre o conteúdo da rede. São falas específicas sobre as imagens

contidas nas homes dos sites e o caráter dito “surreal” pelos entrevistados.

“No Gaydar39, cada vez que você entra tem uma imagem, tem teen, cara

mais velho, negro com branco, vários tipos de pessoas. Claro que a maioria está

naquele corpo saradasso”.

“Lá (na internet) você vai ver a barbie sem camisa mostrando o peito

maravilhoso, a barriga maravilhosa, o diafragma maravilhoso, enfim, isso tem, e

eu acho que os sites ficam muito nesse caminho em geral”.

Portanto, a partir desses depoimentos, torna-se um pouco mais claro que

a homogeneidade do conteúdo da rede é percebida claramente por quem a

utiliza. Então, ao acessar a internet, o que se encontra é o estereótipo do homem

musculoso, jovem e bonito. Por outro lado, pode-se supor também que aquilo

que difere deste estereótipo não tem espaço ou destaque na rede.

Uma vez o que se encontra quando se entra na internet é uma oferta

farta de belos corpos, procurei saber quais são as intenções ao se acessar a

rede e o que se procura naqueles espaços, ou seja, o que os rapazes esperam

encontrar na internet? As respostas obtidas levam a crer que os usuários vêem a

rede como um mecanismo de obtenção de sexo rápido e que o intuito inicial ao

procurarem um site de “pegação” é o de conseguir sexo, como pode ser visto

nos depoimentos a seguir:

“Internet é sexo direto, sem precisar gastar dinheiro com pizza. Não

precisa levar para jantar, gastar dinheiro, é grátis”, “A internet é o lugar do belo, é

pura imaginação.”.

“Acho que tem duas coisas, a primeira é tesão e a segunda, solidão. Quando você vai só pelo tesão, acho que a coisa flui muito melhor. Pela solidão pode ser uma coisa meio depressiva. Eu acho que no fundo, no fundo essas pessoas estão sempre procurando tudo, sexo sim, tem a coisa

39 O entrevistado refere-se ao site Gaydar (http://www.gaydar.co.uk/).

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do sexo bem mais presente, consciente, e no fundo lá no fundo todo mundo quer achar um puta relacionamento. Nada impede que isso aconteça, para sexo é um caminho, digamos, muito bom.” “Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio de fotos. Muitos, por meio de fotos descobriram a beleza (...). Ninguém exclama, “isso é feio! Tenho que fotografa-lo.” Mesmo se o dissesse, significaria o seguinte: “Acho essa coisa feia... bela”. (...) o papel da câmera no embelezamento do mundo foi tão bem sucedido que as fotos mais do que o mundo, tornaram-se o padrão do belo.” (SONTAG, 2005, p. 37)

Através da fala dos entrevistados, vai ficando mais claro como a internet,

antes de qualquer coisa, opera nesses casos como mecanismo bastante

eficiente para procura de sexo ou excitação sexual. Portanto, o uso das imagens

estereotipadas que mencionei acima está diretamente relacionado a esta

constatação.

Assim como acontece fora da rede, a representação relacionada à

aparência barbie/beefcake possui um espaço razoavelmente grande na internet.

Pode-se especular o porquê desta constatação, porém não me proponho a

respondê-la, e sim somente apresentar algumas hipóteses que poderiam clarear

a questão, mesmo que parcialmente.

“Sabemos que a homossexualidade pode ser ainda mais previsível e estereotipada do que a heterossexualidade, a masculinidade e a feminilidade corriqueiras. Por outro lado, é um discurso que estende uma promessa de diferenciação (logo de significação) em relação ao previsível e ao estereótipo.” (Portinari, 1989, p. 93)

Primeiramente, pode-se pensar a cultura barbie como alicerce, uma vez

que ela vem sendo moldada desde a criação de um estereótipo beefcake. A

outra suposição estaria ligada à questão do desejo. A aparência da barbie ou do

“gay classic” pode ser encarada como referência para alguns, por povoar o

imaginário homossexual masculino como selo ou referência daquilo que é

desejável.

Apesar do discurso de muitos usuários mostrar-se “adverso” à estética

barbie, ela pode ser vista em figuras de “carne e osso”, na profusão de go go

boys em diversas boates gays pelo mundo afora e nos garotos de programa que

exibem seus corpos constantemente na via Apia, no Rio de Janeiro, ou no

parque do Trianon, em São Paulo.

Essa homogeneidade de figuras não está restrita a alguma região

geográfica, ou cultura específica, ela repete-se em sites de outras partes do

mundo, bem como em sites que são voltados para outros segmentos da cultura

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homossexual masculina como é o caso dos “ursos”. Tal semelhança pode ser

vista nas imagens mostradas na próxima página.

Tanto o site Manhunt.net, que possui versões em português, espanhol,

inglês alemão e francês, quanto o site LebTour.com, uma página libanesa

voltada para “ursos”, utilizam imagens de aparência semelhante para ilustrar

suas homes. O uso de símbolos de virilidade é uma constante nesses meios de

comunicação. Segundo alguns usuários, a utilização dos estereótipos acontece

justamente para atingir quem procura os sites, sinalizando seu intuito.

“O que eu acho é que essas imagens têm que usar os estereótipos certos para atingir. Tem que usar, senão não vai atingir. Meu ex entra na internet, no Disponível, porque ele sabe pela cara que lá tem p*****. É o objetivo, sacanagem, p******. As imagens são voltadas para isso mesmo. O maluco entra na internet, vê o cara de p** de fora, ele vai direto lá”.

Figura 75: site http://www.lebtour.com/ Figura 76: site http://www.manhunt.net/

Essas imagens e, por conseqüência, os estereótipos formados por elas,

funcionam como uma espécie de guia que conduz os usuários através das suas

navegações pela internet. Assim, quando um site utiliza imagens de homens

musculosos com gestos que insinuam uma postura sexual, ele está direcionando

os usuários para o intuito desse site, e tal sinalização funciona como atrativo.

“Você vê, sabe do que se trata. Se não interessa, salta fora.”

Portanto fica mais do que explícito que a reprodução desses estereótipos

está diretamente ligada ao desejo, ao sexo, à sexualidade, indo muito além da

tentativa de identificação e reconhecimento de um grupo específico, ou seja,

sites de “ursos”, de barbies ou de caminhoneiros utilizam os mesmos apelos

como chamariz.

A linguagem visual dos sites de “pegação” está diretamente ligada à

intenção dos encontros sexuais dos usuários desses espaços. Os estereótipos

ali exibidos são parte de uma vivência gay que é constituída por uma série de

condutas e hábitos exercidos pelos homossexuais masculinos, constituindo

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dados legítimos de suas práticas, bem como de um imaginário ligado a essa

cultura.

O mesmo padrão estético das homes dos sites pode ser visto também

em anúncios de revista, filipetas de sauna e boates com festas para solteiros

fora da rede, o que demonstra que esses estereótipos estão muito presentes no

que diz respeito às representações ligadas ao desejo e á sexualidade.

Tendo em vista todas essas constatações, pode-se pensar a rede como

simples reprodutora dos estereótipos que estão presentes nos meios de

comunicação offline? Ou a relação dos usuários com a rede modificou de

alguma forma essas representações e acrescentou aspectos que as tornam

próprias da rede?

3.2.2.2. Algumas representações além da imagem

Como visto acima, muitos sites de busca de parceiros usam estereótipos

ligados ao sexo e à sexualidade como cartão de visita. Contudo, os estereótipos

presentes nas páginas não estão limitados àqueles das páginas principais, e

devido à possível interação que os usuários têm nesse meio, outras formas de

estereótipos foram surgindo graças ao universo online.

Alguns desses estereótipos são de alguma forma próprios do imaginário

homossexual masculino antes mesmo do advento da internet, como é o caso de

ativo e passivo, efeminado e másculo, porém estes receberam novos contornos

na rede. Em outros casos, os sites promovem a criação de estereótipos próprios,

alguns inclusive incompatíveis com o que existe fora da internet, como, por

exemplo, a grande maioria dos perfis que são preenchidos por usuários que

exacerbam características de virilidade e masculinidade, além de uma aversão à

posição sexual de “passivo”, como veremos logo abaixo.

Opções pré-estabelecidas para preencher: ativos, passivos e

versáteis

A dicotomia ativo e passivo permeia territórios do universo homossexual

masculino, que vão além do ato sexual em si; elas passam por questões de

estigma e poder. Pode-se tentar estabelecer uma comparação valorativa entre a

posição cultural da barbie e a do homossexual masculino “ativo”. As duas são

consideradas estereótipos de força e masculinidade, como se tais atributos

remetessem de imediato a uma qualidade almejada e desejada por muitos

dentro desse universo. Tanto a barbie quanto o ativo, são estereótipos

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facilmente encontrados nos sites de busca de parceiros, seja em suas homes ou

em seus perfis.

“O “normal” é associado ao estereótipo do “ativo” e o “estigmatizado” ao de “passivo”, correspondendo o primeiro a função sexual do heterossexual masculino e o segundo, à função do heterossexual feminino. Por extensão, numa ordem inversa, o homossexual masculino “passivo” e o homossexual feminino “passivo” corresponderão ao “estigmatizado” e o homossexual masculino “ativo” e feminino “ativo” corresponderão ao “normal”. (Misse, 1979, p. 33)

A imagem do homossexual masculino ativo está diretamente ligada a

questões pertinentes à virilidade do indivíduo. É muito comum ver nos sites de

“pegação” uma abundancia de perfis exibindo as opções “ativo” ou “versátil”

(pessoa que faz tanto o papel ativo, quanto o passivo durante a relação sexual).

Identificar-se como “passivo” em um site de busca de parceiros é estigmatizante.

Muitos rapazes negam-se inclusive a assumir a sua homossexualidade nos

perfis, alguns inclusive insistem em marcar as opções bi ou heterossexual por

acreditarem que isso constitui um símbolo de masculinidade. O depoimento de

um entrevistado em especial ilustra bem a questão.

“Eu colocava que era ativo ou que fazia as duas coisas. Eu colocava que sou bi. Porque bissexual não é gay, bissexual ele até faz, mas ele não é homossexual. Ele até faz, mas ele não é gay. Tipo assim, eu sou gay, homossexual, mas gay é aquela coisa gay, que todo mundo pensa, num site desses, gay é gay, aquela coisa: viado.” “O estigmatizado tem sobretudo uma necessidade: a de controlar a “informação” de seu estigma, principalmente este não é evidente (caso do desacreditável). Como se dá a “informação social” do estigma? Ela é a linguagem que permite distinguir o “normal” do “estigmatizado”. Comporta uma expectativa de uma unidade contraditória, o eu-outro, e carrega sempre um componente normativo em forma de estereótipo.” (Misse, 1979, p. 26)

O que é bem interessante aqui é a criação de um estereótipo que só

funciona na rede, mas que está presente em espaços offline, e a construção de

um estigma que forma um contraponto muito presente no imaginário

homossexual masculino: o homossexual viril e másculo versus o homossexual

de gestos e condutas femininas. Neste caso, a imagem do feminino é rechaçada

pelo entrevistado e não só por ele. Sua preocupação em não parecer “aquela

coisa gay que todo mundo pensa”, não concerne só a ele. Realmente a maioria

dos perfis não é preenchida com a opção homossexual e muitos assinalam

heterossexual nos espaços destinados à opção sexual. Isso não diz respeito aos

parceiros com que se faz sexo, mas sim a um estereótipo que denota e, mais

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ainda, que aponta aquele que marca “heterossexual” ou “bissexual” em seu perfil

como menos efeminado do que aqueles que preenchem as linhas com

“homossexual”.

No entanto, o ambiente offline parece ser bem distinto do conteúdo

apresentado em alguns dos perfis dos sites. Muitos entrevistados comentam

sobre essas diferenças e do que se pode esperar de um parceiro durante uma

relação sexual fora da rede. Como afirma um entrevistado:

“Dizer que é ativo, todos dizem. Todos, não. Dizem aqueles que são ou querem parecer mais machos, bofinhos, sabe? Normalmente o que marca “passiva” é a “bichinha” o “afeminado”, aí ninguém procura ou só procura quem gosta, e são poucos. Isto te prejudica muito, deixa você limitado, o seu público, quem te procura... Os mais machos marcam ativo ou “totalflex”. Agora na hora H, todos ficam de quatro para mim. Acho que falta ativo no mercado. Acho que devo começar a pular na cama na frente das bichas e ficar de quatro primeiro para ver se alguém me come!” A passividade está carregada de estigmas negativos. O estereótipo do

passivo, para o universo homossexual masculino, está diretamente ligado a uma

posição de feminilidade e submissão, e de certa forma, esta posição não é

exatamente desejada por muitos. Na verdade, no que diz respeito aos perfis dos

sites, a relação parece não se limitar a “passividade” ou “atividade” sexual, mas

também a uma conduta e aparência viril. Existiriam, então, algumas fórmulas de

sucesso tanto para as páginas principais dos sites quanto para seus perfis.

Aparência máscula + ativo + bissexual ou heterossexual + músculos = muitos

usuários, muitas visitas e um perfil muito popular. Algumas páginas promovem

concursos de beleza entre usuários que votam nos perfis mais interessantes

segundo eles. Um exemplo disso pode ser visto no site BigMuscle.com que

exibe os vencedores em sua home de tempos em tempos.

Essa associação constante entre “passividade” e “feminilidade” pode ser

vista não somente nos sites, mas também em outros meios de comunicação

ligados à homossexualidade masculina, e esta representação muitas vezes é

repassada ao público também de forma estereotipada. A citação abaixo mostra

um diálogo que se passa durante o episódio piloto do seriado Queer as Folk. A

cena ocorre em uma boate onde três personagens estão encostados no bar,

observando homens seminus passando para um lado e para o outro, quando o

interlocutor faz uma breve descrição de seus amigos.

“E esses são meus dois amigos, Ted e Emmet. Emmet pode ser um pouco “campy” ok, muito “campy” mas você tem que admitir, estes dias é preciso muita coragem para ser uma rainha em um mundo cheio de “comunardes”. Ted é esse cara super inteligente, e ele tem um coração enorme. Porém,

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aqui ninguém está interessado no tamanho desse órgão.” (Queer as Folk, 2000)40 Como podemos ver na fala de Michael, o narrador, o fato de seu amigo

ser campy o coloca em uma posição à parte. Entre outras coisas, Emmet

representa um estereótipo ligado a diversas características, entre elas o

feminino. O camp, neste caso, refere-se a uma conduta que mescla um excesso

ou um exagero estereotipado e proposital e uma conduta elegante. O dicionário

de termos gays Robert Scott define camp de duas formas, a primeira diz respeito

a uma espécie de conduta:

“O camp é uma análise critica e ao mesmo tempo uma grande brincadeira. O camp pega “algo” (normalmente uma norma social, um objeto, frase ou estilo”, e faz uma análise muito apurada do que aquele “algo” é e então pega essa “coisa” e apresenta-a de forma bem humorada. Como uma “performance”, apresentação, o camp é para ser uma alusão, uma pessoa sendo “campy” tem uma generalização de intencionalmente fazer uma piada ou manipular algo, sendo que camp é uma brincadeira, mas também é uma análise mais séria feita por pessoas que fazem graça de si mesmas para provar algo. Tem a ver com ser pretensioso, algo mais sério. É sobre ser pretensioso e controverso; é uma subversão heterodoxa totalmente envolta em pose irônica, o que provoca o choque e tem a intenção de ser ofensivo. (Scott, 2003)41 A segunda referência que o dicionário faz é uma relação entre o ato de se

vestir como alguém do sexo oposto relacionando à conduta drag e camp.

“Como parte do camp, o drag consiste em roupas e acessórios femininos, desde a maquiagem até alguns apetrechos femininos, tipicamente chapéus, luvas ou salto alto, para uma transformação total, complete com perucas, jóias e maquiagem completa. No caso de drag kings, ou transformistas mulher para homem, o oposto é verdadeiro e normalmente

40 “(…) and these are my two buddies, Ted and Emmet, Emmet can be a little “campy” ok, a

lot “campy”, but you got to admit, these days it takes a real guts to be a queen in a world full of

communards. Ted is this really smart guy and he’s got a really big heart, but nobody here is

interested in the size of that organ.” 41 Camp is a critical analysis and at the same time a big joke. Camp takes

“something” (normally a social norm, object, phrase, or style), does a very acute analysis

of what the “something” is, then takes the “something” and presents it humorously. As a

performance, camp is meant to be an allusion. A person being campy has a

generalization they are intentionally making fun of or manipulating. Though camp is a joke

it's also a very serious analysis done by people who are willing to make a joke out of

themselves to prove a point. It's about being pretentious and contentious; it is a

heterodox bouleversement all wrapped up in a tongue-in-cheek pose, which elicits shock

and is meant to be offensive.

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envolve formas exageradas dos conhecidos modelos de sexualidade masculina.” (Scott, 2003)42 O camp, por sua vez, constitui mais uma das facetas estéticas da cultura

gay e vem carregado de alguns estigmas por estar associado ao efeminado. Por

outro lado, também representa um estereótipo de esperteza e refinamento, além

de uma crítica bem humorada que funcionaria como uma espécie de sátira

proveniente de alguns indivíduos inseridos no universo homossexual. Isso pode

ser visto na fala do entrevistado acima, que afirma que “dizer que é ativo, todos

dizem”, e nas palavras da personagem de Michael. É a partir do estereótipo que

se criam caricaturas, a exemplo de Ted, “esse cara super inteligente, e ele tem

um coração enorme”. Porém aqui, “ninguém está interessado no tamanho desse

órgão”, o que significa que com tais “atributos”, ele não constitui um objeto de

desejo de muitos necessariamente, já que o que as pessoas procuram em uma

boate à noite ou em um “site de pegação” não é exatamente um bom coração.

Como tantos outros estereótipos discutidos nesta dissertação, ativo e

passivo encontram-se ligados diretamente a questões da sexualidade e do

desejo presentes não só nas falas dos entrevistados, mas também nas homes

dos sites da internet.

As razões para estarem aqui de forma tão destacada são: as repetidas

menções a esses termos nas entrevistas, a presença do estereótipo na home de

alguns sites e também por serem apresentados como opção pré-estabelecida na

constituição um perfil em todos os sites que visitei para esta pesquisa.

De qualquer forma, o passivo e o status de passividade em geral são

tomados como signos de estigma e de um estereótipo associado a qualidades

ruins ou inferiores. A passividade daqueles que ilustram os perfis dos sites de

busca deve permanecer escondida ou velada para garantir uma “amplitude” de

parceiros e a manutenção de uma aparência verdadeiramente viril e desejada.

“Este estereótipo está construído sobre a associação entre a função biossexual feminina (que chamaremos aqui de “receptor” do pênis) como um conjunto de atributos desacreditadores e outros de importância simbólica mais geral, e que chamaremos aqui de “passivo sexual”(...) o “normal” é associado ao estereótipo do ativo e o estigmatizado ao de passivo, correspondendo o primeiro à função sexual do heterossexual

42 As part of camp, drag occasionally consists of feminine apparel, ranging from

slight make-up and a few feminine garments, typically hats, gloves, or high heels, to a

total getup, complete with wigs, gowns, jewelry, and full make-up. In the case of drag

kings or female male-impersonators, the opposite is true and often involves exaggerated

displays of traditional male sexuality.

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masculino e o segundo à função do heterossexual feminino.” (Misse, 1979, p. 32-33)

Além disso, a própria “passividade” ou “atividade” ultrapassa questões

somente ligadas ao ato sexual em si e se relaciona também com atribuições de

poder e dominação. Portanto, definir ativo como viril e passivo como efeminado

seria limitar a questão e deixar de fora outros aspectos pertinentes relacionados

a essas formas de representação. Porém, enquanto “postura” sexual, dominador

e dominado, ativo e passivo dizem respeito também à entrega e confiança no

parceiro.

Portanto, “top boy” e “passiva” não são simplesmente classificações ou

denominações, e sim fazem parte de uma questão cultural mais ampla, bem

como de algumas questões referentes a outros aspectos da cultura

homossexual, como é o caso da aparência mais efeminada de Emmet ou da

extravagância associada a uma homossexualidade masculina feminilizada como

o camp. Vale lembrar, entretanto, que todos esses papéis podem ser

extremamente móveis. Posicioná-los ou impor regras fechadas e condições a

eles é uma tolice; somente fomenta e propaga o estigma de inferioridade da

“passividade”. Atividade e passividade são questões que vão muito além do que

pode ser suposto ou presumido sobre um individuo.

“Top e bottom, o em cima e o em baixo do erotismo do poder sem escalas intervenientes.Temos aí, pela exacerbação dos signos, a declaração nua e crua de que toda relação é uma relação de poder e de que o único princípio que interessa ao desejo é o princípio ativo e passivo em seu cerne: dominar e ser dominado. Estas são, com efeito, as verdades que a linguagem põe, embora não sejam as que ela propõe ao nível do dizer; elas constituem uma espécie de segredo. O discurso sado-masoquista não promove a dedução destas verdades através da reflexão crítica: simplesmente arranca-as da linguagem e as põe em cena, promovendo assim, contraditoriamente, o seu esvaziamento: “tudo isso não passa de um jogo”. (Portinari, 1989, p. 63)

Da mesma forma como a rede produz novas nuances para “ativos” e

“passivos” algumas outras informações relacionadas a condutas sexuais e

aparência também surgem nestes espaços. Um bom exemplo disso é a

exacerbação da associação entre “ser feminino” e “ser passivo”, sendo levada

tão a sério e se reproduzindo de forma tão ampla nos perfis dos sites na internet.

Entretanto, durante as entrevistas, alguns rapazes – independente da

aparência do entrevistado, fosse ela mais máscula ou mais efeminada – diziam

que faziam sexo na posição de passivos, porém isso não poderia ser revelado

na rede, somente pessoalmente ao parceiro.

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Curiosamente, em duas entrevistas que realizei em um mesmo dia, uma

com um rapaz que se diz cross dresser ou CD43 e outro que possui uma postura

absolutamente viril, ambos afirmam relacionar-se sexualmente somente com

homens heterossexuais casados e os dois dizem ser costumeiramente passivos

nas relações sexuais com esses parceiros. Quando questionados sobre o

porquê deste posicionamento, as repostas são absolutamente diferentes e ao

mesmo tempo convergentes. Um procura parceiros casas noturnas voltadas

para o público cross dresser e transexual; já o outro tem a seguinte estratégia de

paquera: dirige seu carro da Zona Sul do Rio de Janeiro, local onde ele reside,

até as regiões periféricas, e perambula pelos pontos de ônibus do subúrbio a

procura de eventuais parceiros. Segundo ele, o modelo de seu carro atraiu

parceiros em potencial com quem ele faz sexo nas regiões mais desertas dos

bairros da Zona Oeste carioca.

“Homens casados me procuram, homens héteros também. Durante o sexo, muitos deles se sentem culpados, dizem eu não sou gay, eu não sou gay... É aí que eu digo, querido, pode ficar calmo, o gay aqui sou eu. Apesar do que, de heterossexual aquilo (se referindo ao ato sexual) não tem nada. Mas acho complicado definir de forma fixa, representar.”

“Outro dia eu saí com um carinha, desses do subúrbio, bem machinho HT do jeitinho que eu gosto. Ele viu meu carrão e me pediu carona. Eu fui alisando o p*** e dizendo: “olha só como você me deixa”. Aí ele dizia: “eu não sou gay”, mas eu botava a mão no p*** dele e tava duro. Eu encostei num matagal e disse: “me come aí”. E ele disse de novo que não era gay. Aí eu falei: “eu também não, mané. Tenho namorada, mas vi que você tá curtindo que nem eu, p*** durasso, vai se amarrar em me f****. Eu também não sou gay, curto minha namorada. Como ela legal, que nem você faz com as tuas “mulé”, mas homem é assim: f**** melhor, chupa melhor. A gente não é viadinho, não, colega. A gente só gosta muito de sacanagem”. E é assim que eu consigo os carinhas hétero e vou me relacionando com eles.”

Portanto, presumir que atividade ou passividade estão relacionadas a

uma postura mais máscula ou efeminada mostra-se um equívoco, porém na rede

para busca de parceiros, homossexuais masculinos que colocam seus perfis nos

sites dizendo-se “hétero” ou “bissexuais” já constituem um estereótipo sólido do

que é desejável nesses meios.

43 CD, ou cross dresser, é o homem que se veste de mulher somente para sair à noite, mas

não recorre a alterações cirúrgicas para parecer uma mulher. O CD procura ter uma postura

bastante máscula durante o dia e procura manter uma segunda identidade com nome e

sobrenome para não ser reconhecido.

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Talvez seja por isso mesmo que acontece uma exclusão de estereótipos

relacionados a tipos mais “efeminados”, o que fica claro quando se procura um

site de busca de parceiros que mostre qualquer imagem com essa construção.

A única página com representações ligadas a uma feminilidade que

encontrei foi o exemplo abaixo:

Figura 77: site http://travestisbr.cjb.net/

O site Travesti.cjb.net. na verdade é um “sub” site da rede

AdultFinder.com, que constitui uma grande cadeia internacional de namoro

online, seja heterossexual ou homossexual.

A rede e suas formas de masculinidade

Figura clássica e conhecida entre os homossexuais masculinos, a

representação do homem viril percorre não só o imaginário, mas também a

fantasia de muitos homens que se sentem sexualmente atraídos por outros

homens. Extremamente presente na grande maioria das homes dos sites de

“pegação”, encontra-se repetidas vezes a representação barbie-ativo-másculo

que constituí um estereótipo conhecido entre os homossexuais por “gay classic”,

possuindo inclusive sua gíria própria: topboy44.

Entretanto, entre o machão caricato e o homossexual visivelmente

efeminado, existem muitas variações e combinações que constroem dezenas de

estereótipos e representações da cultura gay masculina. Enretanto, outras

figuras encontrariam algum espaço na rede?

“(...) tipologias da homossexualidade masculina: “bichas” (efeminados), “mariconas” ou “tias” (efeminados maduros de mais de 35 anos) gays (sinônimo moderno de homossexual que abrange aqueles que não são ostensivamente femininóides) “bofes” – rapazes que sem necessariamente se autoconsiderarem homossexuais, ou ainda se gabando de não sê-lo, consentem em “transar” com bichas”. (Perlongher, 1988, p. 44)

44 Vale ressaltar que o topboy, seria não somente um homem musculoso e

másculo, mas também exclusivamente ativo em suas relações sexuais.

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O parecer de Perlongher é razoavelmente limitado, mas funciona como

uma espécie de “resumo das coisas”. Algumas das denominações apresentadas

por ele como “maduros de mais de 35 anos” podem ser encontradas facilmente

na internet hoje, quase vinte anos após a publicação de seu livro, nos sites de

busca de parceiros de forma mais rarefeita e de forma mais pontuada e precisa

nos webchats. Mais além, a internet funciona como um bom reprodutor das

categorias existentes no imaginário homossexual masculino e, por sua vez, cria

outras que precisam da rede para poder existir.

Para demonstrar isso de forma mais clara, fiz uma experiência: certa noite

realizei uma busca no bate papo do UOL45, à procura de salas de sexo e

encontros para homossexuais masculinos abertas por assinantes. Eis os

resultados da busca, com os nomes das salas abertas: “PASSIVO QUER ATV

DE 20+”, “P********* ENTRE MACHOS”, “*BOYS X MADUROS SP*”, “novos

maduros 35-45”, “COMEDORES DE C*”, “teens”, “boys cam 14 a 20”, “garotos

de programa”, “HT CASADOS”. Enfim, se a net se posiciona como um “lugar”

virtual para muitos e diferentes desejos, pode-se ver também, a partir de alguns

nomes das salas que foram encontradas, que ela também passa a abrigar novas

formas de fantasias e fetiches, como, por exemplo, a exibição em tempo real de

imagens via webcam através de salas de bate-papo voltadas para pessoas que

procuram isso.

Voltando à questão do masculino-feminino/passividade-atividade, os

chats criados por assinantes fornecem algum tipo de espaço para estereótipos

de “passividade” de forma mais velada, como no caso das salas de bate-papo

abertas por assinantes que possuem uma perenidade, afinal, dependem da

vontade seu criador para permanecer ali.

Por outro lado, pode-se pensar também na preocupação de parecer viril o

suficiente a ponto de não ter a sua masculinidade questionada, como um atributo

limitador das características dos perfis presentes nos sites, tanto como marcar

sempre ativo na caixinha de opções ao preencher um perfil. Enquanto eu

conversava com alguns amigos sobre a iniciativa de criar um perfil em alguns

sites para poder utilizar todos os recursos de navegabilidade, um de meus

informantes alertou-me: “tem que tomar cuidado com a foto que coloca lá para

não ficar parecendo bichinha passiva, senão ninguém vai te olhar.”

45 O UOL, ou Universo Online, é um provedor brasileiro que possui uma série de

salas de bate-papo em seu site.

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“Há uma preocupação tão grande dos gays com transarem com um

parceiro de aparência máscula, que se um cara desmunhecar ou for muito

mulher não tem praticamente chance de trepar nesses ambientes gays.”

(Perlongher, 1988, p. 83)

Contudo, independentemente das aparências, o papel desempenhado no

ato sexual, seja ele ativo ou passivo, não está relacionado diretamente à

aparência ou virilidade do individuo, ao contrário do que muitas vezes se

imagina. Um bom exemplo disso são os depoimentos acima: o do rapaz que vai

até as áreas periféricas da cidade para buscar parceiros e o do crossdresser que

afirma que entre “masculinidade” e “atividade” não existem papéis fixos. Existem

machões passivos e efeminados ativos. Portanto a relação viril-efeminado não

está diretamente ligada ao ato sexual, ou a quaisquer papeis que um individuo

venha a desempenhar sexualmente. Másculo e efeminado são mais duas faces

de uma cultura visual gay com diversas vertentes. Porém, quem utiliza a rede

para busca de parceiros, muitas vezes se coloca em um papel excludente,

criando estereótipos limitadores como o que relaciona quem se identifica como

homossexual como ser feminino e indesejável, e quem se diz heterossexual ou

bissexual com uma suposta virilidade.

“Fala-se em igualdade onde só há diferenças (não catalogáveis ainda por cima) e busca-se a diferença sempre lá onde ela não está, fala-se em poder como se isso fosse qualquer coisa de localizável e compartimentado quando ele está em toda parte, fala-se em homem e mulher onde só há a idéia disso e em relação sexual como se isso pertencesse a natureza, quando isso pertence exclusivamente ao imaginário”. (Portinari, 1989, p. 64)

Toda essa discussão ressalta um outro caráter da internet para busca de

parceiros, que é a constituição de uma existência à parte na rede que muitas

vezes é completamente desconhecida daqueles que fazem parte da convivência

offline desses indivíduos. Pensando-se a rede como um espaço à parte, é

possível a criação de representações e estereótipos próprios dela como os

descritos acima, bem como a crença compartilhada por muitos das maneiras

corretas ou incorretas de constituir perfis online, influenciando diretamente a

popularidade e a freqüência do site ou do perfil de alguém.

A suposta ausência de estereótipos

Curiosamente, existe uma categoria de páginas na internet que afirma

não se encaixar em nenhum estereótipo: os sites “normal gay”. Na home do site

http://www.normalgay.com, duas coisas chamam atenção: o cabeçalho que diz

“Normal Gay, para homens que não se encaixam em categorias”, acompanhado

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de um texto que diz: “Normal Gay, é para homens que não necessariamente

vivem na academia, ou que compreendem quando alguém fala “woof” para eles,

ou somente não gostam de sites que falam de partes do corpo. Nós gostamos de

homens com músculos e homens do tipo urso, mas sentimos que o site era

necessário para todos nós. Este site deixa você criar e manter seu próprio perfil

com fotos. Além de ver fotos de homens de todo o mundo, você pode procurar e

comparar você mesmo com outros.”46

O que a pessoa que criou este site não notou, é que o espaço em

questão não “foge” de nenhum estereótipo, ele apenas abarca a maioria dos

estereótipos que estão presentes na rede sem nenhuma restrição, como em

alguns sites.

Existe uma constante dualidade entre o caráter positivo e negativo de

ostentar um estereótipo na rede ou até fora dela. É claro que essa dualidade

está diretamente associada aos estigmas negativos ou virtudes ligados a tais

estereótipos. Algumas contradições quanto à associação de indivíduos com os

estereótipos puderam ser vistas em muitas entrevistas, por exemplo, nos trechos

a seguir: “eu não gosto do estereótipo, não quero ser ligado a ele e nem me

relaciono com pessoas que sejam. Isso só existe em revista e site. Você chega

num site, por exemplo, e só vê isso na página inicial. Vai ver os perfis.” Mais

adiante, na mesma entrevista, o rapaz afirma: “para transar, tem que ser bonito

né? Estar em dia com o corpo. Não precisa ser barbie, mas tem que ser

saradinho.”

A relação de quem usa a internet com essas representações e

estereótipos é muito transpassada por momentos de certeza e incertezas, com

todas essas nuances permeando o uso que cada individuo faz da rede.

Na próxima seção, será discutida também a questão da usabilidade da

rede para busca de parceiros, através da opinião de usuários e não usuários.

46 NormalGay ® is for guys who may not live at the gym, understand the term

"Woof" when spoken to them or just don't like body parts sites. We do like men with bigmuscles and men of the bear type, but felt this site was

needed for all of us. This site lets you create and maintain your own profile and photos. In addition to viewing profiles of guys from around the world, you can sort, search and compare yourself to others.

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3.3. A opinião de usuários e não usuários e seus relacionamentos: como as coisas “rolam” na rede

Esta seção apresentará outras questões relacionadas à utilização que é

feita da internet, como busca de parceiros para homossexuais masculinos, que

não foram apresentadas anteriormente. Neste momento, a ênfase está não só

nos porquês do acesso, mas, também, nas conseqüências dele: como

acontecem os relacionamentos que começam na rede e quais as expectativas

dos usuários.

Outro dado importante que será apresentado aqui é a escolha dos sites

mais utilizados pelos usuários e as razões de tais escolhas que muitas vezes

estão dissociadas da aparência ou do design do site.

Para a obtenção desses dados, foram fundamentais as três rodadas de

entrevistas que realizei para esta dissertação.

É bom lembrar, mais uma vez, que foram realizadas ao todo vinte e quatro

entrevistas, sendo três pilotos, treze após o recorte do objeto da pesquisa nos

sites de busca de parceiros e mais oito entrevistas online sobre os

relacionamentos sexuais/afetivos que ocorrem a partir da rede. Os entrevistados

possuem idades que variam entre 18 e 50 anos aproximadamente; suas áreas

de atuação profissional, renda e localização geográfica diferem bastante entre si;

além disso, nem todos utilizam os sites de busca de parceiros, porém o critério

para fazerem parte da amostragem é ter tido alguma forma de contato com eles

anteriormente e saber navegá-los.

3.3.1. Os usuários, os porquês da procura pela rede e o que esperam dela

Os usuários dos sites de busca de parceiros constituem um grupo

bastante heterogêneo. Existem rapazes de todas as origens, profissões e faixas

etárias que utilizam a rede para busca de parceiros.

Quanto aos encontros que acontecem na rede, efetivamente em pouco

diferem daquilo que existe offline no universo homossexual masculino.

Entretanto, a “pegação” de internet (expressão utilizada para designar os

relacionamentos esporádicos estabelecidos online) depende necessariamente

da rede para existir. Lá, a comunicação ocorre primeiramente pelo virtual e

algumas vezes, dependendo do desfecho da situação, não sai dela.

“O cyberespaço é um espaço onde as máquinas reinam soberanas. Lá

máquinas se comunicam com máquinas e homens se comunicam com homens

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A internet: “o mundo do tudo pode” 105

através de máquinas. Ou seja, no cyberespaço, o homem não tem vida

independente da máquina.” (Nicolaci-da-Costa, 1998, p. 63)

Entretanto, boa parte desses relacionamentos acaba transpassando o

limite do virtual, tendo continuidade nos espaços offline, mesmo que a rede seja

fundamentalmente a maior “fonte de abastecimento” desse tipo de encontro.

A primeira coisa que me chamou atenção com relação aos usuários dos

sites foram as condutas no momento da apresentação a outros usuários. Ao

criarem um perfil para um site, ou ao assumir um apelido para o chat, muitas

vezes criam personagens que diferem daquilo que é conhecido por seus amigos,

familiares e colegas de trabalho. Portanto, a internet funciona, para alguns, como

uma vivência à parte, um espaço onde usuários experimentam personagens e se

expressam de uma forma que só é possível ali.

“(...) proponho que a Internet possa servir, para alguns sujeitos, de espaço

potencial, isto é, um espaço neutro, livre das tensões do mundo interno e das

pressões da realidade externa”. (Romão-Dias, 2007, p. 4)

Vale ressaltar também que apesar do suposto caráter anônimo da rede,

os usuários preocupam-se bastante com as informações sobre eles que são

veiculadas na rede. A criação de um perfil obedece algumas regras claras sobre

o que é permitido ou não. Isso pode ser visto neste trecho da declaração de um

entrevistado: “eu quero mostrar o perfil do gay ideal que mora na Zona Sul, tem

um “statuszinho”, ele trabalha com arte (...) aí você vê que é uma procura direto

por aquilo”.

Além disso, existe uma outra preocupação: onde sua imagem será

veiculada. Para alguns, existe uma gradação desde os sites que funcionariam

quase como uma boate, ou seja, que são só para a procura de um parceiro em

potencial, até outras páginas que fariam parte de uma socialização um pouco

mais ampla. As declarações do tipo: “evito sites freqüentados por qualquer um”,

repetem-se constantemente na fala de alguns entrevistados. Um em especial, foi

bem específico quanto às restrições em criar um perfil no Disponível.com, o site

mais visitado e citado pelos entrevistados:

“No Disponível eu tenho. Fico sem graça, porque acho que é p***** demais.(...) eu procurei o Gaydar, porque eu achava a cara dele um pouco menos... mais alto nível do que o Disponível. Ah, desculpa, porque você sabe: eu sou mega... fresquinho”.

O mesmo entrevistado afirma também ter uma identificação maior com um

site em especial devido à aparência de sua home. Ele diz: “eu me identifico mais

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A internet: “o mundo do tudo pode” 106

com o Gaydar. Tem essa coisa de várias bandeirinhas; vai ser um perfil ‘ah,

international boy’”.

Algumas formas de relacionamento que passam pela rede

O principal motivo da procura dos sites é o sexo e/ou o estímulo sexual

visual. A maioria dos entrevistados critica e até faz piadas sobre pessoas que

procuram um relacionamento além do sexo casual em ambientes como esses,

outros,ressaltam que a internet funciona como qualquer outro tipo de “pegação

de rua”:

“Já fiz todos os tipos de pegação: banheiro, rua, McDonalds, Arpoador, o banheiro da Central... Só fui por curiosidade. A pegação é escancarada. Em Sampa tem uma estação de metrô que tem banheiro. Você entra no metrô e tem aquela fumaça de sexo. Na internet é a mesma coisa, só é mais eficaz às vezes, porque sempre tem alguém lá que você vai querer vinte e quatro horas por dia.”

Entretanto, alguns admitem que existe a possibilidade de surgir um

relacionamento mais estável desse tipo de encontro. “Todos os meus

namorados, conheci na internet”.

Apesar de toda a questão das imagens estereotipadas contidas nesses

sites, existe uma heterogenia de usuários e de gostos no que diz respeito à

exploração do sexo de uma forma geral, como afirma um dos entrevistados:

“É um canal para f*****, você encontra de tudo: sexo a dois, a três, a

cinco, a dez, para o preto, o branc,o o gordo e o magro”.

Usuários de sites de busca de parceiros afirmam, em sua maioria, que a

internet constitui uma ferramenta bastante eficiente para encontrar um par,

qualquer que seja o propósito do encontro: fazer sexo casual, encontrar um

amigo ou até namorar. Muitos deles atribuem essa eficiência à especificidade do

meio; por exemplo, ursos vão diretamente a sites ou chats de ursos. Outros

afirmam que a internet acabou com o desencontro entre ativos e passivos, além

de constituir uma oportunidade de encontrar um parceiro sem sair de casa vinte

e quatro horas por dia. Isso, segundo alguns usuários, constituiria uma fonte

segura de procura, uma vez que é possível freqüentar “pontos de pegação”

mesmo quando você não está lá, afinal seu perfil continua ali quando seu

computador é desligado. Na rua, eles estariam expostos a um perigo constante,

seja por parte de marginais, agressores homofóbicos ou até mesmo pela polícia

que costuma dar batidas regulares nesses locais.

Outro aspecto interessante do “mundo do tudo pode” é o fato de que, na

maioria das vezes, existe uma participação flutuante e não perpétua nessa

realidade. O que quero dizer é: os namoros, casamentos e relacionamentos

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A internet: “o mundo do tudo pode” 107

estáveis dos homossexuais masculinos não estão contidos no “mundo do tudo

pode”; e mais, ter um relacionamento estável, muitas vezes pode significar

“cometer suicídio” no “mundo do tudo pode”. Um exemplo disso pode ser visto

no seguinte depoimento: “nós sabíamos que éramos duas “pegadeiras” de

internet e pelo bem do relacionamento desfizemos os dois perfis.”

Não é nada incomum ver casais desfazendo o perfil no Orkut e fechando

todas as contas nos “sites de pegação” da internet. Entretanto, quando o casal

se dissolve, as partes voltam a fazer parte do “mundo do tudo pode” quase que

imediatamente, em alguns casos, seja reabrindo os perfis, ou reatando contatos

com antigos conhecidos que só faziam parte deste universo. Muitos não usuários

que encontrei são homens inseridos em algum tipo de relacionamento que de

alguma forma os impede de continuar acessando a rede.

3.3.2. Os não usuários e suas restrições

Primeiramente, gostaria de definir o que caracteriza um não usuário, pois

em todas as entrevistas que realizei, pude constatar que, mesmo aqueles que

afirmam não usar a internet para fins de busca de parceiros, já a usaram em

algum momento, seja por curiosidade ou como tentativa. Esta, no caso dos não

usuários, muitas vezes se demonstra frustrada, como afirma um dos

entrevistados:

“Eu abri e aí vi um universo de pessoas vazias que buscam sexo fácil com papos médios escrotos, e pô, eu não sou uma pessoa vazia e nem quero uma imagem atrelada a isso. Eu não vou entrar num lugar tipo mercado das carnes só mostrando o rótulo e me oferecer. Eu não sou isso. Eu acho que eu tenho mais coisas além, a acrescentar, entendeu? Além de site de procura.”

Os não usuários preferem, por motivos bastante diversos, não utilizar a

internet como meio para encontrar um parceiro, seja para sexo ou namoro.

Alguns passaram por experiências ruins – em alguns casos até envolvendo

violência física – ou então não a consideram um meio eficaz ou confiável para

isso. A hipótese de serem enganados ou de alguém mentir para eles, de se

decepcionarem com alguém com quem eles já houvessem criado expectativas

na net, afasta muitas pessoas da rede de encontros virtuais. Portanto, para

muitos não usuários, a rede não constitui uma boa ferramenta para conhecer

pessoas com o objetivo de iniciar um relacionamento afetivo.

“Muitos se dizem incomodados com a possibilidade de seus interlocutores mentirem. Justamente por conta disso, alguns integrantes deste grupo revelam ter tentado se encontrar pessoalmente com algumas pessoas que

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conheceram na Rede. No entanto, quando esses contatos aconteceram, isso não os deixou mais aliviados. Pelo contrário, a decepção com estes encontros foi tão grande que lhes serviu de confirmação de que não é possível confiar em relações iniciadas na Rede.” (Romão-Dias, 2007, p. 12)

Um outro motivo que afasta alguns rapazes dos sites de busca de

parceiros é o costume de conhecerem pessoas ao vivo, como afirma outro

entrevistado: “eu prefiro cara a cara, conhecer a pessoa pessoalmente”. Alguns

acreditam que o contato cara a cara pode prever más intenções por parte de um

possível agressor no encontro ao vivo, enquanto na internet as pessoas podem

iludir através de falsas identidades.

“(...) seja por conta das mentiras que os interlocutores podem contar, seja porque os próprios entrevistados idealizam muito um encontro “olho-no-olho”, as relações interpessoais que se iniciam na Rede não vingam. Grosso modo, a impressão que se tem é que, para os representantes deste grupo, se as pessoas não são, fora da Rede, exatamente o que elas dizem ser dentro dela, há alguma falsidade em jogo. Esta falsidade é insuportável para eles.” (Romão-Dias, 2007, p. 13)

Alguns entrevistados alegam que, com as pessoas que eles encontram na

net, não seria possível um namoro, pois esse meio está voltado somente para o

sexo casual, e pessoas que o freqüentam não estariam interessadas nisto, ou,

pelo menos não em fazer isto pela internet. Outros ainda, dizem que quando

utilizaram a internet com estes fins, as surpresas quase sempre foram negativas,

seja porque algumas pessoas utilizavam fotos falsas, utilizavam efeitos ou

recursos gráficos para torná-las mais atrativas ou simplesmente enviavam fotos

de outras pessoas para o possível interessado.

Finalmente, existe, dentro do grupo dos não usuários, uma pequena

parcela de pessoas que afirma não precisar da internet, pois, em sua

argumentação, dizem ter todas as suas necessidades sexuais – sejam elas de

namoro ou de encontros casuais – satisfeitas sem a ajuda da rede, logo nunca a

procuraram com este propósito.

“Consigo o que quiser na rua, na hora que quiser vinte e quatro horas por

dia”.

Sejam quais forem os motivos para usar ou não usar a rede, os discursos

dos não usuários e dos usuários mostra-se bastante semelhante, porém em

sentidos opostos. Melhor dizendo, as razões que um grupo tem para utilizar a

rede são praticamente as mesmas que outro grupo tem para não utilizá-la como

meio de paquera, “pegação” ou na procura de namorados. Além disso,

curiosamente, aqueles que dizem não utilizar a rede propriamente para contatos

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sexuais, parecem ter um conhecimento bem amplo do que se pode encontrar ali,

além de opiniões próprias sobre a aparência de alguns sites.

Pensando nisso, incluí nas entrevistas, após o piloto, uma pergunta que

pedia aos usuários que dissessem qual o site que eles mais gostavam e por quê.

A partir dos resultados, fiz uma seleção dos cinco sites mais citados pelos

entrevistados, e todas as informações sobre eles estão no próximo subcapítulo.

3.4. Qual a opinião deles? Os sites mais citados nas entrevistas e por que

Para fazer a exposição dos sites mais citados pelos entrevistados,

procederei da seguinte forma: a página mais citada será a primeira e a menos

citada será a última. A imagem escolhida para representá-los é a home de cada

um, retirada da internet entre fevereiro e abril de 2008. Abaixo de cada imagem,

farei uma descrição de aspectos gráficos e de navegabilidade do site, seguidos

das opiniões dos entrevistados sobre cada um deles.

O favorito: amado e odiado Disponível.com

Figura 78: página de abertura do site Disponível.com

O “Disponível”, forma como é chamado o referido site por todos os

entrevistados, é de longe o mais citado e mais utilizado pelos usuários, inclusive

pelos não usuários de sites de busca de parceiros. Oito pessoas o apontaram

como favorito.

O site foge um pouco à proposta gráfica encontrada na maioria das

outras páginas encontradas na rede, utiliza cores vibrantes como o laranja, e

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tons de amarelo, além de ser caracterizado por conter ilustrações e não

fotografias – enquanto em sua maioria, sites de busca utilizam imagens

fotográficas –, muito embora a temática desses desenhos não fuja ao restante

das páginas de “pegação” da rede.

Curiosamente, o Disponível é o que tem o design mais criticado entre os

entrevistados, além de ter problemas funcionais e de navegabilidade. A principal

critica que o site recebeu diz respeito à falta de opções de busca. Não existem

possibilidades concretas, a não ser que a pessoa seja um usuário pagante. Para

olhar perfis no site, são necessários vários cliques e uma dose de paciência para

encontrar o que se deseja no meio dos links que ficam passando no topo da

página no momento da procura. Além disso, existe um limite de perfis que o

usuário gratuito pode ver por dia.

Seu funcionamento básico é muito semelhante ao de qualquer outro site:

para ter acesso a algumas das funções, é necessário um cadastro, e para uma

navegação completa no site, é necessário o pagamento de uma assinatura.

Então, apesar de todas as falhas de navegabilidade, qual o segredo da

popularidade do Disponível? “O Disponível é de longe o mais feio, mas também

é o mais conhecido e cheio”. O site ganha usuários pela sua popularidade e

freqüência. Sua divulgação acontece no boca a boca dos usuários em festas,

filipetas e anúncios de revista. Além disso, o Disponível tem trios elétricos nas

principais paradas gays do país.

“No caso do Disponível, lá é o conteúdo e a propaganda boca a boca. Eu tive asco a primeira vez que eu entrei no Disponível. Eu pensei: bicho isso é coisa de viadinho, de viado, mas depois eu fui vendo os perfis e pensando: hm, aqui tem coisa boa. Um bom canal para conhecer gente. Aos poucos vi que todos os meus amigos estavam lá também.” Outra questão interessante sobre o Disponível é a facilidade em obter um

encontro de forma rápida ao acessar o site.“O Disponível diz ‘sexo já’(...) Lá

pode-se conseguir algo na mesma tarde. Tem nas opções: livre agora, daqui a

pouco, à tarde, à noite”.

Constatar que não é somente o design ou a aparência de um site de busca

que faz sua popularidade é muito interessante, uma vez que se aposta na

utilização de belos rapazes para atrair mais usuários, e uma proposta de design

diferenciada como a do site Disponível.com atrai tantas pessoas.

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Os “empatados em segundo”: Manhunt e Gaydar

Figura 79: página de abertura do site Manhunt.net

Figura 80: página de abertura do site Gaydar.co.uk

Os sites Manhunt.net e Gaydar.co.uk, são citados por muitos entrevistados

como “uma ótima alternativa para arrumar gente alto nível no mundo todo”.

Quatro pessoas os apontaram como favoritos. São sites com um design bastante

atrativo, que funcionam de maneira muito semelhante. Ambos possuem figuras

diversificadas em suas páginas de abertura, que contam com o recurso do

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refresh, ou seja, cada vez que o usuário dá reload na página, ou espera alguns

segundos sem mexer no cursor, a figura da home muda. Os dois utilizam

imagens de homens brancos, negros, asiáticos, rapazes utilizando roupas de

ginástica ou uniformes. Contudo, o tipo físico desses modelos não varia. Em sua

maioria, são homens musculosos com o torso desnudo. A navegação nos dois

sites é simples e cheia de opções. Além disso, todo o acesso é gratuito,

nenhuma taxa é cobrada. Ambos são tão populares e conhecidos quanto o

Disponível.com, porém alguns indivíduos criticam a falta de usuários brasileiros

nos dois sites, dizendo que a variedade de pessoas fica limitada, sendo mais

fácil buscar parceiros da mesma cidade no Disponível.com. Tal fato tornaria os

outros dois menos freqüentados por brasileiros, ou serviriam como segunda

opção.

Uma critica bastante repetida aos dois sites é o caráter fantasioso de suas

imagens, assim como as imagens de alguns perfis. Segundo alguns usuários,

sites como Manhunt e Gaydar perdem público por representarem um estereótipo

que não existe. “Esses carinhas juntos abraçados no Gaydar coloca o gay como

normal, como se pudéssemos abraçar no meio da rua normal. Acho isso meio

fake”. “Esses caras lindos das aberturas dos sites, nunca vamos encontrar isso

lá dentro. O Gaydar tem muito disso.”

Ao mesmo tempo, outros usuários elogiam a home dos dois sites como

uma bela amostra do que pode e deve ser desejável.

“É legal ver esses caras ali. Meu irmão quer ver a Sheila Carvalho na

Playboy, eu quero ver o gatão na capa do Manhunt.”.

Muitos músculos e muitos pêlos: BigMuscle.com e Bearwww

Figura 81: página de abertura do site BigMuscle.com

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Figura 82: página de abertura do site Bearwww.com

Os sites BigMuscle e Bearwww são o quarto e o quinto sites mais

mencionados pelos usuários da internet. Curiosamente, os dois parecem

pertencer a extremos opostos da cultura gay masculina, porém ambos estão

muito próximos quando se pensa em quantas vezes foram mencionados por

usuários e não usuários. Os sites bears foram bastante mencionados por

pessoas que não se identificam com o grupo.

BigMuscle

O BigMuscle não possui um design semelhante à maioria das páginas

voltadas para bodybuilders ou jocks47, com uma página branca ilustrada por um

cabeçalho com uma referência sutil do propósito do site, um torso nu e o nome

do site em uma fonte razoavelmente grande. Vermelho e laranja são as cores

utilizadas no cabeçalho e em alguns grafismos, mas, na verdade, o que chama

atenção são as fotos dos usuários que estão constantemente em refresh na

home do site. Quanto às formas de utilização, o BigMuscle é um dos mais

elogiados pelos usuários, por conta de seus concursos de beleza internos, pela

possibilidade de traçar um itinerário de viagens que o usuário irá fazer como

forma de alertar outros usuários desses locais para isso, além de possuir acesso

ilimitado ao seu conteúdo, inclusive para quem não tem perfil no site.

Qual a razão da popularidade do BigMuscle? Segundo quem utiliza o site,

na rede Muscle.com, você encontra o que está procurando, sem demora e de

forma razoavelmente fácil. “No BigMuscle e no BigMuscleBear, você só vê

sarado ou parrudo, não tem nhê nhê nhê. Enganação, é fácil. Se você tem tesão

47 Bodybuilder e jocks são gírias para fisiculturistas e atletas respectivamente.

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em fortão, lá é o seu lugar, já no Disponível, no Gaydar, você tem que ficar

peneirando. É mais chato.”.

Bearwww

Uma das conseqüências dessa popularização da internet como

ferramenta de busca de parceiros para homossexuais masculinos é justamente a

criação de segmentos específicos de sites, ou seja, páginas que atendem à

grande especificidade cultural e subjetiva existente dentro da cultura gay, como é

o caso das páginas bear, proporcionando a proliferação de suas diferentes

linguagens visuais, que são bastante marcantes e diversas dentro do mesmo

universo.

Citado e conhecido por “usuários bear e não bear”, o site Bearwww é

extremamente popular no meio “ursino”. Considerado um “Disponível dos ursos”,

o site possui um design que em muito se assemelha ao restante das páginas

bear existentes na rede. Ele utiliza tons de marrom e símbolos bem associados

ao movimento urso, como as pegadas e as marcas de unhas, além de algumas

imagens de homens com barba e muitos pêlos no corpo, com detalhes de um

torso desnudo em um dos cantos. Quanto à navegação, é um site bastante

completo: possui algumas opções de filtros e uma limitada liberdade a usuários

não cadastrados que desejam visualizar perfis, vetando apenas fotografias que

mostrem os genitais dos usuários. O site também promove concursos de beleza

internos e possui uma loja que vende produtos ligados ao movimento urso:

bandeiras, pins, cordões e vídeos de conteúdo adulto com a temática bear.

Porque o site é o escolhido entre outros que são tão semelhantes a ele?

Alguns usuários especulam que ele é um dos primeiros e mais longevos sites

bears que existem e, portanto, tem muitos perfis, é popular e por alguma razão

bastante freqüentando por brasileiros, uma vez que não existem sites bears

nacionais. “Para mim, que sou urso, o melhor é o Bearwww. Tem variedade,

muitos brasileiros e não é complicado.”

Por outro lado, a quantidade de estrangeiros no site é bem vista pelos

brasileiros, por uma razão interessante: muitos visitam o Brasil e muitos dos

usuários fazem potenciais contatos fora do país, que podem vir a se concretizar

em alguma viagem de trabalho ou lazer. “No Bearww, já conheci um australiano

lindo que veio para cá e sai com vários argentinos lá em Buenos Aires. É um

excelente canal para conhecer gente de fora.”

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3.5. Mais algumas constatações interessantes acerca da rede

Ao fazer a seleção dos sites mais citados pelos entrevistados, uma coisa

me chamou a atenção apesar de toda a fala própria sobre os estereótipos, o que

se espera ver nos sites e como deve ser a sua navegabilidade, suas cores, sua

linguagem visual, que imagens usar e como os modelos devem ser retratados: o

site mais elogiado e utilizado é justamente o mais freqüentado por outras razões

que vão além do design da página e estão um pouco além do alcance de

qualquer projetista. Quem os freqüenta e sua popularidade no meio

homossexual masculino, além da quantidade de pessoas que os freqüentam,

são os mantenedores do sucesso do “campeão” Disponível.com.

Em outros casos, o design dos sites parece fazer a diferença para

alguns, como no elogiado Gaydar, citado por muitos rapazes por ser uma das

mais versáteis, completas e detalhadas ferramentas para buscar um parceiro,

sendo sinônimo de bom gosto para alguns, porém de restrição para outros que,

por sua vez, consideram seus filtros de busca internos tão complexos que

chegariam a ser limitadores.

Outros fatores além do design também são decisivos na escolha de qual

site freqüentar ou procurar. Como a internet vem crescentemente sendo utilizada

como ponto de encontro e meio de comunicação entre as diversas culturas da

homossexualidade masculina, o ponto decisivo na escolha do site está no objeto

da procura. Se essa procura for pontuada, e o usuário tiver em mente que as

palavras chave são bear ou ursos, já existe uma limitação imposta a todos os

outros sites não bear, e a existência desses sub-segmentos na rede é apenas

uma das conseqüências da popularização dos sites gays. A criação de

segmentos específicos de páginas que atendem à grande especificidade cultural

e subjetiva existente dentro da cultura gay, proporciona a proliferação de suas

diferentes linguagens visuais, que são bastante marcantes e diversas dentro

desse mesmo universo.

Por outro lado, é importante lembrar-se do principal motivo da procura

pelos sites de busca segundo os entrevistados, que seria a obtenção de

encontros para o sexo casual, o que dá todo um sentido à linguagem visual

utilizada na maioria das páginas, que mostram em suas homes corpos nus ou

poses que insinuam algum tipo de atividade sexual. Entretanto, é válido lembrar

que esse estereótipo tão ligado ao sexo funciona como uma espécie de

sinalização para o propósito daqueles espaços, e que seus usuários – em suas

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buscas online – têm uma preocupação real sobre o conteúdo dos sites e se eles

vão atender de forma rápida e eficaz aos seus desejos.

Existe outro fator que torna a rede ainda mais interessante e curiosa: seu

aspecto flutuante na vida de muitos usuários e não usuários. Não é nada

incomum ver casais desfazendo seus perfis no Orkut e fechando todas as contas

nos sites de “pegação” na internet. Entretanto, quando o casal se dissolve, as

partes voltam a fazer parte do “mundo do tudo pode”, quase que imediatamente

em alguns casos, seja reabrindo os perfis ou reatando contatos com antigos

conhecidos que só faziam parte desse universo.

Portanto, o “mundo do tudo pode” e o “mundo real” dos relacionamentos,

mostram-se concomitantes, porém, incompatíveis muitas vezes. Essa

observação aplica-se também à validação dos estereótipos, considerados pelos

usuários como indispensáveis no caso do mundo virtual, em função da clareza e

do apelo erótico que proporcionam, mas considerados, também, como

indesejáveis ou incompatíveis com o “mundo real”. Essa indesejabilidade e/ou

incompatibilidade do estereótipo com o “mundo real” constituiu o principal foco

da análise final do material coletado por esta pesquisa.

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