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Comentários à Consulta Pública PROJETO DE RESOLUÇÃO DA CÂMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA – CGE “Medidas adicionais de redução do consumo de energia elétrica necessárias à manutenção do armazenamento mínimo de segurança dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional” Luiz Maurer (*) Gostaria iniciamente de parabenizar a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica pela disponibilização de Minuta de Resolução sobre o assunto em pauta, permitindo assim que os diversos atores teçam seus comentários e contribuições, dentro do espírito de ampla comunicação e participação que tem norteado as ações desta Câmara. A Câmara é merecedora também de aplauso pela forma como vem administrando a crise do racionamento, desde os primeiros momentos de sua existência. Ao início de maio de 2001, esta Câmara foi incumbida da hercúlea tarefa de desenhar e implementar, em um prazo recorde, um plano consistente e eficaz para gerenciar uma crise de energia de magnitude e escopo sem precedentes.

Sugestoes Lm Plano B 26 Julho 2001

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Sugetoes para o Plano B de Racionamento de Energia

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Page 1: Sugestoes Lm Plano B 26 Julho 2001

Comentários à Consulta Pública

PROJETO DE RESOLUÇÃO DA CÂMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA – CGE

“Medidas adicionais de redução do consumo de energia elétrica necessárias à manutenção do armazenamento mínimo de segurança dos

reservatórios do Sistema Interligado Nacional”

Luiz Maurer (*)

Gostaria iniciamente de parabenizar a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica pela disponibilização de Minuta de Resolução sobre o assunto em pauta, permitindo assim que os diversos atores teçam seus comentários e contribuições, dentro do espírito de ampla comunicação e participação que tem norteado as ações desta Câmara.

A Câmara é merecedora também de aplauso pela forma como vem administrando a crise do racionamento, desde os primeiros momentos de sua existência. Ao início de maio de 2001, esta Câmara foi incumbida da hercúlea tarefa de desenhar e implementar, em um prazo recorde, um plano consistente e eficaz para gerenciar uma crise de energia de magnitude e escopo sem precedentes.

Logo ao assumir esta incumbência, a Câmara se deparou com o difícil dilema de decidir como iria implementar um programa mandatório de redução de carga. De um lado, havia uma forte pressão, principalmente por parte das empresas distribuidoras, para que este racionamento fosse feito por meio dos “apagões”. De outro lado, órgãos governamentais tais como a ANEEL recomendavam a utilização do sistema de quotas, já empregado no Brasil em racionamentos anteriores, durante a década de 80. Um universo mais reduzido de atores, como ANP e Abraceel, recomendava com ênfase o uso de cotas atreladas ao sinal econômico, este se possível vinculado ao preço da energia do Mercado Atacadista de Energia (MAE). Grandes consumidores, cuja posição foi verbalizada por meio da Abrace, subsequentemente aderiram à linha de

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pensamento da quota com sinal econômico, por dar ao consumidor a opção de escolha quanto ao gerenciamento da redução de consumo.

A Câmara de Gestão enfrentou este dilema com prontidão e eficácia, decretando um plano de racionamento baseado em cotas, atreladas a sinais econômicos (bônus e penalidades). Em consequência, caberia ao “consumidor”, e não ao governo, a escolha e palavra final quanto a como e quando realizar seus cortes de carga, ao invés de um mecanismo impositivo de “apagões”. Obviamente, em qualquer alternativa, dever-se-ia respeitar a realidade física do sistema hidráulico. Evitou-se assim um “melancólico caos urbano”, bem como minimizou-se o impacto na economia. Isto soa bastante intuitivo, considerando a elasticidade da demanda e a ampla gama de “disposições em pagar” pela energia elétrica, variando entre R$ 200/MWh a R$ 13.000/MWh. O “apagão” seria uma medida que não permitiria uma alocação adequada do recurso escasso. Alguns renomados economistas brasileiros chegaram a admitir que um “apagão” poderia representar uma redução do PIB duas vezes superior àquela que seria obtida mediante os sinais econômicos que estavam naquele momento sendo implementados.

O desenho detalhado das penalidades e incentivos levou em conta a proteção aos segmentos de baixa renda, bem como criou um interessante mercado secundário de quotas, para corrigir algumas imperfeições que uma alocação administrativa ensejava. Foram necessários alguns ajustes finos ao longo do processo, visando dar mais robustez jurídica ao plano. O plano hoje em vigência guarda a maior parte das características de seu desenho original, sendo fortemente calcado em sinais econômicos como instrumentos de gerenciamento de consumo, a nível do consumidor final. Sobrepondo-se a esta estrutura, houve um programa maciço e honesto de comunicação e esclarecimento, alertando a população quanto à gravidade da crise.

A combinação de sinais econômicos e percepção de crise foi um ingrediente fundamental para o êxito do plano. Embora seja ainda cedo para um verecdito a este respeito, as cifras apresentadas, as quais refletem a redução verificada do consumo nos primeiros 30 dias de racionamento, foram bastante alvissareiras. A redução de carga superou as expectativas e os níveis dos

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reservatórios, embora ainda críticos, se encontram acima das metas inicialmente traçadas. A resposta da população demonstrou-se rápida e à altura.

A despeito deste êxito inicial, é prudente que a Câmara de Gestão disponha de mecanismos adicionais para gerenciar com vigor, um programa de redução compulsório de demanda mais severo do que aquele implícito nas metas originalmente traçadas (20%). Isto porque há ainda muitas incertezas e variáveis fora de controle, relativas à resposta dos consumidores por um período prolongado, as afluências e as temperaturas esperadas, as datas de início da estação chuvosa e sua intensidade. Assim sendo, é oportuno que o Governo disponha de um ferramental ágil e que possa ser aplicado rapida e eficazmente. A Consulta Pública ora sendo realizada, a qual delinea um assim chamado “Plano B”, alinha-se perfeitamente a este objetivo.

Entretanto, causa certa espécie que o “Plano B”, como será doravante referido, negligencia quase que por completo os sinais econômicos, os quais foram uma pedra basilar de todas as ações até agora implementadas, e que, repita-se, lograram êxito. O “Plano B” é basicamente um programa voltado ao corte mandatório de carga realizado segundo uma abordagem de “comando e controle”, com pouquíssimas opções ao consumidor para poder gerenciar seu consumo.

Sem dúvida, é importante que existam elementos em um plano contingencial que contemplem a redução forçada de carga, caso os incentivos econômicos, hoje aplicados “na margem” não se mostrem suficientes. Os apagões fazem também em um cenário em que seja necessária a redução no consumo de ponta, causada pela perda de potência das usinas hidrelétricas, fenônemo este que pode ser agravar à medida que os reservatórios são deprecionados. Os sinais econômicos perderiam muito de sua eficácia no gerenciamento da curva de carga, haja vista as limitações intrínsecas na medição horária. Esta é uma das razões pela qual a Califórnia optou pelo sistema de “rolling black-outs”. Entretanto, a redução forçada de carga deve ser vista como último recurso, mesmo dentro do arcabouço do assim chamado “Plano B”.

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Desta forma, fica registrada a sugestão para que o Governo resgate e acrescente sinais econômicos também ao “Plano B”, os quais seriam usados se as metas de redução de carga necessitassem ser ampliadas. O sinal mais evidente (e eficaz) seria o de reduzir a cota ao novo valor alvo de racionamento, fazendo com que os incentivos e penalidades econômicos fossem ajustados a este novo patamar. Sua implementação seria imediata e coerente com os preceitos enunciados no lançamento, em junho, do atual programa de racionamento. Outra medida seria a de rever o “custo de déficit”, o qual representa hoje, em termos econômicos, a “disposição em pagar” pela “média”dos consumidores, e que está em um patamar de R$ 684/MWh. Este é o atual preço do MAE, conforme preceitua o modelo de formação de preços no mercado atacadista. Há fortes suspeitas de que este valor está subestimado e que provavelmente não está capturando o verdadeiro custo do escasso recurso MWh. Recente Audiência Pública lançada pela ANEEL (AP 02/2001) sugere um custo de déficit significativamente superior, podendo ultrapassar R$ 2300/MWh. Faria todo o sentido portanto elevar “custo do déficit” para que ele pudesse capturar o custo real do MWh, sob condições de crescente escassez, ajustando-se os sobre-preços de energia para aqueles consumidores que excederem suas quotas. Estas duas medidas teriam impacto imediato nos preços da energia elétrica no atacado e no varejo, conduzindo a um consumo racional.

O uso dos sinais de mercado, além de ser medida alinhada ao modelo inicialmente implementado e que vem funcionando, teria a vantagem adicional de dar uma mensagem coerente aos diversos agentes no sentido de ampliar suas opções de conservação e de oferta. O “Plano B”, tal como está colocado, pode ter um efeito não desejado de desencorajar decisões racionais de contratação e investimento, haja vista que o retorno econômico destas decisões poderia ser frustrado pela mudança de rumo na condução do programa de racionamento. Este é um argumento adicional para que o “Plano B” incorpore sinais de mercado, ao invés de negligenciá-los por completo.

Acredito que estas contribuições podem ajudar a Câmara a delinear um “Plano B” mais coerente, alinhado aos princípios basilares implementados ao início do racionamento, os quais foram merecedores de aplauso e suporte.

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(*) Ex-Presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica). Ex-Consultor Gerente do Projeto RE-SEB/MME. As opiniões aqui expressas são do autor, não refletindo necessariamente a visão dos agentes aos quais o autor esteve ou está afiliado.