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PENTAGRAMA SUMÁRIO 2 DE QUE SERVE ISSO? 4 DO TESOURO DE HERMES (I) 5 VIDA SEM CONFLITO 10 DO CAMPO DE TRABALHO... 22 DO TESOURO DE HERMES (II) 23 A FORÇA DA GNOSIS 25 UM LUGAR NA ÁFRICA 33 A REVELAÇÃO DA MISTERIOSA SABEDORIA 37 DO TESOURO DE HERMES (III) 38 COMO UMA CRIANÇA QUE DÁ SEUS PRIMEIROS PASSO S ANO 29 NÚMERO 2 ABRIL 2007 Foto da capa: Representação feita por computador de modelos de energia formados pelas colisões entre as ondas do oceano e as contra-correntes dos turbilhões. “Algumas pessoas subiram essas montanhas”, disse Sabedoria. “Elas venceram uma a uma essas rochas áridas e, vagueando nas alturas, algumas delas conseguiram encontrar e recolher uma pluma branca, prateada, caída da asa da Verdade”. E o ancião, levantando-se profeticamente e apontando o dedo para o céu, continuou: “E sucederá que esses homens ajuntarão muitas plumas prateadas e farão uma corda e com ela tecerão uma rede a fim de capturar nela a Verdade. Apenas a Verdade pode conter a Verdade”. O live Schreiner, Een plaats in África (Um lugar na África), 1883.

PENTAGRAMA · anos seguintes o ano do Homem. O ... sobre o mundo e a ... Diferentes forças e disposições no micro-cosmo atuam em comum acordo:

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PENTAGRAMA

SUMÁRIO

2 DE QUE SERVE ISSO?

4 DO TESOURO DE

HERMES (I)

5 VIDA SEM CONFLITO

10 DO CAMPO DE

TRABALHO...

22 DO TESOURO DE

HERMES (II)

23 A FORÇA DA GNOSIS

25 UM LUGAR NA ÁFRICA

33 A REVELAÇÃO DA

MISTERIOSA SABEDORIA

37 DO TESOURO DE

HERMES (III)

38 COMO UMA CRIANÇA

QUE DÁ SEUS PRIMEIROS

PASSOS

ANO 29 NÚMERO 2ABRIL 2007

Foto da capa:

Representação feita por computador

de modelos de energia formados

pelas colisões entre as ondas

do oceano e as contra-correntes

dos turbilhões.

“Algumas pessoas subiram essas montanhas”,

disse Sabedoria. “Elas venceram uma a uma essas

rochas áridas e, vagueando nas alturas, algumas

delas conseguiram encontrar e recolher uma pluma

branca, prateada, caída da asa da Verdade”. E o

ancião, levantando-se profeticamente e apontando

o dedo para o céu, continuou: “E sucederá que

esses homens ajuntarão muitas plumas prateadas e

farão uma corda e com ela tecerão uma rede a fim

de capturar nela a Verdade. Apenas a Verdade pode

conter a Verdade”.

Olive Schreiner, Een plaats in África(Um lugar na África), 1883.

A cada novo ano fazemo-nos essa pergunta,de uma maneira ou de outra. A mídia tam-bém se preocupa com isso, e também nós fre-qüentemente desejamos dar uma olhadinhanas previsões, sem deixarmos nada ao acaso.Quando não podemos ter uma influênciadireta sobre algo, pelo menos fazemos “votos”em forma de belos cartões impressos de ante-mão, com fórmulas calorosas ou comedidas;e com nossos “melhores pensamentos” impor-tunamos os Senhores do Destino para que semostrem mais clementes com a humanidade.

sso é simplesmente inútil. Ninguémmelhora com isso, e nossos votos sãoarmas descarregadas que fazem muitobarulho e agitam o ar por nada. Porémeles estão cheios de boas intenções.Onde está o erro? Não se fala tanto so-bre a magia da palavra, sobre a forçados pensamentos?

Todavia serão esses pensamentosverdadeiramente positivos? Uma ra-diografia imparcial de nossa personali-dade com freqüência mostra que faze-mos votos benévolos mesclados de ma-levolência, que nossa simpatia é acom-panhada pela antipatia, nosso amor,pelo ódio, nossa filantropia, pelo egoís-mo. Cada sentimento pressupõe o seucontrário. Nós, seres humanos, não pa-ramos de ir e vir, de construir e demo-lir. Se nosso espírito é de uma grande-

za inimaginável, é também limitado ede uma pequenez estupeficante. Ele écomo um balão à deriva, arrastadopelo menor sopro do destino. Quem,nessa base, espera desejar algo, e paraquem?

Estamos agora em 2007. O que nostrouxeram o ano de 2006 e os prece-dentes? Essa é uma pergunta intrigan-te, mas, um ano deve nos trazer algu-ma coisa? Talvez não seja essa a per-gunta a ser feita, mas sim: o que nósoferecemos em todos esses anos? E oque temos para oferecer em 2007 e nosanos que virão? Para tornar efetivosemelhante pensamento seria necessá-rio mudar totalmente as regras dojogo: por exemplo, parar de desejar, deesperar, de prever – ou de consultar osvidentes. Nós fazemos o futuro agora.Ou melhor, vivenciamos o futuro coma bagagem do passado. Aqui e agora.Agora devemos responder e parar defazer perguntas.

Isso deve ser feito unicamente em2007? Certamente que não. Esta dataem si não é importante. É agora que épreciso fazer. Contudo, 2+7=9, o nú-mero do homem, por conseguinteproclamamos 2007 com os demaisanos seguintes o ano do Homem. OHomem com letra maiúscula, queatravés das nuvens percebeu o clarãode uma nova luz. Seria isso o renasci-mento que se anuncia de maneira irre-futável se tão-somente quisermos ver

2

De que serve isso?

I

os sinais de uma nova “Hora est”,chegou a hora? Quem poderá dizer?É dito: “Colhemos o que semeamos”,e isso significa que tudo que colhe-mos foi semeado por nós mesmos, oque nem sempre é agradável. Essa éuma verificação desconcertante quepode revelar-se libertadora e mudarnossa visão sobre a vida, sobre o des-tino e sobre nós mesmos.

Devemos dar à nossa personalida-de, por mais forte que ela seja em to-das as suas pequenas particularidades,o lugar que lhe cabe: ser tão-somenteuma servidora em segundo plano, poisseu lugar é a terra. O que realmenteimporta é o Outro em nós, o portadorde luz. Com ele somos filhos da luz,capazes de espalhar a luz sobre o mun-do, que segue curvado sob a ignorân-cia e o medo. Não à custa de belas pa-lavras ou de atos de heroísmo, mascom a nova inspiração de nosso pen-sar e desejar, cheios de uma luz quenão tem sombra.

Será que com isso conseguimosmelhorar o mundo? Neste mundonunca faltaram reformadores. Deixe-mos o mundo como ele é, pois ele fazo seu trabalho. Quanto a nós, faça-mos nosso trabalho, sem nos pergun-tar se somos ou não capazes nem qualserá o resultado, sem recair em visõesfuturistas. Devemos simplesmente es-tar presentes, aconteça o que aconte-cer, munidos de otimismo realista,

mesmo através de nossas lágrimas, po-rém preenchidos da alegria infalível deservir a nova Luz. Bem-vindos ao nos-so ano de 2007!

“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossasboas obras e glorifiquem o vosso Pai queestá nos céus”. (Mateus 5:16) A linguagemaqui é clara, dinâmica e direta [...] Deixai vossa luz brilhar! Quando e onde?No mundo das trevas para o homem quenecessita luz. Dai testemunho da existên-cia de Deus por ações num mundo onde existe a necessidade de construção, ondevossas ações espontâneas são prementes.Podeis deixar vossa luz brilhar? [...] soiscapazes de empreender essa tarefa. Nãoesperamos a paz para amanhã, criamos anova manhã. Nossa luz brilha nas trevas.[...] erguemos nossa cabeça e sorrimos, poisvemos a luz que vibra tão irresistivelmen-te dentro de nós, sobre o mundo e a humanidade, e criamos a manhã, proferindo estas radiantes e ígneas palavras: ‘Novo Sol, desponta!’E o Novo Sol desponta; ele ascende no firmamento. Nós nos unimos de modoque, através de nossas obras e nosso empenho radiante, os homens glorifiquemo Pai que está nos céus”.

Rijckenborgh, J. v., A luz do mundo. São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1984.

3

Do tesouro de Hermes (I)

Hino do muito excelso Hermes

ao Todo-poderoso

Guardião de olho ardente do fogo eterno,que vivifica as correntes do éter,fortaleces o calor do sol,afastas as nuvens através de uma grandetempestade,para quem não há nome.

Eu te conheço como olho eterno, imperecível,onisciente e terrível,pai do Universo, Deus único,em cuja origem não há nada nem ninguém.

Depois de ti eu venero teu filho unigênito,eterno, de ti nascido,pela força penetrante e indizívelde teu espírito e de tua voz,engendrado no mesmo instante, sem inveja nem paixão,teu Logos autocriado.

Ele é Deus, a essência oriunda de tua essência, de ti, Pai,a imagem imutável e completamente igual,espelho de tua beleza,ele está em ti, e tu nele,um semblante que gera alegria mútua.

FONTE:

Broek, R. v. de, Hermes Trismegistus, Inleiding,

Teksten, Comentaren. Amsterdã: De Pelikan,

2006, p. 8.

4

Uma vida sem conflito!A idéia é simples.Talvez, com um sacudir de ombro, digamos:“Ah, existe um pequeno conflito de tempos em tempos;a vida é assim mesmo, mas você não deve dar tanta importância a isso”.

o mito bíblico da criação, a quedado homem começou com um conflito,mediante o comer do fruto de umaárvore misteriosa simbolizando a dis-córdia, a divisão e o conflito. Comerdesse fruto significa dar ouvidos às“sugestões da serpente”, o que deuinício a esta vida transitória. Referi-mo-nos aqui a um tempo bastante re-moto, mas que dura até hoje. O con-flito vem sendo nosso quinhão coti-diano, hoje, amanhã e depois de ama-nhã... a menos que um clarão de luci-dez nos desperte.

Dia após dia comemos do fruto daárvore das forças contrárias: os impul-sos negativos e positivos. E não podeser de outra forma, pois fomos criadosatravés desses impulsos.

Nossos pensamentos e sentimentosestão sujeitos à escolha que incessan-temente somos forçados a fazer entreo bem e o mal, a favor ou contra, sim-patia e antipatia, entre o meu parecer eo parecer do outro; a árvore da discór-dia oferece-nos uma variedade infinitade frutos. Mas a epopéia humana co-meçou no mesmo instante em que ohomem comeu o primeiro fruto. De-pois disso, os outros frutos passaram ater o mesmo sabor e o mesmo efeito.

O fato de comer esse primeiro fru-to implica, ainda e sempre, na negaçãoda unidade divina, na negação da ple-nitude original, do estado paradisíaco,afastando-nos do sagrado, do univer-sal, da Luz.

Conhecemos a imagem da serpenteque se enrola em torno da árvore. Elarepresenta a força espinal da consciên-cia. Spina significa “espinha dorsal”,portanto “espinha”, as saliências dasvértebras dorsais. A energia espinal en-rola-se como uma serpente ao redorda coluna vertebral e manifesta-se nacabeça como faculdade mental, comorazão.

A razão, a faculdade mental, semeiaa dúvida e a discórdia. Ela divide. Elaengendra conflitos e discriminaçõescontínuos. Como todos os povos daterra, diariamente fazemos essa expe-riência. Mas o fazemos principalmen-te em nós mesmos, pois o conflito seenraíza em nós enquanto voltamos nos-so olhar para o exterior e apontamos odedo para os outros, persuadidos deque eles são a causa dos conflitos.

Contudo, a causa encontra-se emnós mesmos, pelo fato de o equilíbriooriginal do microcosmo ter sido per-turbado.

O desenvolvimento do autoconhe-cimento e da compreensão das coisas éda mais alta importância, e o primeiropasso para a libertação é a liberdade.

Certamente, a causa de uma dissen-são pode provir de fora, porém se elanão se apoderar de nosso mental, seela não suscitar nenhum eco, o confli-to não será possível. É a um microcos-mo desamparado que devemos nossavida plena de mágoas, de rupturas. Por

Vida sem conflito

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N

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conseguinte, a possibilidade de anular essesofrimento encontra-se em nós mesmos. Apersonalidade é parte integrante do micro-cosmo e tem uma tarefa essencial a cumprir.A palavra “cosmo” significa ordem, aglome-rado de vários elementos segundo um plano.Diferentes forças e disposições no micro-cosmo atuam em comum acordo: unidadena diversidade e diversidade na unidade.Uma intuição bastante sutil é a chave, o ins-trumento que permite reconciliar os farra-pos de nossa existência.

Unidade na diversidade e diversidade na unidade

Nosso microcosmo, ou “pequeno cos-mo”, é um sistema que comporta forças etendências, esferas de consciência e corpo.Na origem, ele existia em perfeita harmonia,porém o equilíbrio foi rompido. Na lingua-gem simbólica do sábio ensinamento bíblicoesse fato é mencionado por meio de umaimagem: comer o fruto da árvore do bem edo mal. A ordem divina, o puro fogo alquí-mico da consciência do sal, do enxofre e domercúrio, foi perturbada pela serpente comlíngua bifurcada, os dois cordões do DNAcom os pares de nucleotídeos ATGC; elarompeu a unidade, a plenitude do amor. Aárvore paradisíaca do conhecimento do beme do mal transformou-se na árvore da dis-córdia da qual diariamente comemos os fru-tos. Por que é assim?

O conflito consiste em confrontos, dis-sensões, choques nos planos mental, psíqui-co e físico. Ora, enquanto não resolvermosos conflitos primeiro em nós mesmos éimpossível viver em paz com os outros.

“Ama a Deus, a ordem universal, acimade tudo, e a teu próximo como a ti mesmo.”É isso ainda uma tarefa impossível, ou senti-mos nessas palavras o pulsar do coração davida? Nesse nível, amar a si mesmo significaviver sem conflito consigo, procurando, emprofunda aspiração e em total devoção, aordem divina. Do contrário, entraremos

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Olhamos sempre para fora

e apontamos para os outros.

Estamos sempre convencidos de

que a causa do conflito está no

outro. Mas a causa está em nós

pelo fato de o microcosmo ter sido

perturbado. O desenvolvimento do

autoconhecimento e do

discernimento mediante a

personalidade é muito importante.

É o primeiro passo para

uma vida livre e libertadora.

sempre em conflito com os outros.A árvore das forças opostas não é um

mito antediluviano e obsoleto. Ela está erigi-da em nós mesmos desde a noite dos tem-pos, e nós a personificamos. Os conflitos ediscórdias assaltam nosso coração, mono-polizam nosso cérebro e nos acossam semdescanso, condicionando nossos atos. Quan-tas vezes num dia, numa hora, num minuto,não dizemos sim ou não, não tomamos umaposição a favor ou contra? E isso em nossasrelações com os outros, com a família, comnossos colegas, com as situações em nossotrabalho, com a conjuntura mundial ou como tempo! Todos os nossos conflitos nosocupam intensamente, estimulam nossossentimentos, nossas emoções, e alimentamum interminável monólogo interior. Esta-mos sempre julgando, sem mesmo ter cons-ciência disso. O medo, a pior tortura daexistência, provém do conflito original quenos separou por completo interiormente daordem divina.

O medo, a dúvida e a incerteza são as ver-dadeiras causas de cada conflito, camufladoou não, de agressividade, provocação ouhostilidade. Isso sem falar da luta entre nos-so mental e nosso coração, entre nossos pen-samentos e nossos sentimentos.

Sentimos a discórdia até a medula dosossos, ela impregna nosso sangue, nossocampo de respiração e os diversos estratosdo microcosmo. A ordem divina foi pertur-bada. Essa é a nota fundamental de nossa vi-da, que ressoa no imo de nosso ser, e não emalgum lugar fora de nós, embora a ocasiãofreqüentemente venha de fora. O conflito éuma atividade que emana do mais profundode nosso ser como sentimento de ruptura,de dilaceração. Ora, o sentimento sempreprocede de nós.“Ama a Deus acima de tudo e a teu próximocomo a ti mesmo”.

Sentimos que essa injunção é uma chave,mas como servir-nos dela? Amar a Deus, aordem original e universal de todas as coisas,acima de tudo, ou seja: “Eleva-te até o divi-

no, une tua alma a Deus, à sua infinita eincomensurável força, fonte de amor, sabe-doria e força”. O amor é ordem, unidade,cooperação e coexistência. Nossa razãojamais poderá compreender isso, pois elanão se expressa nesse plano. A sabedoria éunidade e ordem que se manifestam naforça e no Espírito divinos e por meio deles.Quanto ao amor divino que tudo engloba,ele é tudo em um.

Às vezes é possível ver a superfície de umlago como um espelho imóvel. Se umapedra é atirada ou uma gota de chuva toca aágua, a partir do ponto de impacto formam-se círculos concêntricos perfeitos que vão sealargando. E se a alguma distância outraspedras ou outras gotas caírem, o que vere-mos? Veremos outros círculos expandirem-se na superfície da água a partir do ponto decontato. Em seguida, todos esses círculos seencontrarão e interpenetrarão. Disso resul-tará um magnífico emaranhado, uma arqui-tetura movente de ondulações que se entre-cruzam, apresentando um espetáculo fasci-nante. Enquanto apenas três ou quatro cír-culos se sobrepõem, conseguimos seguirseu movimento. Mas, quando acontecemdezenas de impactos sobre a água, nossoesforço de atenção é inútil e podemos tão-somente entregar-nos à beleza das formasque deslizam na superfície. O que à primei-ra vista pode assemelhar-se a um campo decolisões caóticas revela-se um conjunto har-monioso de movimentos. Pode-se dizer queum consenso foi atingido, uma conciliaçãonascida de uma ordem interior. Um consen-so marca o fim do conflito. Uma vez instau-rado em nosso próprio sistema microcós-mico, o consenso estende-se às nossas rela-ções com os outros, com todos que se esfor-çam para avançar no caminho da verdade.

Temos muito a aprender com a água sesoubermos olhá-la bem de perto. O padrãode interferências pode deixar-se decifrar.Uma interferência provém do encontro dedois movimentos simultâneos que se opõemou se reforçam. A água é um elemento ex-

traordinário. Lao Tsé também fala sobre aágua no Tao Te King. A Doutrina Universalfaz referência à água enquanto símbolo decura. Beber da água da vida é o meio de che-gar a um estado de consciência superior, epelo fato de a consciência ser criadora ereveladora, beber da água viva significa ele-var-se a um novo estado de vida.

Estado de consciência é estado de vida

Nesse axioma se encontra uma chavepara a renovação. A transformação da cons-ciência transforma a vida. Quando umanova consciência nasce, aparece uma vidarenovada. A consciência cria, revela, pois elaé energia. Quem não muda sua consciênciacomum manifestará tão-somente uma vidaegocêntrica e rotineira. Se sua consciênciaestiver ainda ligada a eras precedentes e forinfluenciada pelos mecanismos e esquemasde pensamentos da era de Peixes, Áries ouTouro, a vida se expressará em conformida-de com elas. Mas se a consciência se abre àsnovas energias da era de Aquário, nossavida dará testemunho dela, do mesmo mo-do que nossas relações com outras pessoas.

Entendimento, concórdia, comum acor-do, cooperação, abertura, clareza, humilda-de, harmonia de uma ordem restaurada,amor, eis em que consiste o novo espírito deAquário. Isso não é algo para amanhã, maspara agora, imediatamente. Aquário atuapara a formação de uma unidade universalsegundo um novo modelo energético. Isso,porém, necessita do restabelecimento daunidade em nosso microcosmo, na medidaque deixamos atuar em nós o novo “espíri-to do tempo”. A abertura da festa do amoruniversal ressoa aqui e agora.

Voltemos à imagem dos círculos na águaque partem do ponto de impacto. A mesmaimagem simples e surpreendente representao microcosmo renascido para a vida. Há emnosso coração um ponto de contato lumi-noso do qual partem ondas circulares, um

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Contigo, ó portadora da energia vital sagrada,

emergimos do perigo;

contigo entramos na vida libertadora;

contigo atingimos a meta de nosso novo dia

de manifestação.

Contigo singramos através da nova rota da vida;

contigo entramos na luz eterna.

Em tua irradiante luz de amor descobrimos

nossa culpa;

em ti compreendemos nosso fardo de pecados;

em ti se desvenda o grande mistério de nossa

jornada através do deserto;

em tua santidade nossa degeneração

desaparece.

Através de ti encontramos nosso Ser real;

através de ti tornamo-nos cônscios da nossa

ascensão;

através de ti somos impelidos à ação libertadora;

através de ti o alento divino da vida nos sussurra

em cada alento do coração.

Ó rosa que adornas, agora, minha cruz,

apressa-te a reabsorver a luz divina!

Transforma-a em poder libertador

neste escuro vale de espinhos que dilaceram.

Rijckenborgh, J. v., A Fraternidade de Shamballa. São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1982, cap. 3.

ponto central que é a rosa despertada para otoque dos raios de luz provenientes daordem divina, o grande cosmo do amor. Seucampo de manifestação alarga-se em círcu-los, ondas vibratórias de luz que dão formaao microcosmo.

A realidade microcósmica é multidimen-sional. O microcosmo que vive na harmo-nia e na ordem divina aparece como um sis-tema de ondas e de energias circulares quese expandem, permanecendo em contatocom o Ser divino incomensurável. A partirdo momento em que o ponto central setorna ativo, realiza-se uma maravilha no

homem: realiza-se o consenso. A dilacera-ção interior chega ao fim do conflito ime-morial devido às sugestões que a serpentede língua bifurcada sussurra na árvore mis-teriosa. Eis o fim de todos os conflitosexternos. Quando a ordem divina é restabe-lecida em nós e o amor outra vez emana dafonte, então temos amor para todos.

Assim é Aquário. Ama a Deus acima detudo e a teu próximo como a ti mesmo.Então a árvore do bem e do mal torna-se aárvore da verdadeira harmonia, da ordemoriginal e do amor. A árvore da vida é,então, erigida em nós.

10

Quando, em 1924, alguns amigos deraminício ao trabalho que resultaria na fun-dação do Lectorium Rosicrucianum, elesse viram num meio bastante confuso, ondecirculavam fragmentos extremamente di-vergentes da antiga sabedoria. As semen-tes do pensamento hermético estavam alisemeadas, em especial no círculo da Socie-dade Teosófica. Alguns conceitos magnífi-cos e notáveis do antigo ensinamento deHermes encontravam-se disponíveis porescrito, obtidos mediante pesquisas literá-rias ou inspiração. Pode-se dizer que cons-tituíam o esboço de uma filosofia liberta-dora de fato, embora os conceitos gnósticoe hermético fossem pouco acessíveis a umapessoa não preparada.

o antigo círculo da Teosofia, volta-da de preferência para o Oriente, bus-cava-se mestres e adeptos provindosda Índia ou então personalidades ele-vadas à condição de gurus. Essa socie-dade, nos primeiros anos após suafundação na Inglaterra, veiculava, porassim dizer, uma gama inadmissívelde interpretações falsas ou de suges-tões duvidosas. Não se tratava de umtrabalho libertador verdadeiramenteestruturado. Ademais, queria-se des-cartar, com todo conhecimento decausa, os desenvolvimentos interioresdos dois mil anos de cristianismo.Portanto, jogava-se fora o ouro juntocom a areia.

O cristianismo interior, a verdadei-ra “ekklesia” que sempre fora o obje-

tivo dos mensageiros da Luz, teveocasião de se manifestar durante osdois mil anos da era de Peixes. NosEstados Unidos, em 1909, o dinamar-quês Max Heindel foi um dos primei-ros a fazer a ligação entre noções eso-téricas e o ensinamento cristão liber-tador. Na Alemanha, Rudolf Steinerfundava, em 1913, a Sociedade Antro-posófica, oriunda da Teosofia, porémem parte alguma eram encontradas asdoutrinas herméticas e o tão impor-tante conceito de Gnosis para o espí-rito humano.

Os fundadores do Lectorium Rosi-crucianum ligaram-se à obra de MaxHeindel e durante dezesseis anos, atéo início da Segunda Guerra Mundial,buscaram e expuseram visões e con-ceitos da “sabedoria antiga”. Elesestudaram também a obra dos rosa-cruzes do século XVII. Seu ponto departida foi a fórmula “bondade, ver-dade e justiça”, reunindo sobre essesprincípios, desde o início, um grupoativo voltado para o cristianismo inte-rior. No decorrer dos difíceis anosentre 1940 e 1945, eles compreende-ram que não chegariam a parte algu-ma dessa maneira, pois se defronta-vam com um sério problema: enquan-to os conceitos universais que apre-sentavam continuassem ligados àconsciência humana egocêntrica, to-talmente orientada para o instinto deauto-conservação, obteriam os mes-mos resultados que os grupos esotéri-cos do século XIX. Também aqui ossinais característicos seriam superesti-ma pessoal, conduta e críticas exage-radas. A pureza das idéias seria ime-

Do campo de trabalho...

11

N

A tenda-templo em

Ussat-les-Bains,

França.

12

diatamente desnaturada, anulando,assim, os efeitos.

Por conseguinte, a nova atividade,após a guerra, deveria apresentar-sesob um novo sinal. Esse novo sinal éo desenvolvimento de um “novo cen-tro da alma”, com base no puro nú-cleo espiritual do coração.

Um dos pilares mais importantesdo trabalho da Escola Espiritual da Ro-sacruz Áurea é a total neutralizaçãoda atividade do “eu”. Quem sempre per-manece voltado para o “eu”, para sua for-te personalidade, nada tem (ainda) abuscar numa escola espiritual. A “en-dura”, expressão que designa a demo-lição do grande obstáculo representadopela personalidade humana terrestre,exige modéstia e autoconhecimentounidos a um sincero desejo de liberta-ção, de desenvolvimento da alma.

Em meados da década de 50, J. vanRijckenborgh e Catharose de Petri des-velaram a seus alunos o “tesouro dasabedoria hermética”. A intenção eraque, mediante auto-atividade, o gru-po formado participasse do compor-tamento libertador e explicasse a vi-são profunda da antiga sabedoria egíp-cia concernente à ligação entre Deus,o mundo e o homem, mas desta vezsem as idéias formadas pelos homens

deste mundo. Esse também é um dospilares fundamentais do ensinamentodo Lectorium Rosicrucianum. É umagrande alegria quando se experimen-tam interiormente as primeiras radia-ções da verdadeira alma: “Deus é Luz!”Um aluno de Hermes é o primeiroque pode endossar essa sentença co-mo verdadeira.

Se, no foco da Escola Espiritual daRosacruz Áurea, cada membro devo-tar-se a essa tarefa conscientemente, aolongo do tempo surgirá um novo tipohumano, podendo-se então falar “deuma poderosa e nova atividade mun-dial da Fraternidade”. Os membrosda comunidade dispõem de energia ecapacidade para, de maneira nova eatual, apresentar a verdade imutávelda Doutrina Universal, sem fazer usodas belas palavras libertadoras de inú-meros escritos da literatura mundial.Se tudo estiver bem, a fraternidade, aunidade das almas, transparecerá emtudo o que empreenderem. A força li-bertadora da doutrina de Hermes ma-nifestar-se-á em tranqüilidade e certe-za. E os resultados não se farão esperar.

O ano de 2006 deu, quanto a isso,exemplos notáveis. Em Camarões, naÁfrica, foi construído um novo com-plexo templário. Novos Núcleos re-

À esquerda:

simpósio em

Birnbach.

À direita: o Núcleo

de Singen.

gionais e nacionais foram consagra-dos; foram organizados simpósios evárias conferências; livros foram edi-tados. Em setembro, 2500 alunos vin-dos de mais de 40 países passaram al-guns dias no Vale do Ariège, no sul daFrança, por ocasião de uma Confe-rência de Renovação, abençoada pelaunião de três grandes impulsos doOcidente: o Santo Graal, a Igreja doAmor (o catarismo) e a Igreja Ígneados Rosacruzes.

Daremos, a seguir, um pequeno es-boço dessas atividades.

Belgrado, Sérvia

Em 14 de janeiro foi consagrado,na Rozenstraat, rua de um quartei-rão tranqüilo de Belgrado, um núcleomaior onde agora é possível organizarconferências. No primeiro andar des-se edifício independente foi construí-do um local de trabalho com aproxi-madamente 180m2; no andar superiorse encontra o templo com capacidadepara 45 pessoas.

Singen, Alemanha do Sul

Um local de trabalho foi consagra-do após três anos de obras. O Núcleo,

ao qual pertencem aproximadamente40 alunos, encontra-se entre o lago deConstance e a Floresta Negra.

Simpósio em Birnbach, Alemanha Ocidental

Em 18 de junho foi realizado noCentro de Conferências Christiano-polis um simpósio sobre o tema: “Afonte da Gnosis. O despertar da alma”.

Aproximadamente 360 interessa-dos e alunos assistiram a esse simpó-sio que versou sobre “O renascimen-to da criança divina”. Aquilo que eravivenciado nos antigos mistérios eque os velhos escritos de muitos paí-ses revelam hoje nos indica o caminholibertador que nos possibilita escaparda grande crise que a humanidadeatravessa.

Kotlas, Rússia

Desde que o Lectorium Rosicru-cianum, em 1993, iniciou suas ativida-des em Moscou e em São Petersbur-go, formaram-se grupos de alunos emoutras cidades. De acordo com as cir-cunstâncias, alguns se desenvolverame outros desapareceram. Assim, de-pois do final dos anos 90, um casal

13

À esquerda:

o Museu

Koralenko,

Ucrânia.

À direita:

no caminho,

na Rússia.

Do

campo

de trabalh

o...

14

entusiasta iniciou em Kotlas um gru-po que cresceu de modo lento, porémfirme, e que hoje conta com aproxi-madamente 40 membros ativos.

A localização de Kotlas, 1500 qui-lômetros a noroeste de Moscou, nodistrito de Arkhangelsk, próximo aMoscou e São Petersburgo, permitiuque o Lectorium Rosicrucianum aíempreendesse um trabalho. Sustenta-do por 40 alunos vindos de todos osoutros Núcleos da Rússia, uma gran-de festa espiritual aconteceu emKotlas durante o quente mês dejunho de 2006.

Kotlas ocupa uma posição bastanteexcêntrica com relação ao coraçãoespiritual vivente e vibrante do campode trabalho europeu, mas está agoramais fortemente ligada ao corpo-vivo,que não conhece fronteiras nem dis-tância. Essa é a razão pela qual infor-mamos acerca dessa ligação aosirmãos e irmãs que irão assegurar otrabalho da Escola da RosacruzÁurea em 2007.

Poltava, Ucrânia

Com certa regularidade, alunos dediferentes partes da Ucrânia partici-pam das conferências realizadas em

Moscou. Isso se explica pelos estrei-tos laços políticos e culturais do pas-sado.

Há dois anos se apresentou a opor-tunidade de desenvolvimento, em es-cala modesta, das atividades da Esco-la Espiritual na cidade de Poltava (300km ao leste de Kiev, a capital). Emoutubro de 2006, sob os auspícios dasautoridades locais, o pequeno grupode alunos ali residentes pôde desen-volver várias atividades, dentre asquais uma palestra pública. O museuKoralenko (nome de um escritor rus-so), que dispõe de um local apropria-do, acolheu o Lectorium Rosicrucia-num, o que foi particularmente valio-so para o trabalho. Essas atividadespermitiram dar um novo impulso aosalunos que vivem nesse país, o maisvasto da Europa, e são evidentementesensíveis às duas esferas de influênciapolítica e cultural do leste e do oeste,e também de sustentar seu crescimen-to no caminho de desenvolvimentodo novo homem.

Inverary/Kingston, Canadá

Em 12 de agosto de 2006, em Inve-rary/Kingston, Ontário, ocorreu aconsagração de um templo no primei-

À esquerda:

Kingston, Canadá.

No centro:

interior da

tenda-templo em

Ussat-les-Bains,

França.

15

ro Centro de Conferências do Cana-dá de língua inglesa.

As 42 pessoas presentes lotaram onovo templo e vivenciaram juntas oalegre acontecimento da consagraçãoe da conferência de fim de semana. Otempo estava magnífico, e as refeiçõesforam tomadas no refeitório ou fora,numa tenda, e cada participante des-frutou do espaço e da tranqüilidadedo grande terreno. Essa consagraçãorepresenta uma etapa importante dotrabalho no continente americano. EmKingston são realizadas anualmentequatro Conferências de Renovação.Os alunos canadenses, e também osde Quebec, onde se fala o francês,bem como os do leste dos EstadosUnidos podem chegar facilmente aInverary, onde são calorosamenteacolhidos.

Conferência de Ussat, 2006

De 9 a 13 de setembro ocorreu adécima sexta Conferência Internacio-nal do vale do Ariège, no sul da Fran-ça, onde, há quase meio século, foierigido o monumento Galaad em tes-temunho e confirmação da força sem-pre crescente da atividade das três su-blimes Fraternidades da Luz: Graal,

Cátaros e Cruz com Rosas. Nesse lu-gar muito particular se reuniramaproximadamente 2500 alunos doLectorium Rosicrucianum prove-nientes de 40 países, a fim de confir-mar o triunfo da Gnosis universal emnosso tempo.

O encontro no Vale do Ariège tevepor missão a realização das palavrasdo Sermão da Montanha: “Pondevossa luz no velador para que ela ilu-mine todos os que estão na casa,” comesta adição: “e todos que ainda virão àcasa”. Cada participante leva consigoessa luz; assim, muitos raios lumino-sos se espalharão sobre toda a terra.

Malta

Todos os anos se realiza na Ilha deMalta uma Conferência de Renova-ção da qual participa um pequenoporém entusiástico número de alu-nos. Em 2006, nos dias 3 e 4 denovembro, Wardija Hill, Top Village,foi o local de uma magnífica Confe-rência.

Stara Zagora, Bulgária

No dia 4 de novembro foi consa-grado em Stara Zagora o segundo Nú-

À direita:

momento da

Conferência de

Malta.

Do

campo

de trabalh

o...

Conferência

e inauguração

em Stara Zagora,

Bulgária.

16

cleo da Bulgária. Ele está situado nocentro do país (conforme o mapa) e éde fácil acesso. Os alunos que vivemperto do Mar Negro têm de percor-rer apenas 200 km em vez dos 400km necessários para chegar ao Nú-cleo situado em Sofia, a capital. StaraZagora é um núcleo em rápida ex-pansão que até então contava com 40alunos. Num grande prédio de escri-tórios no centro da cidade foi instala-da uma sala que serve de templo. Naconsagração foi possível aí acomodar122 alunos. No decorrer da refeiçãofraternal servida num hotel próximo,os alunos experimentaram fortemen-te sua ligação com o trabalho interna-cional durante a leitura de despedidae os votos de boa sorte. No diaseguinte foi realizado um serviçoaberto ao público, onde foram aco-lhidos sete novos alunos.

Simpósio no Centro de Conferências Renova, em 7 de maio de 2006

O tema desse simpósio foi “A pa-lavra oculta”, expressão que aparecenas três grandes religiões ocidentaisde modo direto ou em segundo pla-no. A primeira alocução, que tratou

sobre o Verbo invisível do Islã, mos-trou como, vindo da Arábia, o her-metismo penetrou no Ocidente, foirecebido sob uma forma pura edepois expandido pela mediação dopersonagem simbólico CristianoRosacruz, isto é, todos os irmãos eirmãs que, no Ocidente, através dosséculos, se esforçaram por fazer osalunos alcançar o crescimento daalma-espírito. A base interior detodas as religiões autênticas nãoconhece diferenças entre raças, cren-ças e formas sociais. Maomé recebeua palavra de Gabriel, e quem sabeinterpretá-la para os seus semelhan-tes é um profeta. Dentro do Islã sur-giram muitas fraternidades que, ins-piradas pelo Verbo, encontraram ocaminho para o homem interior. Suapalavra, sua forma e seus ritos estãoestreitamente aparentados aos dosrosacruzes do século XVII. Esse anti-go grupo de irmãos e irmãs que seapresentaram sob o nome de Cristia-no Rosacruz organizou sua Fraterni-dade segundo o modelo árabe. Deacordo com a tradição, CRC estudouintensamente esse modelo em suaviagem a Damcar e a Fez.

A segunda alocução foi a do rabiMichael Portnaar, que tratou sobre a

Semana dos

Jovens Alunos em

Marília, Brasil.

17

Cabala e sobre o lugar do amor. Demaneira brilhante, esse orador apre-sentou questões vitais essenciais à luzdo Zohar e da Cabala segundo Luria,como por exemplo: Existe amor so-bre a terra? Em caso afirmativo, que éo amor segundo a instrução que o ho-mem recebeu ao nascer? O que pode-mos nós sem esse amor? Como po-dem o indivíduo e a humanidade che-gar à perfeição e à verdadeira formado amor? Quais são as fórmulas doamor e do caminho que conduzem àrealização final?

A Cabala está ligada a forças salu-tares e criadoras e as oferece a todosos buscadores. Ela está penetrada daidéia de unidade inabalável inscritano plano da criação.

A terceira alocução tratou de umaode ao Cristo, que tem tudo em si,homem, anjo ou Mistério, e o Pai, quese encontra no Evangelho gnósticode Filipe. Esse evangelho provém daescola de Valentino, que viveu emmeados do século II. Esse sábio escri-tor estava a par da nova doutrina docristianismo e a ensinava, sendo uminiciado nos mistérios egípcios, her-méticos e gregos, nos quais os candi-datos tinham somente um objetivo:alcançar a libertação da alma, do ver-

dadeiro homem.A Gnosis é o conhecimento inte-

rior da fonte original no mais pro-fundo do ser. Quem reconhece essafonte obtém o autoconhecimento edescobre sua origem espiritual. Essacompreensão prepara-o para recebero sacramento da redenção: a liberta-ção. Segundo Valentino, Cristo veiopara fazer desaparecer a cisão entre oterrestre e o divino, traço característi-co da criação, e para que os dois setornem um.

Luz e trevas,vida e morte,direita e esquerdasão irmãos inseparáveis.Eis por que nem os bons são bons,nem os maus são maus,nem a vida é vida, nem a morte é morte.Em conseqüência,todos serão dissolvidos na naturezaoriginal.Mas os que são superiores são indissolvíveis, eternos.

(Logion 10 de O Evangelho de Filipe)

Do

campo

de trabalh

o...

Simpósio do dia 22 de outubro em Renova

Comenius foi o principal persona-gem que se esforçou para “melhorarem tudo a condição humana”. A seusolhos o objetivo da existência é pôrem ordem o “pequeno mundo” dohomem, tendo em vista o retorno deCristo. A fonte mais importante dessareforma era, para ele, a Pansophia, ouseja, a sabedoria universal que tudo en-globa e que restabelecerá o equilíbrioperdido entre a teologia e as novasciências naturais. Ela deveria ter pordesígnio “o ensinamento profundo detudo” com o propósito de transmitira todos a sabedoria, a virtude e a fé.Comenius pleiteava a existência deuma única religião universal, umarepresentação única do homem e do

mundo, uma ciência universal única eum sistema de idéias único para insti-tuir uma fraternidade verdadeiraentre os homens. Mas ao homem,enquanto indivíduo, ele dá igualmen-te sábios conselhos: “Três caminhosconduzem à vida justa. O primeiro éo caminho do nada fazer que sejainjusto para si próprio, para outrem epara todas as coisas. O segundo é o denão tentar parecer justo e bom, mes-mo que se seja justo e bom. No tercei-ro caminho é preciso voltar os olhosde preferência para Deus, o guardiãoda verdade, e para a própria consciên-cia, que dá o testemunho interior”.

Pode-se ver aqui claramente quãoconcisa é a filosofia de Comenius. Ocaminho que leva à verdadeira felici-dade é: ser uno consigo mesmo, comDeus e em Deus, e já não se deixardesviar pelas coisas exteriores; se algoparecer necessário, não fazer nadaalém do necessário. O homem, pornatureza, esforça-se para se tornarsemelhante a Deus. Cada ser humanotenta elevar-se a fim de se tornar per-feito. Comenius afirma: “O que Satãpropõe falsamente ao homem, Cristolhe dá realmente e lhe confere o poderde tornar-se filho de Deus”.

Dias de conferência no Centro de Conferências J.vanRijckenborgh, Haarlem

As alocuções limitaram-se ao temasatuais que esclarecem os escritos dosfundadores do Lectorium Rosicrucia-num, Catharose de Petri e Jan vanRijckenborgh. A Conferência do dia18 de novembro teve como tema: Evo-lução dos jovens e luz interior. O serhumano não vem ao mundo comouma página em branco; ele é um con-junto complexo de forças e capacida-des presentes, passadas e futuras, de

18

Painel do

Simpósio

“A palavra oculta”,

Renova,

Bilthoven,

Holanda.

vida natural e vida divina, de possibi-lidades e limites. Por trás da realida-de do mundo, do cosmo e do macro-cosmo, dos vegetais, animais e mine-rais, está oculto um plano que irradiauma possibilidade. Em sete fases esseplano atua igualmente sobre o serhumano, nele se delineia e se estrutu-ra. Em cada uma dessas fases a perso-nalidade é fortemente ligada a umúnico aspecto. Por exemplo, duranteo terceiro período em que se desen-volve o importante corpo de desejos,é importante que o jovem tenha achance de assimilar as boas forçasconstrutivas e crescer sob a proteçãode um meio positivo.

A segunda alocução referiu-se aosignificado de uma palavra do Cânti-co dos Cânticos de Salomão: “Ma-druguemos pelas vinhas, vejamos se a

vinha floresceu”. Madrugar..., ou poroutras palavras, começar jovem. Aquias pessoas idosas podem representarum importante papel. O jovem, nocomeço da vida, deve voltar sua aten-ção e sua consciência para o que émais importante: fazer florescer avinha. Enquanto a nova força da al-ma circula no sistema da consciência,que a doutrina universal chama de“fogo serpentino”, o jovem faz cres-cer a força que lhe dará uma vida di-nâmica e positiva.

A jornada terminou com umavisita ao templo principal de Haar-lem, onde foi falado a respeito desseórgão regulador, pequeno porémdecisivo, situado no cérebro: a glân-dula pineal. Graças a sua sutil sensi-bilidade ela é particularmente apro-priada para receber as impressõesespirituais que penetram o cosmointeiro, o mundo e a humanidadecom suas sublimes vibrações. O serhumano tem a capacidade de recebervibrações se sua cabeça e seu coraçãoestiverem preparados para isso damaneira correta. Eis por que é essen-cial para o desenvolvimento dosjovens que eles se beneficiem de umbom meio, de uma força e do justoestímulo. Então eles podem chegar aum novo comportamento, e, pode-se dizer, causar uma total revoluçãoem seu estado de ser.

Conferências de trabalho para os Jovens Alunos

Marília, no Brasil, e Caux, na Suíça,foram o palco, em julho e agosto, deuma semana de trabalho dinâmico dogrupo de Jovens Alunos. Um mês foimais ensolarado e quente que o ou-tro, porém isso não afetou muito oardor e a alegria do trabalho, confor-me a foto o testemunha.

19

Do

campo

de trabalh

o...

Bergen op Zoom,

Holanda.

20

Simpósio em Groningen sobre aFlauta Mágica, de Mozart

Groningen, na Alemanha, foi teste-munha de um simpósio organizadopelo Lectorium Rosicrucianum noPrince Claus Conservatorium. Comgrande interesse os participantes vi-ram, no sábado 2 de dezembro, umaexplicação sobre a ópera A Flauta Má-gica (1791): “um processo alquímicono templo da iniciação”. Os sons deMozart deram um brilho especial aodia. O conteúdo da Flauta Mágica ébaseado no pensamento dos rosacru-zes e no ensinamento dos três princí-pios de Paracelso. A transformação es-piritual do homem é magnífica e sua-vemente explicada pelo som e pelapalavra.

Durante o simpósio, oradores dafranco-maçonaria, da Antroposofia edo Lectorium Rosicrucianum escla-receram os aspectos herméticos dessaópera com a ajuda da alquimia, vistapelos buscadores que viveram nosséculos XVII e XVIII como um pro-cesso interior dinâmico de transfor-mação.

Tanto o libreto quanto a partituracontêm uma riqueza de elementoscuja fonte se encontra nos mistérios

de iniciação egípcios. Essa chave –referente a Hermes Trismegisto –pode ser encontrada em As núpciasalquímicas de Christian Rosenkreuz.

Bergen op Zoom

Em 19 de novembro foi consagra-do um novo grande templo a sudoes-te da Holanda, e à noite foi celebra-do ali o primeiro serviço. Na abertu-ra, o oficiante agradeceu muito, par-ticularmente aos jovens dos gruposC e D, que foram os primeiros a vivi-ficar essa nova construção antes mes-mo dos trabalhos de demolição:“Talvez vocês não tenham manejadoo martelo e o pincel, mas já há algumtempo vocês retrataram o pássaro defogo, e esse quadro está agora pen-durado na sala da Mocidade. Essafênix é um poderoso símbolo para onosso Núcleo. Ela simboliza que háuma contínua renovação, ela simbo-liza a indestrutibilidade da vida.Mediante as reuniões de vocês foipossível realizar o nascimento do‘totalmente outro e novo’ no salãoda Mocidade, e agora trata-se de darcontinuidade a isso”. No final de seupreâmbulo ele repetiu as palavrasimpressas no convite:

Centro de

Conferências

A Nova Aurora,

em Iaundê,

Camarões.

21

Não olhes à tua volta, mas em ti.Ao mergulhar na fonte da vida,deves triunfar e tornar-te umhomemque Deus, a Gnosis, possa utilizar.

Foi possível sentir que em Bergenop Zoom estava o fundamento mesmoda construção de nosso próprio tem-plo interior, bem como de nosso tra-balho exterior na oficina do templo.

Inauguração do Centro deConferências A Nova Aurora,Camarões, África

Em Pentecostes de 2006, nos dias2,3 e 4 de junho, festejou-se em Iaun-dê, capital de Camarões, a inaugura-ção do Centro de Conferências ANova Aurora, edificado pelos alunosdo local, e também a consagração dostemplos. O antigo Núcleo, que tinhao mesmo nome e foi usado duranteanos, foi fechado, não sem que a famí-lia de Lucien Mamba recebesse agra-decimentos por todo o trabalho queali realizou.

Um representante das autoridadescivis assegurou a abertura do novo Nú-cleo. Ele expressou sua grande apre-ciação por essa magnífica realização.

Havia muitos convidados, alunos deoutros países da África onde o Lecto-rium Rosicrucianum estabeleceu-se:Benin, Congo, República Democráti-ca do Congo, Costa do Marfim, Ga-bão, e alunos da Europa, Bélgica, Ale-manha, França e Holanda. Tambémestavam presentes representantes daEscola Espiritual dos Estados Unidose do Canadá.

Esse novo Centro de Conferênciascompreende um complexo templáriocom um grande templo para aproxi-madamente 400 pessoas, dois peque-nos templos especiais e uma sala de si-lêncio e leitura. O prédio onde ficamalojados os alunos fica próximo e com-preende um grande refeitório ao ladodo qual estão as instalações e equipa-mentos necessários, e vários andaresque servem de dormitórios.

Com esse novo Centro de Renova-ção sobre uma vertente do Mont Febenos arredores de Iaundê, o LectoriumRosicrucianum celebrou com alegriauma nova fase do trabalho, não ape-nas em Camarões, mas em toda aÁfrica.

Do

campo

de trabalh

o...

22

Do tesouro de Hermes (II)

A pupila do mundo

Devo também relatar o que Hermes disse

quando ocultou os livros. Ele falou o

seguinte:

“Ó livros sagrados, obras de minhas mãos

imperecíveis,

que ungi com o bálsamo da imortalidade,

permanecei intactos e imperecíveis em vossa

integridade

durante toda a duração do mundo,

impossíveis de ser vistos e achados,

dissimulados para os que escavam o solo

da terra,

enquanto o antigo céu não houver gerado

seres dignos de vós,

aqueles que o Criador chamará ‘almas’!”

Após dirigir-se desse modo aos livros

e ter orado pelas obras de suas mãos,

ele se retirou para um santuário

no interior de seus próprios domínios.

Extraído de A pupila do mundo (Stobaeus,

XXIII, 8), em Hermes Trismegisto, p.19.

Extraído de uma alocução feita durante

um simpósio em 2006 no Centro de Confe-

rências Christianopolis, Birnbach, Ale-

manha.

física quântica reconheceu que oespaço intercósmico está preenchidode possibilidades concebíveis e incon-cebíveis, ou seja, de energias inesgotá-veis, que se transformam em concen-trações de forças e, com isso, em ma-nifestações, à medida que dirigimosnossa consciência para essas possibili-dades. A natureza dessas manifesta-ções corresponde ao nosso estado deconsciência. Nossa percepção, nossarealidade e nossa vida são moldadaspor nosso estado de consciência.

Mas a quê poderia assemelhar-seuma ordem de vida completamente di-ferente? Quando tentamos discernir oque nos movimenta interiormente,então as noções habituais, as estrutu-ras e limites do mundo material e pe-recível que conhecemos se erguem di-ante de nós, criando obstáculos. A-tualmente, noções como “Deus”,“Messias”, “Paraíso” transformaram-se e foram substituídas pelos “deusesdo futebol”, pelas “artes messiânicas”e os “paraísos” representados pelasférias ou então pelo “paraíso das com-pras”.

Outro ponto de vista concernente àsolução dos problemas que se im-põem à humanidade é o da “NewAge”, a Nova Era. Aqui, toda espe-rança reside na entrada em uma novadimensão, não no plano da pesquisa

científica, porém numa expansão daconsciência individual, numa plenitu-de de vida e de percepção, dinamiza-das pelas forças dos novos tempos,pela era de Aquário que ora se inicia.

Na comédia musical “Hair”, típicada época, cantava-se:

Mystic crystal revelationand the mind’s true liberation,Aquarius, Aquarius.

Tradução:Mística e cristalina revelação,verdadeira libertação do espírito,Aquário, Aquário.

O começo da era de Aquário é umtempo de grande atividade e criativi-dade com base em idéias. Tudo parecepossível. Uma multiplicidade de idéiasquer desenvolver-se, anulando todosos antigos valores e normas. Em con-seqüência, a orientação no exteriortambém se torna cada vez mais difícil.Trata-se de um período em que mui-tos véus são progressivamente retira-dos de diante da nossa consciência.Tudo o que até então estava ocultovem à tona, seja através dos noticiá-rios na mídia ou pela desintegração denormas e valores cristalizados. Nin-guém mais confia nas autoridades po-líticas, econômicas, artísticas, científi-cas e religiosas, que, não obstante, seesforçam incansavelmente por “escla-recer-nos”, com o objetivo de indicar-nos o caminho a ser seguido, o seucaminho, com a finalidade de encon-trar a solução. Cada um deve se mani-festar, ser medido e mostrar o que é,

A Força da Gnosis Hoje

23

A

tanto na vida privada como na públi-ca. O homem de hoje quer saber! Elejá não se deixa embalar por qualquerhistória, ele quer explicações e provas,compreender antes de agir.

Nos próximos séculos, o refina-mento dos pensamentos, sentimentose ações aumentará fortemente, assimdizem os astrólogos, bem como opoder de percepção supra-sensorialdo mundo invisível, pois o campo devida se tornará cada vez mais sutil.

Vivenciamos uma aparente supres-são do espaço e do tempo no mundovirtual inaugurada pela Internet. O te-lefone celular através do qual pode-mos receber imagens e estar em co-municação direta com não importa oquê, nem a que hora nem em que lu-gar, dá-nos um sentimento de onipre-sença. Se por um lado a força de atra-ção do novo diminui, por outro ladosentimo-nos rapidamente submergi-dos pela maré de informações, comonum verdadeiro dilúvio, pelas distra-ções culturais e os divertimentos va-riados que nos são apresentados horaapós hora, dia após dia, a cada 24 horas.

Esta atmosfera nova que experi-mentamos como algo sutil, transpa-rente, encontra seu reflexo no vidroempregado nas construções arquite-tônicas. Nos dias atuais deseja-se vera técnica e os mecanismos que estãopor trás! As ligações cada vez maisnumerosas entre computadores inci-tam por fim a achar normal que sepossa falar de “homens de vidro”.

Na agitação da era de Aquário, con-tudo, o homem não encontra tranqüi-lidade nem contentamento. Ele perce-be que é necessária uma total reorien-tação. Porém, levando-se em contaque as condições atuais mudam inces-santemente e estão destinadas ao de-clínio, isso pode parecer um tanto di-fícil. Em A realidade material, J.

Kössner escreve: “Uma das maioresilusões da consciência social de hoje équerer alcançar uma convivênciahumanitária por meio de regulamen-tações reforçadas. Essa é uma via ab-solutamente sem saída. A problemáti-ca atual é que a consciência humana seencontra numa situação extrema e osseres humanos baniram toda a orien-tação interior de suas próprias vidas.Por isso surgem cada vez mais regula-mentações e limitações sociais impos-tas por regras e prescrições. O pro-gressivo esquecimento da origemdivina e a negação do mundo interioraceleram o processo de regulamenta-ção no plano exterior”1.

Aos poucos, muitas pessoas são in-comodadas por essas mudanças ultra-rápidas. A realidade de sua vida pare-ce-lhes ilusória, e elas são tomadaspor uma crise de identidade. Então,saem em busca de seu verdadeiro ser.Autonomia, auto-autoridade e desen-volvimento pessoais são, atualmente,slogans característicos. Disso teste-munham numerosos grupos que seconsagram a pesquisas que, de modogeral, divergem entre si.

Já no início do século XIX o médi-co Johann Carl Passavant declarou, arespeito do caminho de libertação:

“A ordem divina é mais poderosaque o erro humano. O que emana daunidade voltará à unidade após teratravessado as fases evolutivas e ven-cido os erros. Essa, porém, será umaunidade superior que conservará oconjunto dos resultados do processoevolutivo e de regeneração da huma-nidade”2.

FONTES:1 Kössner, J. Die materielle Realität –

des Menschen Fall und seine Heilwerdung.2 Passavant, J.C. Von der Freheit des Willens

und dem Entwicklungsgesetze des Menschen. Frankfurt, 1835, tomo III.

24

A história

m um certo vale vivia um caçador(ele apontou para a grotesca figura demadeira). Todos os dias ele percorria afloresta para caçar passarinhos. Umabela manhã, chegou à beira de umgrande lago. Enquanto observava achegada dos pássaros nos caniçais,uma sombra imensa caiu sobre ele eele viu seu reflexo. Levantou os olhos,mas tudo já havia desaparecido. Sen-

tiu, então, um intenso desejo de ver es-se reflexo mais uma vez e esperou porele o dia inteiro. Mas, quando veio anoite, ainda não tinha visto nada.Sombrio e pensativo, voltou para casacom a bolsa vazia. Seus amigos per-guntaram-lhe qual era a razão de seusilêncio obstinado, mas ele se isoloupara refletir. Somente ao seu melhoramigo é que pôde dizer, finalmente:“Hoje, percebi uma coisa única, umacoisa que jamais tinha visto. Um gran-

O jovem surpreende o desconhecido sentando-se a seus pés e colocando em sua mão uma figuraesculpida em madeira. “Sim, vou contar-lhe”, murmurou, “vou contar tudo”. E colocou um dedosobre a grotesca figura, foi correndo seu dedo até o alto do bastão com fervor e pôs-se a falar demontanhas e personagens fantásticos, até o momento em que veio um pássaro e uma de suas plu-mas caiu sobre ele. No final, ele começou a gaguejar, a balbuciar como se a única coisa impor-tante fosse a história que tinha para contar.O estranho olhou mais o rosto do jovem que a escultura em madeira e disse amavelmente: “Achoque só compreendo uma parte do que você diz, acho que é bem nesse ponto que você gostaria dechegar”. Ele sorriu e começou:

25

E

Um lugar na África

de pássaro branco planava no infinitoazul, com suas asas prateadas bem aber-tas. Desde então, parece que um grandefogo está consumindo minha alma. Eraapenas um raiozinho, uma cintilação, umreflexo na água; mas, agora, não querosaber de mais nada a não ser reencontraresse pássaro para segurá-lo.” Seu amigopôs-se a rir: “Mas era apenas um raio desol que brincava na água, ou então a som-bra da sua própria cabeça! Amanhã vocêvai ter se esquecido de tudo isso!” Mas,no dia seguinte, e dia após dia, o caçadorestava cada vez mais obcecado e saía pro-curando pelos campos e bosques, à beirado lago e nos caniçais. Tudo em vão. Eele nem observava mais os pássaros. Quevalor eles poderiam ter para ele, agora?

“Mas o que é que você tem, afinal?”,perguntavam seus amigos. “Ele ficoulouco!”, afirmavam alguns. “Não, pior,”respondiam outros, “ele viu uma coisaque nenhum de nós jamais viu e acha quefoi um milagre!” Todos decidiram deixá-lo de lado, e o caçador acabou sozinho.

Uma noite, quando, muito aflito, va-gava na penumbra, um velho homem al-to e forte como jamais vira surgiu diantedele.

“Quem é você?”, perguntou-lhe o ca-çador. “Sabedoria”, respondeu ele, “masalguns me chamam de Conhecimento.Vivi toda a minha vida nesta região, masas pessoas só me vêem quando já sofre-ram muito, quando os olhos já foramlavados com muitas lágrimas. Eu só falocom quem está sentindo muita dor.” Ocaçador gritou: “Se você já viveu por aquitanto tempo, então me diga o que sabesobre esse grande pássaro branco que viplanar no céu azul. As pessoas queremme fazer acreditar que ele faz parte daminha imaginação, que vi apenas a som-bra da minha cabeça!” O velho sorriu :“O nome desse pássaro é Verdade. Quemo viu nunca mais tem descanso. Vai dese-jar vê-lo até morrer”. O caçador exclamou:

“Onde posso encontrá-lo?” Mas o velhorespondeu: “Você ainda não sofreu o su-ficiente!” E foi-se embora.

Então o caçador tirou de seu peito alançadeira da imaginação, onde enrolouo fio de seus desejos, e passou a noite atecer uma rede. Na manhã seguinte, es-tendeu a rede de ouro no chão e atirounela uns poucos grãos de credulidade queseu pai lhe havia dado e ele guardara nobolso, sobre o peito.

Eles eram semelhantes a pequenasesferas brancas aveludadas, como as quese erguem da poeira parda quando secaminha sobre ela. O caçador sentou-se eesperou para ver o que ia acontecer.

O primeiro pássaro que caiu na redeera branco como a neve, com olhos depomba. Seu canto era magnífico: “Umhomem-deus! Um homem-deus! Umhomem-deus!”, ele cantava. O segundoque veio era negro e misterioso, com be-los olhos escuros capazes de sondar as

26

profundezas da alma, e emitia apenas umapalavra ao cantar: “Imortalidade!”

O caçador tomou-os em seus braçosdizendo: “Certamente eles pertencem àbela família da Verdade”. Então apareceuainda outro pássaro, verde e dourado, quecantava com voz aguda como a de um co-merciante no mercado: “Recompensaapós a morte! Recompensa após a mor-te!” E o caçador disse: “Não és tão belo,mas tens a essência mesma da beleza!” Epegou-o também.

Vieram também outros de cores bi-lhantes, e todos cantaram alegremente atéo momento em que já não havia mais grãos.O caçador ajuntou-os, construiu uma gaio-la de ferro a que deu o nome de “NovaCrença” e nela encerrou os pássaros.

Nisso, chegou todo o tipo de gente can-tando e dançando.

“Ó caçador felizardo!”, clamavam, “Óhomem extraordinário! Ó passaros es-plêndidos! Como eles cantam bem!”

Ninguém nunca lhe perguntou de on-de vinham os pássaros nem como tinhamsido apanhados; todos, porém, dançavame cantavam diante deles.

E o caçador também se alegrava, di-zendo: “Certamente a Verdade está entreeles. Com o tempo ela irá moldar suasplumas, e eu verei sua forma branca co-mo a neve!”

O tempo passava, e os homens canta-vam e dançavam. Porém o coração docaçador entristeceu-se, e ele, como antes,pôs-se a vagar sozinho, para chorar. Odesejo indizível havia despertado nova-mente em seu peito. Um dia, estandosentado e chorando, como que por acasoSabedoria encontrou-o, e ele contou-lheo que tinha feito. E Sabedoria sorriu tris-temente. “Inúmeros são os que lançaramessa rede para capturar a Verdade semjamais o conseguir! Dos grãos da simplescredulidade ela não se alimentará; seuspés não se deixam prender nos fios dodesejo; do ar desses vales ela não respira-

rá. Os pássaros que apanhastes não pas-sam de mentiras. Eles são belos e adorá-veis, porém ainda assim são mentiras; aVerdade não os conhece”.

O caçador bradou amargamente: “De-vo então permanecer tranqüilo à espera,consumido por este fogo devorador, poreste grande desejo?” O ancião respon-deu: “Escuta: já que estás tão aflito e so-fres tanto, vou dizer-te o que sei. Quemchegou onde chegaste para encontrar aVerdade deve deixar para sempre os valesda credulidade e das superstições semnada levar. Deve dirigir-se sozinho para aterra da abnegação e da privação e ali ins-talar-se; não deve sucumbir a nenhumatentação. Quando a luz irromper, deverálevantar-se e segui-la até o país onde o solbrilha para sempre. Deverá escalar asmontanhas da realidade inelutável. Énecessário que ele as suba, pois é atrásdelas que se encontra a Verdade”.

“E ele a abraçará fortemente e a segu-rará em suas mãos!”, jubilou o caçador.

Sabedoria meneou a cabeça: “Elenunca a verá e nunca a reterá. Ele aindanão chegou tão longe assim”. O caçadorexclamou: “Então não há qualquer espe-rança?” E Sabedoria respondeu: “Sim.Algumas pessoas subiram essas monta-nhas. Elas venceram uma a uma essas ro-chas áridas e, vagueando nas alturas,algumas delas conseguiram encontrar erecolher uma pluma branca, prateada,caída da asa da Verdade”. E o ancião, le-vantando-se profeticamente e apontandoo dedo para o céu continuou: “E sucede-rá que esses homens ajuntarão muitasplumas prateadas e farão uma corda ecom ela tecerão uma rede a fim de captu-rar nela a Verdade. Apenas a Verdadepode conter a Verdade”.

O caçador levantou-se e disse: “Eu par-tirei”. Porém a Sabedoria o deteve: “Eu oadvirto, qualquer um que sai desses valesjamais retorna. Mesmo que chore lágri-mas de sangue por sete dias e sete noites

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nos confins dessas regiões, qualquer vol-ta está excluída. Quem passa para lá nãopode regressar. Não existe nenhumarecompensa nesse caminho que tens deseguir por tua própria vontade, impelidopelo imenso amor. Teu esforço é tuaúnica recompensa”.

“Eu parto”, disse o caçador, “mas, diz-me, quando chegar a essas montanhas,que caminho devo tomar?” “Eu sou ofilho de milhares de experiências e doconhecimento secular, disse o homem.Não posso ir senão ali onde muitos ou-tros chegaram antes de mim. Essas mon-tanhas apenas são acessíveis para poucospés, e cada um deve encontrar seu pró-prio caminho e segui-lo por sua própriaconta; ele já não ouve minha voz. Talvezeu o acompanhe, porém não posso pre-cedê-lo”. Então Sabedoria desapareceu.

O caçador fez meia-volta, dirigiu-seaté a gaiola e quebrou as barras de ferrocom suas próprias mãos, o que lhe cau-sou um ferimento profundo. Às vezes émuito mais fácil construir que destruir.Um a um ele pegou os pássaros e os li-bertou. Mas quando chegou a vez do pás-saro de plumagem escura, ele o segurou eolhou para seus lindos olhos. O pássarosoltou um grito grave e penetrante:“Imortalidade!” A isso, o caçador disse:“Não consigo separar-me dele. Não pesanada e não necessita alimento. Vou escon-dê-lo no meu peito e o levarei comigo”.E escondeu-o sob o seu manto. Contu-do, o pássaro tornava-se cada vez maispesado, chegando a pesar como chumboem seu peito. Logo, já não conseguindoavançar nem sair do vale, ele pegou opássaro e exclamou, contemplando-o:“Ó meu belo pássaro, bem-amado domeu coração, não posso ficar contigo!” Etristemente abriu as mãos. “Vai”, disseele, “talvez na canção da Verdade umanota soe como a tua; eu, porém, já não aouvirei”. Cheio de tristeza abriu suamão, e o pássaro partiu para sempre.

No mesmo instante ele agarrou o fiodos desejos da lançadeira da imaginação,atirou-o ao chão e colocou a lançadeiravazia de volta em seu peito, pois o fiohavia sido feito naqueles vales, mas a lan-çadeira viera de um país desconhecido.Ele se voltava para sair quando o povo ocercou, gritando: “Idiota, canalha, tolo!Como ousaste quebrar tua gaiola e deixaros pássaros partir?” O caçador respon-deu, porém eles não o queriam ouvir.“Verdade! Quem é ela? Pode-se comê-laou bebê-la? Quem alguma vez já a viu?Teus pássaros eram reais; todos podiamouvi-los cantar! Ó tolo, vil réptil! Ateu!”,gritavam, “Tu poluis o ar”. E alguns gri-tavam: “Venham, tomemos pedras eapredejemo-lo”. E outros diziam: “O quetemos a ver com isso? Que esse idiotachispe daqui!”, e foram embora, enquan-to os demais ajuntavam lama e pedras eas atiravam nele. Por fim, cheio de arra-nhões, de chagas e de galos, o caçadorescapou na escuridão do bosque. Eleandou e andou, e as sombras tornavam-se mais e mais espessas. Ele se encontra-va agora nos limites do país onde serm-pre era noite. Ele atravessara a fronteira,e já não havia luz. Começou, então, aandar às apalpadelas. Mas cada galho quetocava se partia, e o chão estava cobertode cinzas. A cada passo seus pés afunda-vam, e uma nuvem fina, imponderável,de cinzas subia até o seu rosto; e já sefazia noite. Então ele se sentou sobre umapedra e, enfiando o rosto nas mãos, pôs-se a esperar pela luz naquele país da ab-negação e das privações. Também em seucoração se fazia noite.

Então, elevou-se do pântano, à direitae à esquerda, um nevoeiro glacial que ocobriu. Uma chuva fina imperceptívelcaía na escuridão e formava grandes go-tas em seus cabelos e em suas vestes. Asbatidas de seu coração diminuíram, eseus membros enrijeceram-se. Subita-mente ele viu, vindo em sua direção, dois

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fogos-fátuos que dançavam alegremente.Ergueu a cabeça para vê-los melhor.Aproximando-se mais e mais, eles vi-nham bailando tão brilhantes, tão cheiosde vivacidade, semelhantes a estrelas defogo. Por fim, pararam diante dele. Umrosto feminino sorridente, com covinhase cabelos dourados ondulados, surgiu nocentro da chama brilhante. No centro daoutra chama ele avistou pérolas, à seme-lhança de pequenas bolhas sorridentesnuma garrafa de vinho espumante. Semparar, elas dançavam e saltavam diantedele. “Mas, quem sois”, perguntou o ca-çador, “que vindes até mim em minha tris-te solidão?” Elas lhe responderam: “So-mos as pequenas irmãs gêmeas, a sensua-lidade. Nosso pai é a natureza humana,nossa mãe, sua proliferação. Somos tãovelhas quanto as montanhas e os rios, tãovelhas quanto o primeiro homem. Nun-ca morremos”, acrescentaram rindo. “Ó,deixa-me abraçar-te”, disse a primeira,

“meus braços são doces e cálidos, teucoração está gelado, mas eu o degelarei.Vem, pois, a mim!” A segunda falou porsua vez: “Farei penetrar em ti meu hálitoquente. Teu cérebro está entorpecido, eteus membros estão agora enrijecidos,porém eles se tornarão fortes e ativos.Vem, recebe o meu alento”. “Segue-nos evive conosco”, disseram as duas. “Almasmais nobres que a tua se sentaram aquinestas trevas à espera, e elas vieram aténós, e nós, a elas, e elas nunca mais nosdeixaram, nunca. Tudo o mais é engano;nós, porém, somos reais. A Verdade éuma sombra. O vale da superstição é umafarsa. A terra é cinzas, as árvores estãotodas aprodrecidas, mas nós – vem, toca-nos – nós estamos vivas! Não podes terdúvidas quanto a nós. Toca-nos, sente oquanto somos quentes! Ó vem, vem co-nosco!” Cada vez mais perto elas gira-vam em torno de sua cabeça, e o suorfrio, que lhe escorria da testa como gotasbrilhantes, cegava-o. Seu sangue enrege-lado recomeçou a circular. E ele disse:“Sim; por que morrer aqui nesta terrívelescuridão? Elas me aqueceram e fizeramcircular meu sangue coagulado”, e esten-deu as mãos para elas. Subitamente apa-receu diante de seus olhos a imagem queele tanto amara, e seus braços caíram delado. “Vem conosco”, clamaram as gêmeas.Porém ele cobriu o rosto. “Ofuscais meusolhos”, disse ele. “Vós aqueceis meu cora-ção, mas não podeis dar-me o que eu de-sejo. Vou ficar aqui esperando, até minhamorte. Ide embora!” E cobriu o rostocom as mãos e já não lhes dava ouvidos.

Ao olhar novamente, as duas estrelasbrilhantes haviam desaparecido ao longe.

E a noite longa, muito longa, conti-nuou. Todos os que abandonam o vale dacredulidade e das superstições devem fa-zê-lo através das trevas. Há os que o con-seguem em alguns dias, outros levammeses, outros levam anos, e alguns mor-rem ali.

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Por fim o caçador percebeu uma vagaluz no horizonte e pôs-se a caminho. Elea alcançou e continuou a caminhar emplena luz do sol. Então surgiu diante delea grande montanha dos fatos e das reali-dades estéreis. Límpida, a luz do sol brin-cava sobre os declives, enquanto oscimos escondiam-se nas nuvens. Do sopése elevavam numerosos caminhos. Ocaçador lançou um grito de júbilo, esco-lheu o caminho mais direto e pôs-se asubir. As rochas e gretas reverberavamseu canto. Sabedoria havia exagerado umpouco: afinal de contas, a montanha nãoera assim tão alta, e a estrada não era tãoíngreme. Apenas alguns dias, algumassemanas, quando muito alguns meses, eentão o cimo! Nem uma única pluma elelevaria; ele ajuntaria todas as plumas queoutros homens haviam encontrado, tece-ria sua rede, capturaria a Verdade, tocá-la-ia com as mãos, segurá-la-ia firme-mente e estreitá-la-ia em seus braços!

Ele sorria alegremente à luz do sol ecantava em alta voz. A vitória já nãopoderia lhe escapar. Contudo, após tercaminhado por certo tempo, o caminhotornou-se mais íngreme. Ele começou aresfolegar durante a subida e já não can-tava como antes. À direita e à esquerdado caminho elevavam-se rochas enormesdespidas de líquen ou musgo. No chãode lavas abriam-se brechas profundas, eaqui e ali ele tinha a impressão de avistarossadas brancas. Agora também o cami-nho começava a ficar menos visível, tor-nando-se, por fim, em mera trilha, comalgumas pegadas, que por fim tambémdesapareceram.

O caçador já não cantava e tentava su-bir com muito esforço quando chegou auma parede rochosa, alta e lisa que seestendia até onde os olhos podiam alcan-çar. “Vou construir uma escada nessa pa-rede, e ao chegar lá em cima estarei bempróximo da meta”, disse corajosamente,e pôs-se a trabalhar.

Com a lançadeira da imaginação, co-meçou a escavar pedras, mas a metadedelas não serviu. O trabalho de meio mêsfoi perdido porque as primeiras pedrastinham sido mal escolhidas. Porém, ocaçador trabalhava sem descanso, sempredizendo a si mesmo: “Uma vez lá emcima, estarei quase lá, e essa grande obraestará terminada”.

Finalmente, ao chegar ao cimo, olhouà sua volta. Lá longe flutuava uma brumapálida sobre o vale da credulidade supers-ticiosa, enquanto acima se alçavam asmontanhas gigantescas. Antes elas lhestinham parecido tão baixas, porém vistasmais de perto eram de uma altura inima-ginável.

De alto a baixo elas estavam cercadasde rochas semelhantes a muros de terra-ços que se erguiam fileira após fileira emgrandes círculos. Acima delas brincava aeterna luz solar. Ele emitiu um grito sel-vagem e inclinou-se para o chão. Ao le-vantar-se seu rosto estava lívido. Contu-do, em total silêncio, ele avançou outravez esforçando-se para ficar o menos ten-so possível. Para os que nasceram no va-le, a respiração aqui se torna difícil, o ar émuito rarefeito.

Por conseguinte, ele respirava com di-ficuldade, e cada respiração doía em seupeito; seu sangue se retirara das pontasdos dedos. Chegando à parede rochosa,ele reiniciou sua tarefa, que parecia nãoter fim. E permanecia silencioso. Noite edia ressoava o som das ferramentas nasrochas impiedosas. Durante anos eleprosseguiu como um verdadeiro burrode carga, porém a parede rochosa semprese elevava acima dele em direção ao céu.Às vezes ele rezava, pedindo que pelomenos algum líquen ou musgo brotassenessa parede nua para fazer-lhe compa-nhia, mas isso nunca aconteceu.

E os anos passaram; ele os contava pe-los degraus que havia talhado – uns pou-cos a cada ano – apenas uns poucos. Ele

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não cantava mais nem dizia: “Farei issoou aquilo”. Ele apenas trabalhava. E ànoite, quando o sol se recolhia, rostosselvagens e sinistros saídos dos buracos efendas das rochas vinham espiá-lo. “A-bandona o teu trabalho, homem solitá-rio, e vem falar conosco”, diziam eles.

“Minha salvação está no trabalho. Seeu o parassse mesmo que por um instan-te, vós vos lançaríeis sobre mim”, res-pondeu ele.

E eles esticaram ainda mais seus com-pridos pescoços. “Olha para as fendas ateus pés” diziam. “Vês o que elas con-têm? Ossos branqueados! Todos os for-tes e corajosos como tu subiram pelomesmo caminho. Eles olharam para oalto e compreenderam que seria insensa-to querer continuar, pois jamais apreen-deriam a Verdade e jamais a veriam. Porconseguinte, eles se deitaram, pois esta-vam extenuados, e adormeceram parasempre. O sono é o repouso. Quandodormes, já não existes, já não estás sozi-nho nem fazes mal às tuas mãos ou aoteu coração”.

O caçador deu um riso sarcástico:

“Acreditais, harpias, que abandonareitudo o que é caro ao meu coração, quevagueei sozinho pelo país das trevas eresisti às tentações, que me aventureionde a voz de nenhum da minha espéciejamais foi ouvida, que trabalhei sozinhopara agora repousar e esperar ser recon-fortado por vós?” Ele soltou uma garga-lhada, e as harpias, os ecos do desespero,fugiram, pois o riso de um coração fortee corajoso sempre representa para elasum golpe fatal. Contudo, elas aparece-ram novamente e olharam-no mais umavez. “Sabes que teu cabelo encaneceu,que tuas mãos começam a tremer comoas de uma criança? Notaste que a pontada lançadeira desapareceu e agora ela estárachada? Caso consigas subir essa escada,esta será a última vez que o farás. Jamaissubirás outra”, disseram elas. Ele respon-deu: “Como se eu já não soubesse!”, erecomeçou o seu trabalho.

As velhas mãos ressequidas talhavamas pedras de maneira desajeitada e desu-niforme, pois os dedos estavam rijos edeformados. O homem havia perdidosua força e beleza.

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Finalmente, um rosto envelhecido eenrugado olhou acima das rochas e viu asmontanhas eternas que se elevavam até asnuvens brancas; mas o trabalho estavaterminado. O velho caçador juntou asmãos cansadas e deitou-se ao lado doprecipício onde havia trabalhado durantetanto tempo. Ele podia dormir, por fim.

Abaixo dele, no vale, planava umanévoa branca densa. Os carneiros forma-dos pela bruma dispersaram-se, e osolhos moribundos puderam ver as árvo-res e os campos de sua infância. De longeparecia chegar-lhe o chamado de seuspássaros selvagens, e ele podia ouvir pes-soas cantando enquanto dançavam. Che-gou mesmo a achar que ouvia a voz dosvelhos amigos. Ainda mais distante, pôdever brilhar o sol sobre sua antiga morada.E copiosas lágrimas inundaram os olhosdo caçador.

“Ah! Quem lá morre não morre sozi-nho”, exclamou ele.

Os carneiros formados pelas brumasaproximaram-se, e ele desviou o olhar.“Eu busquei,” disse ele, “trabalhei porlongos anos, mas não a encontrei. Nãodescansei, não me queixei, e mesmoassim eu não a vi! Agora minhas forçaschegam ao fim. Aqui, neste lugar ondeagora me deito, outros virão, jovens, efortes. Eles subirão pelos degraus queesculpi; eles poderão ascender graças àescada que construí. Eles jamais saberãoo nome do homem que a construiu. Elesrirão do trabalho desajeitado; quando aspedras oscilarem, amaldiçoar-me-ão.Mas eles ascenderão por meio da minhaobra; eles subirão por meio da minhaescada! Eles a encontrarão através demim, pois ninguém vive para si mesmo eninguém morre para si mesmo.”

Lágrimas rolavam de suas pálpebrasenrugadas. Se a Verdade aparecesse agoranas nuvens acima dele, ele não a veria; ovéu da morte cobria agora os seus olhos.

“Minha alma ouve a alegre caminhada

deles; e eles sobem, sempre mais alto!”,disse ele levando a mão ressequida aosolhos. Então, lentamente, algo brancoveio descendo, descendo do céu atravésdo ar tranqüilo, e caiu suavemente sobreo peito do moribundo. Ele tateou: erauma pequena pluma. Ele morreu segu-rando-a em sua mão.

O jovem havia coberto os olhos comuma das mãos e copiosas lágrimas cor-riam por sobre a figura em madeira.“Como você sabe tudo isso?” – cochi-chou ele. “Essa madeira não contém tan-tas palavras!”

O estrangeiro respondeu: “Certamen-te, a estória toda não foi contada, massomente uma parte dela. A particularida-de de toda verdadeira arte, tanto da maisprimitiva como da mais elevada, é dizermais do que o que é dito e conduzir-nospara bem longe. Nada é mais fácil decompreender que a Verdade. Posso inter-pretá-la de mil maneiras, e a cada instan-te ela descortina novas perspectivas”. Elegirava e tornava a girar o objeto de ma-deira em suas mãos.

“São os olhos brilhantes de tua almaque enxergam através do invólucromaterial grosseiro. Todos os fatos verda-deiros naturais e espirituais encontram-se em relações mútuas. Nessa modestaescultura em madeira podes ler inúmerosfatos tanto espirituais como os que acon-teceram na realidade.”

“Durante toda a minha vida desejeiencontrar-te”, disse o jovem.

Extraído de The Story of an African Farm, Olive Schreiner (1855-1920). Amsterdã: UitgeverijPodium, 2006. Essa obra é considerada o ponto altoda literatura sul-africana, da qual a autora é um dosfundadores.

desvelamento das sabedorias ocul-tas, a investigação de criminosos e deseus motivos passa para segundoplano na busca por um longínquo pas-sado histórico. À medida que o leitoravança em sua pesquisa, tem a impres-são de ser iniciado nos aspectos espiri-tuais que se encontram por detrás daexistência e das religiões estabelecidas.

Descobrimos que, no decorrer dosséculos, perdeu-se o saber original. Ahistória foi conscientemente deforma-da: as autoridades espirituais e políti-cas vêm há milênios ocultando fatosimportantes. Com efeito, de fato sãoos vencedores que escrevem a história,e não os perdedores. Com isso todosconcordamos. No cristianismo, os

Não deve ter escapado a ninguém que o mercado de livros há algum tempo vem sendo inva-

dido pelo que se poderia chamar de thrillers (romance de aventura) religiosos. Há certo

fascínio por conhecimentos ocultos, mensagens secretas, grupos e forças ocultas. Além de

encontrar-se nesse gênero de livros a solução para muitos crimes horrendos, neles também

existem invariavelmente códigos enigmáticos e sociedades secretas em jogo. Símbolos impe-

netráveis de um passado longínquo dão indicações corretas, e por fim comunidades miste-

riosas revelam seus últimos segredos. Além do mais, deparamo-nos com vestígios de manus-

critos esquecidos e relíquias desaparecidas, tais como a Arca e o Graal.

A Revelação da Misteriosa Sabedoria

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O

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vencidos eram os pretensos heréticos, isto é,os gnósticos, os maniqueus, os bogomilos,os cátaros e tantos outros. E hoje, emboranossa visão da história encontre-se total-mente deformada, os aspectos da verdadesão progressivamente trazidos à luz. Assim,no decorrer de nossas leituras, a verdadeoculta pode ser-nos transmitida, e o enredode um thriller revelar-nos o objetivo de nos-sa própria busca interior.

Já há tempos essa expectativa havia sidodespertada por muitas obras esotéricaspopulares. No gênero thriller, o desejo desabedoria original e a revelação dos últimosmistérios é introduzido muito habilmente.Nesses thrillers é sempre mantida a ilusão deque podemos encontrar concretamente averdade e fazer que ela se manifeste pura esimplesmente, por exemplo, como resultadode uma pesquisa científica ou de uma inves-tigação jornalística. Mas o verdadeiro misté-rio interior não poderia também deixar deescapar a todas as pesquisas feitas no mundoexterior. Visto que nesse caminho somentese encontra o envoltório das formas cristali-zadas que encobrem a verdade, ou seja, asformas densas, jamais será possível encon-trar nele a verdade vivente, pois, embora elavenha a este mundo, ela não é deste mundo,e por isso não pode ser encontrada aqui.

Em A Gnosis chinesa,1 J. van Rijcken-borgh apresenta uma questão pertinente:“Acaso não é ilusório vos afagar sob umreflexo caricatural da luz? Acaso não énecessário retornar ao Tao enquanto ainda épossível?” A confusão é que, naturalmente,em todas essas descobertas e revelações algoda verdade mesma, da Luz única, é refletido.

Está claro que nesses thrillers modernos,como em todos os mitos e lendas antigas, seocultam muitos reflexos da verdadeira buscaespiritual, porém de modo inconsciente, sobforma alegórica, sem que o autor conheçatoda a sua extensão nem que ele próprio viva

essa busca conscientemente.Diferente de um livro cativante que trata

de um crime fictício e outros envolvimentos,deu-se, no início dos tempos, no plano espi-ritual, um incidente que envolveu toda ahumanidade. Esse incidente deve ser anula-do porque o homem, ao tornar-se conscien-te, elimina as causas do tempo, do sofrimen-to e também da obrigação de “ganhar o pãocom o suor do seu rosto”. Esse incidente so-bre o qual não podemos falar senão de ma-neira aproximativa é qualificado de “queda”.O homem original, nascido da unidade ori-ginal divina, em sua temeridade evocou, umdia, forças adversas que o desviaram de suaverdadeira evolução.

Ora, no caminho do restabelecimento daglória do homem divino e do ingresso finalno mistério divino, o homem deve afastarcorajosamente inúmeros obstáculos. Sua vi-da será julgada de acordo com seu engaja-mento pessoal, sua inteligência crescente eseu profundo anseio pela Verdade. Tudo sedesenvolve diante de um cenário: a dura rea-lidade da vida, onde os acontecimentos ex-ternos apresentam um símbolo do que sedesenvolve no plano interior. Como numthriller, os mosaicos giram na cabeça da pes-soa que segue esse caminho, enquanto asnumerosas peças do quebra-cabeça se dis-põem progressivamente uma ao lado daoutra para revelar a verdade. Desse modo, abusca interior tem um final feliz, um “bomfim”, segundo a expressão cátara. No meioda grande confusão o buscador consegue,por fim, encontrar muitos pontos de refe-rência.

Muitos desses livros referem-se inciden-talmente a fatos históricos, mais concreta-mente a um tesouro escondido, aos templá-rios, a Salomão, ou então aos cátaros etc.Neles se busca um tesouro que pode ser en-contrado em lugares lendários como Glas-tonbury, Rosslyn, Rennes le Château. Àsvezes o tesouro é material, e tem-se em vista

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o túmulo de Jesus, ou então sai-se em buscade seus ossos. É bastante comum atualmen-te basear o enredo de um thriller na idéia deque a posteridade de Jesus, consideradocomo personagem histórico, ter-se-ia perpe-tuado até nossos dias, em uma dinastia real,por exemplo, que seria designada como afamília do Graal. Inevitavelmente, a figurade Maria Madalena é mencionada como sen-do a companheira de Jesus ou sua legítimaesposa, hipóteses geralmente ilustradas porreferências bíblicas apropriadas e por lendasda Idade Média. Numa leitura feminista daBíblia, Maria Madalena serve de figura deproa que se propõe corrigir a parcialidadepatriarcal desse livro, de modo que freqüen-temente Madalena é a personagem centralnas modernas buscas do Graal, que paramudar, já não é chamado “Santo Graal”, mas“Sangreal”, ou seja, sangue real. A revelaçãodesse segredo remete-nos aos evangelhosgnósticos como a Pistis Sophia2 e O evange-lho de Maria3, sobretudo para mostrar queMaria Madalena era a bem-amada de Jesus eque ele “a beijava na boca” (Evangelho deFilipe).

Chegamos, assim, a um terreno delicado enão menos perigoso caso não tenhamosnenhuma idéia do processo que se desenvol-ve dentro de nós e à nossa volta. Há umaprofunda sabedoria que ensina que a uniãodo homem e da mulher pode não apenas serum símbolo, mas a chave efetiva de umaidéia espiritual superior. Em particular ocasamento, a união de Jesus e Maria Madale-na, deve realizar-se necessariamente a fim deconduzir toda a humanidade aos mistérioslibertadores – o que está em flagrante con-tradição com os ensinamentos da Igreja deRoma. Este é o saber secreto transmitido degeração a geração por fraternidades secretas.Nas escolas de mistérios, pelo contrário, ocasamento sagrado representa a união alquí-mica que todo ser humano deve realizarinteriormente: a união de seus aspectos mas-culino e feminino, anulando assim toda idéia

de separação. O Espírito divino e a almahumana devem unir-se conforme a descriçãoprofunda dada por Johann Valentin Andreæem sua obra prima As núpcias alquímicas deChristian Rosenkreuz.4

Segundo O Evangelho de Maria, MariaMadalena é a “companheira de Jesus”, isto é,a nova alma que, libertada das realidadestransitórias daqui de baixo, vive em uniãoíntima com o Espírito, seu esposo, personi-ficado por Jesus. Raramente os thrillers reli-giosos transmitem a compreensão de que osegredo do Graal, o casamento sagrado donovo ser humano, não pode se realizar noplano evolutivo da natureza comum. Defato, essa realização supõe o despertar inte-rior da natureza divina do homem, o quenão é possível se os impulsos do sangue –fatores de extremado egocentrismo humano– não tiverem sido totalmente neutralizados,deixando assim de causar qualquer interfe-rência. Essa é a diferença crucial da idéia fre-qüentemente evocada de uma união carnalentre Jesus e Maria, que teria dado origem auma pretensa descendência real que se per-petuaria até nossos dias.

Nos mistérios cristãos libertadores, o“velho homem” – cada um de nós – começamorrendo na cruz deste mundo antes de res-suscitar como novo homem. Essa verdadegnóstica crucial transforma-se em falsa ver-dade histórica quando fala ao homem denosso tempo e ele permanece surdo, ou querpermanecer surdo, à exigência incontornávelde se transformar e se entrega às suas fanta-sias. Dizemo-lo sem rodeios: não é possívelparticipar desse mistério sem estar prepara-do para renunciar a si mesmo e a todas asilusões. Não existe nenhuma linhagem realque conceda a realeza interior através donascimento. O inverso é a verdade: somenteo renascimento interior dá a realeza do Espí-rito. E neste caso cada ser humano torna-se,ele mesmo, um rei-sacerdote, o herdeiro doGraal. É unicamente dessa maneira que amisteriosa sabedoria se revela.

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“O mesmo Espírito testifica com o nossoespírito que somos filhos de Deus. E se nóssomos filhos, somos logo herdeiros tam-bém, herdeiros de Deus e co-herdeiros deCristo, se é certo que com ele padecemos,para que também com ele sejamos glorifica-dos.” (Rm 8:16-17).

O mistério do Graal dormita nas profun-dezas inconscientes da memória coletiva dahumanidade. Ele está no coração da sabedo-ria que se oculta nas lendas do Graal, histó-rias romantizadas e thrillers religiosos atuais.Se percebermos isso e liberarmos em nós asabedoria oculta, compreenderemos a gran-de renovação espiritual à qual assistimos a-tualmente, e como ela se expressa por nume-rosas criações culturais suscetíveis de tocaros buscadores, embora em forma banaliza-da, deformada e profanada. Mas, ali ondemuitos ainda têm necessidade de códigos ede chaves quiméricas, o verdadeiro buscadordo Graal perde a ilusão de poder alcançar arealidade no plano exterior. Ele está cons-ciente de que o que lhe é apresentado demodo tão sensacional apenas o desvia de suabusca para o saber interior. Ele não se põeem busca das pegadas de um rei-libertadorou de um de seus sucessores capaz de salvara humanidade graças a sua herança sanguí-nea. Com base na consciência recém-nasci-da, ele sabe que o futuro nascimento do filhoreal se realiza no próprio ser humano. Asforças-luzes libertadoras atuam no sanguede todos os que a ela são receptivos. Esse é opassaporte obrigatório, e não a predestina-ção pela nobreza do sangue herdado de umafamília ilustre, supostamente a do Graal.Nesse processo, os criminosos que aparecemnos romances em questão representam osadversários no próprio ser. São forças opos-tas que intervêm a fim de impedir qualquerelevação espiritual, qualquer ligação com asforças superiores, qualquer renascimento naLuz. A nova orientação da alma representa aprópria taça do Graal na qual o alimentoespiritual puro é recebido.

Essa é a verdadeira sabedoria oculta. Ela

não se encontra em parte alguma senão nasprofundezas do próprio coração. Não setrata, portanto, de um manuscrito amarela-do retirado de uma cripta subterrânea nemde um tesouro escondido no altar de umaantiga igreja. Quando o coração se tornareceptivo à sabedoria que não está fora denós, porém em nosso interior, os véus quependem diante do coração são afastados. Aobuscador simplesmente curioso ela perma-nece inacessível e velada, como aos fariseusque possuem a chave do reino de Deus, masnão se servem dela nem a dão aos outros(Evangelho de Tomé). Quem permanecesilencioso interiormente será encontradopela verdade e encontrará a verdade. E a ver-dade, a sabedoria oculta, lhe retirará os véusdos olhos, abrirá sua vista e se manifestará aele, nua e sem rodeios. “Graças te dou, ó Pai,Senhor do céu e da terra, que ocultaste estascoisas aos sábios e instruídos e as revelasteaos pequeninos” (Mt 11:25).

Após tal revelação, o verdadeiro buscadordo Graal vende ao primeiro alfarrabista to-dos os seus romances adornados com explo-rações imaginárias, pois eles já não são ne-cessários. Ele descobriu e compreendeu amensagem velada, e passa a escrever a histó-ria de sua própria vida: a total entrega de seuser interior ao novo homem, que é o prólo-go e o fim, passado e futuro, o verdadeiropersonagem central desse verdadeiro thrillerque ele está agora em vias de viver. Ele é ovencedor no combate que conduz pessoal-mente entre o bem e o mal, entre a Luz e astrevas. É ele que nos faz fechar definitiva-mente as páginas da antiga existência e abreo livro da nova vida.

1 Rijckenborgh, J. v. e Petri, C. de, A Gnosis chinesa.Jarinu: Rosacruz, 2006.

2 Rijckenborgh, J. v., Os mistérios gnósticos da PistisSophia. Jarinu: Rosacruz, 2007.

3 Dietzfelbinger, K., O conhecimento que ilumina.Jarinu: Rosacruz, 2005.

4 Rijckenborgh, J. v., As núpcias alquímicas de Chris-tian Rosenkreuz, São Paulo: Lectorium Rosicru-cianum, 1993.

Do Tesouro de Hermes (III)

O amor que torna tudo vivente

Eu farei jorrar do meu coração o louvor,

dirigirei minha prece aos confins

do Universo,

o começo do começo,

o tesouro eterno buscado por todos os homens,

que engendra luz e verdade,

o semeador do Logos, o amor,

que nos concede a imortalidade.

Impossível falar de ti, Senhor,

mesmo em segredo,

porém, o meu espírito cantará louvor

diariamente.

Sou o instrumento do teu Espírito,

a onisciência faz vibrar tua lira.

Teu conselho me inspira.

Vejo a mim mesmo!

De ti eu recebi força,

teu amor nos dá a vida.

O tratado da oitava e nona esferas celestes, § 50, em Hermes Trismegisto, p.71.

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Estes motivos sobre Do Tesouro de Hermes

(p. 4, 22,37) provêm de tecidos

(séculos XIV-XVII) do Reino Otomano.

Extraído de uma alocução do simpósioorganizado no Centro de ConferênciasChristianopolis em Birnbach, Alemanha.

historiador Jacob Slavenburg afir-ma que a consciência da humanidadepassa por seis fases. Ele começa pelarelação entre o homem e o divino. Emseguida, descrevendo a progressãocontínua de sua materialização e liga-ção com a matéria, ele mostra como osseres humanos se distanciaram do di-vino e caracteriza a fase atual da se-guinte maneira: “A consciência huma-na orientada para a matéria igualmen-te se embaraçou de tal modo que emgeral já nada sabe acerca da consciên-cia espiritual, do Espírito. Os seres hu-manos estão, literalmente, separadosde Deus”. E mais adiante ele diz: “Umsalto da consciência é possível caso osseres humanos reconheçam em si aexistência de um núcleo espiritual”.1

Algo notável é que no início doséculo 18, o “século das máquinas”, oescritor e filósofo J.G. Herder jáadiantava: “Somente o homem está emcontradição consigo próprio e com aterra. Embora seja a criatura mais de-senvolvida entre todos os organismos,ele é ao mesmo tempo o menos desen-volvido em relação às suas capacidadespotenciais, apesar de poder passar suavida percorrendo o mundo. A causaevidente disso é que mesmo se esta suaúltima manifestação nesta terra for a

primeira manifestação na vida nova,ainda assim ele se conduz como umacriança que está dando os primeirospassos. Ele representa dois mundos aomesmo tempo, o que cria sua aparen-te dualidade”.2

Do ponto de vista gnóstico trata-sede reconhecer essa dualidade. As for-ças planetárias irradiadoras do inícioda era de Aquário agem cada vez maisintensamente sobre a humanidadeatual. As energias ativas desse períodotêm um fator desmascarador e nãolibertador.

Por mais desorientadoras que se-jam, elas nada têm de libertadoras. Sejacomo for, é necessário reagir e coope-rar conscientemente com elas median-te livre decisão da vontade. O tempoparece tornar-se mais curto e o senti-mento de sermos impelidos adiantetorna-se sempre mais intenso. Oshomens de hoje esperam da vida a rea-lização imediata de suas idéias, segun-do a fórmula: “Queremos tudo, e tu-do imediatamente!” Em todo caso, como tempo os resultados geralmente nãocorrespondem aos seus desejos nem serealizam. Contudo, eles têm agora aoportunidade de compreender a coe-rência do plano divino para o mundoe a humanidade. O sentimento cres-cente de não ter um verdadeiro objeti-vo a ser alcançado na existência tornasua visão mais aguda e dá-lhes a possi-bilidade de duvidar de tudo em queaté então se apoiavam. Por conseguin-

Como uma criança que dá seus primeiros passos

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O

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te, surgem perguntas do gênero: “O que ainda é durável, o que ainda

tem valor e o que eu possuo realmente?O que posso reconhecer como justo, equem reconhecerá quem eu sou? Seráque exerço um certo poder, ou um po-der exterior tem influência sobre mim?Que significado devo dar aos meuspensamentos e sentimentos? O quedevo querer a fim de agir de maneiracorreta?”

Ao se fazer essas perguntas é possí-vel que ele adquira aos poucos o auto-conhecimento e um conhecimentomais profundo do mundo. Nossa ver-dadeira tarefa é desvendar o mistériodesta vida. Nossa época, tão multifa-cetada, semeia uma grande confusão,mas também pode ser a fonte de umaexperiência nova: a experiência espiri-tual, a experiência divina.

J. van Rijckenborgh, um dos funda-dores da Escola Espiritual da Rosa-cruz Áurea dizia, em 1965: “A luz nas-ce da luta com base no puro anelo, e éjustamente isso que é a auto-realiza-ção, essa é a grande obra, é o myste-rium magnum.3

O gnóstico não busca a auto-afir-mação neste mundo, pois este mundoé efêmero, está ligado ao tempo e aoespaço. Embora a era de Aquário sejavista como fator auxiliador no planodivino, ela não liberta o ser humano deseu aprisionamento no espaço e notempo. Somente voltando-nos para oque há de mais profundo dentro denós mesmos, na renúncia ao confor-mismo às leis deste mundo, decididosa consagrar-nos inteiramente ao retor-no à origem, é que será possível elevar-nos a uma dimensão superior. Trata-se, pois, de uma reviravolta que o fran-cês Marcel Proust (1871-1922) descre-ve da seguinte forma: “Justamentequando tudo parece perdido é queaparece o sinal que nos salva. Quantas

vezes batemos à porta que não nos levaa parte alguma! Mas a única porta quepodemos atravessar, após tê-la busca-do em vão durante uma centena deanos, é aquela à qual batemos, sem osaber, e ela se abre”.4 Essa porta se abrediante de todos os que acumularamexperiência suficiente e desenvolve-ram sua compreensão. Caso passemessa porta, eles serão confrontadoscom a compreensão de uma manifes-tação infinita: a plenitude da Gnosis.

Chegamos mais uma vez a uma mu-dança de era, e passamos agora da erade Peixes para a era de Aquário. Nova-mente irradia a força de Cristo, a ener-gia divina que cresce neste mundopara nele estimular o processo degênese de um novo homem. O signode Aquário, representado por um ho-mem carregando uma ânfora conten-do a água viva, o Espírito divino, queé vertida sobre o mundo, é uma ima-gem vivente. Essa água viva penetra aaridez de nossa antiga consciência enos confere a compreensão do proces-so de nascimento de outro princípiototalmente interior.

Um nascimento, uma criança, en-volve a idéia de crescimento. Tornar-seadulto de modo puramente biológicoainda não implica o processo de tor-nar-se divino. Algo completamente di-ferente deve crescer: o núcleo espiri-tual vivente de nosso microcosmo; eeste só pode crescer por meio de umprocesso anímico espiritual. A artistaGlenda Green diz a esse respeito: “Acriança de que se trata não é a criançaque você era em sua juventude, poréma alma eterna que você é, eternamentejovem, frágil e inocente, mas tambémsábia e compassiva. Ela é a criança di-vina que você é vista pelos olhos deDeus, a criança divina que vive no rei-no dos céus”.5

Aqui não se trata da criança cuja

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alma natural começaria a se desenvol-ver sob a influência do Espírito. H.E.Benedict escreve em seu livro sobre aCabala, a mística judaica: “O símboloda alma pura engendrada pela graça doEspírito Santo é a centelha divina quedá nascimento à criança divina nointerior de si”.6 Somente quem estápronto para se libertar de seu instintode conservação egocêntrica no mundotransitório pode encontrar a novaalma. Por sua vez, essa alma dá-lhe aforça para conduzir sua vida de modototalmente renovado. J. van Rijcken-borgh escreve a respeito da estruturada nova alma: “Assim, um sistema delinhas de força totalmente diferenteforma-se na figura da personalidadecomum quanto ao aspecto exterior,porém iluminada e inflamada por cor-rentes vitais totalmente outras. [...]Um novo templo surge. Um templotríplice, segundo consciência, alma ecorpo. Um corpo material, não a figu-ra grosseira da natureza dialética,senão a forma aprimorada de umanova natureza”.7

Uma consciência universal desa-brocha na nova alma, cujo brilho irra-dia interiormente no ser que segue asenda: ele é curado de sua cegueira e pas-sa a ver tudo com novos olhos, tal co-mo o exprime de modo alegórico oNovo Testamento. O despertar da al-ma torna-o num novo homem.

1 Slavenburg, J. Ein Schlüssel zur Gnosis,

Birnbach, 2003.2 Herder, J.G. Ideen zur Philosophie der

Geschichte der Menscheid, Liv. VII, 1a. parte.3 Rijckenborgh, J. v., Os sinais poderosos do

Conselho de Deus, cap. IV (no prelo).4 Proust, M., A la recherche du temps perdu.

Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1987-1989. 4 tomos.

5 Green, G., Liebe und Bewustsein, WeisheitenVon Jeshua, Burgrain, 2003.

6 Benedict, H.E., Die Kaballa asl jüdish-chris-tlicher Einweihungsweg, Munique: Auflage,2003.

7 Rijckenborgh, J. v., O advento do novohomem, 2.ed. São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1988. cap. 9, 2ª. parte.