libsysdigi.library.uiuc.edulibsysdigi.library.uiuc.edu/OCA/Books2009-10/3353423/...2008-11-08 · Ao slatii quo mostrei o seu acanhamento, ... A philosophia da historia de Buckle e

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THE UNIVERSITY

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LIBRARY

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UOLLLlflIUN

HISTORIA

DA

LITTERATURA BRASILEIRA

H. GARNIER, Livreiro-Editor, Rua do Ouvidor, 71

Curso elementar de Litteratura nacional pelo cnego Dr J. C. Fernandes Pinheiro, 2.' edio melhorada e revista por Lr Leopoldo Fernandes Pinheiro Jnior, 1 vol. in-4.'' ene lOSOOO

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Pinheiro, 2 fortes vols. in-4., br. 6S000, ene 8S00O

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Curso de Litteratura Brazileira ou escolha de vrios trechos em prosa e verso de autores nacionaes antigos c modernos, seguidos dos Cantos do Padre Anchieta pelo Dr. Mello Moraes Filho, 3.' edi(;o consideravelmente melhorada, 1 vol. in-l." ene. GSOOG

BRASLIA

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Jofto de Lucena, 2 vols. in-4.* lOSOOO, in-S." 6S000

HISTORIA

DA

LITTERATURA

BRASILEIRA

POK

SYLVIO ROMRO

da Academia Brasileira

2. a Edio me Ih. o 3? a, d. a- pelo aiictor

TOMO PRIMEIRO

(1S00-1830)

RIO DE JANEIRO H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR

71, Rua do Ouvidor, 71 1902

A' memoria de minha mulher D. Clarinda Diamantina de Arajo Romro.

Sylcio Romcro

PROLOGO DA 2: EDICAO

o facto de se haver, em poucos annos, esgotado ai.* edio d'esta obra prova de no ter sido ella mal recebida pelo publico brasileiro, principalmente tratando-se de um livro de preo um tanto elevado.

Cumpre-me agradecer aos meus patricios este evidente signal de apreo, seno ao- auctor, pelO' menos ao seu escripto.

Varias objeces me foram propostas e entre ellas avulta- ram as seguintes : a indicao do anno de 1500 para abrir o perodo que chamei de formao, e a falta de captulos rela- tivos a Macedo, Alencar, Martins Penna, Varnhagen, Pereira da Silva, etc.

A primeira censura rebate-se facilmente, lembrando o que se acha escripto no capitulo 1. do livro.

A segunda se refuta, ponderando 'que a obra no sahiu com- pleta na 1.* edio; pois ahi mesmo se promettia um terceiro volume, que dever agora apparecer.

Releva, porm, accrescentar, no que diz respeito questo dos perodos litterarios entre ns, que no me seria difficil substituir a diviso proposta no texto pela seguinte : a) Perodo de formao, de 1592, dacta supposta da 1.* edio da Proso- popa, de Bento Teixeira Pinto, a 1768, dacta da publicao das Obras Poticas, de Cludio da Costa; ) Perodo de desen- volvimento autonmico, de 1768 a 1836, dacta da publicao dos Suspiros Poticos, de Magalhes; c) de 1836 a ^1875, anno do apparecimento dos Ensaios de Philosophia e Critica, de Tobias Barretto, sendo este o Perodo de reaco romntica; d) finalmente. Perodo de reaco crtico-naturalstca, de. 1875 a 1893, dacta dos Broquis, de Cruz e Souza, ou 1900, anno da

VIII PROLOGO DA 2.* EDIO

publicao do 1. volume do Livro do Centenrio do Brasil. Poderia ainda ajuntar que, tanto esta nova diviso e classifi- cao, como a que se l no livro, no perderiam nada em ser substitudas pela seguinte : 1. Perodo clssico, de 1549, dacta da fundao do Collegio da Bahia, a 1836 anno dos Suspiros Poticos; 2 Perodo Romntico de 1836 a 1870, anno das pri- meiras reaces anti-romanticas; 3. Perodo das reaces ant- romanticas, de 1870 a 1900 e annos posteriores, at a formao d'algum movimento nacional novo e original, que venha sub- stituir as escolas actuaes.

No tudo; seria ainda possvel simplificar a diviso e dal-a em duas grandes pocas, a saber : 1. Perodo puramente cls- sico de 1592 a 1792, isto , da Prosopopa s Lijras, de Gon- zaga ; 2.*" Perodo de transformaes ulteriores, desde as Lyras, em 1792, quero dizer, desde o proto-romantismo mi- neiro, at hoje, a os symbolstas.

So, como se ve, quatro classificaes e divises diversas, o que importa affirmar no fazer o auctor grande cabedal da que propoz no texto do livro e d'estas que ahi ficam.

Na memoria litteraria do Livro do Centenrio discuti as inventada^s por F. Wolf e Fernandes Pinheiro, que se me anto- lham ainda inferiores s lembradas por mim.

Outro assumpto. O presente livro sae n'esta edio escoi- mado de varias imperfeies que o andavam a afeiar na pri- meira tiragem.

Rio, 20 de julho de 1901.

Sylvio Romro.

PROLOGO DA 1/ EDIGAO

Este livro um livro de amor, feito por um homem que sente ha perto de vinte annos sobre o corao o peso do dio que lhe tem sido votado em sua ptria...

No phantasia ; nem o auctor precisa de inventar soffri- mentos, que lhe tenham sido infligidos, para passar por martyr. Bem longe d'isto. As calumnias, injurias e descom- posturas, que lhe comearam a atiraff desde que pela vez pri- meira, em princpios de 1870, na Crena do Recife, publicou um artigo de critica, no deixaram mais de o visita/r no correr dos muitos mezes e muitos annos, que desde ento se tm seguido.

As luctas comeadas em Pernambuco foram continuadas no Ptio de Janeiro, e ao auctor parece escusado rememorar as violentas polemicas em que se tem achado invoMdo, pugnas nas quaes se bateu com todo o ardor das convices arraigadas, recebendo sempre em paga o apodo aviltante, ou a injustia apta a lhe negar os titulos e as honras de seu trabalho.

Se o fim dos que escrevem, como pensava o velho Ville- main, agradar, ningum mais ha falhado a 'esse fim do que o auctor. Elle tem conscincia de haver desagradado em toda a linha. Entretanto, no quer fazer suppr que se tem na conta de um innocente, attacado sem motivo; no. A razo da bulha, da gritaria, dos insultos, sabe o auctor que foi elle quem a forneceu.

O arrojo nervoso de seu temperamento manifestou-se sempre em sua critica e a tornou desde o principio capaz de

X PROLOGO DA 1.* EDIO

rudemente chocar os spiritos mais desabusados. Todos os seus artigos, todos o seus livros deram ensejo a queixas e a resentimentos. No mister chegar at aos inimigos para o provar; o testemunho dos prprios amigos sufflcientissimo aqui.

Tobias Barretto, que no pecca por moderado, no Contra a Hypocrisia, disse que o critico e o polemista faziara no auctor uma tal alliana que infallivelmente^ haviam de depennar quem lhe cahisse nas unhas. Citou ento a celebre fabula do individuo que tinlia duas apaixonadas, uma que no gostava dos cabellos pretos e a outra que no gostava dos brancos, e pozeram-se a arrancal-os cada uma de seu lado ao amante, reduzindo-o completa cal vicie.

Assim, nos livros do auctor aquillo que o critico deixava, o polemista ia atirando fora, sendo o resultado ficarem os pobres auctores completamente despidos...

Araripe Jnior, no livro consagrado ao estudo de Jos de Alencar, falou n'essa combatividade excessiva do escriptor que o levava a decapitar todos ou quasi todos os auctores que lhe cahiam nas mos.

Joo Ribeiro, na poca, e Medeiros e Albuquerque^ na Provinda de S. Paulo, expressaram-se no mesmo sentido.

Araripe referia-se Litteratura Brasileira e a Critica Moderna, Tobias dava conta da Philosophia no Brasil, appa- recida aquella em 1880 e esta em 1878. Taes livros obedeciam intuio pessimista pelo auctor abraada desde 1868 e 69 t manifestada na imprensa desde princpios de 1870.

Entretanto, os annos se foram passando, a evoluo do Brasil foi-se alargando, o Paraguay foi vencido, a escravido recebeu golpe certeiro que a fez estrebuchar at vir agora morrer, em grande numero as ideias se foram agitando, o auctor em silencio comeou a estudar em globo o seu paiz sob diversos aspectos, e comprehendeu que em 1888 devia estar modificado o pessimismo de vinte annos atraz.

Com relao a sua querida ptria, o auctor tem passado por trs phases diversas : a primeira foi a do optimismo da meninice e da primeira juventude, idade em que toda a gente

PROLOGO DA 1.^ EDIO XI

l nos livros das classes a famosa descripo do Brasil em Rocha Pitta e acredita em tudo aquillo como n'uma dogm- tica infallivel ; a segunda foi a do pessimismo radical e intra- tvel a que deu curso em seus primeiros livros ; a terceira a actual, a da critica imparcial, equidistante da paixo pessimista e da paixo optimista, que nos tm feito andar s tontas. "

O livro que se vai ler a expresso natural e apropriada d'esta ultima phase, que parece ser a da madureza de todo espirito que sinceramente quizer prestar servios a este paiz.

E esta transformao do dogmatismo pessimistico do auctor para uma intuio critica imparcial, ou que pelo menos lhe parece tal, foi-se operando gradualmente, medida que avanava no estudo 'de nossa ethnographia, de nossa historia, de nosso folk-lore, de nossa litteratura.

No, no ma^is tempo de dizer que o Brasil e os bra- sileiros so o primeiro paiz e o primeiro povo do mundo, assombrosas patranhas em que nem mais as crianas acre- ditam ; mas tambm no mais tempo de declarar que o Brasil e os brasileiros so a vergonha e a lastima do mundo, peccaminoso brado de desalento que nem ao menos encontra mais os escravos para o repetirem...

Mais calma, e mais confiana, meus senhores ; bom adiar as paixes e dar entrada imparcialidade.

Seguir-se-ha d'ahi que o auctor renega seus livros dos tempos da mocidade, dos saudosos dias em que luctava com toda a energia e toda a indomabilidade da paixo? Absoluta- mente no.

Esses livros so tambm seus filhos dilectos. Como ver- dade, como doutrina, como analyse, valem tanto quanto este ; como reaco, como ataque, como polemica, valem mais do que este ; como experincia, como imparcialidade, como moderao, que valem menos do que este.

No ha motivos, pois, para os renegar. Esta lembrana s

poderia occorrer estravagante estolidez de ajanhados espi-

' ritos. Minha obra estar em seu remate em contradico. com

seu inicio? Necessariamente no ; porque seus principios

XII PROLOGO DA 1.* EDIO

dirigentes so os mesmos. Sua base philosophica, histrica, ethnograpliica, esthetica e critica sempre idntica.

Deixar no caminho apenas um pouco de rudeza, de tom aggressivo, de violncia no ataque, e senhorar-se de mais serenidade e cordura, s a extravagantes parecer contra- dico.

Nem todos sero, talvez, capazes de chegar a este justo equilibrio. Todo aquele que o fr, poder dizer como Victor Hugo, respondendo ao celebre Marquez : J'a grandil Assim tambm responderia o auctor, se tivesse motivos para se gloriar.

Bem longe d'ahi. Sua obra demasiado modesta em todas as suas phases para lhe fazer voltear a cabea. Um pouco mais de paixo hontem, um pouco mais de imparcialidade hoje no so phenomenos prprios para exaltar um homem. E' cousa vulgarissima na historia e na litteratura. N'isto no ha mrito algum particular e peregrino.

Deixem-se estas ponderaes, que ahi ficam para arrolhar a bocca a certa critica escandalosa, e olhe-se para o paiz.

J no mais tempo de o representar na figura d'um cabo- clinho, mais' ou menos boal, que se dava por agente de 1822 e suppunha ter aqui supplantado o reinol...

O momento muito mais serio ; no cu despontaram outros astros, nas conscincias outras aspiraes, nos peitos outros mpetos, nas frontes outras luctas.

O momento politico e social grave, gravssimo. Os pro- blemas que nos assediam, a despeito de havermos arredado o trambolho da questo servil, so ainda muito srios, so da ndole d'aque]les que decidem do futuro de um povo.

Quando aludo a problemas d'esta natureza, d'esses que assignalam pocas na vida das naes, no me refiro a certas theses de caracter tercirio, simplices regulamenta- es internas, como casamento civil, registro civil, cimiterio secularisado, e quejandas, necessrias por certo s popula- es acatholicas do paiz, mas s por si incapazes de cons- tituir um programma de reformador serio.

Nossos problemas capites na actualidade se me afiguram

PROLOGO DA 1." EDIO XIII

ser alguns reaes, outros levantados pela impacincia e deso- rientao dos agitadores da opinio.

Uns e outros na hora actual so : pela face politica federalismo, republica e organisao municipal ; pela face econmica o velho e temeroso problema da emancipao dos escravos est substitudo por trs outros o aproveita- mento da fora productora do proletariado, a organisao do trabalho em geral, a boa distribuio da propriedade terri- torial ; pelo lado social colonisao estrangeira, grande naturalisao, reforma do ensino theorico e technico.

Todo homem que empunha uma penna no Brasil, deve ter uma vista assentada sobre taes assumptos, se elle no quer faltar aos seus deveres, se no quer embair o povo. Sem a preteno de doutrinar e disciplinar a opinio, vou expender meu modo de pensar. Rapidamente, sem duvida. O Brasil um paiz ainda em via de formao; nunca demais esclarecer o seu futuro.

Foi o que fiz no pleito para a abolio da escravido em fevereiro de 1881, ao iniciar-se a formidvel campanha, no artigo A questo do dia a emancipao dos escravos, inserto na Revista Brasileira. (1)

No momento em que trao estas linhas troa por toda a parte o ruido das festas da abolio. A lei foi sanccionada pela Regente ha poucos dias, est-se no periodo dos festejos promovidos pela imprensa da capital.

Um phenomeno singular salienta-se j aos olhos do obser- vador independante : cada um j vae puxando para ;si as glorias do feito e deixando os outros atirados na sombra..^

Singular destino da raa negra no Brasil! Alimentou o branco, deu-lhe dinheiro durante quatro sculos e agora por ultimo d fama aos gananciosos de nomeada fcil, d gloria aos espertos que no se pejam de declamar! Singular destino em verdade!

Hoje faz at acanhamento andar a gente nas ruas do, Rio de Janeiro; a ns os obscuros, acanha-nos por certo hombrear

(1) Repi^oduzido nos Ensaios de Critica parlamentar, sob o titulo O Sr. J. Nabuco e a emancipao dos escravos.

XIV PROLOGO DA .^ EDIO

com tantas e to illustres notabilidades, com essas centenas de heres que a abolio immortalisoul

Ao pobre acanha o fausto, o deslumbramento dos milio- nrios. E' j tanta gente a reclamar as honras do feito que o auctor permitte ao seu direito ir buscar tambm o seu quinho.

Antes de traar o quadro do estado actual de nossos pro- blemas series^ o leitor no levar a mal que se lhe notem as phases diversas do emancipacionismo nacional.

E seja logo o meu primeiro asserto : a raa negra foi liberta, porque merecia sl-o, e quem a libertou foi princi- palmente o povo brasileiro. No foi S. Alteza a Regente, como dizem os monarchistas ; no foi o Sr. Joo Alfredo, como dizem os pretendentes; no foi o Sr. Joaquim Nabuco, com,o dizem os liberaes ; no foi o Sr. Jos do Patrocnio, como dizem os democratas ; no foi o Sr. Dantas, como dizem os despeitados... No, nada d'isto, a cousa vem um pouco de mais longe.

O feito que se acaba de realisar tem valor aos meus olhos justamente por ser uma obra na qual collaborou toda a nao. E' uma injustia esquecer os servios especialmente dos que se no podem mais defender. O emancipacionismo brasileiro tem j os cabellos brancos, vae por trezentos annos de idade.

No primeiro sculo da conquista e da colonisao notam-se j fortes protestos contra a escravido. Taes protestos, que se referiam exclusivamente raa indgena, repetiram-se no sculo seguinte ainda tendo por alvo o selvagem tupy. Mas j ento a raa negra lavrava o seu primeiro e eloquentssimo brado de libertao. Este protesto foi duplo : de um lado ensinava aa branco a resistir ao hollandez invasor, e de outro lado, n'essa famosa republica dos Palmares, mostrava ao branco que seria livre quando definitivamente quizesse.

Estes ltimos factos passaram-se no sculo xvn na antiga capitania de Pernambuco. Ento fez-se ouvir o decano dos poetas e abolicionistas brasileiros Gregrio de Mattos, o grande satyrico. A marcha ascendente do pensamento liber-

PROLOGO DA 1.^ EDIO XV

tador no ficou ahi ; no sculo seguinte os protestos conti- nuaram e com tal insistncia, que tiveram bastante fora para mover o animo de bronze de Pombal, que acabou defi- nitivamente com a escravido india, e bastante intensidade para echoar nos altos sertes mineiros, onde se foram ani- nhar nos cantos ardentes dos poetas da Inconlidcncia. Alvarenga Peixoto intentara empregar na revoluo

{{ Os fortes braos feitos ao trabalho

e esses braos eram os braos dos escravos, que seriam liber- tados pela nova republica.

No sculo XIX no houve um s decennio em que a emancipao dos captivos se no impozese como o maior dos problemas, a mxima aspirao d povo.

Falem os factos.

Em 1817 a revoluo republicana de Pernambuco hasteava bem alto a grande ideia.

Em 1823 Bonifcio de Andrada agitava-a na Constituinte. Por lesse mesmo tempo Antnio Ferreira Frana apresentava radical projecto a respeito.

Em 1826 o governo imperial compromettia-se a reprimir o trafico.

Em 1831 Diogo Feij supprimia-o de uma vez na legislao e Odorico Mendes batia-se pela libertao. O mesmo fazia o velho Rebouas.

Em 1835, a revoluo rio-grandesse inscrevia em sua ban- deira a reforma salutar.

Os patriotas de 1848 alentavam iguaes desgnios.

Em 1850 Euzebio de Queiroz varria completamente dos mares os navios negreiros.

No decennio que se abre ento a ideia avoluma-se e alastra o paiz inteiro. Fundam-se sociedades libertadoras, cra-se o costume de festejar as grandes datas nacionaes e familiares alforriando escravos. A propaganda doutrinaria espadana por todos os lados.

E' quando apparecem as obras jurdicas de Perdigo Malheiro e Teixeira de Freitas com intuitos abolicionistas.

XV( PROLOGO DA l."" EDIO

E' quando o jornalista Alves Branco Muniz Barretto se agita. Em i86i Tavares Bastos d rebate desusado ao secular problema entre os liberaes. Rangel Pestana e Amrico de Campos seguem-no Ide perto.

Mas o espirito pratico, o vidente, aquelle que teve a intuio prompta e real da questo foi Luiz Gama.

Desde 1863 ou 64 ou rumores das sociedades emancipadoras da Europa chegaram at aos ouvidos do imperador. E' o momentoi da interveno do monarcha no pleito. EUe indica o asumpto ao estudo de S. Vicente e apreciao politica de Zacarias de Ges.

Era o tempo da guerra com o Paraguay ; a ebulio de todas as ideias era geral; a questo da emancipao dos cap- tivos, posta no dominio de todos pelos publicistas, penetra nos coraes pela aco dos poetas. Castro Alves d en|o a nota geral. A victoria no ])odia estar longe ; ella se avisi- nhava em verdade.

Em 1871 morria o poeta bahiano em julho, e de setembro em diante ningum mais nascia escravo. Devia-se to esplen- dido resultado, a quem ? A todo o trabalho, a todo esforo accumulado da propaganda.

Rio Branco e seus companheiros, e o imperador que se poz ao lado d'elles, foram apenas os executores da vontade da maioria da nao. Ahi hndou a aco governamental.

iMas j antes em 1866, a Ordem Benedictina libertara o ventre de suas escravas e em 1871 libertou todos os seus cap- tivos.

J antes a poesia se havia votado ao assumpto, e seria quasi impossvel enumerar os poetas que tiveram um brado de alento para os miseros captivos.

E' bastante lembrar os nomes de Trajano Galvo, Macedo Soares, Pedro de Calazans, Jos Bonifcio, Bittencourt Sam- paio, Joaquim Serra, antes de Castro Alves, e os nomes de Elzeario Pinto, Celso de Magalhes, Jos Jorge e Mello Moraes Filho ao lado d'elle.

J nem preciso falar nos poetas recentes, todos abolicio- nistas.

PROLOGO DA 1.^ EDIO XVII

O governo em 1871 tinha dado tudo por concludo ; fazendo pacto com a morte, confiou-lhe o cuidado do futuro.

A nao que no entendeu assim. Ao passo que a Lei de 28 de Setembro tinha toda a confiana na sua alhada, espe- rando que ella enchesse os tmulos de captivos, em compen- sao aos beros que se enchiam de livres, o povo com- prehendeu que a morte muito m companheira para o que quer que seja e mais ainda para resolver as questes sociaes.

O frenesi das libertaes por impulso particular tomou propores colossaes. Quasi no havia um s dia em que se no consignassem emancipaes em qualquer numero. Era o festejo predilecto das famlias brasileiras.

Assim correram as coisas at 1880. N'este intervallo os com- batentes, os propagandistas da imprensa e da litteratura fizeram-se ouvir sempre mais ou menos intensamente. E' o tempo do moo Ferreira de Menezes e dos velhos Beaure- paire Rohan e Jos Maria do Amaral.

De 1880 em diante a montanha comeou a baquear de uma vez, e o que fez rolar a primeira pedra do geral desmorona- mento foi o Sr. Joaquim Nabuco, apresentando n'aquelle anno o seu projecto de um praso de dez annos para q extinco completa do captiveiro. Do parlamento passou logo a pugna para a imprensa ; foram se formando as sociedades abolicionistas.

Os Srs. Vicente de Souza, Joo Clapp, Jos do Patrocnio, Andr Rebouas, Ennes de Souza e Nicolau Moreira tomaram a frente da propaganda intranzigente. Degladiavam-se trs partidos, ou antes trs solues diversas : o statu-quo, patro- cinado pelos Srs. Paulino de Souza e Andrade Figueira ; a ideia de um praso, defendida pelo Sr. Joaquim Nabuco ; a abolio immediata, sonho do Sr. Jos do Patrocnio e de seus amigos.

A discusso tomou desde o principio caracter incandes- cente.

Foi ento que appareci e procurei encaminhar scientifica- mente o debate.

O artigo da Revista Brasileira, transcripto em todo imprio,

XVIII PROLOGO DA 1.* EDIO

appareceu em fevereiro de 1881. Tive a inaudita ousadia d( taxar de errneas, atrazadas e perniciosas as trs solue; e a audcia ainda maior de apresentar uma quarta...

Ao slatii quo mostrei o seu acanhamento, a sua inepoi diante do movimento econmico e democrtico do paiz,

A' soluo por um praso, mostrei com a historia a suc inefficacia, a desorganisao que traria ao trabalho, a per turbao, o sobresalto perenne, que se lhe seguiriam.

A' abolio immcdiata mostrei o absurdo de quer* de un: jacto, repentinamente, retirar de um paiz a sua fora pro ductora, e a leviandade de querer brincar com os pheno- menos econmicos e sociaes, pretendendo resolvel-os com musica. Referia-me s conferenciaes e matines.

E' inenarrvel a barulhada que levantou o meu escripto. Ns imprensa e nas conferencias foi d'ento em diante artigo obrigatrio atacar-me. Orador que o no fazia no merecia applausos.

Entretanto, durante oito annos nenhuma das trs solues foi posta em execuo. Nem o slatu quo, nem o praso, nem o immediatismo serviram para nada.

A soluo que preguei, a que dei o nome de emancipao autonmica c popular, foi a nica que sfi poz em pratica. Nada de deixar dependendo do governo geral uma questo de caracter social e econmico, disse eu. E acrescentava que o individuo, a familia, o municpio, a provncia fossem liber- tando os seus escravos, os nossos irmos de cr, ao que eram impellidos, alem de motivos moraes, pelo facto do escravo comear j ento a ser um trambolho, uma desvantagem diante do trabalho livre.

Apesar de no terem sido estas ideias declamadas da tri- buna das conferencias ou da Gamara dos deputados, consti- turam a soluo que praticamente foi posta em execuo pelos heroes populares da abolio no Gear, Amazonas, Rio Grande do Sul, So Paulo, Bahia, Paran, Pernambuco, Minas e Rio de Janeiro, durante oito annos. Foi a soluo posta em pratica pelos homens do povo, os fautores mais valentes, os obreiros mais meritrios do abolicionismo. Nas-

PROLOGO* DA 1.* EDIO XIX

cimento, Joo Cordeiro, Joo Ramos, Antnio Bento, Carlos de Lacerda e vinte outros.

E' de justia dizer que sua aco era estimulada, encora- jada pela voz de parlamentares como Amaro Bezerra, Antnio Pinto, Jos Marianno, Ruy Barboza e Frederico Borges, este ultimo um dos motores da libertao do Cear.

Tal systema era s por si mais que sufficiente para concluir a obra encetada.

No chegou mais depressa ao seu ultimo resultado por causa da reaco promovida pelo governo soi-disant liberal dos Lafayettes, dos Martinhos Campos, dos Saraivas e pela fraqueza inqualificvel do gabinete Dantas, que no soube fazer uma eleio e crear uma maioria.

A verdade, porm, que lh lucta pela abolio dos escravos, a aco governamental acompanhou mais ou menos a aco popular com medidas secundarias at 1871, e de ento em diante recuou sempre, deixando o campo iniciativa publica.

E a maior prova que, se os recem-chegados do gabinete actual demorassem mais trs ou quatro mezes a apresentao de seu projecto, no encontrariam mais a quem libertar!... A abolio progressiva, espontnea, popular teria chegado ao ultimo representante da escravido, o meu systema teria vencido em toda a parte.

Nem era uma novidade inaudita a soluo apresentada ; era apenas a illao lgica do concurso das diversas raas no espectculo de nossa historia, problema peculiar de ethno- graphia braslica, base de todos os meus trabalhos de critica litteraria. Insisti n'isto desde 1870 e o fiz especialmente nos Estudos sobre a poesia e os contos populares do Brasil.

Aps estas palavras em esclarecimento de factos prximos e em homenagem abolio, que, seja dito em preito ver- dade, pelo modo como aqui se fez, um facto notvel, mas no nico em seu gnero, porque j antes de ns o tinham praticado diversos estados d'America, volverei vistas rpi- das sobre as novas questes que vo provavelmente ser agora agitadas.

A questo da forma de governo, em sentido de tornal-a

XX PROLOGO DA 1,'^ EDIO

republicana, de antiga dacta ; vae tomar porm novo incre mento com a excitao geral dos espirites. Acho-a razovel e acertada, impondo-lhe apenas uma condio : no sonhe mos a republica de pura forma com suas manias iguali tarias pelo modelo francez. Luctemos pela republica qu funde a liberdade e o desenvolvimento cultural da nao.

A este problema prende-se muito de perto o da federao que alguns intentam erroneamente fazer desde j com monarchia. Creio que mais cedo ou mais tarde este anhek politico ser levado a effeito, porque elle tem alastrado am piamente partido liberal e republicano.

E' asumpto muito serio, e, pelo que toca ao futuro do pov( brasileiro, bem mais considervel do que a prpria eman cipao da escravatura.

Opponho-me a elle, como patriota e nacionalista.

Reflro-me ideia de uma federao brasileira pelo mod( porque a vo sonhando os exaltados do momento.

Sou sectrio da republica unitria, livre, autnoma, com pativel com a boa e vasta descentralisao administrativ e econmica e compatvel tambm com a unidade politica espiritual e ethnica do paiz.

Passar da monarchia centralisadora, dadas as condie: do meio e do espirito nacional, para a federao pelo model( norte-americano, desconhecer o caracter dos povos ibero latinos ; estimular o separatismo, que j vae lavrand( assombroso ; caminhar para o desmembramento da patri brasileira.

No nos illudamos com phrases e com rtulos : se fizeren uma federao in nomine capaz de garantir plenamente < unidade nacional, ficaremos em essncia com a republic unitria.

Republica federal que garanta a unidade, ou republic unitria, que garanta a liberdade, vem a sr uma e a mesm cousa.

Mas ahi que vai o perigo. A pretesto de reformas impen sadas, no venhamos a desmantelar a famosa pea de archi tectura politica de que falava o velho Andrada e que elle aju dou a levantar.

PROLOGO DA 1.* EDIO XXI

E' mister que a monarchia, emquanto viver, entre no ca- minho das reformas, e conceda mais franquias s provncias.

A republica quando vier, e deve procurar vir quanto antes, fortalea essas franquias; mas, s pelo culto da phrase, pela mania de macaquear os norte-americanos, no cheguemos a dissolver o Estado brasileiro, que s unido poder valer al- guma cousa.

No nos embriaguemos com a victoria da emancipao e no venhamos a perder a cabea, pondo em pratica ideias e reformas imcompativeis com a nossa ndole nacional.

A centralisao exaggerada e o federalismo exaggerado so ambos absolutamenta malficos para ns.

A ideia de federao assenta em dois falsos presuppostos : a crena errnea de nos convir o que convm aos anglo- americanos e a falsa theoria de suppr que para l nos levam as lies da historia.

Esta ultima deve sobretudo ser estirpada ; porque o seu inverso a verdade.

Desde os meiados e fms da idade media outra no tem sido a marcha, o rythmo do movimento nacional na Europa.

Sempre a fora biolgica na historia, isto , a aco ethnica, representada pelo sangue e pela lingua, foi-se tornando o centro de aftraco constituidor dos grandes focos nacionaes. Assim foi por toda a parte.

Os antigos reinos e estados ibricos se transformaram na Hespanha ; os antigos condados e reinos que occupayam o velho solo da Gallia produziram a Frana ; a antiga heptar- chia anglo-saxonica produziu a Inglaterra ; as provncias unidas produziram a Hollanda. Esta fora de integrao ethnica foi sempre produzindo a sua aco, dissolvendo uns estados e fundando outros.

Em o sculo xix deram-se trs exemplos inilludiveis do facto : a unidade dos povos allemes, a unidade da Itlia, a quasi completa desaggregao da Turquia. Alli a unidade de raa a fora attractiva ; aqui ainda o factor ethnco que aggrema as populaes slavas e as habilita a sacudirem o jugo turco.

So as lies da histrica.

O Brasil posse uma certa unidade ethnica que lhe tem

XXII PROLOGO DA 1,* EDIO

garantido a existncia at hoje. Mas esta unidade no deve ser perturbada com a ingesto systematica de elementos estrangeiros em privilegiada zona do paiz, nem deve ser posta em prova com um projecto perigoso de federao.

A sbia descentralisao republicana sufficicnte para garantir-nos a liberdade na unidade.

Este assumpto pediria um grande desenvolvimento ; no aqui o lugar prprio. (1) Vamos a outros.

A organisao municipal no cousa que se decrete em quatro palavras, que tragam a mudana radical de noaso deplorvel estado por esta face. Ser antes necessrio educar, disciplinar este povo para o self government.

Ao observador competente no escaparo a pouca aptido e o nenhum gosto de nosso povo para a gesto directa e hbil de seus negcios. Tal o motivo capital da pasmosa decadncia de todas as intituies populares, que foram transplantadas para o Brasil, onde ainda no se acclimaram, como sejam o jiiry, o systema representativo, as camars mu- nicipaes, as assemblas provinciaes. E a um povo assim psychologicamente organisado que se vae impor o regimen dissolvente da federao ?

Da boa harmonia das liberdades provincianas e da forte aco do governo republicano central que depender o fu- turo poilitico do Brasil, repita-se saciedade. E' preciso, pois, antes de tudo que governos, partidos, publicistas, escriptores, todos emfim que tm uma aco qualquer sobre o povo, o vo habilitando para dotar-se de uma boa organi- sao municipal.

Depois dos assumptos polticos seguem os sociaes, e entre estes avulta o da immigrao e colonisao estrangeira, que, a meu ver, mais um temeroso problema social do que eco- nmico.

Sobre elle acha-se n'este livro a minha opinio. Quero em primeiro logar que se aproveitem os elementos nacionaes.

Existem ahi milhares e milhares de patrcios nossos que

(1) Mais tarde transigi com a federaro, porem uma federao restricta com o parlamentarismo. Vide, Parleinentarismo e Presidencialismo na Republica do Brasil.

PROLOGO DA 1.* EDIO XXIII

devem ter a preferencia nos favores do governo para a colonisao. E' um meio- de fixar e garantir o immenso prole- tariado brasileiro.

Quanto aos estrangeiros, deve-se fazer com elles o que intitulei a colonisao integral, isto , que se vo espalhando por todo o paiz, especialmente o norte e o grande oeste. Nada de agglomeral-os s dezenas e centenas de milhares de uma s raa nas quatro provncias do sul.

E porque no querero elles occupar o resto do paiz ? O plano o mais liberal possvel : em vez de trs ou quatro provncias, damos-lhes vinte. O Brasil todo ahi est ; espal- hem-se, tenham o mesmo trabalho que tiveram outr'ora os portuguezes. Espalhem-se e misturem-se s populaes nacioanes. No vejo motivos para no aceitarem este sys- tema. Nada de privilegio de zonas ; o clima do paiz todo apto colonisao.

A grande naturalisao se me antolha medida precipitada por emquanto n'um paiz, como o Brasil, sem um povo radical e valentemente constitudo e organisado para luctar com as influencias estranhas. Isto vir mais tarde. Fortalea-se pri- meiro a nao; no queiramos praticar n'um dia o que as naes europas levaram sculos a fazer.

A reforma do ensino a que me refiro a da adopo do ideialismo que tem predominado no ensino de todos os gros n'Allemanha, que estimula em subida escala as facul- dades elevadas e inventivas, e, longe de ser um obstculo para a pratica e a technica, bem pelo contrario as desen- volve grandemente. E' justamente o contrario do ensino rasteiro, materialisado e pretendidamente pratico, o qual atrophia a inventiva, a imaginao, e abaixa muito o nivel intellectual.

Pela face econmica o estimulo principal ser atirar fora os velhos processos financeiros e abrir novas fontes de renda. Isto pertense aos governos e aos particulares.

O problema do aproveitamento do proletariado ex-escravo e do que j d'antes existia ser, ao menos em parte, solvido n'um vasto systema de colonisao nacional.

Os colonos nacionaes deveriam systematicamente, se isso

XXIV PROLOGO DA 1.= EDIO

fosse possvel, acompanhar de perto as levas de colono: estrangeiros para dois fins principaes : aprenderem com elle os novos methodos e as novas ideias de trabalho e- mi facilmente cruzarem com elles para assimilal-os.

Sobre a organisao do trabalho, que inseri entre os desi deratos nacionaes, aviso nitidamente que a no considero maneira dos socialistas europeus. Nada. Refiro-me expio rao de novas industrias, ao ensaiamento de novos methodo nas antigas, tudo no sentido de dotarmo-nos de verdadeir autonomia econmica.

A diviso progressiva das terras tem duas faces principaes a das nacionaes e a das particulares. N'aquellas o governe far bem em disiribuil-as aos colonos, dando sempre a pre ferencia aos nossos palricios ; porque este o direito d'elles Nas outras, isto , a reduco dos latifndios, no cousc que se decrete ; ir se fazendo por si progressivamente. Pod( ser auxiliada por medidas indirectas.

Taes as linhas capites da actualidade politica do paiz tanto quanto a tenho podido cornprenhender, lal a summe das ideias que, por este lado, tenho espalhado em todos o meus livros.

A critica acerba a elles feita, o esquecimento systematicc a elles votado, a conspirao do silencio com que pretendeu suffocal-os, do-me o direito de relembrar meus trabalhos ( apresentar meus ttulos. E' o que vou agora fazer. Elles sc pequenos, so talvez insignificantes ; mas gastaram-me for as e impossibilitaram-mc para outra qualquer carreira. C leitor me perdoar, pois, este desabafo.

Minha critica no tem sido to dissolvente, como aos ini migos aprouve assoalhar. Inspirei-me sempre no ideial de um Brasil autnomo, independente na politica e mais aindc na litleratura. D'esse pensamento inicial decorreram toda; as minhas investidas no domnio das letras.

Primeiramente, para firmar-me bem no terreno, tratei d( circunscrever e limitar o circulo de minha aco : un pouce de poesia apenas e o resto critica.

Em poesia, iniciei a reaco contra o romantismo em 1870 pregando a intuio nova de uma poesia alimentada do espi

PROLOGO DA l.'' EDIO XXV

rito philosophico dos nossos dias. Minha obra em totali- dade deveria constar de cantos inspirados pela Natureza, Humanidade, America, e Sergipe.

A Natureza e a Humanidade representariam o lyrismo em sentido geral ; a America e Sergipe o lyrismo local, indgena, brasiliano. Tudo isto acha-se esboado nos Cantos do Fim do Sculo e nos ltimos Arpejos, livros no comprehendidos pela ignorncia da critica indgena, que um dia lhes far justia.

Em critica appliquei-me apenas philosophia, ethno- graphia, politica e lilteratura propriamente dieta, tudo isto sob o ponto de vista de applicaes ao Brasil.

A parte philosophica acha-se, por emquanto, principal- mente na Philosophia no Brasil, onde analysei tudo o que no gnero se havia escripto at 1876 entre ns. Defendi ahi as ideias do criticismo naturalista anglo-germanico, tanto quanto o comprehendi dentro do plano de minha competncia.

A parte ethnographica est nos Estudos sobre a poesia e os cantos populares do Brasil e mais especialmente nas criticas aos trabalhos dos Srs. Couto de Magalhes, Barbosa Rodri- gues, Ladislau Nelto e Theophilo Braga. De Couto de Maga- lhes bati o aryanismo de algumas populaes americanas ; de Barbosa Rodriguez refutei o asiatismo turquestanico, que se pretendia firmar nas decantadas pedras verdes: (muyra- kitans) ; de Ladislau Netto o mongolismo e quejandas patran- has oriundas da audcia e da ignorncia ; de Theophilo Braga a mania do turanismo.

Na politica em os Ensaios de Critica Parlamentar insisti nos vicios do parlementarismo, indicando a incompetncia da maioria dos nossos homens de governo, que no estudam as condies reaes do paiz e vivem a impingir-nos maca- queaes impensadas.

A parte litteraria occupa o restante, que a maior parte de minha obra. A Lilteratura Brasileira e a Critica Moderna, os Estudos de Lilteratura Comtemporanea, esta Historia da Litteratura e outros escriptos oliunde esparsos represen- tam-me as ideias, os intuitos por este lado.

A applicao ao Brasil a preoccupao constante ; as

XXVI PROLOGO DA 1.^ EDIO

consideraes etlinographicas, a theoria do mestiamento, physico, j moral, servem de esteios geraes; o evolucionisi philosophico a base fundamental. .

Meu pensar sobre a evoluo geral da historia est artigo Interpretao philosopJiica dos factos historicc a opino sobre a intuio da arte e da litteratura em ge no estudo intitulado Sobre Emilio Zola.

So estas as linhas directoras de minha aco na litterati do paiz. Se me faltou o talento, resta-me em iodo caso, a fc moral da empreza ; a verdade e o patriotismo foram os me guias.

Tal o sentido de certos ataques a influencias estrangein que desejaria vr annuladas de todo. Independncia lil raria, independncia scientifica, reforo da independem poUtica do Brasil, eis o sonho de minha vida. Sejam elle triplico empreza do futuro.

Tenhamos confiana !

Rio de Janeiro 18 e 19 de maio de 1888.

Sylvio Romro.

HISTORIA W

DA

LITTERATURA BRASILEIRA

LIVRO I FACTORES DA LITTERATURA BRASILEIRA

CAPITULO I

Trabalhos estrangeiros e naciouaes sobre a littera- ratura brasileira. Diviso doesta. Espirito geral deste livro.

As ptrias letras, entre outras muitas lacunas, mostram bem claramente a grande falha causada pela ausncia de tra- balhos histricos. Se no existe uma historia universal escripta por um brasileiro, se a nossa prpria historia poli- tica, social e econmica tem sido apenas esboada e foi mister que estrangeiros nol-a ensinassem a escrever ; no terreno da litteratura propriamente dita a pobreza nacional ostenta-se ainda maior. ' '

O livro de Ferdinand Wolf, Lc Brsil littrairc (1863), tem sido, e continua a ser com razo, o orculo de todos na matria ; porque nico em seu gnero. O escriptor aus- traco foi o primeiro a fazer um quadro mais ou menos inteiro de nossa litteratura, quadro pallido e incorrecto, c certo,

2 HISTORIA DA LITTERATURA BRASILEIRA

mas que se impe, por estar no singular. E j l vo bastantes annos que o livro foi publicado, e at bem pouco era o com- pendio ofQcial de nossos cursos!

Antes de Ferdinaiid Wolf ainda a estrangeiros coube a tarefa de traar as primeiras noticias de nossas letras.

Bouterwek, na Historia da litteratura portugiieza (1804), Sismondi, nas Litteraturas do Meio-Dia da Europa (i819), e Perdinand Denis, no Resumo da historia da litteratura de Portugal (1825), foram os primeiros que falaram de nossos poetas e escriptores. (1)

No para sorprender, porque todos sabemos que foram elles os organizadores da historia da litteratura portugueza, da qual a nossa era considerada um appendice. Depois que Almeida Garrett escreveu o seu Bosquejo da historia da poesia e da linyua portugueza (1826). (2)

A indigncia brasileira no , pois, mais do que um pro- longamento do velho pauperismo lusitano.

Os escriptores portuguezes deste sculo, Costa e Silva, Lopes de Mendona, Innocencio da Silva, Latino Coelho, Luciano Cordeiro, Theophilo Braga, Camillo Castello Branco e outros, nos seus trabalhos sobre a litteratura de sua ptria, so portadores de algumas noticias de nossa vida intellectual, tudo ainda como um accessorio do pensamento da antiga metrpole.

A autores nacionaes s devemos alguns pequenos ensaios, parcas monographias, . noes destacadas de uma ou outra poca de nossa litteratura, ou analyse por acaso de algum escriptor predilecto.

Os principaes d^entre elles vm a ser : Janurio da Cunha Barboza Parnaso brasileiro (1831) ; Abreu e Lima Bos- quejo histrico, politico e litterario do Brasil (1835); Domingos de Magalhes Discurso sobre a historia da litteratura do Brasil (1836) ; Noberto e Silva Bosquejo da historia da litteratura brasileira, nas Modulaes poticas (1841) e mais

(1) Domingos de Magalhes, Opsculos histricos e litterarios, pag. 245.

(2) Theoph. Braga, Manual da historia da litteratura portuguesa, pag. 453. Antes de Garrett, Barboza Machado, na Bibliotheca Lusitana, trouxe alguoias noticias de auctores brasileiros.

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HISTORIA DA LITTEEATUEA BRASILEIRA 3

tarde alguns estudos na Minerva Brasiliense (1843), na Revista Popular (1861), e na Braslia bibliotheca de autores nacionaes (1863) ; Pereira da Silva Parnaso brasileiro (1843) c Plutarco brasileiro (1847), transformados depois em Vares illustres do .Brasil nos tempos coloniacs (1858) ; Varnhagen Florilgio da poesia brasileira (1851 e 53) ; Fernandes Pinheiro Discurso sobre a poesia em geral e em particular no Brasil, na traduco de Job por Eloy Ottoni (1852), e tam- bm no Curso elementar de litteratura nacional (1862), e no Resumo de historia litteraria (1872) ; Antnio Joaquim de Mello Biographias de alguns poetas e homens illustres da provinda de Pernambuco (1858) ; Sotero dos Reis Curso de litteratura portugueza e brasileira (1866) ; Antnio Hen- riques Leal Pantheon maranhense (1873) ; Joaquim Manoel de Macedo Anno biographico brasileiro (1876) ; Jos Antnio de Freitas O Lyrismo brasileiro (1877) ; J. S. Manual de litteratura ou estudos sobre a litteratura dos prin- cipaes povos da America e Europa (1878) ; Lery dos Santos Pantheon fluminense (1880); Sacramento Blake Diccionario bibliogralico brasileiro (1883) ; Ignotus Sessenta annos de jornalismo (1883) ; Mello Moraes Filho Curso de litteratura nacional (1881) e Parnaso brasileiro (1885) ; F. A. Pereira da Costa Diccionario biographico de pernambucanos cele- bres (1882). Contm tambm noticias litterarias a Revista do Instituto Histrico, os Annaes da Bibliotheca Nacional^ os Archivos do Muzo Nacional e as Ephemerides nacionaes, do Dr. Teixeira de Mello (1881). Juntem-se a tudo isto escriptos diversos de Jos de Alencar, Quintino Bocayuva, Machado de Assis, Franklin Tvora, Araripe Junioi*, Macedo Soares, Eunapio Deir, Jos Verissimo, Clvis Bevilqua, Arthur Orlando, Oliveira Lima, Livio de Castro, Medeiros e Albuquerque, Viveiros de Castro, Augusto Franco e outros.

O livro de Ferdinand Wolf, feito s pressas, no tem vistas theoricas ; um producto artificial e diplomtico. O tom geral dythirambico, e, entre outros, os exageros sobre o merecimento de seu principal inspirador, Gonalves de Maga- lhes, provocam hoje o riso. As obras de Bouterwek, Sis

4 HISTORIA DA LITTBRATURA BRASILEIRA

mondi, Ferdinand Denis e Garrett, escriptas especialmente sobre a litteratura portugueza, so muito lacunosas no que respeita ao Brasil.

Os escriptores portuguezes, atraz citados, acham-se no mes- missimo caso, e os brasileiros, comquanto mais conhece- dores do assumpto, s quizeram escrever quadros isolados e s trataram de alguns* typos destacados. E' intil ,analysal-os agora; seus mritos e defeitos sero estudados no correr deste trabalho.

Exporei desde logo o espirito geral deste livro. Emprehendo declaro-o de principio, a historia litteraria nacional com uma ideia ministrada por estudos anteriores. Pode ser um^ mal ; mas necessrio ; so precisos tentamens destes para explicar o espectculo da vida brasileira.

A historia do Brasil, como deve hoje ser comprenhendida, no , conforme se julgava antigamente e era repetido pelos enthusiastas lusos, a historia exclusiva dos portuguezes na America. No tambm, como quiz de passagem suppr o romanticismo, a historia dos tupis, ou, segundo o sonho de alguns representantes do africanismo entre ns, a dos negros em o Novo Mundo.

E' antes a historia da formao de um typo novo pela aco de cinco factores, formao sextiaria em que predomina a mesticLgem. Todo brasileiro um mestio, quando no no sangue, nas idas. Os operrios deste facto inicial tm sido : o portuguez, o negro, o indio, o meio physico e a imitao estrangeira.

Tudo quanto ha contribudo para a differenciao nacional, deve ser estudado, e a medida do mrito dos escriptores este critrio novo.

Tanto mais um autor ou um politico tenha trabalhado para a determinao de nosso caracter nacional, quanto maior o seu merecimento. Quem tiver sido um mero imitador portu- guez, no teve aco, foi um typo negativo.

Faltam os elementos para fazer um quadro vivaz .e palpi- tante da vida intima dos autores brasileiros. Os tempos pas- sados so como mortos; falta a nota viva. O habito das memo-

HISTORIA DA LITTEEATUEA BRABILEIRA 5

rias e correspondncias no tem sido at hoje seguido no Brasil. Dahi uma lacuna. Ha dois modos, disse muito bem Edmond Scherer, de escrever a historia litteraria : pde-se pender para as consideraes geraes, referir os efeitos s suas causas, distinguir, classificar. Mas pde-se tambm tomar por alvo reviver este mundo de poetas e escriptores do meio que to grandes cousas produziu, procurar sor- prender estes homens em sua vida de todo o dia, -desenhar- Ihes a physionomia, recolher as picantes anecdotas a seu res- peito, e foroso declarar que esta segunda maneira |de escrever a historia litteraria encerra muito attractivo. E' talvez mais realmente instructiva do que a primeira. Esta faz com- prehender o encadeamento, dos factos, a segunda faz conhecer os homens. E o que ha no mundo que nos interesse mais do que nossos caros similhantes, e entre estes mais do .que aquelles cujas obras nos encantam ainda, passados duzentos ou trezentos annos? Quanto a mim, daria todas ^as philo- sophias da arte e da historia por simples bagatellas e pilhrias litterarias ou anecdticas, por um volume de Bosw^ell ou de Saint-Simon. (1)

Tudo isto certo e eu daria tambm por uma historia la Saint-Simon da litteratura brasileira quantos volumes pudesse escrever de vistas geraes sobre ella. Ha, porm, uma circumstancia que me vem justificar na escolha que fao do primeiro dos dois methodos descriptos por Scherer, e vem a ser : no existem documentos para se fazer a historia intima, pinturesca, viva e anecdotica dos escriptores do Brasil.

Accresce ftambem que o encanto que se encontra neste ultimo gnero de historia litteraria, proveniente de um conhe- cimento mais familiar do viver dos homens, no consiste especialmente no desvendamento de um ou outro segredo, na pratica de uma ou outra singularidade, na convivncia de uma outra anecdota. Tudo seria estril, se no deixasse ao leitor meios de elevar-se a vistas mais amplas e concernentes d humanidade em geral.

O conhecimento que se busca, ao sorprender os actos mais

(1) Etudes critiques de Littrature, pag. 275. Paris, 1876.

6 HISTORIA DA LITTERATUKA BRASILEIRA

ntimos de um escriptor, deve sempre visar uma maior com- prehenso de sua individualidade e das relaes desta com o seu paiz e das deste com a humanidade.

Um conhecimento, que se no generaliza, fica improfcuo e estril, e, assim, a historia pinturesca deve levar historia philosophica o naturalista.

Neste terreno buscar permanecer este livro, por mais lacu- noso^que elle possa vir a ser. Seu fito encontrar as leis que presidiram e continuam a determinar a formao do gnio, do espirito, do caracter do povo brasileiro.

Para tanto antes ,de tudo mister mostrar as relaes de nossa vida intellectual com a historia politica, social e eco- nmica da nao; ser preciso deixar vr como o - desco- bridor, o colonisador, o implantador da nova ordem de cousas, Q portuguez em summa, foi-se transformando ao con- tacto do ndio, do negro, da natureza americana, e como, ajudado por tudo isso e pelo concurso de idas estrangeiras, se foi apparelhando o brasileiro, tal qual elle desde j e ainda mais caracterstico se tornar no futuro.

Uma difficuldade secundaria se me antolha, ao pr o p entrada deste terreno. E' sabido que muitos escriptores brasi- leiros, dos tempos coloniaes transportaram-se em moos, ou em crianas, para a metrpole e de l no voltaram mais. Deve ser contemplado na historia da litteratura brasileira um Antnio Jos, por exemplo, que do Brasil s teve o nasci- mento? Por outro lado, portuguezes houve que, mudados ! para a America, aqui ficaram e se desenvolveram. Devem ser contados entre os nossos autores um Jos de Anchieta e um Antnio Gonzaga? No trepido em) os incluir no numero dos nossos ; os primeiros porque beberam no bero esse quid indefinvel que / imprime o cunho nacional, e porque suas obras, de torna viagem recebidas com sympathias, vieram aqui influir ; os segundos, porque, transformados ao meio americano, viveram delle e para elle.

Mas no fica ahi : muitos escriptores portuguezes, espe- cialmente autores de chronicas, que permaneceram mais ou menos limitadamente entre ns e escreveram obras sobre o

HISTORIA DA LITTEEATURA BRASILEIRA 7

Brasil, devero ser contemplados? E' o caso de Pro Vaz de Caminha, Gandavo, Ferno Gardim, Gabriel Soares, Simo de Vasconcellos, Simo Estaeio da Silveira, outros. Assim como no devem ser considerados escriptores portuguezes alguns brasileiros que no reino residiram temporariamente, como Borges de Barros ou Porto-Alegre, tambm no se podem contemplar os portuguezes citados em o numero dos nossos autores. Seria um redondssimo absurdo, que nos levaria a contar tambm como brasileiros Hans-Staden, Thevet, Joo de Lery, Cludio Abbeville, Ivo de Evreux, Marc- graf, Laet, Piso, Lamartinire e muitos mais. Seriam tambm nossos, por tal methodo, Spix, Martins, Neuwied, Langsdorff, Saint-Hilaire, Castelneau, Hartt, George-Gardner, Vapoeus, Expylli, Jacques Arago, D'Assier, Agassiz eo prprio Darwin.

S contemplarei, portanto, como nossos os nascidos no Brasil, quer tenham sado, quer no, e os filhos de Portugal, que no Brasil viveram longamente, luctaram e morreram por ns, como Anchieta e Gonzaga nos tempos coloniaes, e, como polticos, nos tempos modernos, Clemente Pereira e Limpo de Abreu. Todos estes tiveram do reino s o bero, sua vida foi brasileira e pelos brasileiros.

Em rpida excurso s me deterei ante os talentos de mrito que saem engradecidos do apparelho da critica e justi- ficam-se luz do methodo indicado.

No tratar-se-ha de saber qual foi o primeiro brasileiro que escreveu uma poesia ou um livro, e outras tantas questes impertinentes e ociosas.

Nada se ter que vr com alguns frades despreoccupados ou ociosos que mataram o tempo a escrever versos latinos, ou a publicar semsaborias em Roma. So homens que nunca viveram na conscincia da ptria, no foram foras vivas ao seu servio. Foram indifferenles na vida e sel-o-ho sempre na morta e no esquecimento. No merecem uma justificativa e resurreio histrica.

Pretendo escrever um trabalho naturalista sobre a historia (la litteratura brasileira. Munido do critrio popular e ethnico para explicar o nosso caracter nacional, no esquecerei o critrio positivo e evolucionista da nova philosophia social.

8 HISTOEIA DA LITTERATUEA BRASIJEIBA

quando IraLar de notar as relaes do Brasil cora a humani- dade em geral. .:,

Ns os brasileiros no pesamos ainda muito, por certo, no todo da evoluo universal do homem; ainda no demos um impulso nosso direco geral das idas ; mas um povo que se forma no deve s pedir lies aos outros; deve procurar ser-lhes lambem um exemplo. Ver-se-ha ^em que consiste nossa pequenez e o que devramos fazer para ser grandes.

Esta obra contm duas partes bem distinctas ; no primeiro livro indicam-se os elementos de uma historia natural de.s* nossas letras ; estudam-se as condies de nosso determv^ nismo litterario, as applicaes da geologia e da biologia s' creaes do espirito.

Nos demais livros faz-sc a traos largos o resumo histrico das quatro grandes phases de nossa litteratura : perodo de formao (1500-1750) ; perodo de desenvolvimento auton- mico (1750-1830), perodo de transformao romntica (1830-1870) 6 perodo de reaco crtica (de 1870 em diante).

A primeira poca inicia-se com a descoberta do paiz, passa pela invaso hollandeza, pelos Palmares, pelos Emboabas e Mascates e chega aos melados do sculo xvni. A segunda, com a descoberta das jyinas, mostra certo impulso auton- mico do paiz dentro dos limites de suas foras e tradies ethnicas. A terceira, que principia com o romantismo politico de Gonstant no tempo de nossa independncia, accenta-se mais a dactar da retirada do primeiro imperador, e, atravz de muita imitao maxim de francezes, teve o mrito de affastar-nos da esterilidade do lusitanismo litterario. A quarta phase a da reaco critica 'e naturalista, em que buscamos de novo nossas tradies luz das idas realistas, procu- rando harmonisar umas com outras.

Tal a diviso natural da historia litteraria brasileira.

Se certo que as phases d^e uma litteratura no se deter- minam com a mesma segurana com que os velhos chro- nistas marcavam o nascimento e a morte dos reis seus protectores, e se verdade que as datas aqui indicadas no tm esse rigor mesquinho, servem bem para indicar os grandes marcos de nossa evoluo mental. Os annos de 1500 e 1750, que

HISTORIA DA LITTEBATXJEA BEA8ILBIEA 9

encerram o primeiro periodo, justificam-se, aquelle, porque dalii partiu o conhecimento do paiz ; o out(ro, porque na ultima metade do sculo xviii, alterando-se o nosso sys- tema colonial e econmico, preparou-se a grande escola mineira, talvez o periodo mais brilhante e original de nossa poesia.

A data de 1830, se no marca uma poca litteraria no estreito sentido, designa-a no lato ; porque determina a invaso completa do romantismo na politica e seu trasbor- damento na litteratura.

Gonstant precedeu Lamartine na Europa e aqui ; a evo- luo litteraria seguiu-se, como .sempre, politica.

Quanto a 1870, que abre a quanta e ultima phase, pdie determinar-se que o romantismo comeou a receber os pri- meiros e mais rudes golpes a datar desse tempo.

O positivismo philosophico francez, o naturalismo litterario da mesma procedncia, a critica realista allem, o transfor- mismo darwiniano e o evolucionismo de Spencer comearam a espalhar-se em alguns circulos acadmicos, e uma certa mutao foi-se operando na intuio corrente. Todos os annos crescia o numero dos combatentes ; foram elles os primeiros que no Brasil promoveram a reaco seguida e forte contra o velho romantismo transcendental e metaphysico.

Cumpre declarar, por ultimo, que a diviso proposta no se guiai exclusivamente pelos factos litterarios ; porque para mim a expresso litteratura tem a amplitude que lhe do es crticos e historiadores allemes. Gomprehende todas as manifestaes da intelligencia de um povo : politica, eco- nomia, arte, creaes populares, sciencias... e no, como era de costume suppor-se no Brasil, somente as intituladELS. bellas-lettras, que afmal cifravam-ce quasi exclusivamente na poesia!...

10 HISTORIA DA LITTERATTJRA BRASILEIRA

CAPITULO II

Theorias da historia do Brasil

Todo e qualquer problema histrico c litterario ha de ter no Brasil duas faces principaes : uma geral e outra particular, uma influenciada pelo momento europeo e outra pelo meio nacional, uma que deve attender ao que vai pelo grande mundo e outra que deve verificar o que pode ser applicado ao nosso paiz.

A litteratura no Brasil, a litteratura em toda a America, tem sido um processo de adaptao de ideias europas s so- ciedades do continente. Esta adaptao nos tempos coloniaes foi mais ou menos inconsciente ; hoje tende a tornar-se com- prehensiva e deliberadamente feita. Da imitao tumultua- ria, do antigo servilismo mental, queremos passar escolha, seleco lilteraria e scientiflca. A darwinisao da critica uma realidade to grande quanto a da biologia.

A poderosa lei da concurrencia vital por meio da seleco natural, a saber, da adaptao e da hereditariedade, appicavel s litteraturas, e critica incumbe comprova-la pela analyse dos factos.

A hereditariedade representa os elementos estveis, est- ticos, as energias das raas, os predicados fundamcntaes dos povos ; o lado nacional nas litteraturas. A adaptao exprime os elementos moveis, dynamicos, genricos, trans- missveis de povo a povo ; a face geral, universal das litteraturas. So duas foras que se cruzam, ambas indis- pensveis, ambas productos naturaes do meio physico e social.

Tal a razo por que todo poeta, todo romancista, todo dramaturgo, todo critico, todo escriptor brasileiro de nossos dias tem a seu cargo um duplo problema e ha de preencher uma dupla funco : deve saber do que vai pelo mundo culto, isto , entre aquellas naes europas que

HISTORIA DA LITTEEATUEA BEASILEIEA 11

immediatamente inluenciam a intelligencia nacional, e incumbe-lhe tambm no perder de mira que escreve para um povo que se forma, que tem suas tendncias prprias, que pde tomar uma feio, um ascendente original. Uma e outra preoccupao so justificveis e fundamentaes. Se uma cousa ridicula a recluso do pensamento nacional uumas pretenes exclusivitas, se lastimvel o espe- ctculo de alguns escriptores nossos, atrazados, alheios a tudo quanto vai de mais palpitante no mundo da intelli- gencia, no menos desprezvel a figura do imitador, do copista servil e ftuo de toda e qualquer bagatella que os paquetes nos tragam de Portugal, ou de Frana, ou de qual- quer outra parte...

Para que a adaptao de doutrinas e escolas europas ao nosso meio social e litterario seja fecunda e progressiva, de instante necessidade conhecer bem o estado do pensa- mento do velho mundo e ter uma ideia nitida do passado e da actualidade nacional.

Eis o grande problema, eis o ponto central de todas as tentativas de reformas entre ns, e eis por onde eu quizera que comeassem todos os portadores de novos ideaes para o Brasil, todos os transplandatores de novas philosophias, . de novas politicas, de novas escolas litterarias.

E o que no vejo, o que ainda no se fez.

No mais do que ter lido por acaso Zola, ou Daudet, ou Rollinat, e atirar com elles face do paiz, com se tudo estivesse feito !...

Deve-se comear por conhecer a fundo as diversas theo- rias da historia do Brasil, e, pelo estudo d'este problema, comprehender a successo das escolas litterarias entre ns.

Indicarei somente os lados mais salientes do assumpto.

As principaes theorias da historia do Brasil so a de Mar- tins, a de Buckle, a de Theophilo Braga, a de Oliveira Mar- tins, a dos discipulos de Comte e a dos sectrios de Spencer. Ficam ahi enumeradas em sua ordem chronologica.

O celebre botanista bavaro Carlos Frederico Philippe de Martins preparou em 1843 uma dissertao sob o titulo Como se deve escrever a historia do Brasil

12 HISTORIA DA LITTERATUfiA BRASILEIRA

N'esse pequeno trabalho, um dos mais interessantes que tenho hdo de pennas estrangeiras sobre o Brasil, Martins abriga-se ao grande principio moderno das nacionalidades, colloca-se n'um ponto de vista ethnographico e indica em traos rpidos os diversos elementos do povo brasileiro. Os selvagens americanos e os seus costumes e suas aptides psychologicas, os negros africanos e seus hbitos, os portu- guezes e suas vantagens de gente civilisada, tudo isto deve ser interpretado escrupulosamente ; porque de tudo isto que sahiu o povo brasileiro.

E' exacto ; resta apenas que se diga como que estes elementos actuaram uns sobre os outros e produziram o resultado presente.

Em uma palavra, a theoria de Martius puramente des- criptiva ; ella indica os elementos ; mas falta-lhe o nexo causal e isto seria o principal a esclarecer. E' uma concepo incompleta.

E como alguns j teem por vezes exaggerado a simplissima indicao de Martius, o mero conselho do natavel bavaro, aqui lhe reproduzo as prprias palavras para que bem claro se veja a distancia entre esse rpido roteiro e a doutrina d'este livro sobre o problema ethnographico brasileiro.

Escreveu Martius :

Qualquer que se encarregar de escrever a historia do Brasil jamais dever perder de vista quaes os elementos que ahi concorreram para o desenvolvimento do homem. So, porm, estes elementos de natureza muito diversa, tendo para a formao do homem convergido de um modo parti- cular trs raas, a saber : a de cr de cobre ou americana, a branca ou caucasiana e, emfim, a preta ou ethiopica. Do encontro, da mescla, das relaes mutuas e mudanas dessas trs raas, formou-se a actual populao, cuja historia por isso mesmo tem um cunho muito particular. Pde-se dizer que a cada uma das raas humanas compete, segundo a sua ndole innata, segundo as circumstancias debaixo das quaes ella vive e se desenvolve, um movimento histrico caracte- rstico e particular. Portanto, vendo ns um povo novo nas- cer e desenvolver-se da reunio e contacto de to differentes

HISTOEIA DA LITTERATUKA BRASILEIRA 13

raas humanas, podemos avanar que a sua historia se deve desenvolver segundo uma lei particular das forcas diago- naes. Cada uma das particularidades physicas e moraes, que distinguem as diversas raas, offerece a este res- peito um motor especial ; e tanto maior ser a sua influen- cia para o desenvolvimento commum, quanto maior fr a energia, numero e dignidade da sociedade de cada uma des- sas raas. Disso necessariamente se segue que o portuguez que, como descobridor, conquistador e senhor, poderosa- mente influiu naquelle desenvolvimento, o portuguez, que deu as condies e garantias moraes e physicas para um reino independente ; que o portuguez se apresenta corno o mais poderoso e essencial motor. Mas tambm de certo seria um grande erro para todos os principios da historiographia-prag- matica, se se desprezassem as foras dos indgenas e dos negros importados, foras estas que igualmente concorreram para o desenvolvimento physico, moral e civil da totalidade da populao. Tanto os indgenas como os negros reagiram sobre a raa predominante.

A determinao precisa do que devemos, em nossa vida geral, aos trs factores principaes de nossas populaes nem por sombra se acha nessas linhas do illustre autor da Flora Brasiliensis, que tambm e principalmente deixou em com- pleto esquecimento o ponto fundamental do problema : o mestio, sobre o qual peculiarmente se deve insistir, estu- dando amplamente o especial quinho de cada factor e defi- nindo o caracter do resultado.

O afamado auctor da Historia da Civilisao na Ingla- terra, appareclda em 1857, occupou-se do Brasil detida- mente (1). H. T. Buckle, como sabido, divide as civilisa- es em primitivas e modernas, predominando n'aquellas a aco das leis physicas sobre o homem, e n'estas sendo o inverso a verdade.

As civilisaes antigas desenvolveram-se nos paizes onde as condies de vida eram fceis, nas pennsulas, margem

(1) Vide Historij of Civillzation in England, vol. I. pag. 101 a 107, edio de Londres de 1872.

14 HISTORIA DA LITTERATURA BRASILEIRA

dos grandes rios, onde eram abundantes o calor e a humi- dade. S o Brasil para o philosopho inglez abre uma excep- regra ; por causa dos ventos alsios, das chuvas torren- ciaes, dos miasmas que tornam aqui a natureza supe- rior ao homem !

D'ahi, para o escriptor britannico, umas tantas cousas, e, entre outras, a falta de uma civilisao primitiva brasileira e ainda hoje, segundo a sua expresso, o nosso inveterado barbarismo.

Esta doutrina, alm de scr^ falsa na descj-ipo geral do clima brasileiro, em demasia exterior ; cosmologica de mais. Em sua pretenciosidade de explicar puramente pela physica do globo as civilisaes primitivas e actuaes, incom- pleta e estril. Ainda quando a determinao das condies mesologicas do Brasil fosse exacta, e absolutamente no , haveria uma distancia e no pequena a preencher : a aco do meio nas raas para aqui immigradas, levando-as a tomarem certa e determinada direco, forosa e fatalmente, e no outra qualquer. E' um circulo vicioso ; explica-se o clima pela civihsao e a civilisao pelo clima. Ahi ha lacuna ; atiram-nos phrases ao rosto, suppondo que nos enchem a ca- bea de factos. No capitulo seguinte a theoria de Buckle ser estudada miudamente.

Theophilo Braga, o conhecido professor portuguez, no teve por alvo consciente escrever uma theoria da historia do Bra- sil ; fez uns reparos sobre a vida litteraria do paiz e nada mais. E' no prologo do Parnaso portuguez moderno, repro- duzido ampliadamante nas Questes de litteratura e arte poriugueza. (1 Braga acredita que o lyrismo da Europa meri- dional teve uma origem commum. Esta fonte geral foram populaes turanas, descidas da alta sia, divididas em dous grandes grupos, um que fez viagem pelo norte da Eu- ropa e outro que a fez atravs da Africa, vindo ambos con- vergir na Hespanha.

Na America deu-se uma similhane marcha de povos tura-

(1) Questes de litteratura e arte portugue.z-a, de pag. 78 a 80. O artigo de 1877.

HISTOBIA DA LITTEBATUBA BRASILEIRA 15

nianos. A brachycephalia do basco francez e a dolicoce- phalia do basco hespanhol provam o facto para a Europa. A supposta dolicocephalia das raas da America do Norte e a pretendida brachycephalia geral das da America Meridio- nal demonstram o phenomeno para o novo continente. Tudo isto muito vago e lambem muito aventuroso ; so pre- sumpes que nada tm de positivo, nada tm de pro- vado; so divagaes que se acham em desaccordo corh factos demonstrados.

A hypothese de Theophilo Braga, tirada das ideias de Retzius, Beloguet, Pruner-Bey e Varnhagen, para ser acceita deveria justificar os seguintes factos :

a) O monogenismo das raas humanas e sua origem com- mum na sia, o que no nada fcil no estado actual da sciencia e diante justamente dos trabalhos de Paulo Broca^ que o escriptor portuguez chama sem razo em seu auxi- lio ; (1) '

b) A veracidade da trada de Max-Mller de que os povos do mundo se dividem em aryanos, semitas e turanos^ em- preza difficil ante a linguistica das raas uralo-altaicas, poly- nesias, malaias, africanas e americanas ;

c) A emigrao dos turanos para America ;

d) A reduco dos povos d'este continente a esse ramo nico;

e) A ausncia entre as tribus do Brasil d'aquelles conhe- cimentos metalrgicos e astronmicos que passam pelos ca- racteres mais notveis da civil isao turana ;

i) Erifim deironstrar a identidade do desenvolvimento das raas americanas e asiticas, um impossvel a olhos vistos.

Antes que se haja feito o que ahl se indica, tudo o que se disser sobre a velha these do asiatismo dos povos ameri-

(1) Vide nas Memorias de AnthropoLogia de "Broca, os admirveis trabalhos sobre o monogenigmo e polygenimo das raas humanas e sobre a hybri- dao. Vide especialmente a refutao das theorias de Retzius e Pruner- Bey sobre os primitivos habitantes da Europa e de Max-Miiller sobre o tu- ranismo das raas predecessoras dos aryanos e semitas. Vide ainda minha Ethnographia Brasileira.

16 HI8T0EIA DA LITTEEATURA BRASILEIRA

canos pintar n'agua, ou escrever na areia. E' a mais antiga de todas as theorias sobre a origem dos americanos e resen- te-se de influencia biblica.

A America, diz o homem que melhor conheceu a pr- historia do Brasil o dr. Lund, a America j era habitada em tempos em que os primeiros raios da historia no tinham ainda apontado no horisonte do velho mundo, e os po- vos que n'essa remotssima poca habitavam n'clla eram da mesma raa d'aquelles que no tempo do descobrimento ahi habitavam.

Estes dous resultados na verdade pouco se harmonisam com as ideias geralmente adoptadas sobre a origem dos habi- tantes d'esta parte do mundo ; pois que, quanto mais se vai afastando a poca do seu primeiro povoamento, conservando ao mesmo tempo os seus antigos habitantes os seus carac- teres nacionaes, tanto mais vai-se desvanecendo a ideia de uma origem secundaria ou derivada. (1)

O sbio Lund prosegue, provando com as suas descobertas archeologicas, a differenciao cada vez mais crescente entre os povos brasileiros primitivos e as raas chamadas mong- licas, medida que nos afastamos dos tempos modernos. E' a mesma intuio do grande Morton n'America do Norte.

Desapparecem assim o velho estribilho d'uma pretensa cultura dos povos do Brasil, que por immensas catastrophes retrogradaram, segundo se afflrma, e a enfadonha these do mongolismo, ces ridicules rohinsonades, como disse um s- bio europeu.

O encontro d'um ou outro artefacto cermico, mal estu- dado no valle do Amazonas, um facto isolado, muito di- verso do que se devia dar no resto do paiz ; antes de tudo um facto explicvel pela proximidade da civilisao do Peru, ou da America Central, ou das Antilhas.

Quanto distava a sobriedade do grande Lund da afoiteza leviana d'uns pretenciosos muito conhecidos, que andam ahi a dizer que os tupys eram os carios, ou os normandos,

() Reoista do Instituto Histori"o,n. 23, de outubro de 1844.

iii>

HISTORIA DA LITTEEATUEA EEASILBIEA 17

OU OS pheiicos, ou os manges^ ou os turanos, e no sei mais que povos que colonisaram a America,

E' possivel uma certa intermittencia na arte entre os po- vos amazonenses, phenomeno cem vezes repetido no curso da historia de todas as artes. Que prova isto ? O turanismo ? uma velha civihsao oriunda d'Asia ? Absolutamente no.

Os estudos scientificos sobre as raas americanas come- am apenas no Brasil. Redusem-se por ora a pequenos tra- balhos sobre craneologia, linguistica e archeologia artstica e industrial. No existem muitos factos demonstrados, os materiaes so ainda limitadssimos; entretanto, j temos uma dzia de theorias para explicar a origem dos tupys-guaranys e dos americanos em geral.

No quero contestar os conhecimentos prticos de nossos savants sobre alguns assumptos referentes aos selvagens ; mas tal a falta de senso critico, tal a incapacidade philoso- phica de alguns d'esses savants, que os seus escriptos me- recem ir para o fogo. Appellam para os chins, para os japonezes, os trtaros, os carios, os egypcios, os phenicios, os normandos, os judeus, os turanos, para filiarem n'elles os pobres tupys... Querem unifomisar tudo, buscar para tudo um similar no velho mundo. Uma boa interpretao dos fac- tos leval-osia por certo a concluses diversas.

Acabariam com a mania de reduzir a um typo nico as raas americanas, e ao mesmo tempo veriam n'ellas um pro- dueto d'este solo ; comprehenderiam melhor a semi-cultura antiga do valle do Amazonas, sua filiao na cultura idntica dos indgenas das Antilhas, e tantos outros factos simples em si e obscurecidos por phantasiosos systemas. Uma das mar- chas migratrias dos antigos povos americanos que parecem mais esclarecidas actualmente, a de uma corrente de norte, a sul, partindo das Antilhas, das costas da America Central e da actual republica de Venezuela, e chegando ao interior do Brasil, estacionando vastamente no valle do Amazonas. O estudo comparativo das antiguidades das Antilhas e da regio amazonica demonstraria definitivamente o facto.

No valiosssimo escripto de Otis F. Mason, inserto no Animal Report of the Smithsonian Institution, do anno de

18 HISTORIA DA LITTEEATUEA BEASILEIRA

1876, sobre as antiguidades de Porto-Rico, immensos so os pontos de contacto entre os productos alli descriptos e aquelles que se encontram no Par.

Despertam especial meno os amuletos representando ani- maes, figuras humanas, etc, fabricados de matrias diversas, e especialmente d'uma pedra verde, semelhante ao jade, o/ green jadelike material, diz a dr. Mason. So as naiirokitans do Amazonas. Dentro da prpria America acham-se os ele- mentos para a explicao do que se encontra ao norte do Brasil. Desprezemos d'uma vez as theorias que recordam o velho biblicismo que o Sr. Theophilo Braga anda nesta questo a defender erradamente.

Concedendo porm tudo, admittindo a identidade das ori- gens do lyrismo portuguez e tupinamb, como quer o escriptor portuguez, que d'ahi se poder inferir para a philosophia da historia, brasileira?

Nada. A these do aucLor aoriano puramente litteraria e no visa uma explicao scientifica de nosso desenvolvi- mento social.

Oliveira Martins em seu livro O Brasil e as colnias por- tuguezas enxerga todo o interesse dramtico e philoso- phico da historia nacional na lucta entre os jesutas e os n- dios d'um lado e os colonos portuguezes e os negros de outro. Um similhante dualismo em grande parte de pura phan- tasia, e, no que tem de real, no passa d'um facto isolado, de pouco valor e durao, phenomeno cedo esvaecido, que no pde trazer em seu bojo, como um segredo de fada, toda a lattitude da futura evoluo do Brasil. E' um simples inci- dente de jornada, alado categoria de principio geral c dirigente ; uma d'estas syntheses fteis com que alguns novellistas da historia gostam de nos presentear de vez em quando.

A theoria do positivismo religioso sobre a nossa historia mais genrica e comprehensiva. Falo em positivismo re- ligioso, porque elle se me antolha o nico equilibrado, l- gico e inteiro. O comtismo aquillo, ou no nada.

O schisma de Littr foi estril, illogico e anarchico.

O digno escriptor estava por certo no direito de ir com o

HISTORIA DA LITTBBATUEA BRA8ILEIEA 19

mestre at onde quizesse ou pudesse ; o que no tinha era o direito de limitar-lhe as crenas e as concluses da doutrina. No sou positivista ; acho o comtismo um systema atrazado e compressor, que faz uma figura apoucada ao lado do evo- lucionismo inglez e do naturahsmo allemo. Se de Comte sahiram Littr e Laffitte, de Darwin destacaram-se Spencer e Haeckel, e no vacillo na escolha ; mas julgo que a seita dos orthodoxos superior dos outros.

Comte no escreveu directamente sobre o Brasil ; seus se- ctrios nacionaes Teixeira Mendes e Annibal Falco desen- volveram o que elles chamam a theoria da ptria brasileira. {i)

Meu plano n'este rpido esboo no exige a exposio meuda das vistas contidas nos escriptos citados d'esses dous auctores. Basta-me resumir. A nao brasileira uma p- tria colonial, pertencente ao grupo das ptrias occidentaes. Logo ao sahir da lucta hollandeza, o Brasil reunia em si as condies d'uma ptria : solo continuo, governo independente e tradies communs. O destino brasileiro pode formular-se assim : o prolongamento americano da civilisao ibrica, a que cada vez mais se assimilaro, at unificao total, os ndios e os negros importados, ou os seus descendentes.

Na guerra hollandeza venceu definitivamente o elemento ibrico, representante da civilisao latina ; d'est'arte o Bra- sil escapou aco dissolvente da Reforma, do deismo, e est. em melhores condies para adoptar a doutrina rege- neradora do que os Estados-Unidos, por exemplo. E' isto em essncia.

O que verdadeiro no novo, e o novo no verdadeiro. Que o Brasil uma ex-colonia^ que do grupo das naes filiadas na civilisao occidental, e que tem as condies indis- pensveis a uma nacionahdade, ou ellas sejam solo conti- nuo, governo e tradies communs, como quer Comte, recor- daes e esperanas communs e a vontade decidida de viver debaixo das mesmas leis e compartilhar os mesmos destinos, como ensina Renan, ou communho de raa, de religio, de

(1) Vide de Teixei^a Mendes. A ptria brasileira, Rio de Janeiro, 1881. De Annibal Falco. Formula da civilisao brasileira, no Diar.o de Pernambuco, n" 46 a 50 de 1883.

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20 HISTORIA DA LITTERATURA BRASILEIRA

lingua e de territrio, como escreve Scherer, que ao Brasil cabe tudo isto, j todos o sabiam antes das demonstraes recentissimas. Que a guerra hollandeza foi um phenomeno notabilissimo ; que alli triumphou Portugal com a civilisao catholico-latina contra a Hollanda e a civilisao germanico- protestante, e que n'essa epopa os colonos brasileiros viram- se quasi ss, desamparados da mfii-patria ; que na lucta en- traram as trs raas ; que as duas chamadas inferiores devem ser incorporadas nossa vida social, de tudo isto sabia-se no Brasil, desde que houve algum que se lembrase de escre- ver-lhe a historia. Tudo isto velho, velhssimo.

Mas a necessidade indeclinvel de haver na America repre- sentantes da civilisao ibrica e a superioridade indiscutvel d'esta sobre a civilisao germnica, o que no me parece de todo evidente.

A indispensabilidade d'esse dualismo histrico, represen- tante na Europa de duas tendncias oppostas, devendo neces- sariamente reproduzir-se na America, muito symetrica de mais para no ser em grande parte de pura phantasia.

Era necessrio para as ptrias occidentaes que o portu- guez vencesse no Brasil o hollandez protestante e que o inglez derrotasse nos Estados-Unidos o francez catholico!...

E' muito commodo. E a fmal, porque se no ha de dar o mesmo na Oceania em geral e nota/lamente na Austrlia, onde o elemento germnico quasi no encontra o seu com- petidor? So terras novas, habitadas por selvagens a desappa- recerem a olhos vistos, que esto sendo colonisadas por euro- peus, representantes da civilisao occidental. Porque no se ha de repetir alli o dualismo salutar?

A theoria da historia d'um povo parece-me que deve ser ampla e comprehensiva, a ponto de fornecer uma explicao completa de sua marcha evolutiva. Deve apoderar-se de todos os factos, firmar-se sobre elles para esclarecer o segredo do passado e abrir largas perspectivas na direco do futuro.

Seu fim no s mostrar o que esse povo tem de commum com 03 outros ; sua obrigao ao contrario exhibir os moti- vos das originalidades, das particularidades, das differen- caes d'esse povo no meio de todos os outros. No lhe cum-

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HISTORIA DA LITTEEATUEA BRASILEIRA 21

pre s dizer, por exemplo, que o Brasil o prolongamento da cultura purtugueza a que se ligaram vermelhos e negros. Isto muito descarnado e secco ; resta ainda saber como estes elementos actuaram e actuaro uns sobre os outros e mostrar as causas de seleco histrica que nos vo afastando de nossos antepassados ibricos e de nossos visinhos tambm filiados na velha cultura ibera. Se a theoria de Buckle em demasia cosmographica, a de Martins demasiado ethnolo- gica, a dos di.^^cipulos de Comte em extremo social, sem attender a outros elementos indispensveis.

A philosophia da historia d''um povo qualquer o mais te- meroso problema que possa occupar a intelligencia humana. So conhecidas as difficuldades quasi insuperveis dos estu- dos sociolgicos. Uma theoria da evoluo histrica do Brasil deveria elucidar entre n(3s a aco do meio physico, por todas as suas faces, com factos positivos e no por simples phrases feitas ; estudar as qualidades ethnologicas das raas que nos constituram ; consignar as condies biolgicas e econ- micas em que se acharam os povos para aqui immgrados nos primeiros tempos da conquista ; determinar quaes os hbitos antigos que se estiolaram por inteis e irrealisaveis, como rgos atrophiados por falta de funco ; acompanhar o advento das populaes cruzadas e suas predisposies ; descobrir assim as qualidades e tendncias recentes que foram despertando ; descrever os novos incentivos de psychologia nacional que se iniciaram no organismo social e determina- ram-lhe a marcha futura. De todas as theorias propostas a de Spencer a que mais se aproxima do alvo por mais lacunosa que ainda seja. (i)

(1) Similhante interpretao biologico-psychologica da historia la Dar- win adoptada na Litteratura brasileira e a critica moderna, nos Estu- dos sobre a poesia popular do Brasil e n'este livro.

22 HISTOEIA DA LITTERATURA BRASILEIRA

CAPITULO III

A philosophia da historia de Buckle e o atraso do

povQ brasileiro

Para bem comprehender a posio presente do povo brasi- leiro e o seu desenvolvimento histrico, luz das idas scien- tilcas que reinam na actualidade, mister lanar um olhar sobre a moderna concepo da historia, e insistir sobre a de Buckle especialmente. Este. autor mais de perto nos toca a ns brasileiros, porquanto dos modernos reformadores da historia o que mais se occupa com o Brasil, e terei, por necessidade, de apreciar as palavras duras, porm no fundo exactas, que escreveu a nosso respeito. Tanto mais c isto .necessrio, quanto embalde se procuraria em nossos his- toriadores, no tocante philosophia da respectiva sciencia, outra cousa alm de declamaes mais ou menos inadmis- sveis.

Geralmente se repete que o xix sculo foi o sculo da his- toria, como o anterior fora o da philosophia. Este dito que, desde o autor das Cartas sobre a historia de Frana, tem va- lido por verdadeiro, no passa talvez de uma dessas syn- theses caprichosas com que se costumam caracterizar as pocas com perda para a verdade. Outros tm dito que aquelle foi o tempo das sciencias naturaes; alguns que foi o da critica. . . Mas o certo em tudo isto que as trs caractersticas se suppem e se completam ; no mais possvel a historia sem a critica, como no admissvel esta sem as sciencias naturaes. Ei%o grande facto firmado pelo sculo xix nos seus ltimos annos : estabelecer os outr'ora ditos estudos moraes sobre bases expermentaes. O processo tem sido complicado e longo ; foi mister passar em revista o methodo de todas as sciencias e expulsar do seu conselho mais de uma pretendida sem validade em seus ttulos. O desenvolvimento gra-

HIBTOEIA DA LITTEEATTJRA BEASILEIRA 23

dativo de todos os factos observveis, alado altura de prin- cipio dirigente, mostrou a necessidade de melhor estabelecer a genealogia scientifica ; a nova classificao, quaesquer que sejam ainda as dissonncias entre os philosophos, tem por base tal principio.

Em consequncia deste novo modo de vr e de julgar que a expulso de algumas suppostas organizaes scientificas tornou-se inevitvel. Est muito longe de ser perfeito o accrdo neste ponto entre alguns dos maiores pensadores que contriburam para o grande resultado.

Ao lado da nova classificao das sciencias que se desen- volve na ordem crescente da complexidade dos phenomenos e na decrescente de sua generalidade, poderia, a meu vr, inscrever-se outra, no como classificao orgnica das scien- cias, seno como uma notao l^istorica de seu desenvolvi- mento, no que diz respeito ao grau attingi-do de sua certeza. No seria inexacto, por esta forma, dizer que ellas tm sido sciencias propriamente ditas, quasi sciencias e falsas scien- cias. Quem no collocaria entre as primeiras a mathema- tica, a astronomia, a physica ; em o numero das segun- das a psychologia, a historia, a economia politica ; e

no terceiro grupo a metaphysica e a theologia clssicas, desconcertadas irms da astrologia e de alchimia? Toda a ordem de estudos, tendo por objectivo o homem e a socie- dade, tem ficado por emquanto na segunda classe, por no haver attingido aquelle grau de certeza que constitue o brilho prprio das completas sciencias. A historia acha-se ahi ; e, por maiores que tenham sido os esforos de Buckle e seus continuadores, ella parece resignada a no deixar por ora o circulo de suas companheiras : as quasi sciencias.

O movimento romntico dos primeiros annos do sculo xix trouxe a paixo pelo passado, e, desde a grande obra de Hal- lam sobre a idade media, appareceu na historia a tendncia pinturesca e representativa, contrabalanada pela que se intitulava philosophica. O certamen das duas escolas rivaes j pertence por sua vez historia, que luta por adquirir novos princpios e devassar novos horisontes.

No padece duvida que os modernos reformadores j deram

?^!5^iii' - ;'":?. ; :; T^/^^'^-j:7-'::'r--t:-^.'-',(^^'i"'^'-'- : "-: .:-'- - ,. \ ' - -> '.^; que um destes rgos se enfraquece, o outro se exalta ; o clima nisto opera como a idade e as molstias ; cra idiosyncrasias especiaes e amortece as que dantes existiam.

A transpirao cutnea, a secreo da bilis, a deposio mais copiosa do pigmento so o trplice trabalho, que domina a physiologia dos paizes quentes ; a pelle e o fgado so os rgos mais vivos e sobre elles se dirige mais frequentemente a imminencia mrbida. Ahi a forma mais ordinria da sade no ser, pois, o temperamento sanguneo que mostra uma chylifcao e uma hematose perfeitas ; manifestam-se como typo mais genrico os caracteres do predomnio bilioso, os signaes de uma verdadeira saturao de carbono, combinados com os do temperamento lymphatico e os do nervoso.

A constituio dos indgenas testemunha a influencia enervadora do clima : todos os observadores assignalam nelles o contraste da fraqueza radical, do relaxamento dos te- cidos, da indolncia e da apathia, com a exaltao do systema nervoso, o fogo das paixes, os borbotes desordenados de actividade physica e moral. O enfraquecimento geral destas raas tambm favorecido pela natureza do regimen alimen- tcio, pouco reparador no fundo, apezar dos condimentos incendirios com que se esforam para despertar a inrcia de seus rgos digestivos enfraquecidos pelos excessos venreos, que commettem pelo estimulo especial do clima, pelas desor- dens de toda a espcie a que as levam sua luxuria natural, a ociosidade e o despudor dos costumes.

A affeco dominante nestes climas na estao seca,

46 HISTORIA DA LITTERATURA BRASILEIRA

lima febre continua remiltente, acompanhada de congestes rpidas que se operam, j no encephalo ou nas meninges, j no tubo digestivo e annexos. Com esta affeco coincidem as molstias locaes, febris ou apyreticas : o calor seco dispe para as liyperemias cerebraes, as meningites, as encephalites, as apoplexias. O brilho da reverberao solar provoca ophthalm,ias ; a pelle, sede de uma estimulao constante, se cobre de erupes diversas. Os apparelhos digestivo e biliar se irritam por seu lado, directamente ou por sympathia : as colites, as dysenterias, as hepatites, mostram-se em multido, cercadas de febre violenta, ordinariamente de natureza pa- lustre, que no custa a imprimir seu cunho particular em todas estas phlegmasias ; a't as febres traumticas revestem- se deste typo especial.

A estao hmida vem acabar, por sua aco dissolvente, a prostrao da economia, gasta pela subrexcitao produ- zida pelos calores da estao precedente. As primeiras chuvas, que refrescam a terra resequida, fermentam a camada de detritos orgnicos que a cobrem ; logo depois a superfcie do solo se enche de lamas e humidlades ftidas, e sobre toda a extenso da zona trrida operam-se emanaes deletrias, maxim nas costas cobertas de mangues e pntanos, nos terrenos baixos e nas terras cobertas de mato ; apparecem ento asj endemias de febres intermittentes e remittentes, se- guidas ou complicadas com hepatite, dysenteria, ou cholera- morbus ; as leses locaes apresentam maior propenso para a a suppurao e a gangrena.

Ao passo que a febre da estao seca se faz notar pela perseverana k sobrexcitao inicial at o momento da catas- trophe, a da estao hmida comea por sym