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LEIRifi-FfiTIMfl Órgão Oficial da Diocese

Ano III • N. 118 • Maio-Agosto 1995

DIRECTOR AMÉRICO FERREIRA

CHEFE DE REDACÇÃO VÍTOR COUTINHO

ADMINISTRADOR HENRIQUE DIAS SILVA

CONSELHO DE REDACÇÃO BELMIRA DE SOUSA

JORGE GUARDA LUCIANO CRISTINO

MANUEL MELQUÍADES SAULGOMES

PERIODICIDADE QUADRIMESTRAL

PROPRIEDADE E EDIÇÃO DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO SEMINÁRIO DIOCESANO DE LEIRIA 2410 LEIRIA • TELEF. (044) 32760

ASSINATURA ANUAL-1400$00

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Abertura- D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva....... 85 450 datas para a história da diocese de Leiria

-Maria Luísa de Albuquerque Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Da vigararia crúzia à diocese de Leiria-Fátima

-Luciano Cristina.............................................. 153 A população e o povoamento de Leiria do século XII

ao XVI- Saul António Gomes.............................. 225 A criação da diocese de Leiria e o contexto europeu da

época. As transformações sociais e religiosas da Idade Média- Maria Luísa de Albuquerque Melo 319

De reformador dos estudos a bispo de Leiria ou o itinerário de um contemplativo: D. Frei Brás de Barros - Cândido Augusto Dias dos Santos ... .... .... 335

Teólogos de Leiria e a Universidade de Coimbra no alvorecer do Mundo Moderno- Américo Ferreira 355

Protecção régia ao convento de Santa Ana de Leiria (séculos XV-XVI) -Paulo Drumond Braga e Isabel M. R. Mendes Drumond Braga............................ 379

A música sacra: da oralidade à escrita -José Maria Pedrosa Cardoso............................. 389

Perspectivas mariológicas nas composições poético--musicais da Idade Média- Annénio Costa Júnior 395

Frei Jerónimo da Azambuja: de prior da Batalha a exegeta consumado-José Nunes Carreira ........... 415

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ABERTURA

1. A presente publicação deste número especial de LEI­RIA-FÁTIMA (órgão oficial da Diocese) pretende comemo­rar os 450 anos da nossa Diocese, criada em 22.5. 1545, extinta em 4.9. 1882 e restaurada em 17.1 . 1918, recebendo a designaçB:o de Leiria-Fátima em 13.5. 1984.

A vida da Diocese não cabe nos livros. E a sua história não consta só de bispos e teólogos, mas abrange todo o Povo. Se determinadas personalidades se distinguem, elas mes­mas e as suas obras são fruto da Comunidade. Assim tam­bém, se o património histórico atesta valores artísticos e intelectuais, é verdadeiramente mais bela e mais rica a he­rança moral de um Povo que gerou artistas e poetas, missio­nários e santos.

É-me grato recordar os meus antecessores e notáveis membros do Clero, ao mesmo tempo que prestar homena­gem a cristãos anónimos que gravaram o nome no Livro da Vida.

2. Manifesto o meu agradecimento à Comissão que as­sumiu o encargo das comemorações, nomeadamente confe­rências e celebrações litúrgicas; não esquecemos o cortejo, com bandeiras e estandartes, que subiu dá igreja de S. Pe­dro para a primeira sé, bem como a Missa festiva que aí ce­lebrámos. Foi mais um símbolo ou marco da caminhada sinodal iniciada no santuário de Fátima.

Também as obras da actual sé são um sinal de obras na Igreja de pedras vivas e em renovação permanente. Não es­quecemos o pretérito, porém preferimos viver o presente, na perspectiva de um futuro próximo e mais alto, e mais além. Sem ocaso.

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ABERTURA

3. Neste ntímero especial quisemos juntar trabalhos de valor, lembrando teólogos da universidade, priores e freis da Batalha, reis que beneficiaram a cidade do Lis, mestres de poesia e da música e sobretudo o povo cristão da alta Estre­madura.

O registo de 450 datas teve o particular propósito de su­blinhar que o número quatro representa o espaço de vida com os pontos cardeais, enquanto as centenas significam a plura­lidade agrupada em trabalho de conjunto e a meia centena quer dizer que a caminhada continua . . . Como disse o lema de um nosso Congresso, vamos navegando o futuro. Mesmo à bolina. Abrindo as velas ao Espírito.

Leiria, 8 de Setembro de 1995, festa da Natividade da Virgem Santa Maria.

t Serafim de Sousa Ferreira e Silva Bispo de Leiria-Fátima

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

A história não se faz só de datas. A cronologia dos factos não substitui a interpretação histórica, contudo, é indispen­sável para enquadrar as épocas e encadear as transforma­ções por que passa uma comunidade.

No momento em que se comemoram os 450 anos da cria­ção da diocese de Leiria, parece-nos interessante dar a co­nhecer alguns dos principais acontecimentos da sua história. Seleccionamos 450 datas entre muitas outras que estão já referenciadas. Há obviamente, muitas mais (e até mais sig­nificativas do que estas) que a seu tempo serão identifica­das e dadas a conhecer.

Não queremos deixar de sublinhar que as datas e os acontecimentos que a seguir se referem não foram ainda ob­jecto da necessária crítica histórica. São referências apenas, sujeitas portanto a eventual correcção à medida que for avançando o trabalho de investigação que neste momento está apenas começado.

1135 Fundação do castelo de Leiria por ordem de D. Afonso

Henriques, que nomeia para seu primeiro alcaide D. Paio Guterres.

1140 Leiria é tomada pelos mouros, chefiados pelo rei Ismael

ou Ismaus que leva cativo o alcaide do castelo, Paio Guter­res (0 Couseiro).

1142-05-01 Leiria recebe o seu primeiro foral de D. Afonso Henri­

ques.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1145 D. Monso Henriques retoma a fortaleza de Leiria e ree­

difica a povoação.

C.1147 Fundação da primeira igreja de Leiria, Nossa Senhora

da Pena.

1147 Carta do cruzado Ranulfo de Granwille testemunha pre­

sencial da conquista de Lisboa aos Mouros, a Osberno. Referên­cias a Leiria, "castrum Lora", integrada na diocese de Lisboa.

1155 D. Monso Henriques doa a povoação de Leiria com toda

a jurisdição eclesiástica e secular ao convento de Santa Cruz de Coimbra (Ruy de Azevedo).

1156 Carta do bispo de Lisboa, D . Gilberto, que desiste dos

direitos episcopais que possui na vila de Leiria e confirma a doação régia a Santa Cruz.

1157-12-08 A Bula "Ad hoc uniuersalis" de Adriano IV confirma os pri­

vilégios e direitos dos cónegos regrantes, entre eles Leiria.

1189 Fundação da paróquia de S. Miguel das Colmeias.

1195-04-13 D. Sancho I concede novo foral a Leiria.

1195 Data provável da construção da igreja de S. Pedro, que

foi a segunda igreja de Leiria.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

ll95-07-10 e 1195-07-15 Celestino II confirma os privilégios e direitos dos cóne­

gos regrantes de Santa Cruz de Coimbra e a renúncia feita por D. Gilberto.

1203-06-26 Bula "Cum olim" de Inocêncio III adjudica definitiva­

mente o eclesiástico de Leiria ao mosteiro de Santa Cruz.

C.1211 Construção da igreja de S. Martinho. De acordo com Lu­

ciano Coelho Cristino, na mesma data já existia em Leiria, uma igréja da invocação de Santo Estêvão, com um peque­no aglomerado de casas rp.as isolado do resto da vila.

1211 Leiria possui cinco paróquias urbanas (Santa Maria da

Pena, S. Pedro, Santiago, Santo Estêvão e S. Martinho) e cin­co rurais (S. Miguel de Colmeias, S. Salvador de Souto, San­ta Maria de Vermoil, S. Simão de Litém e S. João de Espite).

1218 Criação da paróquia do Souto da Carpalhosa sob a invo­

cação de S. Salvador.

1220 Criação da paróquia de Ourém sob invocação de Nossa

Senhora da Misericórdia.

1232 Construção inicial do convento de S. Francisco, nas mar­

gens do rio de Leiria, em local muito sujeito a inundações.

1254-02 a 04 Reunem-se Cortes em Leiria, convocadas por D. Mon­

so III em que têm lugar pela primeira vez os representantes dos concelhos.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1286 Para evitar os assaltos dos corsários árabes e granadi­

nos que causam graves danos às povoações da costa, D. Di­nis manda povoar com 30 moradores e 6 caravelas um porto natural que então existe em Paredes e que considera exce­lente para a pesca e para o comércio. A povoação fica 2 léguas a norte da Pederneira e a 3 de Leiria, vindo a ser abandona­da a partir do reinado de D. Manuel.

1290-05-01 Na vila de Leiria, assina-se o documento da criação do

Estudo Geral.

1295-04-30 D. Dinis instituíu a feira anual de Leiria realizada, de

início, sob o arco e alpendre da igreja de S. Martinho.

1300-07-04 D. Dinis doa o castelo e a vila de Leiria à sua esposa, a

rainha Santa Isabel.

1320 D. Dinis retira a posse do castelo e vila de Leiria à sua

esposa, por suposto envolvimento desta nos actos de rebel­dia do príncipe D. Afonso.

1370 De acordo com Frei Nicolau de Santa Maria (cronista dos

cónegos regrantes de Santa Cruz), D. Estêvão Esteves, mes­tre em teologia e cónego de Santa Cruz, manda aumentar a igreja de S. Pedro nesta data e dignifica-a com a instituição de uma Colegiada sufragânea de Nossa Senhora da Pena.

1376-11 Realizam-se Cortes em Leiria, convocadas por D. Fer­

nando para tratar da sucessão da coroa de Portugal em sua

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

filha D. Beatriz e do seu projectado casamento com o espa­nhol D. Fradique, duque de Benavente, filho ilegítimo de Henrique II, de Castela.

1384 Reconstrução do mosteiro de S. Francisco, em Leiria.

1385 Depois da aclamação do mestre de Avis, o alcaide de Lei­

ria, Garcia Taborda assegurara-lhe lealdade. Contudo, quando aquele se dirige às Cortes de Coimbra, onde haveria de ser aclamado rei de Portugal, recusa-se a recebê-lo, vin­do a morrer posteriormente na batalha de Aljubarrota, alis­tado nas hostes de Castela.

1411-04-29 D. João I concede a Gonçalo Lourenço de Gomide alva­

rá para instalar no termo de Leiria um moinho de papel.

1438 No reinado de D. Duarte, reunem-se Cortes em Leiria

após a derrota de Tânger para apreciar o resgate que os mu­çulmanos exigem para libertar o infante D. Fernado.

1445-09-22 D. Pedro de Noronha, arcebispo de Lisboa cria a

Colegiada de Ourém.

1465? Estabelecimento da primeira oficina de imprensa em

Leiria, sob a direcção dos Crúzios.

1475-03-26 Verifica-se uma cheia catastrófica que provoca grandes

estragos na vila de Leiria.

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.1475 D. Afonso V doa os Paços do Castelo ao Conde de Vila

Real, família que os habita até aos finais do século XVI.

1492 Impressão dos Provérbios de Salomão na tipografia lei­

riense de Abraão de Ortas.

1494 Breve de Alexandre VI autoriza a clausura no mosteiro

de Santana.

1496 Impressão do Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto,

1ª obra em latim publicada na tipografia leiriense de Abraão de Ortas.

1498 Fundação do convento de Santana, mosteiro de religio­

sas da observância de S. Domingos.

1507 O Papa Júlio II concede aos reis de Portugal o direito de

apresentação do priorado-mor de Santa Cruz.

1510 Realizam-se obras de restauro no castelo e constroi-se

a sacristia da igreja de Nossa Senhora da Pena.

1510-05-01 D. Manuel atribui foral novo à vila de Leiria.

1512 D. Pedro Vaz Gavião, prior-mor de Santa Cruz e bispo

da Guarda altera a divisão paroquial do termo de Leiria com a erecção das paróquias da Batalha, Reguengo e Monte Real,

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

desanexadas das freguesias da Vila e postas sob a invocação de Santa Cruz, Nossa Senhora dos Remédios e Nossa Senho­ra da Piedade, respectivamente.

1517 Criação da paróquia de Maceira desanexada de Santo

Estêvão, pelo infante D. Monso, prior comendatário de San­ta Cruz. No mesmo ano, se cria a paróquia de Seiça, sob in­vocação de Nossa Senhora da Purificação.

1526 Criação da paróquia de Mendiga, sob invocação de S.

Julião. No mesmo ano criou-se a freguesia do Arrima!, sob invocação de Santo António.

1527 Leiria tem 584 vizinhos na vila e arrabalde, dos quais

53 são cavaleiros e 40 clérigos, e o resto é povo. No conjunto de Leiria e do seu termo, somam 2060 vizinhos. De acordo com o Dr. Saúl Gomes, calcula-se que nesta data, a cidade de Leiria teria 2336 habitantes, e o seu termo teria 6500 al­mas, aproximadamente.

1542 A paróquia de Paredes é transferida para Pataias, por

estar quase abandonada aquela vila. A paróquia de Pataias fica com a invocação de Nossa Senhora da Esperança.

1543 Por estarem vagos o arcebispado de Braga e o bispado de

Coimbra, D. João III·pede ao Papa que lhe seja ampliado o pra­zo para a apresentação dos prelados nessas dioceses, aprovei­tando-se a vacância para fazer uma nova divisão diocesana.

1543-11-27 D. João III escreve uma carta ao embaixador de Portu­

gal em Roma, Baltasar de Faria, pedindo-lhe que insista

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junto do Papa e do cardeal Santiquatro (cardeal protector de Portugal) na importância da criação do Bispado de Leiria.

1543-11 ou 12 D. João III escreve ao jesuíta espanhol Pe. Pedro Domé­

nico, pedindo-lhe que auxilie o embaixador de Portugal.

1544�1-07 Pelo Breve "Cum sicut nobis", Paulo III concede a pror­

rogação, por quatro meses do prazo para a apresentação dos prelados no arcebispado de Braga e no bispado de Coimbra, nada decidindo quanto à criação dos novos bispados.

1544 É instituída a Misericórdia de Leiria.

1545-02-16 D. João III escreve uma carta ao Pontífice, insistindo no

pedido da criação de novos Bispados, especialmente o de Lei­ria, e propondo que para a nova diocese seja nomeado Frei Brás de Barros.

1545-05-22 Paulo III cria a diocese de Leiria pela Bula "Pro excel­

lenti apostolicae sedis", desanexando-a da de Coimbra e li­bertando-a da jurisdição que, a vários títulos, nela exerciam o prior-mor de Santa Cruz, o bispo de Coimbra e o arcebis­po de Braga. O Papa Paulo III erige a igreja de Santa Maria da Pena em catedral.

[Paulo III institui na Sé de Leiria duas dignidades e quatro canonicatos: uma dignidade e dois canonicatos para mestres ou graduados em teologia; outra dignidade e os dois restantes canonicatos para doutores ou graduados em direi­to canónico (uns e outros formados pela Universidade de Coimbra). No caso de não haver teólogos graduados pela Uni­versidade, poderia o bispo de Leiria conferir aqueles benefí-

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cios a mestres em artes graduados pela mesma universida­de, ou a outras pessoa, sob consentimento do rei. Finalmen­te, deu poderes ao bispo para, com o consentimento do rei, instituir outras dignidades, canonicatos, prebendas e bene­fícios eclesiásticos.] A nova diocese fica subordinada, quan­to ao direito metropolitano ao arcebispo de Lisboa. O direito de apresentação dos bispos e o padroado fica reservado aos reis de Portugal.

1545-05-22 Na mesma data e pela Bula "Decet Romanum Pontifi­

cem" são aplicadas à nova catedral de Leiria e ao seu bispo as rendas que ali tinham o mosteiro e prior-mor de Santa Cruz. Frei Brás de Barros é nomeado Bispo de Leiria.

1545-06-13 D. João III eleva a vila de Leiria à categoria de cidade.

1545-07-28 Frei Brás de Barros toma posse do bispado de Leiria. De

início, o bispado tem apenas dezasseis paróquias das quais dez eram da jurisdição do Prior-mor de Santa Cruz: cinco na cidade, que eram: Nossa Senhora da Pena, S. Pedro, S. Martinho, Santo Estevão, e Santiago do Arrabalde; e cinco no seu termo: Batalha, Maceira, Monte Real, Pataias e Re­guengo do Fetal. A estas somam-se as paróquias desanexa­das do bispado de Coimbra e nas quais o prior-mor tinha apenas uma terça dos dízimos: Caranguejeira, Colmeias, Es­pite, S. Simão de Litém, Souto da Carpalhosa e Vermoil.

1546-06-28 Frei Brás de Barros é sagrado bispo de Leiria.

1546 Frei Brás de Barros faz contrato com a cidade pelo qual

dá à Câmara, em troca da casa que ela ocupava e onde de-

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pois se levantou o Paço Episcopal, um pedaço de rossio jun­to a S Francisco, e quarenta cruzados, na condição de que o caminho que ía do Rossio ao longo do muro dos frades fique de modo que possa seguir por ele um carro, e que, derriban­do-se a igreja de S. Martinho, o assento e adro dela fique à Câmara para deles se fazer Praça.

1546 Acordou-se entre o D. João III e o bispo D. Frei Brás de

Barros que na Sé de Leiria houvesse um deão, que seria a dignidade dos graduados em cânones, um chantre, tesourei­ro, mestre escola ( que seria a dignidade dos graduados em teologia, e com obrigação de ensinar gramática), um arcedia­go, cónegos prebendados, dos quais quatro seriam gradua­dos, dez meio prebendados e cinco quartanários. [Esta distribuição pouco variou no decorrer dos séculos e a princi­pal modificação foi introduzida por D. Frei Gaspar do Casal, que alcançou da Santa Sé um breve pelo qual se extingui­ram seis meias prebendas, criando-se com elas doze quarta­nários.]

C.1548 A Igreja de S. Pedro passa a servir de catedral. Até 157 4

a igreja de S. Pedro exerce provisoriamente as funções de se­de da diocese, em substituição da igreja de Nossa Senhora da Pena.

1549 O lugar de Santa Catarina da Serra é elevado a paró­

quia por D. Frei Brás de Barros. Orago: Santa Catarina.

1549 Frei Brás de Barros reune sínodo diocesano do qual saem

as primeiras Constituições do bispado de Leiria, que até esse ano se regeu por umas de D. Pedro Vaz Gavião, bispo da Guar­da e comendatário do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1549-06--01 As Constituições de D. Frei Brás de Barros são aprova­

das pelo Núncio Apostólico João do Monte Policiano.

1550 O Cabido da Sé de Leiria quer rejeitar as Constituições

já impressas com o argumento de que não estão conformes ao que se assentara.

1550 D. Frei Brás de Barros separa os habitantes das Cortes

da freguesia de S. Pedro, erigindo a ermida de Nossa Senho­ra da Gaiola das Cortes ((como em paróquia".

1553 D. Frei Brás de Barros resigna o Bispado de Leiria.

1554 Conclusão da ermida de S. Gabriel, a mandado de D.

Frei Brás de Barros, no lugar onde hoje existe o Santuário de Nossa Senhora da Encarnação.

1554 Criação da paróquia de S. Miguel do Juncal.

1555 ou 1559 Criação da paróquia de Alvados sob invocação de Nos­

sa Senhora da Consolação.

1556 Chega a bula da resignação de D. Frei Brás de Barros.

1556-07-20 Publica-se sede vacante, por carta de el-rei.

1557-07-15 D. Frei Brás de Barros escreve uma carta a D . João III,

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

pedindo-lhe que mande fazer os alçados da Sé de Leiria por se encontrar já pronta a planta.

1557-12-20 D. Frei Gaspar do Casal é nomeado bispo de Leiria, pro­

vido por D. Sebastião e confirmado pela Bula ((Gratiae divi­nae proemium" do Papa Paulo IV.

1558-07 D. Frei Gaspar do Casal provém uma conezia ao licen­

ciado Martim Vaz de Moura, seu provisor e vigário geral.

1559-05-20 D. Frei Gaspar do Casal celebra ordens particulares na

Igreja de S. Pedro, que então serve de igreja episcopal.

1559-08-11 Data do início da construção da Sé de Leiria, de acordo

com uma inscrição que teria existido na frontaria desta igre­ja. (Vitorino Araújo).

1560 Ampliação da paróquia da Caranguejeira, sob invoca­

ção de S. Cristovão.

1561...{}1-23 D. Frei Gaspar do Casal escreve uma ((Carta de Leyria

em 23 de Janeiro de 1561 à Raynha D. Catherina em que lhe persuade não deixe a Regencia da Monarchia no tempo da menoridade de seu Neto o Príncipe D. Sebastião" publicada por Diogo Barbosa Machado nas ((Memórias Politicas e Mi­litares deZ Rey D. Sebastião" Part. I, Liv. 2, Cap. 3.

1561-04-03 D. Frei Gaspar do Casal nomeia governador do bispado,

com o poder de prover benefícios, o deão Luis Araújo Barros,

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

a quem recomenda que terá cuidado nas obras da Sé que ho­ra se fazem".

1561 D. Frei Gaspar do Casal vai para o Concílio de Trento,

onde se evidencia, intervindo directamente nas discussões e demonstrando a vastidão dos seus conhecimentos teológicos, o que terá levado o Dr. André Velho secretário da embaixa­da portuguesa a afirmar que "o concílio tem os olhos postos neste monsenhor porque certo dos prelados é o mais douto". D. Frei Gaspar do Casal leva consigo corno teólogo, Fr. Pe­dro de Vila Viçosa, seu irmão de religião, que os catálogos do Concílio designam por "Fr. Petrus cum Reverendissimo Do­mino Leiriense".

1562-08-14 Sagração da igreja do convento de S. Francisco por D.

Luis Norrnão, bispo de Martíria e coadjutor do bispo de Coimbra. Data inscrita na lápide inserida no paramento dos arcos que dão passagem para a galilé interior da igreja de S. Francisco.

1563-12-08 D. Fei Gaspar do Casal regressa de Trento.

1564 Construção da capela da Quinta de Nossa Senhora do

Amparo.

1564-01 ou 02 D. Frei Gaspar do Casal retoma o governo da diocese de

Leiria.

1566-12-23 D. Frei Gaspar do Casal assiste ao sínodo provincial reu­

nido pelo cardeal infante D. Henrique, arcebispo de Lisboa,

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

para pôr em prática as decisões do Concilio de Trento. Por ocasião deste sínodo, André de Resende dedica a D. Frei Gas­par do Casal uma notável carta latina com o título Epístola ad Reverendum in Christo Patrem D. Gasparem Casalem, Episcopum Leiriensem, que foi publicada com outros opúscu­los do autor numa colecção impressa em Lisboa em 1567.

1568 Criação da paróquia de Fátima, desmembrada da Colegia­

da de Ourém, sob a invocação de Nossa Senhora dos Prazeres.

1569 Conclui-se a construção da capela-mor do novo templo

da Sé.

1570 Começa-se a edificar o corpo da igreja da nova Sé.

1570, 1571, 1572 Datas que surgem no fecho das abóbadas da nave cen­

tral e do transepto da Sé de Leiria, e que segundo José Sa­raiva indicam os anos em que essas abóbadas foram fechadas.

1572 Conclui-se a fachada da Sé.

1573-08 O templo da Sé encontra-se já coberto de telha.

1574 O Cabido transfere-se da igreja de S. Pedro para o edi­

fício da nova Sé.

1574 O arcebispo D. Jorge de Almeida reune sínodo a que as­

siste D. Frei Gaspar do Casal, como sufragâneo do metropo-

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

lita lisboeta. Por ser o mais velho, recebe a Profissão de Fé que em suas mãos faz o arcebispo.

1576 D. Frei Gaspar do Casal propõe a fundação de um con­

vento de frades de Santo Agostinho, ao que se opõe o Cabi­do que entende não ser oportuno dar início a novas obras no momento em que a Sé ainda se encontra em conclusão.

1576 Construção da ermida de Nossa Senhora do Rosário nas

Cortes.

1577-08-05 Iniciam-se as obras de construção do convento de San­

to Agostinho, no sítio do Moínho do Papel. De acordo com o Couseiro, o Cabido tentou impedir o início das obras com uma cruz mas as justiças seculares estavam do lado do pre­lado e "houve muitas pancadas de h uma, e outra parte, e tra­tarão muito mal a quem levava a crux, e no pao della deo o Juis de Fora com a vara, e se fizerão outras descortezias" . . . As obras do convento de Santo Agostinho prolongar-se-iam até ao primeiro quartel do séc. XVIII, altura em que se ter­minou a nave e em que se acrescentaram alguns novos ele­mentos decorativos na fachada.

1577-08-09 Fernão Dantas é eleito pelo Cabido para dar conta ao

rei dos agravos ocorridos durante o conflito entre o Cabido e as justiças, quando aquele se quis opor às obras do conven­to de Santo Agostinho.

1579-11-27 D. Frei Gaspar do Casal é absolvido do vínculo que o li­

ga ao bispado de Leiria por bula de Gregório XIII. Ainda em

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1579, D. Frei Gaspar do Casal é transferido para o bispado de Coimbra.

1579 D. António Pinheiro é transferido da diocese de Miran­

da para a de Leiria.

1580-01-11 D. António Pinheiro, bispo de Leiria, profere a oração

inaugural das Cortes reunidas em Almeirim para discutir a sucessão real, e até 31 de Janeiro, data da morte do rei, é emissário do cardeal D.Henriquejunto do braço do povo que reúne em Santarém.

1580-04-09 Filipe II escreve uma carta a D. Cristovão de Moura em

que se revela muito satisfeito com os serviços prestados por D. António Pinheiro.

1581-04-16 Filipe II de Espanha é aclamado rei de Portugal nas Cor­

tes d� Tomar. D. António Pinheiro faz a oração do juramen­to do monarca.

1581-04-20 e 23 D. António Pinheiro prega no juramento do príncipe D.

Diogo.

1582 Fundação do hospital da Misericórdia de Leiria.

1582-10-10 Falecimento de D. António Pinheiro, em Lisboa.

1583 D. Pedro de Castilho é transferido da diocese de Angra

para a de Leiria. A 3 de Junho desse ano, D. Pedro de Cas-

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

tilho é confirmado na diocese de Leiria pela bula Gratiae di­vinae proemium de Gregório XIII.

1585 Modificação territorial alcançada pela anexação à dioce­

se de Leiria das paróquias que ficaram constituindo o chama­do "bispado novo" e que até então pertenciam ao arcebispado de Lisboa, as quais eram as paróquias de Ourém, Porto de Mós e S. Vicente de Aljubarrota, com os seus termos. A partir de então, distinguem-se duas partes da diocese de Leiria: o bispado velho, constituído pelas paróquias que tinham sido da jurisdição do prior-mor e do bispo de Coimbra, e as que de­las derivaram, e o bispado novo, constituído pelas paróquias que foram, nesta data e em 1614, anexadas à diocese.

1586-06-14 D. Pedro de Castilho toma posse das paróquias que fica­

ram constituindo o bispado novo. Compreendia este as paróquias de Aljubarrota (S.Vicente), Alvados, Arrimal, Sei­ça, Fátima, Freixianda, Juncal, Mendiga, Minde, Olival, Ou­rém, Porto de Mós (S. João, S. Pedro e Santa Maria) e Serro Ventoso. Uma parte da paróquia de Santa Catarina da Serra pertencia também ao bispado novo.

1588-07-11 No monte de S. Gabriel, dá-se um milagre de Nossa Se­

nhora em Susana Dias do lugar das Cortes que "era aleija­da das pernas e tinha sezões."

1588-09-24 Inicia-se a construção da actual igreja de Nossa Senho­

ra da Encarnação, no monte de S. Gabriel, em substituição da ermida construída no tempo de D. Frei Brás de Barros. D. Pedro de Castilho auxiliou muito a obra, para a qual man­dou fazer os projectos, concorrendo com várias esmolas.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1589 Formação da paróquia de Monte Redondo, com os luga­

res de Monte Redondo, Coimbrão e Ervedeira e alguns casais vizinhos. A paróquia, desmembrada de Souto da Carpalhosa é posta sob a invocação de Nossa Senhora da Piedade.

1592 Criação definitiva da paróquia de Nossa Senhora da

Gaiola das Cortes.

1592 Criação da paróquia do Arrabal, sob invocação de San­

ta Margarida que se venerava numa capela onde depois se levantou a paroquial.

1596-06-06 e 07-26 Para obstar à destruição dos pinhais de Leiria que as

quadrilhas de bandoleiros e os moradores das povoações vi­zinhas roubavam e incendiavam, são publicados alvarás que castigam tais actos com penas severas.

1598-03-25 Realiza-se um concílio diocesano convocado por D. Pe­

dro de Castilho e aprovam-se novas Constituições para o bis­pado.

1600 Criação da paróquia da Marinha (hoje Marinha Grande)

desanexada por D. Pedro de Castilho da paróquia de Santia­go do Arrabalde da Ponte, da cidade de Leiria e posta sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário.

1601 Publicam-se as Constituições Synodaes do Bispado de

Leiria. Feitas e ordenadas em synodo pello Senhor Dom Pe­dro de Castilho Bispo de Leiria[. .. ], impressas em Coimbra

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por Manoel d 'Araújo, impressor deZ rei N. S. na Universida­de de Coimbra.

1603-04-14 D. Pedro de Castilho inicia obras na Sé, mandando fazer

o claustro, as varandas, a sacristia, a casa do cabido e o adro.

1604 Construção do muro que sustenta a rua de Pedro Alvi­

to, nas traseiras da Sé.

1604-08-02 D. Pedro de Castilho é nomeado inquisidor-geral pela bu­

la Cum officium e deve ter resignado o bispado nesta altura.

1605 D. Martim Afonso Mexia é confirmado bispo de Leiria. [Na igreja da Misericórdia, D. Martim Afonso Mexia

manda fazer o púlpito e duas colunatas de pedra que sus­tentavam o coro, grades e assentos.

No edificio da Sé, conclui a obra do retábulo-mor man­dando fazer o retábulo do altar-mor, no que toca a pintura e ouro, e o da capela do S.S. Sacramento, em madeira, pin­tura e ouro; este é obra de Amaro do Vale, e o outro de Simão Rodrigues. Além disso, manda guarnecer a Sé por fora e fa­zer as grades na capela da pia baptismal, de pau santo, or­namentos e vestimentas, por conta da fábrica.]

1607 Muda-se a ermida de Nossa Senhora da Gaiola das Cor­

tes para a igreja que já estava feita, sendo bispo D. Martim Afonso Mexia, que manda derribar a ermida pelo que teve demandas com o cabido.

1609 Construção da capela de S. Mateus na Barosa.

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1610 Construção da ermida de Santa Marta da Loureira e de

S. Miguel em Vale de Sumo, ambas da paróquia de Santa Ca­tarina da Serra.

1613 Criação da paróquia de Serro Ventoso sob invocação de

S. Sebastião.

1614-1�9 Integração das paróquias de Nossa Senhora dos Praze­

res de Aljubarrota e de Alpedriz no bispado de Leiria.

1614-12-03 Carta régia de Filipe II de Portugal, passada a pedido

de D. Martim Afonso Mexia, na qual se determina a união das albergarias, hospitais e gafarias de Leiria à Santa Casa da Misericórdia.

1615-11 D. Martim Afonso Mexia é eleito para o bispado de La­

inego.

1615-10-17 D. Martim Afonso Mexia é nomeado visitador da Uni­

versidade de Coimbra. Era ainda bispo de Leiria e eleito de Lamego.

1616-04-30 D. Frei António de Santa Maria toma posse do bispado

de Leiria.

1616-05-10 D. Frei António de Santa Maria dá ordens pela primei­

ra vez.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1620 A povoação de Alqueidão da Serra, na parte que perten­

cia à freguesia do Reguengo é erecta em paróquia e posta sob a invocação de S. José, ficando o cura a ser da apresentação do Prelado.

1623-05-10 Falecimento de D. Frei António de Santa Maria. É se­

pultado no mesmo convento de Santo Agostinho para onde transladara os restos de D. Frei Gaspar do Casal, seu irmão em religião e no episcopado.

1624 D. Francisco de Meneses é apresentado na mitra de

Leiria.

1625-12-07 D. Francisco de Meneses toma posse do bispado de

Leiria.

C. 1626 D. Francisco de Meneses reforma o retábulo da igreja

de Nossa Senhora da Pena que ardera.

1626 D. Francisco de Meneses é provido no bispado do Algar­

ve, toma posse em Dezembro do mesmo ano.

1627-12-11 D. Dinis de Melo e Castro toma posse do bispado de

Leiria. [D. Dinis de Melo e Castro consuma a centralização dos

bens e rendimentos do hospital da Misericórdia, estabelece o regimento do hospital e ordena a sua fazenda, estabelece o salário dos seus oficiais, compra juros ao hospital e dá-lhe dinheiro para roupas.]

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1628 Inicia-se a reconstrução da ermida de Nossa Senhora

dos Anjos.

1628-06-17 D. Dinis de Melo e Castro dá ordens pela primeira vez,

na igreja de S. Pedro.

1630 Criação da paróquia de Amor, desmembrada da paróquia

de Santiago da cidade de Leiria. Tem por orago S. Paulo.

1632 Criação da paróquia de Carvide, desmembrada de Mon­

te Real. Orago: S. Lourenço.

1632-04 D. Dinis de Melo e Castro restaura a tradição do bodo

do l'rão e queijo na igreja do Espírito Santo de Leiria. De­termina então que do bodo se fizessem três partes, das quais uma se repartia pelos pobres, outra por pessoas po­bres recolhidas e necessitadas e a terceira por pobres à por­ta J.e casa.

1634 A igreja paroquial de S. Lourenço em Carvide é benzida.

1634 a 1641 É edificada a igreja de Nossa Senhora do Desterro nos

Pousos.

1636 D. Dinis de Melo e Castro empreende importantes obras

nas instalações do hospital da Misericórdia. Recorrendo a esmolas suas e alheias, aumenta consideravelmente o recin­to da casa, manda fazer leitos e estucar os tectos.

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1636 Fundação da freguesia de Coimbrão, desmembrada da

freguesia de Monte Redondo. Tem por orago S. Miguel Ar­canjo. Os curas ficam a se.r da apresentação do prelado.

1636-03-29 D. Dinis de Melo e Castro toma posse do bispado de

Viseu.

1636-05-24 D. Pedro de Barbosa de Eça é confirmado bispo de Leiria.

1636-16-19 D. Dinis de Melo e Castro governa a diocese de Leiria

até esta data.

1636-09-07 D. Pedro de Barbosa de Eça é sagrado na igreja de Xa­

bregas e, três dias depois, toma posse do bispado de Leiria.

1637 D. Pedro de Barbosa de Eça confirma a repartição do bo­

do do pão e queijo pelos pobres de Leiria.

1638 Passa-se licença para se rezar missa na ermida de S.

João Baptista, construída pelo mestre escola João Gaivão Botelho, "junto às casas que partem com a torre dos sinos na cidade de Leiria".

1639 Arde a capela-mor da antiga igreja paroquial das Col­

meias.

1640-09-21 Reza-se missa pela primeira vez na ermida de S. Salva­

dor, construída à custa de Gaspar Dias Ramalho "na calça­da que vai para o Hospital de S. Brás".

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1640-12-05 D. Pedro de Barbosa de Eça retira-se para Castela ao

ter conhecimento da morte do seu irmão Miguel de Vascon­celos. Ao deixar o bispado, D. Pedro de Barbosa de Eça no­meia o dr. António Alves Mourão governador e vigário geral.

1641 Extinção da casa dos Vila Reais, com a execução do mar­

quês e do seu filho, o duque de Caminha, por conspiração contra D. João IV, sendo os seus bens integrados na Casa do Infantado e passando a alcaidaria para a família dos Barba Alardo.

1641 É reedificada a capela-rnor da igreja paroquial das Col­

meias.

1643-0�1 Após a morte do dr. António Alves Mourão, o Cabido to­

rna posse do governo diocesano até que se apresenta corno governador o Dr. Francisco da Cunha, nomeado pelo vi ce-co­lector apostólico Jerónimo Bataglini.

1645 Dá-se licença para se rezar missa na ermida da invocação

de Nossa Senhora da Vitória "que ha no Terreiro, que se cha­ma das Camarinhas, a qual fez e dotou Gaspar Dias Branco".

1649-05 Chega a notícia da morte de D. Pedro de Barbosa de Eça e

declara-se Sé vacante, que se prolonga por muitos anos. [Diogo de Sousa, é o primeiro bispo apresentado por D. João

IV após a Restauração, mas nunca obteve confirmação porque desde 1640 a Santa Sé se recusava a confirmar qualquer bispo apresentado por D. João IV; visto não reconhecer a independên­cia de Portugal nem a realeza desse rei. D. Diogo de Sousa man-

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da edificar o antigo Paço Episcopal, localizado entre o castelo e a Sé, mesmo ao lado da igreja de S. Pedro.]

1654 D. João IV manda prender todos os ciganos do reino, fa­

zendo-os seguir para o Maranhão, Cabo Verde e S . Tomé, com excepção de alguns velhos com suas mulheres e crian­ças, as quais são mandadas para algumas terras longe da Corte, entre elas a cidade de Leiria, donde não podem sair.

1654 Diogo Leão constroi uma ermida dedicada a S. Bartolo­

meu na freguesia da Caranguejeira.

1657-04-29 O convento de Santo António, instituído por Pedro Viei­

ra da Silva, começa a ser habitado por frades da Ordem dos Arrábidos.

1665 Construção da capela do lado do Evangelho do transep­

to da igreja de Santo Agostinho, fundada por Diogo Leão de Morais.

1668 Data inscrita na cornija do arco mestre da igreja de S.

Francisco.

1668-09-28 D. Pedro Vieira da Silva é apresentado no bispado de

Leiria.

1670 A 11 de Maio de 1670, D. Pedro Vieira da Silva é confir­

mado bispo de Leiria pela bula "Rationi congruit" de Cle­mente X. Com a nomeação de D. Pedro Vieira da Silva, D. Diogo de Sousa é nomeado e confirmado na Sé de Évora.

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1671 D. Pedro Vieira da Silva é sagrado bispo de Leiria.

1671 IJ'!icia-se a construção do convento de Santo António dos

Capuchos, no sítio do Covelo.

1671-04-22 D. Pedro Vieira da Silva toma posse da diocese de Lei­

ria, por procuração.

1672 Construção do primitivo edifício do Seminário diocesano,

fundado por D. Pedro Vieira da Silva. Neste edifício funciona­va, até há pouco tempo, o Distrito de Recrutamento de Leiria.

1672-12-16 O edificio do Seminário de Leiria é entregue aos religio­

sos do convento de Santo Agostinho, por escritura.

1676 Falecimento de D. Pedro Vieira da Silva, sepultado no

pavimento da igreja de Santo António dos Capuchos.

1676 T�rmina-se a construção do convento dos Capuchos.

1677 A 8 de Novembro de 1677, Frei Domingos de Gusmão é

confirmado bispo de Leiria pela Bula "Hodie ecclesiae Lei­riensi" de Inocêncio XI. A 8 de Março, toma posse do bispa­do, por procuração. E a 29 de Agosto, é promovido a arcebispo de Evora, o que nos leva a pensar que talvez não tenha che­gado a entrar na diocese de Leiria.

1681 A 2 de Junho de 1681, Frei José de Lencastre é nomea-

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

do bispo de Leiria pela Bula 11Hodie venerabilem fratrem 11 de Inocêncio XL A 2 de Agosto toma posse do bispado.

1692-01-17 D. Frei José de Lencastre é nomeado capelão-mor de D.

Pedro II.

1693 D. Frei José de Lencastre hospeda nos seus P aços de

Leiria D. Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra, que regressa à Corte portuguesa.

1693-07-01 D. Frei José de Lencastre é nomeado Inquisidor-Geral.

1694-05-31 D. Frei José de Lencastre entra para o Conselho de Es­

tado.

1694 D. Frei José de Lencastre resigna o bispado de Leiria.

1694-06-19 A 19 de Junho de 1694, D. Álvaro de Abranches e Noro­

nha é confirmado bispo de Leiria pela bula 11Gratiae divinae proemium 11 de Inocêncio XII. A 30 de Outubro toma posse do bispado, por procuração.

1694-12-27 D. Álvaro de Abranches e Noronha é sagrado na igreja

da Congregação de S. Filipe de Neri, em Lisboa, entrando logo depois na diocese de Leiria.

1697-12-17 D Álvaro de Abranches de Noronha celebra missa sole­

ne na igreja de S. Roque de Lisboa, por alma do P. António Vieira, de cuja morte chegara notícia ao Reino.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

Finais do séc. XVII ou inícios do séc. XVIII. Realizam-se alterações no traçado do rio dentro da área

urbana de Leiria, por intermédio da Casa do Infantado. Jul­ga-se que, anteriormente o primeiro cotovelo do meandro do rio se localizava cerca de cem metros a oeste, aproximada­mente, junto dos actuais edificios do largo 5 de Outubro. Pe­la mesma época, a igreja de S. Pedro é ampliada sendo a sua frontaria chegada à frente. Com estas obras ter-se-á perdi­do a torre sineira.

Século XVIII Construção da actual igreja do Espírito Santo de Leiria.

1700 Construção da capela do lado da Epístola do transep­

to da igreja de Santo Agostinho, instituída por Maria da Fonseca Pereira Brandoa e dedicada a Nossa Senhora da Graça.

1702 Os bens pertencentes à extinta casa dos Vila Reais e que

haviam passado à Casa do Infantado, são entregues aos Va­ladares, incluindo o Palácio na Praça.

1704-08-2 a 4 D. Pedro II pousa no Paço do bispo, em Leiria.

1704-08-23, 24 e 25 D. Carlos II, que estava em luta com Filipe V de Fran­

ça, entra em Leiria. No dia seguinte, vai a Nossa Senhora da Encarnação, todo vestido de encarnado, com a sua fidal­guia, e daí vai ao convento dos Capuchos, e dos Capuchos se recolhe outra vez aos Paços do bispo. A 25 de Agosto, parte com toda a sua fidalguia para fora da terra.

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1712 Existe já a ermida de S. João Baptista dos Pinheiros.

1714 São criadas as paróquias da Azoia, Barosa e Parceiros

desanexadas da paróquia de S. Pedro e postas sob a invoca­ção de Santa Catarina, S. Mateus e Nossa Senhora do Rosá­rio, respectivamente. Neste mesmo ano é criada a freguesia de Regueira de Pontes, desanexada de Santiago do Arrabal­de da Ponte e posta sob a invocação de S. Sebastião.

1713-12-28 A paróquia de S. Pedro é transferida para a paróquia

dos Pousos, então instituída. A paróquia dos Pousos fica com o orago de Nossa Senhora do Desterro.

1714-04-23 D. João V e os infantes D. António e D. Manuel visitam

a diocese de Leiria.

1716-11-07 Criação do patriarcado de Lisboa ficando dividida a ca­

pital em duas cidades, oriental e ocidental e duas dioceses.

1717 Início das obras na igreja da Misericórdia de Leiria.

1718�1-03 Pela bula Gregis dominici cura, Clemente XI designa os

sufragâneas dos dois arcebispados de Lisboa. Leiria fica su­bordinada ao Patriarcado (Lisboa ocidental).

1720 Em 1720, ou antes, é instituída a paróquia de Mira, de­

sanexada da de Minde. Orago: Nossa Senhora do Amparo.

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C.1728 Criação da paróquia de Rio de Couros, desanexada da de

Freixianda.

1730 É criada a paróquia de Alcaria, desanexada da de S.

João Baptista de Porto de Mós.

1732 Início da construção da igreja paroquial do Senhor Je­

sus dos Milagres de que foram mestres os construtores José da Silva e seu filho Joaquim da Silva, do Juncal.

1732 O concelho de Leiria é constituído por 26.457 habitan­

tes e por 8.686 fogos.

1738 Os povos da Barreira que, depois da extinção da paró­

quia de S. Pedro em 1713 foram anexados à das Cortes, cons­tituem uma paróquia independente. A paróquia da Barreira tem 'por orago o Santíssimo Salvador.

1740 É criada a paróquia da Vieira, desanexada de Monte

Real. Orago: Nossa Senhora dos Milagres.

1740-12-13 Bento XIV extingue a divisão dos dois arcebispados da

capital (Lisboa ocidental e Lisboa oriental) pela bula Salva­toris nostri mater.

1742-04-02 A catedral recebe um novo órgão cujo coreto, caixa e tri­

buna são entregues a José Gomes, no lado da nave de S. Bento.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1742-07-13 Estando D. Álvaro de Abranches e Noronha inábil para

o governo pastoral pela sua avançada idade e doenças, D. Mi­guel da Anunciação, então bispo de Coimbra, é, por Breve de Bento IV, encarregado do governo da diocese de Leiria.

1742-12-08 D. Miguel da Anunciação assume por provisão o governo

temporal e espiritual da diocese de Leiria, governo que deveria exercer ainda depois da morte de D. Álvaro de Abranches e No­ronha e enquanto não estivesse confirmado o seu sucessor.

1743 Junto da igreja de N. S. da Apresentação, é fundado um

recolhimento para meninas pobres, tendo sido seus fundado­res, os priores Manuel das Chagas, arcediago da Sé, e Rai­mundo de Sousa Banha, das Cortes, aos quais se juntaram outros beneméritos: o cónego João Carlos da Costa Guerra, Martim Barba Alardo, dr. Matias Gomes Brandão e o padre Manuel João Boucinhas.

1745-11-18 D. Frei João de Nossa Senhora da Porta é nomeado

coadjutor e futuro sucessor do bispo de Leiria.

1746-03-29 Bento XIV concede o título de bispo de Olímpia a D. Frei

João de Nossa Senhora da Porta.

1746-04-08 Falece em Lisboa D. Álvaro de Abranches e Noronha.

1746 D. Francisco de Portugal, 22 Marquês de Valença, publi­

ca em Lisboa o ((Elogio fúnebre do Excellentissimo e Reveren­díssimo D. Álvaro de Abranches, Bispo de Leiria".

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1746-07-23 D. Frei João de Nossa Senhora da Porta toma posse do

bispado de Leiria. A 5 de Outubro do mesmo ano, faz a sua entrada solene na diocese de Leiria, acompanhado pelo Re­formador dos Cónegos Regrantes e pelos infantes D. Gaspar, D. José e D. António, os chamados "meninos de Palhavã", fi­lhos naturais de D. João V, de sua grande intimidade.

1746 Logo no ano da sua entrada, D. Frei João de Nossa Se­

nhora da Porta autoriza o funcionamento do Recolhimento de Santo Estevão.

1750-06-24 D. Frei João de Nossa Senhora da Porta erige em paró­

quia o lugar do templo do Senhor Jesus dos Milagres, desa­nexando-a de Regueira de Pontes, e com lugares desta paróquia e das Colmeias.

1755-11-01 O terramoto de Lisboa causa estragos no castelo, na Sé

e em outros edifícios da cidade de Leiria. Andando D. Frei João de Nossa Senhora da Porta visi­

tando a diocese aquando do sismo, recolhe-se à cidade e or­dena uma procissão de penitência, que sai da igreja de Santo Agostinho e se repete nos nove dias seguintes. O prelado, descalço, com uma corda ao pescoço, acompanha todas as procissões, dando provas de grande penitência e humildade.

1756 Fazem-se obras na Sé, por ordem de D. Frei João de

Nossa Senhora da Porta, para reparar os estragos causados pelo terramoto. As reparações efectuadas modificam profun­damente a frontaria, que adquire o aspecto actual. A data de 1756 está gravada num dos fechos da abóbada da Sé.

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1758 Começam as obras da igreja paroquial de S. Sebastião

de Regueira de Pontes.

1760-03-24 D. Frei João de Nossa Senhora da Porta é confirmado

arcebispo de Évora.

1761 D. Frei Miguel de Bulhões é apresentado e confirmado na

diocese de Leiria. D. Frei Miguel de Bulhões continua a obra da frontaria da Sé iniciada pelo seu antecessor. Ainda na Sé, faz a segunda sacristia na ala direita do claustro, o andar por cima da sacristia principal e importantes obras nas tribunas da capela-mor. Lageia também o claustro e tapa-o, separan­d� completamente do pátio interior.

1767 Conclusão da igreja paroquial de S. Miguel, no lugar da

Eira Velha, para onde passou a sede da paróquia das Col­meias, que antes estava no lugar que passou a chamar-se Igreja Velha.

1772 Talvez por volta de 1770, D. Frei Miguel de Bulhões

manda erguer a torre dos sinos aproveitando uma das ve­lhas torres da muralha da vila. 1772 é a data inscrita num dos sinos da torre da cidade, assinado por André de Aregos. Os outros sinos, da torre são do tempo de D. Manuel de Aguiar e estão assinados por João Craveiro; apresentam a data de 1801.

1772 D. Frei Miguel de Bulhões dota as tribunas da Sé com

dois órgãos, um verdadeiro e outro fingido.

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C.1773 D. Frei Miguel de Bulhões manda construir o escadório

monumental de acesso ao Santuário de Nossa Senhora da Encarnação.

1777-08-16 a 18 D. Frei Miguel de Bulhões hospeda em Leiria o bispo de

Coimbra, D. Frei Miguel da Anunciação que regressa à sua diocese, depois de libertado da prisão em que o lançara o Mar­quês de Pombal. A 17, é D. Miguel da Anunciação recebido so­lenemente na Sé e no dia seguinte parte para o Louriçal, sendo acompanhado pelo bispo de Leiria até ao limite da diocese.

1779 Falecimento de D. Frei Miguel de Bulhões, nas Cortes.

1779 D. António Bonifácio Coelho é apresentado por D. Ma­

ria I na diocese de Leiria e deve ter morrido neste mesmo ano, antes da chegada das bulas confirmatórias.

1780-09-20 D. Lourenço de Lencastre é confirmado na Sé de Leiria

pela bula Romani Pontificis de Pio VII.

1788-10-17 D. Lourenço de Lencastre transfere a pedra do altar­

-mor da igreja de S. Pedro para a Sé, onde colocara uma ban­queta nova na capela-mor.

1790-03-04 Falecimento de D. Lourenço de Lencastre.

1790-06-21 A 2 1 de Junho de 1790, D. Manuel de Aguiar é confir­

mado bispo de Leiria.

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1790-08-15 A 15 de Agosto, D. Manuel de Aguiar, recebe a sagração

em Lisboa. E, a 3 1 do mesmo mês, faz a sua entrada solene na diocese de Leiria.

1791 D. Manuel de Aguiar consagra solenemente a Catedral,

dotando-a de novos e ricos paramentos para todas as festi­vidades.

1793-12-04 Relação enviada a Roma por D. Manuel de Aguiar sobre

o estado da diocese de Leiria.

1795 Terminam as obras da igreja paroquial de S. Sebastião

de Regueira de Pontes.

1795-03-03 D. Manuel de Aguiar obtém, por decreto, que o padroa­

do das dignidades, canonicatos e mais benefícios da sua Sé, fique para sempre dos bispos de Leiria, evitando assim os inconvenientes das apresentações por leigos. Exceptuam-se as dignidades de deão e mestre-escola e quatro conezias.

1795 Data dos azulejos da capela-mor da igreja paroquial do

Senhor Jesus dos Milagres.

1798-10-04 Data da bênção do cemitério, por detrás da Sé de Leiria,

mandado construir por D. Manuel de Aguiar para evitar os enterramentos nas igrejas. Este cemitério manteve-se em serviço até 1871.

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1798-08-12 Inicia-se a construção do novo edifício hospitalar, man­

dado edificar por D. Manuel de Aguiar no lugar da ermida de Nossa Senhora dos Anjos, segundo risco do engenheiro Joaquim de Oliveira.

1799 Inicia-se a construção de um edificio para Colégio de

meninas contíguo ao Recolhimento de Santo Estevão.

C . 1800 A igreja de Nossa Senhora da Pena é abandonada e pro­

fanada, não mais voltando ao culto. A igreja de S. Pedro é também profanada e convertida em celeiro.

1800-02-01 D. Manuel de Aguiar reforma profundamente a adminis­

tração do hospital da Misericórdia e dá-lhe novo regulamento.

1800-05 O novo hospital é entregue à Misericórdia de Leiria.

1800-06-08 Faz-se a transferência dos doentes do antigo hospital

da Misericórdia para o novo edifício hospitalar, tendo o bis­po D. Manuel de Aguiar com a sua própria carruagem aju­dado a transportar os doentes, no que foi imitado pelos irmãos da Misericórdia e por outras pessoas.

1802 D. Manuel de Aguiar funda o seminário para educação de

meninas, instalado junto ao Recolhimento de Santo Estevão.

1803-01-17 D. Manuel de Aguiar dá estatutos ao seminário ou colé­

gio para meninas.

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1803-04-29 D. Manuel de Aguiar consegue, por bula, um grande au­

mento de rendimentos para a reconstrução do Seminário dio­cesano, através do lançamento de uma décima sobre os réditos da mitra, das dignidades e conezias da catedral e da colegiada de Ourém, dos benefícios das colegiadas de Porto de Mós e do priorado de Alpedriz.

1803 É demolida a ermida de S. Silvestre da Ribeira, nas Col­

meias. Constroi-se a torre da igreja paroquial das Colmeias.

1804-11 O Seminário diocesano reabre as suas portas, após a re­

construção efectuada por D. Manuel de Aguiar.

1807-11-30 Lisboa é ocupada pelas tropas do general Junot que des­

loca uma força para Leiria.

1807-12-21 P astoral de D. Manuel de Aguiar em que aconselha os

paroquianos a não resistirem ao invasor, indicando-lhes as melhores regras de conduta a seguir.

1808 D. Manuel de Aguiar retira-se de Leiria para fugir à

perseguição dos franceses que o procuram, acusando-o de promover tumulto.

1808-07-05 Trava-se um violento combate entre as tropas francesas

comandadas por Margaron e os leirienses, mal armados, à entrada da cidade, na P ortela, onde existe uma lápide come­morativa do facto.

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1808-08 O Corpo Militar Académico liberta a cidade de Leiria

das tropas invasoras. D. Manuel de Aguiar regressa à diocese e auxilia as ví­

timas das tropas francesas.

1808 Derrota das tropas francesas nas batalhas da Roliça e

do Virnieiro.

1810 D. Manuel de Aguiar andava em visita pastoral quando re­

cebe aviso do governo para se recolher a Lisboa logo que se apro­ximem os franceses que pela terceira vez invadem o Reino.

1810-10 As tropas do general Drouet incendeiam e destroem o

recheio dos edifícios públicos e privados, conventos e igrejas da cidade de Leiria. "Leiria foi urna das terras que mais so­freram "escreveu Luz Soriano". A sua população que dantes andava por urnas 3000 almas, apenas contava depois da in­vasão urnas 1500 pessoas . . . sobre estes males vieram depois os das febres epidémicas." Os franceses incendeiam o paço Episcopal, o convento de Santana e o Recolhimento de San­to Estevão, arruínam o Seminário, saqueiam a Sé, o hospi­tal e a Misericórdia que além de vários estragos materiais, perde todos os seus títulos de renda".

1811-03-30 D. Manuel de Aguiar regressa de Lisboa, para onde se

deslocara quando as tropas francesas entraram na diocese, e dedica-se ao auxílio às vítimas das invasões.

1811 A velha sede da paróquia de Santiago do Arrabalde da

Ponte é transferida provisoriamente para o lugar dos Pinhei-

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ros por D. Manuel de Aguiar, por estar a antiga paroquial muito arruinada e ser sujeita às inundações do Lis.

1811-08 D. Manuel de Aguiar muda-se para o Seminário.

1811 D. Manuel de Aguiar restaura o hospital e a Sé.

1815-03-19 Falecimento de D. Manuel de Aguiar.

1815-03-21 D. João Inácio da Fonseca Manso é eleito por unanimi­

dade vigário capitular de Leiria.

1817-12-18 O Recolhimento para meninas pobres construído junto

da igreja de N. S. da Apresentação e destruído com a igre­ja, aquando das invasões francesas, acaba de ser reconstruí­do e volta a funcionar. Aqui funciona também a Roda dos Expostos.

1818-05-13 A 13 de Maio de 1818, D. João Inácio da Fonseca Man­

so é eleito bispo de Leiria.

1818-08-23 No dia 23 de Agosto de 1818, D. João Inácio da Fonseca

Manso é confirmado bispo de Leiria. A 27 de Dezembro, re­cebe a sagração.

1820-01-02 A 2 de Janeiro de 1820, D. João Inácio da Fonseca Man­

so toma posse do bispado, por procuração. A 13 de Feverei­ro, faz a sua entrada solene na diocese.

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1820 Logo no início do seu governo pastoral, D. João Inácio da

Fonseca Manso manda reconstruir o Paço episcopal e faz obras na Sé e no Seminário , completando as reparações ini­ciadas por D. Manuel de Aguiar. Na porta do Seminário es­tá gravada uma legenda que ainda hoje recorda o nome de D. Pedro Vieira da Silva.

1823 São colocados os sinos do Santuário de Nossa Senhora

da Encarnação.

1826-04-21 Realizam-se cerimónias fúnebres por motivo da morte

de D. João VI a que se associam as igrejas da cidade.

1826 D. João Inácio da Fonseca Manso é nomeado par do Rei­

no mas pede dispensa por motivo de doença; é-lhe concedi­da a 23 de Novembro.

1828 Início das obras da igreja de Santiago dos Marrazes,

construída pelos paroquianos do lugar dos Marrazes, indu­zidos pelo pároco Joaquim José de Azevedo e pelo fidalgo da Quinta do Amparo, Gonçalo Barba Alardo de Lencastre e Barros e para cujas despesas o prelado concorreu.

1829-07-24 Acabada a construção da igreja paroquial nos Marrazes,

a paróquia de Santiago é para ali transferida. Os povos doE Pinheiros reclamam, mas, como não são atendidos, tentam resistir pela força dando origem a um conflito de que resul· tam mortos e feridos.

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1830 D. João Inácio eleva a paróquia o lugar de Aldeia da

Cruz, da paróquia de Ourém, com Nossa Senhora da Purifi­cação por orago. O nome do lugar foi mais tarde mudado pa­ra Vila Nova de Ourém, transferindo-se para lá a sede do concelho.

1832-10-17 e 18 Em plena guerra civil, o rei D. Miguel passa por Lei­

ria, saído de Lisboa, e dirigindo-se ao Porto, com o propó­sito de reanimar as suas tropas, D. João Inácio recebe-o e hospeda-o no Paço episcopal com a sua comitiva entre a qual se contavam as infantas D. Isabel e D. Maria da As­sunção, que recebem do povo da cidade uma calorosa ma­nifestação.

1833-09-11 A Junta do Exame do estado actual e melhoramento

temporal das ordens religiosas propõe a redução dos bispa­dos do Reino a oito, tantos quantas as províncias.

1834 Extinção das Ordens religiosas em Portugal. Fecho do

Seminário de Leiria.

1834 Extinção da Casa do Infantado, revertendo os seus bens

para a Fazenda Pública.

1834 A igreja de S. Pedro é adaptada a teatro, funções que

desempenha até 8-12-1880 (data da inauguração do teatro de D. Maria Pia). Chama-se então teatro de S. Pedro e aí ac­tuam as maiores figuras da cena portuguesa do tempo.

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1834-01-15 As tropas liberais comandadas pelo conde de Saldanha

entram em Leiria.

1834-03-04 O governo declara por decreto a Sé de Leiria ((quasi va­

cante". Na mesma data, é nomeado governador o Pe. Dr. João de Deus Antunes Pinto, dedicado partidário dos liberais.

1834-05-22 O Pe. Antunes Pinto é eleito vigário capitular.

1834-06-11 Com o falecimento de D. João Inácio da Fonseca Man­

so, a mitra de Leiria fica vaga.

1836-06-27 O Pe. Antunes Pinto é exonerado por decreto, sendo

substituído pelo Pe. José Crisóstomo Pereira Barbosa, egresso da ordem dos eremitas de Santo Agostinho. Este se­gundo vigário governa a diocese até à entrada do novo bis­po em 1843.

1836 Existem 2.812 homens e 6 17 fogos na cidade de Leiria.

1838 Acrescentam-se os dois altares laterais à igreja paro­

quial de Santiago nos Marrazes que eram de Santo António de Leiria.

1839 Criação da paróquia dos Marrazes, sob invocação de

Santiago Maior, desmembrada da paróquia de Santiago do Arrabalde da Ponte.

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1840-02-26 D. Guilherme Henriques de Carvalho é apresentado bis­

po de Leiria.

1840 a 1841 Reconstrução da igreja do mosteiro de Santana.

1841-03-26 Costa Cabral encarrega D. Guilherme Henriques de

Carvalho de organizar um projecto de reforma dos Seminá­rios diocesanos.

1843-04-03 D. Guilherme Henriques de Carvalho é confirmado pe­

la bula de Gregório XVI Apostolatus officium.

1843-04-07 A Câmara Municipal de Leiria, presidida por António

da Costa Guerra faz uma representação à Rainha pedindo a manutenção do bispado e do distrito.

1843 A 2 de Julho de 1843, D. Guilherme Henriques de Car­

valho recebe a sagração episcopal. Cinco dias mais tarde, to­ma posse do bispado. A 13 de Agosto do mesmo ano, faz a sua entrada solene na Sé de Leiria.

1845 Construção da torre da igreja paroquial de Santiago dos

Marrazes.

1845-05-07 ou 9 D. Guilherme Henriques de Carvalho é eleito patriarca

de Lisboa, confirmado pela bula Onerosa pastoralis de Gre­gório XVI datada de 24 de Novembro.

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1846�1-24 No dia 24 de Janeiro de 1846, D. Manuel José da Costa

é eleito bispo de Leiria. A 16 de Abril, é confirmado pela bu­la de Gregório XVI Apostolatus officium. A 3 de Junho, to­ma posse, por procuração.

1846-06-14 A 14 de Junho de 1846, D. Manuel José da Costa rece­

be a sagração na igreja dos lnglesinhos, em Lisboa. No dia 22 de Julho do mesmo ano, faz a sua entrada solene na dio­cese de Leiria.

1846-12-09 A cidade de Leiria é ocupada pelas tropas do conde de

Bonfim.

1850-02-28 D. Manuel José da Costa extingue a colegiada de Ourém.

1850-03-15 . O Governo é autorizado pela Santa Sé a proceder a uma

nova divisão no eclesiástico do continente . .

1850-10-19 D. Manuel José da Costa reabre o Seminário que se en­

contrava fechado desde 1834. Para garantir o seu regular funcionamento, obtém do governo a cedência da quinta ane­xa, que estava arrendada e os rendimentos das colegiadas de Ourém e de Porto de Mós que lhe foram aplicados.

1851-04-30 D. Fernando chega a Leiria ficando hospedado no Paço

Episcopal.

1851-07-16 Falecimento de D. Manuel José da Costa na freguesia de

Santa Cruz de Trapa.

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1852-01-24 A Câmara de Leiria pede que não se protele a nomeação

do novo prelado.

1852-10-20 D. Joaquim Pereira Ferraz é transferido da diocese de

Bragança para a de Leiria.

1853-03-10 No dia 10 de Março de 1853, D. Joaquim Pereira Ferraz

é confirmado bispo de Leiria.

1853-04-30 A 30 de Abril toma posse da diocese, pelo seu procura­

dor, o Pe. António Ferreira Miranda e Oliveira que governa a diocese até à entrada solene do prelado a 5 de Agosto do mesmo ano.

[D. Joaquim Pereira Ferraz reforma os estudos do Semi­nário e faz diversas obras no Paço espiscopal e na Sé].

1853 Restauro da igreja de S. Sebastião de Regueira de Pontes.

1855-01-01 ou 1885-01-03 O Pe. João Maria Pereira do Amaral e Pimentel é no­

meado deão da Sé de Leiria, ficando demoradas vezes a go­vernar a diocese no impedimento do bispo.

1855-07-02 O edifício do Convento de S. Francisco é entregue à

Câmara para demolição e aproveitamento posterior dos seus materiais.

1857 O edificio de S. Francisco é vendido para a instalação de

uma fábrica.

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1858 O palácio do Marquês de Vila Real, à saída da Praça Ro­

drigues Lobo, é demolido sendo substituído por dois edificios novos, o edificio onde está hoje um Banco e o edifício frontei­ro a este.

1859 O Pe. Manuel Rodrigues de Faria publica em Leiria a

sua Descripção topographica, h isto rica e ecclesiastica do bis­pado de Leiria que dedica a D. Joaquim Pereira Ferraz. Des­ta obra publicou-se apenas o primeiro fascículo.

1862 a 1864 Restaura-se a igreja paroquial de Santa Catarina da

Serra.

1863 Pintura do tecto da igreja de Nossa Senhora da Encar­

nação e de todo o espaço acima do arco-mor desta igreja.

1865 Termina-se o retábulo do altar-mor da igreja paroquial

de Santiago dos Marrazes.

1865 Constroi-se o coro à entrada da igreja de Nossa Senho­

ra da Encarnação.

1867 O Pe. Joaquim Pereira Ferraz retira-se definitivamen­

te para Barcelos, deixando como governador do bispado o chantre Pe. António Ferreira Miranda.

1869-11-12 Decreto de José Luciano de Castro renova autorização

para o governo tratar da remodelação diocesana, ficando as-

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sente que, enquanto ela se não realizasse, não se fariam apresentações para as dioceses de Aveiro, Beja, Castelo Branco, Elvas, Guarda, Lamego, Leiria, Pinhel e Portalegre, o que indicava a sua própria extinção.

1870-03-03 Representação da Câmara Municipal de Leiria ao go­

verno para que seja conservada a diocese de Leiria.

1871-06-01 Data da inauguração do actual cemitério no Alto da For­

ca, depois conhecido por Monte de Santo António do Carrascal.

1873-02-28 Falecimento em Barcelos de D. Joaquim Pereira Ferraz.

1873 É publicada no Porto a Instrucção pastoral do bispo de Lei­

ria D. Joaquim Pereira Ferraz ao clero e fiéis da sua diocese.

1873-02-27 Representação da Câmara Municipal de Leiria ao go­

verno para que seja conservada a diocese de Leiria.

1873-09-08 O Cabido e o clero da diocese suplicam ao Santo Padre

a conservação do bispado de Leiria.

1974-11-15 Representação da Câmara Municipal de Leiria ao go­

verno para que seja conservada a diocese de Leiria.

1876-04-22 É publicado novo decreto sobre o projecto de remodela­

ção diocesana.

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1880 Data inscrita no friso do arc�mestre da igreja de S. Fran­

cisco, relativo ao ano em que o edifício foi elevado dois metros.

1881-09-30 Pela Bula Gravissimum Christi Ecclesiam regendi et gu­

bernandi munus, Leão XIII autoriza, com grande mágoa, a remodelação diocesana, encarregando da sua execução o bis­po do Porto, cardeal D. Américo.

1882-09-04 Sentença do cardeal D. Américo, aprovada por carta ré­

gia de 14 de Setembro de 1882, extingue os bispados de Avei­ro, Castelo Branco, Elvas, Leiria e Pinhel, e os isentos de Crato e Tomar. A diocese de Leiria é anexada à de Coimbra, com 23 freguesias do concelho da sede e 2 do concelho de Pombal. As restantes 25 passaram para o Patriarcado.

1882-09-14 Carta régia que aprova a sentença de extinção dos bis­

pados.

1882-09-16 Por decreto, são adjudicados à Sé Patriarcal os bens que

constituíam a dotação da Sé, e ao Seminário de Santarém os do Seminário de Leiria.

1882-09-30 D. Manuel Correia de Bastos Pina, bispo-conde, assu­

me a jurisdição da parte do bispado que lhe coube. No dia 3 1 de Outubro de 1882 visita a cidade de Leiria e a extinta Sé.

1883-03-08 D. Manuel Correia de Bastos Pina, por decreto, eleva a ar­

ciprestado a cidade de Leiria e nomeia arcipreste o P. António Ferreira Louro, com honras de cónego da Sé de Coimbra.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1884-03-06 Por intervenção do Dr. Adriano Xavier Lopes Vieira e do

reitor do Seminário Pe. Dr. Carlos Eduardo Sande de Saca­dura Botte, os bens da Sé são restituídos por decreto à Jun­ta da freguesia de Leiria.

1884-05-29 Por carta de lei, os bens do Seminário de Leiria passam

para o de Coimbra.

C. 1885 A igreja de S. Bartolomeu é profanada.

1885 Vitorino da Silva Araújo publica a obra Um bispo segun­

do Deus ou Memórias para a vida de D. Manuel de Aguiar.

1890 Colocação das imagens de Nossa Senhora e de S. Ga­

briel que se encontram no tímpano e sobre a porta principal do Santuário de Nossa Senhora da Encarnação.

1898 O Padre Inácio José de Matos organiza e publica a 2ª

edição da obra O Couseiro ou Memórias do bispado de Lei­ria, obra original de meados do século XVII, da autoria de um eclesiástico leiriense anónimo Oª ed. , Braga, Typogra­phia Lusitana, 1868).

1898 Projecta-se a construção do Convento da Portela.

c. 1900 Inicia-se a edificação do convento da Portela. No edifí­

cio colabora Augusto Romão, construtor leiriense autor de di­versos edificios da cidade e da parte arquitectónica do futuro

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

Monumento aos Mortos da Grande Guerra. A decoração de parte substancial do convento é entregue ao pintor José Vaz.

1904-03-03 Convoca-se uma Reunião Magna da Associação Comer­

cial de Leiria para tratar da restauração do bispado.

1910-06-16 A igreja de S. Pedro de Leiria, que então serve de depó­

sito de madeiras e de tropas, recebe a classificação de Monu­mento Nacional atribuída pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

1911-04-20 Lei da separação da Igreja do Estado. Após ela, a igreja

de Santo Agostinho passa a servir de refeitório militar, deitan­d(}-se a perder as obras de restauro que estavam a decorrer nesse ano. A igreja de Nossa Senhora da Apresentação e as instalações contíguas passam também para a posse do Esta­do. Aí fica aquartelada a Guarda Nacional Republicana e é instalada a Escola do Magistério Primário, que funciona até à entrada em actividade da Escola Superior de Educação de Leiria. O edificio do antigo Paço Episcopal é entregue ao exér­cito que aí instala o Regimento de Artilharia Ligeira 4. O an­tigo Paço Episcopal é actualmente sede do Comando Distrital da P.S.P., entidade a quem se deve, em grande parte a recu­peração do edifício operada recentemente. Com a revolução republicana, a construção do convento da Portela é interrom­pida, ficando inacabada a igreja no que diz respeito à sua tor­re. Os bens do convento da Portela são vendidos e arrendados pela Câmara que aí instala a Escola Industrial Domingos Se­queira e o Asilo Distrital, além de outras instituições.

1911-06-03 Por determinação governativa, o hospital de Leiria pas­

sa a denominar-se hospital de D. Manuel de Aguiar.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1914-10-07 Fundação do semanário leiriense O Mensageiro dirigi­

do pelo padre José Ferreira de Lacerda.

1915 A Liga dos Amigos do Castelo de Leiria, constituída nes­

se ano, dá início às obras de restauro da fortaleza. À frente da Liga encontra-se Ernesto Korrodi, arquitecto suíço resi­dente em Leiria que assume a direcção técnica e o parecer artístico das obras.

1915-08-19 Pela lei nº 349, o mosteiro de Santana é cedido à Câma­

ra Municipal por 9.700$00.

1916 A Câmara Municipal de Leiria inicia a demolição do con­

vento de Santana, criando um bairro novo, onde constrói o mercado municipal, segundo projecto de Ernesto Korrodi.

1916-06-15 Criação da freguesia civil de S. Mamede, desmembrada

da do Reguengo do Fetal.

1916-05 Inicia-se a demolição do convento de Santana, aprovei­

tando-se os materiais para as obras da cadeia comarcã,jun­to dos Paços do Concelho e para a casa do guarda do castelo.

1917-05-13 Primeira aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria,

paróquia de Fátima.

1917-08-13 A quarta aparição de Nossa Senhora é impedida pelas

autoridades administrativas de Vila Nova de Ourém que

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

prenderam os videntes. A aparição veio a dar-se a 19 desse mês no sítio dos Valinhos.

1917-10-13 Última aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria.

1918-01-17 Bento XV pelo Breve "Quo vehementis" restaura a dio­

cese e comete a execução do Breve ao cardeal patriarca de Lisboa que se desempenha deste encargo por sentença data­da de 1 de Junho de 1918.

1918-12-17 O Pe. Joaquim José Carvalho recebe em sua casa alguns

seminaristas, abrindo um Seminário provisório na Quinta da Bela-Vista. O Seminário é dedicado a Nossa Senhora da Conceição. No ano seguinte o Seminário muda-se para uma casa, à Fonte Freire.

1919-04-04 Falecimento de Francisco Marta, vidente de Fátima.

1919-04-28 Início da construção da capelinha das Aparições, na Co­

va da Iria.

1920 O convento de S. Francisco é cedido para a construção

da Companhia Leiriense de Moagem, empresa que ainda ho­je ocupa as instalações.

1920-02-20 Falecimento de Jacinta Marta, vidente de Fátima.

1920-05-15 D. José Alves Correia da Silva é nomeado bispo de Lei­

ria pela bula "Commissum humilitati Nostrae" de Bento XV.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

No dia 25 de Julho recebe a sagração de D. António Barbo­sa Leão, bispo do Porto. A 5 de Agosto do mesmo ano faz a sua entrada solene na catedral de Leiria com assistência do Núncio Apostólico, Monsenhor Locatelli, e do cónego Dr. Ma­nuel Anaquim, como representante do Cardeal-Patriarca de Lisboa. Saúda-o grandiosa multidão.

1920-06-13 Colocação da primeira imagem de Nossa Senhora de

Fátima, na Capelinha das Aparições da Cova da Iria.

1920-08-17 É criada a paróquia de S. Mamede da Serra, tendo por

orago S. Mamede, a primeira paróquia criada pelo Sr. D. José.

1920-10 O Seminário diocesano, à Fonte Freire, recomeça com

18 alunos.

1920-11 Por iniciativa do bispo é criada a Conferência de S. Vi­

cente de Paulo para homens e senhoras.

1921-10-13 É permitida a celebração da Missa, pela primeira vez

junto da Capelinha das aparições, na Cova da Iria.

1921-08-15 D. José Alves Correia da Silva faz a consagração da ci­

dade de Leiria a Nossa Senhora.

1921-04-10 D. José Alves Correia da Silva profere um brilhante dis­

curso de homenagem ao soldado desconhecido, no mosteiro da Batalha.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1922-05-03 D. José Alves Correia da Silva publica uma provisão em

que nomeia a comissão encarregada de elaborar o processo canónico relativo às aparições de Fátima.

1922-08-19 Criação da paróquia da Serra de Santo António, des­

membrada da de Minde e com Santo António por orago.

1922 D. José Alves Correia da Silva instala o novo Seminário

num prédio adquirido ao Dr. Torreira de Sousa, na Rua Mar­cos Portugal, profundamente remodelado e aumentado, que se torna um dos maiores conjuntos de edifícios de toda a ci­dade, com instalações modelares, laboratórios e já preciosa biblioteca.

1923-05-15 Criação da paróquia de Albergaria dos Doze, desmem­

brada da paróquia de S. Simão de Litém; fica a ter por ora­go Nossa Senhora da Apresentação. Criada civilmente em 10 de Abril de 1923.

1924-08-05 Criação da paróquia de Pedreiras, desmembrada das de

S. João e S. Pedro de Porto de Mós e da do Juncal. Orago: S. Sebastião.

1924-06-14 É criada a Associação dos Servos de Nossa Senhora do

Rosário de Fátima, mais tarde chamados servitas.

1925-02-04 Criação da paróquia de Calvaria. Orago: Nossa Senho­

ra da Piedade.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1926-08-15 O Santuário de Fátima é visitado pelo arcebispo de

Évora, D. Manuel Mendes da Conceição Santos.

1926-11-01 Visita do núncio apostólico monsenhor Sebastião Nico­

ta ao Santuário de Fátima.

1927-01-21 A Sagrada Congregação dos Ritos autoriza que no san­

tuário de Fátima se celebre a missa votiva do SS. Rosário em todos os dias do ano, excepto nos duplos de I e II classe, nos domingos e outras festas de preceito e também nas fé­rias, vigílias e oitavas privilegiadas.

1927-06-26 O Bispo de Leiria preside, pela primeira vez, a urna ce­

rimónia oficial, na Cova da Iria, depois da bênção das esta­ções da Via-Sacra.

1928-01-15 Institui-se a Confraria de Nossa Senhora do Rosário de

Fátima.

1928-05-13 Realiza-se em Fátima urna peregrinação nacional que

reune 300.000 pessoas. Na mesma data, o arcebispo de Évo­ra D. Manuel Mendes da Conceição Santos lança a primei­ra pedra da actual basílica.

1928-10-03 Lúcia de Jesus professa nas irmãs de Santa Doroteia.

1929-11-24 a 1929-12-03 Realização em Lisboa do primeiro Concílio Plenário Por­

tuguês, sob a presidência do cardeal patriarca D. António Mendes Belo. D. José Alves Correia da Silva torna parte nes­te Concílio.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1930-10-13 D. José Alves Correia da Silva publica uma Carta pas­

toral sobre o culto de Nossa Senhora de Fátima, na qual de­clara dignas de crédito as aparições e permite oficialmente o culto de Nossa Senhora.

1931-05-13 Primeira consagração de Portugal ao Imaculado Cora­

ção de Maria, feita pelo episcopado português.

1932 Inauguração do edifício novo do Seminário Menor de

Leiria, dedicado a Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

1933 Iniciam-se as obras de recuperação da igreja de S. Pe­

dro as quais decorrem até 1937. As obras de restauro leva­ram à substituição de alguns dos elementos do portal, vindo a ser assentes a soleira, os degraus e o tímpano da igreja.

1940-06-29 A igreja de S. Pedro é reaberta ao culto.

1940-08-01 Criação da paróquia da Urqueira, desmembrada da pa­

róquia do Olival. Orago: Nossa Senhora da Piedade. Criada civilmente a 27 de Março de 1928.

1940-12-25 Criação da paróquia de Gondemaria, desmembrada das

freguesias do Olival, Ourém e Vila Nova de Ourém. Orago: No1>sa Senhora da Graça. Criada civilmente em 23 de Mar­ço de 1928.

1941-12-16 A Casa do Distrito de Leiria presta pública homenagem

à diocese de Leiria, na pessoa do seu prelado, numa grandio-

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

sa sessão solene em que fala o Revº cónego Dr. José Galam­ba de Oliveira sobre A diocese de Leiria nas suas tradições e nas suas glórias.

1942-05-13 Bodas de Prata da primeira Aparição e homenagem a

D. José Alves Correia da Silva com inauguração do seu re­trato no Santuário de Fátima.

1943-06-20 D. José Alves Correia da Silva convoca Sínodo diocesano.

1943-07-13 Reune-se o Sínodo diocesano em que se aprovam as

Constituições da diocese restaurada.

1943-09 Realiza-se o I Congresso das Actividades do Distrito de

Leiria.

1944 A Câmara Municipal de Leiria, que entretanto adquiri­

ra o edificio do Convento da Portela, delibera vendê-lo pela quantia de 150.000$00 aos seus anteriores proprietários, ou seja, à Ordem Terceira de S. Francisco.

1944-05-22 A igreja do convento de Santo Agostinho volta à posse

das autoridades eclesiásticas. O convento caíra, entretanto, em ruínas tendo sido executadas algumas obras de recupe­ração pouco significativas.

1946-01-29 Criação das paróquias da Boavista, sob a invocação de

Nossa Senhora das Dores e de Alburitel, tendo por orago

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

Nossa Senhora do Rosário; criadas civilmente a 22 de De­zembro de 1928 e a 23 de Março de 1928, respectivamente.

1946-01-29 Criação das paróquias de Santa Eufémia sob a invoca­

ção de Nossa Senhora da Conceição e de S. Bento, sob a in­vocação de S. Bento, criadas civilmente a 22 de Dezembro de 1928 e a 3 1 de Maio de 1933, respectivamente.

1946-05-13 O legado pontifício cardeal Aloisi Masella, coroa a ima­

gem de Nossa Senhora de Fátima, venerada na capelinha das Aparições, com uma coroa de ouro e pedras preciosas ofe­recida pelas mulheres portuguesas, perante milhares de pe­regrinos.

1947-05-13 Início da primeira viagem da Imagem Peregrina de

Nossa Senhora de Fátima.

1949-10-25 Criação da paróquia de Caxarias, sob a invocação de

Nossa Senhora do Rosário de Fátima, desmembrada da de Seiça. Criada civilmente em 9 de Junho de 1947.

1950 A pedido das Direcções Nacionais da Juventude Católi­

ca portuguesa, começam a ser organizados os processos de beatificação dos videntes de Fátima Jacinta e Francisco.

1950 Existem 8. 185 habitantes na cidade de Leiria, em 1.675

fogos. Fátima tem 4. 7 18 habitantes em 979 fogos. O conce­lho de Leiria tem 77.567 habitantes em 18.008 fogos.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1951-10-13 O cardeal Tedeschini, legado do Papa, procede ao encer­

ramento do Ano Santo no santuário de Fátima. Cerca de um milhão de peregrinos de todo o mundo, três cardeais, 50 ar­cebispos, bispos, ministros do estado, príncipes e altas indi­vidualidades tomam parte nas cerimónias religiosas efectuadas então em Fátima.

1951-10-22 Inauguração do Seminário Diocesano, na Cova da Iria,

para o 1º e 2º ano de preparatórios.

1951 Início das obras de arranjo arquitectónico do santuário

de Fátima cujo projecto é do arquitecto António Lino.

1953-03-19 É criada a paróquia de Atouguia, desmembrada da de

Ourém, sob a invocação de S. Bartolomeu. Criada civilmen­te a 19 de Julho de 1933.

1953-09-24 Criação da paróquia de Carnide, desmembrada da de Ver­

mail. Orago: S. Elias. Criada civilmente em 1 de Julho de 1952.

1953-10-07 Sagração da basílica de Fátima, cerimónia presidida pe­

lo cardeal-patriarca de Lisboa, que consagra o altar-mor, sendo sagrantes dos 14 altares laterais os 14 bispos residen­ciais do continente.

1954-08-28 D. João Pereira Venâncio é elevado a bispo titular da Eu­

reia do Epiro e auxiliar de D. José Alves Correia da Silva.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1954-11-12 O Papa Pio XII pelo breve Luce Superna concede o títu­

lo de basílica à igreja do santuário de Fátima.

1956-05-13 O Cardeal Roncalli, patriarca de Veneza, futuro Papa João

XXIII, preside às cerimónias da peregrinação aniversária.

1957-03-25 Alargamento do perímetro da diocese com a anexação

da paróquia de Formigais, desanexada do patriarcado de Lisboa.

1957-12-04 Falecimento de D. José Alves Correia da Silva.

1958-04-20 Chega de Itália a estátua de Nossa Senhora para o nicho

da frontaria da basílica de Fátima. É uma escultura do reli­:Poso dominicano padre Tomas McGlynn dos E.U.A. que a fez na Itália, com mármore de Carrara em um só bloco. Mede 4,5 m de altura e pesa 15 toneladas. O modelo fê-lo o padre McGl­ynn diante da irmã Lúcia, no seu convento, em Coimbra.

1958-09-13 D. João Pereira Venâncio é nomeado bispo residencial

de Leiria.

1959-04-4 e 5 Celebração em Fátima das bodas de prata da Acção Ca­

tólica, cerimónia presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa e em que tomam parte 50.000 filiados.

1964-09-13 Criação da paróquia da Ortigosa sob a invocação de San­

to Amaro. Criada civilmente em 2 de Junho de 1962.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1965-11-02 Inauguração do novo Seminário diocesano de Leiria. A

construção do edifício deve-se sobretudo, a D. João Pereira Venâncio e a uma associação alemã designada por "Amigos de Fátima".

1965-12-08 Encerramento do Concílio Vaticano II. Abertura em 11

de Outubro de 1962.

1966-12-13 É criada a paróquia do Casal dos Bernardos, desmem­

brada da de Freixianda. Orago: S. António. Criação civil a 18 de Abril de 1964.

1967-02-12 D. Domingos de Pinho Brandão faz a sua entrada sole­

ne como bispo auxiliar da diocese de Leiria.

1967-05-13 S. S. o Papa Paulo VI vai em peregrinação ao Santuário

de Fátima, no cinquentenário da primeira aparição.

1968 De 1968 a 197 4, a Sé de Leiria é submetida a diversas

obras de restauro, sendo então colocado um moderno orgão electrónico com o respectivo painel de som e o estrado para o grupo coral. No restauro de 1968174, os vãos das arcarias foram desobstruídas, encontrando-se cortes em algumas das colunas, provocadas pelos telheiros construídos quando os anexos da Sé foram transformados em asilo.

1970 A cidade de Leiria tem cerca de 10.286 moradores, em

2249 fogos. A vila de Fátima tem cerca de 6433 habitantes em 1229 fogos.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1972-02-02 Criação da paróquia da Bajouca sob a invocação de San­

to Aleixo. Criada civilmente em 17 de Fevereiro de 197 1 .

1972-07-01 A Santa Sé aceita o pedido de resignação de D. João Pe­

reira Venâncio.

1972-07-08 D. Domingos de Pinho Brandão é transferido para a dio­

cese do Porto, como bispo auxiliar.

1972-07-01 D. Alberto Cosme do Amaral é designado bispo de Leiria.

1972-09-10 D. Alberto Cosme do Amaral toma posse da diocese, por

procuração. No dia 8 de Outubro do mesmo ano faz a sua en­trada solene.

1977-07-10 Peregrinação do Cardeal Albino Luciani (depois Papa

João Paulo I) a Fátima.

1977-08-19 Fátima ascende oficialmente à categoria de vila de acor­

do com a portaria publicada no Diário da República de 13.08.1977. Ficam anexadas desde então a esta vila as po­voações de Aljustrel, Cova da Iria, Lomba d'Égua e Moita.

1981 A população do concelho de Leiria ascende a 96.517 ha­

bitantes, em 32. 178 fogos. A cidade tem cerca de 12.502 ha­bitantes em 3615 fogos. A vila de Fátima tem uma população de 7301 habitantes em 2 179 fogos.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1982-05-13 Visita de S.S. o Papa João Paulo II ao santuário de Fá­

tima, onde consagra os Homens e os Povos ao Imaculado Co­ração de Maria.

1983-07-16 O reitor do santuário de Fátima, monsenhor Luciano

Guerra benze a primeira pedra da nova Casa dos Retiros de Nossa Senhora do Carmo.

1984-05-13 A diocese de Leiria, pela bula pontifícia "Qua pietate"

passa a designar-se Leiria-Fátima.

1986-04-24 Foi erecta canonicamente a paróquia de Meirinhas des­

membrada da de Vermoil, sob a invocação de S. Francisco de Assis. Criada civilmente em 3 1 de Dezembro de 1984.

1987-05-07 D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva é nomeado bispo­

-coadjutor de Leiria-Fátima, com direito de sucessão. A 2 de Agosto do mesmo ano, D. Serafim dá entrada na Diocese.

1989-05-13 O Papa João Paulo II assina o decreto de reconhecimen­

to das virtudes heróicas dos videntes Jacinta e Francisco. O facto foi anunciado pelo bispo de Leiria D. Alberto Cosme Amaral, a cerca de 400.000 peregrinos reunidos no santuá­rio, na presença do cardeal-arcebispo de Boston e do Grão­-mestre da Ordem de Malta. O processo de beatificação foi decidido depois do parecer unânime de peritos médicos, teó­logos e dos cardeais da Congregação para a causa dos Santos.

1991-05-13 Segunda visita de S. S. o Papa João Paulo II ao Santuá­

rio de Fátima.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

1993-01-03 Criação da paróquia da Bidoeira, desmembrada da dos

Milagres, dedicada ao Imaculado Coração de Maria. Criada civilmente em 4 de Outubro de 1985.

1993-01-03 Criação da paróquia do Cereal, desmembrada de Espite

e do Olival, dedicada a Nossa Senhora de Fátima. Criada civilmente em 31 de Dezembro de 1984.

1993-01-03 Criação da paróquia das Matas, desmembrada da de

Espite, dedicada a Nossa Senhora do Patrocínio. Criada civilmente em 31 de Dezembro de 1984.

1993-01-03 Criação da paróquia da Memória, desmembrada da das

Colmeias, dedicada a Nossa Senhora da Memória. Criada civilmente em 4 de Outubro de 1985. Em aditamento, datado de 6 de Janeiro de 1993, "os habitantes dos lugares da Memória, Coucões e Barroco, residentes na freguesia de Espite, para efeito de carácter religioso, se assim o desajarem, ficam ligados à paróquia da Memória".

1993-02-02 D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva toma posse da Dio­

cese de Leiria-Fátima, como bispo residencial.

1995 Em 1995, no ano em que se comemoram os 450 anos da

sua criação, a diocese de Leiria, agora designada de Leiria­-Fátima tem 73 paróquias, ultrapassando já os 240.000 ha­bitantes. Em Fátima, mantêm-se em actividade cerca de uma dezena de seminários e quase uma centena de institu­tos religiosos masculinos e femininos.

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450 DATAS PARA A HISTÓRIA DA DIOCESE DE LEIRIA

BIBLIOGRAFIA

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ARAÚJO, Vitorino da Silva, Um bispo segundo Deus ou Memórias para a vida de D. Manuel de Aguiar. Coimbra, J. J. dos Reis Leitão, 1885.

CABRAL, João, Anais do Município de Leiria. vols. I e II, Coimbra, Imprensa de Coimbra, 1975.

FONSECA, Brás Raposo da, Notícias remetidas a Aca­demia Real debaixo da real protecção do muito alto e muito poderoso Rei N. Sr. D. João V. Leiria, (manuscrito), 1721.

O Couseiro ou Memórias do bispado de Leiria (org. Pe. Inácio José de Matos) Leiria, 1898 ( 1ª ed., Braga, Typogra­phia Lusitana, 1868).

ZÚQUETE, Afonso, Leiria - Subsídios para a história da sua diocese. Leiria, Gráfica, 1943.

ZÚQUETE, Afonso, "Os bispos de Leiria e a fisionomia citadina" in Livro do I Congresso das actividades do Distri­to de Leiria. Leiria, 1943.

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DA VIGARARIA CRÚZIA À D IOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA

Luciano Cristina

Pela bula "Pro excellenti", de 22 de Maio de 1545, o Pa­pa Paulo III separava "da diocese de Coimbra a povoação de Leiria [. .. ], sujeita no temporal e espiritual ao chamado prio­rado-mar de Santa Cruz de Coimbra, da ordem de Santo Agostinho", erigia em catedral a "insigne igreja paroquial, sob a invocação de Santa Maria, à qual, como a matriz, estão su­bordinadas as restantes igrejas da mesma povoação e do seu termo e território", "para um bispo que se chamará de Leiria, que governe a mesma igreja erecta e lhe amplie os edifícios e dê forma de catedral", e subordinava a nova diocese "quanto ao direito metropolítico, não ao arcebispo de Braga, ao qual anteriormente pertencia, mas ao arcebispo de Lisboa" (!).

Em outra bulas da mesma data, o Papa recomendava ao rei o novo bispo, D. Frei Brás de Barros (2) e unia à mesa ca­pitular de Leiria as rendas da igreja de Santa Maria e suas anexas, sujeitas até então ao priorado de Santa Cruz de Coimbra (3).

A 13 de Junho do mesmo ano, D. João III, na sequência dos actos pontifícios que ele próprio solicitara, dois anos an­tes, elevava Leiria "em dignidade e a fazia cidade e lhe con-

1. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (A.N.T.T.), Bulas, maço 24, n2 1: bula Pro excellenti, publ. em Corpo Diplomático Português, V, p. 415-420; Fortunato de Almeida - História da Igreja em Portugal, t. IV, nova edi­ção, Porto, 1971, texto latino e trad. port., p. 193-195.

2. A.N.T.T, Bulas, maço 7, n2 40: bula Gratiae divinae premium, ed. em C.D.P, V, p. 420-421.

3. A.N.T.T., Bulas, Maço 7, nº 34: bula Decet Romanum Pontificem, ed. em C.D.P., V, p. 421-422.

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cedia todas as honras, privilégios e liberdades que por direi­to como cidade devia ter" (4).

No que respeita ao estatuto diocesano, os diplomas ponti­fícios e a carta régia de D. João III vinham coroar uma longa evolução de, pelo menos, 400 anos, em que se foi consolidando uma unidade eclesiástica, mais ou menos autónoma, que, sen­do embora reduzida, em relação às restantes dioceses do rei­no, estava suficientemente preparada para adquirir aquele estatuto.

Vamos dar alguns tópicos sobre o período que vai do sé­culo XII aos meados do século XVI, com uma nota breve so­bre as origens cristãs mais antigas do mesmo território.

Embora se possa admitir que, logo depois da fundação do castelo de Leiria, no inverno de 1135, ou, o mais tardar, no ano de 1142 (5), data do primeiro foral, se tivesse instala­do ali algum pequeno oratório, só se pode ter como certa a existência de uma igreja propriamente dita, entre os anos de 1144 e 1147. Cerca do ano de 1156, D. Afonso Henriques, doou os direitos eclesiásticos de Leiria e seu termo ao mos­teiro de Santa Cruz de Coimbra, já então praticamente isen-

4. A.N.T.T., Chancelaria de D. João III, liv. 48, fl. 66, publ. em Pedro de Azevedo -As cartas de criação de cidade concedidas a povoações portu­guesas, "Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências", vol. 10, Lisboa, 1917, p. 943.

5. A.N.T.T., Santa Cruz de Coimbra, Livro de D. João Teotónio, fl. 40v-41; Forais antigos, m. 2, nº 1 (cóp. séc. XIII), em Documentos Medievais Por­tugueses - Documentos Régios, vol. I, tomo I, doe. nº 189, p. 233-235. Ruy de Azevedo aceita a autenticidade do foral de Leiria de Abril de 1142 (ob. cit., vol. I, tomo II, p. 674 e 681), ao menos globalmente, embora classifi­que os limites que nele são indicados como interpolados, só nos finais do século XII, e como falsificação a menção das cláusulas que referenciam a concessão dos direitos eclesiásticos de Leiria aos crúzios (Documentos fal­sos de Santa Cruz de Coimbra, Lisboa, Edição de José Fernandes Júnior, 1935, p. 61 e segs. e Documentos Medievais Portugueses - Documentos Ré­gios, vol. I , tomo II, nota 38, p. 671-681).

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to da jurisdição do bispo de Coimbra (6). A bula do Papa Adriano IV, de 8 de Agosto de 1157, confirmou todos os bens do mosteiro coimbrão e os privilégios das suas igrejas, no­meadamente de Leiria e as referidas doações régias (').

O perímetro da vigararia crúzia, então criada, pode de­terminar-se pelos limites assinalados no referido foral de 1142: "per circuitum incipiens a mari ab occidentali parte et a parte meridiana per uenam de Alcobatia et perueniens ad fontem de Soo. Et inde ad austrum pertransit per Taigiam et inde vadit ad lombam que est in medio de Mendiga et in­de ad cimalias de Aluardos et inde ad cimalias de serra de Maede perueniens ad fontem de Sentiz que est ad orientem. Ab ocidentali uero parte diuidens per castellum Carrapato­sum per stratam el inde ad portum de Ourem et inde ad an­tas uergens ad aquilonem. Et ab aquilonari parte diuidens per riuum de Aleten quomodo intrat in Cabruncas et inde ad Cortizoo (8) et inde ad souereiro de Brahamino et inde descendit ad occasum et ad mare per lumbam que est inter

6. Ruy de Azevedo rejeita como inteiramente falso o pretenso documento da doação do eclesiástico leiriense, atribuída ao ano de 1142 (A.N.T.T., San­ta Cruz de Coimbra, Livro Santo, fl. 28v ; maço 1 (régios), doe. 18; m. 2, doe. 19, etc.), adiando esse documento para cerca 1155-57 (Documentos falsos,

passim; DMP, DR, vol I, tomo II, p. 681-688. Pierre David -Note critique sur le 'cursus' dans la donation de Leiria au monastere de Sainte-Croix de Coimbre, em "Revista Portuguesa de História" tomo II ( 1943), p. 30�315), baseando-se na análise rítmica do mesmo documento, em que encontra anomalias métricas, precisamente nas cláusulas em que se faz doação de todas as igrejas a construir em Leiria e seu termo e se exclui todo o poder episcopal, também se pronuncia pela sua falsidade. Sobre este assunto: Luciano Cristina, "A vila de Leiria em 1385", em Jornadas sobre Portugal medieval -Leiria, 1983, Leiria, Câmara Municipal de Leiria, p. 178-179.

7. A. N. T. T., Cabido da Sé de Coimbra, ex. 26, rolo 1, bula n2 2; PMH, Scrip­tores, I, p. 71; cf. Luciano Cristina, art. cit., p. 179.

8. Na versão dos Forais Antigos, diz-se "per Palumbarinum et inde uadit ad fontem de Rania" em vez de "per riuum de Aleten (. .. ) ad Cortizoo".

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uiam que uadit de Laurizal per Cornagaa ad Leirenam el al­teram uiam que uadit ad Cornagaiam et inde quomodo ua­dit ad lacunam que dicitur Eruedosa et ferit in mare".

Até ao momento, não temos elementos suficientes para provar que o âmbito do território leiriense, assim delimitado, correspondesse a uma circunscrição administrativa mais anti­ga, geograficamente coincidente, que se mantivesse na memó­ria dos povos, que se tenham mantido na região. O que é certo é que aquele território, limitado, a sul, desde o rio de Alcobaça à Serra de Minde, a nascente, desde o alto da Serra de Aire até ao curso superior do rio de Tomar (Nabão), e a norte, pelos rios de Litém e Arunca e por uma linha que inflecte na direcção do mar, corresponde praticamente à área atribuível ao território da "civitas collipponensium" dos tempos romanos, rodeada pe­los territórios das outras "civitates" conhecidas: Eburobritium, Sellium e Conimbriga. Faltam-nos provas arqueológicas claras para estabelecer essa coincidência, em termos totais.

Ainda estamos em terreno menos seguro para nos arris­carmos a pensar que aquela mesma área constituiria uma qualquer unidade eclesiástica, integrada numa das duas úni­cas dioceses existentes na região estremenha, antes do do­mínio árabe (Lisboa e Coimbra).

Os vestígios arqueológicos que permitam a constatação da presença cristã na mesma região até ao século VII, são raríssimos, senão até mesmo nulos. Não está perfeitamente esclarecido que dois mosaicos com o tema de Orfeu, encan­tando os animais, encontrados no século passado, em Macei­ra e em Martingil (Marrazes), atribuídos ao século IV, sejam pavimentos de pequenas basílicas páleo-cristãs (9). Um ca-

9. Cf. Luciano Cristino - "Para a história do mosaico romano 'Orfeu r de Maceira", em Actas do II Colóquio sobre história de Leiria e da sua região (no prelo), p. 179-200.

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pitei visigótico, talvez do século VII, também encontrado no lugar do Porto do Carro, da mesma freguesia de Maceira, mas de proveniência original ignorada, é, até agora, o único vestígio da presença cristã, no território já referido (1°).

A vaga alusão à divisão de Wamba, que faz do "castrum Lora", identificado com Leiria, o ponto de junção das duas ve­lhas dioceses de Coimbra e Lisboa, que encontramos numa passagem da narrativa da conquista de Lisboa, escrita por Ranulfo de Granville que, por via marítima, seguia integra­do numa frota dos cruzados, bordejando a costa portuguesa, pode não passar de uma simples atribuição erudita daque­les limites à nova realidade que já se definia no horizonte da restauração daquelas dioceses (11).

10. Lembramos, porém, a existência de um templo pré-românico, atribuível ao século VII, muito próximo do limite sul do mesmo território: S. Gião, freguesia de Famalicão, concelho da Nazaré, sobre o qual elaborámos dois estudos, ainda inéditos (cf. Helmut Schlunk, "La iglesia de S. Gião, cer­ca de Nazaré", em Actas do II Congresso Nacional de Arqueologia, Coim­bra 1971, p. 509-528).

11. Castrum Lora super fluvium qui dividit episcopatum lixbonensem a co­lymbriensi" (J. Augusto Oliveira - Conquista de Lisboa aos mouros (1147), 2§ ed., Lisboa, 1936, p. 57). "O nome Lora vem indicado como um dos limites da diocese de Coimbra, embora com orientação diferente da de Leiria, na célebre divisão de Wamba (...) desde 1123 ( ... ), citada como documento fidedigno, firmando-se a sua autoridade com o decorrer dos tempos" (Ruy de Azevedo -A carta ou memória do cruzado R. para Os­berto de Bawdsey sobre a conquista de Lisboa em 1147, em "Revista Por­tuguesa de História", Coimbra, 7 (1957) p. 355 e em: Actas do Congresso Histórico de Portugal Medieuo, tomo I, "Bracara Augusta", vol. XIV-XV (1963) p. 57). Este autor afirma que o "metropolita (de Braga) deveria sa­ber de cor os limites, embora fantasiosas, das dioceses a ele subordina­das. Só ele poderia ter arquitectado, de boa fé, claro está, a identificação da imaginária Lora com a verdadeira Leirena, cujas origens para além do século XII são assaz nebulosas" (ibidem). Sobre o autor da carta cf. nota crítica n2 1 , de José Mattoso, à nota XXII de fim de volume, da His­tória de Portugal, de Alexandre Herculano, tomo I, Lisboa, Livraria Ber­trand, 1980, p. 693.

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Seja como for, o acto régio da doação dos direitos eclesiás­ticos, já referido, que, em breve, obteve aprovação pontifícia, ocasionaram precisamente um acto de desistência dos direi­tos episcopais, na parte desse termo de Leiria, situada a sul do rio de Leiria, por parte de D. Gilberto, primeiro bispo da diocese restaurada de Lisboa (12), e um recuo, porventura tam­bém expresso em documento, até agora desconhecido, por par­te de D. João de Anaia, bispo de Coimbra (13), na parte do termo, a norte do mesmo rio, até uma linha que se pode defi­nir com certa exactidão, a partir dos dados de uma convenção de Dezembro de 1211, feita entre os clérigos beneficiados de Leiria e o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, sobre a repar­tição de rendimentos no termo leiriense: partindo do Cabeço de Óbidos, situado então na fronteira dos termos de Ourém (Olival) e de Leiria (Espite), na direcção do poente, subindo para norte, pela ribeira de Caldelas até Grinde, e daí, inflec­tindo de novo para poente, pelo sul da freguesia das Colmeias e cortando a parte norte da Boavista, seguindo pelo norte dos actuais lugares do Outeiro das Barrocas (Marrazes) e Alcai­daria (Milagres), pelo monte de Cernelha}, Charneca, frontei­ra entre as freguesias actuais da Ortigosa e do Souto, lugares

12. A.N.T.T., Santa Cruz de Coimbra, Livro Santo, fl. 10, e Livro de D. João Teot6nio, fl. 18-19; publ. em PMH, Scriptores, I, p. 70-71; cfr. bula Cum a nobis petitur, de Celestino III, de 15 de Julho de 1195, que transcreve este documento (A.N.T.T., Cabido da Sé de Coimbra, ex. 30, D. E., m. 1, doe. 14B, publ. em Carl Erdmann - Papsturkunden in Portugal, Un­verãnderter Neudruck, Vandenhoeck und Ruprecht in Gõttingen, 1970, n2 145, p. 365-366.

13. Uma das testemunhas ouvidas numa inquirição de 1200-1201, decla­ra: "De Leirena dixit quod populauit eam dominus rex Alfonsus et de­dit ecclesiastica iura fratribus sancte crucis, episcopo colimbriense et episcopou lixbonensi concedentibus" (Ruy de Azevedo - Documentos falsos, p. 92).

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da Ortigosa, Lagoa e Mato da Eira, até ao rio de Leiria e, por ele, até ao mar (14).

Já antes de 1211, tinha havido uma progressiva redu­ção da vigararia crúzia de Leiria, com a perda dos territórios de Ourém, de Porto de Mós e de Alcobaça, mas isso não im­pediu que no território restante, esse enclave crúzio gozas­se de grande autonomia jurisdicional, só dependendo do bispo de Coimbra, quanto ao poder de ordem (ordenações, sagração de altares e visita pastoral). Esse estatuto de au­tonomia estendia-se ainda, embora em menor grau, acima da linha, atrás referida, até ao limite norte do concelho lei­riense, território em que o bispo de Coimbra detinha o poder de ordem e de jurisdição, embora entregasse a assistência paroquial aos frades de Santa Cruz.

A referida convenção de 1211 é um documento impor­tante, revelador do grande desenvolvimento económico, de­mográfico e eclesiástico de Leiria e do seu termo: na vila de Leiria, havia já cinco igrejas, sedes de paróquias (Santa Ma­ria, S. Pedro, S. Tiago, S. Estêvão e S. Martinho) e, na par­te sul do termo, nove ermidas (S. Pedro de Ulmar, S. Pedro de Muel, S. Sebastião de Palácio Randufo, S. Maria de Ma­gueija, S. Leonardo de Cividade, S. Miguel do Monte, S. An­tão de Olivedo e Santa Maria de Maceira). A norte da linha já definida, o mosteiro crúzio cuidava pastoralmente de mais cinco igrejas paroquiais (S. Miguel das Colmeias, Santa Ma-

14. A.N.T.T., Santa Cruz de Coimbra, m . 15, does. 34 e 35, publ. Saul An­tónio Gomes - Organização paroquial e jurisdição eclesiástica no prio­rado de Leiria, nos séculos XII a XV, "Lusitania Sacra", Lisboa, 2ª série, 4 (1992), doe. 1, p. 219; Luciano Cristino - "A vila de Leiria em 1385", em Jornadas sobre Portugal Medieval - Leiria 1983, p. 180-181 e IDEM - "História das paróquias de Colmeias e Memória", em Fernan­do Rodrigues - Contributos para a história de Colmeias e Memória, Leiria, 1994, p. 179.

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ria de Litém, S. Simão de Litém, S. João de Espite e S. Sal­vador do Souto) e de um número não determinado de ermi­das, que continuavam canonicamente ligadas à diocese de Coimbra.

Embora os conflitos jurisdicionais se tivessem continua­do a verificar, mais ou menos, durante os séculos seguintes, no seio da própria vigararia (entre os clérigos raçoeiros e o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra) e no relacionamento com o bispo de Coimbra e com a autoridade metropolítica, exercida pelo arcebispo de Braga, o certo é que a jurisdição crúzia se foi consolidando, cada vez mais (15).

A movimentação, cada vez mais frequente e numerosa, de pessoas e bens pela rede viária que cruzava a região e a melhoria das condições de vida determinaram também, por um lado, um incremento demográfico, pela fixação de mais população, e logicamente também à multiplicação de lugares de culto que, se não proporcionam uma descentralização da acção pastoral com a criação de paróquias rurais, uma vez que os fiéis continuam a ser obrigados a deslocar-se às se­des das paróquias da vila, pelo menos se vão formando em­briões dessas mesmas paróquias, que vão surgir, a partir dos princípios do século XVI.

Assim, ao longo dos séculos XIII, XIV e XV, vão surgindo capelas, tanto na vila de Leiria e suas vizinhanças (S. André, S. Simão, Espírito Santo, S. Gabriel, Nossa Senhora dos Anjos, S. Bartolomeu, S. Sebastião e Santa Maria de Porto Covo) (16), como no termo (Nossa Senhora da Vitória (Paredes), Nossa Se­nhora da Gaiola (Cortes), S. João (Monte Real), S. Francisco (Meirinhas), S. Cristóvão (Caranguejeira), Nossa Senhora de Pataias), S. Mamede (Alcogulhe), Santa Iria (Thrre da Maguei-

15. Saul Gomes - art. cit., p. 194-205.

16. Luciano Cristino -art. cit., passim; Saul Gomes, art. cit. p. 205.

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xa), S. Valério ou Hilário (Alcanadas?), S. Mamede (Serra), S. Bento (Freixial), Santa Eufémea (Cirol), S. Paulo (Amor), S. Martinho (Várzeas), Espírito Santo (Poial, Souto), S. Pedro (Gândara), S. Antão (Faniqueira), S. Maria (Batalha), Senhor Jesus (Golpilheira), Santa Maria (Canoeira), S. Sebastião (Re­gueira de Pontes), S. Silvestre (Colmeias) (17).

Também algumas ordens religiosas se vão fixando den­tro dos limites urbanos e na área rural, com a sua influên­cia ao nível da própria pastoral e como centros de associações de piedade e de assistência: mosteiros de S. Francisco (cer­ca de 1232) e de S. Ana (1494), em Leiria, de S. Maria da Vi­tória, na Batalha ( 1388) (18).

É significativo o movimento de criação de muitas insti­tuições de assistência, tanto na vila como no termo: confra­rias, albergarias, hospitais e gafarias (19).

O termo leiriense constituía, pois, nos inícios do século XVI, eclesiasticamente, uma vigararia, intitulada "de Leiria, Vitó­ria, Paredes e seus termos" (20), regida por um vigário geral do prior-mor do convento de Santa Cruz de Coimbra, que tinha a sua sede junto da igreja de Santa Maria da Pena, no castelo.

A organização dos espaços paroquiais, na área urbana e nas áreas rurais, foi-se fazendo, logo desde os primeiros tempos da formação da vigararia crúzia, e foi sofrendo mo­dificações, justificadas pela criação de outros templos, que em breve, iam adquirindo estatuto paroquial próprio.

17. Luciano Cristino - art. cit. e "História das paróquias de Colmeias e Me­mória", em ob. cit., p. 72-73; Saul Gomes - art. cit. p. 205 e 207.

18. Saul Gomes - O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no século XV, Coim­bra, 1990.

19. Couseiro, passim; Luciano Cristino -art. cit., p. 195-201; 2 10-212.

20. Frei Manuel da Esperança -História Seráfica da Ordem dos Frades Me­nores da Província de Portugal, vol. I, Lisboa, 1656, p. 358.

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Não desenvolveremos este assunto, limitando-nos ape­nas a chamar a atenção para o brilhante estudo de Saul An­tónio Gomes sobre a organização paroquial no priorado de Leiria, nos séculos XII a XV, sobretudo os capítulos 2 e 3 (21).

A mais antiga paróquia era a da igreja de Santa Maria da Pena, fundada entre 1144 e 114 7, que "teve sempre o no­me de matriz, enquanto não houve outra igreja" (22). Dela se foram separando, ao longo de menos de um século, sucessi­vamente quatro paróquias urbanas (talvez por esta ordem: S. Pedro, S. Tiago e S. Estêvão e S. Martinho), às quais fo­ram atribuídas algumas áreas da vila e do termo.

De Santa Maria da Pena, separou-se também, mais tarde, a paróquia das Paredes, na póvoa do mesmo nome, em data que se ignora (em 1369 ainda era referida como "al­dea das Paredes que he termo e freguesia da igreja de San­ta Maria de Leirea" (23), transferida provisoriamente, no ano de 1536, e definitivamente, no de 1542, para o lugar de Pa­taias (24).

A igreja de S. Pedro de Leiria, fundada entre os anos de 1162 e 1176, "tinha por freguesia parte da vila (25) e os mais lugares que não eram de outras freguesias", expressão vaga que, no entanto, corresponderia, nos primeiros tempos, sensi­velmente ao limite do "relego", do foral leiriense de 1510, ex­ceptuando a área actual da paróquia dos Marrazes e parte da da Boavista (26), e em 1545, ao conjunto dos territórios de qua-

21. Art. cit., revista citada, p. 208-216.

22. Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria, I, cap. 4.

23. A.N.T.T., Santa Cruz de Coimbra, Alm. 34, Maço 4,nº 7.

24. Couseiro, I, cap. 90.

25. Saul Gomes - art. cit., p. 209.

26. "Os termos do relego são estes .s. começasse no Ryo dulmar e na foz da­gudim e vaisse a agoa a efesto. E say dagoa e vaisse a lagoa de fernã ses-

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se todas as freguesias que actualmente a envolvem: Boavista (parte), Caranguejeira (parte), S. Eufémia, Pousos (parte), Ar­rabal (parte), Barreira, Azoia, Parceiros e Barosa.

A igreja de S. Tiago, situada no Arrabalde, a norte do castelo de Leiria, foi sede de paróquia, pelo menos, desde o ano de 1195, recebendo o território urbano que pertencia à paróquia de S. Pedro, a norte do rio. Abrangia, em 1545, um território que incluía o Arrabalde de Aquém e as ac­tuais freguesias dos Marrazes, Boavista (parte), Milagres (parte sul), Regueira de Pontes, Ortigosa, Amor e Marinha Grande.

A paróquia da igreja de S. Estêvão de Leiria, que já exis­tia, pelo menos desde 1211, tinha, até aos princípios do sé­culo XVI, também uma parte da vila de Leiria, e um território que se estendia pelas actuais paróquias da Bata­lha, Maceira e Barreira.

A igreja de S. Martinho, situada na Praça com igual no­me, actualmente Rodrigues Lobo, seguramente já existente como paróquia, nos princípios do século XIII ( 1211), abrangia, no ano da criação da diocese, uma parte da antiga vila e as

ta que jaz no caminho coimbrão e daly vais se donde maria arteira e des hi atravessa a vereja de cirol e dy vaisse aas covas dos lagartos que ya­zem no caminho de tomar. E atrauessa h o vai! e da ou peja: e vaisse aa ca­beça do freyre e des hi aa estrada de torres novas e des hi pella estrada do cume que vay topar no Rio das coortes hu chamam porto de mem caua­leiro e esta hi o caminho que chamã da Retura. E des hi vaisse a hUua estrada ancha que vay pella barreira e vay tomar pela carreira do paço e des hi atravessa h o Ribeiro e vaisse do vai! e da sovereira e des hi a agoa do furadoiro e des hi vaisse per ella ao sopee e topa no Ryo dalpentende e vay per elle e des hi saisse delle e vaisse aa codesseira e des hi a h \lua cabeça que chamam de mel e manteiga que esta a par da cabeça dalco­gulhe descõtra Leiria e des hi vaisse aa mata do Esprital que chamam de cascarasto e des hi pella marinha e vaisse ao Ribeiro daqu� ou em damor e vaisse meter no Rio dullmar" (Manuel Heleno -Antiguidades de Mon­te Real, em "O Archeologo Português", Lisboa, 25 (1922) p. 54).

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actuais paróquias de Santa Catarina da Serra, Cortes e Ar­rabal (os lugares, não incluídos na paróquia de S. Pedro).

A partir dos princípios da segunda década do século XVI, assistira-se na vigararia crúzia leiriense, na área da juris­dição directa de Santa Cruz de Coimbra, a um notável mo­vimento de descentralização na administração paroquial, com a criação de algumas capelanias em algumas igrejas do termo leiriense, que passam a gozar de uma certa autono­mia, com a instalação de pia de baptizar, celebração da mis­sa nos dias de preceito e em outros dias determinados, definição dos lugares, cujos moradores hão-de frequentar os lugares de culto para ouvir missa e receber os sacramentos, mantendo apenas uma ligação simbólica com a matriz, que se concretizava numa visita obrigatória dos moradores, em certos dias (casos do Reguengo: dias do Corpo de Deus e de S. João Baptista; Monte Real: dias do Espírito Santo e do Corpo de Deus; Maceira: dia de S. Estêvão).

Assim, da paróquia de S. Martinho separou-se, em 1512, durante o priorado-mar crúzio de D. Pedro Vaz Gavião, bis­po da Guarda, o Reguengo (actuais freguesias de Reguengo do Fetal, S. Mamede e parte do Alqueidão da Serra) (27); da paróquia de S. Tiago, separou-se, no mesmo ano, Monte Real, com o seu actual território e os de Carvide e Vieira (28); da pa­róquia de S. Estêvão separou-se, ainda no mesmo ano, a Ba­talha e, em 1517, no priorado-mor do Cardeal D. Afonso, a de Maceira (29), extinguindo-se a velha paróquia-mãe, talvez ainda antes da criação da diocese, sendo o território da Bar-

27. Couseiro, I, cap. 58.

28. Couseiro, I, cap. 77.

29. Couseiro, I, cap. 81. Contrato revisto em 1524: A.N.T.T., Santa Cruz de Coimbra, Alm. 28, nº 16, m. 2 (traslado de 1529); A.D.L., Notariado, Ba­talha, 140, fls. 65v-68 (públicas formas de 1699, 1757 e 1791.

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reira e lugares que lhe pertenciam, integrado na paróquia de S. Pedro (3°).

Também D. João III, depois do numeramento populacio­nal do reino, mandado fazer em 1527, descentralizou a ad­ministração civil e judicial do país, subdividindo algumas das seis províncias portuguesas, como, em 1533, a Estrema­dura, repartida em 5 comarcas ou correições, uma das quais, com sede em Leiria, ficou com um território que ia do conce­lho de Leiria ao da Lourinhã, com 6. 783 fogos em 1527 e 7.647, em 1537 (cerca de 30.500 e 34.700 habitantes, respec­tivamente). A área da jurisdição crúzia de Leiria somava res­pectivamente 2. 139 e 2.349 fogos (cerca de 9.625 e 10.570 habitantes), naquelas datas, o que significava cerca de um terço de toda a comarca de Leiria e um crescimento de cer­ca de 10% (31).

Nessa mesma área, havia 40 clérigos beneficiados, em 1527, e 49, em 1537, não contando os frades do mosteiro de S. Francisco de Leiria e os de Santa Maria da Vitória da Ba­talha. Aqueles beneficiados serviam não só as igrejas da vi­la como também as que delas dependiam, no termo.

Toda esta movimentação ajuda a compreender que, em boa verdade, Leiria e seu termo, apesar das suas reduzidas dimensões territoriais, no contexto das dioceses portugue­sas da época, tinham capacidade para serem promovidas ci­vil e eclesiasticamente.

Além das nove paróquias e "quase-paróquias", agora re­feridas, directamente dependentes dos crúzios de Coimbra,

30. Couseiro, I, cap. 63.

31. A. Braamcamp Freire - Povoação da Estremadura no XVI século, em "Archivo Historico Portuguez", Lisboa, 6 (1908) p. 246; António de Olivei­ra - A população das comarcas de Leiria e de Santarém em 1537, sepa­rata da "Revista Portuguesa de História", Coimbra, tomo XV, p. 257; Luciano Cristino - A vila de Leiria, p. 218.

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foram também atribuídas à nova diocese, em 1545, mais cin­co que dependiam da jurisdição diocesana do bispo de Coim­bra, embora fossem servidas pastoralmente pelos crúzios: Souto, Colmeias, Vermoil, S. Simão, Espite, já existentes na primeira metade do século XIII.

Portanto, a diocese de Leiria foi criada só com 14 paró­quias e quase-paróquias: Santa Maria da Pena, S. Pedro, S. Tiago, S. Martinho, Pataias, Reguengo, Batalha, Maceira, Monte Real, Colmeias, Vermoil, S. Simão de Litém, Espite e Souto da Carpalhosa.

Instaladas as várias estruturas administrativas e pas­torais, pôde Leiria e o seu bispado ocupar um certo lugar de prestígio na Igreja em Portugal, quer pela conduta dos seus leigos e clérigos, quer pela acção dos seus bispos.

* * *

Se quisermos dividir a história propriamente dita da diocese de Leiria, desde a sua criação até à actualidade, po­demos encontrar, ao longo destes 450 anos, alguns marcos significativos que nos permitem estabelecer cinco períodos.

1º - O primeiro vai até ao ano de 1586, e pode caracte­rizar-se pela estruturação da nova diocese.

2º - A integração de dois largos territórios, em 1586, e mais duas freguesias, em 1614, desmembradas do arcebispa­do de Lisboa, o segundo sínodo diocesano, em 1598, e a pro­mulgação de novas constituições, em 1601, estão no início de um novo período, que se caracteriza sobretudo por um franco movimento de novas construções de igrejas e ermidas e por outros aspectos de alguma vitalidade. Este período vai prati­camente até ao fim do primeiro decénio do século XIX.

3º- Desde 1810 até ao ano de 1882, verifica-se uma níti­da decadência, motivada pela 3ª invasão francesa e pelas várias tentativas de extinção da diocese, que se consumaram em 1882.

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42 - O interregno em que a diocese esteve dividida em partes iguais pelo patriarcado de Lisboa e diocese de Coim­bra durou 35 anos.

5º- A restauração da diocese, decidida superiormente em Dezembro de 19 17 e com bula passada nos princípios do ano de 1918, inicia um novo período que vem até à actualidade.

Contemporaneamente, verificaram-se, também em 1917,

as aparições de Nossa Senhora, que com a sua aprovação ca­nónica episcopal, em 1930, e a adesão de toda a Igreja à sua mensagem deram uma dimensão internacional à pequena dio­cese, que recebeu, em 1984, o novo título de Leiria-Fátima.

Como neste mesmo número de "Leiria-Fátima", há uma minuciosa cronologia que nos guia seguramente nos cami­nhos da história da diocese, não iremos repetir esses dados. Mas, servindo-nos da seriação dos bispos diocesanos, como fazem os vários autores que se dedicaram, desde o velho Cou­seiro até aos nossos tempos, ao estudo desta Igreja Particu­lar, que hoje se chama Diocese de Leiria-Fátima, iremos fundamentalmente dar tópicos sobre a sua organização, a acção dos seus agentes, e o evoluir das suas estruturas ad­ministrativas e pastorais.

1 - Primeiros passos de uma diocese (1545-1586)

1.1 - D. Frei Brás de Barros (1545-1556-+1561)

Nascido cerca de 1485, em Braga, D. Frei Brás de Bar­ros ou de Braga, frequentou o paço real e prestou serviço mi­litar em África. Professou na ordem de S. Jerónimo a 30 de Setembro de 1516. Frequentou as universidades de Paris e de Lovaina, doutorando-se em teologia nesta última. Re­gressou ao país, talvez no ano de 1525.

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Sobre o que foi a sua acção, a partir de 1527, no domínio da cultura em Portugal, na reforma das ordens religiosas, no­meadamente da poderosa Ordem dos Cónegos regrantes de Santa Cruz de Coimbra, e da sua acção como bispo de Leiria há um óptimo estudo do Prof. Cândido dos Santos, neste mes­mo órgão diocesano (32).

Logo no princípio da diocese ( 1545?), o primeiro bispo de Leiria deu à igreja de Nossa Senhora da Pena, "a cidade e al­guns lugares dos montes, por freguesia, e tinha naquele tem­po 300 fogos" (33). Julgo que deverá entender-se que, a partir daí, as outras paróquias ficaram sem território urbano, ex­ceptuando a de S. Tiago, que continuou a ter todo o espaço do Arrabalde de Aquém, até ao convento de S. Francisco, situa­ção que se verificou até ao ano de 187 1 , em que o espaço aquém do rio Lis - que continuara a pertencer àquela paró­quia, mesmo depois da transferência da sua igreja paroquial para os Pinheiros ( 1811) e para os Marrazes ( 1829) - foi in­tegrado na paróquia da Sé (34).

32. Cf. também Cartas de Frei Brás de Braga para os priores do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, publicadas por Mário Brandão, Coimbra, Im­prensa Académica, 1937 (separata da "Revista da Universidade de Coim­bra", vol. XIII); Virgílio Correia -As cartas de Fr. Brás de Braga para Stª Cruz de Coimbra, em "Arte e Arqueologia", ano 1, nº 4, p. 189-210; Afonso Zúquete, Ob. cit., p. 125-134. Outra bibliografia em A. Brito Car­doso - "Barros, D. Fr. Brás de", em Dicionário de História da Igreja em Portugal, vol. 2º, 1983, p. 221-223.

33. Couseiro, I, cap. 123.

34. Por decreto de 20 de Maio de 1871, "o lugar do Arrabalde aquém da pon­te (ficou) pertencendo para todos os efeitos eclesiásticos, administrati­vos,judiciais e de fazenda, à freguesia da Sé de Leiria, marcando-se o rio Lis como linha divisória entre as duas sobreditas freguesias de Marra­zes e da Sé" (Diário do Governo, nº 121, de 30 de Maio de 1871; Colecção de Legislação Portuguesa - 1871, Lisboa 1872, p. 154; A Voz do Domin­go, nº 1938, de 24 de Maio de 1970).

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O lugar da Caranguejeira e vizinhos que constituía uma capelania, pelo menos desde 1529 (35), talvez só tenha sido desligada totalmente de Espite, depois da criação da dioce­se de Leiria (36). Foram-lhe acrescentados depois alguns lu­gares, que pertenciam à paróquia de S. Pedro de Leiria: em 1560, a "Ribeira de Caldelas, Souto de Sirol, Lapedo, e casais junto a ele" (37)e, em 1600, "os Casais da Longra" (38).

Santa Catarina da Serra, surge como paróquia, em 1549, desmembrada de S. Martinho de Leiria (39).

Logo no ano seguinte, 1550, o mesmo bispo "erigiu a er­mida de Nossa Senhora da Gaiola, no lugar das Cortes, co­mo em freguesia, para os moradores do mesmo lugar e vizinhos", separando-os também de S. Martinho, "enquan­to se não fizesse a Sé, para onde os havia de mudar" (40).

Os lugares que ainda restavam da paróquia de S. Mar­tinho, que, entretanto, foi extinta, nomeadamente os que,

35. Arquivo da Universidade de Coimbra, Santa Cruz, Livros de Notas, nº 4, fls. 115-117v; Livros de Prazos, nº 6, fls. 54v-56v; C ouse iro, I, cap. 1000. Cf. Luciano Cristina - "História das paróquias de Colmeias e Memória", em Contributos para a história de Colmeias e Memória, 1994, p. 47-48; Saul António Gomes - "A freguesia de S. Cristóvão da Caranguejeira entre 1527 e 1721", "O Mensageiro", Leiria, 81 (4049-4051) de 17, 24 e 3 1 de Agosto de 1995.

36. Sisto da Cunha era ainda capelão de S. Cristóvão da Caranguejeira, quando, juntamente com os párocos das Colmeias, Vermoil, S. Simão e Espite, apresentou a sua carta de cura, que recebera do cabido de Coim­bra, estando a sé vaga, a D. Frei Brás de Barros, bispo eleito de Leiria, quando este tomou posse da diocese, no dia 28 de Julho de 1545 (cf. ins­trumento do acto de posse, publicado neste mesmo boletim, pelo Dr. Cân­dido dos Santos).

37. Couseiro, I, cap. 100, com a data errada de 1650.

38. Couseiro, I, ibidem.

39. Couseiro, I, cap. 213.

40. Couseiro, I, cap. 121.

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mais tarde, vieram a fazer parte do Arrabal, foram integra­dos na freguesia de S. Pedro (41).

D. Frei Brás de Barros empreendeu os primeiros estu­dos para a edificação da nova sé (42), que veio a ser concluí­da no governo do seu imediato sucessor, D. Frei Gaspar do Casal; mandou edificar uma ermida de S. Gabriel, concluí­da em 1554 (43), onde mais tarde surgiu o santuário de Nos­sa Senhora da Encarnação; fez um acordo com a cidade que lhe cedeu os paços que serviam de Câmara, junto da igreja de S. Pedro, onde, no século XVII, foram edificados os paços episcopais, recebendo em troca um pedaço de rocio, junto do convento de S. Francisco e o assento da igreja de S. Marti­nho, quando fosse demolida, para servir de praça, onde de­pois foram os paços do concelho e hoje se situa a praça Rodrigues Lobo (44).

Fez várias visitas pastorais e conferiu ordens sacras não só aos seus diocesanos, como também nos conventos de S. Francisco de Leiria, S. Domingos da Batalha e no Convento de Tomar (45).

41. Luciano Cristino - "História religiosa da freguesia do Arrabal", em Ar­rabal, terra de Santa Margarida - Quatro séculos de história, Arrabal, 1992, p. 200-201.

42. Ver, entre outros estudos: Alfredo de Matos -D. Frei Brás de Barros, D. João III e a construção da Sé de Leiria, Leiria, Gráfica de Leiria, 1957 e Virgolino Ferreira Jorge - "A arquitectura da Sé de Leiria. Perspectiva semântica, histórica e artística", em Colóquio sobre a história de Leiria e da sua região, Leiria, 1991, p. 31-54.

43. Couseiro, I, cap. 40; Luciano Cristina - "O Santuário de Nossa Senhora da Encarnação de Leiria em 1588- Os milagres e as procissões", em Co­lóquio sobre história de Leiria e da sua região ( 1988), Leiria, Câmara Mu­nicipal, 1991, p. 61.

44. Saul António Gomes -A praça de São Martinho de Leiria do século XII à reforma de 1546, em Mundo da Arte, 2ª série, J an.-Mar. 1990, p. 68--71; 74-77.

45. Couseiro, I, cap. 118--119; A. Zúquete - ob. cit., p. 125-140.

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Durante o seu governo, foram redigidos nada menos de quatro estatutos da Sé, conforme se pode colher da corres­pondência que foi publicada em 1937 (46) e principalmente de uns Estatutos da See de Leiria, de 1549, códice salvo do incêndio do Cartório Episcopal, na terceira invasão france­sa (47). Segundo esses Estatutos, a 18 de Março daquele ano, o Bispo e o cabido aprovaram novos estatutos (48) , que vie­ram a ser confirmados pelo núncio apostólico, a 1 de Junho do mesmo ano. E no fim, declara-se: "os quaes estatutos açima escritos e os dous que amtes destes foram feitos e si­nados, scilicet hU que foy feito em os omze dias do mes da­gosto do anno de mil quinhemtos e coremta e oyto e outro que foi feito em os omze dias de janeiro do anno de mil e quinhemtos e coremta e nove, ymda que nam estem neste ynstromento, o dito cabido aceptou e posto queja fosem ou­tra vez jurados, agora novamente cada hum jurou aos sam­tos avamgelhos por suas mãos tocados de guardar e finalmemte comsemtiram e acordaram em elles e os apro­varam" (49).

Segundo se pode ler na própria capa do referido códice, houve outros estatutos do ano de 1552, que também são re­ferenciados numa notícia enviada pelo Cabido de Leiria, em 1721, para a Academia Real da História Portuguesa (50). Fo-

46. Cartas de Frei Brás de Braga para os priores do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, editadas por Mário Brandão, na "Revista da Universidade de Coimbra", vol. XIII, e em separata, Coimbra, Imprensa Académica, 1937, p. 124 e 129.

47. Arquivo do Paço Episcopal de Leiria, Estatutos da See de Leiria.

48. Ibidem, fl. 2-2v.

49. Ibidem, fl. 24.

50. Lisboa, BN, Ms. 153: "Noticias varias para a Historia Ecclesiastica da Diocese de Leiria", fl. 7.

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ram aprovados esses outros estatutos, a 3 1 de Março de 1552, e aprovados pelo Núncio, Pompeu Zambicario, no ano seguinte (51).

Nos primeiros três ou quatro anos da diocese, estiveram em vigor umas Constituições Diocesanas, promulgadas, em 1500, por D. Pedro Vaz Gavião, que fora bispo da Guarda e prior comendatário do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (52).

D. Frei Brás de Barros, em 1548 ou 1549, resolveu pro­mover uma revisão dessas constituições: "por serem tão con­formes aos sanctos canones: com conselho e acordo do dito cabido as veneramos, tomamos, recebemos e aceptamos: e porem em algUas (por variedade do tempo e mudança da pre­lazia) diminuímos e em outras emademos e outras de todo ti­ramos" (53). As Constituições do Bispado de Leiria, contém

51. Ibidem. Existe um traslado posterior destes Estatutos, numa colectânea de instrumentos relacionados com a Sé, também pertencente ao Paço Episcopal de Leiria, que inclui uma carta de visita de D. Dinis de Melo, à Sé e Cabido, datada de 17 de Maio de 1628, pela qual se compendiavam "a maior parte das obrigações dos Menistros della [isto é, da Sé], comes­sando pelo Cabido em commum, declarando não ser nossa intenção por aqui por extenço o que pertence ao Deão, Dignidades, Conegos, e meios Conegos, Pessoas, e Menistros da Nossa Sé, conforme a Direito, e em es­pecial o Sagrado Concilio Tridentino, Nossas Constituições, e Estatutos d'esta Igreja, novo cerimonial, e regras do Missal e Breviario Romano mais moderno, porque isto he de sua obrigação saberem no entender, e guardar sob as penas declaradas nos ditos Decretos" (fl. 37 v).

52. Lisboa, Biblioteca Nacional, Reservados: Inc. n2 510, Ga, editada em: Sy­nodicon Hispanum - II - Portugal, Madrid, Biblioteca de Autores Cris­tianos, 1982, p. 222-275. Neste único exemplar (e na edição) falta o fólio Ci, estando assim incompleta a constituição 58, faltando por completo a 59 e restando da 60 apenas as últimas 9 palavras. Estas lacunas podem ser colmatadas pelas constituições correspondentes de Leiria: título 11, const. 1, 2 e 3.

53. Biblioteca da Universidade de Coimbra, R-11-2 (exemplar completo); Paço Episcopal de Leiria (exemplar truncado), Constituições do Bispado de Leiria, fl.1v (prólogo). Sobre estas Constituições de D. Frei Brás de

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um prólogo, sem data, do próprio bispo (fl.1 v), 19 títulos e um conjunto de 101 constituições (fl. 2-43v) e um "Reporto­rio das Constituições" (fl. 44-47).

Não foi pacífica a sua entrada em vigor porque, "no an­no de 1550, estanto já impressas as ditas constituiçoens, o Cabido reparou em alguns capitolos, que não querião acei­tar, por não estarem na forma que se tinha aceitado" (54).

Esse contratempo e outros relacionados com a reparti­ção de rendas foram a causa de alguns dissabores que leva­ram o bispo à resignação, pedida ou aconselhada em 1553, e à sua retirada para Sintra, onde aguardou a bula de aceita­ção, que só foi publicada em 20 de Julho de 1556. D. Frei Brás de Barros faleceu, no dia 31 de Março de 1561, no con­vento da Pena, em Sintra, onde ficou sepultado.

D. Sancho de Noronha, clérigo secular e quarto neto de D. João I e de D. Nuno Álvares Pereira, parece ter sido elei­to bispo de Leiria, logo a seguir à aceitação da resignação de D. Frei Brás de Barros, no ano de 1556, mas não chegou a ser confirmado, por ter falecido, nesse mesmo ano ou no se-

Barros, há vasta bibliografia. Cf. "Apontamentos para a história da Dio­cese de Leiria" - série de artigos da autoria de António Antunes Borges, Luciano Justo Ramos e Luciano Coelho Cristina, publicados em "A Voz do Domingo", desde 18.08. 1968 a 25.05. 1969. Quanto à data da sua re­dacção, pensamos que devia estar próxima a sua conclusão a 18 de Mar­ço de 1549, e que a sua aprovação pelo Núncio João de Montepulciano foi a 1 de Junho do mesmo ano. Quanto às datas extremas da sua impres­são terão sido Junho de 1549 e Maio de 1550. Podemos ainda restringir esse intervalo de tempo aos primeiros quatro meses de 1550, se a obra foi impressa no mosteiro de Santa Cruz. E se, por meio de um cotejo mi­nucioso, se pudesse estabelecer com certeza que as Constituições saíram da tipografia lisboeta de Germão Galharde, ainda poderíamos assinalar como datas extremas o dia 25 de Janeiro e o dia 8 de Maio de 1550 (cf. Voz do Domingo, n2 1873, de 23.02. 1969).

54. Couseiro, I, cap. 119.

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guinte, e não por ter sido apresentado para bispo de Coim­bra, como diz o Couseiro (55).

1.2 - D. Frei Gaspar do Casal (1557-1579)

Depois do falecimento de D. Sancho de Noronha, foi no­meado para suceder a D. Frei Brás o mais ilustre dos prela­dos leirienses: D. Frei Gaspar do Casal, membro da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, natural, ao que parece, de Santarém e nascido talvez nos princípios do século XVI. Tendo feito os seus estudos superiores na Universidade de Lisboa, tomou os graus de bacharel, bacharel formado e li­cenciado na Universidade de Coimbra, de 1541 a 1542, e é de admitir que também.se tenha doutorado e aí tenha exer­cido o magistério.

Foi pregador régio, confessor do príncipe D. João e do próprio rei D. João III, membro da Mesa da Consciência e Ordens, bispo do Funchal, por bula de Júlio III, de 3 de Ju­lho de 1551, embora nunca tenha ido à sua diocese.

Por essa altura, D. João III pedira dispensa de partici­parem na segunda sessão do concílio de Trento ( 1551-1552) para todos os bispos do reino, exceptuando os de Silves, An­gra, Lamego e D. Frei Gaspar do Casal. No entanto, só o pri­meiro compareceu.

A 11 de Junho de 1557, morria D. João III. Apresenta­do para a diocese de Leiria, pela rainha viúva, regente do

55. Couseiro, I, cap. 125. A apresentação em Coimbra como bispo residen­cial, em 1556 ou 1557, não era possível, porque nesses anos ocupava es­se cargo D. João Soares (1545-1572). Embora pudesse eventualmente tratar-se da apresentação para bispo auxiliar ou coadjutor da mesma diocese, o mais provável é que tenha sobrevindo a sua morte nalgum da­queles anos, pois em 1557 já estava apresentado para Leiria o bispo D. Frei Gaspar do Casal. Cfr. Zúquete - ob. cit., p. 135-140.

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Reino, na menoridade do neto D. Sebastião, foi confirmado por Paulo IV por breve de 20 de Dezembro do mesmo ano (56).

Logo no princípio do seu governo, deu início às obras da Sé. Partiu para o concílio de Trento, depois de 3 de Abril de 1561, chegando àquela cidade a 11 de Julho.

Da sua participação na terceira fase do concílio de Tren­to, que só abriu a 18 de Janeiro de 1562, dão larga conta as Actas (57) e a grandíssima lista de historiadores, escritores, biógrafos e teólogos que, nas mais variadas circunstâncias, fazem o elogio das suas intervenções (58).

Interveio nas questões do valor sacrificial e propiciató­rio da Ceia de Cristo e da Missa, da comunhão sobre as duas espécies, do sacramento da Ordem, da autoridade dos bis­pos em relação ao Papa, na discussão da doutrina do Matri­mónio.

Da sua competência e ampla ciência filosófica e teológica falam também os seus livros, a maior parte dos quais saiu à luz da publicidade precisamente no último ano do Concílio.

Saiu de Trento, agora na companhia do arcebispo de Braga, em 8 de Dezembro de 1563, chegando a Leiria nos princípios do ano de 1564.

Participou no Sínodo provincial de Lisboa, em Dezem­bro de 1566, reunido pelo arcebispo de Lisboa, para pôr em prática as decisões de Trento, e no de 1574.

Entretanto, por seu determinado impulso, iam prosse-

56. Corpo Diplomático Português, VIII, 33.

57. Stephanus Eh ses - Concilium Tridentinum, Diariorum, Actor um, Epis­tolarum, Tractatuum Nova Collectio, VIII e IX, Friburgo, 1919, 1924.

58. Cfr. Sebastião Soares de Resende - O sacrifício da Missa em D. Gaspar do Casal, p. XVII-XLII; D. João Pereira Venâncio - D. Frei Gaspar do Casal, Bispo de Leiria e Teólogo, em "Boletim da Diocese de Leiria", 9 (1933) p. 344-364; A Igreja de Santo Agostinho em Leiria, Leiria, Gráfi­ca, 1945, p. 29-49; e O testemunho da palavra, Leiria, 1989, p. 19-45.

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guindo as obras da catedral, que abriu ao culto em 1573 e para a qual se transferiu o Cabido em 1574.

No seu tempo, construíram-se ou repararam-se muitas igrejas e ermidas, na cidade e na diocese, e ele próprio em­preendeu a construção do convento da sua ordem, dedicado a Santo Agostinho ( 1577), apesar da declarada impugnação do Cabido que entendia "que não convinha, enquanto a Sé não estava perfeita, empreender outras obras" (59) .

Além disso, proveu benefícios, administrou ordens sa­cras frequentes vezes, publicou as provisões ( 1564 e 1569) com que o rei D. Sebastião mandava que se executassem as determinações conciliares.

Quanto ao governo da diocese, falta-nos infelizmente confirmação documental mais abundante daquilo que diz o Couseiro. Mesmo assim, sabemos que fez algumas modifica­ções na divisão paroquial, nomeadamente alargando, em 1560, a área da Caranguejeira, como já referimos (60).

Depois de vir do concílio de Trento (princípios de 1564), "mudou muitos fregueses de umas freguesias para outras, que ficavam com mais comodidade para poderem ir à paró­quia e lhes administrarem os sacramentos em seu tempo" (61). Não explica o autor dessa obra a data dessas mudanças, nem os lugares mudados, mas porventura terá sido, o mais tardar em 1574, aquando da conclusão das obras da Sé, que "ficou com a cidade somente por paróquia e os moradores dela por fregueses" (62), portanto sem os lugares, fora da cidade, que D. Frei Brás de Barros tinha mantido na paróquia da Sé, nos princípios da diocese.

59. Couseiro, I, p. 222; Afonso Zúquete - ob. cit., p. 149).

60. Couseiro, I, cap. 100.

61. Couseiro, I, cap. 126.

62. Couseiro, I, cap. 123.

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Por isso, não se concretizou, no mesmo ano de 1574, a in­tenção que tivera o mesmo D. Frei Brás de Barros, em 1550, de integrar as Cortes na paróquia da Sé. A igreja das Cortes retomou a sua condição de simples ermida e foi integrada na paróquia de S. Pedro (63).

Creio que podemos também situar na mesma época a transferência dos lugares de Riba de Aves, Lagoa, Ruiva­queira e Casal (64) (futura paróquia da Ortigosa), da paró­quia de S. Tiago de Leiria para a do Souto.

Apresentado na diocese de Coimbra e confirmado a 27 de Novembro de 1579, D. Gaspar do Casal governou aquela diocese até à morte, a 9 de Agosto de 1584. Sepultado na igre­ja da Graça, os seus restos mortais foram trasladados para a igreja de Santo Agostinho de Leiria a 15 de Maio de 1596 (65).

1.3 - D. António Pinheiro (1579-1582)

Pela promoção do Bispo D. Gaspar do Casal para a dio­cese de Coimbra em 1579, foi nomeado bispo de Leiria D. An­tónio Pinheiro, que era bispo de Miranda, desde 1564, e "um dos mais notáveis varões do nosso século XVI, proeminente figura do Renascimento em Portugal, cuja actividade políti­ca e religiosa se revelou sempre de primacial importância, mesmo quando ao serviço de uma causa, que os factos pos­teriores vieram mostrar ser fatal para os interesses da Na­ção. Como figura política, como bispo, como orador, nas

63. Couseiro, I, cap. 20.

64. Couseiro, I, cap. 25, 26 e 93.

65. A. Zúquete, ob. cit., p. 150-153.

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múltiplas e variadas funções que exerceu, a sua acção só en­contra um coro unânime de louvores e elogios" (66).

Segundo tudo leva a crer, era natural de Porto de Mós. D. João III enviou-o para Paris, onde foi aluno do Dr. Diogo de Gouveia, no célebre Colégio de Santa Bárbara. No mes­mo colégio, passou depois a mestre de retórica. Aí por 1540--41, foi chamado a Portugal pelo mesmo rei D. João III, que o nomeou primeiramente professor dos jovens fidalgos da corte e depois, do príncipe D. João. Desempenhou outras muitas missões políticas e eclesiásticas.

Em 1564, foi eleito bispo de Miranda, onde há notícias do seu governo, a partir de 1566.

Foi transferido para a diocese de Leiria, após a mudan­ça de D. Frei Gaspar do Casal para Coimbra em 1579. A sua presença e actividade episcopal quase passa despercebida, em virtude da sua ausência quase contínua, por causa dos negócios da política, tendo governado a diocese pelo seu pro­visor geral e visitador.

Viria a morrer talvez no final de Outubro de 1582, em Lisboa, publicando-se a sé vacante a 30 desse mês e fazendo­-lhe o Cabido os ofícios de 8 a 10 de Novembro seguinte (67). Os restos mortais do bispo só foram trazidos para a chamada "sepultura grande" da Sé de Leiria, no pontificado do bispo D. Martim Afonso Mexia (1605-1615), sendo exumados, em 1968, e transferidos para um túmulo aberto na parede do transepto, junto do altar do Sagrado Coração de Jesus.

66. A. Zúquete - ob. cit., p. 155.

67. Alfredo de Matos - Dom António Pinheiro, Porto de Mós, 1984; Carlos Fernandes - De António Pinheiro, "O Portomosense" P. Mós, 11 (263) 18.11.1993; 11 (266) 30.11. 1993.

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2 - Do crescimento da área diocesana ao princí­pio da decadência (1586-1810)

2.1 - D. Pedro de Castilho (1583-1604-t1614)

Depois do falecimento de D. António Pinheiro, foi no­meado bispo de Leiria, D. Pedro de Castilho, que nascera em Coimbra no ano de 1524, foi bispo de Angra desde 1578 a 1583, donde saiu para a ilha de S. Miguel e depois para o continente, onde logo foi apresentado à mitra de Leiria, ob­tendo a confirmação pontifícia, por bula de Gregório XIII, de 3 de Junho de 1583.

O facto de ser partidário declarado de Filipe II (Filipe I de Portugal) fez com que ocupasse cargos superiores, nomea­damente o de vice-rei de Portugal de 1605 a 1608 e de 1612 a 1614, inquisidor geral, capelão-mar, prior de Guimarães, administrador do Crato e de Alcobaça. Estes cargos não lhe deixavam muito lugar para a diocese, onde, no entanto, re­sidia "no Advento e Quaresma e visitava o Bispado até o Es­pírito Santo, e nesse dia dizia missa que é da obrigação do Prelado, e então tornava para Lisboa" (68). Renunciou ao bis­pado em 1604 e veio a falecer, dez anos depois, em Lisboa.

Empreendeu várias obras na Sé e obteve os paços de S. Simão e uma azinhaga que existia entre os mesmos paços e os episcopais.

O acontecimento mais significativo que ocorreu, entre­tanto, foi um grande aumento territorial da diocese. "No ano de 1585, uniu o Sumo Pontífice [Sisto V] a este bispado a vi­la de Ourém e seu distrito, que teve somente efeito na juris­dição, da qual se tomou posse pelo Bispo D. Pedro, em 14 de Junho de 1586" (69). Nas mesma datas, foram integradas a vi-

68. Couseiro, I, cap. 130.

69. Couseiro, II, cap. 1.

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la e termo de Porto de Mós, com suas paróquias, e "metade da vila de Aljubarrota, que era a freguesia de S. Vicente (7°). Todos estes territórios dependiam canonicamente da Colegia­da de Santa Maria da Misericórdia de Ourém, que havia si­do fundada em 1445, na igreja construída na antiga vila, no século XII, e pertenciam ao arcediagado de Santarém e ao ar­cebispado de Lisboa (71).

Nessa época, já estavam constituídas as seguintes paró­quias, algumas fundadas deste o primeiro povoamento cris­tão, e outras ao longo dos tempos, até a este ano de 1586: na vila de Ourém, Santa Maria, S. Tiago, S. Pedro e S. João; no seu termo, as da Freixianda (séc. XIII?), Seiça ( 15 17), Olival (séc. XIII?) e Fátima (1568); na vila de Porto de Mós, S. Pe­dro, S. João e Santa Maria; no termo, as paróquias de Min­de (desmembrada de S. Maria, cerca de 1555), Alvados (de S. Maria, entre 1555 e 1559), Arrimal (de S. Pedro, depois de 1526), Mendiga (de S. João, depois de 1526), Serro Ventoso (de S. Pedro), Juncal (de S. Maria, 1554?) e S. Vicente de Al­jubarrota (de Santa Maria e S. Pedro de Porto de Mós, antes de 1429).

Era esta a área diocesana de Leiria, no ano de 1586: do chamado Bispado Velho, 14 paróquias; do Bispado Novo, 18 paróquias, ou seja, ao todo 32.

Depois desta integração, o bispo D. Pedro de Castilho criou quatro paróquias.

Em 1589, desmembrou da freguesia do Souto a paróquia de Monte Redondo com os "lugares de Monte Redondo, Coim­brão, Ervedeira e uns casais e moinhos do mesmo distrito" (72).

70. Couseiro, II, cap. 20.

71. L. Cristina - A colegiada de Ourém das origens ao século XVIII em "Ourém - Estudos e Documentos", Ourém, 1982, p. 32-47.

72. Couseiro, I, cap. 134.

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No ano de 1592, o mesmo bispo elevou a igreja do lugar das Cortes a sede de uma paróquia definitiva, separando-a de S. Pedro (13), e no mesmo ano, criou a paróquia do Arra­bal, desmembrando-a de S. Pedro de Leiria (7•).

Em 1600, atendeu a petição dos moradores da Marinha e Garcia, feita em 1590, criando a paróquia da Marinha, em 1600 (75), desmembrando-a de S. Tiago de Leiria.

Foi durante o seu governo episcopal que foi edificado o Santuário de Nossa Senhora da Encarnação, edificado no monte onde já existia uma ermida de S. Gabriel. Depois de uma cura, atribuída a Nossa Senhora da Encarnação, no dia 11 de Julho de 1588, houve uma afluência extraordinária de procissões da diocese de Leiria e dioceses vizinhas que deter­minaram a construção de uma nova igreja para a qual se ben­zeu a primeira pedra em 24 de Setembro do mesmo ano (76).

Outro acontecimento de grande importância para a dio­cese foi a realização do 2º sínodo diocesano, e a promulgação das respectivas constituições. No prólogo das Constituições, assinado pelo próprio Bispo e datado de 23 de Outubro de

73. Couseiro, I, cap. 20 e 121. Esta obra refere que "o bispo D. Pedro de Cas­tilho, quando separou desta freguesia [de S. Pedro] os moradores das Cor­tes e seu distrito, tirou ao dito cura de S. Pedro vinte alqueires de trigo e dois mil réis em dinheiro" (cap. 20) e "no ano de 1582, o bispo D. Pedro de Castilho levantou em freguesia a dita ermida" (cap. 121). Ora D. Pe­dro só foi confirmado bispo de Leiria em 3 de Junho de 1583. Há lapso na data. Trata-se certamente de 1592, data de um outro documento que se encontrava na mesma folha 172 do desaparecido 12 livro da Chamcelaria do Bispado.

74. Couseiro, I, cap. 136. Luciano Cristino - "História religiosa da fregue­sia do Arrabal", em ob. cit., p. 200-203.

75. Couseiro, I, cap. 135.

76. Cf. Luciano Cristino - O Santudrio de Nossa Senhora da Encarnação, passim.

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1601,justifica-se o sínodo e o novo estatuto diocesano: "Auen­do neste dito Bispado falta de Cõstituições, por não seruirem já as que fez o senhor Bispo Dom Bras de boa memoria, nos­so predecessor, assi por a alteração que depois ouue em mui­tas cousas, ordenadas pera gouerno da Igreja, reformação do Clero, & dos custumes pello sagrado Concilio Tridentino, Leis sanctissimas dos Summos Pontifices, Concilies Prouinciaes dos Metropolitanos; como por a que resultou da annexação das Igrejas, & Pouo das Villas de Ourem,& Porto de Mós com suas annexas, feita pela Sancta See Apostolica: Pello que foi necessario augmentaremse as Constituições, mudaremse algUas, & declararemse outras, o que tudo encarregamos a pessoas de que muito confiamos por suas letras, prudencia, & experiencia, com cujo conselho, & de outros Letrados doe­tos, ordenamos as Cõstituições que nos pareceram necessa­rias pera o seruiço de Deos, bom gouerno de nosso Bispado, & saude das almas de nossos Subditos. Pello que conuocamos Synodo Diocesano, & o celebramos nesta Cidade de Leiria, em os vinte cinco dias do Mes de Março, do anno de mil & qui­nhentos & nouenta & oito: E nelle foram electos Procurado­res do Cabido, & Clero Pessoas de muyta confiança, as quaes viram estas Constituições, & as aprouarão, & aceitárão em nome do dito Cabido, & Clero. Pello que mandamos que se guardem inteiramente em Iuizo & fóra delle; & reuogamos todas & quaesquer outras antigas, Prouisões, & Custumes em contrario" (77).

As constituições de D. Pedro de Castilho são divididas em 39 títulos, com um total de 176 constituições. Em apên­dice, há um Regimento do Auditório com 16 capítulos.

77. Constituiçoens Synodaes do Bispado de Leiria. Feytas, & ordenadas em Synodo pello Senhor Dom Pedro de Castilho Bispo de Leiria &c. E por seu mandado Impressas, em Coimbra por Manuel D'araujo Impressor de!Rey N. S. na Universidade de Coimbra. Ano 1601, prólogo.

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Depois da publicação das Constituições, há um enorme movimento de construções de novos templos, motivada pela necessidade de facilitar o cumprimento do preceito da mis­sa dominical e da recepção dos sacramentos (78).

2.2 - D. Martim Afonso Mexia (1605-1615-fl623)

D. Martim Afonso Mexia, natural de Campo Maior, don­de eram naturais os seus antepassados, foi colegial do Colé­gio de Cuenca, na Universidade de Salamanca, talvez bacharelado e licenciado em Évora e doutorado em Salaman­ca, onde regeu Artes até ao ano de 1596 (79). Foi depois bene­ficiado de S. Salvador de Elvas, chantre da Colegiada de Guimarães, deputado da Mesa de Consciência e Ordens, pre­lado de Tomar e secretário de Estado em Castela. Durante 4 anos esteve em Roma, defendendo o procedimento do San­to Ofício, contra as acusações que se faziam contra o tribu­nal. Estando a residir em Madrid, foi nomeado e confirmado bispo de Leiria, em 1605, ano em que entrou na diocese.

Enquanto bispo de Leiria, D. Martim Afonso Mexia re­cusou o bispado de Elvas, para que foi nomeado, em 1610, quando vagou aquela diocese, recusa que determinou a no­meação para a mesma do bispo eleito de Leiria, D. Rui Pires da Veiga (80).

D. Martim Monso Mexia foi bispo de Leiria até 3 de Se­tembro de 1615, em que foi transferido para Lamego. Em 1619, foi nomeado bispo de Coimbra, onde veio a falecer a

78. Couseiro, passim.

79. Armando de Jesus Marques - D. Martim Afonso Mexia: bispo de Leiria, Lamego e Coimbra; secretário de Estado em Castela - Quadro familiar. "Curriculum" salmanticense - 1592-1596, Campo Maior, Câmara Mu­nicipal, 1988.

80. Afonso Zúquete - ob. cit. , p. 178-179.

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30 de Agosto de 1623, sendo sepultado na igreja matriz de Campo Maior (81).

Além das obras que empreendeu e demandas que teve com o Cabido e com a Irmandade da Misericórdia, foi no seu tempo que o Papa Paulo V, pela bula "Decet Romanum Pon­tificem", de 9 de Outubro de 1614, integrou no bispado de Leiria as paróquias de Nossa Senhora dos Prazeres de Alju­barrota e de Alpedriz , até então pertencentes ao arcebispa­do de Lisboa (82).

Os acrescentamentos de 1586 e de 1614 significaram praticamente um retorno à área da primitiva vigararia crú­zia e de quase todo o antigo termo leiriense, delimitado no foral de 1142 (com exclusão da parte sul, ainda hoje perten­cente ao patriarcado de Lisboa) e ficou fixado definitivamen­te o território que ainda hoje é o actual da diocese, apenas acrescentada, em 1957, com a pequena paróquia de Formi­gais, do concelho de Ourém, [que pertencera à antiga prela­zia de Tomar e era, desde 1882, do patriarcado de Lisboa, embora já servida por um pároco da diocese de Leiria].

Antes de 1615, o mesmo bispo desmembrou da fregue­sia do Reguengo do Fetal o lugar do Alqueidão da Serra, na parte do termo de Leiria (83).

2.3 - D. Frei António de Santa Maria (1616-1623)

Foi provincial da Ordem dos Eremitas de Santo Agosti­nho, usou no século o nome de D. Jorge de Alencastre e era

81. Couseiro, I, cap. 137; Afonso Zúquete - ob. cit., p. 172-177.

82. A.N.T.T, Alcobaça, 67 (Livro 50 das Sentenças), fl. 415-420. Cf. BN Lis­boa, G. G. E/3/21: Frei Manuel de Figueiredo - Historia Corografica da Comarca de Alcobaça, fl. 1492, em que cita urna cópia da bula tirada do original existente no Arquivo da Sé de Leiria.

83. Couseiro, I, cap. 138.

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neto de D. João II. Nomeado bispo de Leiria, tomou posse a 30 de Abril de 1616.

Administrou ordens muitas vezes, fez algumas obras na sé, demoliu os paços que existiam na antiga cerca, juntamen­te com a antiga ermida de S. Simão. Faleceu a 9 de Maio de 1623 e foi sepultado na igreja de Santo Agostinho, para on­de ele próprio tinha transferido também os restos mortais de D. Frei Gaspar do Casal, seu irmão em religião e seu an­tecessor na mitra de Leiria (84).

2.4 - D. Francisco de Meneses (1625-1627-t 1634)

Depois de uma vacância de cerca de dois meses e meio, foi nomeado bispo de Leiria D. Francisco de Meneses, natural de Santarém, doutorado em Cânones, chantre da Sé do Porto, de­putado do Santo Ofício e inquisidor na cidade de Coimbra e em Lisboa, reitor e reformador da Universidade de Coimbra. No­meado bispo de Leiria em 1624, só tomou posse a 7 de Dezem­bro de 1625, mas logo no ano seguinte foi promovido ao bispado do Algarve, onde tomou po�se em Dezembro de 1627. Parece ter sido eleito arcebispo de Evora, em 1633, mas veio a falecer em Março de 1634, sendo sepultado na Sé de Faro e depois trasladado para a igreja de S. Francisco da mesma cidade.

Da sua acção em Leiria, apenas se sabe que visitou to­da a diocese e reformou em 1626 o retábulo de Nossa Senho­ra da Pena que ardera em 11 de Novembro de 1620 (85).

2.5 - D. Dinis de Melo e Castro (1627-1636-t 1640)

Depois da transferência de D. Francisco de Meneses, foi nomeado bispo de Leiria D. Dinis de Melo e Castro, natural

84. Couseíro, I, cap. 140; A. Zúquete - ob. cít., p. 180-181.

85. Couseíro, I, cap. 141; A. Zúquete - ob. cit., p. 182-184.

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de Colares, que se doutorara em Direito Canónico em Coim­bra, foi desembargador da Relação do Porto, da Casa da Su­plicação, dos Agravos e do Paço, deputado da Bula da Cruzada. Na sua terra natal, construiu uma casa, fundou a casa da Câ­mara e a Misericórdia em 1623.

Tomou posse da diocese de Leiria a 11 de Novembro de 1627. Distinguiu-se pela sua caridade, como bem ressalta o Couseiro, promovendo a união de todas as instituições de as­sistência da cidade à Misericórdia. Promoveu também algu­mas obras na Sé que dotou também de mobiliário, paramentos, vasos litúrgicos, obras de arte, etc.

No ano de 1636, foi transferido para a diocese de Viseu, tomando posse a 29 de Agosto, e em 1638 para a Guarda, de que tomou posse a 23 de Maio de 1639, não chegando, porém a entrar na sua diocese e falecendo a 24 de Novembro de 1640, em Lisboa, onde ficou sepultado no convento de San­ta Ana (86).

O bispo D. Dinis de Melo e Castro criou, em 1630, a pa­róquia do lugar de Amor e seus anexos, desmembrando-os da paróquia de S. Tiago de Leiria, "porquanto no inverno, com as cheias não podiam vir à freguesia" (87).

Dividiu também a paróquia de Monte Real em duas, criando a de Carvide, com os lugares da Passagem e Vieira, em 1632 (88).

Ainda o mesmo bispo criou a paróquia do Coimbrão, em 1636, desmembrando-a de Monte Redondo (89).

86. Couseiro, I, cap. 142-144; A. Zúquete - ob. cit., p. 185-189

87. Couseiro, I, cap. 145.

88. Couseiro, I, cap. 146.

89. Couseiro, I, cap. 147.

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DA VIGARARIA CRÚZIA À DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA

2.6 - D. Pedro Barbosa de Eça (1636-1640-t1647)

Transferido D. Dinis de Melo e Castro para Viseu, foi apresentado bispo de Leiria D. Pedro Barbosa de Eça ou de Vasconcelos, prior mor de Aviz e cónego de Évora, confirma­do a 24 de Maio de 1636. Tomou posse a 10 de Setembro do mesmo ano.

Não se conhece muito da sua acção na diocese, até por­que, sobrevindo a revolução que restaurou a independência, D. Pedro, afecto ao domínio espanhol e irmão de Miguel de Vasconcelos, secretário de estado da duquesa de Mântua, viu-se obrigado a fugir, disfarçado, para a Espanha, deixan­do como governador e vigário geral da diocese o Dr. António Alves Mourão, falecido em 1643. O Cabido governou a dio­cese até à nomeação do Dr. Francisco da Cunha, pelo vice­-colector apostólico. Em Maio de 1647, faleceu o bispo D. Pedro, em Madrid, chegando a noticia só um ano depois, pu­blicando-se a sé vacante (90).

2. 7 - D. Diogo de Sousa (Bispo eleito)

D. Diogo de Sousa, natural de Vila Viçosa, foi nomeado bispo de Leiria, pelo novo rei, mas não obteve confirmação de Roma, vindo mais tarde, já depois da paz com a Espanha ( 13 de Fevereiro de 1668) e a regularização das relações en­tre Portugal e a Santa Sé, a ser confirmado arcebispo de Évora, em 167 1, sendo só então sagrado. Faleceu em 23 de Janeiro de 1678.

90. A. Zúquete - ob. cit., p. 190-191. Sobre os bispos de Leiria posteriores a D. Pedro Barbosa de Eça, cf. Vitorino Araújo - Um Bispo segundo Deus, 1885, apêndice p. 2-15; Couseiro, 2! edição, 1898, p. 345-358; A. Zúquete, ob. cit. p. 192-291.

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Mesmo como simples bispo eleito de Leiria, esteve na ci­dade, onde empreendeu a construção dos paços episcopais, não se conhecendo, porém outras acções (91).

2.8 -D. Jerónimo de Mascarenhas (bispo eleito por Fi­lipe N)

Depois da morte de D. Pedro Barbosa de Eça, Filipe IV apresentou para a diocese de Leiria a D. Jerónimo de Mas­carenhas, clérigo secular, doutorado em teologia pela Uni­versidade de Coimbra, onde foi cónego, deputado da Mesa da Consciência e Ordens. Com a proclamação da indepen­dência, não aceitou a legitimidade de D. João IV e refugiou­-se em Espanha. A sua nomeação nunca foi confirmada, ficando mesmo sem efeito, depois da paz com a Espanha, no­m< :ando-o a Rainha, para o bispado de Segóvia, recebendo a confirmação em 9 de Abril de 1668. Morreu em Segóvia a 23 de Outubro de 1671. Entre os manuscritos da sua autoria que ele próprio elencou, faz-se referência a urnas Noticias de la ciudad de Leiria ( descripción de su O bispado y elogio de sus Obispos), que alguns autores identificaram indevida-mtnte com o Couseiro (92).

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2.9 - D. Pedro Vieira da Silva (1670-1676)

Depois da paz entre Portugal e a Espanha e a regulari­zação das relações com a Santa Sé, após longos 28 anos, foi apresentado para o bispado de Leiria, a 28 de Setembro de

91. A. Zúquete - ob. cit., p. 192-195. Sobre a situação eclesiástica em Por­tugal no reinado de D. João IV, cf. : A A Borges, Provisão dos Bispados e concllio nacional no reinado de D. João N, em "Lusitania Sacra", 2 (1957)p. 111-159 ; 3 (1958) p. 97-164.

92. A. Zúquete - ob. cit., p. 196-200.

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1668 e confirmado, pelo Papa, a 11 de Maio do ano seguin­te, o Dr. Pedro Vieira da Silva, que tinha nascido em Leiria, em 1598, foi doutorado em direito, e, entre outros cargos, de­sempenhou o de Secretário de Estado, em longos períodos. Tinha sido casado com D. Leonor de Noronha, de quem teve sete filhos, dos quais se ordenaram quatro. Depois de enviu­var, ordenou-se de presbítero. Sagrado bispo em 1671, to­mou posse da diocese em 22 de Abril do mesmo ano. Faleceu em 12 de Setembro de 1678, ficando sepultado no convento de Santo António dos Capuchos de Leiria, que ele próprio ti­nha fundado, donde os seus restos mortais foram traslada­dos para o cemitério da Sé, em 1864, e para o próprio interior da Sé, em 1907.

Da sua acção na diocese, ressalta a fundação do Semi­nário, iniciado em 1672 e entregue à direcção dos religiosos do vizinho convento de Santo Agostinho (93). Em 19 de Outu­bro de 1673, deu licença aos agostinhos descalços para fun­darem um convento na ermida do Bom Jesus de Porto de Mós, que lhes tinha sido doada pela misericórdia da dita vi­la. Para a igreja desse convento, extinto em 1834, passou já neste século a sede da paróquia de S. Pedro, depois da demo­lição da igreja deste título.

2. 1 0 - D. Frei Domingos de Gusmão (1677-1678--t1689)

Depois da morte de D. Pedro Vieira da Silva, foi apre­sentado pelo regente D. Pedro, para a mitra de Leiria, D. Frei Domingos de Gusmão, dominicano, de nacionalidade es­panhola. Foi confirmado a 8 de Novembro de 1677 e tomou posse da diocese em 8 de Março de 1678, mas não chegou a

93. A. Zúquete - ob. cit., p. 200-212.

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entrar nela, por, entretanto, ter sido apresentado no arce­bispado de Évora, onde entrou a 24 de Novembro do mesmo ano. Faleceu a 19 de Dezembro de 1689 (94).

2 . 11 - D. Frei José de Lencastre (1681-1694-t 1 705)

Depois de vagar a diocese de Leiria, em 1678, só foi preenchida com a nomeação de D. Frei José de Lencastre, carmelita, que era bispo de Miranda, desde 1677. A transfe­rência para Leiria foi confirmada por bula de 2 de Junho de 1681. Tomou posse em 2 de Agosto do mesmo ano.

Depois de ser nomeado capelão-mor de D. Pedro, em 1692, inquisidor-geral, em 1693, e conselheiro de estado, em 3 1 de Maio de 1694, achou por bem resignar do bispado de Leiria. Faleceu a 13 de Setembro de 1705, ficando sepulta­do no convento dos Remédios da sua Ordem, em Lisboa (95).

Não há grandes notícias da sua acção na diocese de Lei­ria, apesar de alguns dos seus biógrafos exaltarem o seu ze­lo apoctólico e caridade.

2.12 - D. Álvaro de Abranches e Noronha (1694-1746)

Depois da resignação de D. Frei José de Lencastre, foi apresentado para Leiria, e confirmado a 19 de Junho de 1694, D. Álvaro de Abranches e Noronha, natural de Lisboa, porcio­nista do Colégio de S. Paulo, de Coimbra, cónego da Sé de Lis­boa e deputado do Santo Ofício. Tomou posse a 30 de Outubro e foi sagrado a 27 de Dezembro do mesmo ano, entrando na diocese, logo a seguir, iniciando um longo e frutuoso episcopa­do de 52 anos. Chegou a ser apresentado para o arcebispado

94. A. Zúquete - ob. cit., p. 213-215.

95. A. Zúquete - ob. cit., p. 216-220.

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de Évora em 1715, mas não quis aceitar a nomeação. Devido à sua doença e avançada idade, pois nascera, a 7 de Julho de 1661, foi encarregado do governo da diocese, a 13 de Julho de 1742, o seu sobrinho, D. Miguel da Anunciação, bispo de Coim­bra, até quando fosse confirmado o seu sucessor. A 18 de No­vembro de 17 45, foi nomeado para suceder a :b. Álvaro, D. Frei João de Nossa Senhora da Porta, confirmado a 29 de Março do ano seguinte, poucos dias antes da morte do velho bispo, a 8 de Abril do mesmo ano.

Durante o seu longo governo, houve uma grande altera­ção na divisão paroquial diocesana.

Entre os finais do século XVII e princípios do século XVIII, os lugares de Moita, Mélvoa e vizinhos, que perten­ciam à paróquia de Maceira, passaram para a de Pataias (96).

D. Álvaro "mandou o Cónego Eugénio Boto da Silva vi­sitar Minde e seus povoados, nos meses de Outubro a Dezem­bro de 1710. Foi ele de parecer que se devia dar autonomia religiosa a Mira de Aire que ficaria tendo como orago Nossa Senhora do Amparo. O termo da erecção canónica da fregue­sia é assinado no dia 3 de Fevereiro de 1711 e em 26 de Abril toma posse da freguesia o 12 pároco executor do despacho episcopal, Rev. P. Francisco Mendes da Cruz" (97).

96. À época da redação do Couseiro (cerca de 1657), as duas capelas da Mél­voa e da Moita ainda pertenciam à paróquia de Maceira (I, cap. 83); no vol. III da Corografia Portuguesa, do Padre António Carvalho da Costa, impresso no ano de 1712, pelo menos a capela da Moita já está incluída na paróquia de Pataias. Na mesma obra, dá-se como existente no lugar do Porto do Carro, paróquia de Maceira, uma capela de Santa Maria Ma­dalena (orago da capela da Mélvoa), o que parece ser um erro. De qual­quer modo, em 1721, as duas capelas e lugares já estavam certamente na paróquia de Pataias.

97. C.J.P. -A freguesia de Mira de Aire e a sua vida religiosa, em "A Voz do Domingo", 14.05.1950, p. 4; Couseiro, 2ª parte, nota ao cap. 31, p. 297; Mira de Aire - 1933-1958, p. 11-12.

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No ano de 17 13, a paróquia de S. Pedro de Leiria, com sede na igreja do mesmo nome, intra-muros, estava dividi­da em duas repartições, localizadas à volta de Leiria: Baro­sa e Sirol.

Por provisão de 7 de Outubro desse ano, o bispo D. Ál­varo de Abranches e Noronha determinou que o pároco da repartição da Barosa fixasse residência nos Parceiros, para facilitar a administração dos sacramentos aos moradores da Barosa, Moinhos, Casais do Pé de Banco, Mouratos, Parcei­ros, Pernelhas, Brogal, Alcogulhe de Baixo e do Meio, Codi­ceira, Azoia, Cabeças e Vale do Horto.

Pela mesma provisão, transferiu os lugares do Pinhal Verde, Barreira, Cumeira, Andreus e Casal das Hortas, da mesma repartição, para a freguesia das Cortes; e os do Te­lheiro, Quinta do Lagar de El-Rei, Casal ou Quinta que foi do Vigário da Batalha e os Casais da Cortiça, para a repar­tição do Sirol.

Ainda pela mesma provisão, foram anexados os lugares de Martinel, Boucinhas e Carrasca!, da repartição do Sirol, à paróquia do Arrabal (98).

A 28 de Dezembro de 1713, foi dada nova solução à repar­tição do Sirol: foi transferida definitivamente a sede para os Pousos, ficando anexados a esta paróquia todos lugares atrás referidos, excepto os da Venda da Cortiça, Telheiro e Casal do Lagar de El-Rei, que passaram à freguesia das Cortes (99).

A 16 de Fevereiro de 1716, à porta da capela de Nossa Se­nhora do Rosário dos Parceiros, reuniram-se 109 moradores dos lugares dos Parceiros, Pernelhas, Brogal, Pé de Banco, Mouratos e Casais de Porto Moniz, para fazerem uma procu-

98. Arquivo Paroquial dos Pousos, Livro dos Capítulos de Visita da Igreja Paroquial dos Pousos, fl. 62v-63.

99. lbidem, fl. 63.

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ração a João dos Reis, dos Parceiros, e a Domingos da Silva, do Brogal, "para em nome deles constituintes requerer tudo o que fizer a bem da dita freguesia que de novo intentão fa­zer e herigir neste dito lugar de Parceiros na forma que na dita petição havião feito o dito requerimento". De facto "eles havião feito uma sua petição por escrito ao Illmº Senhor Dom Alvaro de Abranches Bispo deste Bispado para effeito de lhe conceder licença para herigirem e fazerem freguesia neste di­to lugar dos Parceiros na sua capella da invocação de Nossa Senhora do Rosario" (100). O despacho favorável ainda demo­rou algum tempo, pois, segundo o pároco dos Parceiros, em 1721, P. Domingos Roiz de Alvelos, a freguesia só foi desane­xada definitivamente em 1717 (1°1).

As paróquias da Barosa e da Azoia terão sido definiti­vamente separadas cerca do ano de 1714 ou seguintes (1°2).

A 12 de Janeiro de 1714 ( 1°3), foi criada a paróquia de Regueira de Pontes, com a igreja paroquial na pequena er­mida, já existente antes da criação da diocese de Leiria (104)

, segundo pensamos, no sítio onde hoje se encontra o cemité­rio, desmembrada da paróquia de S. Tiago, de Leiria.

No mesmo ano de 1714, foi criada a paróquia de Alcaria, desmembrada da paróquia de S. João de Porto de Mós (1°5).

100. Arquivo Distrital de Leiria, Notariado, Leiria, Livro 65, fl. 104-106v.

101. Nota ao cap. 23 do Couseiro, 2ª ed., p. 37-39 e ao cap. 85, p. 138-140.

102. Nota ao cap. 23, do Couseiro, p. 39 e ao cap. 85, p. 134-135.

103. Lisboa, Biblioteca Nacional, Ms. 153, fl. 53: informação do Padre Manuel Lo­pes Gaspar, antigo capelão e agora pároco, em 1721, para a Academia Real da História Portuguesa, publicada por Saul António Gomes, em "O Mensa­geiro", 81 (4048) 10 Ago. 1995, p. 8, col. 3. Nesse ano de 1714, gastou-se "com a condução da pia que deu o sr. bispo, que veio da igreja de N. Senho­ra dos Anjos, de Leiria, 4$160" (Couseiro, I, cap. 87, nota da 2ª ed., p. 142.

104. Couseiro, I, cap. 87.

105. Nota ao cap. 26, do Couseiro, 2ª ed., p. 286, 1898.

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Em 1728, foi criada a paróquia de Rio de Couros, des­membrada da Freixianda (106).

Em 1738, foi criada a paróquia da Barreira, formada com os lugares que, em 7 de Outubro de 17 13, tinham pas­sado da repartição da Barosa para a do Sirol e para as Cor­tes e por aqueles que, em 28 de Dezembro de 1713 tinham passado da repartição do Sirol também para as Cortes (1°7).

Em 1740, foi criou a paróquia da Vieira, desmembrada de Carvide (108).

2. 13 - D. Frei João de Nossa Senhora da Porta (1746--1 760-t 1 783)

D. João Cosme da Cunha e Távora nasceu em Lisboa, a 27 de Setembro de 1715. Doutorou-se em Coimbra, em Leis. Ingressou na Congregação dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra, onde professou em 1739, com o nome de Frei João de Nossa Senhora da Porta.

A 29 de Março de 1746, foi confirmado coadjutor e futu­ro sucessor de D. Álvaro de Abranches e Noronha, com o tí­tulo de Olímpia. Tendo falecido D. Álvaro, tomou posse da diocese, já como bispo residencial, a 23 de Julho de 1746, e entrou nela, a 5 de Outubro seguinte.

Criou, a 24 de Junho de 1750, a paróquia do Senhor Je­sus dos Milagres, com sede no sítio das Quintas da Ribeira de Agodim, onde, em 1728, um pobre paralítico, Manuel Francisco Maio, se achou repentinamente curado, depois de ter invocado o Senhor Jesus dos Milagres, de Aveiro, e onde

106. Nota ao cap. 10, 2ª parte, do Couseiro, 2ª ed., 1898, p. 267.

107. Nota ao cap. 23, 1ª parte, do Couseiro, 2ª ed., 1898, p. 37 e 38.

108. Nota ao cap. 146, 1ª parte, do Couseiro, ed. 1898, p. 249.

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colocou, em 1730, um painel com um crucifixo, ladeado de dois anjos. A frequência dos fiéis e as esmolas aí depositadas levaram à construção de um grandioso templo, que se tornou meta de peregrinações. A paróquia foi constituída com os lu­gares de Alcaidaria, Bulhão, Quintas da Ribeira de Agodim e Carreira, desmembrados da paróquia Regueira de Pontes, e com os lugares de Mata da Bidoeira, Bidoeira de Cima, Bi­doeira de Baixo, Casal da Quinta, Ínsua, Vale de Coelhos, Balres, Figueiras e Matas da Ribeira de Agodim ( 109). ·

Interessou-se pela magnificência do culto, pela boa dou­trinação e instrução do povo e do clero. Por ocasião do terra­moto de 1755, que causou muitos estragos em Leiria, promoveu procissões de penitência, durante nove dias segui­dos, em que ele próprio se incorporou, descalço e com uma corda ao pescoço. Numa outra procissão, registou-se um fe­nómeno que foi considerado milagroso: a imagem de Nossa Senhora da Encarnação, saída do seu Santuário para a cida­de, apesar de ter chovido torrencialmente, não se molhou (110). O prelado promoveu a reconstrução da sé.

A sua actuação em Leiria mudou radicalmente, depois do atentado contra a vida do rei D. José, em 3 de Setembro de 1758, de que foram acusados como autores alguns membros da família Távora, com a alegada cumplicidade dos jesuítas. Sentiram-se em perigo os parentes dos que foram cruelmen­te justiçados a 13 de Janeiro de 1759. O bispo de Leiria, que era um deles, promoveu uma festa de acção de graças pela in-

109. José Ferreira de Lacerda -Breves apontamentos para a história da fun­dação da Igreja do Senhor Jesus dos Milagres, Leiria, 1913, p. 43-45.

110. Ramalhete de Devoçam em que sobresahe a da candida e melhor flor de Nazareth Maria Santíssima na sua sagrada e milagrosa imagem com o titulo da Encarnaçam . .. , Lisboa, 1756, p. 78ss; Tito Larcher- Memoria sobre o templo e culto de Nossa Senhora da Encarnação . .. , Leiria, 1904, p. 33-41.

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columidade do rei, em que se pregou, em seu nome, com viru­lentas diatribes contra as referidas vítimas. Também publicou uma das pastorais mais violentas que os prelados portugue­ses foram induzidos a fazer sobre o assunto.

Como prémio, o Bispo de Leiria foi nomeado para suce­der na Mitra de Évora ao arcebispo D. Frei Miguel de Távo­ra, que morrera de desgosto a 3 de Setembro de 1759. Embora tivesse sido arcebispo de Évora durante 23 anos, só ali foi uma vez, em Junho de 1766.

Subindo sempre mais, foi recebendo benesses sobre be­nesses: nomeado cardeal, ministro assistente ao despacho, regedor da Casa da Suplicação, Inquisidor-Geral, etc., etc., situação que se modificou radicalmente quando caiu o Mar­quês de Pombal. Faleceu a 29 de Janeiro de 1783, em Lisboa.

2. 14 - D. Frei Miguel de Bulhões e Sousa (1761-1 779)

Depois da transferência de D. Frei João de Nossa Senho­ra da Porta para Évora, foi apresentado e confirmado em Lei­ria, em 1761, o dominicano Frei Miguel de Bulhões e Sousa, que fora bispo de Malaca (1745-1747) e do Pará ( 1747-1759).

A sua acção em Leiria é conhecida sobretudo pelas obras empreendidas: várias na sé, construção da torre sineira, es­cadório de Nossa Senhora da Encarnação, os passos da via­-sacra que existiram na cidade, dos quais restam apenas dois. Faleceu, ao que parece, nas Cortes, em 1779 (m).

2. 15 - D. António Bonifácio Coelho (bispo eleito)

Por morte de D. Frei Miguel de Bulhões e Sousa, foi no­meado no mesmo ano de 1779, D. António Bonifácio Coelho,

111. A. Zúquete - ob. cit., p. 244-248.

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bispo titular de Lacedemónia (desde 1770), que porém fale­ceu, sem ter recebido a bula de confirmação ( 112).

2. 1 6 - D. Lourenço de Lencastre (1 780-1 790)

D. Lourenço de Lencastre, natural de Lisboa, foi bispo de Elvas ( 1759-1780), antes de ser nomeado bispo de Leiria, em que foi confirmado por bula de 20 de Setembro de 1780.

Pouco consta da sua acção na diocese: reforma da disci­plina coral da Sé, transferência da pedra de ara da igreja de S. Pedro para a Sé, em 1788. Faleceu a 4 de Março de 1790. A sua sepultura foi encontrada debaixo do pavimento da Ca­pela de Nossa Senhora das Dores da Sé, em 1942. Por isso se aproveitou a celebração das bodas de prata da restaura­ção da diocese, para se transladarem os seus restos mortais para um urna de mármore, em 4 de Março de 1943. Aquan­do das obras realizadas na Sé, em 1968, foram colocados num mausoléu, na capela do Sagrado Coração de Jesus, como se fez com os restos mortais de D. Frei Miguel de Bulhões e Sou­sa e de D. António Pinheiro, que estavam na chamada se­pultura grande (113).

2. 1 7 - D. Manuel de Aguiar (1790-1815)

É considerado um dos mais ilustres bispos de Leiria, "por suas obras de misericórdia, notável governo, imensa pie­dade, sábia e decidida acção em períodos calamitosos da vi­da da Diocese, e cuja memória veneranda a cidade do Lis invoca como uma bênção, e estima como a de um dos seus mais prestimosos benfeitores" (114).

112. A. Zúquete - ob. cit., p. 249-250.

113. A. Zúquete - ob. cit., p. 151-259.

114. A. Zúquete - ob. cit., p. 260.

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A sua vida e obra é muito conhecida pela biografia, escri­ta por um dos mais ilustres mestres que viveram em Leiria, no século passado: o erudito professor do Liceu, Vitorino da Sil­va Araújo, que coligiu um conjunto imenso de dados, de 1860 a 1863, e veio a publicar, anonimamente, em 1885, com o títu­lo bem significativo de Um bispo segundo Deus ou Memorias para a vida de D. Manuel de Aguiar, 1 7Q Bispo de Leiria.

Nascido em Évora, em 1751, formou-se em teologia em Coimbra e ordenou-se no ano de 1778, talvez em Évora. Foi abade de Santa Cruz do Douro entre 1779 e 1786 e em S. Martinho de Soalhães, de 1786 a 1790. Neste último ano, foi apresentado como bispo de Leiria, recebendo a confirmação a 21 de Junho de 1790, sagrado a 15 de Agosto, fez a sua en­trada em Leiria, a 3 1 do mesmo mês e ano.

Logo de início, iniciou a restauração do seminário dioce­sano e promoveu os estudos, instituindo várias cadeiras; sa­grou a sé a 24 de Julho de 1791; construiu um cemitério, fora da Sé, onde quis ser sepultado; instalou um seminário de me­ninas no recolhimento de S. Estêvão, em 1803. A sua obra mais importante foi sem dúvida a promoção da construção do Hospital da Misericórdia, que vinha substituir o velho esta­belecimento que tinha sido construído na época do seu ante­cessor, D. Dinis de Melo e Castro, junto da igreja do mesmo nome. Iniciadas as obras no ano de 1798, foram de tal modo rápidas que a 8 de Junho de 1800, era inaugurado. Custou 18 contos de réis. Como é sabido, esteve ao serviço durante quase duzentos anos.

Em represália pela tomada de Leiria pelo célebre Cor­po Académico, a 30 de Junho de 1808, contra o regime de Ju­not, os franceses fizeram uma horrível mortandade, no sítio da Portela, no dia 5 de Julho e teriam aprisionado o bispo, se ele não tivesse sido aconselhado a refugiar-se na Figuei­ra da Foz. Libertada a cidade, um mês depois, D. Manuel de Aguiar pôde regressar, continuando o seu ministério.

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Mais grave foi a devastação da terceira invasão france­sa (1810-18 11) não só na cidade mas em toda a diocese: a destruição de quase todos os edifícios públicos da cidade de Leiria (paço episcopal, convento de S. Ana, recolhimento de S. Estêvão, Sé e quase todas as outrras igrejas, hospital, etc). A mortandade causada pelos assassinatos e pelas epidemias provocou o desaparecimento de quase metade da população diocesana (de 66.599 habitantes, morreram 29.0 17) e des­mantelaram, por completo, as instituições eclesiásticas. A morte precoce do bispado só foi impedida pela firme determi­nação dos seus diocesanos e principalmente do grande bispo, que, logo que pôde regressar, iniciou a obra de recuperação de todas as ruínas. Não conseguiu completar essa tarefa in­gente, pois veio a falecer, depois de curta doença, a 19 de Março de 1815, "cheio de merecimentos que fazem abençoa­da a sua memória" (115).

3 - Agonia e morte da diocese (1808-1882)

É de 1808 o primeiro sinal anunciador da precaridade da pequena diocese de Leiria, no contexto do país. Depois da primeira invasão francesa, houve alguns movimentos, ten­dentes à aceitação da incorporação de Portugal no grande im­pério napoleónico. Um grupo de pessoas redigiu uma súplica ao imperador, assinada a 23 de Maio de 1808, e a ser apre­sentada pelo juiz do povo, José de Abreu Campos, em que se apresentavam os princípios fundamentais das liberdades pú­blicas do país e se pedia inclusivamente que o nosso territó­rio europeu seja dividido em oito províncias, assim a respeito da jurisdição eclesiástica, como da civil, de maneira que só

115. A. Zúquete - ob. cit., p. 260-273.

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fique havendo um arcebispo e sete bispos (ll6). É evidente que, neste quadro, a diocese de Leiria não sobreviria. Depois das revoltas liberais dos anos vinte, essa perspectiva vai-se acen­tuando, cada vez mais. Deixemos, por agora, esse assunto, para voltarmos a ele, depois de assinalarmos a vida da dio­cese e a acção de cada um dos prelados leirienses, no período que vai desde 1818 a 1882.

3. 1 - D. João Inácio da Fonseca Manso (1818-1834)

Nascido em Montemor-o-Novo, em 1761, doutorou-se em Cânones, em 1783. Ordenado sacerdote em 1785, foi rei­tor do Seminário de Coimbra, durante três anos, e ocupou outros cargos, entre os quais o de cónego da Colegiada de Ou­rém, sendo nomeado deão da Sé de Leiria em 1795. Tendo recusado a mitra do Maranhão em 1814, foi nomeado vigá­rio capitular, logo a seguir à morte de D. Manuel de Aguiar. Foi eleito bispo de Leiria em 1818, confirmado em Agosto de 1819, sagrado em Dezembro e tomou posse em 2 de Janeiro de 1820 com entrada solene a 13 de Fevereiro.

Na diocese, continuou a obra de reconstrução do Paço Episcopal, da Sé e do Seminário.

Em 1829, deparou-se com o grave conflito surgido a pro­pósito da transferência da sede provisória da paróquia de S. Tiago do Arrabalde, do lugar dos Pinheiros, para onde tinha sido transferida, em 1811, para a igreja nova, começada a edificar no ano de 1828, no alto dos Marrazes (117).

A criação de uma paróquia em Aldeia da Cruz, desane­xada de Ourém foi pedida ao governo, em documento datado

116. S.J.L. Soriano - História da guerra civil e do estabelecimento do gover­no parlamentar em Portugal, Segunda época - Tomo V - parte I, Lis­boa, 1893, p. 213.

117. A. Longa nota ao cap. 25 do Couseiro, 2ª ed., p. 42-58.

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de 20 de Dezembro de 1923. Foram dados pareceres favorá­veis do bispo de Leiria e da Casa de Bragança. A regente D. Maria despachou favoravelmente o pedido, a 9 de Outubro de 1826, determinando que a desanexação se verificasse quan­do vagasse o primeiro canonicato da Colegiada. Os peticioná­rios, pediram que lhe fosse concedido, desde logo, um pároco, na pessoa do capelão, Padre Domingos António de Almeida, responsabilizando-se pelo pagamento da respectiva côngrua. D. Maria mandou ouvir, a 23 de Janeiro de 1827, a Junta da Casa de Bragança, a qual insistiu em se fazer a desanaxação, só depois da vagatura do canonicato. O Padre Domingos ain­da se ofereceu a servir a paróquia gratuitamente, mas não chegou a tomar posse. Finalmente, pelo decreto de 20 de Mar­ço de 183 1, foi nomeado pároco da nova freguesia de Aldeia da Cruz (118).

A doença (epilepsia) e as vicissitudes políticas prejudi­caram o seu governo episcopal, até ao fim. A sua simpatia pelo partido miguelista trouxe-lhe muitos dissabores, por ocasião da entrada em Leiria das tropas liberais vitoriosas, em Janeiro de 1834. Dada a doença grave do bispo, o gover­no decretou sé "quase vacante" e foi nomeado um governador temporal do bispado, na pessoa do Dr. João de Deus Antunes Pinto, em 4 de Março de 1834, e imposta a ilegal eleição do mesmo para vigário capitular, a 22 de Maio. O prelado veio a morrer a 11 de Junho, sendo sepultado no cemitério da Sé, donde foi trasladado em 1907, para uma das paredes do al­tar de Nossa Senhora da Conceição da mesma Sé.

118. Nota ao Couseiro, 2ª ed., II, cap. 7, p. 263, indicando a data de 1830; Jo­sé das Neves Gomes Eliseu, Esboço Histórico do concelho de Vila Nova de Ourém, Lisboa, 1868, nº 161-164, p. 109-113; 2ª edição, p. 125-129; A. R. Baptista - Ourém - Da Vila Velha a Vila Nova, V. N. Ourém, 1975, p. 24-33. Nossa Senhora da Piedade -A história, a geografia e as suas gen­tes, em "Ourém - Boletim Municipal", Ourém, nº 12, 1995, p. 7-8.

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Exonerado o Dr. Antunes Pinto, em 1836, foi substituí­do pelo Padre José Crisóstomo Pereira Barbosa.

3.2 - D. Guilherme Henriques de Carvalho (1843-1845--t1857)

Durante nove anos, a Sé de Leiria, como outras no rei­no, esteve vaga, por causa das dificuldades motivadas pelas convulsões políticas. Depois de resolvidas, foi nomeado bispo de Leiria, D. Guilherme Henriques de Carvalho, nascido em Coimbra em 1793, doutorado em cânones, em 1815 e ordena­do sacerdote em 1819. Envolveu-se na política e desempe­nhou vários cargos, entre os quais o de lente da Faculadade de Cânones. Em 1836, foi nomeado governador temporal e vi­gário capitular do Bispado de Coimbra e deputado, de 1838 a 1840. Apresentado como bispo de Leiria, em 26 de Feverei­ro de 1840, só foi confirmado em Abril de 1843.

O seu governo foi breve, pois a 24 de Novembro de 1845 foi confirmado para a Sé de Lisboa, vindo a ser nomeado car­deal em 1846. Em 1854, assistiu à definição dogmática da Imaculada Conceição. Morreu a 15 de Novembro de 1857, vi­timado pela febre amarela.

Entretanto, a paróquia de Santa Maria de Porto de Mós foi extinta nos meados do séc. XIX, unindo-se o seu território às outras duas paróquias da vila. Nessa altura, também a pa­róquia de Alqueidão da Serra foi acrescentada com lugares que até aí estiveram integrados em S. João, de Porto de Mós.

3.3 - D. Manuel José da Costa (1846-1851)

Depois da transferência de D. Guilherme para Lisboa, foi apresentado bispo de Leiria, D. Manuel José da Costa, nasci­do no concelho de S. Pedro do Sul, em 1791. Ordenado sacer­dote em 1817, doutorou-se em Cânones, no ano seguinte.

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Apresentado no Bispado de Leiria em Janeiro de 1846 e confirmado em Abril, tomou posse a 3 de Junho e entrou na diocese em 22 de Julho.

Em 1850, reabriu o Seminário, fechado desde 1834 e aplicou-lhe as rendas das Colegiadas de Ourém e de Porto de Mós que tinham sido extintas por sentença do Prelado em 28 de Fevereiro do mesmo ano de 1850.

Faleceu a 16 de Julho de 1851, em Carvalhais.

3.4 - D. Joaquim Ferreira Ferraz (1852-1873)

Nascido em Barcelos, em 1788, aquele que haveria de ser o último bispo de Leiria, antes da extinção, professou na Ordem beneditina e doutorou-se em teologia na Univer­sidade de Coimbra, em 1818. Dez anos depois, pa_ssou ao clero secular, foi pároco de Santo André de Meixedo e len­te de Teologia na Universidade, desde 1834. Foi depois go­vernador e pro-vigário capitular da diocese da Guarda, em 1836; vigário geral da mesma diocese desde 1842 a 1949. Ainda foi apresentado na diocese do Funchal, mas nesse mesmo ano foi eleito para Bragança, e confirmado em 28 de Setembro. Não foi demorada a sua presença naquela dio­cese, porque, por motivos do rigor do clima, não compatível com a sua saúde, pediu a sua transferência para Leiria, o que aconteceu em 20 de Outubro de 1852, confirmado no dia 10 de Março de 1843, e tomando posse a 30 de Abril se­guinte.

A sua acção em Leiria também não foi muito grande, precisamente por causa da sua doença, que o obrigava a fa­zer longas ausências da diocese, e sobretudo pela precarida­de da situação da diocese, ameaçada de extinção.

Pelos mesmos motivos, não pôde participar na solene proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 1854, nem no I Concílio do Vaticano, em 1869-1870. Apesar disso,

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melhorou o ensino do Seminário, fez melhoramentos no Pa­ço e na Sé, dirigiu muitas pastorais à diocese.

Retirou-se definitivamente para Barcelos em 1867 e veio a falecer a 27 de Fevereiro de 1873 (119).

3.5 -A caminho do fim

Nesse ano de 1873, sem que se pudesse adivinhar, a dio­cese de Leiria estava a menos de dez anos da extinção, si­tuação que tinha começado a desenhar-se nos princípios do século, conforme já vimos e já ficou escrito nas páginas des­te órgão diocesano (120).

Sobretudo, os acontecimentos políticos, sociais e econó­micos que se viveram em Portugal, a partir dos anos vinte desse século, e se agravaram, quando as ideias liberais triun­faram sobre a tentativa de restauração absolutista, deram início à agonia.

Aos olhos dos novos governantes, as razões que levaram à criação da diocese de Leiria e à sua manutenção, durante trezentos anos, perdiam o valor. Deparavam-se perspectivas mais aliciantes com a redução dos bispados, incluindo o de Leiria. Os objectivos são claros nos relatórios dos decretos de Mousinho da Silveira, nomeado ministro da Fazenda e da Justiça, após D. Pedro ter assumido a regência em nome da filha D. Maria II, em 1832. Basta ler o relatório do decreto de abolição dos dízimos, do mesmo ano: "Proponho a Vossa Ma­jestade Imperial uma glória imensa e à Nação Portuguesa a capacidade de sair da miséria e de se fazer populosa e rica; e

119. A Zúquete, oh. cit, p. 288-291

120. Luciano Cristino - Extinção da Diocese de Leiria, em "Leiria-Fátima ­órgão oficial da Diocese", Leiria 1 (1-3) Jan.-Dez. 1993, p. 63-79; 145-179; 229-239.

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proponho a criação da única nascente de matéria contribuin­te que pode ser perene e inesgotável e que não é mortal com as conquistas mas é imortal com a natureza das coisas".

Para isso, além da abolição dos dízimos, dos morgados, foros, censos e rações, da reorganização das finanças públi­cas, da justiça e da divisão administrativa, preceituava-se no artigo 8º do decreto já referido: "Um decreto especial fi­xará, à vista das informações necessárias, a divisão eclesiás­tica do reino, e o número de prelados, cónegos e párocos e mais pessoas eclesiásticas necessárias ao culto divino".

De nada valeram as lutas, as campanhas, as represen­tações dos leirienses ao rei, aos governos, ao parlamento, à própria Santa Sé, durante cinquenta anos.

Depois de muitas e demoradas negociações, o Papa Leão XIII, pela bula de 30 de Setembro de 1881, aceitou finalmen­te as exigências da nova divisão diocesana do País, que im­plicaram a extinção de 5 dioceses portuguesas (Aveiro, Castelo Branco, Elvas, Leiria e Pinhel) e dos dois isentos da prelazia de Tomar e do priorado do Crato, em 30 de Setem­bro de 1881. O bispo do Porto, cardeal D. Américo, a quem tinha sido entregue a execução da bula pontifícia, proferiu a respectiva sentença em 4 de Setembro de 1882, que obteve o benepácito régio a 14 do mesmo mês.

Das 50 paróquias da diocese de Leiria, foram integradas na diocese de Coimbra duas paróquias do concelho de Pom­bal (S. Simão de Litém e Vermoil) e 23 do então concelho de Leiria (Amor, Arrabal, Azoia, Barosa, Barreira, Carangue­jeira, Carvide, Coimbrão, Colmeias, Cortes, Leiria, Macei­ra, Marinha Grande, Marrazes, Milagres, Monte Real, Monte Redondo, Parceiros, Pousos, Regueira de Pontes, San­ta Catarina da Serra, Souto da Carpalhosa e Vieira de Lei­ria), das quais o bispo de Coimbra assumiu a jurisdição, a 30 de Setembro de 1882.

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As outras 25 paróquias foram integradas no patriarca­do de Lisboa: 4 paróquias do concelho de Alcobaça (Aljubar­rota (Prazeres), Aljubarrota (S. Vicente), Alpedriz, Pataias); 2 do concelho da Batalha (Batalha e Reguengo do Fetal) 11

do concelho de Porto de Mós CAlcaria, Alvados, Alqueidão da Serra, Arrimal, Juncal, Mendiga, Minde, Mira, Porto de Mós (S. João), Porto de Mós (S. Pedro), Serro Ventoso); 8 do con­celho de Vila Nova de Ourém (Espite, Fátima, Freixianda, Olival, Ourém, Rio de Couros, Seiça e Vila Nova de Ourém).

O arcebispo de Mitilene, em nome do Patriarca de Lis­boa, assumiu a jurisdição destas, a 2 de Outubro de 1882.

4 - À espera da ressurreição (1882-1918)

Durante pouco mais de 35 anos, os antigos diocesanos de Leiria não ficaram surdos às diversas tentativas que foram surgindo para reconstituir o seu humilde mas respeitado bis­pado. Pode dizer-se, portanto, que a restauração da diocese de Leiria se deve ao inconformismo de todo o seu povo, mas fundamentalmente ela foi obra de três grandes figuras.

Vitorino da Silva Araújo (1817-1891), professor do liceu de Leiria, investigador da história leiriense e principal bió­grafo de D. Manuel de Aguiar, publicou a sua obra (121), não só para lembrar aos seus conterrâneos a figura do veneran­do bispo que o povo tanto amara, mas sobretudo para susci­tar os ânimos desconsolados, apresentando-lhes o homem corajoso e batalhador que também tinha feito ressurgir das cinzas a sua diocese, quase completamente destruída, nos terríveis anos de 1808 a 1811.

121. Um bispo segundo Deus ou Memorias para a vida de D. Manuel de Aguiar, J79 Bispo de Leiria, colligidas e coordenadas (1860-1863) e ago­ra dadas à estampa por um filho da extincta diocese, Coimbra, s.d. [1885].

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Mas as fundadas esperanças que se apercebem nas mui­tas respostas recebidas dos prelados portugueses, a quem ofe­receu o seu livro, não foram, porém, suficientes para evitar que tudo se esfumasse, logo que o autor faleceu, no ano de 1891.

O Padre Júlio Pereira Roque, ardoroso jornalista, mais conhecido pelo seu pseudónimo de Jupero (1876-1928), a pro­pósito da sagração episcopal de um ilustre leiriense, D. José Alves de Matos, arcebispo de Mitilene, abriu, no jornal "O Por­tomosense", de 21 de Setembro de 1903, uma campanha en­tusiasta, com um título, que, já por si, dizia tudo: Um alvitre - O Bispado de Leiria. O grito com que terminava, incendiou os ânimos dos leirienses e despertou o país inteiro para a in­justiça que tinha sido a extinção da diocese leiriense e para a urgência de a reparar: ({Avante, pois, e não descansemos; lu­temos com perseverança, lutemos unidos que havemos de ter a vitória". Os ecos dessa campanha ainda se ouviram nos ga­binetes governamentais e até junto do trono do rei.

Mas estava-se precisamente na agonia do regime mo­nárquico. As promessas - se é que foram feitas com since­ridade - depressa foram esquecidas. Dois anos depois, já ninguém falava no assunto.

O Padre José Ferreira de Lacerda (1881-1971), seguin­do as pisadas de Vitorino Araújo, obtendo a preciosa colabo­ração de Jupero e nunca se vergando perante as dificuldades, encetou uma derradeira batalha em 1913. Por ocasião do fa­lecimento do bispo de Coimbra, D. Manuel de Bastos Pina, e considerando que a Lei da Separação de 1911, se tinha pre­judicado gravemente a Igreja em Portugal, também a liber­tara de certas peias, deu novo sinal de arrancada para atingir o objectivo, sempre desejado pelos leirienses: "Res­suscitemos o nosso antigo bispado!".

Os obstáculos e os entraves foram muitos, mas o ardor combativo dos que se associaram de alma e coração, nessa lu­ta - e foram muitíssimos - foi felizmente coroado de êxito,

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ao fim de cinco anos. Ajusta compensação por tão persisten­te empenho ficou exarada logo no início da bula pontifícia de Bento XV, datada de 17 de Janeiro de 1918: "Com tanta vee­mência foi doloroso à Sé Apostólica, quando as circunstân­cias induziram a suprimir no dia trinta de Setembro do ano do Senhor de mil oitocentos e oitenta e um, a Diocese de Lei­ria, em Portugal, a qual Paulo III erigira em vinte e dois de Maio do ano do Senhor de mil e quinhentos a quarenta e cin­co, quanto agora rejubila porque a feição dos tempos lhe per­mite restabelecer aquela Igreja Catedral" (122).

5 - "Revivendo um saudoso passado", vivendo o presente, preparando o futuro

Restaurada a diocese e executada, a 1 de Junho de 1918, a bula respectiva, por parte do Cardeal D. António Mendes Belo, Patriarca de Lisboa, que foi nomeado pelo Papa, admi­nistrador apostólico, ficou-se a aguardar, com justificada ân­cia, a eleição de um bispo próprio. Ainda haviam de passar mais dois longos anos, até que a notícia esperada chegou: a 15 de Maio de 1920, o Dr. José Alves Correia da Silva, cóne­go da Sé do Porto, era nomeado primeiro bispo da diocese restaurada de Leiria e vigésimo terceiro da gloriosa lista que já vinha do século XVI.

5. 1 - D. José Alues Correia da Silva (1920-1957)

É suficientemente conhecida a biografia de D. José. Dão­-se aqui apenas uns breves traços.

122. Bula "Quo vehementius", tradução portuguesa, em Constituições do Bispa­do de Leiria, promulgadas por Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Dom José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, Leiria, 1943, p. XXX

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Nasceu a 15 de Janeiro de 1872, em S. Pedro Fins, con­celho da Maia, diocese do Porto. Depois de cursar estudos preparatórios, em Braga, e filosofia e teologia no Seminário dos Carvalhos, matriculou-se na Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, onde se doutorou em 1897, três anos depois de ter sido ordenado presbítero, a 5 de Agosto de 1894, pelo mesmo Cardela D. Américo que tinha executado a sentença de extinção da diocese de Leiria. Foi professor do Seminário Diocesano e do Liceu do Porto e nomeado cónego em 1905. Dedicou-se intensamente ao movimento católico nortenho, especialmente entre os operários e na imprensa católica.

Nomeado bispo de Leiria, foi sagrado na Sé do Porto, a 25 de Julho de 1920, tomou posse, por procuração, a 4 de Agosto, e entrou festivamente na velha sé leiriense, no dia seguinte. Iniciava-se um longo governo, cheio de aconteci­mentos verdadeiramente significativos, não só para a pró­pria diocese como para o mundo inteiro.

De facto, quando era entregue, em Roma, nos meados de 1917, o processo final para a restauração da diocese de Leiria, dava-se, no seu antigo território, um acontecimento extraordinário: as aparições de Nossa Senhora em Fátima, de 13 de Maio a 13 de Outubro de 1917.

Logo que tomou conta da diocese, D. José interessou-se pelos acontecimentos e logo de início, antes de dar uma de­cisão final, tomou algumas iniciativas que levam a pensar nas suas convicções íntimas, a respeito deles: permissão da celebração da missa na pequena capela, construída pelo po­vo, na Cova da Iria ( 1921), nomeação de uma comissão ca­nónica para averiguação dos factos ( 1922), fundação do mensário "Voz da Fátima" ( 1922), fundação da Pia União dos Servitas ( 1924), regulamentação das peregrinações ( 1925), criação de um posto de verificações médicas ( 1926), constru­ção dos primeiros edifícios para as confissões e albergue dos

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doentes, início da construção da grande igreja de Nossa Se­nhora do Rosário ( 1928), obra dos retiros espirutuais ( 1930).

O reconhecimento da credibilidade das aparições e a au­torização oficial do culto de Nossa Senhora de Fátima, por provisão de D. José, datada de 13 de Outubro de 1930, foi o ponto de arranque para o surgir de um grande Santuário, já designado por "Altar do Mundo", por se ter tornado meta, não apenas dos peregrinos portugueses, que já afluíam ali, desde 1917, mas de tantos outros que, dos quatro cantos do mundo, começaram a surgir, atraídos por uma mensagem, que cada vez mais se reconhecida como dirigida ao mundo inteiro.

Com o 25º aniversário da primeira aparição, ocorrido em 13 de Maio de 1942, coincidindo com igual aniversário da or­denação episcopal do Papa Pio XII, a mensagem de Fátima começava a percorrer o mundo. É D. José que autoriza as pri­meiras saídas da Imagem da Capelinha para fora da Cova da Iria: Lisboa, Alentejo e Algarve, Espanha. É ainda no seu tempo e com o seu patrocínio que se iniciava a primeira fase da maravilhosa viagem de uma outra Imagem - a Virgem Peregrina - pelos caminhos do mundo, entre 194 7 e 1955.

Além da aceitação positiva, por parte dos papas, desde Pio XI, e das peregrinações de dois deles ao Santuário (Paulo VI, em 1967, e João Paulo II, em 1982 e 1991) e de dois car­deais,que também foram eleitos papas (Roncalli, futuro João XXIII, em 1956, e Luciani, futuro João Paulo I, em 1977), de­vem evidenciar-se algumas iniciativas, ligadas às aparições e à mensagem de Fátima, que tiveram um grande alcance, pa­ra a história da Igreja e do Mundo, algumas ainda durante a vida de D. José e outras que se têm verificado nesta segunda metade do século XX: a coroação da Imagem de Nossa Senho­ra de Fátima, em 13 de Maio de 1946, por um legado de Pio XII, precisamente o Cardeal Bento Aloisi Masella, que, de 1913 a 1918, enquanto auditor da Nunciatura de Lisboa, fora o melhor advogado das pretensões dos leirienses, junto da

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Santa Sé, para a restauração da sua diocese; o encerramento do Ano Santo em 1951, por outro legado pontifício; a consagra­ção do Mundo ao Imaculado Coração de Maria, segundo os pe­didos de Nossa Senhora em Fátima, por Pio XII e por João Paulo II, em várias ocasiões, principalmente na Praça de S. Pedro, perante a Imagem da Capelinha das Aparições, a 25 e Março de 1984; a proclamação de um Ano Mariano em 1987--1988, em consonância com mais um aniversário significati­vo de Fátima (70º aniversário das aparições) e com o milenário da Rússia cristã, tão ligada à mesma mensagem.

Duas outras concessões pontifícias têm um significado mais directamente relacionado com a diocese, mas não são menos significativos: o breve pelo qual o Papa João XXIII declarou Nossa Senhora de Fátima, sua padroeira principal, juntamente com Santo Agostinho (13 de Dezembro de 1962), e a bula com que o Papa João Paulo II determinou que a dio­cese passasse a ser designada oficialmente por Leiria-Fáti­ma ( 13 de Maio de 1984).

Voltando à acção pastoral, mais relacionada com a dio­cese, podemos avaliar do seu programa, através de uma sín­tese da saudação e primeira exortação pastoral que dirigiu à sua diocese a 14 de Agosto de 1920 e de uma provisão da mesma data (123).

Depois de uma introdução sobre Jesus Cristo, a Igreja Católica, o Papa, a religião cristã, particularmente em Por­tugal e na diocese de Leiria, legitimamente exultante pela sua restauração, D. José fazia a sua apresentação: "Fomos nós, o mais humilde dos sacerdotes de Jesus Cristo em Por­tugal - aquele a quem o Sumo Pontífice impôs a missão de

123. D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria - Saudação e Primeira Exortação Pastoral dirigida aos seus diocesanos por [ . . .] com uma provi­são, Leiria, 14.08.1920, 14 p.

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ser o primeiro Prelado da diocese restaurada [ . . . ] . Vimos pre­gar-vos a religião dos nossos maiores [ . . . ]. Somos o Ministro de Jesus Cristo. E não há dois Cristos, um dos grandes e ou­tro dos pequenos, um dos ricos e outro dos pobres, um dos sábios e outro dos ignorantes - é o mesmo Cristo de ontem, de hoje, de todos os séculos".

Passa depois a saudar as diversas pessoas e instituições: o clero, os seminaristas, as corporações religiosas, ordens, irmandades, confrarias, simples devoções, as comissões dio­cesanas e paroquiais para a restauração do bispado, os ricos e os pobres, os justos e os pecadores, os que andam afasta­dos da religião (124).

Na provisão, D. José faz várias determinações para a re­gularização dos serviços diocesanos: liturgia, emolumentos, nomeação de consultores, recenseamento do clero, casos re­servados, clero pobre, seminário, e vigararias (125).

A divisão vicarial ficou assim organizada:

- Alpedriz anexa à de Porto de Mós (paróquias de Al­pedriz, Juncal, Nossa Senhora dos Prazeres de Aljubarrota, S. Vicente de Aljubarrota e Pataias);

- Colmeias, criada de novo (Colmeias, S. Simão de Li­tém e Vermoil);

- Leiria (Amor, Arrabal, Azoia, Barosa, Barreira, Ca­ranguejeira, Cortes, Leiria, Maceira, Marinha Grande, Mar­razes, Milagres, Parceiros, Pousos, Regueira de Pontes e Santa Catarina da Serra);

- Monte Real (Carvide, Coimbrão, Monte Real, Monte Redondo, Souto da Carpalhosa e Vieira);

124. Ob. cit., p. 5-8.

125. Ob. cit., p. 11-14.

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- Porto de Mós (Alcaria, Alqueidão da Serra, Alvados, Arrimal, Batalha, Mendiga, Minde, Mira, Reguengo do Fe­tal, S. João e S. Pedro de Porto de Mós e Serro Ventoso);

- Ourém (Espite, Fátima, Freixianda, Olival, Ourém, Rio de Couros, Seiça e Vila Nova de Ourém).

Em 1923, as paróquias da Batalha e do Reguengo do Fe­tal já estavam integradas na vigararia de Alpedriz, a qual, a partir dos meados do ano de 1925, passa a designar-se por vigararia da Batalha. Pelas Constituições Diocesanas de 1943, em vigor desde 1 de Janeiro de 1944, a paróquia de S. Mamede transitou da vigararia de Porto de Mós para a da Batalha e Pataias da vigararia da Batalha para a de Leiria.

Também a divisão paroquial, que já não sofria altera­ções, praticamente desde há um século, foi grandemente mo­dificada, durante o governo pastoral de D. José, com a criação de mais 13 paróquias, precedidas da criação de fre­guesias civis, embora os limites nem sempre sejam coinci­dentes. Damos os seus nomes, datas da criação, e paróquias de que foram desmembradas (126):

- S. Mamede da Serra ( 17.08.1920), desmembrada do Reguengo do Fetal e incluida na vigararia de Porto de Mós;

- Serra de Santo António ( 19.08.1922), de Minde, vig. Porto de Mós;

- Albergaria dos Doze ( 15.05. 1923), de S. Simão de Li­tém, vig. Colmeias;

- Pedreiras (5.08. 1924), de S. João e de S. Pedro de Por­to de Mós, vig. Porto de Mós;

126. Para cada uma das paróquias, cf. jornais "O Mensageiro" (desde 1920) e "A Voz do Domingo" (desde 1933). Um resumo do movimento de criação das novas paróquias, de 1920 a 1964, vem na edição do C o useiro, feita por "O Mensageiro", 1981, p. 311-317.

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- Calvaria (4.02. 1925), de S. João e de S. Pedro de Por­to de Mós e da Batalha, vig. P. Mós;

- Urqueira ( 1.08. 1940), do Olival, vig. Ourém; - Gondemaria (25. 12. 1940, do Olival, Ourém e Vila No-

va de Ourém, vig. Ourém; - S. Eufémea (29.01. 1946), dos Pousos e Caranguejei­

ra, vig. Leiria; - S. Bento (29.01. 1946), de Alvados e de Serro Vento­

so, vig. Porto de Mós; - Boavista (29.01 . 1946), dos Pousos, Marrazes e Col­

meias, vig. Leiria; - Alburitel (29.01. 1946), de Seiça, vig. Ourém; - Caxarias (25. 10. 1949), de Seiça, vig. Ourém; Atou-

guia ( 19.03.1953), de Ourém, vig. Ourém; - Carnide (24.09.1953), de Verrnoil, vig. Colmeias.

A 25 de Março de 1957, foi integrada na diocese de Lei­ria a paróquia de Formigais, do concelho de Ourém, que per­tencera à prelazia de Tornar, desde 1882, e ao Patriarcado de Lisboa, já era servida habitualmente pelo pároco de Rio de Couros (127). Ficou incluída na vigararia de Ourém.

Urna das realizações de maior importância para a vida da nova diocese foi a organização das novas constituições, urgidas pela necessidade de "uniformizar a disciplina con­correndo para a glória de Deus e salvação das almas", depois da promulgação do Código de Direito Canónico ( 1917), Con­cílio Plenário Português ( 1926).

Só no 252 aniversário da restauração foi possível elabo­rar um projecto apresentado ao clero diocesano e debatido em reuniões vicariais com o Prelado. O sínodo diocesano foi

127. A.A.S. 39 (1957) 741-742.

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convocado para o dia 13 de Julho de 1943, precedido por um retiro espiritual de 5 a 9 do mesmo mês. No dia 12 houve reunião, em que foram tomadas em consideração algumas observações. No dia seguinte, foi a celebração solene do sí­nodo propriamente dito, com uma procissão solene, a missa do Espírito Santo, alocução do Prelado, preces preparató­rias, nomeação de diversos cargos da cúria, nomeadamente do primeiro cabido da Diocese restaurada, promulgação das novas constituições para entrarem em vigor a 1 de Janeiro de 1944, Te Deum e reunião do clero.

As constituições divididas em dois livros (Das pessoas, 7 títulos, n2s 1 a 77; Das coisas, 4 títulos, n2s 78 a 301) são moldados sobre as determinações do Código de Direito Ca­nónico e do Concílio Plenário Português, oportunamente ci­tados.

D. José Alves Correia da Silva faleceu a 4 de Dezembro de 1957, no dia em que se perfaziam 40 anos da reunião em que os Cardeais da Congregação Romana dos Negócios Es­trangeiros Extraordinários propunha a restauração da dio­cese de Leiria, que o Papa Bento XV aprovou, de imediato.

O primeiro bispo da diocese restaurada de Leiria, "o bispo de Nossa Senhora", ficou sepultado na capela-mar da igreja do Santuário de Fátima, que ele mandara erguer, em 1928, e fora sagrada a 7 de Maio de 1953 e elevada ao títu­lo de basílica menor, pelo Papa Pio XII, a 12 de Novembro de 1954.

5.2 - D. João Pereira Venâncio (1958-1972-+1985)

Alguns dias depois da elevação da igreja do santuário ao título de basílica, o Papa Pio XII nomeava o cónego Dr. João Pereira Venâncio, de Monte Redondo, diocese de Lei­ria, onde nascera em Fevereiro de 1904 bispo titular de Eu-

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reia no Epiro e auxiliar de D. José Alves Correia da Silva. Foi sagrado na basílica de Fátima, a 8 de Dezembro desse ano de 1954. No dia da morte de D. José, a 4 de Dezembro de 1957, foi eleito vigário capitular e, a 13 de Setembro do ano seguinte, foi nomeado bispo residencial.

D. João Venâncio teve dois grandes objectivos na sua acção pastoral: a renovação da vida diocesana e a maior pro­jecção da mensagem de Fátima (128). O início do seu gover­no episcopal teve a particularidade de coincidir com o anúncio ( 1959) e a realização do 22 concílio ecuménico do Vaticano ( 1962-1965), em que, também participou, tendo ocasião de ouvir da própria boca de Paulo VI, no encerra­mento da 3ª sessão o anúncio da concessão da rosa de ouro ao Santuário de Fátima (21 de Novembro de 1964) e do Car­deal Cerejeira, na véspera do encerramento da 4ª e última sessão, o convite aos padres conciliares para estarem pre­sentes nas comemorações do 502 aniversário das aparições (7 de Dezembro de 1965), não imaginando de que o ponto mais alto dessas comemorações seria precisamente a pri­meira visita de um Papa a Fátima, no próprio dia 13 de Maio de 1967.

Nesse mesmo ano de 1967, a 12 de Fevereiro, recebia co­mo bispo auxiliar D. Domingos de Pinho Brandão, que havia sido eleito bispo titular de Filaca em Dezembro de 1966 e or­denado bispo, a 29 de Janeiro de 1967.

Durante mais de cinco anos, D. Domingos percorreu a diocese inteira, no seu ministério pastoral que também lhe deu oportunidade para satisfazer a sua curiosidade científi­ca, nos domínios da arqueologia e da arte sacra, em que era perito reconhecido, tendo deixado estudos de grande valor,

128. Cf. Saudação Pastoral. Leiria, 8.12.1958, "A Voz do Domingo" 26 (1341) 14 Dez. 1958, p. 1, 4 e 5.

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que ainda hoje são referências seguras, e estando na origem da criação de um museu diocesano.

Foi ainda D. João Venâncio que, precisamente no início da época conciliar, veio a concretizar uma velha aspiração que já vinha do início da diocese restaurada, e que por di­versas vezes tinha sido tentada: a construção de um novo se­minário diocesano, iniciado em 1962, a funcionar desde 1965 e inaugurado solenemente em 1968.

Quatro anos depois, tanto D. João Venâncio como D. Do­mingos Brandão encerram o seu ministério episcopal em Lei­ria. Aceite em 1 de Julho de 1972, o seu pedido de resignação, D. João Venâncio fixou residência no Seminário que havia fundado, até ao dia em que faleceu, a 2 de Agosto de 1985. No mesmo dia, 1 de Julho de 1972, D. Domingos foi nomea­do bispo auxiliar do Porto, sua diocese de origem, e adminis­trador apostólico da diocese de Leiria, até à entrada do novo bispo D. Alberto Cosme do Amaral, em Setembro de 1972. O antigo bispo auxiliar de Leiria veio a falecer a 22 de Agosto de 1988.

Durante o governo episcopal de D. João Venâncio, foram criadas três paróquias:

- Ortigosa ( 13.09. 1964, desmembrada do Souto da Car­palhosa e incluída na vigararia de Monte Real;

- Casal dos Bernardos ( 13 . 12 .1966), da Freixianda, vi­gararia de Ourém;

-Bajouca (02.02.1972, de Monte Redondo, vigararia de Monte Real (129)

.

129. Para as paróquias criadas por D. João Pereira Venâncio, ver os jornais "O Mensageiro" e "A Voz do Domingo", nas datas próximas da criação canóni­ca e, resumidamente, nos aditamentos à 3ª edição do Couseiro, p. 311-317.

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5.3 - D. Alberto Cosme do Amaral (1972-1993- )

No dia 1 de Julho de 1972, o Papa Paulo VI nomeava bispo de Leiria, D. Alberto Cosme do Amaral, que nasceu em Touro, concelho de Vila Nova de Paiva, diocese de Lamego. Tendo sido ordenado presbítero a 13 de Julho de 1939, foi no­meado bispo titular de Tagária e auxiliar do Administrador Apostólico da diocese do Porto, D. Florentino de Andrade e Silva, a 8 de Julho de 1964. A 21 de Agosto de 1969, foi no­meado bispo auxiliar de D. Frei Francisco Rendeiro, bispo de Coimbra. Depois da morte deste, foi nomeado vigário ca­pitular da diocese, a 19 de Maio de 1971. Nomeado bispo de Leiria, tomou posse a 10 de Setembro de 1972 (130).

Do que foi a sua actuação pastoral na diocese de Leiria (desde 1984, Leiria-Fátima), durante 20 anos, ficou um va­lioso testemunho no primeiro número deste órgão oficial da diocese, do qual transcrevemos o seguinte: "Se quisermos ca­racterizar globalmente a sua acção, poderemos fazê-lo com dois termos: palavra e silêncio. O primeiro exprime a sua grande preocupação de ensinar a doutrina cristã a todos os membros da Igreja e de a propor aos outros homans. O se­gundo traduz a dimensão contemplativa, orante, mística, da sua vida: entregue e voltado totalmente para Deus, para ele procurou orientar e conduzir os homens" {131).

Na sequência das orientações pastorais provenientes do concílio e pós-concílio, também a diocese de Leiria procurou acertar o passo. Com as limitações próprias de uma igreja de pequenas dimensões e com uma relativa falta de quadros,

130. D. A. C. Amaral - À Igreja de bens em Leiria - Primeira saudação ­Primeira homilia, Leiria, 1972

131. O antecessor [de D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva]: D. Alberto Cosme do Amaral, em "Leiria-Fátima", Leiria, 1 (1) Jan.-Abr. 1993, p. 2 1-22.

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tanto ao nível sacerdotal como laical, fez-se algum esforço nesse sentido. Desse esforço é retrato o estudo elaborado pe­la vigararia episcopal para a coordenação pastoral sobre as estruturas, serviços e movimentos diocesanos, dividido em três partes: "a primeira diz respeito às estruturas de gover­no, administração e consulta, bem como as duas instituições particularmente importantes na Diocese (o Seminário e o Santuário de Fátima); a segunda trata dos serviços pasto­rais que podem ser considerados executivos da Pastoral Dio­cesana nos seus diversos sectores vitais; a terceira apresenta os movimentos de espiritualidade e de apostolado existen­tes na diocese" (132).

No princípio do ano de 1976, depois de reflexão no Con­selho Presbiteral e nas reuniãos vicariais, foi profundamen­te alterada a divisão vicarial:

- Batalha (Aljubarrota (Prazeres e S. Vicente), Alpe­driz, Batalha, Calvaria, Juncal, Reguengo do Fetal);

- Caxarias (Casal dos Bernardos, Caxarias, Formigais, Freixianda, Rio de Couros e Urqueira);

- Colmeias (Albergaria dos Doze, Carnide, Colmeias, Espite, São Simão de Litém e Vermoíl);

- Fátima (Atouguia, Fátima, Santa Catarina da Ser­ra, São Mamede da Serra);

- Leiria (Azoia, Barosa, Barreira, Cortes, Leiria, Mar­razes, Parceiros e Pousos);

- Marinha Grande (Maceira, Marinha Grande e Pa­taias);

132. Nota: Vigararia Episcopal para a Coordenação Pastoral - Diocese de Leiria - Estruturas de governo e consulta; serviços pastorais diocesa­nos; movimentos de espiritualidade; movimentos de apostolado, Leiria, 1979, p. 1.

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- Milagres (Amor, Arrabal, Boavista, Caranguejeira, Milagres, Regueira de Pontes, Santa Eufémea);

- Monte Real (Bajouca, Carvide, Coimbrão, Monte Real, Monte Redondo, Ortigosa, Souto da Carpalhosa, Viei­ra de Leiria);

- Ourém (Alburitel, Gondemaria, Olival, Ourém, Sei­ça, Vila Nova de Ourém);

- Porto de Mós (Alcaria, Alqueidão da Serra, Alvados, Arrimal, Mendiga, Minde, Mira de Aire, Pedreiras, Porto de Mós (S. João e S. Pedro), São Bento, Serra de S. António, Serro Ventoso).

Durante o governo episcopal de D. Alberto Cosme do Amaral, foram criadas as seguintes cinco paróquias:

- Meirinhas (24.04. 1986, desmembrada de Vermoil e incluída na vigararia das Colmeias {133);

- Cereal (03.01. 1993, de Espite e Olival, vigararia das Colmeias;

- Matas (03.01. 1993, de Espite, vigararia das Col­meias;

- Bidoeira (03.01. 1993), dos Milagres, vigararia dos Mi­lagres;

- Memória (03 .01 . 1993, das Colmeias, vigararia das Colmeias (134).

O Santo Padre João Paulo II, aceitou, a 3 de Fevereiro de 1993, o pedido de renúncia do Sr. D . Alberto, feito em de­vido tempo, segundo as normas canónicas. D. Alberto Cosme

133. "A Voz do Domingo", 54(2762) 27 Abr. 1986, p. 6.

134. Para as quatro paróquias, criadas a 3 de Janeiro de 1993, ver: "Leiria­-Fátima" - Órgão Oficial da Diocese, 1 (1) Jan.-Abr. 1993, p.39-45.

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do Amaral fixou residência no Santuário de Fátima, onde re­cebera, por duas vezes, o Santo Padre João Paulo II, como pe­regrino. Embora desligado das responsabilidades directas da pastoral diocesana, a nível geral, continua disponível no serviço pastoral do Santuário de Fátima, dando apoio precio­so no ministério da reconciliação, na oração silenciosa, e fre­quentemente na presidência das concelebrações eucarísticas das grandes peregrinações.

5.4 -D. Serafim de Sousa Ferreira e Sousa (1993- )

De acordo com as determinações do Código de Direito Canónico, aceite a renúncia de D. Alberto Cosme do Ama­ral, assumiu as funções de bispo residencial o Sr. D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, a 2 de Fevereiro de 1993.

Nasceu em Santa Maria de Avioso, concelho da Maia, diocese do Porto, em 1930. Foi ordenado sacerdote na Sé do Porto, em 1 de Agosto de 1954. Licenciou-se em Direito Ca­nónico na Pontifícia Universidade de Roma. De regresso a Portugal, foi professor no seminário diocesano do Porto, di­rector do jornal "Voz Portucalense", fundador e director da revista de actualidade cultural "Síntese", que ainda hoje se publica. Foi assistente nacional da Acção Católica e secretá­rio da Conferência Episcopal Portuguesa.

Em 1979, foi nomeado bispo titular de Lemellefa e au­xiliar do arcebispo de Braga, sendo ordenado na cripta do Imaculado Coração de Maria, do Santuário de Nossa Se­nhora do Sameiro, em 16 de Junho de 1979. Em 1981, foi transferido para bispo auxiliar do Patriarca de Lisboa, on­de foi responsável particularmente da região pastoral do Oeste. Em Maio de 1987, foi nomeado coadjutor da diocese de Leiria-Fátima, entrando na Sé de Leiria, a 2 de Agosto do mesmo ano.

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Do programa da sua acção episcopal, como bispo resi­dencial, já ficaram apontados os tópicos principais no pri­meiro número e seguintes do boletim oficial da diocese "Leiria-Fátima", que foi restaurado, por decreto seu de 29 de Abril de 1993: promulgação do "Estatuto Económico do Clero", do "Regulamento da Administração de Bens da Igreja na Diocese de Leiria", restauração pastoral dos cen­tros urbanos de Leiria e Marinha Grande, dinamização dos serviços diocesanos, educação cristã da juventude, dinami­zação da comunicação social da diocese, da pastoral de Fá­tima, diálogo e cooperação com as instituições sociais e culturais (135).

No encerramento da peregrinação diocesana ao Santuá­rio de Fátima, a 2 de Abril de 1995, D. Serafim de Sousa Fer­reira e Silva, actual bispo de Leiria-Fátima, fez a abertura solene do quarto sínodo diocesano, publicando para o efeito, com data do mesmo dia, uma carta pastoral intitulada "Uni­dos no caminho da esperança".

Conclusão

Actualmente, a diocese de Leiria-Fátima tem uma po­pulação de cerca de 250 mil habitantes, repartidos por 10 vigariarias e 73 paróquias e o Santuário de Fátima com ju­risdição paroquial, numa superfície de 1. 700 quilómetros quadrados.

A diocese conta, no seu historial, 25 bispos residen­ciais. Houve quatro bispos eleitos que não chegaram a go­vernar a diocese; três administradores apostólicos (D. Miguel da Anunciação, bispo de Coimbra, 17 42-17 46, D.

135. " Leiria-Fátima" 1 (1) Jan.-Abr. 1993, p. 20; 1 (3) Set.-Dez. 1993, p. 165-196.

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António Mendes Belo, patriarca de Lisboa, 1918-1920 e D. Domingos de Pinho Brandão, 1972); dois bispos coadjuto­res, que ascenderam a bispos residenciais (D. Frei João de Nossa Senhora da Porta, 1745-1746, e D. Serafim de Sou­sa Ferreira e Silva, 1987-1993) ; dois bispos auxiliares (D. João Pereira Venâncio, 1954-1958, e D. Domingos de Pi­nho Brandão, 1966-1972).

Durante o período da extinção ( 1882-1918), as duas partes da diocese de Leiria, repartidas pelas dioceses de Coimbra e de Lisboa, foram governadas respectivamente por dois bispos de Coimbra (D. Manuel de Bastos Pina, 1882-1913, e D. Manuel Luís Coelho da Silva, 1915-1918) e três cardeais patriarcas de Lisboa (D. Inácio do Nascimento Morais Cardoso, 1882-1883; D. José Sebastião Neto, 1883- 1907; D . António Mendes Belo, 1907-19 18) .

No governo de D. Alberto Cosme do Amaral, houve dois vigários episcopais: Pe. Horácio Coelho Cristino, vi­gário episcopal para a coordenação pastoral, o qual, a 20 de Agosto de 1987, foi nomeado bispo titular de Drusilia­na e auxiliar do Cardeal Patriarca de Lisboa, ordenado a 15 de Novembro do mesmo ano, na Capelinha das Apari­ções de Fátima, falecido inesperadamente a 8 de Maio de 1995; e o P. Augusto Ascenso Pascoal, vigário episcopal para a cultura.

Três bispos leirienses participaram em concílios ecumé­nicos: no de Trento, D. Frei Gaspar do Casal (1562-1563); no do Vaticano II, D. João Pereira Venâncio ( 1962-1965) e D. Alberto Cosme do Amaral (1964-1965).

No dia 22 de Maio de 1995, celebrou-se solenemente o 4502 aniversário da criação da diocese e da elevação da vi­la de Leiria a cidade, tendo como ponto principal a conce­lebração eucarística na primeira catedral leiriense, a Igreja

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DA VIGARARIA CRÚZIAÀ DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA

de Nossa Senhora da Pena, no castelo de Leiria, presidida por D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva e concelebrada pe­lo Cardeal Patriarca, D. António Ribeiro, metropolita da Província Eclesiástica de Lisboa, D. Eduardo Rovida, Nún­cio Apostólico em Portugal, D. Alberto Cosme do Amaral, bispo emérito de Leiria-Fátima, D. António Francisco Mar­ques, bispo de Santarém, e D . António dos Reis Rodrigues, bispo auxiliar e vigário geral do Patriarcado, os dois últimos naturais da diocese de Leiria, D. António José Ra­fael, Bispo de Bragança e Miranda, esta última diocese, criada no mesmo dia 22 de Maio de 1545, Mons. Manuel Leal Pedrosa, vigário geral da Diocese de Coimbra, na au­sência do Bispo D. João Alves.

Concelebraram também algumas dezenas de sacerdotes da diocese de Leiria-Fátima, do clero diocesano e regular. Estiveram presentes algumas centenas de fiéis, vindos de toda a diocese.

Outros actos assinalaram esta efeméride gloriosa, no­meadamente uma sessão solene nos Paços do Concelho da cidade de Leiria, o descerramento de uma lápide toponími­ca numa rua da cidade, dedicada a D. Frei Brás de Barros, e um concerto musical na igreja românica de S. Pedro.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI e)

Saul António Gomes

1 - A formação da população de Leiria.

A fixação populacional junto do Castelo de Leiria não parou de crescer desde o momento da fundação deste, em 1135 (2). O fenómeno é atestado pela evolução da fisionomia urbana da cidade (8), pelo levantamento de três núcleos amu­ralhados, pela própria multiplicação do número das paró­quias urbanas e rurais (4) e pela instalação nos arredores da urbe de 1230 de um convento franciscano (5). É muito prová­vel, seguindo uma linha interpretativa exposta por José Mat­toso, que até 114 7 a população residente em Leiria fosse primordialmente constituída por gente de armas, prepara­da para o exercício da guerra, em ataque ou em defesa, no espaço envolvente da fortaleza leiriense (6). Mas depois da­quela data, torna-se inegável uma paz mais duradoura no espaço leirenense, garantida pela aquisição de Santarém e de Lisboa por D. Afonso Henriques, permitindo-se, assim, a proliferação de núcleos de povoamento pelo território do va­le do Lis e a consequente exploração agrária desses Zoei (1).

Aos poucos, aliás, uma economia urbana predominantemen­te marcada pela proximidade muçulmana, economia que po­deremos classificar como de fronteira (onde a principal riqueza advém da guerra, dos fossados e pilhagens em ter­ritórios não cristãos), passa a definir-se mais por um carác­ter agrário e comercial.

Um esforço que poderemos classificar como "propedêu­tico" desta outra fisionomia económico-social de Leiria é atestado pelo foral de 1142 (8). Independentemente dos pro-

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

blémas do domínio institucional que levanta, a carta de fo­ral outorgada aos moradores de Leiria quase pode ser clas­sificada como um diploma instituidor de uma zona económica franca, livre da multiplicidade de impostos régios ou senhoriais que vigoravam noutros centros concelhios. As regalias nela instituídas para os mercadores leirienses e pa­ra aqueloutros oriundos do exterior que aqui quisessem vir comerciar, não podem entender-se como simples auxílio a um grupo de risco em tempo de guerra, em que a circulação dos produtos era rodeada pela insegurança dos caminhos. As isenções de pagamento de portagem para produtos como pão e vinho estabelecidas no foral, justificar-se-ão não apenas pela intencionalidade régia de prover à fixação de agentes comerciais em Leiria, como sobretudo pela noção política evi­dente da necessidade de sustentar o esforço colonizador das terras leirienses, obtido pela fixação local de uma população que se pretendia fosse sempre crescente, a qual, no entanto, não conseguia nas décadas de 1130 e 1140 garantir todos os abastecimentos de géneros e produtos necessários ao seu

' quotidiano. Daí a insistência nas isenções aos mercadores que aqui trouxessem cereal e vinho, alimentos basilares no dia-a-dia do homem medieval, fosse qual fosse a sua posi­ção social. Daí, pois, a isenção de portagem a todos os mer­cadores estabelecidos em Leiria que necessitassem de procurar "in terra regis" os produtos reclamados pela popu­lação. O abastecimento de pão e vinho aos primeiros leirien­ses deve ter ocupado o primeiro lugar no trato dos mercadores vilãos ou mesmo dos estranhos. Por isso, as dis­posições relativas ao povoamento das herdades se sucedem quase imediatamente após as cláusulas de foro guerreiro­-militar (respeitantes aos cavaleiros, às suas casas, ao por­te de armas, aos homens serviçais dos milites, aos fossados e ao quinto do rei, às medidas consignadas e coercitivas con­tra actos de violência), impondo-se a isenção de foros para

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

cavaleiros, os tributos para os peões e os lavradores que as possuissem. A estas sucedem-se as cláusulas sobre activida­des recolectoras (caça grossa (refere-se aos monteiros de azagua que matassem veados) e miúda (caso dos coelheiras e dos meleiros)) e piscatórias.

Será neste contexto, aliás, que se compreende que aos pei­xeiros de fora da vila, que a ela viessem vender os seus pro­dutos, apenas pagassem por carga de besta, dois peixes, e por carga de peão, um peixe. Imposição convidativa para que fo­rasteiros frequentassem o comércio local, para que se deixas­sem atrair, certamente, pela riqueza piscícola dos veios de água leirienses, certamente pródigos na oferta de peixe doce tão do agrado da mesa do homem de então. Mas ao peixeiro que se "naturalizasse", exigir-se-ía a décima parte do que ne­gociasse, estipêndio bem mais gravoso que parece indicar que a pesca, na região, era fértil e abundante, suficientemente pa­ra que o monarca não tenha hesitado em taxá-la em 10%.

Finalmente, regulamentam-se, no foral, os aspectos re­lativos à urbanidade atendentes às disputas entre os mora­dores e entre estes e gente de fora, às distinções entre os "milites de natura", os "naturais" da vila e aqueles que o não eram, à atalaia da vila, aos espaços de justiça, em particu­lar à zona da paz urbana, entre Palácio Randulfo (S. Sebas­tião de Freixo, fregª Barreira) e a Ponte Coimbrã na qual, simbolicamente, se julgaria publicamente as contendas que opusessem leirienses a "estrangeiros".

O foral de 1142 é, assim, uma certidão para viabilizar e regulamentar de um modo mais ou menos vigiado e cuidado o crescimento populacional da vila e as respectivas relações sociais daí resultantes, sector especialmente significativo na vida de uma terra recentemente fundada, lugar de encon-

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

tros de gentes à época muito desenraízadas, com origens geo­-sociais muito díspares e com finalidades de vida igualmen­te muito diferenciadas.

Mas quais eram as origens dos primeiros povoadores?

Partindo dos elementos documentais compulsados, po­demos tentar estabelecer um quadro no domínio das origens geo-culturais desses primeiros povoadores. Partiremos fun­damentalmente da onomástica para conseguir detectar as estruturas que definiram a formação da população local. A fim de encontrar possíveis e naturais oscilações nesses ri­tmos demográfico-migracionais e, simultaneamente, obter uma imagem realmente significativa ou estrutural, dividi­mos a nossa análise em três períodos distintos. No final do último deles, aliás, tornar-se-á inegável que Leiria de há muito se encontrava identificada.

Uma análise deste prisma levanta, obviamente, proble­mas metodológicos, o que outros autores postos perante si­.tuações algo semelhantes já apontaram e esclareceram, não inovando nós coisa alguma neste domínio (9). Baseámos es­te excurso analítico em 148 documentos referentes a Leiria, vila e região, de uma forma mais ou menos directa, cronolo­gicamente posicionados entre 1139 e 1300. Para este perío­do, refira-se, trata-se praticamente do número quase total de diplomas particulares e públicos que conhecemos relacio­nados com Leiria (1°).

Tendo em atenção que entre os inúmeros homónimos apenas contámos por uma vez aqueles que pudemos identi­ficar como sendo da mesma pessoa, resta ainda assim um global de 1202 nomes que permitem caracterizar, dentro do possível, a população leiriense nos primeiros cento e cinquen­ta anos de existência.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XJI AO XVI

As ocorrências de antropónimos podem dividir-se gros­so modo em oito classes consoante a sua origem etimológi­ca. Ternos, assim sendo, um grupo de nomes plenamente visigodos ou germânicos (v.g. Afonso, Beringuela, Errnígio, Fernando, Froia, Gonçalo, Gomes, Guntina, Mendo, Mo­nio/Moniz, Senderniro, entre os mais característicos e co­muns); um outro derivado deste mas associado a étirnos puramente latinos (são frequentes os Paio(s) Gonçalves; Pe­dras/Feros Mendes, Joãos Afonsos, Diogos Gomes, Afonsos Eanes); um terceiro grupo de nomes (constituídos pelo no­me próprio mais patronímico ou apelido) exclusivamente la­tinos (ou de origem grega e hebraica mas introduzidos na língua através do latim) onde ocorrem inúmeros Paios, Fe­ros, Martinhos, Diogos, Domingos, Miguéis, Joãos, Marias, Estêvãos e, ainda, Soeiros (11).

Há também um grupo de nomes latino-hispânicos de menor ocorrência, denunciados pelos patronírnicos Guterres, Anaias, Nunes, Vasques (e as respectivas formas nominati­vas). Hispânicos são também os nomes Urraca e Sancha/o, tão do agrado da realeza. Discute-se ainda hoje se Moniz se­rá exclusivamente germânico se, noutra linha, não se trata­rá de um vocábulo ibérico (12). Englobámos ainda neste grupo todos os nomes latinos com elemento associado que indique urna origem geográfica ibérica, podendo referir-se inúmeros Galegos, um "Aragões" (= Aragonês?), um "Badalhouce", um de "Burgos", para além de outros corno "Cogornbero", "Agu­ria" (basco?), "Menaz", "Cheisola", "Layas", "Lamelas", "Lam­bas" e "Fiães".

Grupos de menor peso são os de nomes rnuçulanos (0,4%), moçárabes (0,4%), judaicos (0,6%) e alguns nomes de origem obscura mas provavelmente com raízes centro-euro­peias, de Alérn-Pirinéus.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

ANTROPONÍMIA DA POPULAÇÃO DE LEIRIA ENTRE 1139 E 1300

Antropónimos 1130- 1201- 1251--1200 -1250 -1300 Total %

Visigodos 29 27 22 78 6,4 Latino-visigodos 28 76 125 229 19 Latinos 80 2 17 5 19 816 67,8 Latino-hispânicos 8 8 18 34 2,8 Muçulmanos 2 1 2 5 0,4 Moçárabes 3 1 1 5 0,4 Judaicos - 1 7 8 0,6 Estrangeiros e obscuros 1 3 23 27 2,2

Total 151 334 7 17 1202 99 % 12,56 27,78 59,65 99 99

Os nomes mais representativos têm uma origem civili­zacional latina. Seja no século XII como na centúria seguin­te, a sua hegemonia é uma realidade inegável. E é-o ainda mais quando os étimos visigodos associados a elementos la­tinos representam 19% e os hispano-latinos 2,8%. Estes dois núcleos somados aos nomes latinos atingem um valor de 89,6%. Torna-se, assim sendo, um facto significativo que não poderemos deixar de opor aos índices mínimos de antropó­nimos relacionados com o espaço meridional peninsular, so­bretudo no que respeita ao mundo muçulmano e moçárabe.

Qualquer que seja o período considerado, a realidade es­tatística oferece-nos como preponderantes os agentes cultu­rais sediados a norte (v.g. visigodos, latino-visigodos, latinos e latino-hispânicos) com 96% na textura antroponímica lei-

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renense. Isto demonstra claramente que as origens sociais do povoamento na região residem no norte expansionista e não num núcleo populacional pré-estabelecido, anterior a 1135, que, a acontecer, teria de se revelar através dum índice mais significativo de antropónimos árabes ou hispano-árabes (13).

Os antropónimos muçulmanos registados são em núme­ro reduzido e os que se detectam respeitam a escravos (v.g. Negemee, Zeynam, Miriame) ou a indivíduos cujo estrato so­cial é de difícil apreensão, caso de um "M. Sarracem" (se é que o devemos classificar como muçulmano), ou, ainda, a pes­soas com nome latino-cristão e apelido árabe, como Pedro Al­feraz e Paio Alferaz ou um tal Pero Martins Zoleimã (14). Não importará, neste caso, uma distinção radical entre ser-se pu­ramente árabe ou apenas de nome latino-cristão. Interessa sublinhar a envolvência muçulmana que caracteriza os seus apelidos ainda que, na maior parte, possamos estar mais per­to de moçárabes do que de sarracenos ou mouros (15).

Entre os nitidamente moçárabes cumpre citar Randul­fo Soleimas - que creio ser um dos principais proprietários na vila sendo porventura do seu nome que saiu o topónimo Palácio Randulfo (16) - que testemunha no foral de Leiria de 1142 e, talvez, Toda Gremias, Marina Gremia, Paio Mou­ro e Pero Mouro. Os já citados Pero Alferaz e Paio Alferaz po­derão ser igualmente moçárabes (17). Destes dados, o que se poderá adiantar sobre os estratos populacionais muçulma­no e moçárabe em terras leirienses é algo reduzido. Quanto aos mouros, a sua posição é normalmente baixa, pertencen­do os antropónimos encontrados, na maioria, a escravos. Já os moçárabes aparecem entre os proprietários urbanos e ru­rais, testemunhando até entre diversos homens bons leirien­ses em actos notariais e judiciais.

A fixação de elementos judaicos em Leiria não é anóma­la. O primeiro nome conhecido é o de "Jucefe de Leiriena", em 1219, mas a judiaria local deve ter os seus inícios ainda

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no século XII, integrando-se o seu aparecimento no contex­to pós-fundacional leiriense. A presença judaica em Leiria cresceu ao longo de Duzentos, atingindo o culminar somen­te em finais do século XV. A especialização da maioria dos ju­deus leirienses no domínio dos mesteres, do comércio, e dos serviços como prestamistas ou físicos, revelou-se do maior significado na história da cidade (18) .

Os nomes hispânicos têm alguma importância, não tan­to por permitirem comprovar origens remotas de povoamen­to local pré-afonsino, - de facto não consentem tal tese uma vez que são oriundos quase todos de Coimbra - mas antes por identificarem elementos de grupos geracionalmente re­lacionados com a Ibéria. Nomes como os de Paio Guterres, Fernando Guterres e Nuno Guterres revelam uma caracte­rística etimológica hispânica. O mesmo se aplica a Martim e João Anaia, ou, ainda, a João Eitas, cujos patronímicos são classificáveis como bascos. Os nomes como Nuno (Nuno Gu­terres e Pero Nunes), Vasco, Urraca, Sancho e Buquis têm a sua origem na Península (19) .

Estes elementos como os Guterres e os Anaias são de um grupo social elevado, relacionados com a corte régia e com as suas políticas de expansão e colonização territoriais. Paio Gu­terres foi o primeiro alcaide de Leiria, podendo sugerir-se a hipótese de ser Paio Guterres da Silva II, correlação que, aliás, as fontes diplomáticas não infirmam. Martim Anaia foi proprietário em Palácio Randulfo (Leiria), enquanto seu ir­mão, João Anaia, prior da Sé de Coimbra até 1147 e, desde es­ta data, bispo da mesma cidade, foi o fundador da primeira igreja em Leiria (2°). Estes factos situam-nos, de algum mo­do, no grupo dos promotores e responsáveis pela organização local nos níveis mais diversos desde a chefia militar, à pro­priedade e à assistência religiosa. Por outro lado, a sua iden­tificação permite confirmar, uma vez mais, o centro social e geográfico de origem e comando do povoamento leiriense.

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Embora a um outro nível, há que considerar o papel de­sempenhado por povoadores de fora do Reino na organização da comunidade leiriense. Encontramos, em primeiro lugar, inúmeros galegos e castelhano-leoneses, alguns aragoneses e mesmo biscainhos. Entre aqueles, enumeramos os nomes de Galiguina, Pero Oueci, Martim Martins Badalhouce, Do­mingos Domingues Cogombero, Fernando Galego, Estêvão Lamelas, João Galego, Martim Martins Galego, Pedro Gale­go Ourado, Estêvão Peres Lambas, Pedro Fiãez, Martim Me­naz, Domingos Martins Cheisola, Martim Galego e seu irmão Saborido, Domingos Galego e João da Sarrana, num perío­do cronológico que se baliza entre 1233 e 1289. Entre os his­pânicos citaremos também D. Sancho Aragões (= Aragonês?) ( 1226), Gonçalo Martins de Burgos (1231), Pero Mendes Agu­ria, de provável origem basca, homem de João Saído, rico proprietário leiriense (21).

POPULAÇÃO DE LEIRIA COM INDICAÇÃO DE ORIGEM

DATA NOME COTA

+ 50 Km. 1180 Martim Guimarães ANTI - St1 Cruz de Coimbra, 1180 Andreas Guimarães 1', mQ 15, nQ27. 1189 Paio de Aguiar Id., ibidem, mQ 12, nQ 19 1189 Mendo de Alantes ld., ib., mQ 12, nQ 22 1210 *Martim de Guimarães Id., ib., mQ 15, nQ 26 1213 Pedro de Sintra 1219 João Barrantes de ld., Alcob., Dourados, 3, fl. 51 vº,

Guimarães nQ 96 1226 Pero Gonçalves de ld., ib., 3, fls. 54-vº, nQ 125

Numães 1226 Pero Rodrigues de Id., ibidem

Pereira 1228 Pero Gostez (?) Id., ib., mQ 5, nQ 12.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

POPULAÇÃO DE LEIRIA COM INDICAÇÃO DE ORIGEM

DATA NOME COTA

+ 50 Km. 1229 Martim Horiz Id., ib., m2 5, n2 17 1231 Pero Eanes de Óbidos Id., ib., Dourados, 3, fi. 54� 1233 Gonçalo Gonçalves de Id., Gavetas, VIII, m2 1, n2 14.

Lisboa 1233 Soeiro Eanes de Tendeira Id., Sé de Coimbra, m2 12, nº21 1249 Martinho Peres de Id., Alcobaça, m2 7, n2 37

Vizela 1252 Rodrigo Martins da Maia Id., ib., mº 8, nº 16 1252 Martim Eanes de Id., ib.

Lousada 1253 Gonçalo Modorro (?) Id., ib., Dourados, 3, 11. 53�, n2 101 1253 S. Goraz Id., ib. 1255 D. Martim Fernandes ld., ib., mº 8, nº 32

de Podentes 1255 João Cerzim ld., ib. 1255 João de Mourigo Id., ib. 1256 D. Paio Peres de Lisboa Id., ib., mº 9, nº 4 1256 João Domingues de ld., ib.

Alenquer 1256 Mendo de Vizela Id., ib. 1256 *João Óriz Id., ib., m2 9, nº 3 1256 João Gonçalves de Elvas Id., ib., m2 12, n2 13 1257 Gregório Mendes de Id., Sé de Coimbra, m2 15, n2 34

Óbidos 1257 Domingos Lisboa Id., ib. 1257 D. Sancha de Óbidos ld., ib. 1257 João Franco de Abrantes ld., id. 1257 Urraca de Coimbra Id., ib. 1262 Martim Senas ld., Alcobaça, 211., m2 32, n2 808 (4) 1262 Domingos Mendes de ld., ib.

Soeiro 1262 Martim Vilela ld., ib.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

POPULAÇÃO DE LEIRIA COM INDICAÇÃO DE ORIGEM

DATA NOME COTA

+ 50 Km. 1264 João Peres Vilela Id., Gavetas, VII, m2 6, n2 4 1266 Pero Mendes de Vouga Id., Alcob., m2 11, nº 21. 1268 Martim Figueiró Id., Chanc. D. Afonso III, 1, fls. 88-vº 1268 João de Sarrana Id., ib. 1268 D. Barelos (=Barrelos?) Id., ib. 1268 Domingos Carquenho Id., ib. 1268 João Baso Id., ib. 1271 João Domingues de Id., Alcob., 2a, mº 5, n2 136 (1)

Olario (=Oleiro ?) 1271 Gil de Viseu Id., Alcobaça, m2 13, n2 10 1279 João Domingues de Id., ib., mº 16, nº 29

Vermui 1283 Pedro de Aguiar Id., ib., m2 17, nº 8 1294 Domingos Vicente Id., ib., mº 19, n2 52

Varela 1296 João Peres de Vouga Id., Sé de Coimbra, 2ª, n2 3874 1296 João Peres de Vilarinho Id., ib. 1297 *Martim Martins de Id., Chanc. D. Dinis, 2, fl. 140

Podentes

- 50 Km. 1189 D. Afonso de Colmeias Id., sta Cruz Cb�, m2 12, n219 1189 Martim de Agodim Id., ib., m2 12, n225. 1226 Pedro Zofro de Leiria Id., Alcob., Dourados, 3, fls. 54vº 1226 Mateus Bucas de Pombal Id., ib. 1226 Domingos Anelio de Id., ib.

Leiria 1229 Maria Nunes de Id., Alcobaça, m2 5, n2 17.

Cornaga 1229 Estêvão Tinia Id., ib.

(da Pederneira) 1229 João Eanes de Leiria Id., ib. 1253 Martim Palumbario Id., Alcob., Dourados, 3, fl. 53vº

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

POPULAÇÃO DE LEIRIA COM INDICAÇÃO DE ORIGEM

DATA NOME COTA

- 50 Km. 1253 João Fernandes de Id., ib. Alpedriz

1254 Gil Peres de Soure ld., Alcobaça, ma 8, na 31 1254 Gonçalo Eanes de Soure ld., ib. 1257 Domingos Peres de Id., Sé de Coimbra, m2 15, nº 34

Espite 1257 João Fernandes da ld., ib.

Pederneira 1262 Pero de Aletem (Litém) AUC - Stll Cruz de Coimbra, Illll,

111 D, E-10, Tab. 5, n2 39 1262 Gonsaluino da ANTT - Stª Cruz Cb11, m2 20, n2 12

Pederneira 1264 João Peres de Soure ld., Alcobaça, mº 11, n2 14 1270 João de Leiria Id., ib, 211, m2 64, n2 1 1282 Domingos Pais das Id., ib., Dourados, 3, fls. 59v2

Cortes 1283 Domingos Domingues Id., ib., m2 17, nº 8

da Arroteia 1286 Vicente Vicente Id., ib., m2 18, n2 31

da Ranha 1288 Lourenço Peres de Oliveira Guimarães, Documentos

Porto de Mós Inéditos do Mosteiro de S. Salva-dor do Souto, p. 89

1291 Pero Pais de Pombal ANTT- Alcobaça, m219, n2 17 1292 João Esteves do Vidigal Id., ib., m2 19, n2 24 1292 João Martins da Id., ib.

V estiaria 1293 João Peres do Freixo Id., Stll Cruz de Coimbra, 211, m2 18,

"Alm.34, mº1, nº10"

* - Prováveis homonímias.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO Xll AO XVI

MAPAS 1 e 2: ORIGENS IMIGRACIONAIS EM LEIRIA (1135-1300).

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

Entre os étimos designativos de localidades ou espaços regionais portugueses, encontramos oitenta e três indicações. Destas, cinquenta e uma correspondem a origens acima de um raio de cinquenta quilómetros de Leiria, referindo-se as res­tantes a locais sediados dentro do concelho. A sul de Leiria, os únicos centros de que se registam imigrações (embora seja di­fícil defini-las como temporárias ou definitivas) são Sintra (1213), Óbidos ( 1231), Lisboa ( 1233), Alenquer (1256), Elvas ( 1256) e Abrantes ( 1257). Nas terras setentrionais citam-se Guimarães (1180), Aguiar ( 1189), Barrantes (c. Guimarães ?) ( 1219), Maia (1220), Numães (1226), Pereira 81226), Gostez (= Gostei ?, c. Bragança ou norte do País) ( 1228), Lousada (1252), Podentes ( 1255), Cerzim (1255), Mourigo (1255), Vize­la ( 1256), Oriz (= Roriz ?) ( 1256), Coimbra ( 1257), Soeiro (1262), Vilela ( 1262), Vouga ( 1266), Figueiró ( 1268), Sarrana (1268), Barelos (= Barrelos?) (1268), Casquenho (= Casqueiro ?) ( 1268), Baço (c. Guimarães) ( 1268), Olario ( = Oleiro(s)) ( 1271), Viseu ( 1271), Aguiar ( 1283), Varela 81294), Vouga ( 1296), Vilarinho (1296), Podentes ( 1297).

Como afirmámos, a esmagadora maioria dos povoadores deriva de um horizonte geo-cultural que se pode classificar como nortenho. Os elementos apostos ao nome, indiciadores de proveniência, confirmam esse quadro tanto no caso geral da onomástica hispânica como no da portuguesa. O último grupo de povoadores, alguns de difícil localização dado o her­metismo etimológico dos seus nomes individualizadores, te­rá de localizar-se em Além-Pirinéus (França, Itália e mesmo Grécia) ou, porventura, em regiões norte-europeias.

Consideraremos francos PedroArdovines ( 1166), PeroAl­bereus ( = Albéric ?) ( 1217), Martinho Senas e Pedro Seno (1262), D. Raimundo (1262), Gil Madrom (1264), Pedro Acroi e Domingos Citolevã (1259), Domingos Eanes Fraque ( 1274), Domingos Eanes Çavadam (1287), Palazim (= Paris ?) ( 1291) e Gonçalo Marcam (= Marçam ?) ( 1300) (22) .

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

Poderá atribuir-se uma origem na região dos Pirinéus centrais a Pero Vermudes ( 1189), e anglo-saxónica a Mer­chião ( 1189). Relacionados com a Itália encontraremos João Treba ( 1226) ( 1226), Etêvão Tinia da Pederneira (1229), bem como Florença Martins, filha de Martim Bobo ( 1298) (23). Gregos também se terão fixado na Leiria ducentista. Casos de Nicolau Grego e de seu irmão Domingos Eanes Nízara ( 1262), de Martim Fereno ( 1268) e de Pedro Betom ( 1270). As imigrações de gregos para a Península Ibérica não são in­comuns no século XIII. Verificaram-se mesmo a nível dos es­tratos sociais da alta-nobreza. O exemplo de D. Vataça Lascaris, entre nós, é o mais significatico (24).

Apesar do pauperismo documental com que trabalha­mos, e donde colhemos os dados em análise, há que sublinhar o carácter algo tardio das imigrações franca, italiana ou gre­ga em terras leirienses. De facto, a maior parte das referên­cias data do século XIII tendo de inserir-se numa fase de maturação do povoamento local, que não na inicial.

É provável que muitos dos nomes considerados obscuros sejam de estrangeiros. Entre eles estariam Gonçalo Lepa ( 1261), Muixão ( 1268), Miguel Buixino (1268), Meendeiros e Gonçalo Bafada ( 1269), Domingos Batam-Campo ( 1271), Garcia Cadeici (1273), João Dedães (1273), Domingos Zicoi (1282), João Domingues Vaitila (1283), Domingos Domingues Vaitila ( 1289), Martim Eanes Gemeãs (1290) e Domingos Martins Odabechião (= o-da-bechião?) (1294) (25). Mesmo que entre estes existam simples apodos e alcunhas (conquanto o silêncio dos filólogos sobre eles seja notório) e que as grafias resultem de má interpretação dos escrivães (é sempre possí­vel uma transcrição fónica incorrecta), cremos, ainda assim, que estamos perante antropónimos de estrangeiros, de gen­te imigrada para terras leirienses na procura de trabalho ou de comércio.

Os nomes citados, aliás, retiram-se maioritariamente

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de testemunhas integradas entre grupos de "leirienses" ou de confrontações de propriedades ou ainda, nalguns casos, de cartas de aforamento. Trata-se, portanto, de imigrantes na sua maioria, o que confirma Leiria como polo de atracção ao longo de todo o século XIII. As razões justificativas desta rea­lidade encontrar-se-ão na economia local, onde as disponi­bilidades de terras para cultivo e a actividade comercial conheciam um período de franco crescimento. Deve-se con­siderar, igualmente, a possível saturação de outros pólos ur­banos portugueses, bastante mais populosos (v.g. Coimbra, Santarém, Lisboa), em que as dificuldades de integração de uma mão-de-obra rural imigrante se devem ter acentuado ao longo de Duzentos, redirigindo-se estes fluxos imigracio­nais para centros e áreas mais disponíveis. A falta de ele­mentos comparativos objectivos não permite, contudo, levar muito longe estas ilações (26).

Entre os nomes com indicação de origem situada dentro de um raio de cinquenta quilómetros predominam os que se localizam no âmbito territorial leiriense. Elementos de Pom­bal, Soure, Porto de Mós, Pederneira e Alpedriz são raros e os únicos que se apontam, num total de dez ocorrências. Os restantes quinze elementos registados respeitam ao hinter­land concelhio (v.g. Colmeias, Agodim, Espite, Litém, Cor­tes, Arroteia, Ranha, Vidigal, Vestiaria e Freixo - um de cada povoado mencionado - além de Leiria, com cinco ca­sos). A frequência destes elementos toponímicos atesta o de­senvolvimento das aldeias de origem, ou da cidade medieval, e simultaneamente a evolução das relações vila-terra no do­mínio socio-económico (27).

Também os elementos toponímicos nos podem fornecer alguns elementos relativos à formação populacional de Lei­ria. A estes associaremos, aliás, os indicadores hidrotoponí­micos e hagiotoponímicos fornecidos pela documentação dos séculos XII e XIII.

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Quanto à origem etimológica, os topónimos encontra­dos podem dividir-se em três grupos fundamentais: a) os de origem latino-visigoda; b) os de origem árabe e arábico-ro­mânica; c) os de origem aparentemente obscura. Em virtu­de de entrarmos em consideração com a sua ocorrência segundo quadros cronológicos e, por isso, em função de um mesmo espaço físico, individualizamos aqueles topónimos que no século XII se inseriam no território leiriense, ou que eram seus fronteiriços, mas que no quadro da evolução do termo concelhio vieram a ficar excluídos deste espaço de análise. Entre estes encontram-se os étimos germânicos Ab­degas (Ourém) e Andam (fregª Juncal, Porto de Mós); os la­tinos Fraixinum (= Freixianda?), Pederneira, Urqueira (< urgueira), Sovereira, Olival, Vale, Casal de Frades, Toma­réis, Assentiz, Minde, Alvados, Serro Ventoso, Mendiga, Por­to de Mós, Carvalho, Alpedriz (artigo árabe al + étimo latino), Pombal, Mata, Cabruncas (e Arunca, se considerar­mos que deriva do anterior, tendo em atenção que se refere ao mesmo ribeiro). Existem ainda alguns étimos de origem menos clara, mas com elementos constitutivos latinos como Aljubarrota e Alcobaça (árabe + românico). Lembremos ain­da os casos enigmáticos de Cós ou do aparentemente árabe A taíj a (28).

O espectro toponímico de Leiria entre 1139 e 1300 pode, objectivamente, reduzir-se ao seguinte quadro cronológico:

Frequências Toponímicas na Documentação Leiriense

1139-1200 23 étimos ( 17, 1%) 1201-1250 + 58 étimos novos ( 43,2%) 1251-1300 + 53 étimos novos (39,5%)

Total 134 (99,99%).

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Períodos de grande intensidade colonizadora são justa­mente os do século XIII, situação comum ao restante País e por toda a Europa, que saem directamente das primeiras li­nhas de força delineadas entre 1135 e 1200 (29).

Entre os topónimos latino-visigodos encontramos, se­guindo uma ordem cronológica, palavras como Ervedosa, Fonte Cova, Cornaga, Cornegainha, Ulmar, Souto, Agodim, Colmeias, Antas, Porto Moniz, Carvalho, Melvoa, Veiro (= Vieiro), Palácio de Randulfo, Cividade, Monte, Olival, Ma­ceira, Grinde ( < Grahedi), Cirol, Caldelas, Moinho do Rei, Ínsula, Moinhos do Rego, Freisena, Golfeiro, Pinhal, Cam­po, Seara do Rei, Ámor, Vale de Gateira, Fidalgos, Casquei­ras, Cortes, Barreira, Freixo, Carraria, Cabéço do Freire, Pedra Curva, Reguengo de Velios, Vidigal, Barosa, Ponte de D. Tomé, Botelho, Freixial, Vieiro, Fornos Quentes, Valoco (< Baleocho), Prado de Rama, Barro, Ferrarias, Cheysola, Soveral, Barro da Regueira, Tojal, Esteiro, Ravani, Serra de Ranha, Vale Cavaleiro, Lavandeiras, Bouça, Lameiros, Gol­pilheira, Paredes, Ferraria, Cavalaria, Vila Nova, Vestiairo, Vale Boa, Parrecheira, Ínsoa, Crasto, Carrasqueira, Espi­nheira, Sorveira, Arnal.

Topónimos latino-visigóticos são também os potamónios Cabruncas, Lagoa do Matom, Ribeiro da Mouta, Lagoa de Martim Moleiro, Ribeiro do Gulfeiro, Ribeiro das Neves, Ri­beiro dos Herrigos, Rego Travesso, Ribeiro do Pereiro e Ri­beiro do Rebolo. Nesta esfera se incluirá igualmente o, hoje desconhecido, Monte de Cabeça do Asno (Caput Asini). No grupo de étimos árabes e românico-árabes incluir-se-ão Al­covim, Alpentende, Alqueidão de D. Moniz, Alqueidão de Paio Mouro, Charneca, Alcanada, Eisertos ( < enxara?), Ba­raçal (do berbere Birzal), Atalaia e Alqueidão do Vestiário.

Mais frequentes se mostram os étimos de origem obscura como Carnide (céltico?), Litém (do árabe Luletem?),Algaliziol, Espite, Pataias, Cirol (30), Monte de Cernelial (=Sernelhe ?),

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Pusegeas, Opeia (< Opena ) , Oreya, Seiral, Marazel (franco?), Lavruja, Gândara (galego? franco?), Aruco (Arouca ?). É pre­ciso recorrer aos filólogos espanhóis, no entanto, para resolver o silêncio dos especialistas nacionais sobre étimos como Muel/Moel e Vermoil. Segundo A. Barrios Garcia, os sufixos "uel", "iel" e "el" indiciam topónimos moçárabes. Como exem­plos citam-se Verzemuel, Moriel, Cantarziello, Zapardiel e Ma­niel, na zona castelhano-leonesa. É bastante clara a proximidade entre o Moei (S. Pedro de), de Leiria, e aqueles sufixos. Já Vermuil apresenta um sufixo característicamente centro-pirinaico, tal como Bernuy e Bermuy. A sua dissemina­ção na Península parece ficar a dever-se a comunidades mi­grantes oriundas daquela região. É possível que Vermoil (Leiria) seja um desses testemunhos (31).

A questão moçárabe é, naturalmente, levantada por S. Pedro de Moei e, como referimos em páginas anteriores, po­derá inserir-se na questão relacionada com o étimo Leiria, cujo sabor moçárabe não é de excluir. Grafada por 1142 co­mo "Leirena", é possível que se integre no conjunto hispâni­co de étimos como "Llerena" e "Leria" (Soria) e "Leiria" (Mérida), denunciadoras de particularidades filológicas mo­çárabes, como a pronuncia prefixai do artigo árabe "al" ou da partícula "1"' das línguas românicas ibéricas (32).

Do ponto de vista geo-social, continuamos a referenciar a esmagadora maioria destes topónimos como bastante dis­seminados na Galiza e no norte de Portugal. Mesmo os casos paradigmáticos de Alqueidão(s) (33) têm ali grande prolifera­ção, referenciando, por norma, zonas de tufos calcários, pe­dra calcária branca e branda, de fraca densidade constitutiva (mais do que a excepção significante de tenda ou acampa­mento que, descontextuadamente, vem sendo moda atribuir­-lhe). O primeiro significado tem pleno cabimento nas características geológicas da região leiriense, integrada no maciço calcário estremenho. A aplicação deste topónimo por

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todo o norte peninsular ultrapassa os limites de um uso lin­guístico puramente árabe, ainda que revele a sua influência.

Polémico é ainda o significado de Reixida, que poderá significar uma construção caída em ruína ou uma reixa. Tra­duziria, assim, uma faceta dos ritmos de povoamento e des­povoamento antes da crise de meados do século XIV (34).

QUADRO TOPONÍMICO E CRONOLÓGICO DO POVOAMENTO DE LEIRIA ENTRE 1135 E 1300

Ano N2 Topónimos Referência

[1135] 1 Leiria PMH - Scriptores, p. 12

1142 2 Ervedosa DR - I, n2 189 3 Cortiço 4 Cornaga 5 Cornagainha 6 Cabruncas 7 Litém 8 Ourém 9 Assentiz

10 Minde 11 Alva dos 12 Ataija 13 Mendiga 14 Fonte de Soão 15 Alcobaça 16 Palácio de Randulfo

1152 17 Porto Moniz AN'IT- Gavetas, VII, m2 6, nu 10. 18 Seara [do Rei] Ib.

1153 19 Salir DR - I, n2243 20 Fura douro 2 1 Olmos 22 Aljubarrota

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A POPULAÇÃO E 0 POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

QUADRO TOPONÍMICO E CRONOLÓGICO DO POVOAMENTO DE LEIRIA ENTRE 1135 E 1300

Ano N!! Topónimos Referência

1153 23 Andam 24 Cós 25 Mel voa 26 Pataias 27 Pederneira 28 Moei [S. Pedro de)

1166 29 Carvalho AN'IT - Alcobaça, m2 1, n2 10.

1167 30 Carnide DR - I, n2292 3 1 Ranha 32 Fonte Cova 33 Pinhal

1172 34 Tomaréis DR - I, n2309 35 Urqueira

1175 36 Abiul DR - I, n2 324 37 Alpentende ANTT-Alrobaça, Régios, mº 1, nº 20 38 Carne Má

1178 39 Vale [Ourém) Id., Forais Antigos, mº 12, nº 3, 47-v2 40 Sovereira [Ourém) 41 Olival [Ourém) 42 Monumentum de Petra.

43 Carvalhinho 44 Mamoas 45 Lapidem Magnam.

46 [Casal dos) Frades 47 Carvalho Alho 48 Fraxinum [Freixianda?)

1183 49 Porto de Mós DR - I, n2 350 50 Fonte de Martim Seia 51 Freixo

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QUADRO TOPONÍMICO E CRONOLÓGICO DO POVOAMENTO DE LEIRIA ENTRE 1135 E 1300

Ano Nº Topónimos Referência

1183 52 Alpedriz 53 Fenario

1184 54 Algaliziol ANTT- Stª Cruz Cbll, mº 11, nº 26

1189 55 Ulmar Id., ib., mº 12, nº 22 56 Alcouuim Id., ib., m2 12, n2 25 57 Colmeias 58 Agodim

1195 59 Santiago [Leiria] Id., Alcobaça, m2 2, n2 27.

1197 60 Pombal [Leiria] Id., ib., m2 2, n2 33

[Séc.XII] 61 Vidigal [Ínsua de] Id., Stll Cruz Cbll, mº 14, nº 21. 62 Veneiro [Moinhos de] Id., Alcob., Dourados, 3, 55v2. 63 S. Pedro [Leiria] Id., Sti Cruz Cbll, mº 15, n2s 34 e 35 64 St2 Estêvão [Leiria] 65 S. Martinho [Leiria]

1210 66 Souto [Villa de] Id., Stª Cruz Cb1, m215, n2 27

1211 67 Magueixa [St' Maria de] Id., ib., mº 15, nºs 34 e 35. 68 Cividade [S. Leonardo] 69 S. Miguel do Monte 70 Stº Antonino do Olival 71 Maceira [Stll Maria de] 72 Carvide [S. Lourenço de] 73 Espite [S. João de] 74 Vermoil [Stll Maria de] 75 Alqueidão de D. Moniz 76 Alqueidão de Paio Mouro

Negro 77 Grinde 78 Caldelas 79 Cirol

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QUADRO TOPONÍMICO E CRONOLÓGICO DO POVOAMENTO DE LEIRIA ENTRE 1135 E 1300

Ano NO Topónimos Referência

1211 80 CaputAsini

81 Monte de Cernelial.

82 Charneca 83 Lagoa do Matom

1217 84 Moinho do Rei AN'IT- Alcob., Rég., 1, n2 12 85 Ribeiro da Mouta Id., Stft Cruz Cb', 2ª inc., mº 18,

"Alm. 34, mº 1, no 7"

1221 86 Mestas Id., Alcob., Dourados, 3, 55

1223 87 Lagoa de Martim Moleiro Id., ib., Dourados, 3, 53v2

1226 88 Puzegeas Id., ib., Dourados, 3, 54-vll 89 Ínsua de Mendo Falcoeiro Id., ib., 3, 54.

1228 90 Moinhos do Rego Id., Alcob., m2 5, no 12

1229 91 AI canada Id., ib., Dourados, 3, 53-vº 92 Freisena

93 Ribeiro de Gulfeiro

1230 94 Eisertas Id., ib., 53v2-54. 95 Baraçal

1231 96 Pinhal (Alpentende] Id., ib., 54vº.

1233 97 Moinho do Campo Id., Gavetas, VIII, m2 1, nº 14 98 Amor

1249 99 Vale de Gateira Id., Alcob. , Dourad., 3, 52v2-53

1250+/- 100 Fidalgos Id., Mestrados, 50-vll. 101 Ribeiro das Neves 102 Casquenyas

103 Cortes 104 Ribeiro dos Herrigos.

105 Barreira

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QUADRO TOPONÍMICO E CRONOLÓGICO DO POVOAMENTO DE LEIRIA ENTRE 1135 E 1300

Ano NO Topónimos Referência

1250+/- 106 Freixo (Barreira] 107 Carraria 108 Caput de Athalaya.

109 Rego Travesso 110 Opeia 111 Cabeça de Freire

1254 112 Pedra Curva Id., Stª Cruz Cbft, 2ª inc., m018, doe. do "Alm. 34, mo 1, no 8"

113 Reguengo de Velios

114 Covelo

1262 115 Botelio. Id., Alcob., 2ft inc., m2 13, no 808 (11) 116 Charneca 117 Oreya (Juncal - Cirol] 118 Freixial 119 Fornos Calentes.

120 Balleocho (Valoco] 121 Pradem de Rama

122 Seyral

123 Barrio

124 Ferrarias 125 Cheysola

126 Soveral (Leiria] 127 Tojal (Alpentende] 128 Heystero

129 Marazel.

130 Ribeiro do Pereiro

1266 131 Fonte de Paio-à-Noite Id., Alcob., Dourados, 3, 57v'1.

1278 132 Monte Redondo Id., ib., mo 16, no 19 133 Várzeas ld., ib., mo 17, no 8

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QUADRO TOPONÍMICO E CRONOLÓGICO DO POVOAMENTO DE LEIRIA ENTRE 1135 E 1300

Ano N2 Topónimos Referência

1279 134 Ravani. ld., ib., m2 16, n2 29.

135 Vale Cavaleiro [Agodim]

1282 136 Paredes ld., Chanc. D. Dinis, 1, 61v2

1289 137 Lavandeiras Id., Alcob., m2 18, nº 40

1291 138 Bouça ld., Sé Cbª, 2ª inc., m2 79, nº 3370

139 Lameiros 140 Golpilheira

1290 141 Reixida [Fonte da] ld., Alcob., m2 19, nº 5

1294 142 Cavalaria [V ermo i!] Id., Sé Cbª, 2ª inc., m2 17, n2 789

143 Lavruja Id., Alcobaça, m2 19, nº 52

1297 144 Alqueidão do Vestiário Id., Cós, mº 1, nº 9

145 Valle Bona

146 Barrio [Colmeias]

. . . 1300 147 Parrecheira [Freixial] Id., Alcob., m2 21, n2 24

1300 148 Cambra [Carreira de] Id., ib., 2ª inc., mº 1, nº 20

... 1301 149 Gândara ld., ib., 2ª inc., m2 1, n2 21 . 150 Vila Nova [Leiria]

. . . 1303 151 Aruco Id., Sé Cb8, 2ª inc., m2 29, n2 1203

152 C rasto Id., ib., 2ª inc., m2 1, n2 30.

153 Ribeiro do Rebolo 154 Carrasqueira 155 Espinheira 156 Sorveira 157 Arnal 158 A-da-Iria 157 Várzea do Espelho

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

A hagiotoponímia reforça as conclusões antecedentes. Nas vinte e duas igrejas ou capelas comprovadamente exis­tentes nos séculos XII e XIII, a predominância das invoca­ções vai para Santa Maria (5 ocorrências), seguida por S. Pedro (3 casos), S. Miguel Arcanjo e S. Simão (2 casos cada), sendo as demais invocações atribuídas a S. Salvador, São Tiago, Stº Estêvão, S. Martinho, S. Sebastião, S. Leonardo, Stº Antonino (depois Stº António do Carrasca}), S. Lourenço, S. João Baptista e Stº André.

Deste elenco santoral, a parte mais significativa corres­ponde a invocações muito enraízadas no espaço ibérico ou nos calendários romanos. Menos propalados são os santos de ori­gem franca, como Leonardo e Antonino, bem como o mártir S. Lourenço. Poderemos acrescentar S. Simão a este conjun­to de menor tradição em território leiriense (35). Interessa re­parar que à excepção de S. Salvador (de Souto), todas as outras invocações, mesmo as dos santos menos frequentes no ocidente peninsular, fazem parte do santoral de Stª Cruz de Coimbra e de outros institutos de cónegos regrantes agosti­nianos. A esta Ordem canonical, antes de tudo, devemos atri­buir a responsabilidade na escolha das intitulações para as capelas e igrejas paroquiais que se erguiam no termo leirien­se. O que não estranhará, aliás, em virtude do eclesiástico de Leiria estar confiado justamente à administração daque­le instituto crúzio (36). No entanto, S. Salvador não faz parte do santoral crúzio. Pierre David refere-o como uma das mais antigas invocações cristãs das populações sediadas a norte do rio Mondego, sendo um santo bastante cultuado pela Ordem de Cluny e pelos Templários (37).

Neste particular, os crúzios devem ter cedido às prefe­rências do patrono ou padroeiro construtor da igreja do lu­gar do Souto. Sabemos, de facto, que a igreja de S. Salvador do Souto foi fundada em finais de 1180, pelos proprietários

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da villa homónima, e entregue a sua administração aos có­negos de Stª Cruz, com a obrigação de ali fazerem "suo cimi­terio", o que denuncia a sua funcionalidade como igreja paroquial, ou que se pretendia vê-la funcionar como tal (38). Neste sentido, estamos perante uma escolha reveladora do tradicionalismo do santoral hispânico a que o cenóbio de Stª Cruz de Coimbra não é indiferente, conquanto contribua com algumas inovações para uma sua actualização e sintonia com as orientações de uma política religiosa mais romanis­ta e gregorianizada.

As ligações desta canónica coimbrã com Moissac e ou­tros centros francos poderá ajudar a explicar as ocorrências de sv� Antonino ou de S. Leonardo. Já quanto a S. Martinho de Tours se poderão adiantar outros elementos justificati­vos, uma vez que, antes da fundação crúzia de 1131, já este Santo era uma invocação muito concorrida a norte do Mon­dego (39). Em termos culturais, Leiria não parece possuir um santoral marcado pelos mártires hispânicos, como se verifi­caria em centros tradicionalmente dotados de uma comuni­dade moçárabe vigorosa. O repertório crúzio leiriense, na globalidade, é bastante tradicional ou ortodoxo. Os mártires como S. Sebastião e Stº Estêvão têm uma origem oriental. Os mártires S. Lourenço e Stº Antonino integrar-se-ão já no horizonte cultural religioso ocidental da Europa posto que, somados aos anteriores, ofereçam uma representação mino­ritária (40). São mais frequentes no calendário festivo leirien­se os apóstolos S. Pedro, S. Tiago, S. Simão e Stº André, bém como o confessor S. Leonardo, o bispo S. Martinho ou o pre­cursor João Baptista. Santos estes de profunda adesão popu­lar num tempo em que as grandes peregrinações jacobeias ou as do bispo de Tours se faziam sentir. Num tempo, ainda, em que a vida dos campos e das cidades se deixava penetrar pelo ritmo da sazonalidade, particularmente festiva se coin­cidente com o momento da chegada do estio (41).

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Escrever-se-á que seria de esperar, em terras leirien­sei, uma predominância de santos e mártires hispânicos. Principalmente se a população moçárabe local tivesse força cultural suficiente para impor a escolha das invocações reli­giosas das igrejas que se fundavam. Mas a acção e o proto­ganismo pastoral dos cónegos regrantes de St�A Cruz de Coimbra conduziu a um outro rol de opções, de acordo com uma hagiografia mais popularizada no Minho ou a norte do Mondego. Além disso, Stª Cruz de Coimbra promoveu a ade­são dos cristãos moçárabes ao santoral católico gregoriano­-romano, ao culto dos apóstolos, especialmente de S. Pedro e S. Paulo, senão mesmo o da Stª Cruz. As origens ultra-pi­rinaicas de muitos povoadores, bem como os circuitos de pe­regrinação franco-jacobeus, tornaram mais acessível o aparecimento de um campo devocional francófono. O próprio contexto em que o mosteiro de Stª Cruz de Coimbra foi fun­dado, coevo da instalação de cistercienses francos em terras estremenhas e beirãs portuguesas, constituem situações que elucidam este fenómeno das influências francesas sobre o território devocional religioso da Reconquista portuguesa a sul do Mondego (42).

Leiria foi especialmente marcada por esta ambiência como o demonstra a sua hagiotoponímia enquadrada no to­do onomástico em que se insere. Este poderá conter elemen­tos indirectamente colhidos da expressão religiosa que passam desapercebidos numa primeira abordagem. Um exemplo parece passar-se com o topanómio Ribeiro das Ne­ves, detectado pela primeira vez num documento de cerca de 1250, localizando-se justamente nas proximidades de Cortes e de Palácio Randulfo (43). A designação "Neves" é, no local, imprópria sob um ponto de vista geo-morfológico. De­ve justificar-se como estando relacionado com o culto de Stª Maria das Neves, culto de grande concentração na arquidio­cese de Braga desde os tempos alto-medievais e também ve-

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nerada em toda a região de Coimbra. Esta designação de­ver-se-á ao ambiente cultural da população colonizadora que atribuiu àquele pequeno veio de água tal nome, sem que se conheça que ali tivesse sido erguida capela ou ermida des­sa incovação (44).

Em termos da hagiotoponímia leiriense salienta-se ainda a sua evolução. Algumas invocações de Duzentos en­contravam-se substituídas no século XV. Exemplos mais flagrantes verificam-se em S. Leonardo da Cividade ( 1211) que passa para S. Bento da Cividade; em S. Salvador do Souto ( 12 11 ) que muda para Stª Margarida do Souto, recu­perando, mais tarde, a invocação primigénita (45).

Aos gostos de mudança associam-se outras invocações para novos centros de culto entretanto edificados. Entre as invocações femininas citam-se Stª Maria de Pataias, Stª Iria [da Torre] e Stª Eufêmia de Cirol. No seio dos santos aparecem como preferidos S. Mamede [de Alcogulhe, da Serra], S. Valéria, S. Bartolomeu e S. Bento do Freixial, S. João e S. Lourenço de Monte Real e , ainda, S. Paulo de Ámor. Títulos de tradição portuguesa à excepção, quiçá, de S. Valério (46).

Nos róis crúzios, contudo, não estão incluídas as igrejas dos mendicantes (S. Francisco, Stª Maria da Vitória e Stª Ana de Leiria), ou as suas capelas interiores - como de res­to acontecia nos templos seculares cujos altares verdadeira­mente só conhecemos para o século XVII - ou as ermidas levantadas por particulares (v.g. Stª Maria do Anjo, S. Pe­dro da Gândara, S. Sebastião de Porto Covo, S. Bartolomeu (à Portela, Leiria), Espírito Santo, S. Salvador da Barreira, Stª Catarina de Azoia, Stª Maria da Vitória de Paredes, S. Cristóvão da Caranguejeira, StQ Antão da Faniqueira, Se­nhor Jesus da Golpilheira, entre tantas outras) nos séculos XIV e XV (47).

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* * *

A toponímia permite entrever algo mais para além das origens socio-culturais dos seus agentes históricos. A sua análise sincrónica e diacrónica, para o período estritamente medieval, leva-nos à própria metodologia seguida pelos co­lonos na ocupação e organização do espaço leiriense. Encon­tramos assim três grupos toponímicos que correspondem a outras três categorias formais de exploração agrária e eco­nómica do território.

No primeiro destes grupos incluem-se todos os topóni­mos que referenciam terras de cultura, à época, recentemen­te arroteadas. A sua classificação é relativamente pacífica pois que respeita a designações de carácter fitotoponímico na maior parte. Revelam também um relacionamento com a terra dominado mais pelo trabalho individualizado ou de grupos restritos de colonos do que por uma exploração for­temente comunitária. Estarão neste caso os topónimos Er­vedosa, Fonte Cova, Ranha, Ulmar, Souto, Carvalho, Vieira, Maceira, Alqueidão ( + antropónimo do possidente) Grinde, Cirol, Caldelas, Charneca, Insua ( + antropónimo do possi­dente), Freixial, Freixo(s), Gulfeiro, Eisertas (= Enxaras?), Baraçal, Seara, Gateira, Barreira, Cabeço do Freire, Covê­lo, Vidigal, Barosa, Botelho, Baleocho (= Valoco), Prado, Bar­ro, Seixola, Soveral, Bouça, Lameiros, Golpilheira, Ravani (?), Vale de Cavaleiro, Cavalaria, Gândara, Parrracheira, Rebolo, Carrasqueira, Espinheira, Arnal e Sorveira. Todos estes topónimos indicam preferencialmente terrenos ou campos trabalhados, naquele tempo, desde um período re­cente. Neles, refira-se, possuíam os senhorios monásticos e particulares as suas herdades ou parcelas de terra. Os fito­topónimos revelam uma vegetação primigénita ou desapa­recida, da mesma forma que Vale Gateira parece designar um lugar onde abundavam gatos bravos, ou Ravani um sí-

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tio frequentado por corvos. Testemunhos de uma paisagem algo selvagem que estava em vias de transformação pelos insistentes arroteamentos efectuados.

A exploração destes espaços é feita de uma forma pre­dominantemente individualizada, situação, de resto, não ex­clusiva de Leiria. O que traduz uma mobilidade populacional muito intensa ou mais acentuada do que aquela que se ve­rificará em regiões de povoamento mais antigo ou tradicio­nal, em que o enraízamento à terra natal - realidade de quadros mentais que interditam o mais possível a saída dos elementos de uma comunidade para espaços externos - con­segue manter níveis de mobilidade populacional relativa­mente baixos (48).

Grupo com menos exemplos do que o anterior é o que respeita à exploração colectiva dos espaços. Normalmente este grupo é atestado nos aforamentos colectivos que condu­zem à fundação de pequenas aldeias, de póvoas, de "vilas no­vas" em zonas cuja transformação agrícola - passagem de incultos a terras aráveis - exige a concorrência de grupos humanos numerosos. Os exemplos do Paúl do Campo ou de Ulmar e de Paredes são, na região, os mais significativos. A exploração destas áreas é relativamente tardia, o que se ex­plica não só pelas condições dos solos agricolamente impro­dutivos sem terem sido sujeitos a uma prévia preparação humana, como também pelos modelos económicos ou de pro­priedade usados no povoamento. A maior disseminação da propriedade alodial ou das terras de senhorio nobre ou ecle­siástico revelará quer a sua prioridade cronológica, quer os interesses dos primeiros dirigentes da colonização leiriense. Terá sido após a estabilização dessa etapa que o rei procedeu, e é apenas a Coroa que o efectua, à fundação das póvoas de Paredes e de Ulmar, respectivamente em 1282 e 1291 e, tal­vez, um pouco depois, da do Camarinho (49).

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Este tipo de organização. comunitária no território lei­riense, pressupondo a atribuição de um foral, é rara, a ava­liar pelos dados documentais disponíveis, mas não deixa de se poder relacionar com o desenvolvimento de outras al­deias que parecem resultar justamente do modelo de explo­ração agrícola primeiramente enunciado. Muitas das herdades e casais referenciados nos documentos acusam aumentos populacionais, tornando-se núcleos de comuni­dades alargadas, parte dos quais evoluirá para o estatuto de centros religiosos servindo toda a população residente em seu torno. Nalguns casos transformam-se em centros paroquiais (como aconteceu com Souto, Litém, Vermoil e Espite), noutros permanecem como núcleos de congregação religiosa dos lugares circundantes, mas sem merecerem das autoridades eclesiásticas a elevação ao estatudo de sedes de freguesia. Isto aconteceu com as ermidas de S. Pedro de Moei, S. Pedro de Ulmar, S . Sebastião de Palácio Randul­fo, Stll Maria de Magueixa, S . Leonardo da Cividade, Stll Maria de Maceira, S . Lourenço de Carvide, S . Miguel do Monte e St� Antonino do Olival, todas elas existentes já an­tes de 12 11 (50).

Confirma-se, assim, a sua evolução de sítios e lugares pa­ra aldeias, sem que haja a intervenção do rei, mas antes co­mo resultado de uma política de povoamento plurifacetada e, talvez, multidireccionada. Entre essas aldeias citar-se-ão Er­vedosa, Fonte Cova, Cornaga, Cornegainha, Carnide, Ranha, Alpentende, Melvoa, Pataias, Alqueidão(s), Cirol, Alcanada, Freixo, Gulfeiro, Ámor, Vale de Gateira, Cortes, Barreira, Freixo, Opeia, Vidigal, Cortes, Barosa, Reixida, Lavruja, Cras­to, Arnal, Golpilheira, Tojal, Pereiro e Parracheira (iH), entre outras que, entrando no século XIV; a documentação nos indi­ca. Neste contexto, aliás, se referenciará, em finais de Duzen­tos, o topónimo Vila Nova nas imediações de Leiria, posto que seja um caso isolado (52).

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O terceiro tipo de exploração e povoamento detectado em Leiria respeita também a iniciativas individualizadas mas revestindo uma forma particular quanto à proprieda­de. Trata-se das granjas dos cónegos de St11 Cruz de Coim­bra de que só conseguimos comprovar efectivamente dois casos, o de Colmeias e o de Carvide, apesar da composição efectuada entre os clérigos raçoeiros de Leiria e o prior-mor de Stª Cruz, em 1211, referir as "grangias nostras, et here­ditates, uineas, oliueta, ortas, pomeria, molendinis, peccora, iumenta et omnia animalia nostra, et domos et superlectilia et omnes possessiones" (53).

A primeira dessas granjas já existia antes de 1189 e, da­da a estrutura deste tipo de exploração agrícola, não é de re­jeitar a possibilidade das suas terras poderem ter sido preferencialmente utilizadas para pastorícia. O nome "Col­meias" indica claramente uma actividade económica relacio­nada com o esforço humano de recolecção no bosque ou na floresta, acentuando assim a sua característica fie explora­ção isolada. Esta característica ter-se-á dissipado rapida­mente - e como reflexo do processo colonizador envolvente - surgindo-nos pouco depois como freguesia (54). Da granja de Colmeias permanece o topónimo no início do século XIV, atestando-se também o seu parcelamento em casais e her­damentos, o que confirma a exploração indirecta das suas terras (66).

O processo que explica a nova morfologia económica em torno da granja de Colmeias é o mesmo que conduz à transformação de muitos núcleos de exploração agrícola en­contrados no primeiro tipo, designado de tipicamente indi­vidualizante, em comunidades aldeãs com capacidade, nalguns casos, de polarizar diversas pequenas unidades económicas em seu redor e de estabelecer, assim, fregue­sias com as suas solidariedades socio--culturais específicas.

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Entre estas contam-se manifestações de ordem religiosa, agrária e político-económica que se inserem no âmbito das relações de Leiria com estas povoações do termo e destas entre si, tendo em atenção que todas são caracterizáveis por identidades distintas cujas raízes entroncam nos pri­meiros momentos e tipos do povoamento leiriense (56).

O quadro da formação populacional leiriense insere­-se, naturalmente, num contexto mais vasto respeitante a todo o País e, por extensão, a toda a Europa. As ilações desde sempre sugeridas por diversos autores sobre as massas demográficas que migraram das áreas nortenhas para as meridionais têm plena confirmação neste espaço medieval.

As condições naturais pré-existentes e os próprios ri­tmos conjunturalmente variados do povoamento, de par com interesses e disponibilidades humanas sempre diferentes en­tre si, tiveram como consequência a distribuição dos homens pelo espaço de uma forma plural, longe de urna homogenei­dade ou de critérios únicos na organização social e adminis­trativa do povoamento aqui efectuado.

Por outro lado, os ritmos de povoamento expostos nos parágrafos antecedentes resultam de urna observação que se pretende global, posto que sempre condicionada por uma certa avareza informativa documental. Consegue-se, des­sa forma, a detecção apenas do tecido superior da coloniza­ção leiriense, corno se fosse composto de alguns vértices cujas bases permanecem diluídas no silêncio da História, indisponíveis para estatísticas contemporâneas. Assim, a análise da morfologia espacial da região leiriense, que rea­lizaremos de seguida, terá de ser compreendida tendo em atenção os limites pressupostos pela prospecção heurística das fontes.

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MAPA 3 - O POVOAMENTO EM TORNO DE LEIRIA ENTRE 1150 ca. E 1200.

N

CD

Ulmar * SouiO

*

lourlçol *

Mala *

* Agoôm Coineias * • At:ouvim

Soure *

Rocinha *

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* S&nllago * LEIRIA

* Esp18

* POI't) Monil • I'.O�al

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O POVOAMENTO EM TORNO DE LEIRIA ENTRE 1 1 50 ca. E 1200

* • Topórjmos 0011ljlr0Ylldo&. • • Topórjmos 0011ljlrovadoo mas pcup .. •lmaçao. O Topórimos de treas extensas.

üni1:es: do Concelho de leiria em 1 153. l.imitos do Cor<el1o de LoOia em 1153 hlpot61icos.

Escala:

OC:========�10C=======�� Km

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2 - A organização do espaço e a distribuição dos homens.

Processou-se uma organização do espaço "interno" lei­riense simultaneamente à definição de outras entidades ju­risdicionais e espaciais externas que, aliás, analisámos nas páginas antecedentes.

O povoamento dentro do concelho não se fez de uma for­ma concêntrica relativamente ao núcleo urbano mas antes elipsoidal, procurando os povoadores a proximidade dos cur­sos de água, sobretudo o Lis e o Lena, mas tendo a preocu­pação de fundar as "aldeias" (consideramo-las aqui, antes de tudo o mais, por possuírem ermida ou capela) em sítios mais elevados do que o nível daqueles. Preocupação que re­vela o cuidado posto na defesa contra prováveis incursões de mouros, contra as intempéries naturais, - fundamental­mente as cheias que deveriam ser frequentes nas várzeas ­a própria situação morfológica de um espaço algo "selvagem" ou "deserto" que desaconselhava a edificação de casario nas altitudes mais baixas.

Esta colonização humana pressupôs uma organização paroquial ou religiosa. Em 1211, Leiria possuía já, como vimos, as nove paróquias que a caracterizarão sob o ponto de vista administrativo-religioso até aos primeiros lustros do século XVI.

Leiria apresenta-se então como um núcleo não excêntri­co ao conjunto do habitat do alfoz embora inicialmente o te­nha sido. De facto, as cinco paróquias rurais têm os seus centros administrativos localizados a norte e a nordeste do espaço urbano. Este conspecto parece revelar um desenvol­vimento mais dinâmico e rápido dos povoados nortenhos que o dos meridionais e menos ainda no que se referiria a toda a faixa ocidental do concelho. Significa que para a edificação e instituição de igrejas houve que acumular previamente a

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riqueza necessária e disponível para que se pudesse fazer o seu "investimento" numa área espiritual - seguramente não realizável sem que primeiro se definissem estruturas de exploração económica micro-local. Alcançadas estas torna­va-se efectivamente possível levantar templos minimamen­te condignos ao exercício dos ofícios divinos (57).

Revela-se, desta forma, uma sedimentação das estru­turas do povoamento mais rápida - e talvez cronologica­mente primeira - a norte que a sul, dicotomia verificada também noutras regiões com processo colonizador semelhan­te ou coevo (58).

A vila teve inicialmente uma função defensiva, assu­mindo-se como ponto avançado atrás do qual foi possível se­dimentar as raízes do surgimento de cinco paróquias rurais (Souto, Vermoil, Colmeias, S . Simão de Litém e Espite). Pos­teriormente assumirá uma função administrativa bem de­monstrada como sede das paróquias que se organizarão para administração do território meridional. Efectivamente, as paróquias de Santiago, Stº Estêvão, S. Pedro e S. Martinho repartirão entre si esse restante espaço.

Simbolicamente, a primeira igreja fundada (Stª Maria da Pena) persistirá como matriz de todas estas freguesias centralizando-se nela todos os assuntos de foro canónico ou religioso respeitantes ao território leiriense considerado des­de cedo nullius diocesis (59).

Verifica-se se confrontarmos a carta da divisão eclesiás­tica do concelho (página seguinte) que as freguesias "urba­nas" têm maior área de intervenção do que as rurais (71. 113 hectares que representam 62,7 4% da área administrativa leiriense (60)) . Este aspecto permite relacionar uma vez mais o problema da fundação de Leiria como entidade pioneira e avançada no processo da "Reconquista" portuguesa e simul­taneamente demonstra a ordem que presidiu à ocupação do(s) espaço(s) pelos primeiros colonizadores.

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DIVISÃO ECLESIÁSTICA DO CONCELHO DE LEIRIA NOS SÉCULOS XIV E XV.

N

*

LEGENDA: 1) S. Pedro -5058 ha. 2) S. Martinho -.16296 ha. 3) Sli Es1êvao - 9.545 ha. 4) Santiago - 30546 ha. 5) Colmeias-4735,6 ha.

6) Espite - 7332 ha. 7) S. Simão- 3887 ha. 8) Vermoil -5368 ha. 9) Souto - 14561 ha.

1 O) Paredes - 1286 ... - 9668 ha.

Limite provável.

Limite confirmado.

Limite das Freguesias.

....,_, Escala: t/250.000

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Uma outra característica que se salienta consiste no ca­rácter "excêntrico" das sedes das freguesias relativamente ao seu âmbito territorial. Verifica-se a preferência das locali­zações a norte (face ao restante espaço) excepção feita a Es­pite, sensivelmente central. Cumpre também individualizar os casos de Souto e de S. Pedro. A primeira por se localizar em ponto algo meridional (o que é justificado por toda a área ocidental ser então pouco propícia à instalação de comunida­des humanas, dadas as condições agrológicas), a segunda por ter a sua jurisdição repartida por dois núcleos descontínuos.

Face a estas características torna-se nítido que o po­voamento do território não se processou de uma forma uni­forme (61). É inegável, apesar disso, o carácter relativamente rápido que o caracteriza sobretudo tendo em atenção que as "divisões" referidas se encontram estabelecidas antes de 1211.

A unidade administrativa eclesiástica encontrada para todo o período medieval permite entrarmos na análise de da­dos quantitativos mormente no âmbito demográfico. Isto ex­plica o considerarmos, nestas páginas, freguesias que hoje pertencem a outros concelhos como acontece com S. Simão de Litém, Vermoil, Espite, Paredes, Batalha, Alqueidão da Serra, entre outros lugares, que foram integrados noutros concelhos no século antecedente mas que, na Idade Média, eram parte integrante do concelho de Leiria.

Sabemos, pois, que as freguesias religiosas coincidiam com os limites concelhios, elemento que se conjuga com a po­lítica de D. Afonso Henriques ao ter atribuído a Srª Cruz de Coimbra os direitos de jurisdição eclesiástica em todo o ter­mo e vila leirienses (62).

Em termos globais e o mais possível rigorosos (63), o es­paço administrativo eclesiástico (e civil) de Leiria atingia os 113.341 hectares. É um espaço imenso, superior ao dos pró­prios Coutos de Alcobaça com 440 quilómetros quadrados (64)

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ou aos dos concelhos vizinhos (65) dentro do qual se verificam naturais assimetrias.

As freguesias mais antigas na vila são respectivamente Stª Maria, S. Pedro e Santiago. Detecta-se \].ma afirmação coeva com as rurais de Souto (cerca de 1210), Colmeias (por 1189), S. Simão de Litém e Espite (topónimos que surgem também nos meados do século XII) (66). A freguesia de Pare­des surgirá pouco após 1286, data em que o rei lhe concede foral próprio com delimitação de termo (67).

Os dados estatísticos disponíveis, do ponto de vista po­pulacional, situam-se num momento tardio. De facto neces­sitamos de recorrer ao censo de 1527 para conseguirmos uma imagem quantitativamente objectiva da distribuição dos ho­mens neste espaço. Se é um facto que esse censo correspon­de a um momento de crescimento populacional (o que é confirmado no censo seguinte de 1537), contudo, pensamos que os seus dados correspondem a uma estrutura populacio­nal definida desde cedo. Permitirão, de qualquer forma e pa­ra lá das muitas objecções que se possam levantar, obter uma imagem do que seria a dispersão e concentração humanas na região e/ou município nos finais da Idade Média (67).

Os resultados obtidos indicam um povoamento estrutu­ralmente mais denso a sul que a norte, a leste que no litoral. A própria hierarquização dos centros populacionais confirma esta visão. São as aldeias das paróquias de Stº Estêvão e de S. Martinho as de maior índice de ocupação de espaço. O Sul, mesmo para além do termo leiriense é, pois, mais povoado do que o norte nos finais da Idade Média (cf. mapa das densi­dades de povoamento no concelho de Leiria em 1527).

É o confronto com a relação de densidade de fogo/hecta­re que nos dá, com clareza, a realidade de um espaço fraca­mente povoado - confirmam-se as ilações de Oliveira Marques (68), neste domínio - onde se verifica a média de 68,15 hectares por fogo (média só analisável tendo presente

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a grande distorção que o litoral, aqui considerado, traz aos cálculos efectuados). Isto sem considerar, refira-se, o centro urbano que era Leiria o que, a fazer-se, diluiria a realidade do povoamento no espaço rural.

A relação fogo-hectare é observável no seguinte quadro:

S. Pedro Santiago St2 Estêvão S. Martinho Souto Vermoil Colmeias Espite S. Simão Paredes

0,011 0,008 0,050 0,016 0,0066 0,024 0,013 0,026 0,013 0,003

(Média = 0,0146 fogos por hectare)

Proporções semelhantes são-nos oferecidas ao verificar­mos a relação de habitante-hectare considerando o índice multiplicador de 4 por fogo (69):

S. Pedro Santiago Stº Estêvão S. Martinho Souto Vermoil Colmeias Espite S. Simão Paredes

240 habitantes 1.060 habitantes 1.914 habitantes 1.088 habitantes

388 habitantes 536 habitantes 256 habitantes 772 habitantes 2 16 habitantes 152 habitantes

(Média = 0,058 habitantes por hectare)

0,045 0,034 0,203 0,066 0,026 0,099 0,054 0, 105 0,055 0,059

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

Legenda:

DENSIDADES DE POVOAMENTO NO CONCELHO DE LEIRIA EM 1527.

* ratio fogo/hectare

Níveis - 1 ) :;:::::=�: - 0,001 - 0,010 fogos 2) :-=� - 0,011 - 0,020 fogos 3) !1111!1 - 0,021 - 0,030 fogos ESCALA: 4) - - 0,031 - 0,050 fogos

1/250.000

266 ____________________________________________ __

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N

CD

Legenda:

t - lagoas

- -cursos de água

A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO Xli AO XVI

POVOAMENTO DE LEIRIA E BATALHA EM 1527.

ESCALA;

• 1·5 vizinhos

• 6·10 vizinhos

e 1 H 5 vizinhos

e 16-20 vizinhos

• 21·25 vizinhos

• 26-30 vizinhos

� na dado para 2 ou mais luagres

+ 31-SO vizinhos

-$- 51·80vizinhos

\.

8 LEIRIA: 584 vizinhos

______________________________________________ 267

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CENSO POPULACIONAL DE 1527

Freg' No Nome(s) Fogos

S. Pedro 1 Ald. do Alqueidão (Boavista) 4 2 Ald. da Bregieira 5 3 Ald. da Cachieiria (Caxieiria) 3 4 Ald. do Lapedo 2 5 Casal da Fonte do Oleiro e do Ferreiro 4 6 Casal dos Pousadouros (Pousos) 3

Espite 7 Casal do Apariço 1 8 Ald. do Opeu (Opeia) 3 9 Casal de Caldelas 2

10 Ald. do Souto 5 1 1 Casal do Rabaldo e de Domingueanes 4 12 Casal do Cavaleiro 6 13 Casal do Carrasca! e Ramalharia 4 14 Casal de Martynel 6 15 Ald. da Touria 4 16 Ald. do Freixial 15 17 Casal da Torre 1 18 Ald. da Parracheira 6 19 Casal da Longra e Marroias 4 20 Quinta de Grinde e Palmeiria 6 21 Casal Cordeiro e do Boiro 2 22 Ald. da Caranguejeira , 25 23 Casal do Recha e Ronqeira 4 24 Ald. de Caldelas e 1 moinho 9 25 Casal do Sovereiro e Augoa-boa e Formigai e

Cortes de Espite 11 26 Ald. da Mascarreira, Freiria e Comieira 9 27 Casal da Arrochela e Besparia (Vesparia) 7 28 Ald. da Maia e Casal do Carvalhal 9 29 Casal do Figeiro e Cima da Igreja 4 30 Ald. de Espite 20 31 Quinta de Caldelas e Casal de Vale-bom e

Verdelho e Soveral e Citões 10

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CENSO POPULACIONAL DE 1527

Fregll NO Nome(s) Fogos

Espite 32 Ald. do Linho (= Ninho) da Agea com Casal da Lagoa e Casal de Santarém dos Togos (Tojos) 11

33 Ald. da Borrearia com Casal dos Vales 5

S. Martinho 34 Ald. da Loureira e Pedromem 8 35 Casal da Pinheiria e Gordaria 10 36 Ald. da Barreiria 10 37 Casal de V ale Maior e 38 Ald. do Arrabal 9 39 Ald. do Soutosico e Casal da Porqueira 22 40 Ald. do Vidigal 15 41 Ald. dos Azambujos 6 42 Ald. de Famalicão 5 43 Ald. da Abadia e Moinho do Pombal 5 44 Ald. do Alqueidão das Neves 5 45 Ald. das Cortes 33 46 Ald. do Porto da Lama e Corvachia 12 47 Ald. das Fontes 9 48 Ald. da Reigida (Reixida) e Moinho da Vigaria 5 49 Casal da Amoreira e Casal de Rio Seco 3 50 Ald. de Torre de Magueixa e Casal da Alcaidaria 51 Piqueiral e Porrinhas (= Torrinhas) 6 52 Ald. do Reguengo 64 53 Ald. da Mouta Longa e Chainça 11 54 Ald. do Alqueidão da Serra 19

St2 Estêvão 55 Ald. de Alcanada 12 56 Ald. de Cima das Brancas 34 57 Ald. de Baixo das Brancas 18 58 Ald. de Cela e Outeiro e Pinheiro 14 59 Ald. da Rebolaria 24 60 Ald. dos Forneiros 13 61 Casal do Alho e o de Boquisacos (= Bicosacho) 7 62 Ald. da Golpilheira 26

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CENSO POPULACIONAL DE 1527

Freg' NV Nome(s) Fogos

St2 Estêvão 63 Ald. da Cividade 6 64 Ald. da Charneca 5 65 Ald. da Barreira 24 66 Casal dos Alhos e o da Moreira 5 67 Ald. dos Andreus 1 1 68 Ald. do Soveral (= Sobral) 1 1 69 Casal do Telheiro 1 70 Ald. do Vai do Oito (= Horto) 10 71 Ald. da Canoeira 11 72 Casal das Cabeças e Codiseira 6

S. Pedro 73 Ald. de Azoia 27

St2 Estêvão 74 Ald. de Cima (= Costa de Cima) 5 75 Ald. do Arnal e Casal do Vale Salgueiro 12 76 Ald. das Porcariças e Casal das Mangas 12 77 Ald. da Marinha e Casal da Gunha 10 78 Ald. de Barbas 9 79 Ald. da Melva (Mel voa) 12 80 Ald. do Porto do Carro 7 81 Ald. dos Cavalinhos 6 82 Ald. de Alcogulhe de Cima 8 83 Ald. de Alcogulhe de Baixo 10 84 Ald." de Pernelhas 5 85 Ald. do Buragal (= Brogal) 7

S. Pedro 86 Ald. dos Parceiros e Casal da Fervença 9 87 Casais da Ordem de S. João e de Diogo Botelho

e Chiou 3

Santiago 88 Ald. da Barosa e o Pisão 20 89 O Moinho de Lianor Vaz e Casais Juntos 9 90 Ald. das Coucinheiras e S. Pedro de Muel e

Casal da Marinha e Álvaro Gil 19 91 Ald. da Moor (Amor) e Casal dos Brexes 22

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CENSO POPULACIONAL DE 1527

Freg' NO Nome(s) Fogos

Santiago 92 Ald. de Carvide e Casais da Vieira e de Passagem 30 93 Ald. da Gandara e Casal da Baboeira

(= Vidoeira) e Porto do Urso 15 94 Monte Real 19

Souto 95 Ald. da Ervedeira e Casal Coimbrão 7 96 Casais da Marinha e de St1 Maria de Leiria e

de Cornegainha 8 97 Casais da Bajouca, Lágea e Carpalhosa 8 98 Arroteia e Casal do Pinheiro e Moinho de Arroteia 4 99 Casais da Mouta da Roda e de Cham e do Penedo

e do Monte Agudo 11 100 Ald. do Souto 8 101 Ald. dos Cunqueiros (= Conqueiros) 10 102 Ald. da Arroteia 10 103 Ald. do Picoto 6 104 Ald. das Várzeas 13 105 Ald. da Ortigosa 12

Santiago 106 Ald. da Lagoa e Casal da Ruivaqueira 6 107 Ald. de Riba de Aves 15 108 Ald. de Regueira de Pontes 21 109 Ald. da Matoeira e Casais 13 110 Ald. da Ribeira e Casal de Monte Agudo 11 1 1 1 Ald. d a Oureça (?) 8 112 Ald. das Chãs 9 113 Ald. da Gândara 14 114 Ald. dos Pinheiros 8 115 Casais da Alcaidaria e dos Matos 13 116 Casal da Bouça e Quinta de Francisco de Araújo

e Ribeira de Godim 8 1 17 Ald. da Baboeira (= Bidoeira) 5

Vermoil 118 Ald. de Carnide 8 119 Ald. da Ranha 4

__________________________________________________ 271

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CENSO POPULACIONAL DE 1527

Freg'J Nº Nome(s) Fogos

Vermoil 120 Ald. da Cham 8 121 Ald. do Soveral (= Sobral) 9 122 Ald. das Meirinhas 9 123 Ald. da Ranha de Baixo 12 124 Casais da Tiroeira e do Claro 8 125 Ald. do Tojal e Casal de Porto Velho e Palhaça 12 126 Ald. da Charancia e Casal do Crasto 6 127 Ald. da Calvaria 5 128 Ald. do Pocilga! (= Pocejal) 12 129 C-asal do Poderoso ( = Pedroso) e do Freixoal 6 130 Ald. de Vermoil 9 131 Ald. dos Cadavais e Casal do,Outeiro e Casal

da Barrosa das Freiras 13 132 Ald. da Marra e Casal da Murzeleira e Casal

da Falgaria (= Falgareira) e dos Azegios 13

S. Simão 133 Ald. da Garcieira 6 de Litém 134 Vila Gateira e Vila Verde 4

135 Casal da Cartaria e o da Ribeira e Pisões em volta 14 136 Ald. das Ferrarias e Pomares e Casal da Mosca

e Moinho do Porto e Moinho de Diogo de Almeida e Casal do Bacharel Álvaro Fernandez e Vila Galega e Azenha de Gil Afonso 25

137 Ald. do Arnal e Feitil 5

Colmeias 138 Casais da Estrada e Bouça e Coelha e Quinta das Colmeias 5

139 Ald. d'a Chumbaria e Casal do Outeiro e Casal do Crasto 1 1

140 Ald. dos Lourais e Casal do Barreiro e Casal de Lagares e Casal da Capoeira e do Reguengo e do Ziborim 17

141 Ald. da Portela 6 142 Casal da Raposeira e Moinho da Ribeira e

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CENSO POPULACIONAL DE 1527

Fregª Nº Nome(s) Fogos

Colmeias Lameira e Casal de João Serra e do Cachoparro e do Toco e Casal de Valvelido e da Farriposa 25

(Junto Quintã de António Vaz, criado do Marquês à vila) e da Coroa 1

Quintã de D. Henrique, irmão do Marquês 1 Quintã das Freiras de Stij Ana 1 Quinta de Henrique da Silva 1 Casal de Diogo Botelho 1

(Vila) (Corpo da Vila) 584 (Termo) 2.069

Total 2.653

Batalha 143 Batalha 77 144 Ald. de Vila Facaia 4 145 Ald. dos Adrões 5 146 Ald. dos Palmeiras 4 147 Ald. da Quinta do Sobrado 8 148 Ald. da Faniqueira 11 149 Casal junto à vila 12 150 Ald. da Jardoeira 5 151 Ald. dos Casais 4 152 Ald. da Maceira 7 153 Ald. da Maceira de Cima 8

Total da Batalha 145

Paredes 154 Paredes 27

Pataias 155 Pataias 11

Total 38

TOTAL GERAL DE FOGOS 2.836

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Face aos números expressos verificar-se-á facilmente o tremendo impacto que a "cidade" tinha na região, com os seus cerca de 77,86 habitantes por hectare (considerada uma área global de 30 hectares de espaço urbano).

No total, o número de lugares povoados é bastante elevado (registam-se 256 lugares) mas é a sua desigual distribuição mi­cro-regional que provoca as assimetrias descritas. Em termos rurais, parece-nos importante o estudo de um outro dado. O do espaço médio que cada lugar dispunha em relação à paróquia respectiva. Os resultados indicam a maior disponibilidade de espaço por lugar (aldeia ou casal) em Santiago e Souto (NW); dis­ponibilidades médias (200 ha a 500 ha) em S. Pedro, S. Marti­nho, Vermoil, S. Simão e Colmeias. Disponibilidades reduzidas em Espite (159,39 ha por lugar) e em Stº Estêvão (194,79 ha por lugar). Paredes é excepção pois que os seus dois lugares (Pare­des e Pataias) usufruiriam de uma área superior aos 4.000 hec­tares cada ou, mais precisamente, 9.668 hectares por lugar.

Teremos de considerar que se trata de um conjunto de con­trastes acentuados, mesmo numa análise algo mais geral que a de micro-escala com que lidamos, que a extensão do termo leiriense, herdado do distante�éculo XII, provoca em 1527.

Proporcionalmente teremos:

Freguesia Superfície Lugares S. Pedro 4,46% 4,68% S. Martinho 14,37% 12,50% Stº Estêvão 8,42% 19, 14% Santiago 26,95% 13,67% Espite 6,46% 17,68% Souto 12,84% 7,42% Vermoil 4,73% 9,76% S. Simão 3,42% 5,85% Colmeias 4,17% 8,20% Paredes 8,53% 0,78%

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RELAÇÃO ENTRE LUGAR E ESPAÇO NO POVOAMENTO RURAL LEIRIENSE EM 1527.

N

� �

Legenda: 1) • - 150-250 ha. 2) 111111 - 251-450 ha. 3) R:� - 451-650 ha. 4) :�::�;' - 651-900+ ha.

Escala: 11250.000 -

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Os números que acabamos de expor ilustram a assime­tria referida. Caso flagrante em Stª Estêvão com 8,42% da superfície considerada para 19,14% dos lugares dados; San­tiago com 26,95% de superfície para 13,67%; Espite com 6,4% para 17,68% dos povoados; Souto com 12,84% da superfície para 7,42% dos centros populacionais do espaço rural; Pare­des com 8,53% contra O, 78%.

Uma situação de proximidade e equilíbrio detecta-se para S. Pedro (4,46% para 4,68%), S. Martinho (14,37% pa­ra 12,50%) e S. Simão (3,42% para 5,85%).

Estes números talvez adquiram novo sentido se puderem ser comparados com outras regiões do País na mesma época.

Pensamos que este panorama é estrutural e consequen­temente relacionável e aplicável ao mundo baixo-medieval. Para as diferenças detectadas pensamos que servirão de jus­tificação tópicos de âmbito geográfico e conómico que serão as determinantes principais desta desigualdade populacional. Não anula estas ideias, obviamente, a necessidade de conside­rarmos o povoamento leiriense na sua dinâmica histórica.

Concisamente sabemos que o século XII se caracteriza à partida pela definição da micro-região como espaço "deserto". Conceito já discutido e que pensamos dever interpretar-se à luz dos mecanismos intelectuais e conceptuais dos homens undecentistas. Torna-se evidente também que a distribuição populacional não é estática ao longo dos séculos medievais. Nem todos os lugares existentes em inícios do século XIV per­manecem nos finais do século seguinte. Mas também nos pa­rece verosímil que as estruturas geo-demográficas na véspera da Pesta Negra de 1348 tinham atingido um nível que só será restabelecido após meados do século XV.

Este relacionamento, em termos estruturais, poderá ser realçado se compararmos os principais centros populacionais da região também em 1527. Leiria surge quase isolada como centro urbano de maior povoamento de que só num raio su-

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

HIERARQUIA DOS CENTROS POPULACIONAIS EM 1527.

N

* '

I

Coz Reguengo

• · . ,

Maiorga* '·,., .. ,�

* * Serr.Ventoso •: •• ·" Alcobaça Aljubarrota • Alvados

- - - - - - - · - - - - - - · - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - . - · . ., I

Minde

Legenda: *

�de fogos

• * '

*

30·50,

51-100.

100·200.

• Pombal

Ourém

*

I Escala: 1/250.000

,___.

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perior aos trinta quilómetros de distância encontrará povoa­ções de peso populacional significativo e, mesmo assim, fi­cando-se estas em cerca de um terço do que era a vila leiriense. Esta capacidade "congregadora" definira-se des­de muito cedo e representará uma outra posição estrutural desta cidade como "capital" populacional e/ou regional (7°).

3 - Povoamento e ritmos demográficos.

Poderemos interrogar-nos sobre a validade da aplica­ção da rede de povoamento encontrada em 1527 aos decé­nios, e mesmo séculos, anteriores, i. é, até que ponto o povoamento do primeiro quartel do século XVI denuncia a herança de épocas anteriores, se é, ou não, um povoamento herdado.

O confronto com as fontes documentais da primeira me­tade do século XV confirma-nos a permanência estrutural da rede de povoamento. Aliás, a relação de 1527 omite mes­mo alguns lugares desde cedo habitados, v. g. Monte Redon­do, Fonte Cova, Montijos (71), ao mesmo tempo que fornece alguns topónimos que a documentação medieva não assina­la, o que se explica pelo facto da sua escassez e da sua pro­veniência (monástica e régia) que é silenciosa quanto a determinadas áreas geográficas em que entidades, como as referidas, não tinham interesse algum. Significa isto, pois, que poderemos aceitar a equiparação do arrolamento de 1527 ao século anterior com relativa segurança.

Manteve-se a rede de povoamento, mas isto não signi­fica em absoluto que a hierarquização dos centros popula­cionais tivesse permanecido imutável. De facto, as estruturas detectadas em 1527 indiciam a maior prolifera­ção dos pequenos lugarejos face ao menor número dos luga-

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res populacionalmente mais significantes. Neste sentido, po­deremos falar de um povoamento extensivo, caracterizado pela abundância de pequenos núcleos mormente dos casais, facto registável noutras regiões da Península (72).

Observa-se também que, mau grado as variações demo­gráficas dos séculos tardo-medievais, as cabeças principais dessa rede de povoamento se mantiveram com entidades ju­ridicamente reconhecidas (nomeadamente como sedes de fre­guesia) e activas na reclamação da sua especificidade e pretensa autonomia. Os conflitos denunciados pelos procu­radores do concelho em cortes quatrocentistas sobre a recu­sa das populações das sedes de freguesias rurais em virem participar nas festas da vila, e em terem as suas próprias, podem ser testemunho da nossa leitura (73). Mas é também notória do enfraquecimento populacional da cabeça do con­celho, a insistência dos oligarcas locais na necessidade que tinham de que essas freguesias acorressem à vila, pois que "a gente he aquelle dia (Corpo de Deus) tam pouca e a festa tam mjnguada de cirjos que nom he pera huã tam nobrre ujl­la como he esta" (7'). Crise demográfica porventura genera­lizada a todo o termo, mas que não afecta aparentemente a hierarquia do povoamento. Contudo, surgem elementos no­vos neste contexto.

A afirmação da aldeia da Batalha e a sua força reivin­dicativa é um desses novos elementos na hierarquia. Para­lelamente, assiste-se à decadência, sobretudo na segunda metade de Quatrocentos, da póvoa das Paredes (75). Ao atro­fiamento de um povoado substitui-se, pois, a afirmação de outro, impulsionado por diferentes forças e interesses eco­nómic<r-sociais, é certo, mas dentro de uma proximidade geo­gráfica que importa realçar.

Em termos de definição espacial da população, a realida­de de 1527, em que nos aparece o sul concelhio mais forte-

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mente povoado do que as áreas restantes, é já visível na pro­liferação de maior número de centros de culto religioso nessa área nos séculos XIII a XV (76). Por outro lado, o esforço de po­voamento do litoral, fortemente impulsionado no reinado dio­nisino (fundação de Paredes, arroteamento do Campo de Ulmar, estruturação das póvoas de Ulmar e Camarinho), após o que parece ter-se atrofiado um tanto, é reimpulsionado pe­los reis de Avis que ordenam novos arroteamentos e dão es­pecial atenção à administração fiscal desse espaço, justificável pela importância entretanto adquirida pelo Pinhal, matas ad­jacentes e pelos terrenos agricultáveis ribeirinhos ao Lis (77). Este esforço de valorização do litoral, contudo, só parece ter sido demograficamente acompanhado na plenitude dos sécu­los modernos. Efectivamente, assistir-se-á a um surto demo­gráfico dessa área nessa época de que resulta, e é sintoma, a fundação de novas freguesias nomeadamente Monte Real, em 1512 (78), Batalha, em 1512 (19), Maceira, em 1517-24 (80), Mon­te Redondo, em 1589 (81) e Marinha, em 1590 (82). Mas também na parte oriental do concelho se assiste a um movimento se­melhante, confirmando-se como novos centros populacionais de vulto e dignos de passarem a encabeçar freguesias, Caran­guejeira, em 1527-29 (83), St"' Catarina da Serra, em 1549 (84), Cortes, em 1550 (85) e Stª Maria do Arrabal, em 1592 (86).

A colonização humana do litoral leiriense é fruto de um longo processo, secular, que só nas duas últimas centúrias atingiria plenitude e, até, primazia na liderança dos núcleos populacionais aqui situados (87).

À frágil densidade populacional leiriense de 1527 não devem ser estranhos os factores de contracção demográfica experimentados nos séculos XIV e XV. Atribuiremos à crise demográfica trecentista a falta de braços sentida nos reguen­gos de Leiria, nomeadamente no de Magueixa para o qual, em 1401, reclamava el-rei a necessidade de "ser bem laura-

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do e aproueitado como deue", coisa que não vinha suceden­do por míngua de braços, falta bem mais agravada por lhes tomarem "seus mancebos" e "filhos pera morarem com ou­tras pesoas contra suas vontades" (88). Esta medida seria re­novada por D. Duarte em 1433, regente D. Pedro, em 1443, D. Manso V, em 1450, e D. Manuel, em 1500 (89).

O caso de Magueixa parece-nos paradigmático. Não se trata efectivamente de despovoamento no sentido de aban­dono total dos lugares, mas antes dos efeitos de flutuações demográficas redutoras das disponibilidades de mão-de­-obra e, consequentemente, do retrocesso das áreas culti­vadas ou de um paralelo abandono da exploração de unidades de trabalho. Disto mesmo se queixava o prior de St<! Cruz de Coimbra vendo-se ficar sem os homens neces­sários ao amanho dos casais e terras do cenóbio coimbrão, levados por "pessoas poderosas", situação tanto mais afliti­va quanto por então ( 1408) andara grande "pestellença E que morerom os filhos e seruidores dos lauradores do dicto Mosteiro" (90).

É a falta de braços de trabalho que explicará o abandono de moinhos junto da vila como aquelas que, em 1411, eram re­feridos como que "huum delles pasaua de lxxx anos que era destroydo e ho outro era derribado" (91), o que nos leva, a acre­ditar na informação, às proximidades de 1331 como momento sintomático do início, ou da maturação, de uma crise mais ge­neralizada. Se é um facto que a fome grande de 1331 poderá ter levado inúmeras moendas a parar a actividade, mais difi­cil de explicar fica a longa duração da desactivação daquelas duas moendas em Leiria. A crise, contudo, ser-nos-á denun­ciada, ainda, pelas referências a vinhas mortas na periferia urbana. Em 1355, nas Sentas e Covelo existiam herdades "que soyam de seer vinha" (92); em 1379-1384, indicam-se duas cou­relas de vinhas mortas na Barosa (93); em 1383,junto à vila, ou-

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tra vinha morta (94), no Vieiro (1417) (94•), o mesmo se verifi­cando em 1407 (95). Detectam-se mais vinhas mortas na Bata­lha ( 1423) (95), em Sentas ( 1441) (96) , e em Stª Clara ( 1458) (97). Além das vinhas, detectam-se outros mortórios em Cortes (1455) (98), Gândara (um olival (1399) (99), e provavelmente na Caranguejeira, por 1389 (1°0).

Nas proximidades do concelho, a Peste Negra deixa mar­cas também em Pombal (1°1) e Ourém (102).

Os elementos colhidos inserem-se, de facto, nas flutua­ções demográficas encontradas para o Baixo Mondego (1°3), como para todo o País (104). A própria documentação coeva o testemunhava já, nomeadamente a carta régia de doação de Pataias ao mosteiro de Alcobaça ( 1374), cujas rendas eram "mujto apouquentadas asy pelas pestellencias que fforom co­mo pelas guerras que ouuemos" (1°5).

Os índices numéricos objectivos para o estudo da dinâ­mica populacional leiriense ao longo da Idade Média são, co­mo temos vindo a observar, muito escassos. Teremos, desta forma, de recorrer a elementos indirectos sem esquecer que por mais localizados que estes possam ser se devem inserir em pulsações mais profundas e de âmbito nacional.

Não é, portanto, forçado pensar que a crise frumentá­ria de 133 1 tão evidenciada nas fontes literárias dos cóne­gos de Stª Cruz, - para quem Leiria era, de seguro, um ponto abastecedor de primeira ordem - tenha atingido du­ramente o concelho (106). Mas será a Peste Negra de 1348 que mais marcas deixará na vida da comunidade nos decé­nios subsequentes. De facto, em 1364, o prior e cónegos crú­zios viram-se forçados a reduzir o número de clérigos em Leiria de quarenta para vinte e cinco, isto pelas "guerras e pestillençias e mjnguas dos fruitos da terra que hj mujto e ameudo abija e se segujam nos Reynos de portugal e do al­garue e na dieta villa e termho de leirea e nas outras comar-

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cas d aRedor em tanto que as terras eram mujto hermas e despoboadas e mjnguadas muj mujto de gentes e laurado­res e pobradores e dos fruitos dízimos e Rendas e direito que polia dieta Razam e aazos a dieta Egreia de Sancta Maria da pena e Egreias da dieta villa de leirea eram por ello mujto mjnguadas e defraudadas" (1°7). A mesma redução dos benefícios teve de ser uma vez mais acordada em 1409 ( 1°8) .

Numa proporção muito geral dir-se-ia que a Peste Negra e outras posteriores obrigaram a uma redução de 47,5% nos réditos auferidos pela igreja em Leiria, sensível redução pa­ra quase metade, o que é conforme ao apontado para outros lugares do País ( 109) .

A Peste de 1348 foi de facto um grande marco, digno de referência na memória da comunidade. Não estranha, aliás, que em 1386, João Fernandes Caieiro, para situar determi­nadas obras num moinho da vila, afirme "que el sabia que ante da pestelençia grande Aueria huns trjnta e sex annos se mays nom meeõs estam huã parede Alçada de lageas na­diuees e de pedra em direito do Arco do mojnho do rrego" (u0). O testemunho por referência a 1348, aqui usado, efectiva­mente, só tinha validade na medida em que era algo bem gravado na memória do grupo que o interpelava . . .

Surtos epidémicos menores atingiriam a vila por 1433 e 1468, provocando "carestias" e o aumento das "Revellias dos allardos" (111). Estes surtos ocasionais eram frequentes por toda a parte (112). Leiria não é, neste aspecto, um lugar de excepção.

Os indícios de crise demográfica perpassam ainda nal­guns capítulos especiais de Leiria em Cortes. Nas de Lis­boa de 1439, reclamava-se pela pouca gente que concorria à procissão do Corpo de Deus (113) , assunto denunciado de novo em 1459 (114) e 1498 (115). Nas segundas cortes de Lis­boa de 1455, reclama-se contra a falta de lavradores por

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"que esta terra sse vay a perdiçom per minga de pam E de Lauoiras que sse [nom] fazem E as terras nom sse aproue­tam como deuem", propondo-se a interdição ao engrossa­mento do grupo dos mesteirais (serradores, carpinteiros, almocreves) com base na camada dos lavradores (116). Assi­nala-se ainda a míngua de pão, de carne e de peixe nas Cor­tes de Lisboa de 1456 (117).

Deve assinalar-se também a tendência crescente do em­pobrecimento generalizado dentro da camada social tradicio­nalmente encarregada das funções militares. A evolução do grupo de besteiros do conto no concelho, de finais do século XII a meados de Quatrocentos é eloquente das crises que o afectavam. Em 1439, afirmava-se que os besteiros "ssam tam pobres" que tudo perderiam se se lhes fizessem pagar as re­velias aos alardes dos anos anteriores (118). Em 1456, a vila apresentava perante o rei o mesmo problema pois que havia nela "alguus homeens" que "encorreram per necessidades E ocupaçõoes Em alguuãs rreuelias dos alardes que os coudees fezeram E ora ssam por ello demandados E porque por azo dos saimentos que foram fectos E desse do pedido que paga­ram E ora ham de paguar sam tam gastados e prouees que nom podem a tanto Dampno soprir" (119). É dentro deste con­texto que vemos o rei autorizar a passagem de quarenta pa­ra vinte besteiros do conto, que a vila ficaria obrigada a apresentar, em 1458 (120).

Ainda que nesta carta se estabelecesse que os restantes vinte passariam a prestar serviço braçal na manutenção das valas dos reguengos (espécie de serviço que, aliás, já tinha antecedentes nas tarefas que eles executaram de corte e transporte de madeiras do Pinhal régio, por 1455-1456 (121)), importa acentuar a quebra para metade do número de bes­teiros relativamente à realidade do concelho no reinado dio­nisino (122). É um facto que este decréscimo não derivará

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directamente de crise demográfica, mas antes de um empo­brecimento generalizado que leva boa parte dos afazenda­dos da vila a procurarem protecção junto de elementos da aristocracia nobiliárquica ou do próprio rei, fazendo-se seus vassalos e adquirindo isenções de serviços. Desta forma, não estranha que os coudéis se tenham debatido com falta de ho­mens suficientemente abastados para recrutamento, aca­bando por lançar "cauallo e armas a homens proues dessa vila que nom sam pera ello e esto porque o aualliamento que lhes faz dos marcos da prata he muy baixo. E has cousas de seus beens que lhes apreça sam mui altas" (123).

Mas o empobrecimento de que falamos é, de uma forma plural, fruto de carestias de géneros provocadas pela falta destes que, como se viu, se produziam cada vez menos no termo. Ora, tal acontecia justamente pelo facto do concelho estar "muyto despouoado" (1458) (124). A redução do número dos besteiros do conto foi, portanto, uma consequência indi­recta dos ritmos demográficos que se verificavam.

Para tentar debelar a escassez de pão que atingia a re­gião, D. Monso V promove a renovação dos arroteamentos do Campo de Ulmar para os quais "os moradores da nossa villa de leyria e sseu termo nos outorgaram dous dias de seruiço ca­da huu pera ajuda de sse abrir" ( 1458) (125). Paralelamente, renovaram-se os vinhedos régios, reconstruíram-se ou edifi­caram-se de raiz engenhos de moagem de pão, lagares de azeite, celeiros e adegas (126) . Elementos estes que nos pare­cem ser sintomáticos de uma tendência de recuperação, "tí­mida", que culminará somente em meados de Quinhentos (127). No segundo decénio desta nova centúria detectam-se arro­teamentos em locais que, aparentemente, sempre estiveram consagrados a matagal. Assinalam-se, assim, as sesmarias régias de matos em Lapedo ( 15 10-1514) (128) , Parracheira ( 1512-1514) (129),junto da cidade ( 1513) (130), no Freixial (1513-

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-1514) ( 131) em A-de-Barbas e na Ervedeira ( 1516-1521) (132). Na documentação compulsada é, de facto, a primeira vez que se detectam arroteamentos junto destes lugares onde exis­tiam matas reais de vulto.

Entretanto, as obras de abertura do Campo de Ulmar promovidas por D. Afonso V poderão ter tido continuidade no reinado de o Venturoso, isto a atentar no pedido feito pelos procuradores concelhios de Leiria, nas Cortes de Lisboa de 1498, nesse sentido. Pedido de que ignoramos a resposta ré­gia (133), mas que vale como formulação comprovadora da re­cuperação demográfica que se ía fazendo sentir.

Essa recuperação populacional é atestada também a ní­vel eclesial pelo restabelecimento do número de quarenta clérigos seculares, em meados do século XV ( 134), pela amplia­ção do convento franciscano no último quartel do século XV ( 135) e pela fundação de um novo convento feminino em 1494 ( 136) . Entretanto, quer pelo aperfeiçoamento do aparelho ad­ministrativo-governativo do Reino, quer como fruto de maio­res disponibilidades de gentes, o número de oficiais locais mais do que duplica no final do século relativamente aos pri­meiros lustros de Quatrocentos.

Apesar destes indícios reveladores de progresso demo­gráfico, o povoamento debater-se-ia, ainda, com a questão da sua insuficiência agravada, porventura, pelo processo emigracional provocado por factores exteriores (a atracção de Lisboa e as consequências da expansão e colonização ul­tramarina serão os principais (137)).

Leiria, desta forma, confirmará a integração "no chama­do Triângulo Litoral Português, tendo com vértices Vagos, Coimbra" e ela própria, com características demográficas es­pecíficas, marcadas por uma tendencial insuficiência popu­lacional (138).

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4 - Movimentos migracionais.

Em torno de Leiria produziram-se movimentos migra­tórios humanos que conhecendo fases de maior ou menor vo­lume, de uma forma geral, nunca deixaram de se processar. Quer tivesse sido no sentido imigracional, quer no oposto. Os elementos disponíveis são, como é fácil de imaginar, bas­tante escassos e indirectos não permitindo séries quantita­tivas minimamente expressivas. Ainda assim, apontam casos individuais que devem inserir-se em movimentos de­mográficos mais profundos.

Importaria conhecer o número de migrantes, as origens e os destinos, bem como a sua categoria social, à semelhan­ça do que pode ser averiguado para outras cidades (139). Mas é impossível responder com plena satisfação a estes quesitos.

Recordemos que o fenómeno imigratório foi uma estru­turante na formação e afirmação de Leiria como centro con­celhio urbano. No entanto, o seu ritmo nos séculos XIV e XV corresponderá necessariamente a outros condicionalismos que o distinguem, de imediato, do que se verificara em ple­nos séculos XII e XIII. Acresce que na Baixa Idade Média o surto emigracional é bastante evidente, - o que até então não transparece claramente na documentação - o que alte­ra de facto os quadros de interpretação que serviram para analisar o período cronológico antecedente.

Por norma, as imigrações registadas no País são funda­mentalmente regionais e campesinas, entendendo-se por re­gional uma área de atracção próxima de um raio de trinta quilómetros em volta da cidade ou vila (140). No caso de Lei­ria, contudo, o quadro geográfico da origem dos novos mora­dores apresenta-se mais vasto.

Do ponto de vista meramente imigracional podemos con­tabilizar trinta e dois casos para o século XIV e vinte e um para a centúria seguinte.

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A subdivisão em termos cronológicos dá-nos uma ima­gem mais precisa do fenómeno:

Imigração para Leiria entre 1301-1500

Até 30 lon 30-50 lon 51-100 lon e + Total

1301-1350 - - 1 1 1 3 5 1-1400 5 4 2 3 3 2 1401-1450 5 2 4 1 1 1 4 5 1-1500 1 1 8 10

Totais 1 1 7 36 5 3

% 20,75 13,20 67,92 100

Estes números omitem todos os elementos que respei­tam ao processo de construção do mosteiro da Batalha - que tratámos isoladamente - para evitar distorções. Mas os re­sultados aqui expostos confirmam o que se virá a detectar para a Batalha: o maior núcleo de imigrantes é oriundo de áreas muito distantes de Leiria (141) . Bastante mais signifi­cativos, aliás, que o conjunto de imigrantes de aldeias vizi­nhas da sede do concelho. A atracção por Leiria, desta forma, parece explicar-se por razões externas aos problemas micro­-regionais. De facto, Leiria parece funcionar como centro de recepção para grupos oriundos de vilas e cidades quer nor­tenhas (Montemor-o-Velho, Aveiro, Caminha, Braga, Arou­ca, Porto, Viseu, Amarante, Pinhel, Góis, Lourosa, Chaves), quer meridionais (Arronches, Beja, Atouguia, Torres Novas, Elvas). A estes acrescentavam-se alguns estrangeiros (Ba­yonne (?), "Eyllan", Palermo, Veneza, Castela e Galiza).

A saída desses homens destas cidades e regiões parece­-nos só obter justificação em causas e elas endógenas·, enquan­to a sua fixação em Leiria se pode explicar pela disponibilidade de terras e de postos de trabalho. Na verdade, os casos detec-

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tados colocam-se todos dentro da camada popular com activi­dades que se prendiam com a agricultura (e, então, vemo-los como pequenos foreiros ou proprietários alodiais amanhando almuinhas, vinhas, pequenas leiras de terra ou herdades) ou os mesteres (e encontramos albardeiros, almocreves, sapatei­ros, mercadores, alfaiates), ou até noutras áreas profissionais, como era viver "por soldada", ser monteiro do rei, ou, até, o caso da prostituição, como acontecia com uma Vila Crecia, sol­teira, castelhana, manceba residente na vila (142)).

Mas encontramos também alguns desses elementos, de origem exterior ao concelho, a ocuparem cargos da governa­ção local. O mais evidente foi Martim Peres de Beja, juiz da vila em 1368 (143). Aparentemente, só uma vila depauperada mesmo no seio da sua camada oligárquica pode consentir, numa fase, recordemo-lo, de após Peste Negra, a direcção de alguém com origens exteriores bem vivas. Esta perspec­tiva é ainda extensível ao facto de ser no período de 1351--1400 que maior número de imigrantes se detecta.

No raio mais próximo de Leiria, os pontos de origem são sobretudo Cós, Ourém, Soure e Pombal. No interior do con­celho as aldeias que fornecem novos citadinos foram, justa­mente, Alcanada, Azoia, Marinha, Oupeia, Vieira, "Bruagal" (Brogal, fregª de Parceiros) . A procura do ambiente citadino pelos campesinos leirienses foi uma realidade, mas apare­ce-nos como algo fugaz e de menor peso ou impacto. Isto in­sere-se, um pouco, nas estruturas de povoamento de inícios de Quinhentos - e correspondendo, como vimos, a uma he­rança estrutural - em que o termo é demograficamente su­perior ao centro urbano.

A que nível social pertencem estes vizinhos rurais de Leiria? Pouco se pode acrescentar, excepto que eram pessoas afazendadas que alugam casas a senhorios como o mosteiro de Alcobaça (144), passando a residir na rua de Alcobaça, pró­ximos, pois, do principal centro comercial da vila, ou nas ime-

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diações de Stº Estêvão (145). Aparentemente, as suas origens parecem ser maioritariamente rurais, mesmo quando o úni­co elemento determinador de origem é o topónimo de uma cidade ou vila, facto que não prova uma efectiva imigração de cidade a cidade mas antes, e mais prudentemente, de uma área regional para uma vila estremenha bem localizada jun­to de vias de comunicação tão significativas com as que liga­vam o norte do País a Lisboa ( 146).

Os leirienses emigraram também em proporções não menos significativas que às das entradas de gentes. Isto é observável tanto entre cristãos, como entre a minoria judai­ca da vila. As razões dessas saídas humanas eram certamen­te diversas, mas decerto todas elas dominadas pela procura de melhores condições económicas, quer quanto a trabalho, quer quanto à angariação de bens e propriedade ou riqueza.

Fizeram-no com frequência. Nos últimos anos de Duzen­tos, encontramos leirienses em Arronches (147), Coimbra (146), Óbidos (149). A primeira metade do século XIV dá-nos testemu­nhos de emigrantes em Lisboa (150), Coimbra (151), Óbidos (152), Elvas (153) e Santarém (154). Na segunda metade do século, en­contramos Coimbra (155) e Lisboa (156) como centros de morada.

Os centros de destino diversificam-se no século XV. En­tre 1401 e 1450 encontramos como locais de morada, Rio Maior (157), Cantanhede (158), Arronches (159), Coimbra (160), Lis­boa (161). Na segunda metade do século, os destinos citam-se em Viseu (162), Portalegre (163), Turquel (164), Santarém (165), Lisboa (166), Loulé ( 167), Borba (168) e Mortágua ( 169). Por seu turno, a população judaica originária de Leiria escolhe pre­ferencialmente Évora (170), Guarda (171), Portel (172), Lamego ( 173), Celorico (174), Beja (175), Alverca (176) e Aljubarrota (177).

De todos os casos citados verifica-se que os destinos de emigração se situavam maioritariamente no País meridio­nal, sobretudo o Alentejo ou a Estremadura litorânea, ten­do entre os centros mais apetecidos Lisboa, Santarém e

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Évora; em menor escala surgem Óbidos ou os concelhos dos coutos alcobacenses como Turquel.

A norte destacava-se Coimbra como centro primeiro. A minoria judaica leiriense, contudo, preferia a Guarda.

As motivações que conduziam à emigração nem sempre nos são conhecidas. Para Arronches, por exemplo, tratava­-se de uma emigração temporária, motivada por pena de de­gredo para esse couto de homiziados (178). Mas tal motivo já não se aplica a outros casos.

Como refere Reyna Pastor, "a emigração é sempre selecti­va e o que emigra é o elemento mais activo" (179), resignado a aceitar condições de permanência que se pautavam por uma certa marginalidade face à comunidade de destino. Tal aconte­cia com Afonso Eanes de Leiria, clérigo de Stª Maria de Óbidos, morador no Arrabalde do Vale daquela vila, zona extra-muros de tímido prestígio e marginal ao centro da vila (180).

Na procura de riqueza e de melhor vivência, decerto, es­taria o grosso das razões por que emigravam os leirienses. Ou então, por que procuravam explorações rentosas a distâncias consideráveis da vila. Não estranha, por isso, que encontre­mos, em 1431, quatro moradores na vila e termo a amanha­rem terras de Stª Cruz de Coimbra no Louriçal (181); ou, até, que decénios atrás, o clérigo Martim Peres de Leiria e demais herdeiros arrematassem a exploração da Quinta de Bera (c. Coimbra) a particulares e ao convento de Stª Ana de Coimbra, o que se manteve ao longo de vários decénios (182).

Outros que partiam, procuravam desfazer-se dos bens de herança, sobretudo se se fixavam em locais cuja distân­cia interditava uma atenção cuidada e zelo por esses bens. Assim sucedeu com João Lourenço Pereira, escudeiro, mora­dor em Rio Maior, que vende todos os seus bens em Maceira à Sé de Coimbra, em 1403 (183).

Emigrava-se, ainda, por razões de mancebia (184) ou pa­ra serviço régio em montarias distantes (185).

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Desta forma, torna-se impossível estabelecer valores demográficos seguros sobre o fenómeno da emigração, quer quanto a índices percentuais, quer quanto a ratios de secto­res masculinos ou femininos, de casais ou de celibatários e, até, de idades. À excepção das saídas por exílio temporário todos os restantes elementos compulsados nos apresentam face a uma emigração aparentemente definitiva. Só isso, aliás, parece poder justificar a predominância de centros de fixação distantes de Leiria a mais de cinquenta e de cem qui­lómetros.

Aos fluxos imigracionais que traziam a Leiria o comple­mento de forças vivas de que carecia e para os quais predis­punha de capacidade assimilatória, contrapõe-se uma corrente emigratória que impunha o afastamento dos ele­mentos para os quais as condições de vivência e de enrique­cimento não eram satisfatorü1mente compensadoras (186).

5 - Os censos de 1527 e 1537.

A vila de Leiria tinha, em 1527, 584 fogos e, dez anos mais tarde, 588, o que representa um aumento pouco sensí­vel (0, 7%) da população.

No termo a situação era diferente. Com efeito, conta­ram-se 14 76 vizinhos ou fogos distribuídos espacialmente na forma que antes se examinou.

A evolução global entre 1527 (2060 moradores) e 1537 (2149 moradores) representa um acréscimo de quase uma centena de fogos num decénio. Isto mesmo se poderia apli­car ao concelho vizinho da Batalha, que de 145 fogos passa para 186.

Iria Gonçalves, reportando-se ao censo de 1537, sublinha o papel de Leiria como centro urbano por excelência nesta re­gião, pois que: "a pequenez de todos os núcleos populacionais

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em presença (Comarca de Leiria) . . . trazia como consequência que uma vila como Leiria, com os seus escassos 588 fogos, se destacasse como uma muito importante povoação à escala re­gional" (187). E, em nota, a referida autora acrescenta: "Exis­tiam, aliás, por toda a região, muito poucas povoações sequer comparáveis a Leiria. Pode citar-se apenas, como mais pró­xima, Tomar, e um pouco mais distanciadas, Abrantes e Sar­doal. Povoações importantes teríamos de ir procurá-las a Norte em Coimbra e a Sul em Santarém" (188).

O concelho era, no entanto, maioritariamente composto de população rural, realidade, aliás, própria de um centro de província. A situação pode definir-se como de povoamento disperso por diminutos aglomerados populacionais em que as aldeias maiores se situam a sul da vila tais como Reguen­go do Fétal (64 moradores) e Cortes (33 moradores). Aldeias médias seriam as de Azoia, Caranguejeira, Espite, Soutoci­co, Alqueidão da Serra, Brancas, Barreira, Barosa, Amor, Monte Real e Regueira de Pontes, todas na casa dos 20 fogos.

Ainda assim, o grosso da população habita numa infin­da dispersão de pequenos lugares, quintas e casais. Neste conspecto a vila tinha um peso esmagador efectivo.

A distribuição dos núcleos populacionais concentra-se em torno dos eixos fluviais sobretudo o Lis e o Lena. Junto de ter­renos de aluvião, portanto. De facto, as principais aldeias er­guem-se nas suas imediações ou, caso da Caranguejeira, em terrenos férteis com eixos fluviais alfuentes do rio de Leiria.

Por contrapartida, regista-se um litoral menos densa­mente povoado, mesmo muito pouco povoado, aliás, o que coincide com o que se detecta para os Coutos de Alcobaça em idêntico período (189). O Concelho de Leiria é, contudo, mais povoado que o espaço alcobacense. A densidade de 3,5 fogos, em 1527, e de 4,3 fogos, em 1537, por km2, indicados pela re­ferida autora, pode classificar-se como próxima mas inferior à daquele ( 190).

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A POPULAÇÃO E Q POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

RELAÇÃO POPULACIONAL VILA - TERMO

WIJ URBANO

RURAL

Htd URBANO

RURAL

Do ponto de vista demográfico, o contraste entre vila e termo tem como principal característica o estar 28,3% da po­pulação localizada na vila. Proporção próxima da de outros centros estremenhos ( 191).

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Socialmente a população privilegiada distribuía-se em 70,51% pelo campo e 29,48% na urbe (192). Estes valores re­ferem-se a 1537 para o qual temos elementos bastante mais precisos do que para o decénio anterior. Neste apenas nos são indicados 93 privilegiados ( 4,51% da população total), quantitativo manifestamente inferior aos 685 privilegiados explicitados em 1537 ( 193).

Numa abordagem concisa por "classes" sociais teríamos a tradicional tripartição na seguinte percentagem:

1527 1537

nobreza 2,57% 2,37% clero 1,94% 2,18% povo 95,48% 95,44%

Exclusivamente no centro urbano a proporção entre pri­vilegiados e não privilegiados é, em 1537, de 34,35% contra 65,64% respectivamente. Em termos de "classes" sociais, e considerando apenas a vila, temos naquele anos:

nobreza clero povo

6,63% 6,46%

86,90%

O que significa que o clero e nobreza eram grupos pro­porcionalmente mais afirmados no espaço urbano que o con­trário, i. é, se tivéssemos em atenção o espaço rural (194).

Esta situação prender-se-á com as funções de âmbito institucional e administrativo que a vila desempenha e, si-

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multaneamente, pelo próprio facto de ser no domínio urba­no que tradicionalmente se acumulava o mais significativo das actividades financeiras. É na vila que os oficiais do fis­co régio distribuem as tenças e graças outorgadas pelo sobe­rano aos mais diversos indivíduos e instituições. É, ainda, no espaço urbano leiriense que residem os "donatórios" da alcaidaria e da maior parte da fazenda real, os marquezes de Vila Real, em torno dos quais era mister concentrar-se uma pequena "corte de aldeia" composta pelos beneficiados com títulos de maior ou menor significado social.

Entre a população, em 1537, encontramos um número significativo de homens especializados em funções milita­res e para-militares. Constituem-no 35 besteiros, 30 espin­gardeiros, 19 guardas do Pinhal e 1 mateiro. No todo é uma população militarizada de 85 elementos, proporcionalmen­te superior a cada uma das outras "classes" sociais. Os seus 3,95% no seio da totalidade dos habitantes do Concelho as­sume, na vila, a percentagem de 7 ,48%, e no termo a de 2,62%.

Não estranha a maior vigilância da "cidade" face ao ter­mo. Se é um índice tradutor, pelo menos aparentemente, de maior serviço e requisição dentro de Leiria, não deixa de tra­duzir também a tendência para acautelar a salvaguarda da riqueza dos poderosos nela moradores.

Já as profissões liberais (5 graduados, 1 boticário, 1 professor dos moços) representam tão só 1, 19% da popula­ção urbana.

O mais dos privilegiados compõe-se de mesteirais liga­dos às obras da Batalha (195) e de caseiros de instituições re­ligiosas ou individualmente privilegiados pelo rei pelas mais diversas razões. Retirando-lhe os "nobres", clérigos, agen­tes militares e para-militares e profissionais livres ficamos ainda com 495 privilegiados (72,26% do grupo).

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GRUPOS SOCIAIS EM 1527-1531

CLERO 2%ca.

D NOBREZA 2% ca.

VILA

. POVO 86,90%

CLERO 6,46%

,,,, ���� NOBREZA 6,63% , , ,

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As taxas de viuvez eram também mais elevadas na vila (23,8%) que no campo (15,9%). Proporções consideradas avultadas (196) numa Estremadura com uma taxa média de 22% e num País em que ela se situava em 17% (197).

Comparativamente aos índices de habitação urbana por hectare propostos por C. Torres-Balbàs, de 348 hab. por hectare, mesmo para épocas plenamente medievais, os cerca de 30 hectares urbanos de Leiria em finais do século XV, multiplicados por aquele índice, dariam 10.640 habi­tantes. Número algo excessivo mesmo, como vimos, para 1527 ou 1537, com a população urbana situada nos 2336 habitantes (198) .

Mais realista será a média indicada de 160 hab/ha pa­ra as cidades mediterrânicas por Oliveira Marques ( 199). Com ele já alcançaríamos os 4.800 habitantes. Mais próximo do real mas ainda assim excessivo . . .

Uma rua medieval leiriense, exemplo a de Alcobaça, era constituída por cerca de oito prédios de habitação, ainda que com casas sobradadas, pardieiros e cortinhais, a que corres­pondem outros tantos foreiros ou moradores. O que dará cer­ca de 32 pessoas ali estabelecidas, se contabilizarmos por cada foreiro um grupo familiar igual a quatro pessoas. Mas, nessa mesma rua, há notícia de outros proprietários. Com um pouco de ousadia calcularíamos um número de habitan­tes naquela artéria próximo da meia centena (200) .

Comparando com outras vilas ou cidades, caso da Guar­da em que encontramos ruas com 24 (r. de S. Vicente) e 14 casas (r. Direita) (2°1) parece-nos que Leiria estaria próxima das estruturas ali detectadas sob o ponto de vista da relação entre o número de habitantes e rua. Comparação, sublinhe­-se, profundamente hipotética e falaciosa dado cada centro urbano ser um caso característico, sofrendo excepções a re­gras e sedimentando as suas próprias originalidades.

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NOTAS

1. Estudo redigido em 1987/88, para o seminário "Cidades Medievais Por­tuguesas", sob orientação do Prof. Doutor A. H. de Oliveira Marques, do Mestrado em História Medieval, na Faculdade de Ciências Sociais e Hu­manas, da Universidade Nova de Lisboa. Editamo-lo agora com ligeiros melhoramentos e alguma actualização na área da bibliografia regional.

2. Sobre esta questão remetemos para o nosso estudo Introdução à Histó­ria do Castelo de Leiria, Leiria, Câmara Municipal, 1995, cap2s 1 a 4.

3. Saul Gomes, "A Praça de S. Martinho de Leiria do Século XII a 1546", Mundo da Arte, II Série, nº 14, Janº-Março de 1990, pp. 57-78; Idem, "A Organização do Espaço Urbano numa Cidade Estremenha: Leiria Me­dieval", A Cidade. Jornadas Inter e Pluridisciplinares, Actas, Vol. II, Lis­boa, Universidade Aberta, 1993, pp.81-112; Luciano Coelho Cristina, "A Vila de Leiria em 1385", Jornadas Sobre Portugal Medieval, Leiria / 1983, Leiria, Câmara Municipal, 1986 [1987), pp. 171-220.

4. Saul Gomes, "Organização Paroquial e Jurisdição Eclesiástica no Priora­do de Leiria nos Séculos XII a XV", Lusitania Sacra. Revista do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, To­mo IV, 2Q Série, Lisboa, 1992, pp. 163-310.

5. Saul Gomes, "O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média", Iti­nerarium, XL (1994), Braga, pp. 399-502.

6. José Mattoso, "A Cidade de Leiria na História Medieval de Portugal", Frag­mentos de uma Composição Medieval, Lisboa, Estampa, 1987, pp. 95-98.

7. Cf. Saul Gomes, Porto de Mós Medieval. (Breves Subsidios Documentais para o seu Conhecimento), Porto de Mós, Câmara Municipal, 1985, pp. 13-27; Idem, Documentos Medievais Sobre Monte Redondo, Lisboa, Mu­seu Etnológico de Monte Redondo, Col. "Cadernos Património", n2 2, 1986, pp. 23 e segs.

8. Documentos Medievais Portugueses - Documentos Régios , Vol. I -Do­cumentos dos condes portugalenses e de D. Afonso Henriques, A. D. 1095-

-1185, t. I, (Org. Rui de Azevedo), Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1958, doe. 189 (doravante citado pela abreviatura DR - 1).

9. Cite-se especialmente de Ch. M. Higounet, Paysages et Villages Neufs du Moyen Âge. Récueil d 'articles, Bordeaux, Fédération Historique du Sud­-Ouest, 1975, pp. 67-116, 401-448. Neste último, aliás, as páginas sobre "!e peuplement de Toulouse au XIIe siecle" (pp. 401-405) são modelares para Leiria. Os limites de uma visão estatística aplicada à demografia me­dieval foram expostos, com argumentos ainda hoje válidos, por J. Heers, "Les Limites des Méthodes Statistiques pour les Recherches de Démogra-

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phie Médiévale", Annales de Démographie Historique, Paris, 1968, pp. 43--72; R. Fossier, "Peuplement de la France du Nord Entre le xe et le XVIe

Siecles", Annales de Démographie Historique, 1979, Paris, pp. 59-97. 10. Este tipo de abordagem para o caso leiriense foi, entretanto, experimen­

tado por Pedro Barbosa na sua tese de doutoramento defendida em 6.1.1989. Veja-se deste autor Povoamento e Estrutura Agrícola na Estre­madura Central. Séc. XII a 1325, Lisboa, INIC, 1992, pp.165-171.

11. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Por· tuguesa, Lisboa, Confluência, 3 vols., 1984, ss.vv . .

12. José Pedro Machado, op. cit., s.v. "Moniz".

13. Cf. A. Barbero e M. Vigil, Sobre los Origenes Sociales de la Reconquista, Barcelona, Ariel, 1979, passim.

14. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (= ANTT) - St<J Cruz de Coimbra, 1ª incorp., mº 14, doe. 25, mº 15, doe. 27 (1180); ld., Sé de Coimbra, mº 15, nº 34 (1257); mº 12, nº 21 (1235); Id., Mosteiro de Alcobaça, 1ª incorp., mº 16, n2 38 (1280); Id., ibidem, Dourados, Livro 3, fl. 153vº, nº 101 ( 1223).

15. Cf. Saul Gomes, "A Mouraria de Leiria. Problemas Sobre a Presença Mou­ra no Centro do País", Estudos Orientais II - O Legado Cultural de Ju­deus e Mouros, Lisboa, Instituto Oriental da Universidade Nova de Lisboa, 1991, pp. 155-177.

16. A designação de certos lugares pelo nome do proprietário é frequente nos séculos da Reconquista hispânica. (Vd. Angel Barrios García, "Repobla­ción de la zona meridional dei Duero. fases de ocupación, procedencias y distribución espacial de los grupos repobladores", Studia Historica, Vol. III, nº 2, 1985, pp. 42-43, 50-51; Luis Martinez Garcia, El Hospital del Rey de Burgos. Un Seiíorio Medieval en la Expansión y en la Crisis (Si· glos XIII y XIV), Burgos, 1986, pp. 244-245). Em Palácio Randulfo ti­nham herdades os Anaias, entre outros, família bastante ligada ao povoamento leiriense. Dessa família saiu a mulher de Randulfo Soleimas (José Mattoso, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros. A Nobreza Medie­val Portuguesa nos Séculos XI e XII, Lisboa, Guimarães Editores, 2 ª ed., 1985, pp. 210-211).

17. DR - I, doe. 189; ANTT - St<J Cruz de Coimbra, 1ª incorp., mº 12, nº 19 ( 1189), mº 14, nº 25 (fins séc. XII), mº 15, nº 27 ( 1 180), mº 12, nº 19 ( 1189), mº 15, nº 26 (1210).

18. Saul Gomes, "A Antroponímia Judaica de Leiria Medieval (Subsídio pa­ra o seu conhecimento)", História e Crítica, nº 13, Lisboa, 1986, pp. 53--58; Idem, "Os Judeus de Leiria Medieval como Agentes Dinamizadores da Economia Urbana", Revista Portuguesa de História, T. XXVIII, Coim­bra, 1993, pp. 1-31.

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19. Portugaliae Monumenta Historica - Scriptores, Lisboa, Academia das Ciências, 1856, p. 12; DR-I, nº 189; Documentos de D. Sancho I (1174-

-1211), (Org. Rui de Azevedo, Avelino de Jesus da Costa e Marcelino Pe­reira),Vol. I, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1979, nº 84 (doravante será citado pela abreviatura DR - II); ANTT - 22 Compartimento, mº 182 , Convento de Semide, mº 1, nº 2 (1175); Id., StQ Cruz de Coimbra, 1ª incorp., mº 11, nº 26, nº 12, nº 19 ( 1 189); ld., ibidem, Livro 8, fl. 18, doe. 34; Id., Livro de Mestrados, fls. 43-43vº (1205); id., Mosteiro de Alcoba­ça, 1ª incorp., mº4, nº 36 (1226). Cf. José Pedro Machado, op. cit.,ss.vv. "Anaia", "Eitas"; Rui de Azevedo, Documentos Falsos de Stº Cruz de Coimbra (Séculos XII e XIII), Estudos de Diplomática Portuguesa, I, Lis­boa, 1932-35, pp. 18-20, passim.

20. José Mattoso pressupõe como duas pessoas diferentes Paio Guterres, alcaide de Leiria, e Paio Guterres (da Silva), coimbrão (Ricos- Ho­mens . . . , p. 185-186). Cremos que é a mesma pessoa. Sabe-se que Paio Guterres foi cativado em 1140, o que coincide com o desaparecimento de Paio Guterres (da Silva) das subscrições da chancelaria régia realiza­das em Coimbra ou noutros locais. O último documento, isento de ob­jecções quanto a datação, em que aparece data de 1139, Junho (DR - I, nº 172). Em documento co data crítica de 1141, Fevereiro, o seu nome aparece entre as testemunhas. Mas este diploma segue um modelo de 1137, Setembro, e é muito provavelmente um caso de datação retarda­da, para um facto celebrado anteriormente (DR - I, nº 182 e nota críti­ca XXXIV). Prová-lo-á a própria subscrição de Paio Guterres, aliada aos argumentos e dúvidas do ilustre diplomatista, que na altura esta­ria ou cativo ou mesmo morto. Documentos de 1143 (DR - I, nº 200), 1166 (DR- I, nº 291, falso) e 1181 (DR- I, nº 344) referem-se no preté­rito a Paio Guterres. De facto, a fundação de Leiria e o papel estratégi­co que desempenha, para lá das funções honoríficas que poporciona, justifica a delegação de poderes régios em alguém de grande carisma dentro do grupo de cavaleiros conimbricenses que foram o "comando" da povoação e afirmação de Leiria. Sobre as ligações de Paio Guterres a Coimbra, consulte-se a obra recente de Leontina Ventura e Ana San­tiago Faria, Livro Santo de Santa Cruz. Cartulário do Século XII, Coim­bra, INIC, 1990, pp.45-60.

21. ANTT - Mosteiro de Alcobaça, 1ª incorp., mº 4, nº 36 (1226), mº 7, nºs 15 (1244), 37 (1249), mº 10, nº 13 (1259), mº 1 1, nº 14(1264), mº 12, nºs 4 (1270), 13 ( 1271), mº 14, nº 26 (1274), nº 34 (1274), mº 16, nº 19 (1278), mº 17, nº 8 ( 1283); ld., ibidem, 2ª incorp., mº 32, nº 808 (4) (1262); Id., Sé de Coimbra, 1ª incorp., mº 12, nº 23 (1233); ld., Stº Ana de Coim­bra, 2ª incorp., Cx. 1, "nº53" (1269); Id., Gavetas, VII, mº 6, nº 4 (1264), VIII, mº 1, nº 14 (1231); ld., Chanc. de D. Afonso II, Livro 1 , fls. 88-88vº (1268).

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22. ANTT - Mosteiro de Alcobaça, 1ª incorp., mº 1, doe. 10, mº 14, doe. 34, mº 18, doc.16, mº 19, doe. 16; mº 22, doe. 27; Id., ibidem, 2ª incorp., mº 1, doe. 18; mº 32, doe. 808 (4); Id., Stª Cruz de Coimbra, 2ª incorp., mº 18, doe. do "Alm.34, mº 1, nº 7"; Id., Gavetas, VII, mº 6, doe. 4; Id., Chanc. de D. Afonso III, Livro 1, fl. 88vº. Sobre a etimologia dos casos explicitados consulte-se José Pedro Machado, op. cit., ss.vv.

23. ANTT - Stª Cruz de Coimbra, 1ª incorp., mº 12, doe. 22.; Id., Most. de Al­cobaça, 1ª incorp., mº 4, doe. 36; mº 5, doe. 17; Id., Sé de Coimbra, 2ª in­corp., mº 86, doe. 3996. ("Vermudes" merece a José Pedro Machado (op. cit. , III, p. 1469) remi são para J. Piei. A interpretação deste vai no sen­tido de ser um étimo gótico relacionado com Berrnui e Verrnuy. Mas fica­-se na dúvida. Sobre esta mesma palavra, veja-se a provável solução em A. Barrios Garcia, "Repoblación de I� zona meridional dei Duero .. . ", cit., p. 43. Este autor refere serem os étirnos hispânicos com sufixo em - uy ca­racterísticos da área centro-pirinaica.

24. ANTT -Most. de Alcobaça, 2ª incorp., rnº 32, doe. 808 (4); Id., ibidem, 1ª incorp., mº 12, doe. 4; Id., Chanc. de D. Afonso III, Livro 1, fl. 88vº. Sobre D. Vataça Lascaris, veja-se Maria Helena Coelho e Leontina Ventura, Vataça - Uma Dona na Vida e na Morte, sep. das Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, Vol. I, Porto, 1987, pp. 11-14; Iisdern, Os Bens de Vataça. Visibilidade de uma Existência, sep. da Re­

vista de História das Ideias, vol. 9, Coimbra, Faculdade de Letras, 1987. Também para uma contextualização do fenómeno da imigração grega na Península, cite-se o exemplo de Burgos, estudado por J. A. Bonhacía e Hi­lario Casado, "La segunda rnitad dei siglo XIV y el siglo XV", Burgos en la Edada Media, León, 1984, p. 257.

25. ANTT - Most. de Alcobaça, 2ª incorp., mº 32, doe. 808 (4); Id., ibidem, 1ª incorp., mº 12, nº 12; mº 14, nºs 4 e 17; mº 18, nº 44; mº 19, nºs 5 e 45; Dourados de Alcobaça, 3, fls. 59-vº, nº 120; ld., Chanc. de D. Afonso III, Livro 1, fls. 88-vº; Id., Stª Ana de Coimbra, 2ª incorp., Cx. 1, "nº53".

26. Sobre o povoamento medieval de concelhos como Lisboa, Porto, Santa­rém ou Coimbra, consulte-se: A. H. de Oliveira Marques, "Depois da Re­conquista. A Cidade na Baixa Idade Média", O Livro de Lisboa (Coord. de Irisalva Moita), Lisboa, 1994, pp.89-113; Armindo de Sousa, "Tempos Medievais", História do Porto (Dir. Luís de Oliveira Ramos), Porto, Por­to Editora, 1994, 119-253; Maria Helena Coelho, O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média (Estudo de História Rural), Coimbra, Faculdade de Letras, 1983, pp. 5-81; Maria Ângela Beirante, Santarém Medieval, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1980, passim.

27. Vide, sobre o terna, Carlos Estepa Díez, "El alfoz y las relaciones campo­-ciudad en Castilla y León durante los siglos XII y XIII", Studia Histo­rica - Historia Medieval, Vol. II, nº 2, 1984, pp. 7-26.

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28. "Cós" aparece grafado em documentos medievos como "Quod" e "Cõod" (AN'IT - Most. de Alcobaça, 2� incorp., m2 10, doe. 230 (8), de 1309). A pa­lavra "Alcobaça" mereceu a José Pedro Machado uma referência algo du­vidosa. A palavra resultará da junção dos hidronímicos Alcoa e Baça. A! coa resulta da união do artigo árabe al com o sufixo românico "cuda", segun­do Lindley Cintra. Poderá relacionar-se com Alcoba do árabe ai + qubba ou, do romanço covo/cova. Terá a mesma origem que se aponta para Coa (Riba Coa). "Covo" é muito frequente nas línguas românicas ocidentais, significando espaço desflorestado ou retirado de inculto numa fase recen­te. Vd. A. Barrios Garcia ("Repoblación de la zona meridional dei Due­ro .. . ", cit., p. 14) apresenta-o como típico das línguas romance. Esta mesma explicação se aplicará ao topónimo Porto Covo (antiga fre� de Santiago, Leiria), de ocorrência medieva e moderna. Sobre a palavra Atafja refira­-se a versão "Taigiam" (1142), em DR - 1, n2 189). Poderá relacionar-se com "Atainha" e/ou "Tainha,o", étimos godos. "Cabruncas" é um étimo la­tino. J. Pedro Machado, referindo-se a Arunca, define-o como obscuro ou céltico. Mas há que considerar que o rio Arunca é justamente o que se in­dica pelo potamónio "Cabruncas". Parece-nos que Arunca derivará deste por corrupção ou outro fenómeno linguístico a merecer a atenção dos es­pecialistas. Remetemos o leitor, sobre os étimos citados, para José Pedro Machado, ss.vv .. Sobre Alcoa, mais especificamente, consulte-se Luís Fi­lipe Lindley Cintra, A Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo. Seu Con­fronto com a dos Foros de Alfaiates Castelo Bom, Castelo Melhor, Coria, Cáceres e Usagre. Contribuição para o estudo do leonês e do galego-portu­guês do século XIII, Lisboa, INCM, 1984, pp. XXXIII e segs ..

29. Cf. Maria Helena Coelho, O Baixo Mondego . . . , pp. 11-19. 37-81; David Grigg, Population Growth and Agrarian Change. An historical perspec­tive, Cambridge, cambridge University Press, 1980, pp. 64-82; Guy Four­quin, "Le temps de la croissance", Histoire de la France Rurale, Vol. 1, Paris, Seuil, 1975, pp. 430-439; Idem, História Económica do Ocidente Medieval, Lisboa, Ed. 70, 1981, pp. 228-248.

30. Sobre esta palavra, J. Pedro Machado (op. cit.) remete para a sua ocor­rência frequente no norte peninsular, mas não o define. Étimo de prová­vel origem latina, se atendermos aos argumentos de Joaquim da Silveira, "Toponímia Portuguesa (Continuação)", Revista Lusitana, Vol. 35, n2s 1--4, Lisboa, 1937, pp. 99-100, s.v. "Cirol."

31. A. Barrios Garcia, op. cit. , pp. 43-44, 58-59.

32. Aspectos já estudados por Luciano Justo Ramos, Leiria (Estudo Toponí­mico), Leiria, Câmara Municipal, 1970; e, mais recentemente, por João Filipe Oliveira, "Leiria - Nome de cidade", Jornal de Leiria, 18.V.1995 (Suplemento, p. 8).

33. Cf. J. Pedro Machado, op. cit., s.v. "Alqueidão".

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34. A propósito de idêntica palavra, escreve G. Duby: "Alors lentement (dp. Pestre 1348), des emplacements anciennement habités devinrent mures (Lyon), masures (Paris), casaux ou bordes (Toulouse), eyxida ou logars (Faix)." (Histoire de la France Urbaine, Vol. 2, La Ville Médiévale, Paris, Seuil, 1980, p. 437).

35. Elementos classificados a partir de Pierre David, Études Historiques sur la Gatice et le Portugal du VIe au xne Siecle, Paris, Société "Les Belles Lettres"- Portugália Editora, 1947, pp. 189-242. Vd. também Avelino de Jesus da Costa, Calendários Portugueses Medievais (Estudo e Texto), Bra­ga, 1950 (policopiado), passim.

36. Sobre os calendários e santorais crúzios, consulte-se: Joaquim Bragan­ça, Missal de Mateus: Manuscrito 1000 da Bilbioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1975, pas­sim; Isabel Vilares Cepeda, "Dois manuscritos litúrgicos medievais do Mosteiro de S. Vicente de Fora de Lisboa", Didaskalaia, Vol. XV, Fase. 1, Lisboa, 1985, pp. 185-196.

37. Piere David, op. cit., pp. 226-227.

38. ANTT- St'l Cruz de Coimbra, 1ª incorp., mº 15, nº 27 (1180, Outubro).

39. Vd. Pierre David, op. cit., p.217. Stº Antonino tinha capela junto a Leiria, designada, em 1211, como Stº Antonino do Olival. No início do século XV, era conhecida por capela de Stº Antoninho, vindo a designar-se, poste­riormente, Stº António do Carrasca!. (Saul Gomes, "Organização Paro­quial e Jurisdição Eclesiástica no Priorado de Leiria ... ", pp. 182-183).

40. Pierre David, op. cit., pp. 215, 233.

41. V d. André Vauchez, La espiritualidad del occidente Medieval (Siglos VIII­-XII), Madrid, Catedra, 1985, pp. 121-125.

42. Pierre David, op. cit., pp. 217,241, 251-252; José Mattoso, "Monges e Clé­rigos Portadores da Cultura Francesa em Portugal (Séculos XI e XII)", Por­tugal Medieval. Novas Interpretações, Lisboa, INCM, 1985, pp. 365-387.

43. ANTT- Gavetas, VII, mº 4, nº 2; Id., Mestrados, fl. 50; Id., Livro 16 da Reforma dos Documentos das Gavetas, fl. 151; Saul Gomes, "Cortes: al­deia de Leiria medieval", Jornal das Cortes, 5.II. 5, III., 5.IV., 5.V., 5.VI., 5.VIII e 5.IX.1988; Id., "O Topónimo "Cortes" " (1 a 4), Jornal das Cçrtes, 2.1, 6.II., 6.III e 2.VII.1989.

44. Vide Avelino de Jesus da Costa, Nossa Senhora das Neves.- Subsídios para a história do seu culto, Viana do Castelo, 1978; Leontina Ventura, "O Culto de Nossa Senhora das Neves", Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, Coimbra, GAAC, 1979, pp. 27-70; José do Vale Carvalheira, Nossa Senhora na História e Devoção do Povo Por­tuguês, s. 1., 1988, s.v. "Nossa Senhora das Neves".

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45. ANTT - St" Cruz de Coimbra, Livro Nobre, O. 277; O Couseiro .. . , capº 92, pp. 134-135.

46. ANTT - St" Cruz de Coimbra, Livro Nobre, O. 277.

47. Vide o meu estudo "Organização Paroquial e Jurisdição Eclesiástica no Priorado de Leiria ... ", passim.

48. Cf. Guy Fourquin, "La Croissance Agricole", Histoire de la France Rura­le, I vol., pp. 430-431; Maria Helena Coelho, "A População e a Proprieda­de na Região de Guimarães Durante o Século XIII", Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada, Vol. III, Guimarães, 1981, p. 518.

49. ANTT - Chancelaria de D. Dinis, Livro 1, O. 61vº ( 1282.XII.17, Coim­bra); Mosteiro de Alcobaça, 1ª incorp., mº 19, n2 6 (129l.VI.6.Leiria); Chancelaria de D. Dinis, Livro 4, O. 56vº ( 1310.VII.l, Lisboa; foros dos moradores do reguengo do Camarinho, que não podem ser confundidos com os de Ulmar ou Monte Real. Vide Manuel Heleno, Antiguidades de Monte Real, Lisboa, 1922, passim.

50. Sobre o caso concreto de S. Miguel de Colmeias, consulte-se o recente es­tudo de Luciano Coelho Cristino, "História das Paróquias de Colmeias e Memória", Contributos para a História de Colmeias e Memória, (org. Fer­nando Rodrigues), Leiria, [ed. de Fernando Rodrigues], 1994, pp. 21-131.

51. Sobre esta aldeia, em particular, vide o meu estudo "A Afirmação da Fre­guesia de Santa Margarida do Arrabal (Leiria) - Da Idade Média ao Sé­culo XVI", Arrabal - Terra de Santa Margarida. Quatro Séculos de História, Leiria, Comissão Coordenadora das Comemorações do IV cen­tenário da Freguesia do Arrabal, 1993, pp. l46-194.

52. ANTT - Most. de Alcobaça, 2� incorp., mº 1, n2 21 [ ... 1301]. Sobre o sig­nificado deste tipo de étimos toponímicos remetemos para Guy Fourquin, "La Croissance Agricole .. ", cit., p. 346.

53. ANTT - St" Cruz de Coimbra, 1ª incorp., mº 15, n2s 34 e 35.

54. ANTT - St" Cruz de Coimbra, lê incorp., ro2 12, n2 25 (1189.IX.Leiria). Sobre as granjas medievais portuguesas consulte-se: Iria Gonçalves, O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV, Lisboa, Uni­versidade Nova, 1989, pp.l36 e segs.; Maria Helena Coelho, "O Senhorio Crúzio do Alvorge na Centúria de Trezentos", Homens, Espaços e Pode­res. Séculos XI-XVI. II - Dominio Senhorial, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, pp.31-92; Pedro Barbosa, Povoamento e Estrutura Agrícola na Es­tremadura Central . . . , pp. 139 e segs ..

55. ANTT - Sé de Coimbra, 2ª incorp., m2 90, n2 4346 [1314]: "Esta Eygreia com nos dictos Erdamentos [que] Chamam Graniã (. .. )." Os herdamentos eram compostos por casas, igreja e sua quinta, um lagar de azeite e ou­tro de vinho, o casal da Azavurreira (arrendado por 8 libras ao ano, nu­ma vida), o casal da Chumbaria (com várias herdades e courelas), três

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talhos de herdades, um herdamento em Agodim, herdades de "Lavoyra que lavram devesas que stam a par dessa Eygreia", uma vinha e pomar junto à dita igreja, nogueiras e figueiras em redor, uma almoinha, um souto de castanhas, dois olivais grandes (um novo e outro velho), duas matas de sobreiros e de carvalhos, e, ainda, dois talhos de herdades nos Lourais e em Caixeiria.

56. Sobre este tipo de questões veja-se: Robert Durand, "Communautés Vil­lageoises et Seigneurie au Portugal (Xe-XIrre Siecles)", Estudos de His­tória de Portugal, Vol. I, Sécs. X-XV. Homenagem a A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Estampa, 1982, pp. 121-136; Pascual Martinez Sope­na, La Tierra de Campos Occidental: Poblamiento, Poder y Comunidad del Siglo X al XIII, Valladolid, Inst. Cultural de Sim ancas, 1985, pp. 58--196 et passim; Luis Miguel Villar Garcia, La Extremadura Castellano--Leonesa: guerreros, clérigos y campesinos (711-1252), León, Junta de Castilla y León, 1986, pp.92-165, et passim; Miguel Santamaría Lancho, "Dei concejo y su término a la comunidad de ciudad y tierra: surgimien­to y transformación dei senorio urbano de Segovia (siglos XIII-XVI)", Stv­dia Historica -Historia Medieval, Vol. III, nº 2, 1985, pp. 83-116; Carlos Estepa Díez, "E! alfoz y las relaciones campo-ciudad en Castilla y León durante los siglos XII y XIII", Stvdia Historica - Historia Medieval, Vol. II, nº 2, Salamanca,1984, pp. 7-26.

57. Realidade que também é focada por J. Ángel García de Cortázar, "Dei Cantábrico AI Duero", in Organización Social DeZ Espacio En La Espana Medieval -La Coro na de Castilla en los siglos VIII a XV, ed. Ariel, Bar­celona, 1985, p. 55. L. Miguel Villar Garcia, La Extremadura Castellano­-Leonesa. Guerreros, Clérigos Y Campesinos (711-1252), Léon, 1986, pp. 305-307.

58. Cf. Ermelinda Portela, "Dei Duero AI Tajo", in Organización Social Del Espacio . . . , cit. , p. 103.

59. Cf. páginas antecedentes e Rocha Madahil, O Privilégio Do Isento De San­ta Cruz De Coimbra, Coimbra Editora, 1940, passim.

60. Considerámos a freguesia de Paredes, criada somente em 1286, como in­tegrada na de Santiago (O Couseiro . . . , capº 89, pp. 131-132) em virtude das nossas observações atenderem à questão da formação inicial do po­voamento e administração religiosa.

61. Discordamos, neste ponto, de José Mattoso quando se refere a este mes­mo problema e escreve: " As (freguesias) do termo distribuem-se por qua­se todo o território do concelho, o que mostra que o povoamento do hinterland se fizera quase uniformemente". ("A Cidade De Leiria Na His­tória Medieval. . . ", cit., p. 102; corrija-se também a cota documental in­dicada na nota 32 para Stª Cruz de Coimbra, mº XV, nº 34 ou nº 35, e não "mº XXI, doe. 48").

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62. Cf. Rui de Azevedo, Documentos Falsos . . . , cit., passim. Vide as páginas antecedentes.

63. Para os elementos referentes a áreas trabalhámos com base nas dimen­sões das freguesias actuais - com os cálculos aritméticos indispensáveis - fornecidos pela Carta Administrativa De Portugal, ed. Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais, Lisboa, 1986, pp. 109-110, 53-56. É certo que todos os elementos documentais encontrados confir­mam as áreas das actuais freguesias. Isto é particularmente seguro, por exemplo, na divisão norte/oeste do concelho ou mesmo a sul no que res­peita às confrontações com os concelhos dos coutos alcobacenses ou com o de Porto de Mós. Já na parte oriental surgem mais problemas uma vez que foi a estrema que mais alterações entre concelhos e provavelmente dentro das próprias freguesias sofreu nos séculos modernos e particular­mente no último. Manter-se-ão, cremos, estruturalmente idênticos os li­mites das freguesias na globalidade, ainda que futuros estudos possam vir a precisar pequenos pontos a aferir de novo.

No todo, não parece terem sucedido grandes alterações - excepto quan­to a "concelhos" enquistados - do tipo das que Leontina Ventura detec­ta para Soure (Soure Na Sua História: Algumas reflexões, sep. da Locus. Revista da Associação de Investigação do Território, nº 1, 1986, pp. 39--49) ou Maria Helena Coelho para o Alvorge ("O Senhorio Crúzio do Al­vorge na Centúria de Trezentos", in Estudos De História De Portugal, VoZ. I - Sécs. X-XV. Homenagem a A. H. de Oliveira Marques, ed. Es­tampa, Lisboa, 1982, pp. 179-181).

Por outro lado, a reconstituição dos perímetros foi efectuada com base em elementos referentes aos séculos XVI e XVII, atingindo-se, como vi­mos, com relativa precisão as áreas medievais. Sublinhamos contudo que nunca é uma reconstituição perfeita, o que se nos afigura impossível . . .

64. Cf. Iria Gonçalves, O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV, Lisboa, Univ. Nova de Lisboa, 1989, pp. 351-380.

65. Cf. páginas anteriores.

66. A comprovação destas afirmações é realizada noutras páginas deste tra­balho para as quais remetemos.

67. ANIT - Chanc. de D. Dinis, Livro 1, fls. 176-vº; Id., Stil Cruz de Coim­bra, Livro 46, doe. 48 (1286, Setembro, 28, Coimbra).

68. A. H. de Oliveira Marques, "A População Portuguesa Nos Fins Do Sécu­lo XIII", in Ensaios Da História Medieval Portuguesa, ed. Vega, Lisboa, 1980, pp. 72-73. A. H. de Oliveira Marques e João José Alves Dias, "A População Portuguesa nos Séculos XV e XVI", Biblos, vol. LXX (1994), Coimbra, pp. 171-196.

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69. O problema dos índices multiplicadores tem sido discutido por inúmeros investigadores. Remetemos, contudo, para a síntese de João Alves Dias, "A Beira Interior Em 1496 (Sociedade, Administração e Demografia)", in Ensaios de História Moderna, ed. Presença, Lisboa, 1988, pp. 43-54.

70. Analisamos os índices estritamente "populacionais" nas páginas seguin­tes. Para a elaboração dos quadros e mapas antecedentes, a nossa fonte foi Braamcamp Freire, "Povoação da Estremadura no XVI século", in Ar· chivo Historico Portuguez, vol. VI, nº 7, 1908, Lisboa, pp. 241-284.

71. Cf. Saul Gomes, Documento Medievais Sobre Monte Redondo, cit., pp. 23-29. 72. Hilario Casado, Senores, Mercaderes Y Campesinos - La comarca de

Burgos a fines de la Edad Media, León, 1987, pp. 66-72. Elisa Carolina de Santos Canalejo, La Historia Medieval De Plasencia Y Su Entorno Geo-Historico: La Sierra De Bejar Y La Sierra De Gredos, ed. Institución Cultural "E! Brocense", Caceres, 1986, p. 119. Enrique Gavilán, El Do· minio De Parraces En El Siglo XV- un estudio sobre la sociedade (eu· dal, ed. Junta de Castilla y León, Zamora, 1986, pp. 142-143.

73. Nomeadamente nas cortes de Lisboa de 1439 (ANTT - Chanc. de D. Afonso V, Livro 10, fl. 68 v2) e também de Lisboa de 1459 (ANTT- Chanc. de D. Afonso V, Livro 36, fls. 175-176).

74. ANTT - Chanc. de D. Afonso V, Livro 36, fls. 175 v2 (1459). 75. Cf. Iria Gonçalves, O Património do Mosteiro de Alcobaça . . . , p. 359: "( . . . )

Paredes era, em 1340, uma próspera vila de pescadores onde se podiam contar oitenta e sete vizinhos, bem longe, portanto, do processo de deca­dência que a faria vir a encontrar, em 1527, com vinte e sete fogos, dez anos mais tarde reduzidos a catorze".

76. Cf. páginas e mapa que se lhe referem neste trabalho. 77. Particularizamos estes aspectos no estudo citado na nota 4. 78. O Couseiro, capº 77. 79. Id., cap2 63. 80. Id., cap2 81. 81. Id., cap2 134. 82. Id., capº 135. 83. AUC - Prazos de Stg Cruz de Coimbra, nº 6, fls. 54 vº - 56 vº (Dep. III,

1ª D, Est. 10, Tab. 4, Nº 9); cf. O Couseiro, cap2 100. 84. O Couseiro, capº 120. 85. Id., cap2 121. 86. Id., cap2 136. 87. Afirmações baseadas em elementos estatísticos dos séculos XVIII a XX e

confirmados por estudo, inédito, da Doutora Ana Paula Margarido, do Cen­tro de Estudos Geográficos da F. L. da Univ. de Coimbra.

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88. ANTI' - Chanc. de D. João I, Livll 3, fls. 19 vil; de 140l.III.24, Leiria.

89. Id., Chanc. de D. Duarte, Livll 1, fl. 2 vil: de 1433.XI.3, Leiria. Id., Chanc. de D. Afonso V, Livll 35, fl. 23 vil; de 1433.VIII.27, Leiria; Id., Estremadu­ra, I, fls. 298 vil - 299; conf. de 1500.V. 10, Sintra.

90. ANTI' - Strl Cruz de Coimbra, Pasta 13, Alm. 5, mº 5, n2 10; 1408.IV.24.

91. Id., Chanc. de D. João I, Livro 3, fls. 127-128; de 1411.IV.29.

92. ld., Strl Clara de Coimbra, Partics., mº 5, doe. 26; 1355.1I.8; ld., ibidem, Partics., mº 5, doe. 27; de 1355.V.25.

93. Id., St!l Cruz de Coimbra, 2ª inc., mº 18, Alm. 34, mº 1, n2 21 e Livro 4, fls. 151-152; 1379.VII.17 e 1384.XII.2.

94. Id., Strl Clara de Cbº, ex 1, séc. XIV, "n2 54"; 1383.1.10.

94a. Id., Alcobaça, Livll 135, fls. 87-88 vil, doe. 70; 1417.11.18.

95. ld., Batalha, Livro 4, doe. 126; 1423.XII.24.

96. ld., Stº Clara de Cbrl, Partics., mº 11, nº 5; 144l.V.18.

97. Id., ibidem, ex. 3, séc. XV, "nº 61"; 1458.VII.13.

98. Id., ibidem, ex. 3, séc. XV, "nº 27"; 1455.III.ll.

99. ld., Stº Cruz de Cbº, Livro 94, fl. 280; 1399.

100. "(. .. ) as quaes herdades e! (foreiro) fez e tirou de matos grandes Arrom-pendo as". (ANTI' - Stº Clara de Cbº, Partics. , m2 8, nº 12; 1383.11.22.

101. Id., Stª Cruz de Cbrl, Livro 94, fls. 189 vil e 302-303, 1431.

102. Id., ibidem, fls. 243-244, 1431.

103. Maria Helena Coelho, O Baixo Mondego . . . , pp. 69-81.

104. A. H. de Oliveira Marques, Portugal Na Crise . . . , pp. 28-30.

105. ANTT - Alcobaça, Does. régios, m2 4, nº 34; Chanc. de D. Fernando, Li-vro I, fls. 150 vll 151; de 1374.VII.23, Pederneira.

106. Cf. Maria Helena Coelho, O Baixo Mondego . . . , pp. 20-21.

107. ANTI' - Strl Cruz de Coimbra, Pasta 4, Alm. 3, s. mº, s. nº; de 1364.IV.19.

108. ld., ibidem, Pasta 9, Alm. 28, m2 2, nº 6; de 1409.

109. Cf. Oliveira Marques, Portugal Na Crise . . . , pp. 28-29.

110. ANTI' -Alcobaça, 2ª inc., mº 54, doe. 10; de 1386.V.1, Leiria. A bibliografia sobre a peste de 1348 é abundante. Veja-se para uma abor­dagem global Jean-Charles Sournia e Jacques Ruffie, As Epidemias Na História Do Homem, ed. 70, Lisboa, 1986, pp. 73-94. E. Carpentier, Une uille deuant la Peste. Oruieto et la Peste Noire de 1348, ed. SEVPEN, Pa­ris, 1962. Eadem, "Autour de la Peste Noire: Famines et épidémies dans l'histoire du xrve siecle", in Annales E. S. S., nº 6, 1962, pp. 1062-1090. Guy Fourquin, História Económica do Ocidente Medieval, ed. 70, Lisboa,

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1981, pp. 333-337; Idem, "Au Seuil du xrve siecle", inHistoire de la Fran­ce rurale.l. La formation des campagnes françaises des origines au XIVf! Sii�cle, (dir. Georges Duby), Paris, 1975, pp. 600-601. A Higounet-Na­dal, Périgeux aux XIVe et xve siecles . . . , Bordeaux, 1978, pp. 143-160. Jacques Rossiaud, " Crises et reconversions- 1330-1530", in Histoire de la France urbaine (dir. Georges Duby), t. 2, Paris, 1980, PP- 413-416. An­ne Marie Patault, Hommes et Femmes de Corps en Champagne Méridio­nal à la Fin du Moyen Âge, ed. Uni v. de Nancy II, 1978, pp. 73-76. Para Portugal citem-se os estudos de A. H. de Oliveira Marques, Hum­berto Baquero Moreno, Iria Gonçalves, Luís de Oliveira Ramos e Virgí­nia Rau, "Para o Estudo da Peste Negra em Portugal", in Bracara

Augusta, vol. XIV-Xv, nºs 1-2 (49-50), Janº-Dezº, 1963, pp. 210-239. Ma­ria Helena Coelho, O Baixo Mondego ... , pp. 21-26. A. H. de Oliveira Mar­ques, Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, vol. IV, Nova História de Portugal, (di r. Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), Lisboa, Presença, 1987, pp. 20-22. Maria José Pimenta Ferro Tavares, Os Judeus em Por­tugal no século XV, Lisboa, 1982, vol. I, p. 425. Rita Gomes, A Guarda Me­dieval. Posição, Morfologia e Sociedade (1200-1500), Lisboa, Sá da Costa, 1987, p. 102.

111. Apud Rui de Pina, Crónicas, (introd. e revisão de M. Lopes de Almeida), ed. Lello & Irmão, Porto, 1977, p. 503. ANTT- Estremadura, V, fl_ 55 vº; de 1468.V.25, Santarém.

112. Cf. A. H. de Oliveira Marques, Portugal na Crise ... , pp. 20-21. Maria Jo­sé P. Ferro Tavares, "A Política Municipal de Saúde Pública (Séculos XIV­-XV", in Revista de História Económica e Social, nº 19, JaniLAbril, 1987, pp. 28-29. A peste de 1468 é geral (apud Angel-Luís Molina Molina, La vida cotidiana en la Murcia bajo medieval, Murcia, 1987, pp. 80-81).

113. ANTT- Chanc. de D. Afonso V, Li vº 20, fl. 3. 114. Id., ibidem, Livº 36, fls. 175-176. 115. Id., Chanc. de D. João III, Li vº 45, fls. 84 vº - 85. 116. ld., Chanc. de D. Afonso V, Li vº 15, fls. 57-58. 117. Id., Chanc. de D. Afonso V, Li vº 13, fl. 114 vº. Cf. Costa Lobo, História da

Sociedade ... , pp. 20-21, 153-157. Sobre as crises frumentárias cíclicas, em Portugal, consulte-se A. H. de Oliveira Marques, "Introdução à História da Agricultura em Portugal...", in Revista da Faculdade de Letras- III Série- Número 6, Lisboa, 1962, pp. 258-278. Vide também Gama Barros, História da Administração Pú­blica ... , X, p. 80. Costa Lobo, História da Sociedade em Portugal no Século XV, Lisboa, História e Crítica, 1983, pp. 154-155. Em Leiria, voltamos a encontrar provas de escassez de pão por 1516. Des­te ano chegou-nos notícia de existir na vila quem procurasse vender o pão fiado a preços mais elevados que os da Ordenação - sintoma, por-

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ventura, da sua pouca oferta (ANTT - Chanc. de D. João III, Livro 12, fls . 25 v2 - 26; de 15 16--SetL17, Lisboa). Em 1520, o problema levantou­-se claramente, permitindo o rei que os de Leiria adquirissem o pão ne­cessário fora do concelho. Em 1526 idêntico privilégio voltou a ser concedido (ANTT - Chanc. de D. João III, Livro 12, fl. 26 v2; de 1520.11.14, Évora e conf. 1526.II.26, Almeirim). Crise frumentária e de outros mantimentos, passaram-na os moradores da Pederneira em fins de Trezentos. De facto, a data de 1396-0utLll, de Ponte da Barca, privilégio real para que os que ali mercadejavam e mo­ravam pudessem comprar pão por todo o reino. Em 1504.11.5, Lisboa, D. Manuel confirmou a esta licença (ANTT - Estremadura, VI, fl. 1), sinal muito plausível de que o problema se arrastava ciclicamente . . .

118. ANTT - Chanc. de D. Afonso V, Livro 2 0 , fl . 3.

119. Id., ibidem, Livro 13, fl. 114 vº. 120. Id., ibidem, Livro 15, fl. 57: "( . . . ) por parte dos homeens boons e offiçiaaes

desta villa de leyria nos foy decto rrecomtamento como d amtijgamente quamdo em ella avia muyto mays parte dejemte da que agora hy fora em ella posto huum numero de quoremta beesteyros do com to. E que agora por caso de seer muyto despouoada e hy aver muytos vassalos e priuilli­giados ho numero era muy maao de comprir e nom podiam achar pessoas pera ello pertemçemtes". (1458.VII.7, Leiria).

121. ANTT - Chanc. de D. Afonso V, Livro 13, fl. 114 vº. 122. Apud A. H. de Oliveira Marques, "A População Portuguesa nos Fins do Sé­

culo XIII", in Ensaios da História de Portugal, Lisboa, 1980, pp. 55-56, 75.

123. O texto refere-se ao coudel-mor (do reino?) mas temos de subentender que este actuava por intermédio dos oficiais respectivos. ANTT - Estre­madura, V, fl. 55; de 1468.V.28, Santarém.

124. ANTT - Chanc. de D. Afonso V, Livro 15, fl. 57.

125. Id. , Estremadura, Livro IV, fl. 265 v2; de 1458.VI.16, Estremoz.

126. Id., Chanc. de D. Afonso V, Livro 9, fl. 132; de 1463.VIII.22, Lisboa.

127. A elevação a sede de bispado e cidade, em 1545, poderá ser a retomada de um ponto optimum perdido nos séculos XIV e XV. Segundo A. H. de Oliveira Marques ("Demografia", in Dicionário de História de Portugal (dir. Joel Serrão), vol. II, Lisboa, 1979, p. 282). "Não é provável que, an­tes de atingido o último quartel do século de Quatrocentos, o número de habitantes de Portugal tenha voltado a igualar o de 1347". Cf. (ainda que discordemos da leitura dada por este autor) J. Veríssimo Serrão, "A con­cessão de foro de cidade em Portugal nos séculos XII a XIX", in Portuga­liae Historica , vol. I, Lisboa, 1973, pp. 20-27, 57.

128. ANTT - Chanc. de D. Manuel, Liv2 15, fl. 190 v2; Estremadura, XIII, fls. 121-121 v2; de 3.V.1510; 2l.V.1515 e 1514.XI.7.

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A POPULAÇÃO E O POVOAMENTO DE LEIRIA DO SÉCULO XII AO XVI

129. ANTT - Chanc. de D. Manuel, Livro 15, fls. 63 v2 - 64; Estremadura, XIII, fls. 92 v2 - 93, de 1512.X.28 e 1514.V.6.

130. Id., Chanc. de D. Manuel, Livro 15, fl. 11 v2; de 1513.VI.23.

131. Id., ibidem, Livro 15, fl. 153; de 1513.XI.27 e 1514.X.26.

132. ld., ibidem, Livro 25, fl. 29; de 1521.11.20 com remissão a 1516.

133. ANTT - Corpo Cronológico, P. 1., m2 2, doe. 121; 1498.111.28, Lisboa.

134. Conhecemos o registo do documento relativo a este assunto (AUC - St!l Cruz de Coimbra: Índice Antigo de Doações e outros documentos, n2 148, Dep. III- Sec. 1ª D, Est. 10, Tab. 4, nº 54, fls.), embora não tenhamos en­contrado o original.

135. O Couseiro, cap2 52; Fr. Manoel da Esperança, Historia Seráfica . . . , Li vº III, capº XXXIV, nº 6 e 7, p. 367.

136. Fr. Luís de Sousa, História de S. Domingos, II Parte, Li vº VI, cap2 XIV, pp. 1 1132-1135. ANTT -Estremadura, X, fls. 128vº- 129, de 1494.11.12, Lisboa.

137. Cf. V. Magalhães Godinho, Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, 4ª ed., Arcádia, Lisboa, 1980, pp. 37-44, 55-62. A. H. de Oliveira Mar­ques, Portugal na Crise dos Séculos XN e XV, pp. 44-45.

138. Apud Oliveira Marques, "A População Portuguesa nos Fins do Século XIII", cit, pp. 72-73. Isto apesar de não se verificar, em Leiria, a existên­cia, em finais de Duzentos, de apenas três tabeliães (conforme o docu­mento analisado por aquele autor) mas de cinco, o que a equiparava a Coimbra. Discutimos este problema noutras páginas.

139. Nomeadamente Sevilha (Mercedes Borrero Fernandez, El Mundo Rural Sevilhano En El Siglo XV . . . , Sevilha, 1983, p. 390. A. Higounet-Nadal, Périgueux Aux XJVI! et xve siecles, pp. 211-281. Iria Gonçalves, Para o estudo da área de influência do Porto nos fins do século XIV, sep. da Re­vista da Faculdade de Letras, Lisboa, IV série, n2 2, 1978, pp. 383-397 (com bibliografia bastante desenvolvida). Veja-se também António de Oliveira, "Migrações Internas e de Média Distância em Portugal de 1500 a 1900", in Arquipélago. Revista da Universidade dos Açores - Série História - ln Memoriam Maria Olímpia Rocha Gil, vol. I - 1, Estudos Gerais, Ponta Delgada, 1995, pp. 259 a 307.

140. Iria Gonçalves, op. cit., pp. 392-393. J. Le Goff, "L'apogée de la France urbaine", in Histoire de La France urbaine. 2. La ville médiévale, ed. Seuil, Paris, 1980, pp. 196-198.

141. Estas conclusões sobre a imigração vital leiriense parecem, mau grado o carácter de amostragem imposto pelas fontes, estar de acordo, no essen­cial, com os resultados obtidos por Rinaldo Comba para cidades do Pie­monte ("Méthodes, Bilan Provisoire et Perspectives des Recherches en Cours Sur les Villes Piémontaises aux XJVe et xve Siecles", in Annales

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de Démographie Historique, 1982, Paris, pp. 21-31). Nesta região, na Baixa Idade Média, 80% dos imigrantes são oriundos de localidades su­periores a 25 quilómetros daquela para que emigram; 16% tinham ori­gem num raio de cerca 25 quilómetros - números, aliás, explicitados concretamente para Turim -; socialmente, como em Leiria, a maior par­te deles eram artífices e camponeses. A conclusões inversas chegou Iria Gonçalves em estudo debruçado sobre o Porto (Para e Estudo da Área de Infiuência do Porto nos Fins do Século XN, cit., pp. 393-397). Sobre a Batalha, em particular, veja-se o meu estudo O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XV, Coimbra, Fac. de Letras, 1990, pp. 34-39, 445-447. Isto não pode anular, contudo, a importância permanente da vila como cen­tro de atracção micro-regional, factor reconhecido para numerosos outros casos. Cf. Ch. M. Higounet, "Le Peuplement De Toulouse Au xrre Siecle", "L'Arriere-Pays de Bordeaux aux xrne siecle (esquisse cartographique)", "Mouvements de Population dans le Midi de la France du XIe au xrve

siecle d'apres les noms de personne et de li eu", in Paysages et Villages Neufs du Moyen Âge: Récueil d'articles, ed. Fédération historique du Sud-Ouest, Bordeaux, 1975, pp. 401-439. David Grigg, "Western Europe in the thir­teenth and early fourteenth centuries: a case of overpopulation?", inPopu­lation Growth and Agrarian Change. An historical perspective, Cambridge Univ. Press, 1980, pp. 76-78. André Chédeville, "De la cité à la ville: l'es­sor urbain et les hommes", in Histoire de la France Urbaine. T. 2. La uille médiéuale, Paris, 1980, p. 110. A Guenzi, "L'imigration urbaine au xve

siecle: Bologne", in Annales de Démographie Historique, 1982, pp. 33-42. As conclusões em demografia medieval, contudo, têm limites que tornam relativo tudo o que se possa analisar; sobre isto consulte-se de J. Heers, "Les Limites des Méthodes Statistiques Pour les Recherches de Démogra­phie Médiévale", in Annales de Démographie Historique, 1968, pp. 43-72. "Les documents d'intérêt démographique sont relativement rares pour Je Moyen-Age, d'une étendue limitée et d'une fiabilité souvent à juste titre discutée". (A. Ferro, "La Population du Dauphiné du xrve au xve siecle", in Annales de Démographie Historique, 1978, p. 355). Roberto Fassier, "La Démographie Médiévale: Problémes de Méthode (Xe-XI1Ie siecles)", in Annales de Démographie Historique, 1975, pp. 145-165.

142. ANTI - Chanc. de D. João II, Li vº 26, fls. 93 v2 - 94; de 1484.!1.3, San­tarém. Além deste elemento arquivístico, citem-se as cotas donde se re­tiraram os restantes dados sobre imigrantes: ANTT - Dourados de Alcobaça, III, fls. 75 v2 - 76, doe. 166 ( 1341); Id., Stª Cruz de Coimbra, Pasta 3, Alm. 37, m2 2, nº 1 (-52) (1368); Id., Chanc. de D. Fernando, Li vº I, fl. 124 v2 (1373); Bib. Pública de Évora - S. Domingos, m2 2, doe. 14 (1378); ANTI - Alcobaça, Li vº 183, fl. 135 vº, doe. 245 ( 1382); Id., Stª Cruz de Cbª, Li vº 46, pergº 77 ( 1389); Id., Sé de Coimbra, 2ª inc., m2 1, doe.

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44 (1391); Id., Stº Cruz de Cbg., sala 25, ex. única de pergaminhos, Alm. 38, mº ?, nºs 13-20 (1396); Id., Stº Cruz de Coimbra, Livro 94, fls. 275--286 (1399); Id., Stº Clara de Cbº, ex. 4, séc. XV, nº 83 (1400); Id., Alco­baça, Li vº 183, fl. 207, doe. 408 (1410); Id., Alcobaça, Livº 15, fl. 214 e 214 v2 (1429 e 1435); Id., Chanc. de D. Afonso V, Livº 23, fl. 70 (1442); Id., Most. da Batalha, Livº 4,docs. 37, 37 vº, 51, 59, 60 e 61 (1423 a 1437);Id., Alcobaça, Li vº 135, fls. 31 vº- 32 vº, doe. 24 (1410); Id., ibidem, Li vº 15, fl. 263 v2 (1435); Id., Stº Clara de Coimbra, Particulares, mº 10, nº 6 (1417); Id., Alcobaça, Livº 135, fls. 16-17, doe. 13 (1426); Id., Chanc. de Afonso V, Livro 20, fl. 59 (1440); ld., Most. Batalha, Li vº 4, doe. 145 (1456); AUC -Perg. de Stº Cruz de Cbº, V Dep., 3ª secção, móvel 7, gaveta 1, nº 5 ( ... 1457); ANTT- Stº Clara de Coimbra, ex. 3, séc. XV, "nº 57" (1458); ld., Chanc. de D. João II, Li vº 6, fls. 140 vº - 141 (Í458); Id., Estremadu­ra, Li vº 7, fls. 222 vº - 223 vº (1463); Id., Chanc. de D. Afonso V, Livro 28, fl. 131 (1467); ld., ibidem, Livº 29, fl. 15 (1472); Id., Chanc. de D. João II, Livº 26, fls. 93 vº - 94 (1484); Id., ibidem, Livº 7, fl. 32 (1492).

143. ANTT- Stº Cruz de Coimbra, Pasta 3, Alm. 37, mº 2, nº 1 (-52); de 1368.IX.l8, Coimbra.

144. Encontrámos quatro casos: o de Diogo Afonso da Vieira (ANTT- Alco­baça, Livº 183, fl. 207, doe. 408, de 1410.VI.16, Alcobaça); o de Lourenço Gomes do "Bruagal" (ANTT -Alcobaça, Li vº 15, fl. 214 vº, de 1429.IX.9, Leiria); o de João Eanes, alfaiate, da Azoia (ANTT-Alcobaça, Li vº 15, fl. 214, de 1435); o de Diogo Gonçalves de Soure (ANTT -Alcobaça, Li vº 135, fls. 31 vº- 32 vº, doe. 24, de 1410-VI.l6, Alcobaça).

145. ANTT-Most. da Batalha, Livro 4, does. 59 (1423), 37 (1428), 51 (1429), 37 vº (1429), 60 (1431), 61 (1437).

146. Embora para outras regiões cf. David Grigg, op. cit., p. 78. 147. ANTT- Chanc. de D. Afonso III, Li vº I, fls. 98 vº; 1270.IV.28. 148. Id., Colegdº S. Salvador de Coimbra, ex. 1, nº 9; de 1279, Coimbra. 149. ld., Stº Maria de Óbidos, mº 5, doe. 95, de 1286.111.24, Óbidos. 150. ld., Chanc. de D. Afonso IV, Li vº 3, fl. 11 vº; de 1327.0utº.7. 151. Id., Stº Ana de Coimbra, ex. 1, mº 2, doe. "nº 6"; de 1327.XII.25, Coimbra. 152. Id., Stº Maria de Óbidos, mº 12, nº 233; de 1329.VII.18, Óbidos; ld., Stª

Maria de Óbidos, mº 6, doe. 107; de 1342.1X.15, Óbidos. Cf. Manuela San­tos Silva, Óbidos Medieval. . ., cit., p. 93.

153. Id., Alcobaça, 2ª inc., mº 9, doe. 214 (3); de 1330.VI.15, Leiria. 154. Id., Colegiada de Stº Estêvão de Santarém, mº 3, doe. 124; de 1340.IV.19,

Santarém. 155. Id., Stº Cruz de Coimbra, Pasta 39, Alm. 44, mº 2, nº 10; de 1371; id., Co­

legiada de Stº Justa de Coimbra, 2ª inc., ex. 1, mº 3, nº 46; de 1390.V.29, Coimbra.

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156. ld., Sé de Coimbra, 2� inc., mº 79, nº 3365; de 1389.XII.29, Lisboa. 157. ld., Sé de Coimbra, 2ª inc., mº 94, nº 4504; de 1403.IV.2, Leiria. 158. ld., ibidem, Livro 1 a, fls. 39 v2-40, de 1405.1.23, Coimbra. 159. Id. , St" Clara de Coimbra, ex. 3, séc. XV, "nº 70"; de 1410.X.12, Leiria. 160. Id., St" Clara de Coimbra, Pasta 10, Alm. 16, mº 12, n2 10; de 1434.V.5,

Coimbra. 161. Id., Chanc. de D. Afonso V, Livro 19, fl. 83 vº; de 1439.VIII.21, Lisboa. 162. ld., ibidem, Livro 15, fl. 64; de 1455.VII.20, Lisboa. 163. Id., ibidem, Livro 13, fl. 72 vº; de 1456.XII.20, Lisboa. 164. ANTT -Most. da Batalha, Li vº 4, doe. 49; de 1463.11.9, Lisboa. 165. ld., Chanc. de D. Afonso V, Livro 28, fl. 34; de 1468.XII.8, Avis. 166. ld., ibidem, Livro 31, fl. 39; de 1469.V. 15, Lisboa. 167. Id., Chanc. de D. João II, Livro 26, fls. 125 v"-126; de 1471.XI.30, Sintra

e 1489.1X.4, Tavira. 168. ld., Chanc. de D. Afonso V, Livro 37, fl. 99; 1472.111.12, Elvas. 169. Id. , Chanc. de D. João II, Li vº 8, fl. 229; de 1473.1X. 7, Leiria e conf.

1482.XII.12, Santarém. 170. Cf. Saul António Gomes, "A antroponímia Judaica de Leiria Medieval

(Subsídio para o seu conhecimento)", in História e Crítica, nº 13, Junho, 1986, p. 57.

171. Cf. Maria José P. Ferro Tavares, Os Judeus Em Portugal No Século XV, vol. 2 , INIC, Lisboa, 1984, pp. 139, 140, 143, 144, 148-152.

172. Ibidem, pp. 294. 173. Ib., pp. 169-170. 174. Ib., p. 47. 175. Ib. , p. 24. 176. Ib., p. 10. 177. Ib., p. 9. 178. ANTT - St" Clara de Coimbra, ex. 3, séc. XV, "nº 70"; 1410.X.12, Leiria:

João Esteves, filho de Estêvão Eanes Cachinho, morador ora em Arronches "por huu cagom e omezijo que lhe aconteçera". Este tipo de emigração, con­tudo, é temporária e de origem penal, facto que distorce a sua contabiliza­ção para o conhecimento das raízes permanentes e demográficas do fenómeno emigracional pleno. Por isso, aliás, não apresentamos aqui casos de degredos para o norte de África, ou mesmo para outros lugares do rei­no. Cf. Humberto Baquero Moreno, Os Municípios Portugueses Nos Sécu­los XIII a XVI. Estudos de História, ed. Presença, Lisboa, 1986, pp. 93.138.

179. Reyna Pastor de Togneri, Conflictos Sociales Y Estancamiento Economi­co en la Espana Medieval, Barcelona, 2ª ed., 1980, p. 81.

180. Apud Manuela Santos Silva, Óbidos Medieval . .. , p. 93.

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181. ANTT - Stg Cruz de Coimbra, Livro 94, fls. 310 vº-311, 312 vº (1431). 182. ld., Stg Ana de Coimbra, 2ª inc., ex. 1, mº 2, "nº 10" (1331.1.17, Coimbra);

Id., ibidem, 2ª inc., ex. 2, "m2 único, doe. s/ nº ( 1338.VII.27, Coimbra); ld., ib., 2ª inc., ex. 2, "nº 16" (1339.III.l, Coimbra); Id., ib., 2ª inc., ex. 2, "nº 19" (1342); Id., ib., 2ª iil.c., ex. 2, "nº 20" (1357.VIII.8, Coimbra); Id., ib., 2ª inc., ex. 3, "nº 26" (1370-X.25, Bera); ld., ib., 2ª inc. ex. 3, "n2 25" (1370.IX.2 a 13).

183. ANTT - Sé de Coimbra, 2ª inc., mº 94, doe. 4504; 1403.1V.2, Leiria. 184. Catarina Afonso de Leiria, solteira, moradora em Lisboa, manceba tida

e mantida de Gomes de Paiva, beneficiado da Sé de Lisboa: ANTT ­Chanc. de D. Afonso V, Livro 31, fl. 39.

185. ANTT - Chanc. de D. João II, Livº 8, fl. 229; 1473.LX.7, Leiria e conf. 1482.XII.12, Santarém: João Vaz, monteiro da mata de Linhares (c. Mor­tágua), natural de Azoia (c. Leiria) e seu filho, Pero Fernandes, montei­ro que substitui seu pai na guarda da mesma mata, também natural de Azoia (Leiria).

186. Cf. A. Higounet Nadai, Périgueux Aux XIVe et xve Siecles, pp. 265-277. 187. Iria Gonçalves, Notas de Demografia Regional: a Comarca de Leiria em

1537, Lisboa, 1977, p. 415. 188. Eadem, ib., p. 415. 189. Iria Gonçalves, O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e

XV, Lisboa, 1984, pp. 357-380. 190. Ibidem, p. 508. 191. Cf. Manuel Alves Sílvio Conde, Tomar Medieval. O Espaço E Os Homens

(Séculos XIV-XV), Lisboa, 1988, pp. 192-194. Júlia Galego e Suzanne Daveau, O Numeramento De 1527-1532. Tratamento Cartográfico, Lis­boa, 1986, pp. 33-36.

192. Apud Iria Gonçalves, Notas de Demografia ... , pp. 431-433. 193. Ibidem. Braamcamp Freire, "Povoação da Estremadura no XVI seculo",

Archivo Historico Portuguez, vol. VI, nº 7, Lisboa, 1908, p. 246. (A dife­rença encontrada explica-se por um critério de consideração de nobreza de sangue ou estado clerical. Em 1527, são dados 53 cavaleiros e escudei­ros e 40 clérigos. Em 1537, temos entre "nobres" 51 indivíduos e 47 clé­rigos. Números próximos, ainda que só em 1537 o grupo total dos privilegiados nos seja fornecido.

194. Sublinhe-se que os censos em causa não contabilizaram o clero regular da vila. Compunham-no em finais do século XV, trinta e cinco a quaren­ta frades franciscanos (0 Couseiro, capº 52), e o número de freiras domi­nicanas de Stª Ana era limitado até trinta (ANTT - Chanc. de D. João III, Livro 52, fl. 21 vº; de 1498.XII.27, Lisboa em conf. de 1529.IX.23, Lis­boa). Se considerássemos estes números, o peso clerical na vila sobe, na

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época em análise, para 110 elementos (40 seculares e 70 regulares). O acréscimo aqui detectado leva-nos a contabilizar, só na vila, 658 mora­dores em 1537, contrariamente aos 588 do censo. Isto significaria uma proporção de 16,71%, bastante superior, pois, aos 6,46% afirmados. O mesmo problema se pode aplicar ao concelho na globalidade. Aqui, con­tudo, haverá que contabilizar os frades da Batalha, cujo número de pro­fessos (excluindo, pois, todos os noviços e auxiliares) era determinado em trinta (Monumenta Henricina, III, doe. 70, pp. 134-135). Ao total (em 1537) de 2. 149 moradores poderemos, sem margem de erro por excesso, acrescentar mais cem clérigos regulares, no mfnimo . . . Propocionalmen­te, o clero atingia 6,22%, em 1537, o que é bastante superior aos 2,18% em que não se considerava o clero regular. Estes números ultrapassam, por exemplo, a proporção de 3% encontrada, para o mesmo extracto, pa­ra Medina dei Campo em meados do século XVI (Bartolomé Bennassar, Medina dei Campo - un exemple des structures urbaines de I'Espagne au XVIe siecle", in Revue d'Histoire Économique et sociale, vol. 39 (1961), pp.477-178). Estes elementos, contudo, são hipotéticos, i. é, alcançados por proximidade temporal do segundo quartel de quinhentos. Por outro lado, não são indicados nos censos em análise e, por isso, não os contabi­lizamos pas as proporções baseadas exclusivamente nos informes destes.

195. Vd. Saul Gomes, O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XV, pp. 24-30.

196. Iria Gonçalves, Notas de Demografia . . . , p. 420.

197. João Alves Dias, "Os Fogos Femininos Nos Municípios Do Século XVI", in Ensaios de História Moderna, ed. Presença, Lisboa, 1988, p. 114. Jú­lia Galego e Suzanne Daveau, O numeramento de 1527-1532 .. . , p. 29.

198. Cf. A.H. de Oliveira Marques, Introdução à História da Cidade Medie· val Portuguesa, Braga, 1981, p. 4, nota 3.

199. lbidem.

200. Cálculos com base em ANTI- Alcobaça, Livro 15, fls. 213-218. (1433). 201. Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval .. . , 1987, pp. 46-47.

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A CRIAÇÃO DA DIOCESE DE LEIRIA E O CONTEXTO EUROPEU DA ÉPOCA.

AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E RELIGIOSAS DA IDADE MODERNA

Maria Luísa de Albuquerque Melo

A vida de uma diocese não decorre num círculo fechado mas é re­flexo e consequência das transformações ocorridas num plano mais vasto. À data da criação da diocese de Leiria, a Igreja Católica ressur­gia de um período de crise profunda. No próprio ano de 1545, inicia­va-se em Roma o Sínodo ecuménico que foi o grande motor da Contra-Reforma e cujas determinações orientariam a vida da Igreja durante séculos, até à realização do Concílio Vaticano II. Impõe-se, portanto, determinar o seu âmbito e analisar as motivações e os con­dicionalismos que estiveram na sua origem.

1. O processo de criação da diocese de Leiria. O governo de Frei Brás de Barros.

2. O despertar europeu após o trágico final dos tempos medievais. O lado obscuro da Época Moderna.

3. A crise da Igreja Católica. A reacção de Roma ao mo­vimento protestante. Contra-Reforma ou Reforma Católica? O Concílio de Trento ( 1545-1563)

1

Em 1543, encontrando-se ao mesmo tempo vagos o ar­cebispado de Braga e o bispado de Coimbra, pediu D. João III ao Papa que prorrogasse o prazo para apresentação dos pre­lados naquelas catedrais. Projectava el-rei a criação de duas

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A CRIAÇÃO DA DIOCESE DE LEIRIA

novas dioceses desmembradas daquelas demasiadamente ex­tensas para permitirem um governo pastoral eficaz.

Dois anos mais tarde, em Fevereiro de 1545 ainda o mo­narca insistia junto da Santa Sé no pedido de criação das dioceses de Miranda e de Leiria. A esta seriam aplicadas as rendas que a comenda do priorado-mar de Santa Cruz pos­suía na vila e termo de Leiria. Pedia ainda o monarca que no novo bispado, da apresentação da Coroa portuguesa, fosse provido ((frey Bras de Bragua, frade da ordem de San Jero­nimo pessoa muyto vertuosa, de boom enxemplo de vida e rel­legiam e muyto expermentada no governo eclesiástico que o dito bispado com ajuda de Deus governara como convem a seu serviço e bem da clerezia e povo".

A acção diplomática então desenvolvida veio a resultar na bula ((Pro excellenti" de 22 de Maio de 1545, que instituiu a diocese de Leiria; a bula ((Decet Romanum Pontificem" apli­cou à nova diocese as rendas que o priorado-mar possuía em Leiria. Assim se desligou a cidade de Leiria e seu termo da jurisdição que por diversos títulos nela exercia o prior-mor de Santa Cruz, o bispo de Coimbra e o arcebispo de Braga. No mesmo ano foi a povoação de Leiria elevada a cidade e a igreja de Santa Maria ou Nossa Senhora da Pena erecta em catedral. Finalmente, através da bula ((Gratiae Divinae", Paulo III confirmou ao monarca o nome de Frei Brás para a prelatura.

Frei Brás de Barros ou de Braga, assim chamado por ser natural desta cidade, professou no mosteiro de Penhalonga, casa-mãe da Ordem de S. Jerónimo. Para prosseguir estu­dos de aperfeiçoamento nas Ciências Teológicas, frequentou as Universidades de Paris e de Lovaina, com Frei Diogo de Murça, que viria a ser Reitor da Universidade de Coimbra. De regresso do estrangeiro, onde permaneceu de 1517 a 1525, fez a sua profissão solene no mosteiro da Pena, em 15 de Agosto de 1525.

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A 8 de Outubro de 1527, Frei Brás de Barros foi nomea­do reformador do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, dos có­negos Regrantes de Santo Agostinho. Estava então em marcha o movimento de reforma das Ordens religiosas no nosso país. Em Santa Cruz, Frei Brás empreendeu uma re­forma profunda que passou pela criação de um colégio uni­versitário com autoridade para conceder graus académicos em Teologia, em Medicina e em Artes. Datados de 1537, os Estatutos desta Universidade feita à imagem de Paris reve­lam um profundo conhecimento das correntes humanistas que então sopravam na Europa.

Nomeado bispo de Leiria, tomou posse a 28 de Julho de 1545 e "tratou logo de pôr em ordem o governo da diocese". A nível urbanístico o prelado fez sentir a sua acção através da abertura da Praça Rodrigues Lobo, centro natural da cidade, e com a proposta de construção da nova Sé, edifício cujas obras só se viriam a iniciar durante o episcopado do seu sucessor.

Logo em 1546, Frei Brás de Barros fez um acordo com a Câmara pelo qual esta lhe cedeu a casa que ocupava, no sí­tio onde depois foram os Paços Episcopais, e 40 cruzados, na condição de que o caminho que ia do Rossio ao longo do mu­ro dos frades ficasse de modo que pudesse seguir por ele um carro, e que, derribando-se a igreja de S. Martinho, o assen­to e adro dela ficasse a Câmara para deles se fazer Praça. Também a Frei Brás ficou Leiria a dever a sua Catedral, que se não foi obra sua quanto a construção, o foi quanto aos pla­nos e a localização como se vê numa carta do prelado a D. João III pedindo-lhe que mandasse fazer os alçados da no­va Sé pois encontrava-se já pronta a sua planta.

Em 1549, Frei Brás de Barros elaborou as primeiras Constituições do bispado que até esse ano se regeu por umas de D. Pedro Vaz Gavião, bispo da Guarda e comendatário do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Elaborou também os Estatutos da Sé, de aceitação pouco pacífica, por coarctarem

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alguns abusos na atribuição dos benefícios eclesiásticos. Em 1550, informa O Couseiro, estando já impressas as Constitui­ções de Frei Brás, entendeu o Cabido que as devia rejeitar com o argumento de que alguns capítulos não estavam con­formes ao que se assentara.

Reformador activo e grande administrador, Frei Brás de Braga viveu os seus últimos dias carregado de amarguras. Em consequência de um conflito relacionado com a separa­ção dos bens entre a mesa episcopal e os cónegos e dignida­des do Cabido, viu-se na necessidade de deixar a diocese. Em 1553 resignou o bispado e retirou-se para um mosteiro da sua Ordem, de onde continuou a expedir o despacho do go­verno diocesano até a chegada da bula da resignação, em 1556. Faleceu no convento da Pena a 31 de Março de 1561.

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A noção de época moderna insere-se na visão tradicio­nal duma História Universal estruturada em quatro fases: a Antiguidade, a Idade Média, o Renascimento ou Idade Mo­derna e a Época Contemporânea.

De acordo com essa divisão, os tempos modernos eram colocados em confronto com as "trevas medievais". Sabemos hoje que não existiu ruptura mas sim continuidade entre os dois períodos. De facto, nem a Idade Média foi uma época de estagnação, nem o Renascimento se limitou a um simples re­gresso à Antiguidade.

O que foi então o Renascimento? Jean Delumeau cha­mou-lhe a época da "promoção do Ocidente". Até então, diz­-nos este autor, "a técnica e a cultura de Árabes e Chineses igualavam e suplantavam até, a técnica e a cultura dos Oci­dentais. Em 1600 já não era assim." O Ocidente conheceu então o grande salto que lhe permitiu tornar-se a zona mais avançada do Universo.

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Em termos cronológicos, a Idade Moderna abarcou três séculos: dos Descobrimentos às Revoluções. Algumas datas e acontecimentos ajudam-nos a delimitar o início deste período.

O ano de 1453, data da tomada de Constantinopla pelos turcos, marca o limite tradicional. Outros factos assinalaram a mudança. A partir de 1456, a introdução da imprensa de ca­racteres móveis revolucionou a difusão do livro e da cultura. O ano de 1492 marcou a chegada de Colombo as Índias Oci­dentais e a expulsão dos mouros de Granada. Dois anos mais tarde, Carlos VIII de França invadiu a Itália pela primeira vez revelando a vulnerabilidade dos estados italianos. Os por­tugueses estabeleceram-se no Brasil e conquistaram posi­ções a Oriente. O centro da economia mundial transferiu-se do Mediterrâneo para o Atlântico favorecendo os países Ibé­ricos de início, e logo, as Províncias Unidas, a Inglaterra e a França.

A saída da crise marcou os inícios da Idade Moderna. O restabelecimento da paz e um ligeiro amenizar do clima con­tribuíram para o retrocesso das fomes e dos surtos epidémi­cos que haviam assolado o Velho Continente nos séculos XIV e XV. A população voltou a atingir os valores do período an­terior a crise. Aldeias abandonadas na época medieval foram repovoadas. Os valores da produção agrícola aumentaram e diversificaram-se. As cidades alargaram-se com o desenvol­vimento das actividades artesanais e a reactivação da vida comercial.

Os maiores progressos verificaram-se a nível da con­quista e exploração de "novos mundos". A Europa que por muito tempo viveu fechada sobre si mesma, abriu-se a civi­lizações e culturas desconhecidas. No espaço de 50 anos, afir­mou Pierre Chaunu, "os extremos do mundo fundiram-se" e os europeus adquiriram um conhecimento quase total do pla­neta. O ouro e a prata chegavam a Europa em quantidades astronómicas aumentando o capital monetário em circula-

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ção e estimulando o comércio transcontinental. A metalur­gia desenvolveu-se e as técnicas de construção naval aper­feiçoaram-se. Novos produtos como o chocolate e o café, o chá e as porcelanas, o milho grosso e a batata difundiram­-se no espaço europeu. As transformações na agricultura permitiram criar os excedentes que tornariam possível a Re­volução Industrial.

Não nos iludamos, contudo, pois a alteração em torno de um eixo não foi total. Uma agricultura incipiente, baseada em formas de exploração de raízes medievais ocupava ainda mais de 90% da população. Em termos gerais, toda a mudan­ça foi lenta e gradual, interrompida por numerosas crises.

* * *

O aparecimento dos Estados nacionais marcou a moder­nidade europeia. A ascensão das nações governadas por mo­narcas absolutos envolveu o apagar da importância das cidades feudais e o declínio do poder do Sacro Império roma­no. Todas as tentativas posteriores para fazer renascer o po­der imperial falharam redondamente.

O poder tendia a centralizar-se nas mãos do rei que ob­viamente não governava sozinho, mas rodeado por conselhei­ros e por homens de acção, escolhidos entre os aristocratas e os burgueses. A teoria do direito divino, isto é, a ideia de que o rei só devia prestar contas do seu governo perante Deus, foi o grande tema dos autores da época. Os novos mo­narcas garantiam o cumprimento das leis escritas, o comér­cio, a paz e a unidade nacional.

O ideal de unidade cristã, realizada sob a autoridade de um imperador, foi substituída por uma relação de forças. O espaço geo-político europeu, de recortes confusos até aos fi­nais do séc. XIV, alterou-se e adquiriu nos séc. XV e XVI con­tornos bem definidos, por vezes já definitivos ou similares a

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situação geo-política actuaL Foi então que surgiu a ideia da capital política como sede do governo nacional, por oposição às Cortes itinerantes medievais.

A consolidação das consciências nacionais transparece em crónicas de viagens que relatam as características indi­viduais de cada povo. Sintomático foi também o facto de os grandes autores literários seiscentistas, Luís de Camões, Shakespeare e Cervantes, terem optado por escrever as suas obras em língua vernácula, ao invés do latim, como era en­tão hábito.

Embora tenha assumido uma feição essencialmente li­terária e estética, o Renascimento foi assinalado por uma sé­rie de descobertas que ajudaram os homens a dominar o Universo. Do ferro fundido às armas de fogo, da imprensa à letra de câmbio, do relógio ao telescópio, as inovações suce­deram-se em catadupa. A pouco e pouco assistiu-se a con­solidação de uma mentalidade mais experimental e mais científica.

A procura da verdade e o espírito de curiosidade provo­caram a contestação das ideias medievais em todos os cam­pos: teologia e ciência, filosofia e moral. Já não bastava aceitar as concepções transmitidas por uma autoridade mes­mo quando essa verdade não parecia susceptível de ser pos­ta em causa. O espírito de crítica alargou-se à própria sociedade da época. Intelectuais humanistas como Erasmo de Roterdão e Thomas More criticavam frontalmente os abu­sos dos poderosos, a ambição desmedida dos ricos, a injusti­ça social, a ignorância e a superstição.

Numa altura em que a religião impregnava a vida quo­tidiana e penetrava o coração de cada um, o Cristianismo atravessou uma crise profunda. Os "abusos" ligados às preo­cupações demasiado temporais do Clero e a excessiva cen­tralização romana contribuíram para o descontentamento que esteve na base da revolta protestante. A Igreja Cristã

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que até ·aí se mantivera una, prestando fidelidade ao Papa, seguindo idênticas cerimónias e praticando a mesma doutri­na, dividia-se agora em numerosas igrejas. Protestantes e Católicos digladiavam-se em combates verbais e em lutas fratricidas.

As crises religiosas e a consciência da precaridade da existência humana decorrente da trilogia devastadora de "fo­mes, pestes e guerras" que ciclicamente assolavam o conti­nente europeu, contribuíram para criar uma atmosfera de pânico generalizado. Achando-se culpados, os homens atri­buíam todos os flagelo a um castigo de Deus e, vendo o mal em toda a parte, sentiam-se moral e fisicamente ameaçados pelo diabo. Judeus e mouros, bruxas e alquimistas, todos eram indistintamente considerados "agentes do demónio" e como tais, perseguidos, julgados e condenados em tribunais régios, civis e da Inquisição.

A época moderna apresentou mais facetas negativas. Já falamos do massacre indígena na América espanhola que re­dundou na destruição quase total de importantes civiliza­ções. Pela mesma altura se inaugurou a exploração massiva do tráfico negreiro, comércio de indígenas que eram captu­rados ou trocados por mercadorias nas terras africanas e de­pois transportados em condições degradantes para serem vendidos como mão-de-obra nos mercados de escravos da América e da Europa.

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Na transição para a época moderna, a Igreja Católica viveu um clima de grande instabilidade provocada por um acumular de situações com raízes profundas no tempo. As próprias mutações ocorridas no plano económico e político foram em parte responsáveis pela crise religiosa que se fez sentir desde os finais da Idade Média.

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O desenvolvimento do capitalismo comercial e o ressur­gimento da economia monetária alteraram o valor do patrimó­nio eclesiástico constituído principalmente por propriedades fundiárias cujas rendas eram ainda cobradas em géneros. A falta de numerário levou alguns membros do Clero a preocu­parem-se excessivamente com problemas de índole económi­ca. A hegemonia da Igreja encontrava-se ameaçada pelo crescimento das monarquias absolutas que, no caminho para a centralização procuraram controlar o poder eclesiástico. Basta dizer que, muitas vezes, eram os monarcas que, com a aprovação de Roma, nomeavam os bispos para as dioceses. O grande Cisma do Ocidente só resolvido após 50 anos por in­tervenção do poder civil enfraquecera o Papado.

Desde há muito que se sentia a necessidade de uma re­novação interna de forma a corrigir uma série de desequilí­brios que grassavam na Igreja da época. Enquanto os cardeais e membros da Cúria romana viviam em grande opu­lência, os párocos das aldeias, muito humildes, asseguravam com dificuldades a sua subsistência. Devido a inexistência de seminários, muitos padres faziam a sua formação em casa dos curas locais, já de si pouco instruídos. Sentia-se uma grande falta de sentido pastoral. Não se generalizara ainda o ensino da doutrina cristã através da catequese, nem a prá­tica da confissão regular. Os elementos do Alto Clero, por seu lado, preocupavam-se mais com os aspectos formais da religião, a discussão do dogma e do cerimonial, do que com a sua missão espiritual.

Já no século XV algumas Ordens religiosas, como os Franciscanos, os Dominicanos e os Agostinhos haviam en­saiado uma restauração da vida monástica no sentido do re­gresso a pureza e a austeridade primitivas. Um pouco por toda a Europa, movimentos como a Devotio Moderna e con­gregações como a Oratória do Divino Amor propunham uma maior participação dos leigos na vida religiosa e uma nova

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espiritualidade assente na meditação pessoal. Paralelamen­te, alguns bispos como F. Zollern e Briçonnet tentavam, nas suas dioceses, uma renovação das práticas da Igreja.

Para a maioria da população, o conhecimento da mensa­gem cristã dependia exclusivamente da oralidade. Importava sobretudo o cumprimento das práticas da Igreja. Praticava-se então uma piedade gestual. O movimento das peregrinações, deslocações para ver e tocar as relíquias sagradas continuava tão forte como no tempo das primeiras Cruzadas. O culto dos Santos, sob várias invocações, a oferta de legados pios e a pro­cura de indulgências intensificaram-se.

A questão das indulgências foi um ponto fundamental na ruptura entre Lutero e a Igreja de Roma. O movimento da Reforma implantou-se no espaço de uma geração e pro­vocou uma alteração decisiva na geografia confessional da Europa. Que motivos explicam tão forte adesão ao movimen­to protestante?

O movimento protestante assentava. em três ideias fun­damentais: a doutrina da justificação pela fé, o sacerdócio universal e a infalibilidade do uso da Bíblia. Numa época de grande mortalidade e constante angústia face à salvação, Lutero apresentava a salvação como uma dádiva de Deus. Independentemente da prática das boas obras e da mediação do Clero, o justo salvava-se se tivesse fé. Além disso, salien­tava a infalibilidade da Bíblia como referência base e, fonte de certeza e segurança para todos aqueles que dela necessi­tassem. O desenvolvimento do individualismo e o fortaleci­mento do elemento laico na sociedade ajudam a explicar o sucesso da ideia de sacerdócio universal segundo a qual to­dos podiam pregar a palavra de Deus. Ainda mais, ao defen­der que a Igreja não deveria possuir propriedades, Lutero legitimava a apropriação pelo Estado do imenso património eclesiástico, convencendo muitos príncipes a aderirem à Re­forma.

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Face ao avanço do Protestantismo, a Igreja de Roma de­sencadeou um poderoso movimento de renovação interna e de combate às ideias protestantes que viria a chamar-se Re­forma Católica ou Contra-Reforma.

* * *

A Reforma Católica não foi apenas uma reacção a Refor­ma Protestante. De facto, se em certas regiões da Alemanha e das Províncias Unidas a Igreja chegou a recorrer às armas para combater o movimento reformista, já no que diz respei­to a Portugal, Espanha e Itália, dificilmente podemos falar em Contra-Reforma pois aqui o movimento protestante qua­se não teve adeptos ou apoiantes. Sendo assim, em que con­sistiu o movimento de reorganização das ideias e práticas da Igreja de Roma que viria a designar-se Reforma Católica?

A vontade de renovação da Igreja romana afirmou-se principalmente a partir do pontificado de Paulo III ( 1534--1549). Como Pontífice, iniciou a reforma disciplinar e mo­ral da Igreja através da renovação da Cúria romana, nomeando para cardeais homens com uma formação cultu­ral elevada como Sadolet, Pole e Caraffa. Foi ele também que, em 1540, aprovou os estatutos da Companhia de Jesus e, dois anos mais tarde, criou o Santo Ofício. No entanto, o facto mais relevante do seu episcopado foi a convocação da­quele que constituiu o mais importante sínodo ecuménico até a realização do Vaticano II: o Concílio de Trento ( 1545--1563). Nos dezoito anos que durou o Concílio, debateram--se variadíssimas questões de natureza dogmática e disciplinar que regulamentaram durante séculos a vida da Igreja.

Do ponto de vista dogmático tornava-se necessário eli­minar as imprecisões teológicas que haviam deixado campo livre à Reforma. Por isso, o Concílio reconheceu a Tradição

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e as Escrituras como fontes da Fé e atribuiu à Igreja o direi­to exclusivo de interpretar os Textos Sagrados, estabelecen­do a Vulgata de S. Jerónimo como texto bíblico de referência.

Contra a doutrina da presença simbólica do Senhor na Eucaristia, afirmou-se a presença real, contra a doutrina da consubstanciação dos Protestantes, a da transubstanciação. O Concílio reafirmou os sete Sacramentos como fontes da Graça Divina e declarou que o baptismo pode livrar o homem do pecado original. Confirmou que a Salvação se alcança por meio da Fé e das Obras.

A par das definições dogmáticas, foram elaborados de­cretos de reforma. Além da preocupação pastoral, estes de­cretos reflectem uma tentativa para elevar o nível cultural do clero e para purificar a pregação dos abusos e dos maus hábitos. Insistiu-se no dever pastoral dos párocos através da difusão da catequese e da prática da confissão regular. Pediu-se a colocação de graduados em Sagradas Escrituras nas igrejas catedrais, colegiadas e conventos, com a obriga­ção de rezarem missa aos domingos e dias santos, e proibiu­-se a ordenação sacerdotal antes dos 22 anos.

Debateu-se a obrigação de residência dos bispos e páro­cos com responsabilidade pastoral e proibiu-se a acumula­ção de benefícios eclesiásticos. Por outro lado, procurou-se reforçar a autoridade episcopal, diminuída ao longo dos tem­pos. Os bispos adquiriram o poder supremo em matéria re­ligiosa dentro da sua diocese. Tornaram-se os juízes únicos na admissão ao sacerdócio, com o poder de declarar a sus­pensão das ordens.

O Concílio colocou o sacerdote num plano elevado e fez uma cuidadosa separação entre o sacerdote e o leigo. Decre­tou que os padres deviam ser graves, modestos e piedosos no seu vestuário, comportamento e discurso. Por outro lado, tentou estabelecer uma diferenciação entre o sagrado e o pro­fano através da cerimonialização da liturgia.

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O espírito religioso de Trento permaneceu nos Papas que governaram a Igreja romana a partir de 1563 e que de­ram um exemplo de dignidade na sua conduta.

Os decretos dogmáticos estabelecidos pela assembleia de Trento foram logo aceites pelas diferentes escolas teoló­gicas do mundo católico, mas o mesmo não se passou com a aplicação das propostas disciplinares, como a da criação de um seminário em cada diocese, medida que demorou sécu­los a implantar-se. A Reforma foi mais efectiva nos territó­rios em que existia um bispo eficiente e zeloso.

* * *

O Concílio de Trento dotou os bispos de meios para agir com eficácia não só sobre os seus subordinados eclesiásticos mas sobre toda a população de fiéis. A visita pastoral foi um instrumento fundamental do exercício desta autoridade. No Concílio de Trento procedeu-se ao restabelecimento das ba­ses jurídicas das visitações e procurou-se rodeá-las de sole­nidade. A prática da visita pastoral é bastante anterior pois remonta à Igreja nascente, tendo sofrido alterações ao lon­go do tempo.

O acto visitacional era uma das obrigações do bispo, em­bora este por vezes o delegasse em visitadores seleccionados entre o pessoal superior da diocese. Os cabidos tinham a ca­pacidade de nomear visitadores quando a sede episcopal se encontrasse vaga. Segundo as determinações tridentinas [sessão XXIV, De reformatione, cap. 3] todas as dioceses de­viam ser visitadas anualmente, ou pelo menos de dois em dois anos, caso a extensão do território não permitisse visi­tas anuais.

A chegada do visitador, acompanhado do seu secretário e por vezes de um meirinho eclesiástico, a paróquia a visitar era precedida de um édito lido na missa pelo pároco nos dois

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Domingos ou dias santos precedentes. Neste édito se exorta­vam os paroquianos a estarem presentes e se enumeravam os vários delitos públicos sobre os quais estavam obrigados a testemunhar. Dentre estes constavam:

Delitos contra a fé ou não cumprimento dos preceitos re­ligiosos por crença ou superstição, designadamente: heresia ou encobrimento de heresia, posse de livros proibidos, feiti­çaria, artes divinatórias, curas supersticiosas, blasfémia, perjúrio, desrespeito aos jejuns ou à Quaresma, trabalho em dias santos ou faltas à missa.

Delitos morais: sodomia, incesto dentro do 42 grau, biga­mia, maridos que dessem má vida às respectivas esposas, casais que vivessem separados, casais que vivessem mari­talmente antes de casados pela Igreja, amancebamentos en­volvendo leigos casados ou solteiros, solicitação de freiras ou frequência escandalosa de mosteiros, alcoviteiros e alcovi­teiras, movedeiras, e também usura, injúrias verbais, ódios e desavenças entre fregueses e, no geral, "qualquer pecado público que dê escândalo."

Nas visitações averiguavam-se ainda as questões rela­cionadas com o comportamento moral e o zelo do pessoal eclesiástico e aspectos relacionados com os bens e prerroga­tivas da Igreja como alienação de bens eclesiásticos e falsi­ficações.

A visita iniciava-se pela parte ritual designada visita­ção espiritual. À medida que se dirigia à igreja, o visitador observava os caminhos e as pontes de acesso, o estado de con­servação das torres e dos sinos. Após a celebração da missa e da absolvição dos defuntos, o visitador continuava a inspec­ção da igreja, das suas relíquias, imagens, santos óleos, pia baptismal, sacrário, paramentos e todos os outros objectos de culto, incluindo os livros de registo paroquial e os eventuais tombos ou contas da fábrica da igreja. Nos livros de capítu­los da paróquia o visitador deixava as suas apreciações sobre

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o clero local e as ordens para reformar todos os aspectos que não correspondessem às exigências de "asseio e decência."

Em seguida, o pároco retirava-se para sua casa e dava­-se início à visitação temporal. A presença de todos os fre­gueses e do pessoal eclesiástico era obrigatória aplicando-se penas pecuniárias a quem faltasse. Após um breve discurso, o visitador chamava um certo número de paroquianos e in­terrogava-os um a um. Em princípio, as testemunhas eram desconhecidas do visitador que as escolhia a partir da lista dos confessados da última Páscoa. Cada testemunha era in­terrogada sobre os pecados públicos da paróquia constantes do édito, os quais era obrigada a denunciar sob pena de ex­comunhão.

Uma vez terminado o interrogatório ou devassa, cuja duração e o número de fregueses chamados estava um pou­co ao arbítrio do visitador, estabelecia-se a lista das denún­cias e o visitador "pronunciava" os acusados e sentenciava os culpados. As penas e as multas aplicadas aos denunciados em função dos delitos praticados, ainda que atenuadas por vezes pela "muita pobreza" dos réus, podiam implicar a pri­são, a penhora pública ou o degredo do acusado.

Se existissem infracções muito graves (heresia, sodomia ou incesto) podia-se proceder a prisão imediata, ordenando ao meirinho que acompanhasse o réu, ou pedindo ajuda à autoridade civil. Para os outros casos, os culpados eram cha­mados e admoestados pelo visitador, sendo esta admoesta­ção feita em segredo quando se previam graves danos para os acusados. Se não houvesse certeza da culpa, elaborava­-se um termo de fama cessanda em que se propunha ao de­nunciado fazer cessar a reputação de ser pecador.

As confissões e os pedidos de recusa de culpa dos acusa­dos da pronúncia ficavam registados nos livros de termos. Posteriormente a devassa eram elaborados livros de extra­tos com as listas dos culpados de várias visitas sucessivas.

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DE REFORMADOR DOS ESTUDOS A BISPO DE LEIRIA OU O ITINERÁRIO

DE UM CONTEMPLATIVO: D. FREI BRÁS DE BARROS

Prof Doutor Cândido Augusto Dias dos Santos Universidade do Porto

No XXI Colóquio Internacional de Estudos Humanistas, realizado em Tours, em Julho de 1978, afirmava o Prof. Cos­ta Ramalho que a cultura portuguesa dos vinte primeiros anos do século XVI não tinha sido ainda seriamente estuda­da e manifestou o desejo de que fosse um dia publicada uma obra completa sobre a cultura portuguesa, de 1500 a 1580, que não existia ainda.

Tinha razão o Mestre de Coimbra. O século XVI conti­nua ainda insuficientemente estudado.

Todavia, são já bastante bem conhecidas as linhas de evolução cultural do reinado de D. João III (1521-1557). O Prof. Silva Dias analisou longamente a "política cultural" do sucessor de D. Manuel: primeiro, os contactos com o Huma­nismo europeu; depois, a abertura aos ventos do Erasmis­mo; finalmente, a fractura ou viragem cultural que, começando a desenhar-se nos meados do século, vai desem­bocar na chamada Contra-Reforma e Reforma Católica.

Nesta trajectória se inscreve, destacada e activa, a figu­ra de Frei Brás de Barros reformador dos estudos em Santa Cruz de Coimbra e, a partir de 1545, pastor da recém-cria­da diocese de Leiria.

Filho ilegítimo de Valentim de Barros, morgado de Amo­reiras, e de Dona Beatriz Pereira, é também conhecido por Frei Brás de Braga por ser natural desta cidade. Não se co­nhece rigorosamente o ano do seu nascimento. Sabe-se, po-

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rém, que começa por viver na Corte e, mais tarde, à imagem de seu pai, "foi exercitado em as armas em África" de tal mo­do que "sabia muito bem o uzo soldadesca" (D. Gabriel de Santa Maria).

Em 1516, pouco depois do regresso de África, professa no mosteiro de Penhalonga, casa-mãe da Ordem de S. Jeró­nimo, fundada nos fins do século XIV por Frei Vasco Martins.

Para prosseguir estudos de aperfeiçoamento nas Ciên­cias Teológicas, parte para o estrangeiro - Paris e Lovaina -, na companhia de seu irmão de hábito, Frei Diogo de Mur­ça, que viria a ser, alguns anos depois, Reitor da Universi­dade de Coimbra, na época áurea da sua história.

Em Lovaina, obteve, ao que parece, graus académicos. De regresso do estrangeiro, onde permaneceu de 1517 a 1525, faz a sua profissão solene no mosteiro da Pena, em 15 de Agosto de 1525.

Enriquecido pelo conhecimento de vários meios - a Cor­te, a vida militar, a vida académica -, Frei Brás encontra­va-se excepcionalmente preparado para dar o seu contributo na renovação do País.

A oportunidade irá chegar com o alvará de D. João III, de 8 de Outubro de 1527, que o nomeia reformador do mos­teiro de Santa Cruz de Coimbra, de Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. É incumbido desta missão por mandado do Provincial da sua Ordem, o célebre Frei António de Lisboa, mas a pedido do monarca, D. João III.

Estava assim em marcha o movimento de reforma das Ordens religiosas no nosso país: Frei Brás em Santa Cruz, S. Vicente, Grijó, etc.; Frei António de Lisboa, no convento de Cristo, em Tomar; poucos anos mais tarde, Frei Francis­co de Vila Franca e Frei Luís de Montoia, vindos de Espanha, para a reforma dos Gracianos ou eremitas de Santo Agosti­nho, etc . .

Quanto a Frei Brás, não o esperava em Santa Cruz uma

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missão fácil. Corrigir hábitos enraizados e relaxados é sem­pre difícil.

Começa logo por ser mal recebido pelos Cónegos de San­ta Cruz que não quiseram aceitar a sua reforma, a reforma trazida por um religioso de fora . . . O prior cessante, D. Brás Lopes, Doutor pela Universidade de Paris, recusou-se em capítulo a aceitar a reforma de Frei Brás, saiu do mosteiro, arrastando consigo alguns religiosos.

O reformador não se deixa abater e, escudado pelo Rei, prossegue o seu trabalho. Com punho enérgico. Por volta de 1530 podia considerar que a reforma estava já implementa­da em Santa Cruz e que poderia passar-se à reforma de ou­tros mosteiros.

Desenvolveu Frei Brás a sua acção reformadora em 3 direcções: a reforma espiritual e moral dos monges, a refor­ma do património do mosteiro e a reforma dos estudos.

Vejamos, em primeiro lugar, a acção desenvolvida na re­forma dos costumes e da espiritualidade dos monges:

Não são abund'antes os elementos de que dispomos mas

são alguns: O livro das Constituições e Costumes que se guardam

em Santa Cruz teve a primeira edição em 1532 nas próprias oficinas de Santa Cruz e, posteriormente, várias reedições. ·

Não há comunidade que possa subsistir sem lei, sem que cada membro dela conheça as directrizes por que deve nor­tear a sua acção.

O Livro das Constituições e Costumes que Frei Brás deu aos monges de Santa Cruz respondia a esta necessidade.

Dirigido directa e exclusivamente à formação espiritual dos Cónegos, traduz do latim para português o Espelho de Perfeição, essa obra bem conhecida de Henrique Hárfio, cuja doutrina Frei Brás considerava "mais divina que humana"!

É-lhe ainda atribuída outra obra - o Memorial de con­fessores para conhecer geralmente os pecados mortais feito

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por um frade Jerónimo a requerimento de alguns religiosos, de 1531.

Deixando por agora as reformas no campo patrimonial, vejamos aquela reforma de Frei Brás que teve projecção na­cional. Refiro-me à introdução nos claustros de Santa Cruz do Studium Generale, isto é, dos estudos públicos e abertos a estudantes leigos.

Foi neste domínio que se revelou a craveira intelectual de Frei Brás.

Não importa discutir aqui se foi ou não atrasada a refor­ma dos estudos; o que historicamente é certo é que foi Frei Brás quem a efectivou com a fundação do colégio universitá­rio, quem lhe deu estatutos que revelam bem como este ho­mem tinha conhecimento das correntes de renovação humanista que sopravam lá fora.

Neste campo é bem conhecida hoje a acção de Frei Brás; conhece-se a data exacta em que os estudos começaram e os alunos que os frequentaram.

Conhecem-se também as constituições ou estatutos ela­borados por Frei Brás, pelos quais se regia esta Universida­de "feita à imagem e semelhança de Paris".

Vale a pena determo-nos com alguma demora na sua análise. Elaborados em 1537, foram aprovados e confirma­dos pela bula de Paulo III Ut respublica christiana de 23 de Março de 1537. Por este diploma se autorizava a concessão de graus académicos nos colégios de Santa Cruz que apresen­tavam já um notável desenvolvimento e eram designados co­mo verdadeira Universidade, circunscrito o seu ensino às Artes, Teologia e Medicina.

Como Universidade dos estudos, estes colégios gozavam, segundo a letra da mesma bula, de todos os privilégios, liber­dades, prerrogativas, excepções e graças de que usufruíam todas as instituições congéneres, como as Universidades de Paris, Salamanca e Alcalá.

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Foi à Universidade de Paris que Frei Brás foi buscar o paradigma:

"E os que quiseram em outro tempo aver grao de lyçen­çeados nom sejam admitidos nesta universidade que ajma­jem e semelhança da escola parisyense he constituída". (Const. 19).

"E o outro auto se chama do tytullo do noso primeyro co­legio augustiniana que he correspondente a sorbonica de Pa­ris". (Const. 18).

"O qual auto segundo o modo de Paris lhe valera por ten­tativa". (Const. 18).

"Este auto he solenysimo e segundo modo de Paris nom se deve fazer mais que hüa vez em dous anos". (Const. 19).

Mas, mais importante que o modelo que procurou apli­car, é o sopro renovador, de sentido humanista, que revelam algumas constituições:

"E queremos que em os ditos colegios se lea a sacra Theologia e as artes liberães e as tres lynguas com que se escreve o em a cruz o tytullo de noso Senhor Jesus Christo, ou delas as que per o tempo parecerem mais proveitosas. E quanto em boa maneira poder ser queremos que em as ditas faculdades aja ao menos oyto cathedras, s. , duas em theolo­gia e tres em as artes liberaes e tres em as sobreditas lyn­guas". (Const. 1).

Aqui estão as três línguas, o latim, o grego e o hebraico, como Erasmo defendia, uma exigência do Humanismo

Tinham as suas razões os humanistas para defenderem a necessidade dos estudos das línguas clássicas e do hebreu, condição sine qua non para a abordagem dos textos sagrados nas línguas originais.

O estudo crítico-filológico da Sacra Página não poderia efectivar-se sem o conhecimento e o estudo aturado das lín­guas clássicas.

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Depois, a constituição 3ª que dispõe: "Que nom se leam nem ouçam em nossos colegios sofistaria".

Sofistaria era a designação pejorativa da Teologia Esco­lástica dos finais da Idade Média, fase de decadência, em que a Teologia se tinha afastado das fontes bíblicas e patrísticas, das fontes puras do Cristianismo, para se entregar ao comen­tário estafado e repetitivo das Sentenças de Pedro Lombarda, agravado tudo isto pelas intermináveis disputas das escolas, de que Erasmo nos dá um retrato satírico no Elogio da Lou­cura (1508) quando escreveu, referindo-se aos teólogos: "O traço dum labirinto é menos complicado que os tortuosos des­vios dos realistas, nominalistas, tomistas, albertistas, oca­mistas, escotistas e de tantas seitas só cito as principais. A erudição desta gente é tanta, tantas são as dificuldades que elas apresentam que os próprios Apóstolos teriam que rece­ber outro Espírito Santo para discutirem esses assuntos com os nossos teólogos".

São estes os abusos e malabarismos intelectuais a que Frei Brás quer decididamente pôr fim. "Que em nossos cole­gios nem se lea nem ouça sofistaria", que esse tipo de Teolo­già não seja ensinado nem aprendido.

Mais. Frei Brás não se limita a legislar. Estabelece san­ções para aqueles professores e alunos que não cumprissem.

"Mandamos e por esta nossa constituição estritamente defendemos [=proibimos] que nenhum dos leitores, ordiná­rios ou extraordinários, directe vel indirecte, publice vel ocul­te, presuma ler sofistaria" . . .

Os regentes ordinários teriam que pagar 10 dobras, se faltassem pela lª vez; 20, pela 211; e se voltassem a reincidir seriam, ipso facto, privados das regências; se fossem leito­res extraordinários pagariam as mesmas penas da primeira e segunda vez e, em caso de reincidência, seriam expulsos dos colégios.

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Quanto aos alunos, as penas iam da perda dos cursos à expulsão dos colégios, passando pela inabilidade para rece­berem qualquer grau.

Ora tudo isto mostra à evidência uma vontade decidida de se erradicar um mal profundamente enraizado. Nesta dis­posição de Frei Brás vai uma declaração de guerra à Esco­lástica degradada.

Entendiam os humanistas que a palavra de Deus anda­va desfigurada no meio de tantas discussões e subtilezas, perdida numa fraseologia oca, desencarnada, sem qualquer interesse, quer para os futuros pastores quer para os fiéis cristãos.

Era na Sagrada Escritura que residia a palavra de Deus. Era, pois, necessário voltar a ela e abordá-la com as técnicas novas da filologia.

Conflito entre Humanismo e a Escolástica da decadência. Mas humanismo cristão . . . Na pedagogia de Frei Brás não estava ausente a preo­

cupação de educar e de educar cristãmente, como era timbre dos colégios da Renascença. Nos colégios de Santa Cruz ha­via a preocupação pedagógica de formar.

"Porque nosa intençam he - escrevia Frei Brás (const. 12) - que os escolares que em os ditos colégios ouverem de estudar nom tam somente aprendam leteras mas ainda sen­do exercitados e honestos e bõos costumes, aprendam vyver segundo pertençe a bõos cristãos" (const. 12).

Neste sentido se preceituava na const. 2ª que o regente da última cátedra das línguas lesse aos escolares nos domingos e festas de preceito alguma leitura cristã que provocasse à pie­dade. Insiste--se ainda, na const. 12, na obrigatoriedade da as­sistência à missa antes do começo das aulas, bem como na da confissão na Quaresma, Natal e Assunção de Nossa Senhora.

A renovação dos estudos fora preparada pela renovação da livraria. Um livro de receita e despesa do mosteiro de San-

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ta Cruz, relativo ao período que vai de Novembro de 1534 até Fevereiro de 1535, revela bem até que ponto os ventos da re­novação entravam nos seus claustros: livros didácticos como De duplici copia verborum ac rerum, tratado clássico para grande número de estudantes de latim, uma exposição prá­tica sobre a maneira de procurar a "cópia" (i.e., a riqueza das ideias e das coisas); as Epístolas de Marco Túlio, um Calepi­no (um dicionário) de Nebrija, humanista espanhol; Artes de Gramática Grega; outro livro didáctico de Erasmo (De octo orationum partibus), para estudo da sintaxe; um livro de Re­tórica, de António de Nebrija; Epístolas de S. Jerónimo, etc.

Abastecia-se a abadia de livros escolares e de livros es­pirituais, como o Exercitatorio espiritual de Garcia de Cisne­ros, o Estímulo de Amor de Frei Jacques de Milão; o Espelho ie Religiosos de Miguel de Comalada, etc., etc.

Fundou, pois, Frei Brás nos claustros de Santa Cruz uma escola de nível superior; dotou-a de estatutos modernos e a frequência dos alunos aumentava: 86 (1534-35); 100 (35/36); 132 (36/37); 205 (37/38).

Todavia, aproximavam-se nuvens de discórdia: em 1537 a Universidade com sede em Lisboa é transferido para Coim­bra. Como iriam coexistir as duas instituições? Brevemente, irão surgir conflitos de jurisdição que se agudizam, sobretu­do no tempo do Reitor D. Bernardo da Cruz. Tornou-se neces­sária a intervenção do Rei, o qual, a 5 de Novembro de 1543, chama para Reitor da Universidade de Coimbra um confra­de de Frei Brás, o seu irmão de hábito, Frei Diogo de Murça.

Ora, ao que parece, Frei Brás era um homem de tempe­ramento difícil e impetuoso. Talvez o seu amigo de estudos o compreendesse melhor ... Como quer que seja, a medida foi eficaz, porquanto, em 1544, as Faculdades existentes em Santa Cruz Artes, Teologia e Medicina passam para o Pa­ço das Escolas.

Estava reunificada a Universidade.

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Mais que uma vez Frei Brás quis deixar Santa Cruz e regressar à sua Ordem. É o que parecem demonstrar algumas cartas de D. João III para o reformador de Tomar, Frei Antó­nio de Lisboa. Numa carta de 24 de Março de 1537 escrevia D. João III a Frei António: "Creyo que tereis sabido como Frei Brás se foi de Santarem para o mosteiro das Berlengas . . . Vay com alguma payxão e com fundamento de não tornar mais a Santa Cruz". E noutra carta, esta de 3 de Julho de 1541, es­creve: "Frei Brás me pedio liçença pera se hir pera a Ordem e posto lha não concedesse todavia insiste em se hir porque diz que não tem que fazer nem faz nada em Santa Cruz".

Pacificada a Universidade, reformados os corpos regen­tes, chegava a hora de chamar Frei Brás a outras funções.

Projectava D. João III criar novos bispados, desmem­brando-os de outros mais extensos, para um governo pasto­ral mais eficaz.

O falecimento de D. Duarte, filho natural do monarca e prior-mor de Santa Cruz, permite resolver o problema dos bens a afectar ao bispado que queria criar em Leiria.

Tenta por isso D. João III conseguir da Santa Sé a ex­tinção da comenda do priorado-mor de Santa Cruz. Com es­se objectivo, dá instruções ao seu embaixador em Roma, Baltasar de Faria, no sentido dessa extinção e da aplicação dos seus bens ao futuro bispado de Leiria e à Universidade.

Por carta de 16 de Fevereiro de 1545, insistia D. João III junto do seu embaixador no pedido de criação de duas novas dioceses: Miranda e Leiria. A esta seriam aplicadas as ren­das que a comenda do priorado-mor de Santa Cruz possuía na vila e termo de Leiria. Pedia ainda o monarca que no no­vo bispado fosse provido "frey Bras de Bragua, frade da or­dem de San Jeronimo, passoa muyto vertuosa, de boom enxemplo de vida e rellegiam e muyto expermentado no go­verno eclesiastico que o dito bispado com ajuda de Deus go­vernara como convem a seu serviço e bem da clerezia e povo".

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Mais pedia, na referida carta, que os bens que o priora­do possuía em Arronches e seu termo fossem aplicados ao priorado da Igreja da dita vila de Arronches e os bens restan­tes fossem aplicados à Universidade de Coimbra.

Na mesma data, em correspondência directamente en­dereçado ao Papa Paulo III, o monarca solicita a criação do bispado de Leiria e o provimento nele de Frei Brás.

Na informação que acompanhava a correspondência, D. João III volta a dar instruções sobre a criação da diocese de Leiria: manifesta o desejo de que nela seja provido Frei Brás; que o novo bispado fosse da apresentação da Coroa portu­guesa; que a Frei Brás fosse concedida dispensa do chama­do "defectu natalium", porque era filho de pais solteiros; que ao mesmo fosse concedido continuar a governar, reger, visi­tar e reformar (com os mesmos poderes que possuíra até ali) os mosteiros de Santa Cruz, S. Vicente e Grijó, dados os gran­des inconvenientes que adviriam para os mesmos mosteiros, se o reformador neles deixasse de ter jurisdição.

Morto o Cardeal Santiquatro, D. João III volta-se ago­ra para os Cardeais Farnese e Crescencio e solicita-lhes os seus bons ofícios junto do Papa Paulo III, patrocinando a ac­ção do embaixador português.

A acção diplomática desenvolvida veio a ter o seu epílo­go na bula Pro excellenti, de 22 de Maio de 1545. A bula De­cet Romanum Pontificem, da mesma data, aplica à nova diocese as rendas que o priorado-mor possuía em Leiria e, na bula Gratiae Divinae, Paulo III indica ao monarca o no­me de Frei Brás para a prelatura.

A 28 de Julho de 1545, Frei Brás apresenta-se para to­mar posse da administração do bispado.

Entre a documentação do mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra encontra-se o instrumento de posse do bispa­do de Leiria passado por Diogo Fernandes, clérigo de missa

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e beneficiado na Igreja Catedral de Santa Maria da Pena, notário apostólico (1).

Entrado a governar a sua diocese, Dom Brás tem que re­formular quase tudo. Elabora novas constituições, baseadas nas que fizera D. Pedro, bispo da Guarda e comendatário do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Destas constituições apenas se conhecem hoje 2 exemplares: um, na Biblioteca Ge­ral da Universidade de Coimbra; outro, no Paço Episcopal de Leiria. O exemplar de Coimbra não tem data, mas presume­-se que seja de 1549.

Têm sido frequentemente confundidas estas constitui­ções com as que publicou D. Pedro de Castilho em 1601. Nes­sa confusão caiu o autor anónimo da Memória dos estudos . . .

Não há, porém, razão para tais confusões. D . Pedro de Cas­tilho é bem claro no prólogo das que publica: "fazemos saber escreve que avendo neste dito bispado falta de constituições por não servirem ja as que fez o Senhor Bispo Bom Brás de boa memória nosso predecessor . . . ".

Não vamos aqui analisar as constituições, mas há algu­mas determinações interessantes, que talvez valha a pena recordar; por exemplo, a constituição I do título VIII, relati­va à recepção das chamadas ordens menores:

"Ordenamos e mandamos q todo aquele que se ouver de ordenar a primeira tonsura em que as quatro ordees meno­res ao menos saibam a doutrina cristaã e be leer e ajudar a missa e de ydade de sete anos the quinze receberão as ditas ordees e de quinze para cima não lhe seja dada liçeça pera as tomar ne os recebam ao exame sem nossa especial liçeça".

Por exemplo, a constituição XIII do título XII que trata dos ichacorvos, vendedores de indulgências falsas, que va­gueavam pelas aldeias, vestidos de frades ou ermitães.

1. Ver apêndice documental.

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A constituição VII do título Xliii: "que nam cantem nem bailem nem comão nas igrejas nem se ponha em elas trigo e cevada", etc ..

Tratam, no geral, de problemas correntes nos meados do século XVI comuns às constituições dos outros bispados.

Elaborou ainda estatutos para a Sé. O estatuto segun­do, por exemplo, estabelecia que "nenhum beneficiado em es­ta Sé que não for de ordens sacras e souber cantar seja contado em mais de metade da renda de seu benefício"; pelo estatuto terceiro nenhum beneficiado poderia receber mais de metade "ate saber ao menos gramatical" (latim); o esta­tuto quarto trata do número das dignidades, cónegos, meios cónegos, quartanários e da maneira de proceder e não ter dois benefícios e dos "que têm voz em cabido".

Ao que parece, não foi já de todo pacífica a elaboração destes estatutos. É, porém, na matéria delicada da separa­ção dos bens entre a mesa episcopal e os cónegos e dignida­des do cabido que vai rebentar um conflito aberto.

Resultou tal diferendo de um escambo de bens feito em 1548, a 11 de Junho, na Igreja de S. Pedro da cidade de Lei­ria onde se situava a residência do cabido, entre o muito re­verendo e católico senhor, o Senhor D. Brás de Barros e os muito egrégios e religiosos padres, dignidades, cónegos e ca­bido da dita Sé, a saber, Cristóvão Pereira, arcediago, João Lopes, Diogo de Azambuja, Gaspar Neto, Vicente Leitão, Ei­tor Ruiz e Sebastião Ferreira, cónegos da dita Sé e bem as­sim Padre Aires Cerqua, João Diniz, Miguel Luís, Gaspar Antunes, João Álvares, João de Évora, Diogo Ruiz, Sebas­tião Gonçalves, Fero Fernandes, Francisco Pires, Gaspar Ruiz, João Lopes de Óbidos, João Pires de Leiria, Fernão Pi­res, João Pires de Amor, Gregório Couceiro, Fernão de Lei­ria, Álvaro Lopes, Diogo Dias, Cristóvão Jorge, todos beneficiados antigos da igreja de Nossa Senhora da Pena.

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Querendo por serviço de Nosso Senhor, paz e concórdia de todos, evitar a desordem praticada pelos rendeiros na ar­recadação das ofertas que se dividiam ao meio entre o Bispo e o cabido e dignidades nas ermidas e igrejas curadas do bis­pado fizeram o contrato seguinte: o bispo dava ao cabido e be­neficiados a metade das ofertas que tinha e pertenciam à sua mesa episcopal em todas as ermidas fundadas e que se viessem a fundar na cidade e limite onde o prior-mar de San­ta Cruz tinha jurisdição episcopal. Exceptuava-se a de Nos­sa Senhora do Fetal que ficaria com o Senhor Bispo e seus sucessores.

A qual metade, com a metade que cabido e beneficiados já possuíam nas referidas ermidas, seria aplicada, a partir do dia de S. João Baptista em diante, à mesa capitular.

Por sua vez, o Bispo ficaria com o direito à metade das ofertas que cabido e beneficiados tinham em todas as igre­jas curadas "que ora são fundadas e ao diante se fundarem" "fora da dita cidade em o dito limite".

Esta metade com a que o Bispo já possuía nas referidas igrejas curadas seria aplicada à mesa episcopal (ficariam pa­ra a mesa episcopal) "sem eles cabido e beneficiados enten­derem em eles nem em pouco nem em muito".

A preocupação de salvaguardar o património eclesiásti­co levou-o por vezes a pedir a intervenção real, como no ca­so de uns pardieiros pertencentes às casas que estavam dentro do castelo, doadas por D. Afonso V, em carta de 4 de Abril de 1548, a D. Gomes, quando este era Prior de Santa Cruz de Coimbra.

Desejando fazer obras e necessitando de derrubar os di­tos pardieiros, o alcaide do castelo, Marquês de Vila Real, através de Gonçalo Correia, encarregado do mesmo castelo, embargou-o, com o argumento de que as casas eram do cas­telo. O monarca, em resposta à exposição de D. Brás, confir­ma, por carta de 10 de Novembro de 1548, a carta de D.

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Manso V, que concedia essas casas com sua claustra, dormi­tório, refeitório e cozinha "aos conegos de Santa Cruz".

Por isso, tendo sido D. Brás o herdeiro dessa concessão, não devia ser embargado nas obras que pretendia fazer.

* * *

Grande reformador, administrador activo, apesar dos grandes serviços prestados à Igreja e ao País, Dom Brás, ao entardecer da vida, viu o seu horizonte carregado de fundas amarguras.

Por causa do conflito com o cabido, vê-se na necessida­de de deixar a diocese, retirando-se para um mosteiro da sua Ordem, acabando, finalmente, por renunciar ao bispado.

Reformador dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, obreiro de uma das mais notáveis reformas do ensino em Portugal, que fez duma escola obscura e decadente uma das mais brilhantes do Renascimento, este homem acaba por ser destituído pelo monarca em 1554. E , para além disso, assis­te, impotente, ao pleito judicial que ele nem Frei Diogo de Murça puderam evitar entre Santa Cruz e a Academia de Coimbra.

E com o cabido de Leiria as coisas poderiam ter ido mais longe, se não fora a enérgica intervenção real, a pedido de Dom Brás.

O cabido causava-lhe inquietação "na renovação das de­mandas e duvidas que lhe movera", como escrevia o prelado ao monarca.

Sua Alteza manda-lhe dizer, por carta do Dr. António Pinheiro, que tratara do seu assunto para que pudesse estar quieto, isto é, tranquilo e seguro e se pudesse melhor enco­mendar a Deus e olhar pela sua saúde.

Contudo, esta carta de 30 de Agosto de 1558 parece que o não tranquilizou de todo.

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DE REFORMADOR DOS ESTUDOS A BISPO DE LEIRIA

As sombras da dúvida acerca do comportamento do ca­bido de Leiria pairam ainda no texto do seu testamento, da­tado de 22 de Março de 1561. O testamento de Dom Brás é bem o espelho da consciência do primeiro Bispo de Leiria, consciência de um homem de fé, mas também consciência amargurada pelo receio de que, para além da sua morte, al­guém quisesse ainda aviltar-lhe a memória e alterar as suas últimas disposições.

Nove dias depois falecia. No claustro do mosteiro de Nossa Senhora da Pena, pôde, finalmente, repousar das amarguras e canseiras que a vida lhe prodigalizara.

APÊNDICE DOCUMENTAL

1545.07.28, Leiria Tomada de posse de D. Frei Brás de Barros como bispo de Leiria. A. N. T. T., Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Maço

5, Nº 84 (traslado de 1 de Agosto de 1545). Jesus - Instrumento da posse do bispado desta nobre cidade de

Leiria o qual eu Diogo Fernandes cleriguo de missa e beneficiado na Igreja cathedral de Sancta Maria da Pena da dita cidade e notayro appostolico pasey ao muyto Reverendo e muyto magnifico Senhor, o Senhor Dom frey Bras de Barros bispo della.

ln nomine Domini Dei nostri Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen. Saibam quantos este publico instrumento virem que no anno do nascimento de noso Senhor Jesu Christo de mil e quinhentos e co­renta e cinquo annos aos XXVIII dias do mes de Julho do sobre dito anno em esta cidade de Leiria na Igreja de Nosa Senhora da Pena ma­triz della que ora polo Sancto Padre he erguida em cathedral sendo em ella presente o muito Reverendo e muito magnifico Senhor, o Senhor dom frey Bras de Barros da ordem do bem aventurado Sam Jeronimo electo em bispo da dita cidade e sendo outrosy presente o muito vir­tuoso Padre Dom Dioguo Diaz coneguo professo do mosteiro de Sane­ta Cruz da cidade de Coimbra Vigairo geral no spiritual e temporal da dita cidade e sua jurdiçam pello dito mosteiro conegos e convento del­le vagante do prior etc. e bem asy sendo presentes os beneficiados e

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cabido da dita Igreja e toda a outra clerezia das Igrejas da dita cida­de e sendo outrosi presentes os muito honrados senhores o bacharel Andre Pirez Juiz de fora da dita cidade com alçada por elRey noso Se­nhor e bem asy Ruy Leytam e Alvaro Botelho Caldeira e Ruy Lopes Sea Vereadores e Gaspar Diaz Amo Procurador da dita cidade e sen­do presentes Diogo Botelho fidalguo da casa delRey noso Senhor e Dio­guo Botelho Caldeira e Alvaro da Silva e Gualiote Pereira e Dioguo Fernandez Neto e Diogo Lopez Sea e outros muitos cavaleiros escudei­ros e homens boons que soem andar nos pelouros e guovernamça da dita Cidade e gram parte do outro povo todos chamados e juntos pera ho auto abaixo declarado. Loguo ahi por mandado do dito Senhor elec­to foy dado híiua Carta delRey noso Senhor a mestre Fernamdo taba­liam do judiçial na dita cidade e lhe foy requerido que a lese em alta e inteligível voz aos sobre ditos clerizia e fidalgos e cavaleiros e escu­deiros e povo. E elle a leo cujo theor he o seguinte. Dioguo Fernandez cleriguo de misa e beneficiado na dita Igreja de nosa Senhora da Pe­na da dita cidade e notairo Appostolico que esto escprivy:

Dom Joham per graça de Deus Rey de Portugual e dos Algarves daquem e dalem mar em Afriqua Senhor de Guine e da conquista na­veguação e comerçio de Ethiopia Arabia Persia e da Indea etc. A quan­tos esta minha carta virem faço saber que eu pedi ao Santo Padre que quisese criar e alevantar em see cathedral a Igreja de nosa Senhora da Villa de Leiria e apartar a dita Villa de Leiria e seu termo da jur­dição do priorado moor do mosteiro de Sancta Cruz de Coimbra que na dita Villa e seu termo tinha jurdição episcopal e as i do bispado de Coimbra e fazer da dita villa e seu termo bispado por me asi pareçer ser serviço de Deus e que convinha ao bom guoverno da clerizia e po­vo da dita Villa e seu termo e a Sua Sanctidade aprouve de ho asi com­ceder e de criar e alevantar em see cathedral a dita Igreja de Leiria e fazer o dito bispado como per mim lhe foy pedido. E querendo eu fa­zer graça e merçee ha dita Villa de Leiria asi pelos ditos respectos co­mo por seus mericimentos e serviços que a my e aos Reis meus antecessores tem feitos e espero que ao diante fação de meu propio moto e livre vontade me apraz de acrecentar e alevantar a dita villa de Leiria em dignidade e honrra e a faço Cidade e lhe comçedo todas as honrras privilegias e liberdades que per direito ella como Çidade de­ve ter e tem as outras Cidades de meus Regnos e Senhorios. E por es­ta mando a todas minhas justiças que daqui por diante a tenham e ajam por Cidade e por tal a nomeem e lhe guardem todalas honrras privilegias e liberdades que as cidades per direito e minhas ordenações tem asi e do modo que lhe pertemçem e as tem as outras cidades de

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meus Regnos e Senhorios. Dada em a cidade dEvora a XIII dias do mes de Junho. Antonio Ferraz a fez anno do nascimento de noso Se­nhor Jesu Christo de mil e quinhentos e corenta e cinquo.

A qual trazia hiia sobescprição que diz asy: Carta per que V. A. faz çidade a villa de Leiria. A qual carta era escprita em purgaminho e asignada segundo parecia por elRey noso Senhor e a treladey da pro­pia e comcertey. Diogo Fernandez notairo appostolico que ho escprivy.

E lida e pobricada A dita carta per o dito tabalião como dito he foy outro sy per madado do dito Senhor dado a mym notayro apposto­lico abaixo nomeado hum breve do noso muy sancto padre papa Pau­lo terçeiro ora na Igreja de Deus presidente e me foy otro si requerido que o lese aos sobre ditos clerizia e povo e eu notayro o ly em alta e in­teligível voz e seu theor he o seguinte. Dioguo Fernandez notairo ap­postolico que ho escprivy.

Paulus Papa tertius. Dilecte fili salutem et appostolicam bene­dictionem. Cum nos nu per oppidum de Leiria olim colimbriensis dio­cesis in civitatem et ecclesiam beate Marie dicti oppidi in cathedralem sub invocatione eiusdem beate Marie certis tunc expressis modo et forma de fratrum nostrorum consílio appostolica auctoritate erexeri­mus et instituerimus ac illi sic erecte et institute tunc a primeva erec­tione huiusmodi vaccanti de persona tui et tunc fratris sancti Hieronimi secundum instituta sancti Augustini ordinem predictum expresse professi nobis et eisdem fratribus ob tuorum exigentiam me­ritorum accepta de simili consílio dieta auctoritate providerimus te­que pro quo charissimus in Christo filius noster Joannes Portugalie et Algarbiorum Rex illustris nobis super hoc per suas litteras humi­liter supplicavit illi in episcopum prefecerimus et pastorem curam et administrationem ipsius ecclesie lerenensis tibi in spiritualibus et temporalibus plenarie commitendo. Nos ne ínterim dum !itere appos­tolice super erectione et institutione ac provissione et prefectione pre­dictis expediuntur dieta ecclesia liriensis in eisdem spiritualibus vel remporalibus aliqua detrimenta substineat providere ac commodita­tibus, tuis impremissis consulere volentes tibi ut vigore presentium possessionem seu quasi regiminis et administrationis ecclesiae lirien­sis apprehendere ac illius mense episcopalis fructus reditus et pro­ventus exigere libere el licite valeas in omnibus et per omnia per inde ac si super erectione institutione provissione et prefectione huiusmo­di litere appostolice predicte expedite fuissent eadem auctoritate te­nore presentium de speciali gratia indulgemus. Mandantes dilectis filiis capitulo et vassalis eiusdem ecclesie liriensis ac clero et populo civitatis et diocesis liriensis ut tibi tamque patri et pastori animarum

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suarum humiliter intendant et tua salubria mandata suscipiant et eficaciter adimpleant ipsique vassali consueta servitia et iura tibi ab eis debita integre exhibeat. Alioquin sententiam sive penam quam ri­te tuleris seu statueris in rebelles ratam habebimus et faciemus auc­tore domino usque ad satisfactionem condignam inviolabiliter observari non obstantibus fe. re. Bonifacii pape octavi predecessoris nostri que imcipit ln vincte a c aliis constitutionibus et ordinationibus apostolicis et ceterisque contraris quibuscumque volumus autem pro infra sex menses a data presentium conputando litteras apostolicas super erectione institututione provissione et prefectione predictis sub plumbo in totum expedire et iura camere apostolice ac aliis sex men­sibus elapsis erectio institutio provisio et prefectio prefacte nulle sint et esse censeatur eo ipso. Da tum Rome apud Sanctum Petrum sub an­nullo piscatoris dia ultima maii DXXXXV pontificatus nostri anno Un­decimo.

E lido asy per mim o dito breve logo pello dito Senhor foy dito aos sobre ditos que elle vinha a tomar posse da administração do bispa­do da dita cidade da maneira que se continha no dito breve e que por tanto lhes requeria da parte do dito Santo Padre e delRey noso Senhor que lha desem segundo continemçia do dito breve e que requeria a mim notayro e do sobre dito tabelião que de todo o que pasase acer­qua do auto da dita pose lhe desemos cada hum seu instrumento pu­blico e os que mais lhe comprisem de hum theor. E logo o dito Senhor electo se sayo fora da dita Igreja e os sobre ditos Vigairo e clerizia com sua cruz alevantada em procisão o forão receber a porta della e o le­varam asi em procisão cantando o cantico do Te Deum laudamus ate ho altar moor da dita Igreja. E acabado o dito cantico e dita a oraçam pelo Vigairo foy levado ao altar mor e lhe foy pollo dito Vigairo dado hum turibulo com lume e inçensso pera oferecer e inçenssar o dito al­tar e cruz em signal da entregua da posse. E logo o levarão ha sentar em ha cadeira que se ahi pos no meyo da dita capela cuberta e orna­mentada como convem ha dignidade episcopal cuia posse tomava e asentado se pos em giolhos diante delle o dito Vigairo e lhe entregou as chaves da dita Igreja e a si a vara em signal da entregua da juris­dição ecclesiastica no spiritual e temporal que tinha do prior moor do mosteiro de Sancta Cruz de Coimbra a que dantes pertemcia dizen­do que obedecendo elle aos mandados appostolicos elle lhe entregava e dava posse da dita Igreja e jurisdição sobre dita e lhe prometia obe­diemcía asy e da maneira que a elle prometera ao prior moor do dito mosteiro de Sancta Cruz quando o provera da dita vigairaria e lhe co­metera a dita jurisdiçam como elle de direito pode e deve prometer e

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manter. E o dito Senhor tomou a dita Vara e chaves e de sua mão lhas tornou a entreguar e cometer a jurisdição corno a seu Vigairo geral no bispado da dita cidade pera a ter corno a tinha em quanto elle non or­denasse outra cousa. E loguo todolos curas beneficiados e cleriguos vierão hürn e hum a dar lhe a obedierncia em giolhos beyjando lhe a mão corno a seu prelado e supperior e outro tanto fezerão os oficiaes .s. Francisco Ferreira rneyrinho e prometor e procurador do ecclesis­tico o qual lhe entregou a vara e pella semelhante maneira a tornou a receber da sua mão. E bem asy Pedre Anes notairo e Françisco Ca­çapo escprivães do auditoria ecclesiastico. E Alvaro Fernandez con­tador e ernqueredor do dito auditoria. E dada a obediencia polos sobre ditos como dito he se vierão ha dita capela o juiz e vereadores e pro­curador do concelho açima nomeados e per Ruy Leytão vereador mais velho foy dito que elle em nome do Juiz e vereadores que eram da di­ta Cidade e em nome do povo dela em comprimento do mandado do Sancto Padre e delRey noso Senhor como obedientes filhos e vassalos recebiam Sua Senhoria por seu prelado e prornetião de o conheçer e reconheçer por tal daquy em diante asy e da maneira que ate o pre­sente reconhecerão o prior moor do mosteiro de Sancta Cruz de Coim­bra de cuja jurdição o Sancto Padre os ora desobrigou e absolveo. E pollos auctos acima ditos ouverão hü e outros por dada inteiramente a posse do dito bispado novamente erguydo e criado ao dito Senhor e de toda sua jurisdição e Direitos as i e da maneira que se conthern no breve do Sancto Padre cuja substarncia depois de lido lhe foy decla­rado em lingoagem pera os que não entendião latim. E o dito Senhor electo se ouve por envestido na dita posse pollos sobre dictos auctos e requereo a mym notairo Appostolico e ao dito tabaliam que lhe pas­sassemos cada hum seu instrumento. Testimunhas que ao todo forão presentes roguados e requeridos Dioguo Botelho fidalguo e Dioguo ·

Fernandez Neto e Gualiote Pereira e Alvaro da Silva fidalgos mora­dores na dita cidade e eu Dioguo Fernandez notairo appostolico que ho scprivy.

E loguo no dicto dia XXVIII dias de Julho do dito anno de mil e quinhentos e corenta e cinquo annos nesta cidade de Leiria na cerqua della nas pousadas onde pousa Sua Senhoria perante elle logo hi fo­rão presentes Joham Alvarez de Lemos conego dos Antigos do mostei­ro de Santa Cruz e cura que he das Colrneas da Igreja de Sam Miguel e bem asi Sistus da Cunha capelão de Sam Christovão da Crangue­geira e Dioguo Alvarez cura da igreja de Santa Maria de Vermoil e Antonio Gonçalves cura da igreja de São Simão de Villa Gualegua e Gaspar Doayros cura de S. Joham dEspite todo termo da dita cidade.

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E por todos elles e cada hum per sy foy dito que eles eram curas das sobre ditas Igrejas que ate o presente forão do bispado de Coimbra e esta vão postos ao presente pollo cabido a See vagante que ora vinhão prometer obediemçia a Sua Senhoria como curas das ditas Igrejas e se asentarão diante delle em giolhos e lhe entregarão suas cartas de cura em signal de posse das ditas Igrejas e disseram que elles prome­tião ao dito Senhor obediemçia asy e da maneira que a tinhão prome­tida ao bispo da dita Cidade de Coimbra e ao seu cabido ora a See vagante. E o dito Senhor lhe tomou as ditas cartas e lhes tornou a co­meter a cada hum a cura da Igreja que tinha em quanto elle nom man­dase outra cousa. E por estas cousas ouve por tomada a posse das ditas Igrejas e as ouve por emcorporadas e unidas ao bispado desta dita ci­dade a que o Santo Padre as emcorporara e unira e requereo a mym notayro que dello lhe passasse este instrumento com o mais acima contheudo o qual instrumento eu Dioguo Fernandez cleriguo de misa e beneficiado na Igreja cathedral de nosa Senhora da Pena desta die­ta Cidade e notayro Appostolico Auctoritate Appostolica pasey a Sua Rema. Senhoria a seu requerimento. O qual vay escprito em sete lau­das todas de hüa letra escpritas per mym por a todas estas cousas ser presente roguado e requerido pera fazer este auto da posse donde ti­rey este instrumento por ho auto propio ficar em meu poder. O qual vay sem borradura nem vicio sospeito antes carecente de todo vicio que suspeita faça. O qual pasey e acabey ao dito Senhor o primeiro dia do mes dagosto do dito anno de 1545 e vay comcertado com o pro­pio com o padre Vigario. Em o qual meu publico signal fiz que tal he [sinal público]. Pagou nichil.

Este artigo, já publicado na_Revista da Universidade de Coimbra, vol. 36, Coimbra 1991, p . 3 17-326, é uma reelabo­ração da conferência pronunciada pelo Autor no castelo de Leiria, no dia 22 de Maio de 1985, 5º centenário do nasci­mento de D. Frei Brás de Barros e 440º aniversário da dio­cese e cidade de Leiria. Esta reedição, autorizada pelo Autor para este órgão oficial da diocese de Leiria-Fátima, é enri­quecida pelo documento da tomada de posse do primeiro bis­po de Leiria, dado a conhecer naquele ano de 1985 e agora editado pela primeira vez. Agradecemos ao ilustre Autor es­ta concessão.

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TEÓLOGOS DE LEIRIA E A UNIVERSIDADE DE COIMBRA

NO ALVORECER DO MUNDO MODERNO

Américo Ferreira Seminário de Leiria

A noção de Mundo Moderno insere-se na visão tradicional da História Universal dividida em quatro fases. Os tempos mo­dernos são geralmente colocados em confronto com as "trevas medievais". Hoje, aceita-se que "nunca existiu uma ruptura mas sim uma continuidade entre esses dois períodos: Idade Mé­dia e Idade Moderna. De facto, nem aquela foi época de obscu­rantismo, nem esta se limitou a um simples regresso à Antiguidade". Em termos cronológicos, a Idade Moderna abar­ca três séculos e desde os Descobrimentos até às Revoluções.

O alvorecer do Mundo Moderno coincide com a época da promoção do Ocidente. Inicia-se em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos; e é marcado sobretudo pela in­trodução da imprensa que revolucionou o mundo das comu­nicações e a cultura mesma; pela chegada de Colombo às Índias Orientais e pela expulsão dos mouros de Granada. O restabelecimento generalizado da paz, o retrocesso das fo­mes e surtos epidémicos que assolaram o velho Continente, o repovoamento das aldeias até ali quase desabitadas, o au­mento demográfico equilibrado, o desenvolvimento das actividades artesanais, o incremento progressivo das explo­rações agrícolas a par da reactivação da vida comercial, cons­tituem essoutros clarões festivos a anunciar o alvorecer dum mundo novo mais promissor, cujos fulgores, despertam so­nhos irrequietos e suscitam desejos de conquista de novos mundos. E foi precisamente no domínio das conquistas e da

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TEÓLOGOS DE LEIRIA

exploração de novos mundos que se verificaram maiores e mais nítidos progressos.

A Europa, até ali fechada sobre si mesma, abre-se a ci­vilizações e culturas desconhecidas; os portugueses estabe­lecem-se no Brasil e multiplicam as feitorias em redor da África e no Oriente. O ouro e a prata e as especiarias chegam à Europa em quantidades assinaláveis contribuindo eficaz­mente para aumentar o capital e estimular o comércio aquém e além fronteiras.

A nível eclesiástico, o início deste período coincide com a chamada Reforma. O movimento reformista, a nível pes­soal e a nível das estruturas, resulta de duas componentes: uma reformadora, a partir do interior, da conversão do cora­ção sob a acção do Espírito Santo e que influenciou notavel­mente a convocação do Concílio de Trento; e a outra, igualmente reformadora e coincidente com a luta contra o Protestantismo, a chamada contra-reforma. (1)

As acções conducentes à justificação, à renovação inte­rior da pessoa precederam a reforma protestante. Mas de­pois desenvolvem-se, em paralelismo com a reforma das estruturas, preconizada por Lutero, embora com espírito e método diferentes.

Quando se fala do Mundo Moderno, fala-se pois do ad­vento dum homem novo que deseja resolver os seus proble­mas por si próprio, lançar-se em novos projectos e experimentar novas audácias; homem novo que suspira por libertar-se do peso de uma tradição envelhecida e do espar­tilho incómodo dum autoritarismo arbitrário em que a Idade Média o enclausurou; homem novo que teima em reformar­-se interiormente e em ajudar a reformar as estruturas que

1. EVANGELISTA VILANOVA, História de la Teología cristiana, 2, Ed. Her­de r, 1989, 33-196.

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TEÓLOGOS DE LEIRIA

o envolvem; este homem dos alvoreceres dos tempos moder­nos pretende assumir o projecto audacioso de rever critica­mente todo o edifício cultural e mesmo teológico que os séculos anteriores lhe confiaram.

Mas os clarões dos êxitos já alcançados e que se ante­vêem promissores não vão conseguir apagar de vez, as bra­sas da crise, que ainda persistem em fumegar, por debaixo das cinzas do passado recente, aparentemente adormecidas. Todas as mudanças são difíceis, lentas e graduais, e sempre salpicadas de numerosas convulsões.

O espírito de curiosidade e a procura da verdade provo­cam uma séria contestação das ideias medievais, nos cam­pos da teologia, filosofia, ciência e moral. Questiona-se a legitimidade da autoridade. Erasmo de Roterdão e Tomás More criticam abertamente os abusos dos poderosos, as am­bições desmedidas dos ricos e as injustiças sociais.

As preocupações demasiado temporais do clero provo­cam ondas de descontentamento. E todo este ambiente con­testatário proporciona clima favorável à eclosão do grande cisma do Ocidente. Católicos e protestantes a digladiar-se em combates verbais e lutas fratricidas que vibrarão golpes profundos na única Igreja de Cristo. E sobre tudo isto o co­mércio de escravos, que são "capturados ou trocados por mer­cadorias nas terras africanas e depois transportados em condições degradantes para serem vendidos como mão de obra nos mercados de escravos da América e da Europa".

No decurso do séc. XV, experimenta-se na Europa, uma sensação de quase ruína, solidão e morte. A melancolia é o seu traço distintivo. Há uma crise generalizada a todos os níveis: religiosos, culturais, políticos e económicos. Reina a corrupção em diversos quadrantes da vida social, originan­do insegurança: desordem, angústia, apreensão; há enfren­tamentos entre o papa e o imperador, a cidade e o príncipe, o baixo e o alto clero.

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Ao iniciar-se o primeiro quartel do séc. XVI , esta velha Europa, carregada de longínquas tradições históricas que não menos afirmações científicas, sente fervilhar, nos seus ambientes intelectuais mais qualificados, confusa eferves­cência de correntes ideológicas, a que não é estranha a cha­mada reforma protestante.

A Companhia de Jesus, entretanto aprovada pelo Papa, o ressurgimento dos espirituais e dos moralistas, os dina­mismos sadios da Escola de Salamanca e de Coimbra frente às ideias nominalistas, o acesso aos novos recursos filológi­cos e históricos que permitem um regresso salutar às fontes e aos textos originais da Sagrada Escritura, serão outros tan­tos pilares de afirmação desta salutar tendência reformista.

Na impossibilidade de analisar, mesmo que sumariamen­te, as acções empreendidas nas várias áreas afectadas pela Reforma, e uma vez que as Escolas de Teologia estiveram na vanguarda desse movimento renovador, permita-se-me que privilegie o lugar que a nossa Universidade desempenhou nes­te contexto reformador: baluarte seguro e centro dinamizador da ciência teológica do séc. XVI, Coimbra anunciará também a aurora dos tempos modernos em Portugal, e emprestar-lhe­-á revérberos de intensa luminosidade.

Portugal, na ânsia incontida de se afirmar como presen­ça civilizadora noutros continentes, já se havia lançado na aventura arriscada dos Descobrimentos. E perante o defla­grar explosivo de desconcertantes correntes de pensamento, que se prevê afectarem substancialmente as crenças e tra­dições religiosas do nosso povo, sente-se a necessidade im­periosa de se definirem posições e esclarecerem novos rumos de conduta. Dom João III que nesse período governava a ve­lha Casa Lusitana, na intenção louvável de evitar veleida­des doutrinárias de consequências difíceis de prever, empreende, com desvelado interesse, uma consciente e sé­ria renovação cultural, de que a Universidade de Coimbra

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viria a ser modelar centro de irradiação. E desde as cátedras da Lusa Atenas que rivaliza com as melhores universidades da Europa, projecta-se um extraordinário florescimento de cultura intelectual, ao nível do mais elevado e especializado do então. Aristóteles entroniza-se nas cadeiras de Filosofia e a Suma Teológica de São Tomás de Aquino é livro quase único no ambão da Teologia. A escolástica de Coimbra esten­de-se além fronteiras e os Comentários Conimbricenses são ecos, igualmente, de tantos outros mestres eminentes a re­percutirem-se, bem nítidos, nas paredes da celebrizada aca­demia coimbrã: Afonso do Prado, Martin de Azpilcueta, Martinho de Ledesma, Frei Gaspar do Casal, Francisco Sua­rez, só para citarmos alguns dos mais representativos.

Pelos caminhos mais puros da ciência teológica portu­guesa, ontem como hoje, continuam a detectar-se as peuga­das da sua passagem. Construíram de grandeza o seu mundo e ajudaram a construir o mundo que somos.

Mas é fora de dúvida que a revitalização da cultura lu­síada do séc. XVI é fruto da simbiose do pensamento e do es­pírito dos dois povos hispânicos.

O pensamento e o espírito que nessa data se disfruta na nossa Universidade, são pertença comum dos dois povos, cu­jos mestres permutam experiências, emprestam saber, co­mungam ideias. Foi graças à osmose cultural entre os teólogos renovados de Coimbra e os cabouqueiros da Escola de Salamanca que Portugal do século de Camões se imorta­lizou, aureolado do mais nobre saber. As correntes de pen­samento, os movimentos oscilatórias na conquista da teologia mais pura, influenciam as aulas de Coimbra a tal ponto que as Sumas de São Tomás, glórias de Salamanca, graças ao esforço empreendedor de Francisco de Vitória são livros de texto nas cátedras da Universidade de Coimbra e dos Estudos Gerais Dominicanos da Batalha, sendo titula­res os Doutores Frei Gaspar do Casal e Frei Bartolomeu dos

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Mártires. À luz projectada desde essa nobre Universidade de Castela, conseguiremos ver, com maior nitidez, qual a evo­lução da nossa Universidade de Coimbra, com a reforma das suas estruturas, a organização dos seus programas, a supe­ração da sua crise. Coimbra é o palco onde se exibe, pujan­te, o pensamento do país vizinho.

Contudo, Salamanca, antes de se guindar às cumeadas al­tas do saber teológico e de se constituir em caudal científico que desagua, benéfico, no mar largo de outras instituições acadé­micas, conheceu as vicissitudes dos tempos de crise e as fraque­zas dos homens vulgares. Mas como todas as crises são portadoras de fecundidade, num sentido de purgação e cresci­mento, conhecer estas é enaltecer os tempos que as transpuse­ram e prestar justiça aos homens que as debelaram - realçar esforços comuns para manter pura a verdade do Evangelho.

E a estas crises não esteve alheio o nominalismo, o qual, se debilitou a ciência teológica em Espanha, França e Itália, não deixou, igualmente, de toldar, com nuvens duvidosas, os céus abertos e desprotegidos da ciência teológica portu­guesa. (2)

Em finais de XV e princípios de XVI, o quadro científi­co europeu apresenta, como linhas ideológicas, o nominalis­mo, o biblismo e o humanismo que, juntamente com a origem do grande cisma do Ocidente, cavaram feridas profundas no seio da cristandade e provocaram colapsos fortes na vida da Igreja e suas instituições. (3)

O nominalismo, outrora pujante nos grandes centros culturais europeus, embora cediço em princípios de XVI, não

2. E. ISERLOH, El nominalismo, in Manual de Historia de la lglesia, 5, di r. H. Jedin, Barcelona, 1973, 555-571.

3. R. ALMEIDA ROLO, Bartholomeus de Martiribus, Theologica Scripta, 1, Bracarae, 1977, 75.

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se encontra ainda totalmente eliminado, não obstante por­fiados esforços para o expungir. A decadência da Universi­dade de Paris, em fins do séc. XV, era mais grave do que nunca; a capacidade criadora ausentara-se, a falta de talen­to era substituída por palavreado vazio e argúcias estéreis. Apesar da vigilância aturada dos franciscanos e dominica­nos, destes sobretudo, o nominalismo com a sua guerra de­clarada à especulação filosófica e teológica, proclamando o divórcio entre a fé e a razão, e submetendo a um subjectivis­mo arbitrário toda a ordem moral ia-se infiltrando subrep­ticiamente (4). Professores iam-no transmitindo aos seus discípulos, recomendando-lhes seus autores, enaltecendo o seu florescimento em centros universitários congéneres. E a semente habilmente semeada nas mentes juvenis, sempre sedentos de novidade, a seu tempo produziria o seu fruto.

Surgem reacções, penalizam-se os seus defensores e propugnadores, mas a verdade é que em Salamanca se ins­tituem cátedras de nominais e a sua influência chega até à universidade de Alcalá, não obstante as precauções de seu fundador, o Cardeal Cisneros. E os dominicanos proíbem o acesso dos seus alunos a Alcalá, e outro tanto fazem os do­minicanos portugueses.

Na ânsia de se suster o avanço do nominalismo, ou ex­pungir mesmo as suas raízes, pelo que ele comportava de pe­rigo e agitação, incompatível com a doutrina teológica do doutor Angélico já ministrada em algumas escolas, recorre-se ao rei para patrocinar os movimentos de reacção, o que faz com carta datada de 12 de Novembro de 1508. É que estava em pe­rigo todo um sistema de pensamento. Por um lado, São Tomás que, penetrando na Sagrada Escritura com novos métodos de exegese e recorrendo aos textos dos Santos Padres, às fontes

4. BELTRAN DE HEREDIA, Miscelania, 1, Salamanca, 1972, 499.

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de Aristóteles por ele purificadas, havia criado uma síntese harmoniosa de pensamento e de fé, incorporando a filosofia no cristianismo, criando uma Teologia como ciência; por outro la­do, o nominalismo de OCCAM, negando à Teologia o seu carác­ter científico, excluindo o nexo entre razão e fé.

Ao mesmo tempo que ocorrem estes desvios, surgem pro­videncialmente, homens amantes da disciplina, raros de ta­lento e de zelo, com extraordinária capacidade de decisão, os quais, ao detectarem os males, descobrem soluções, as mais próprias e remédios os mais salutares para debelar ou anu­lar esses males. À sua capacidade de governo aliam o contri­buto inestimável dos seus escritos filosóficos, teológicos e escriturísticos. Não intentam refutar o nominalismo. Pro­põe-se, sobretudo, construir Teologia, através da exposição e aprofundamento das Sumas imortais do Aquinate.

Como primeiros frutos, a primazia que as universida­des de Sevilha em 1508 e a de Alcalá em 1509, dão as cáte­dras de São 'lbmás em detrimento das ideias nominalistas aí ministradas.

Quando o humanismo já havia dado os melhores frutos de que era capaz, quando o tomismo, restaurado nas suas formas de exposição doutrinal já corria mundo através das páginas de alguns dos seus comentadores, já andava de bo­ca em boca um florilégio de nomes célebres pelos seus escri­tos e pelo alto nível que emprestavam à ciência universitária, que estimulavam fortemente a imaginação dos seus discípu­los e constituíam-se como modelo e ideal para os mais gene­rosos espíritos das novas gerações. (5)

Por sob as ruínas dum nominalismo decrépito, desacre­ditado, híbrido, erguia-se vigorosa a figura de São Tomás,

5. M. ANDRES, Pensamiento teologico y uiuencia rel igiosa en la reforma Es­panola, in Historia de la Iglesia en Espana, 3, BAC, Madrid, 1980, 269-281.

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revelada e propagandeada honradamente por uma plêiade de discípulos cheios de são entusiasmo que não de menor ta­lento. Entre estes, Francisco de Vitória que, ao conquistar, em 1526, a cátedra de Prima ao português Pedro Margalho, introduziu definitivamente o tomismo em Salamanca.

Quando começou a leccionar, nesse mesmo ano, a ca­deira de Prima, imprime à velha universidade uma reforma profunda. A sua erudição teológica e cultura humanista a tão alto se eleva, que os seus contemporâneos mais eminen­tes atribuem aos seus ensinamentos, a maravilhosa fulgura­ção a que se guindou a ciência teológica de Espanha e Portugal, do séc. XVI.

Entre os seus discípulos mais fiéis e categorizados e que melhor se deixaram imbuir do espírito do mestre, des­taca-se Martinho de Ledesma, o verdadeiro criador do mo­mento tomista português. A luz de XVI, dardejando poderosa desde Salamanca, no doirado dos trigais da sua competên­cia e na amplidão do sol da sua fé, projecta-se em terras por­tuguesas, prodigamente compartilhada.

Data de 12 de Novembro de 1288 a carta dirigida ao Pa­pa Nicolau IV, por vários religiosos portugueses, pedindo au­torização para se pagar, das rendas dos mosteiros e igrejas o que era devido aos mestres e doutores do Curso Geral. Es­te decreto permite situar a origem da universidade portu­guesa no ano de 1290, pois uma bula pontifícia com data de 9 de Agosto desse mesmo ano, autoriza o pagamento dos sa­lários, concede privilégios aos mestres e escolares, confirma o ensino de Cânones, Lei, Medicina e Artes, autorizando o bispo de Lisboa a conceder o grau de licenciado. (6)

Do elenco das disciplinas a leccionar, não consta a de

6. A. MOREIRA DE SÁ, Chartularium Uniuersitatis Portugalensis, 1, Lis­boa, 1966, 14.

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Teologia. Desta disciplina pouco se conhece em períodos an­teriores a 1400. O primeiro documento que assinala a incor­poração da teologia no ensino universitário data deste ano aproximadamente e é o Infante D. Henrique quem, em 1448, subsidia o que explicitamente se refere à docência da cáte­dra de Prima.

Em Lisboa, dentro das paredes de São Domingos, fun­cionava o Colégio de São Tomás, tentativa do rei D. Manuel para elevar o nível da Universidade, mas este pouco ou na­da terá contribuído para elevar o nível cultural daquele fim de século. (7)

As tendências nominalistas que imperavam dentro dos muros universitários determinaram os frades de São Domin­gos a retirar dali os seus alunos, tal como sucedera aos de AI­calá. O ensino da Teologia, com efeito, nunca chegou a ser brilhante enquanto ministrado na capital. Uma pública for­ma do testamento de Mem Peres de Oliveira, de 7 de Maio de 1407, menciona o Livro das Sentenças, na disciplina de Teologia. Os estatutos manuelinos de 1504 mencionam a ca­deira de Vésperas na qual se ensinava Sagrada Escritura e a cadeira de Prima na qual se continuavam a ler as Senten­ças de Pedro Lombardo. Mas os estatutos não reformam uma u·liversidade e a crise acentua-se dia a dia, e a todos os ní­veis da ciência universitária, não obstante as denúncias e empenhamentos das hostes dominicanas.

Na década de 1520 quando em Alcalá e Salamanca se assiste a um ressurgimento filosófico-teológico e despertam esperanças benéficas de um devir promissor, em Lisboa as coisas continuam na mesma. No raiar da terceira década de XVI, nem o tomismo nem o humanismo tinham guarida fran-

7. J. S. DIAS, A política cultural da época de D. João III, Coimbra, 1969, 568-570.

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ca em Portugal. Pelo contrário, sente-se a tendência gene­ralizada da acomodação. A universidade não oferece acção estimulante e eficaz e a mediocridade sempre satisfeita di­ta leis e normas de conduta conformista. Respiram-se a ple­nos pulmões, os ares nefastos da decadência. Nos últimos anos de Lisboa, a Universidade encontrava-se em estado quase desesperado do ponto de vista disciplinar, científico e pedagógico, viciada e decrépita nas suas raízes mesmas. Pa­ra mais, recebe em 1526, nos seus quadros, o doutor Pedro Margalho, recém chegado de Salamanca, eivado de nominais e por ter perdido a oposição à cátedra de Prima frente ao jo­vem e promissor Francisco de Vitória.

Unicamente uma mudança territorial da Universidade, e consequente remodelação das suas estruturas permitiria à faculdade de Teologia superar a crise e criar ambiente pro­pício para os seus lentes se dedicarem totalmente à ciência.

Por esta altura, D. João III já havia enviado bolseiros para Paris, a fim de com eles desterrar a ignorância do rei­no e reparar o descuido dos seus predecessores. Mas não o contentava um punhado de bolseiros, de futuro incerto. Na posse de professores estrangeiros de reconhecida competên­cia, teve a feliz ideia e prudente ousadia de transferir para Coimbra a Universidade, em Março de 1537, embora só em 1544 promulgasse a lei orgânica da Instituição. (8)

Terá influenciado e pesado muito nesta transferência a seriedade e profundidade doutrinal da escola de Santa Cruz de Coimbra, dirigida superiormente por um ilustre teólogo de Leiria, o Doutor Frei Brás de Barros. É ele, o reformador do mosteiro, quem ali instala os primeiros cursos regulares e redige os primeiros estatutos. Num único projecto educa-

8. MÁRIO BRANDÃO , A Inquisição e os professores do Colégio das Artes, 1, Coimbra, 1948, 104-145.

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tivo, essa escola, verdadeiro centro universitário, associa a formação intelectual à cristã. (9)

Transferida para Coimbra, a Universidade ir-se-ia re­dimir da sua decadência e conhecer os dias mais brilhantes da sua multissecular tradição.

A renovação teológica da Lusa Atenas, mediante a inclu­são da Suma Teológica de São Tomás nos seus programas, far-se-á através de uma lufada de ar fresco vindo de Sala­manca, aspirada por dois filhos ilustres de São Domingos: Frei Bernardo da Cruz e Frei Martinho de Ledesma, este, discípulo directo de Francisco de Vitória que se ouvirá em Coimbra a recitar páginas inteiras das postilas que trouxe­ra de Salamanca, e que na mente, traz um programa muito concreto para oferecer à faculdade de Teologia coimbrã, aquele mesmo programa que o seu mestre introduzira, em 1526, na universidade vizinha. (10)

Mal toma posse do seu cargo de Reitor, em 18 de Julho de 1541, Frei Bernardo da Cruz propõe a substituição do pro­fessor Francisco Monzón por Martinho de Ledesma, não obs­tante a resistência do claustro de professores, quase todos docentes da antiga Faculdade de Teologia de Lisboa.

A nomeação de novos professores e a permuta sucessiva dos titulares das cátedras de Teologia e Sagrada Escritura, integradas no plano reformista do novo Reitor, significava, não somente, reformar a Faculdade, alterando seus métodos e marcando-lhe novos rumos, mas sobretudo substituir os velhos professores, que não querendo actualizar os seus bo­lorentos métodos de ensino, continuavam a ensinar pelos li-

9. CÂNDIDO DOS SANTOS, Os Jerónimos em Portugal. Das origens aos fins do século XVII, Porto, 1980, 246.

10. JOAQUIM VERÍSSIMO SERRÃO, Universidade Portuguesa, Porto, 1983, 109-111.

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vros das Sentenças de Pedro Lombarda, comentados por Du­rando, com ideias nominalistas à mistura.

Com este processo de substituição promovido pelo reitor e aprovado pelo Rei, primeiro de cátedras e depois de livros de texto, intentava-se alcançar uma reforma profunda: a im­plantação do esquema e método tomista no meio teológico.

Com a intromissão deste novo método, opera-se uma importante actualização, semelhante ao que aconteceu, em Paris e Salamanca, anos atrás. (11)

Mas os zeladores das velhas estruturas venerandas e os mestres afectos a certas doutrinas e métodos ultrapassados, não deixam de manifestar a sua viva repulsa frente à subs­tituição do Livro das Sentenças pela Suma de São Tomás.

Contudo, foi benéfica a contribuição que o tomismo deu ao progresso da ciência filosófica e teológica. E de uma fecundida­de ímpar para a história da teologia portuguesa foram aqueles anos em que Martinho de Ledesma conseguiu arrumar os mes­tres nominalistas de Lisboa, que envelhecidos, como Monzón, apenas conseguem fazer passar as mesmas doutrinas de uns livros para os outros, sem originalidade e sem espírito criativo.

Temos de confessar que foi a mensagem teológica da fa­culdade renovada de Salamanca que emprestou ao ressurgi­mento teológico português as mais profundas ressonâncias e marcadas influências. Alguns dos melhores professores da nossa universidade foram espanhóis ou formados em Espa­nha (12). Por outro lado, o bom entendimento entre os gover­nantes dos dois países, as afinidades dos problemas postos pela empresa paralela dos descobrimentos, a presença de nú­cleos consideráveis de religiosos chegados a Portugal para impulsionar a reforma dos seus institutos provocaram uma

11. R. ALMEIDA ROLO, o.c., 121.

12. JOAQUIM VERÍSSIMO SERRÃO, o.c., 128ss.

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osmose intensa e um intercâmbio assíduo de homens e de ideias. Em Salamanca, é Francisco de Vitória o grande mes­tre da renovação teológica. Em Coimbra é o mesmo Vitória quem, através dos cadernos dos seus discípulos, sobretudo Martinho de Ledesma, e das cátedras por eles regidas, influi vitalmente na divulgação imediata desse ressurgimento.

Portugal, por fim, com a Suma Teológica entronizada no ambão de Teologia, ressuscita das gloriosas tradições do pas­sado, redime-se, penitente, "da austera, apagada e vil tris­teza" do presente, e enceta triunfante a marcha vitoriosa do futuro. Para sempre guardará, cioso, no sacrário da era de quinhentos, os dias mais brilhantes da sua multisecular tra­dição literária. E a ciência teológica portuguesa reserva-se o direito de conservar, bem visível, no painel glorioso dos iní­cios do mundo moderno, os seus mais abalizados cultores.

É certo que a história dessa ciência está por fazer. Mas um dia em que ela fale, apregoará bem alto o número avan­tajado de teólogos, o valor do seu magistério, a importância das suas obras; e o eco da sua autoridade, ressoará bem for­te, com acentos justos, no país e no estrangeiro. Confesso­-me incapaz de subtrair ao pó bafiento dos arquivos ou ao bicho roedor do esquecimento a memória benquista desses teólogos, adormecida em tantos dos seus manuscritos inédi­tos, que polvilham prateleiras de bibliotecas; igualmente in­capaz de dar o meu contributo para os entronizar na galeria sagrada da história religiosa de Portugal. Ao menos, permi­ta-se-me, esboce, a ligeiras pinceladas, o perfil de dois dos mais lídimos construtores dessa história: Frei Gaspar do Ca­sal e Frei Bartolomeu dos Mártires, teólogos de Leiria.

A estes queria associar o Doutor Frei Brás de Barros, de certo modo, também ele teólogo de Leiria, o qual, através da Escola de Santa Cruz que ele fundou e dirigiu, ofereceu alentos decisivos para a transferência da nossa Universida­de para Coimbra.

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D. Frei Brás de Barros

D. Frei Brás de Barros, primeiro bispo da diocese de Lei­ria, criada pela Bula "Pro excellenti Apostolicae Sedis" de Paulo III, com data de 22 de Maio de 1545 apresenta-se, no alvorecer dos tempos modernos, como um humanista profi­ciente, um letrado de vida prestimosa e operosa, um varão destemido e apostólico. (13)

Braga orgulha-se de lhe oferecer o berço em 1485; daí o designar-se também por Frei Brás de Braga. Na juventude tem acesso aos paços reais e presta serviço militar em Áfri­ca. Professou na Ordem de São Jerónimo, aos 3 1 anos. Su­cessivamente frequentou as universidades de Paris e Lovaina; nesta, doutorou-se em Teologia.

As salutares influências humanistas recebidas nesses centros universitários levaram o rei D. João III, a confiar-lhe a reforma do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, dos cóne­gos regrantes de Santo Agostinho. Tarefa árdua e difícil, mas que soube levar a bom termo, não obstante as hostilidades de alguns membros dessa Comunidade.

A sua vida anda muito ligada à reforma: da vida e dos costumes mas também da cultura dos cónegos de Santa Cruz. A sua acção pedagógica é notável, sobretudo a partir da ins­talação dos cursos regulares e sua actualização. Estes cursos são inaugurados nos claustros do mosteiro em 1534 e o seu regulamento, as Constituições, redigidas por Frei Brás, são aprovadas pelo papa, Paulo III, em 1537, autorizando a con­cessão de graus académicos. Nesta data, já os colégios de San­ta Cruz apresentavam um notável desenvolvimento, com a sua orgânica e estrutura universitária, inspirada na univer-

13. AFONSO ZÚQUETE, Leiria, Subsídios para a história da sua Diocese, Leiria, 1945, 125-129.

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sidade de Paris. Frei Brás de Barros era um homem de forma­ção europeia, aberto às novas correntes de pensamento que insistiam na formação humanista e, no caso presente, na for­mação humanista-cristã. Decidida e conscientemente reage contra o escolasticismo decadente, minado de teses de inspi­ração ocamista, cujos professores se compraziam em fabricar e ministrar questões mórbidas, de intelectualismo barato.

É dentro, sobretudo dos claustros do convento de Santa Cruz, que se descobre a amplitude da obra pedagógica de Frei Brás: a criação de uma escola em moldes modernos, organi­zada segundo padrões de universidades estrangeiras, onde, a par de um ensino sério se ministrava aos estudantes forma­ção humana e cristã: piedade e letras associadas num único projecto educativo. Este clima sadio de exigência intelectual e cristã envolve os claustros daquele mosteiro até Outubro de 1544, ano em que se dá a reunificação da Universidade de Coimbra com a passagem das faculdades de Teologia, Artes e Medicina que se ministravam em Santa Cruz, para o Paço das Escolas.

O reformador do convento de Santa Cruz, com a serie­dade e profundidade dos cursos que se ministram na sua es­cola, contribuiu notavelmente para afirmar e consolidar a presença, igualmente reformadora da nossa Universidade.

Mas a acção de Frei Brás não se circunscreveu aos am­bientes intelectuais; estendeu-se sobretudo à vida espiritual dos membros da comunidade do seu mosteiro. O livro das Constituições e Costumes, feito e publicado sob a sua égide; a tradução que faz do livro de Hórfio "Espelho de Perfeição"; os contactos com as correntes de espiritualidade dos místicos e dos franciscanos do tempo são prova das suas preocupações quanto à reforma dos costumes e das mentalidades. (14)

14. CÂNDIDO DOS SANTOS, a.c., 246.

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Ao ser chamado para outras tarefas, sente a alegria do dever cumprido: deixar em Coimbra uma comunidade espi­ritual viva . . . cantando e salmodiando em louvor do Altíssi­mo, através das melodias musicais que tanto havia incrementado. E a recompensá-lo por esta acção benéfica ao serviço das artes musicais, a Missa de Leirea, que um cóne­go de Santa Cruz, Heliodoro de Paiva, teria composto expres­samente para a sua entronização na Sé de Leiria, igreja catedral de Nossa Senhora da Pena.

A sua acção e os seus méritos impuseram-no perante a opinião pública e, a tal ponto que o rei D. João III propõe ao papa, a sua nomeação para bispo de Leiria, cuja criação ele mesmo j á havia solicitado.

Tomou posse do bispado no dia 28 de Junho de 1545, qui­çá ao som vibrante da Missa de Leirea.

Da sua acção na diocese sobressaem os estudos prepa­ratórios para a construção da futura catedral e uma inten­sa actividade apostólica. A organização da nova diocese, a revitalização da vida cristã dos seus fiéis, a criação e provi­mento de novas paróquias são testemunhos das primeiras Constituições que promulga em 1549.

E na sequência da sua acção reformadora em Coimbra empreende uma séria e cuidada formação humana e teoló­gica dos seus padres, de acordo com as exigências já apregoa­das dos tempos modernos.

Por questões de saúde, pede a resignação do bispado, que lhe é concedida, por bula papal de 1556.

A sua imagem de bispo, de teólogo e de humanista, agi­ganta-se neste ano das comemorações dos 450 anos da cria­ção da diocese de Leiria, de que foi o primeiro bispo.

Hoje, apenas quisemos rememorar ténues retalhos da sua actividade fecunda. Nestas comemorações teremos opor-

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tunidade para projectar sobre ele essoutras pinceladas de luz que continuarão a iluminar a história dum passado glo­rioso que anda no coração e na vida de todos nós.

É certo que não há nem pode haver uma ciência ou uma teologia nacional. A actividade da inteligência servida pela fé não conhece fronteiras; apenas abraça a verdade. E a ver­dade, natural ou revelada, está acima de qualquer baliza hu­mana; é uma só em todos os momentos do tempo e em todas as latitudes do espaço. Não pode haver uma ciência ou uma teologia nacional. Mas pode haver homens pertencentes a determinado país que sejam servidores da causa da ciência ou da Teologia. E neste sentido poder-se-á falar de teologia portuguesa.

Nos tempos que são os nossos, em que tanto se apregoam pluralismos ideológicos, urge dar a conhecer aos portugue­ses de hoje os melhores portugueses de ontem. Arrancar ao esquecimento personalidades históricas e divulgar as bases dos seus conceitos sobre Deus, a pessoa humana, a civiliza­ção, é manter e revitalizar a árvore multisecular da cultura lusíada, cujos frutos, retomando os fios da tradição, se co­nhecem. Silenciar esses valores, para em seu lugar entroni­zar outros de frutos imprevisíveis , mais do que temerária aventura, é negação do saber de experiência feito. É que a história não fenece, no dizer do nosso literato e filósofo Frei Heitor Pinto. Morrem grandes e pequenos, e ela vive sem­pre. Quanto maior é o desgaste do tempo, mais se lhe ajun­tam novas virtualidades.

Frei Gaspar do Casal e Frei Bartolomeu dos Mártires enfileiram na vanguarda da ciência teológica portuguesa; entronizados no frontispício do mundo moderno constituem­-se cabouqueiros prestimosos e pedras sólidas da fundação da diocese de Leiria

Gaspar do Casal terá nascido em Santarém, por volta de 1510. Perde-se no mundo das hipóteses, o nome da terra

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da sua naturalidade. Não restam vestígios de sua linhagem. As principais datas da sua vida fixam-se no séc. XVI.

Novo ainda, ingressa na Ordem dos Eremitas Calçados de Santo Agostinho, onde professa por volta de 1526. Parte dos seus estudos teológicos ainda os faz na Universidade de Lisboa; mas já em Coimbra, obtém o grau de licenciatura em 6 de Março de 1542. Obtida a láurea doutoral, encontramo­-lo a exercer o magistério, pois o seu talento se impõe e a sua Ordem tem interesse em disponibilizar, para leccionar nos institutos superiores, religiosos seus, exímios em ciência e em virtude. Como lente de Teologia permanece na cidade do Mondego até 3 de Julho de 1551, data em que é nomeado bis­po do Funchal. O dia 20 de Dezembro de 1557, saúda-o jubi­loso, entronizado na Sé de Leria. À capacidade intelectual sabe aliar o zelo pastoral. Visita todas as paróquias da sua diocese, provê-as de pároco residente, promove-as cultural e espiritualmente, faz distribuir os seus bens pessoais pelos pobres e dá impulso decisivo à construção da nova sé de Lei­ria, cujo projecto provinha do seu predecessor, D. Frei Brás de Barros. Ao mesmo tempo, resolve edificar o convento de Santo Agostinho e igreja anexa. Em 1579 é confirmado bispo de Coimbra, em cuja universidade já leccionara anos antes.

O concílio de Trento teve início em 13 de Dezembro de 1545, ano da criação da diocese de Leiria e sob o pontificado de Paulo III. Interrompido por duas vezes, o terceiro perío­do inaugura-se em 18 de Janeiro de 1562. Chegado a Tren­to, D. Frei Gaspar do Casal assiste pessoalmente a todas as sessões solenes e congregações gerais. Toma parte activa em muitas das sessões conciliares, revelando abundantes recur­sos de conhecimentos especulativos e de aturada experiên­cia pastoral. Foi sobretudo na questão dos Sacramentos, nomeadamente na da Eucaristia-sacrifício que ele se reve­lou como teólogo exímio, de doutrina muito sólida e de eru­dição muito vasta. A sua autoridade no Concílio de Trento,

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e sobre os mais diversificados assuntos da doutrina sagrada, adquire fama universal. (15)

Esteve presente no Concílio até ao seu encerramento a 8 de Dezembro de 1563. O seu prestígio doutrinal e o seu po­der de intervenção esclarecida, coloca-o entre os padres con­ciliares mais notáveis em Trento. E as suas obras são divulgadas profusamente pouco tempo após a conclusão do concílio.

Frei Gaspar do Casal sabe que a verdadeira reforma se deve apoiar sobretudo no estudo atento das verdades conti­das no depósito de Revelação, iluminado por uma recta ela­boração teológica. Os seus tratados sobre as fontes da Teologia, origem divina da hierarquia, os sacramentos e a jus­tificação, constituem essoutros bastiões de resistência frente à reforma protestante que, ao tempo, já minava a verdadei­ra doutrina e semeava, por toda a parte, ruína e confusão.

Sepultado em Leiria, na sua igreja de Santo Agostinho no ano de 1596, ainda que tenha falecido em 1584, ele con­tinua ali, a transmitir às gerações do futuro, aos homens de hoje, os frutos da sua sabedoria e os alentos da sua virtude: combati o bom combate, terminei a minha carreira, conser­vei a fé.

D. Frei Bartolomeu dos Mártires

Como falar deste homem, teólogo, pastor e santo?! Com autoridade, dele só saberão dissertar os seis grossos volumes de "Theologica Scripta" obra de renome mundial e da autoria do nosso bom amigo e distinto investigador Frei Raul Rolo.

15. SEBASTIÃO RESENDE, O Sacrifício da Missa em D. Frei Gaspar do Ca­sal, Porto, 1941, 4--29.

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Ninguém soube retratar como ele, e em contornos de mestre, a pessoa e a obra do Santo Arcebispo de Braga. São do Doutor Almeida Rolo estas palavras: a sua pessoa, pensamento, acção cultural e humanitária tem sido objecto de dezenas de traba­lhos, em congressos e cursos universitários. Nada aceitou pa­ra si. A sua vida foi pura dádiva em missão, fiel ao ideal de se tornar oferenda perfeita ao serviço dos outros homens. Pela sua eminente e polifacetada personalidade, entrou resoluta­mente, por mérito próprio e pelos ventos da fortuna, na histó­ria da sociedade, da Igreja e das letras portuguesas. E os ventos da fortuna foram soprados também por Frei Luís de Sousa.

Bartolomeu nasceu em Lisboa em 1514, na rua da Ta­noaria, freguesia dos Mártires. Desde o princípio, não o cati­vou nem o sonho das grandezas, nem o humilhou a modéstia da família. Os seus preferidos são os pobres e os pequenos, mas respeitou os grandes sem subserviências. Em 1528 fi­liou-se na Escola de letras e da vida, no Convento de São Do­mingos, ao Rossio; aqui se faz grande letrado e homem vertical.

Cedo passa de discípulo a mestre. Transferido o colégio de São Domingos para o Convento da Batalha em 1538, ali inicia a docência teológica em 18 de Abril de 1542. Os cur­sos que ali ministra são reconhecidos oficialmente em 1545, como se fossem leccionados na Universidade de Coimbra . . . tal a seriedade da doutrina e a competência do mestre!

Em vinte anos de cátedra, em Lisboa, na Batalha, Évo­ra e Benfica, ele amadurece e aprofunda as ciências filosófi­cas e teológicas, mas apura sobretudo as leis do coração.

A sua doutrina, denunciadora dos males do seu tempo, deu brado. No fervor da escravatura ele proclama a liberda­de congénita de todos os homens; num mundo de guerra, ela dita leis de paz; numa Igreja em crise, bate nos pecados das instituições; com lucidez e perseverança enfrenta estrutu­ras carcomidas, frutos podres de crises seculares.

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TEÓLOGOS DE LEIRIA

Fisicamente corpulento, Frei Bartolomeu agigantou-se pela força da alma, mais do que o seu muito saber, enobre­ceu-o a sua forte personalidade. Toda a sua existência, é, com efeito, de uma coerência rectilínea, transformando em vida quotidiana os princípios doutrinais que adoptou e ensi­nou na cátedra de Teologia durante quinze anos.

Após porfiados convites e correspondentes recusas, ele acabou por aceitar, na obediência, o arcebispado de Braga, em Janeiro de 1559. Aceita porque o guia da vida, não é a vontade, mas sim a razão. No campo vasto da sua diocese, que percorre lés a lés, várias vezes, por sobre corpos esfarra­pados, corações famintos, feridas incuráveis, ele semeia fra­ternidade, partilha pão, instaura paz, goteja compreensão.

Lado a lado com D. Frei Gaspar do Casal, senta-se em Trento, no terceiro período do Concílio, em 1562. São enér­gicas e clarividentes as suas intervenções na aula conciliar. Seguro nos seus princípios doutrinários, com um sistema científico bem assimilado, consegue projectar claridade sobre os mais diversos problemas.

Enérgico e decidido, inabalável e humilde, escandaliza alguns Padres, porque se antecipa em séculos, nas suas de­duções teológicas e programas pastorais. A assembleia con­ciliar admira a fortaleza do seu ânimo e edifica-se com a virtude que dele irradia. Da leitura mesma das actas do Con­cílio infere-se que todos o escutam com admiração, inclinan­do-se reverentes perante o seu profundo saber.

Os investigadores do seu pensamento e os estudiosos dos seus múltiplos escritos, entre os quais sobressai o ilustre fi­lho de São Domingos, Frei Raul de Almeida Rolo, conside­ram-no um verdadeiro cabouqueiro dos tempos modernos, contribuindo de modo notável para a restauração do saber teológico em Portugal.

Laureado com o supremo título académico, Doutor Bar­tolomeu dos Mártires, aqui, neste local, ministra teologia, du-

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TEÓLOGOS DE LEIRIA

rante onze anos, com um sentido alto de integridade e res­ponsabilidade, característica de toda a sua vida. Ele conti­nua a ouvir-se nestes claustros e a viver na nossa recordação, na nossa saudade, nas lições que nos deu, na mensagem que nos transmitiu. Ele não é apenas um homem de ciência que ajuda a formar sábios: ele é sobretudo um mestre religioso que, pela sua cultura, edifica e constrói a vida. ('6)

As transparências altas do seu saber, o entusiasmo e sinceridade do seu fervor religioso, refulgem, vigorosos, nas paredes desta Casa. Este Convento da Batalha, guardará, cioso, no escrínio da sua história, o Centro de Estudos Filo­sófico-Teológicos, oficialmente elevado à categoria de Estu­do Geral. Foi uma vitória pessoal de Doutor Bartolomeu e do seu último Prior, Frei Jerónimo de Azambuja.

A luz da ciência teológica que dardejou intensa, no alvo­recer do Mundo Moderno, não é monopólio avaro de épocas adormecidas, ou saudosismo estéril dum passado distante. A nobreza de pensamento, a galhardia dos merecimentos de Frei Bartolomeu dos Mártires ultrapassa as barreiras do tem­po e perpetua-se hoje, mediante as afirmações do seu génio. Os múltiplos fulgores do seu espírito, as clarividências da sua virtude continuam a projectar-se por sobre as amplidões do tempo e a ilustrar, ainda hoje, as paredes seculares do Con­vento de Santa Maria da Vitória. Enaltecemos os seus méri­tos, bendizemos a sua memória, agradecemos a sua vida.

(Conferência proferida a 20.04.1995 no auditório do Mosteiro de Santa Maria da Vitória na Batalha

no âmbito do ciclo de conferências "Leiria do séc. XVI ao séc. XX'')

16. R. ALMEIDA ROLO, o. c., 13-276.

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PROTECÇÃO RÉGIA A O CONVENTO DE SANTA ANA

DE LEIRIA (SÉCUL O S XV-XVI)

Paulo Drumond Braga Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

1. A ideia de fundar um convento dominicano feminino em Leiria partiu de D. Catarina, condessa de Loulé, filha do segundo duque de Bragança e viúva de D. João Coutinho, morto na conquista de Arzila em 14 71 . Para tal, comprou junto ao rio Lis um terreno onde fez instalar a casa religio­sa. Vieram cinco freiras do convento de Jesus de Aveiro e, em 1494, o Papa Alexandre VI concedeu o breve que autori­zou a fundação. As religiosas tomaram posse do convento no ano seguinte, mas foi necessário esperar pelo fim das obras para se iniciar a vida religiosa em Março de 1498. A funda­dora deu às freiras três escravas para as servirem e legou ao convento todos os seus bens, nele se fazendo sepultar (1).

2. Desde a fundação do convento, a Coroa preocupou-se em favorecer Santa Ana, concedendo-lhe várias mercês. Es-

1. Frei Luís de Sousa, História de São Domingos, int. e rev. M. Lopes de Almei­da, vol. 1, Porto, Lello, 1977, pp. 1132-1134. Sobre a acção das várias prio­resas do convento cf. Idem, Ibidem, vol. 1, pp. 1134-1139. Outras informações sobre o convento podem ver-se in Afonso Zúquete, Leiria, Subsídios para a História da sua Diocese, Leiria, s. n., 1945, pp. 313-317; João Cabral, Anais do Município de Leiria, 2ª ed., vol. 3, Câmara Municipal de Leiria, 1993, pp. 41-42; Maria Caldas Carreira, Leiria, Cidade Episcopal. O Urbanismo Lei­riense do século XVI ao século XVIII, Lisboa, Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, [exemplar mimeografado), 3 vols, 1989.

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PROTECÇÃO RÉGIA AO CONVENTO DE SANTA ANA

ta é uma situação que nada tem de original, uma vez que os monarcas portugueses costumavam privilegiar as casas religiosas masculinas e femininas, tanto do seu próprio rei­no (2), como algumas de Castela (3). Concretamente, no que respeita ao convento de Santa Ana, de Leiria, sabemos que logo em 1494, D. João II deu licença para as freiras compra­rem bens cujo rendimento anual proporcionasse 20 móios de trigo, cinco tonéis de vinho e um de azeite. Esta mercê foi

2. Cf., de entre outros, Domingos Maurício Gomes dos Santos, O Mosteiro de Jesus de Aveiro, tomo 2, vol. 1, Lisboa, Companhia dos Diamantes de An­gola, 1963, pp. 90-93; Humberto Baquero Moreno, "A Protecção Régia aos Frades do convento de S. Francisco do Porto no séc. XV", Boletim do Ar­quivo Distrital do Porto, vol. 1, Porto, 1982, pp. 43-57; Saul António Go­mes, O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no século XV, Coimbra, Instituto de História da Arte, Faculdade de Letras da Universidade de Coiro bra, 1990; Idem, "O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Mé­dia", ltinerarium, ano 40, Braga, 1994, pp. 399-502; Isabel M. R. Mendes, "A Casa da Rainha D. Catarina e as Dádivas ao Clero", ltinerarium, ano 35, n2 133-134, Braga, 1989, pp. 92-123; Paulo Drumond Braga, "Dádi­vas de Açúcar Madeirenses a Conventos e Mosteiros Portugueses e Cas­telhanos", lslenha, n2 11, Funchal, 1992, pp. 53-58; Idem, "Mercês Régias Outorgadas ao Convento de Santa Clara de Coimbra nos reinados de D. Dinis a D. Manuel 1", I Congreso Internacional deZ Monacato Femenino en Espana, Portugal y America 1492-1992, tomo 2, León, Universidade de León, 1993, pp. 667-673; Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, "Mercês Régias Outorgadas ao Convento de Santa Clara de Coimbra (1521-1640)", lbidem, tomo 2, pp. 675-685; Paulo Drumond Braga e Isabel Mendes, "Pro­tecção Régia ao Convento de Jesus de Setúbal na Primeira Metade do Sé­culo XVI", Comunicação apresentada ao Simpósio Arte e Sociedade na Época Manuelina (1490-1530), Setúbal, 1990, [actas no prelo].

3. Cf., de entre outros, Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, "A Casa da Rai­nha [ ... ]", Idem, O Mosteiro de Guadalupe e Portugal Séculos XIV-XVIII. Contribuição para o Estudo da Religiosidade Peninsular, Lisboa, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1994; Idem, "O Açúcar da Ilha da Madeira e o Mosteiro de Guadalupe", Islenha, nQ 9, Funchal, 1991, pp. 43-49; Idem, "Milagres de Nossa Senhora de Montserrat num Códice da Biblioteca Nacional de Lisboa", Arquivos do Centro Cultural Português, vol. 33, Lisboa, Paris, 1994.

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mais tarde confirmada por D. Manuel, em 1498 (4) e por D. João III em 1529, o qual colocou algumas restrições, nomea­damente, impediu que tais bens se localizassem em reguen­gos e terras jugadeiras ou fossem terras arrendadas pela Coroa (5).

Em 1498, D. Manuel privilegiou os caseiros e lavrado­res das quintas e casais do convento, bem como um pedrei­ro, um carpinteiro, um moleiro e um procurador que servissem as religiosas. Este grupo de homens ficou isento do pagamento de peitas, fintas, talhas, pedidos, serviços e empréstimos lançados nos concelhos onde morassem. Não iriam com presos nem com dinheiros e só poderiam exercer tutorias e curadorias lídimas. Não poderiam ser besteiros do conto nem acontiados. Nas suas casas de morada, adegas e cavalariças ninguém se poderia aposentar, nem lhes tomar pão, vinho, roupa, palha, lenha, galinhas, gado, bestas de se­la ou albarda ou qualquer outro bem (6). Este privilégio foi mais tarde confirmado por D. João III, em 1529 (1).

D. Manuel voltará a proteger o convento de Santa Ana, no mesmo ano de 1498, desta feita para que a instituição pu­desse receber os bens de raíz herdados pelas freiras, desde que não ultrapassassem 100 mil reais de renda anual e que

4. A.N.tr.T., Estremadura, liv. 1, foi. 6 (Documento de 12 de Fevereiro de 1494, confirmado a 28 de Dezembro de 1498).

5. A.N.tr.T., Chancelaria de D. João III, li v. 52, foi. 21 (Documento de 26 de Agosto de 1529).

6. A.N.tr.T., Estremadura, liv. 1, foi. 6v (Documento de 26 de Dezembro de 1498). Sobre os privilégios cf. João Silva de Sousa, "Das Isenções do Pa­gamento de Impostos e da Prestação de serviços Régios e Concelhios ( 1449--1451)", Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, vol. 5, Lisboa, 1991-1992, pp. 31-97.

7. A.N.tr.T., Chancelaria de D. João III, liv. 52, foi. 20v (Documento de 21 de Agosto de 1529).

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as freiras não fossem mais de 30 (8). D. João III confirmou es­tas disposições, em 1529, especificando que tal privilégio não poderia abranger terras reguengas (9). D. Manuel, em 1499, ordenou que ninguém entrasse no convento, sob pena de de­gredo para o Norte de África se fosse fidalgo, cavaleiro ou es­cudeiro; ou de açoites se fosse peão. Em 1529, D. João III confirmou este alvará, não deixando, contudo, de introduzir algumas alterações nas penas. Deste modo, o monarca en­tendeu que o degredo para o Norte de África seria substituí­do por degredo de um ano, para fora da vila e termo; e que os peões passariam a ser punidos com dois meses de cadeia e 300 reais para as obras do concelho ( 1°).

Em 1500, D. Manuel, visando um eficaz abastecimento do convento, autorizou o mordomo mor e outras pessoas que tivesse o encargo de comprar carne e peixe para as freiras, a terem prioridade nas compras (11). Este privilégio foi con­firmado por D. João III em 1529 (12). No mesmo ano de 1500,

8. A.N.!l'.T., Chancelaria de D. Manuel, liv. 40, fols 24-24v; Estremadura, !iv. 1, fols 6-6v (Documento de 27 de Dezembro de 1498).

9. A.N.!l'.T., Chancelaria de D. João III, li v. 52, foi. 21v (Documento de 23 de Setembro de 1529).

10. A.N.!l'.T., Chancelaria de D. João III, liv. 52, foi. 42v (Documento de 15 de Janeiro de 1499, confirmado a 20 de Dezembro de 1529).

11. A.N./T.T., Estremadura, liv. 2, fols 77v-78 (Documento de 30 de Janeiro de 1500).

12. A.N./T.T., Chancelaria de D. João III, liv. 52, foi. 21v (Documento de 24 de Agosto de 1529). Este tipo de privilégio era muito comum em relação a outras religiosas. Cf., por exemplo, José Marques, A Arquidiocese de Bra· ga no Século XV, [Lisboa], Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988, p. 123; Maria João Violante Branco Marques da Silva, Aveiro Medieval [Avei­ro], Câmara Municipal, 1991, p. 160; Paulo Drumond Braga, Setúbal Me­dieval (Séculos XIII a XV), Lisboa, Dissertação de Mestrado em História da Idade Média apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, [exemplar mimeografado], 1991, p. 422.

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o rei Venturoso privilegiou quatro pessoas que trabalhassem nas obras do convento, quer fossem oficiais ou servidores. Estes indivíduos passariam a gozar de privilégios idênticos aos já referidos para os caseiros, lavradores e outros (13). Es­ta situação foi confirmada por D. João III em 1529 (14). Em 1511, D. Manuel mandou ao almoxarife dasjugadas de San­tarém que desse de esmola três móios de trigo ao convento de Santa Ana (15).

Em 1514, o rei Venturoso fez esmola de um por cento do rendimento das sisas dos almoxarifados de Leiria e Óbidos ao convento. Esta esmola, anualmente variável, foi confir­mada pelo próprio D. Manuel no ano seguinte (16), e por D. João III em 1529 (17). Sabemos que em 1519, as freiras rece­beram 11.330 reais (18) e que em 1539 tiveram problemas na cobrança do rendimento cujo montante se desconhece. No ano seguinte D. João III mandou ao almoxarife ou recebe­dor de Leiria pagar atempadamente ao convento a quantia devida (19).

Em 1515, D. Manuel mandou que os juízes e oficiais de

13. A.N.!T.T., Estremadura, li v. 2, fols. 76-76v (Documento de 22 de Feverei­ro de 1500).

14. A.N.!T.T., Chancelaria de D. João III, liv. 52, fols 20v-21 (Documento de 24 de Agosto de 1529).

15. A.N.!T.T., Corpo Cronológico, parte I, maço 10, doe. 102 (Documento de 16 de Setembro de 1511).

16. A.N.!T.T., Chancelaria de D. Manuel, liv. 11, foi. 102; li v. 15, foi. 69v; Es­tremadura, li v. 2, fols 17-18; li v. 13, fols 93-93v (Documento de 7 de Mar­ço de 1514 confirmado a 10 de Maio de 1515).

17. A.N.!T.T., Chancelaria de D. João III, li v. 42, fols 28-28v; li v. 72, fols 180--181 (Documento de 30 de Agosto de 1529).

18. A.N.!T.T., Corpo Cronológico, parte II, maço 87, doe. 50 (Documento de 25 de Janeiro de 1520).

19. A.N.!T.T., Corpo Cronológico, parte I, maço 66, doe. 72 (Documento de 5 de Janeiro de 1540).

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Leiria, sempre que fossem requeridos pela prioresa de San­ta Ana, lhe facultassem oficiais e bestas para as obras do convento. Em 1529, esta prerrogativa foi confirmada (2°).

Não ficaram por aqui as mercês manuelinas. Em data que se ignora, fez o monarca ao convento esmola de três móios de trigo por ano, das rendas que o Cardeal D. Afon­so, seu filho, tinha em Leiria. Esta graça foi confirmada por D. João III em 1536, declarando D. Manuel que a esmola passaria a ser paga no almoxarifado das lezírias de Vila Franca (21).

No reinado de D. João III, além das confirmações que temos vindo a enunciar, todas elas levadas a cabo em 1529, algumas das quais com restrições que pretenderam salva­guardar os interesses da Coroa, temos a outorga de alguns outros privilégios. Deste modo, o monarca autorizou que 5.000 reais de tença, pertencentes a Isabel Ferreira, freira professa, ficassem para o convento (22).

Em 1550, foi a vez da rainha D. Catarina mandar dar 2.000 reais ao convento para as freiras comprarem três ar­robas de passas, três figos e seis alqueires de amêndoas de que lhes fizera mercê anual (23). Dois anos depois, um outro documento atesta a continuação deste benefício (24). A rai-

20. A.N.tr.T., Chancelaria de D. João III, liv. 52, foi . 42v (Documento de 17 de Novembro de 1515, confirmado a 9 de Dezembro de 1529).

21. A.N.tr.T., Chancelaria de D. João III, liv. 21, fol. 28v (Documento de 16 de Fevereiro de 1536).

22. A.N.!T.T., Chancelaria de D. João III, liv. 9, fols 85-85v (Documento de 20 de Agosto de 1531).

23. A.N.tr.T., Corpo Cronológico, parte I, maço 84, doe. 10 (Documento de 19 de Março de 1550, o qual contém um recibo de Fr. Pedro de Coimbra, um dominicano procurador do convento, datado de 25 de Abril do mesmo ano).

24. A.N.!T.T., Corpo Cronológico, parte I, maço 87, doe. 63 (Documento de 18 de Janeiro de 1552, o qual contém recibo datado de 6 de Fevereiro do mesmo ano).

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nha, neste mesmo ano, concedeu ao convento seis mil reais para a aquisição de panos de linho (25).

Reflexo da conjuntura portuguesa que se viveu no reina­do de D. João III, a qual se caracterizou por sérias dificulda­des económicas, evidentes em vários domínios (26), aparece o recurso aos padrões de juro. Quer os particulares quer as ins­tituições religiosas podiam adquirir esses padrões, cujos ju­ros eram pagos aos quartéis do ano. Este meio financeiro visou facilitar o aumento das receitas do reino, numa época em que as despesas cresciam a um ritmo superior aos ingressos. No caso do convento de Santa Ana, a compra de padrões de juro não se verificou, ao contrário de outras instituições (27). No en­tanto, o convento não se alheou desta realidade uma vez que pelo menos duas freiras - Catarina de Andrade e Guiomar Botelha - tinham de tença 12.800 reais em resultado de um padrão adquirido para ajudar a obter meios para "obras de mujto custo", nos lugares de África (28). Por morte das duas freiras o padrão ficou para o convento (29).

25. A.N.tr.T., Corpo Cronológico, parte I, maço 100, doe. 92 (Documento de 4 de Fevereiro de 1552, o qual contém recibo de 5 de Março desse mesmo ano).

26. Cf. Vitorino Magalhães Godinho, "A Viragem Mundial de 1517-1524.e o Império Português", Ensaios, vol. 2, Lisboa, Sá da Costa, 1978, pp. 205--221; Francisco de Sales Loureiro, D. Sebastião antes e depois de Alcácer Quibir, Lisboa, Vega, 1978, pp. 2 1-66; João Cordeiro Pereira, "A Receita do Estado Português no ano de 1526. Um Orçamento Desconhecido", Es­tudos de História de Portugal. Homenagem a A. H. de Oliveira Marques, vol. 2, Lisboa, Estampa, 1983, pp. 13-55; Idem, "O Orçamento do Estado Português no ano de 1527", Nova História, vol. 1, Lisboa, 1984; pp. 27-65.

27. Cf., por exemplo, Cândido dos Santos, Os Jerónimos em Portugal. Das Ori­gens aos Fins do Século XVIII, Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1980, pp. 80-88.

28. A.N.tr.T., Chancelaria de D. João III, li v. 57, fols 135-138 (Documento de 30 de Setembro de 1554).

29. A.N.tr.T., Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, li v. 16, fols 284v-287v (Documento de 25 de Novembro de 1564); Chancelaria de D. Filipe I, liv.

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Mais tarde, em 1592, nova situação, em tudo semelhan­te à anterior, ligará o convento de Santa Ana às citadas ope­rações financeiras. Desta feita, temos o caso da freira Constança de São Francisco, filha de Francisco da Rocha, possuidora de um padrão de 30.000 reais, que renunciou a favor da instituição (3°). Já no século XVII, D. Isabel, duque­sa de Caminha, por legado testamentário, deixou várias quantias ao convento através de padrões de juro (31).

3. Desde a sua fundação que o convento de Santa Ana, de Leiria, contou com a protecção régia de D. João II e sobretudo de D. Manuel. D. João III continuou a beneficiar a instituição, ao confirmar todos os privilégios outorgados pelos seus anteces­sores e ao conceder outros. Algum interesse também foi mani­festado pela rainha D. Catarina que não deixou de conceder esmolas. Para os reinados posteriores a documentação das chan­celarias é mais escassa e, se exceptuarmos os padrões, que só referimos porque a Coroa permitiu que a instituição deles usu­fruísse por morte das freiras que os possuíam, nada sabemos.

De qualquer modo, nos anos vinte do século XVII a situa­ção de Santa Ana de Leiria não era muito favorável. Segundo Frei Luís de Sousa, "de ordinario se sustentão aqui setenta Re­ligiosas, numero desmasiado, porque a renda de dinheiro não chega a cem mill reis: de trigo, e azeite tem boa quantidade; e esta junta com a barateza da terra, faz que possão viver; mas não sem trabalho, e empenhos. Ti verão muitas, e boas proprie-

13, fols 426-426v (Documento de 9 de Maio de 1592); Chancelaria de D. Filipe III, liv. 13, fols 313-314 (Documento de 5 de Junho de 1627).

30. A.N./T.T., Chancelaria de D. Filipe I, li v. 13, fols 246v-247 (Documento de 30 de Junho de 1592).

31. A.N.!I'.T., Chancelaria de D. Filipe III, liv. 12, foi. 68v (Documento de 9 de Agosto de 1623); li v. 14, fols 97-97v (Documento de 3 de Abril de 1624); liv. 14, fols 97v-100v (Documento de 6 de Abril de 1624).

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PROTECÇÃO RÉGIA AO CONVENTO DE SANTA ANA

dades, de que huas se farão perdendo com o tempo, que tudo destrue; outras alienou a liberalidade mal considerada das Pre­ladas, com boa tenção mais que culpa" (32). Afigura-se, pois, que o período seiscentista, correspondendo à fase de menor protecção régia, terá sido particularmente mau para o conven­to de Santa Ana, de Leiria, em contraste com os reinados de D. João II, D. Manuel e D. João III, época de aparente floresci­mento. Não podemos esquecer que a posse dos bens móveis e de raíz era imprescindível para a manutenção da comunidade, muito particularmnte no caso das religiosas, que não obtinham rendimentos resultantes da celebração de missas ou pregação, ou da administração de sacramentos, tal como acontecia com as comunidades masculinas. Por outro lado, os trabalhos fe­mininos, tais como, tecer, bordar e cozinhar, realizados pelas freiras, não eram susceptíveis de fazer face às despesas. A es­tes aspectos há que acrescentar a tradicional má administra­ção dos patrimónios dos conventos femininos, a que se referiu Frei Luís de Sousa no caso de Santa Ana, e que parece ser uma constante, quer em Portugal, quer em Castela (33).

Ao estudarmos a protecção régia conferida ao convento, estamos apenas a dar um pequeno contributo para o conhe-. cimento duma realidade mais vasta que compreendeu todo o funcionamento da instituição, e que, por isso mesmo, ne­cessita dum manuseamento total das fontes disponíveis e que passa necessariamente pelo cartório do convento (34), o que está fora do âmbito que nos propusemos.

32. Frei Luís de Sousa, op. cit., vol. 1, pp. 1 136-1139.

33. A este respeito, são importantes as observações de Mariló Vigil, La Vida de las Mujeres en los Siglas XVI y XVII, Madrid, Siglo XXI, 1986.

34. Para um aspecto específico e localizado no século XIX cf. Saul António Go· mes, "Rendimentos do Convento de Santa Ana de Leiria na Primeira Me­tade do Século XIX", Colóquio sobre a história de Leiria e da sua Região, Leiria, Câmara Municipal, 1991, pp. 223-265.

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A MÚSICA SACRA: DA O RALIDADE À E SCRITA (1)

José Maria Pedrosa Cardoso

Tudo o que se sabe da música litúrgica dos primeiros séculos da Cristianismo é uma questão de tradição e orali­dade. O que significa que as nossas ideias se reduzem à conjectura de uma realidade esboçada através de informa­ções mais ou menos precisas e provenientes de um espaço intercultural. É certo que nós, os Ocidentais, corremos o risco de, em matéria musical, apreciarmos apenas o que passou a documento escrito, esquecendo o momento mar­cante da tradição oral. De uma ou de outra forma, interes­sa saber que a Música, em dimensão puramente oral, ocupou um lugar de relevo na organização litúrgica primi­tiva e que, no momento próprio, foi na Igreja que nasceu a escrita musical ocidental.

1. Da oralidade inicial

Sabemos da utilização da Música na Igreja primitiva através dos escritos do Novo Testamento e dos esboços de ri­tual litúrgico chegados até nós. Ainda no século I são signi­ficativas, a este respeito, as Cartas de S. Paulo, o Apocalipse, a Carta do Papa Clemente I e a chamada Didaché. A Apolo­gia (c. 150) de S. Justino e sobretudo a Tradição Apostólica de Hipólito, já no século III, são fontes de informação para algumas fórmulas musicais utilizadas na Liturgia, tais co-

1. Apresenta-se aqui um resumo da conferência pronunciada em Fátima, no âmbito do ciclo «Leiria do século XVI ao século XX••, no dia 03.04.1995.

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A MÚSICA SACRA: DA ORALIDADE À ESCRITA

mo aclamações e cantilação de leituras. Se a estas informa­ções juntarmos o conhecimento da prática musical das co­munidades judaicas, donde surgiram, radicalmente, as grandes linhas da liturgia cristã, ficaremos a saber que a Música era efectivamente elemento integrante e funcional da oração oficial da Igreja. (Apel 1990, 34ss).

As opiniões dos Santos Padres sobre esta matéria são um testemunho a ter em conta. Em geral, tecem elogios ao poder e à dimensão mfstica da Música, como: «Ü nosso can­to não é mais que um eco, uma imitação do cantos dos an­jos. É no céu que a música foi inventada. Em volta e por cima de nós cantam os anjos. Se o homem é músico é por uma revelação do Espírito Santo; o cantor é inspirado pelo alto» (S. João Crisóstomo) e «A salmodia é a obra dos anjos» (S. Basilio). Mas há outros, como Bruno Cartusiano para quem a música é um mal menor, embora indispensável, já que «Deus não gosta da música em si mesma.» (Combarieu 1920, 196).

O depoimento de S. Agostinho (2) tem especial interesse por falar da prática musical em Milão e outras igrejas do tempo, com uma diferenciação clara entre hinos e salmos. Com a fixação da Liturgia, a partir do século IV, assistimos ao aparecimento de livros litúrgicos, os do altar, como os Sa­cramentários e os Leccionários, e os dos coro, como o Antifo­nário e o Gradual. É importante salientar que estes, destinados aos cantores, ainda não apresentam qualquer no­tação: o que se verificará apenas a partir dos século IX. É certo que já antes apareceram as litterae significativae, ex­plicadas no século X por N otker Balbulus, mas elas não eram mais que indicações aproximadas para a entoação de algu­mas passagens durante as leituras. (Gerbert 1990, 95-96).

2. Confissões, IX, 7.

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A MÚSICA SACRA: DA ORALIDADE À ESCRITA

2. A oralidade organizada

Entretanto, a lenda gregoriana e o funcionamento da schola cantorum constituem uma verdadeira instituição da oralidade. O Papa S. Gregório é considerado um verdadeiro mediador de Deus para a consolidação de um reportório que se pretende sagrado e, portanto, intocável. Mas do seu tem­po apenas conhecemos textos e formulários que serviam de suporte objectivo aos especialistas da Música. Estes eram os cantores formados numa escola, cujos fundamentos remon­tam ao tempo de S. Leão Magno (século V), mas cuja orga­nização aparece no século VIII, a partir do Liber pontifical is e do Ordo romanus I. (Leclercq 1948, 354). Era na schola que os cantores, por um tempo não inferior a 10 anos, memori­zavam todo o reportório litúrgico e estudavam o processo de composição de novas peças através, sobretudo, das fórmulas centónicas e prototípicas.

A justificar a falta de uma notação - que muito teria simplificado as tarefas unificadoras do canto romano-gali­cano no tempo de Pepino o Breve e Carlos Magno - aduzia­-se a célebre frase, tão frágil quanto lúcida, de S. Isidoro de Sevilha segundo a qual os sons não se podem escrever. (3)

Um processo neumotécnico é o seguido pelos inventores dos primeiros neumas, consistindo na escrita de certos acen­tos e pontos por cima das palavras como fim de recordar ao cantor o cursus melódico que ele tinha memorizado na scho­la. E são estes neumas, rapidamente transformados em pune­ta, que, colocados convencionalmente num sistema de uma e várias linhas, permitirão uma escrita exacta e definida da melodia litúrgica, a partir do século XI. Fala-se apenas de melodia mas isso vai permitir, de imediato, a cristalização de

3. Etymologiarum seu originum libri XX, III,l5, 2.

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formas de polifonia arcaica a duas, três e quatro vozes, em centros importantes de prática litúrgica, como são S. Marcial de Limoges, Notre-Dame de Paris e, mesmo, Santiago de Compostela. Depressa, porém, com o gosto por estas formas e pelo progresso do saber, se vai completar a notação com a atribuição de valores mensurais aos antigos neumas e a cria­ção de novas figuras que possibilitem uma escrita exacta da composição musical.

3. Música escrita em Leiria

A partir de então o livro litúrgico insere também nota­ção musical, um tanto diferenciada segundo a escola e a re­gião de proveniência, e a escrita da música é mais um ramo da especialização dos scriptoria medievais. Com a aplicação à música dos caracteres móveis da imprensa, nos princípios do século XVI, não desaparecem os manuscritos musicais. Em Portugal, nomeadamente, estes continuarão a aparecer, mesmo depois de serem bem conhecidas obras congéneres impressas. Tudo dependia da prática e dos meios de cada es­cola ou comunidade eclesiástica ou monacal.

A nova diocese de Leiria, criada em 1545, deve ter pro­porcionado aos seus cristãos uma vivência entusiasta da música litúrgica. Efectivamente a influência do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra seria bem sensível não só atra­vés do padroado de todo o mosteiro, na época anterior, mas também pela nomeação do seu primeiro Bispo na pessoa do grande reformador dos Crúzios, Fr. Brás de Barros. Este não teria esquecido o esplendor da música litúrgica prati­cada por aqueles e ter-se-ia feito acompanhar de músicos e de reportório que, de alguma forma, contribuíssem para o bom nível musical do culto na nova sede episcopal. É nes­te sentido que se deve explicar a existência, na Biblioteca

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Geral da Universidade de Coimbra, de uma missa polifóni­ca com o título de «Missa de Leirea» (MM 9). A julgar pelo livro manuscrito pertencente ao espólio de Santa Cruz e pe­los dados cronológicos pertinentes, não parece descabido supor que esta missa tenha sido composta por D. Heliodo­ro de Paiva por encomenda do antigo reformador do Mostei­ro, talvez para marcar o seu ingresso na nova diocese ou até para a missa da sua consagração episcopal, que teve lu­gar em Coimbra.

Além de umas poucas, mas interessantes, obras de mú­sica litúrgica manuscrita, teórica e prática, existentes ain­da hoje no Arquivo Distrital de Leiria, honra especialmente esta cidade a impressão na mesma, em 1575, de um Passio­nário da autoria de Manuel Cardoso, chantre da Capela Real e Tesoureiro da Sé de Leiria (4). Da obra em si, de que hoje se conhecem exemplares na Biblioteca Nacional de Lisboa (Res. 87 4 A) e na Biblioteca Pública de Évora (Res. n2 116), sabe-se que tem o interesse de ser o segundo Passionário impresso em Portugal segundo a tradição musical da Cape­la Real Portuguesa. Este dado é muito curioso, uma vez que a ideia desta impressão, «a mando do 22 concílio de Lisboa», era seguir as normas do Concílio de Trento e, por conseguin­te, por seguir o costume romano, de cantar. A razão de o li­vro se imprimir em Leiria, por António de Mariz, impressor oficial da Universidade de Coimbra, só se explica por um grande empenhamento do então Bispo D. Gaspar do Casal e pelos meios económicos então ao seu dispor, administrados,

4. Passionarium iuxta capellae regis lusitaniae consuetudinem [. .. ]per Em­manuellem Cardosum eiusdem regis capellae archipraecentorem, B. lei­riensis ecclesiae thesaurarium. Ex mandato secundi prouincialis concilijs ulysiponensis, nunc primum editum. Leiriae. Excudebat Antonius a Ma­ris: c um Reuerendi D. Gasparis Casalijs, eiusdem ciuitatis episcopi: sanc­tae etiam inquisitionis facultate. Anno 1575.

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como se referiu, pelo próprio autor e conhecido cantochanis­ta o Pe. Manuel Cardoso, que é bom não se confundir com o grande Carmelita que foi Fr. Manuel Cardoso. Não é fácil discernir onde acaba a tradição e começa a escrita musical na Igreja de Leiria, como em qualquer outra parcela da Igre­ja em Portugal. As vicissitudes históricas, de todos conheci­das, não permitem fazer uma ideia exacta do seu passado. O pouco, e o muito que restam, todavia, devidamente estuda­dos, serão contributo para uma valoração mais rigorosa do seu papel na História da Igreja e de Portugal.

BIBLIOGRAFIA:

ALMEIDA, Fortunato - História da Igreja em Portu­gal. - Porto/Lisboa, 1968, vol. II.

APEL, Willi - Gregorian Chant . . - Indiana University Press, 1990.

CALDWELL, John - La música medieval. - Madrid: 1984.

CATTIN, Giulio - Storia della musica: Il Medioeuo I. ­Torino: 1985.

COMBARIEU, J. - Histoire de la Musique. - Paris: 1920, t. I. O Couzeiro ou Memórias do Bispado de Leiria. -Leiria: 1898.

GOMES, Saul António - «A música antiga em Leiria» in Mensageiro, nº 3.846 (26.09.1991) e 3.847 (03. 10. 1991).

LECLERCQ, H. - «Chantres» in Dictionnaire d'Archéo­logie chrétienne et de Liturgie. - Paris: 1948, t. III, 1ª p., col. 344-365.

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PERSPECTIVAS MARIOLÓGICAS NAS COMPOSIÇÕES P OÉTICO­-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

Arménio Costa Júnior Universidade de Aveiro

1 - As tensões entre Música e Poesia

Nem sempre foi pacífica a relação entre Poesia e Músi­ca. Cada uma destas artes espreitou sempre o momento de fazer prevalecer a hegemonia sobre a outra.

Embora a Música reivindique a primazia e assuma o trono de rainha, o certo é que, na liturgia, tal privilégio é posto em causa. Ela é chamada a servir e não a reinar. A servir a poesia, ou seja, a letra, o texto litúrgico. A sua fun­ção é torná-lo mais compreensivo, mais inteligível e nun­ca difundi-lo nas curvas das ondas melódicas, a ponto de não se perceber o conteúdo da mensagem da Palavra de Deus. Se tem a missão de embelezá-la, não a tem de a substituir.

Todavia, em certos momentos, a profundidade da con­templação atinge tal grau que a materialidade das pala­vras como que se dilui. Quando tal se verifica, a música salta para a ribalta, torna-se senhora, espraiando-se em autênticas filigranas melismáticas. O espírito, liberto dos contornos das palavras, plana na imaterialidade das linhas melódicas.

O exemplo mais flagrante do triunfo da música sobre o texto é o Aleluia. Após a entoação deste canto de louvor, o

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

espírito, arrastado para as altitudes da contemplação, pres­cinde da palavra. E, no dizer de S. Agostinho, tal como a mãe a embalar o seu filho, embebecida pelo bebé, dispensa qual­quer conteúdo verbal, bastando a simples lalação, assim também a alma crente, abismada pela gória de Deus, liber­ta-se de qualquer palavra, deixando-se arrastar pelos con­tornos melismáticos da melodia.

O triunfo não é duradouro, já que a força da mensagem vinculada ao texto teima em vir ao de cima. Pode afirmar-se que, no decorrer dos séculos, nunca deixou de existir forte tensão entre Música e Poesia.

Até ao século VI, o canto litúrgico desenrolava-se den­tro de um certo equilíbrio; a música cumpria a sua função de servir o texto. As linhas melódicas eram bastantes simples e o canto normalmente silábico, isto é, uma nota para cada sílaba. As leituras, a salmodia e a cantilena exigiam gran­des contornos melódicos. O importante era captar o sentido da Palavra.

A partir do século VI até ao século IX, a música começa a inserir-se com maior peso no canto litúrgico. Este deixa de ser silábico e passa a neumático, isto é, em vez de uma, pas­sa a existir um grupo de notas (neuma) para cada sílaba. Es­ta riqueza melódica possibilita a criação de novas composições, quer pertencentes ao Próprio da Missa, quer ao Comum. A expressividade do canto afirma-se com mais intensidade, sem, contudo, se perder o equilíbrio entre a Mú­sica e a Poesia. O espaço de cada uma das artes era equita­tivamente dividido.

A partir do séc. IX até ao séc. XI, a música, em autênti­ca rampa de lançamento, toma tal lugar de preponderância,

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que as composições passaram a ser melismáticas, isto é, ca­da sílaba era ornamentada com uma série de neumas. Foi o período do triunfo da melodia. Por vezes, sobre a mesma sí­laba, o cantor perdia-se, durante longos minutos, nas volu­tas da melódicas.

O senhorio da música não irá perpetuar-se, já que a Poesia espreitava o momento de fazer valer de novo os seus direitos, esperando para isso uma nova oportunidade.

Esta surgiu quando alguém se lembrou de colocar de­baixo dos melismas um texto complementar, que facilitasse a memorização da complexidade da melodia. Esta técnica, ou melhor, esta arte, pois de poesia se tratava, foi denomi­nada arte de tropizar. O canto litúrgico passa de novo a si­lábico, com a consequente preponderância da Poesia sobre a Música.

Todas as composições melismáticas não escaparam à nova investida da arte poética. O primeiro livro a ser tro­pizado foi o Kyriale. No canto do Kyrie eleison, sob a linha melódica existente entre cada uma destas palavras, foi co­locado um texto que deu o nome ao próprio Kyrie. As ou­tras composições do Comum da Missa (Gloria, Sanctus e Agnus Dei), com a excepção do Credo, foram igualmente tropizadas.

O gráfico seguinte procura traduzir a alternância das tensões existentes entre Música e Poesia (texto). Nele estão indicadas as composições que foram surgindo ao longo dos séculos.

N.B. - A largura da coluna pretende traduzir o maior ou menor espaço ocupado por cada uma das artes, ou seja, o grau de importância de cada uma.

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA -------

Tensões entre texto e música

no Canto Gregoriano

CANTO GREGORIANO

CANTILENA, SALMO DIA LEITURAS, OBSERVAÇÕES.

ANTÍFONAS, PRÓPRIO COMUM, TEMPORAL SANTORAL.

I

o, S,

KYRIAL ORNAMENTAD GRANDES ANTÍFONA JÚBILO DO ALELUIA DESENVOLVIMENTO DO PRÓPRIO DA MIS SA.

AS AS LINHAS MELÓDIC SÃO PREENCHIDAS C LETRA: APARECIMENTO DE TROPOS E SEQUE

OM

ÊNCIA.

A. ARTE TROVADORESC

TEATRO SAGRADO.

SEQUÊNCIAS RIMAD DESENVOLVIMENTO DA POLIFONIA COM AS MESMAS TENSÕE

AS,

S.

ORGANUM MELISMÁ TICO.

TEXTO - MÚSICA

ATÉ AO SÉC VI

DO S �C. VI AO S �c. IX

D � SÉC. IX AC � SÉC. XI

DO SÉC XI AO SÉC. XII

-

DO SÉC. XII AO SÉC. XIX DE CAD E CIA

f-

LINHAS MELÓDICAS SIMPLES, CANTO SILÁBICO, UMA NOTA POR SÍLABA.

CANTO NEUMÁTICO: UM NEUMA POR SÍLABA, LINHA MELÓDICA ONDULADA

CANTO MELISMÁTICO: VÁRIOS NEUMAS POR SÍLABA, LINHA MELÓDICA RENDILHADA, UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS GENERATIVAS.

VOLTA A SER SILÁBICO. APLICAÇÃO DE NOVAS TÉCNICAS: PARÓDIA, PARÁFRASE, CENTONIZAÇÃO.

NASCIMENTO DA POLIFONIA.

OFÍCIOS RIMADOS.

MOTETE CONDUCTUS.

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O novo domínio do texto sobre a linha melismática ocor­re a partir do século XII. A Poesia inundou praticamente to­das as formas do canto litúrgico. Quer o Ofício, quer a Missa foram objecto da tropização, isto é, em cada uma das suas partes foram inseridas as mais variadas formas poéticas, al­gumas das quais autênticas páginas de antologia. Multipli­cam-se os Tropos, os Ofícios Rimados e as Sequências.

As técnicas utilizadas são as mais variadas: paráfrase, paródia, centonização, etc. A mesma melodia servia, por ve­zes, de substrato para novas composições, quer do mesmo género, quer de géneros diferentes.

2 - Fonte de Inspiração Poética

A grande fonte de inspiração para todos os artistas da Idade Média e, de um modo especial para poetas e músicos, foi a figura de Maria e, através dela, a figura da Mulher.

Em honra da Virgem, brotaram sequências, hinos e tro­pos; em honra da Mulher, as mais variadas expressões da Arte Trovadoresca. Os campos nem sempre se demarcaram com nitidez, pois para os poetas era difícil compreender uma sem a outra. Não estão muito perto de algumas sequências as Cantigas de Santa Maria?

Porque o objectivo do presente trabalho é a abordagem da temática mariana em algumas das fontes litúrgicas, ter­-se-á em conta a época quinhentista, no decorrer da qual foi fundada a Diocese e a Cidade de Leiria, para cujas comemo­rações foi elaborado o presente trabalho. Como fonte primá­ria, será tido em conta o códice dominicano existente no Arquivo Distrital da cidade de Leiria. Na busca da temática mariana serão abordadas as formas litúrgicas mais fecun­das em toda a Idade Média, ou seja, os Tropos e as Sequên­cias. Estas, que atingiram cerca de cinco mil, serviram como o veículo mais privilegiado para atingir a alma popular.

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

3 - Formas Poético-Litúrgicas

3.1 - Tropos

Conforme foi dito, uma das primeiras formas litúrgicas a ser tropizada foi o Kyrie. Apesar de ser um grito de súpli­ca a Cristo, Senhor e Salvador, nem por isso escapou ao to­que do poeta, na exaltação de Maria. Alguns deles foram pretexto, não só para trasvasar a devoção popular, como tam­bém um momento oportuno de reflexão teológica.

A título de exemplo, aliás bem expressivo, o Kyrie vir­ginitatis amator.

Senhor, amante da nobre virginidade, Pai e Criador de Maria

tende piedade de nós. Senhor, Vós que quisestes nascer de uma Virgem, e as­

sumiste um corpo de Maria tende piedade de nós. Senhor, Vós que consagrastes o seio de Maria, repleto

com os sete dons do Espírito Santo tende piedade de nós. Cristo, Filho único de Maria, que nascestes de uma vir­

gem da estirpe de David que os santos profetas anunciaram tende piedade de nós.

·

Cristo, forte atleta, com duas naturezas que, a favor do homem, homem nasceste do ventre de Maria, sem ser pelo sé­men humano

tende piedade de nós. Cristo, celeste suporte dos nossos louvores, na medida

das nossas forças, diligentemente salmodeamos com a boca e o coração, ó Jesus descendência piedosa de Maria

tende piedade de nós.

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

Senhor, Espírito Criador, enlace amoroso de graça ce­leste entre ambos (Cristo e Maria) que infundistes o divino or­valho em Maria

tende piedade de nós. Senhor, por quem o Verbo encarnou da carne de Maria,

segundo a nossa espécie, conservando sempre intacta a flor da virgindade de Maria

tende piedade de nós. Senhor, simples e supremo, enchei-nos do crisma sa­

grado, para que, com digno canto, entoemos os louvores de Maria

tende piedade de nós.

Se os tropos introduzidos no Kyrie não alteraram o sen­tido cristológico, será possível o mesmo fenómeno em rela­ção ao Glória in excelsis Deo, dado o seu carácter doxológico? A introdução de qualquer tropo mariano não irá alterar o conteúdo do hino angélico? A estas questões res­ponde a imaginação poética que, sem diminuir em nada o ca­rácter laudatório do hino, exalta a Virgem, obra prima saída da mão de Deus.

Quando na parte final do Gloria in excelsis é proclama­da a glória de Cristo, esta ainda é mais reforçada com a exal­tação de Maria:

Senhor Deus, Cordeiro de Deus, Filho de Deus Pai - Primogénito de Maria, Virgem e

Mãe. Vós que tirais o pecado do mundo, acolhei a nossa súplica -para glória de Maria Só Vós sois o Santo - santificando Maria Só Vós o Senhor -governando Maria Só Vós o Altíssimo - coroando Maria

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

GLORIA lN EXCELSIS - Tropizado

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Não foi apenas o hino da noite de Natal que foi emoldu­rado com tropos marianas. O Sanctus, apesar da sua antigui­dade litúrgica, foi objecto do mesmo fenómeno da tropização, através do qual se destina toda uma teologia mariana nos aspectos mais variados, como a virgindade, a maternidade e a mediação de Maria.

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

Um outro Hino, muito venerado no Ocidente, o Te Deum, foi, no sentido etimológico da palavra, totalmente parodiado em honra da Virgem. Se não fora a demasiada ex­tensão do mesmo, valia a pena a sua total transcrição. Po­rém para se fazer uma ideia aproximada deste técnica da paródia, transcreve-se a primeira parte deste mesmo hino.

TE DEUM

Nós Vos Louvamos, ó Deus nós Vos bendizemos, Senhor. Toda a terra vos adora, Pai eterno e omnipotente

Os Anjos, os Céus e todas as Potestades Os Querubins e os Serafins Vos aclamam sem cessar: Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do Universo.

TE MATREM

Vos louvamos, ó Mãe de Deus Nós vos bendizemos, ó Virgem Maria Toda a terra Vos venera, ó Esposa do Pai eterno

Os Anjos e os Arcanjos, e todos os Principados humildemente Vos servem. Todas as Potestades, as Virtudes do Céu Todas as Dominações dos Céus Vos obedecem. Os Tronos, os Querubins e os Serafins Jubilosos Vos assistem. As angélicas criaturas, com suaves vozes, Vos proclamam: Santa, Santa, Santa, ó Virgem Maria, Mãe de Deus.

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COMPOSIÇÕES POÉTICO-MUSICAIS DA IDADE MÉDIA

TE MATREM - Te Deum - in laudem Virginis Marie

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O mesmo paralelismo das composições prosseguem até ao fim. Louvando a obra prima, o poeta exalta o Criador. No louvor da Virgem está implícito o louvor de Deus, pelo que o Te Matrem não passa de uma variante, de um reflexo do Te Deum.

3.2 - Ofícios Rimados e Sequências

Se no sector hinológico, a poesia mariana tem um signi­ficado que de modo algum deve ser menosprezado, muito

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mais significativa ainda é a dimensão poética nos ofícios ri­mados e nas sequências.

No códice dominicano, existente no Arquivo Distrital da cidade de Leiria, encontra-se parte do ofício rimado da festa da Visitação da Virgem a Santa Isabel, bem como a sequên­cia. Quer numa, quer noutra composição o acento mariano é por demais evidente.

O terceiro responsório do I Nocturno de matinas do Ofí­cio da Visitação sintetiza todo o mistério da festividade:

((depois do Verbo de Deus ter sido concebido no seio de Maria, em primeiro lugar é revelado ao Precursor. Quando a Virgem fala, o céu revela-se e o Verbo escondido no ventre puríssimo de Maria, torna-se conhecido pelo louvor da pró­pria Mãe. "

Verbum Patris postquam concipitur in Maria prius ostenditur praecursori. Dum virgo loquitur sic coelum panditur Ventris alvo verbum absconditum per os matris fit panditum.

O mesmo júbilo ressalta nas antífonas do mesmo ofício: ((Hoje exulta o Monte Sião, no qual Deus se revela. Exultam as filhas de Judá, enquanto a Virgem proclama as maravi­lhas de Deus".

Gaudet mons Syon hodie in quo Deus ostenditur exultent ludae filiae dum virgo magna loquitur. (3ª antífona do III Nocturno)

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Idêntico perfume mariano se destila no decorrer de ca­da parte do ofício. O acento rimático mais facilmente pene­trava na alma do povo. Era deste modo que, sobretudo, os frades dominicanos faziam chegar ao coração do povo a de­voção à Virgem.

Onde o engenho poético atingiu uma dimensão inultra­passável, foi nas sequências. Estas composições poéticas, tão em voga na Idade Média, cantadas antes da proclamação do Evangelho, tornaram-se o veículo privilegiado da piedade popular, na exaltação das glórias de Maria.

Uma dessas sequências encontra-se no códice de Leiria

8- Inviolata intacta- ln Purificatione Beatae Mariae Virginis

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J- ln-vi-o -11!1 -ta iD-ta-cbl et cu-ta es Ma -ri- a

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6 - Tu - a per pre - «:a - ta dul - eis - si - IDil .

7 - No- bis c::oa.- ce - das w - Di - am per 110 - cu- la.

I • I Flil . . • I • � � . r·. . ... . ... P· 11 1- O be-ui-goa que �-la lo- �-o -la-ta per-man -sis - ti.

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Esta sequência, para além de um acento laudatório, em que é exaltada a Virgindade e a Maternidade de Maria, inclui uma vertente suplicante: concede-nos um corpo e um coração puros e pela tua intercessão o perdão de nossos pecados.

Ao lado desta sequência, a família dominicana, ao qual pertence o códice leiriense, possuía uma gama consi­derável de sequências marianas, verdadeira fonte da pie­dade popular. Através delas, como que se pode reconstituir o tecido da devoção mariana então existente no povo de Deus.

Em cerca de vinte sequências dedicadas à Virgem Ma­ria, objecto de análise em tese de Doutoramento, a apresen­tar brevemente pelo autor deste artigo, encontram-se cerca de duas centenas de títulos marianos.

Autêntico rosário de ladainhas, índice claro da devoção à Mãe de Deus, tais sequências, muitas das quais com me­lodias de fino recorte, mereciam ser recuperadas, se não pa­ra a liturgia eucarística, pelo menos para algumas celebrações em honra da Virgem Maria.

A título de informação, enumeram-se, a seguir, algu­mas destas invocações que permitirão captar um pouco da preciosidade deste tesouro, para muitos um tanto desco­nhecido.

Os títulos serão agrupados em quatro blocos, respeitan­tes à dimensão humana, teológica, poética e bíblica.

1 -DIMENSÃO HUMANA

A PRIMEIRA DAS MULHERES ALEGRIA VERDADEIRA CAMINHADA VIDA CÁLICE TRANSBORDANTE DE AMOR CAMINHO DO VACILANTE

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ENTRANHAS DE TERNURA ESTRELA DA HUMANIDADE FONTE SELADA DA PUREZA GLORIA DOS REMIDOS LUZ DAS VIRGENS ADVOGADA DOS ACUSADOS BOA MÃE CLEMENTE E BENIGNA COM TODOS CONSOLADORA DOS QUE SOFREM ESPERANÇA DESTE MUNDO FONTE INESGOTÁVEL DE PIEDADE GLÓRIA DAS VIRGENS HONRA DA MULHER ESTÉRIL LUZ DO CEGO MÃE DO GÉNERO HUMANO MÃE DA MISERICÓRDIA MEDIANEIRA DOS HOMENS MODELO DE TODOS NOSSO REFÚGIO PIEDOSA MÃE DO REDENTOR PURIFICADORA DAS CULPAS SALVAÇÃO DO MUNDO VIRGEM BENIGNA VIRGEM FONTE DE PERDÃO MESTRA DE DOÇURA E DE GRAÇA NORMA DO PROCEDER PERDÃO DOS PECADORES PORTO E ESTRELA DO MAR RAINHA DAS VIRGENS SALVAÇÃO DOS HUMILDES SENHORA DA SANTA ESPERANÇA VIRGEM CLEMENTE VIRGEM SERENA

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2 - DIMENSÃO TEOLÓGICA

BENDITA ESPOSA DE DEUS CIDADE DO REI DE JUSTIÇA ESPOSA DO ESPÍRITO SANTO FILHA DO REI MÃE CARÍSSIMA DE CRISTO MÃE DO REI DA GLÓRIA MÃE DO VERBO DE DEUS MÃE NASCIDA DO PAI PORTA SELADA ANTES E DEPOIS DO PARTO RAINHA DE TODA A SANTIDADE SACRÁRIO DO ESPÍRITO SANTO SANTA MÃE DE CRISTO SENHORA DOS ANJOS TEMPLO DO VERBO DE DEUS VASO DA GRAÇA CELESTE VASO ELEITO VASO PREVISTO PELO ETERNO VIRGEM GRACIOSA VIRGEM IMACULADA VIRGEM MÃE GLORIOSA VIRGEM SACRATÍSSlMA VIRGEM SINGULAR BOA MÃE DO DOCE JESUS DELICIOSO TEMPLO DA DIVINDADE ESPOSA DO REI DA GLÓRIA LUZ DAS LUZES MÃE DE DEUS MÃE DO SALVADOR MÃE IMACULADA PIEDOSA MÃE DO REDENTOR PORTA DO PARAÍSO

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RAINHA DOS CÉUS SACRÁRIO DO VERBO DE DEUS SEMENTE DOS SANTOS PATRIARCAS SENHORA DOS ELEITOS DO CÉU TEMPLO ESPECIAL DE DEUS VASO DA VIRTUDE VASO PLENO DE GRAÇA VASO TALHADO PELA MÃO DA SABEDORIA VIRGEM SEM PECADO ORIGINAL VIRGEM MÃE DO NOSSO DEUS VIRGEM PURA VIRGEM SEM IGUAL VIRGEM ÚNICA

3-DIMENSÃO POÉTICA

ASTRO DA VERDADEIRA LUZ AURORA SEM NUVENS DELICIOSO TEMPLO DA DIVINDADE ESPLENDOR DO FIRMAMENTO ESTRELA PERCURSORA FLOR QUE NUNCA MURCHA FONTE SELADA DA PUREZA ALEGRIA VIRGINAL HORTO FLORIDO JARDIM DOS PERFUMES LEITO FLORIDO LÍRIO VIRGINAL LUZ DAS VIRGENS MÃE DA FLOR MÃE DO PÃO MENSAGEIRA DO REI CELESTE

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NARDO ODORÍFERO O SOL DO ETERNO DIA OLIVEIRA FECUNDA PEDRA PRECIOSA PORTO DA PAZ REMÉDIO DO JUÍZO DA LEI ROSA DA PACIÊNCIA ROSA PRECIOSA ROSA PURA TEMPLO ESPECIAL DE DEUS AURORA DO SOL BRILHANTE PORTA DO CÉU EIXO DAS ESTRELAS DO FIRMAMENTO ESTRELA BRILHANTE DO MAR FLOR DA ROSEIRA SEM ESPINHOS FONTE DOS JARDINS FORMOSA OBRA PRIMA HINO DOS ANTIGOS POETAS JARDIM DA VIDA JARDIM FECHADO LÍRIO DA CASTIDADE LUA DA NOITE DO MUNDO LUZ SERENA MÃE DO ORVALHO MAIS FORMOSA QUE O SOL MURTA DA TEMPERANÇA NOBRE REPOUSO DE TODA A TRINDADE OIRO REFULGENTE PALMA FORMOSA PÉROLA REFULGENTE REBENTO DO FRUTO DA VIDA RIO INESGOTÁVEL ROSA DO MUNDO TEMPLO DOS PERFUMES

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4-DIMENSÃO BÍBLICA

BENDITA ENTRE AS MULHERES CONCHA PLENA DE ORVALHO MÃE DO VERDADEIRO SALOMÃO REBENTO DE JESSÉ VARA REAL VELO DE GEDEÃO CHEIA DE GRAÇA ESCRAVA DO SENHOR RAÇA DE DAVID TRONO DO VERDADEIRO SALOMÃO V ARA DE JESSÉ FLORIDA VIRGEM DA ESTIRPE DE DAVID

Percorrendo, mesmo ao de leve, a presente listagem, conclui-se quanto a mariologia tinha avançado. Mais de meio milénio antes das definições dogmáticas, já alguns dos dogmas eram um dado adquirido. A Maternidade de Maria, a Virgindade antes e depois do parto, a Imaculada Concei­ção, a Mediação de Maria, etc., são permanentemente enun­ciadas.

Através destas composições, percebe-se o ambiente re­ligioso que então reinava quando nasceram a Cidade e a Dio­cese de Leiria.

Nes.ta religiosidade mariana, não está ausente a in­fluência de Aveiro. Um século antes de Leiria atingir o esta­tuto de cidade, um acontecimento passou então despercebido às suas gentes.

Em 1453, o flagelo da peste atingiu o litoral aveirense. Um nobre fidalgo, D. Diogo de Ataíde e sua mulher Dona Britiz Leitoa, fugiram do flagelo da peste, com seus quatro filhos, em direcção a Leiria. Mais veloz que ele, a sombra da morte alcançou-o rapidamente: "e pousando e hü seu lugar

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no termo de Leyrea. aprouve ao Senhor Deus dar fim aos dias da vida" (1). A viúva, voltando de novo à vila de Aveiro, aca­bará por fundar aí o Mosteiro de Jesus.

O primeiro rebento a brotar da Comunidade Aveirense foi o mosteiro de Santa Ana, em Leiria.

A condessa de Loulé, Dona Catarina, filha de D. Fernan­do, segundo Duque de Bragança, que era noiva-viúva do 3� Conde de Marialva, D. João Coutinho, morto na batalha de Ar­zila, resolveu optar pela vida religiosa, pelo que pôs os seus bens à disposição de Frei João de Aveiro, Vigário Geral da Ob­servância, para a fundação de um mosteiro, junto das margens do Rio Liz. O papa Alexandre VI concedeu-lhe o Breve papal, em 1494. Só no ano de 1498, terminadas as obras de constru­ção, deu-se início à clausura, nos finais do mês de Março.

As primeiras habitantes do novo mosteiro vieram das bandas da Ria, conforme reza a Crónica do Mosteiro: ((Ho ãno do Senhor de Myll quatrocentos. noventa. oito. sayrõ des­ta Casa de nosso Senhor Jhesu pera Ir fundar E principiar ho moesteyro de sancta Anna de leyria. Cynquo freyras. a sa­ber. a madre Isabel Vaaz. Maria Diaz. Ines Eanes. Catheri­na Pinheyra. Tareja Fernandez dAlboquerque" (2).

Tomou o lugar de Prioresa Sor Maria Diaz, que im­primiu à recém comunidade o mesmo espírito de fiel obser­vância que se vivia em Aveiro. ((Quinze annos viveo, e governou a primeira Prioressa Sor Maria Diaz, com grande louvor de estreita observância" (3).

O facto de a segunda e terceira prioresas serem também do mosteiro aveirense, mais concorreu para que o espírito do

1. Crónica do Mosteiro de Jesus de Aveiro- Foi. 4 r a

2. Ibid., foi. 118 r b

3. Frei Lufs de Sousa, Tomo I, pág. 1134

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Mosteiro de Jesus ficasse inserido na recém comunidade. ''E

com a mesma (observância) se houverão duas companheiras suas, que apoz ella servirão o mesmo cargo, que farão a Ma­

dre Tareja Fernandes d'Albuquerque, e depois Sor Isabel Vaz. Assi sendo companheiras em tudo, farão exemplo de perfei­ção pera as sucessoras" (4).

No Mosteiro de Jesus, a devoção à Virgem estava muito arreigada. Nele se encontra não só o primeiro Ofício Rimado em honra da Imaculada Conceição, como a representação pic­tórica da Virgem Imaculada, na capa de um dos códices, que já mereceu o estudo de Solange Corbin (5).

O Mosteiro de Santa Ana de Leiria, o primeiro fruto de Aveiro, foi, no seu tempo, uma fonte de irradiação do culto mariano, como que preparando os caminhos que haviam de convergir para o Altar do Mundo.

4. Ibid.

(Conferência proferida a 03.04.1995 no Santuário de Fátima no âmbito do ciclo de conferências

"Leiria do séc. XVI ao séc. XX'�

5. CORBIN, Solange- Essai sur la Musique Religieuse Portugaise au Moyen Age (1100-1385) Paris, "Les Letres", 1952 - L'Office de la Conception de la Vierge, a propos d'un manuscrit du XV.eme, du Monastere Dominicain d'Aveiro, Portugal- in Bulletin des Études Portugaises et de L'Institut Français au Portugal, Tome Trezieme, 1949, pag. 105 a 160, Coimbra, 1949 - Les Livres liturgiques- in Arquivo de Aveiro, 1942, Tomo VIII, pág. 308-314.

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FREI JERÓNIMO DA AZAMBUJA: DE PRIOR DA BATALHA

A EXEGETA CONSUMADO

José Nunes Carreira

Em 1545, dois eventos descentrados sacudiram as aten­ções no mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha: ali a dois passos, erigia-se novo bispado, elevando Leiria a sede da mitra e a cidade; ao longe, convocava-se para Trento a assem­bleia magna da Igreja. Se a criação da nova diocese passou ao lado da vida quotidiana do convento, já o turbilhão do Concílio o apanhou em cheio. Vinham de décadas as repercussões da Reforma na comunidade viva e intelectualizada da Batalha. O que seriam as conversas nesse inimitável Claustro Real, as dis­cussões nas aulas de Teologia, as preces públicas e privadas que endireitavam ao céu com as ogivas! Só Deus sabe. Sabe-se, isso sim, que o Concílio levou do mosteiro o seu prior. De Évo­ra, a 4 de Agosto, escreveu D. João III ao seu embaixador em Roma dando conta dos representantes que resolvera enviar a Trento, "pera se acharem presentes no princípio do concilio". Entre eles estava "frey Hieronimo d Azambuja, prior que ora he do mosteiro da Batalha" (os outros eram Frei Jorge de San­tiago e Frei Gaspar dos Reis, todos mestres em Teologia) (!).

Terminava um ciclo na vida de Frei Jerónimo: nascido nos princípios do século, o frade da Azambuja professara em 1520 no mesmo convento da Batalha, ingressando na Ordem de S. Domingos.

1. Cf. S. A. Gomes, "O mosteiro de Santa Maria da Vitória no professorado de D. Frei Bartolomeu dos Mártires", em N Centenário da Morte de D. Frei Bartolomeu dos Mártires: Congresso Internacional. Actas, Fátima 1994, p. 142. A carta, do espólio da Biblioteca da Ajuda, é republicada ibid., pp. 142-143 (do Corpo Diplomático Portuguez, V, Lisboa 1874, pp. 447-450).

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Dir-se-ia que outro ciclo encetava, o da Europa e da in­ternacionalização dos debates e perspectivas. Puro engano: o prior da Batalha, no aconchego da cela, nas aulas ou no púl­pito, era já um "estrangeirado". Depois do Colégio de S. To­más de Coimbra (entrada a 8 de Dezembro de 1525), os estudos levaram-no a Lovaina (onde está matriculado em 1536). Aqui respirou Frei Jerónimo o humanismo triunfante e limou o instrumental linguístico (latim, grego e hebraico) que faria dele o primeiro grande exegeta cristão português.

I- A entrada em Trento (5 de Dezembro de 1545) é que esteve longe se ser triunfal. Aberto o Concílio a 13 de De­zembro, Frei Jerónimo da Azambuja teve ocasião de se apre­sentar na congregação de 18 seguinte. O legado, que se adiantara na viagem aos companheiros, apresentou e leu as credenciais del-rei: "Pareceu bem à congregação que se les­sem então as cartas". ( . . . ) Lidas estas, o mesmo dominicano pediu para ser entretanto admitido a falar em nome do seu rei nas congregações e outros actos públicos do Concílio" (2), como julgava depreender-se dos memoriais apresentados, um deles "escrito na língua materna dos Portugueses (quo­rum memorialium alterum caput materna Portugalensium língua conscriptum legit patribus") (3). Gorou-se todavia a expectativa e com um argumento nada lisongeiro para o

2. "Placuit congregationi ut littere ipse tunc legerentur ( ... ). Quibus lectis petiit idem Dominicanus loco regis sui se tantisper in congregationibus et aliis actibus 'ad concilium' spectantibus admitti .. . ". EHSES, Concilium Tridentinum, Actorum, epistularum, Tractatuum nova collectio (CT), I, Friburgi Brisgoviae 1965, p. 7; cf. ibid., 53, 381; IV, 1964, pp. 438, 543.

3. Deve tratar-se da Carta de D. João III aos padres do Concílio de Trento, sem data mais precisa de 1545, do espólio da Torre do Tombo (ANTT, Gavetas 2, mº 3, nº 44, 3º), republicada por A. S. Gomes, o. c., p. 144 (do Corpo Diplomático Portuguez, V, Lisboa 1874, pp. 450-451).

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prior da Batalha (4) - achavam o legado de pouca valia pa­ra rei tamanho, como nota Severolo, que nem se dá ao incó­modo de identificar o "quidam frater Dominicanus": "Pareceu a todos que não fosse admitido em nome do rei, se não demonstrasse o mandato de outra maneira, até porque parecia pouco verosímil que rei tamanho quisesse que um homem tão pouco representativo (tam privatus) ocupasse o seu lugar em tão magna assembleia" (5). Faltava uma procu­ração em forma, como se depreende de uma carta do embai­xador na corte pontifícia, Baltasar Faria, a D. João III (de 12 de Janeiro de 1546): " . . . recebi hüa carta do padre frey Hye­ronimo d Azambuja de Trento, na qual me diz como os lega­dos lhe perguntarão se trazia procuraçam de Vossa Alteza, e como elle respondera que não: somente aquella carta de credito que lhes dera, que todavia elles lhe dezião ser neces­saria porque o mesmo faziam todos os outros príncipes" (6). E , não fizesse o embaixador orelhas moucas às angústias protocolares dos legados portugueses, Frei Jerónimo manda missiva a el-rei (5 de Fevereiro de 1546), contando a peno­sa situação: "Nos ategora não fomos chamados nem pera con­sultar nem pera determinar ... " E juntavam-se carências de outra ordem: "Quanto a nossa provisão bem ve Vossa Alteza que nos nom avemos sempre de manter com o que trouxe­mos, e as cousas vallem muito caras caa e certo que gasta­mos com muita provisão e consciencia tanta que as vezes he

4. Cargo que Frei Jerónimo da Azambuja mantinha em Trento; cf. S. A. Gomes, o. c., p. 65, n. 27.

5. "Placere tamen videbatur omnibus, ne is nomine regis admitteretur, nisi aliter de mandato doceret, quippe quia verisimile parum videbatur, tam magnum regem velle, ut tam privatus, quam ille est, locum sum in am magno consessu teneret".

6. ANTT- Corpo Cronológico, Parte I, nº 104, doe. 59, republicada por A. S. Gomes, o. c., p. 144 (do Corpo Diplomático Portuguez, VI, Lisboa 1884, p. 2).

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tacha. E de mim sei dizer que vim de Roma com cavalos alu­gados porque ambalas bestas que trouxe me faltarão no ca­minho e ategora nom merquei besta porque se a comprara nom tivera de comer". (7)

Modesta foi a intervenção do "quidam frater Dominica­nus" nas congregações dos teólogos menores. Na discussão sobre a Vulgata esteve mudo, que as Actas da famosa sessão de 20 de Fevereiro de 1546 nada referem. Discursou com grande conhecimento de causa, mas sem repercussão de maior, sobre ajustiça imputativa e a certeza da fé a 16 de Ou­tubro de 1546 (8), sobre os sacramentos a 22 de Outubro de 154 7 (9) e sobre a eucaristia a 3 de Fevereiro de 1548 (1°).

Regressado a Portugal e recusada a mitra de S. Tomé, foi censor dos livros (até 1552), inquisidor (até 1560) e final­mente provincial da sua Ordem (eleito em 1560), vindo a morrer em 1563.

Deste curriculum salientam os historiadores a participa­ção no Concílio (11) e a actividade inquisitorial que por pouco não

.transforma um cursus honorum em cursus inhonorum (12).

Mas não foi Trento que fez de Frei Jerónimo da Azambuja um homem grande. Tão-pouco os cargos exercidos após regresso

7. S. A. Gomes, o. c., pp. 146-147. 8. CTV, 546. 9. Ibid., p. 851.

10. Ibid., p. 873; sobre a actividade tridentina de Frei Jerónimo cf, A. VILELA, "Um exegeta português do Concílio de Trento: Oleastro. No quarto centenário da sua morte (1563-1963)", em Brotéria 78 (1964) 17-19.

11. J. VERÍSSIMO SERRÃO, História de Portugal, IV (1495-1580), 2ª ed., Lisboa 1980, p. 53.

12. Cf. A. HERCULANO, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Lisboa 1976, III, 287. A. BORGES COELHO, Inquisição de Évora. Dos primórdios a 1669, I, Lisboa 1987, pp. 48 e 56 limita-se a referir a data de tomada de posse como inquisidor de Évora (2-10-1552) e a sua subordinação ao inquisidor-geral, Cardeal D. Henrique.

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à pátria. Passou a intervenção numa forma de sociedade que durou o que tinha a durar e acabou (Inquisição). Ficou a in­tervenção cultural, os livros que dão ao autor um estatuto de imortalidade, como já reconhecia o sábio egípcio do tempo dos Ramsés: desmoronam-se os túmulos arruinados e cessa o cul­to fúnebre até das personagens mais famosas; mas dos ho­mens de letras, "por causa dos livros que. escreveram enquanto viviam, é mencionado o seu nome. Boa é a memó­ria do seu autor até toda a eternidade" (13). É o caso de Frei Jerónimo da Azambuja, conhecido internacionalmente pelo topónimo alatinado de Oleastro ("ab Oleastro", "da Azambu­ja"). Nos princípios do século XVIII, ainda era "tradição cons­tante entre os Religiosos Dominicanos desta província de Portugal, que indo o insigne Oleastro para assistir nas Mati­nas da festa do Natal pedira à comunidade o ajudasse a ren­der graças a Deus por ter concluído o Comento a toda a Sagrada Escritura de cujo precioso trabalho se perdeu gran­de parte com grave detrimento dos escriturários." (14)

Que diria hoje Barbosa Machado! Perderam-se ainda os Commentaria in Psalmos (15) , que se encontravam no con­vento dominicano de Bolonha, onde o autor os escrevera a quando da segunda fase do Concílio; os Commentaria in !e­remiam et duodecim Prophetas Minores, que se guardavam, escritos e firmados pela mão do autor, na biblioteca do con­vento de S. Domingos de Lisboa; os Commentaria in N li­bras Regum (16) . . . todos dados como existentes à data da primeira edição da Biblioteca Lusitana (1710). Salvou-se,

13. Papiro Chester Beatty IV (verso); versão alemã de H. BRUNNER, Altagyptische Weisheit. Lehren für das Leben, Darmstadt 1988, p. 225.

14. D. BARBOSA MACHADO, Biblioteca Lusitana, Lisboa' 1933, p. 444.

15. Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra existe uma apostila sobre os Salmos (ms. 1022).

16. Cf. A. Vilela, o. c., pp. 19-21.

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todavia, o suficiente para impor o Oleastro como um dos grandes exegetas de todos os tempos: os comentários ao Pen­tateuco, estampados separadamente em Lisboa (17) e reuni­dos num só volume na mesma cidade em data incerta (18), e com duas edições em Antuérpia (1568 e 1569) e Lião (1586, 1588), com o habitual título prolixo: REVERENDI PAtris Fratris Hieronymi ab Oleastro Lusitani, Praedicatorii Dr­dinis, ac sacrae THEOLOGIAE PROFESSORIS ATQVE HAEreticae prauitatis apud Inclytam Olyssiponem lnqui­sitoris Commentaria in Mósi Pentateuchum, iuxta M. Sane­tis Pagnini Lucensis eiusdem Ordinis interpretationem, quibus Hebraica veritas exactissime explicatur, & quae ad morum compositionem aptari possunt, ex ipsius literae pe­netralibus seorsum annectuntur. Opus sane, & doctis, & in­doctis usui futurum (19); e os póstumos ln !saiam Prophetam Commentarii, Paris 1622, 1656 (agora com o título: !saias inter maiores prophetas).

17. Commentaria in Genesim, Lisboa 1556; Commentaria in Exodum, Lisboa 1557; Commentaria in Leuiticum, Lisboa 1557; Commentaria in librum Numerorum, Lisboa 1557; Commentaria in librum Deuteronomii, Lisboa 1558. Para além do Comentário ao Génesis, todos se conservam na Biblioteca Nacional de Lisboa.

18. É obviamente falsa a data de 1556 estampada no rosto dos Commentaria in Mos i Pentateuchum da oficina de João Barreiro, pois só no ano seguinte sairiam a lume os comentários ao Exodo, Levítico e Números, completados em 1558 com os Commentaria in librum Deuteronomii. Aliás, cada um destes livros mantém rosto e paginação original, como tinham saído dos prelos de outro tipógrafo, João Blávio, de Colónia.

19. Antuérpia, 1658, 1569. Cito a edição de 1569, Antuérpia, ln aedibus Viduae et Haeredum Joannis Steltii, que só na indicação do ano, no rosto, difere da de 1568. As edições de Lião têm por título: COMMENTARIA

lN PENTAEUCHUM MOS!, HOC EST, lN QVINQVE PRIMOS BIBLIORVM LIBROS. Quibus iuxta M. Sancti Pagnini Lucensis, ordinis Praedicatorum, interpretationem, Hebraica veritas cum ad genuinum Literae sensum, tum ad mores informandos, ad unguem enucleatur. A R.

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Não é esta a ocasião azada para análise minuciosa­matéria bastante para uma ou mais dissertações de douto­ramento -, nem sequer de um capítulo de qualquer das obras. Nem é possível explicar todos os grandes princípios di­rectores, enunciados no prefácio com toda a ênfase e expla­nados nos dezasseis cânones que servem de pórtico ao comentário, "utilíssimos para leitura e conhecimento mais claro (lucidiorem) das Sagradas Letras". Para quê sobrecar­regar os ouvintes com minúcias de filologia, gramática e se­mântica hebraicas?! Bastem-nos dois pontos.

II- Princípio basilar da interpretação é captar o con­teúdo sem curar demasiado da forma, difícil de atingir nu­ma época em que "& latinissima, & limatissima esse oportet, quae in lucem prodeunt" - "o que se publica tem de ser la­tiníssimo e limadíssimo". Interpretar é dar o "sentido ver­dadeiro" do texto, como quem quer chegar a Moisés e não a Cícero ( 2°). O que exigia regressar às fontes - o "fons He­braicus", o "Hebraicus contextus", a "hebraica veritas"- e aos que melhor as expunham, como o dominicano de Luca Sanctes Pagnini (21), autor de nova versão latina. Era este

P. FRATRE HIERONYMO AB OLEASTRO, eiusdem Praedicatorii ordinis Sacrae Theologiae Professore, & Hereticae prauitatis in vrbe celebre Olyssipone Inquisitore, in lucem edita. Opus quidem per vtile & per necessarium, non tantum gnatis & industriis, verum etiam iis qui sacrae Scripturae lectura oblectantur. LVGDVNI, APVD PETRUM LANDRI, MDILXXXVI/MDILXXXVIII.

20. J. DA AZAMBUJA, Commentaria in Pentateuchum, Prefácio: "Qui enim ornatum sermonem diligunt, Ciceronem quaerant, non Mosem ... in sacris Jiteris non tam verborum ornatum, quam literae genuinum sensum quaerimus".

21. " ... quare omissa vulgata editione, Sanctis Pagnini Lucensis versionem exponere maluimus. Cuius rei causam paucis accipe. Scito nostri instituti esse, non aliquem Interpretem qui an literae mentem in omnibus sint

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guia e farol do confrade português, que em caso de conflito seguia o lema antigo- "amicus Plato sed magis amica ve­ritas": "É isto, leitor piedoso, que nos leva a interpretar a verdade hebraica, deixada a aliás muito recomendável edi­ção vulgar. A verdade é que em muitos lugares nos afasta­mos de Sanctes - ou quando nos parecia estar outra coisa na verdade hebraica ou poder dar-se outro significado às pa­lavras" (22).

Era óbvio que não se atingia tal meta sem conhecimento profundo das línguas originais. Se a Sagrada Escritura foi re­digida substancialmente em hebraico e grego (Oleastro passa por cima dos poucos capítulos de original aramaico), há que ser "perito" nessas línguas para a poder interpretar. Pois exis­tem "idiomatismos e maneiras de dizer que dificilmente ou só de modo impróprio se podem traduzir noutra língua por quem as ignora" (23). A boa interpretação, diz noutro passo, tira-se "de sentidos que dependem da perícia das línguas", da "natu­reza do nome e verbo hebraicos" e "do modo de dizer", "não de

assecuti, nescio sed contexturn ipsurn hebraicurn, quantum rnihi possibile fuerit, explicare. Et quod non ornnes Hebraice sciunt, & haec Sanctis nostri editio coeteris omnibus quos videre licuit germanius Hebraicum {ontem referre videtur, eam prae caeteris interpretandarn delegirnus, non taro illarn quarn in ea Hebraicurn contexturn interpretantes" (ibidem). Sublinhei o texto riscado à mão na edição que venho citando (BNL R 7096 A).

22. Para o fim do "prefácio ao leitor": "Haec ergo sunt pie Lector, quae nos omissa vulgata editione rnultis rnodis cornrnendabili, ad hebraicarn veritatern interpretandam irnpulére. Verurn in rnultis etiarn locis a Sancte discedirnus: aut vbi nobis aliter videbatur in hebraica veritate haberi, aut verba in alia significatione interpretari posse."

23. Assim o primeiro cânone, a abrir a série: "Ad Sacrarurn literarurn intelligentiarn conquirendarn, apprirne necessaria est linguarurn Hebraicae videlicet, & Graecae, quibus a suis autoribus prirnurn editae sunt, peritia, quod unaquaeque lingua sua habeat idiornata, & loquendi phraseis, quae vix, aut improprie in alias linguas transferri possunt, aut ab eo, qui eas ignorat: intelligi."

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revelações" (24). E volta à carga na exegese: "E a partir daqui e de muitos outros lugares depreenderás quanta luz traz a pe­rícia das línguas à compreensão do sentido genuíno da Sagra­da Escritura" (25). Se a "perícia" dá conforto, a ignorância das línguas originais "foi a causa de muitos Padres antigos, aliás doutíssimos e engenhosíssimos, não terem alcançado o senti­do genuíno da Sagrada Escritura". Segue, pois, o meu conse­lho e aprende essas línguas: "Quamobrem, si meo vtaris consílio, his linguis discendis operam dabis" (26). O que, para além de não se poder considerar perda de tempo, não é tão ár­duo como parece à primeira vista, pensa Azambuja com a in­genuidade do génio (27): "Parum enim tempore, & minore labore ex eis discere potes, quo natiuum (?) contextum (si In­trepreti diffidas latino) consulas"- "Em pouco tempo e me­nos trabalho, podes aprender delas a consultar o contexto original (nativo), sempre que desconfies do tradutor latino".

O hebraico tinha de se aprender no contexto mais vasto do que nos fins do século XVIII A. Schõlzer baptizaria de lín­guas semíticas, reduzidas na Idade Média e Renascimento a

24. Ibid., p. 81: "Dico me loqui de his sensibus, qui ex linguarum peritia pendent, non de reuelationibus. Si enim sententiae cognitio, ex modo loquendi pendet, quomodo eam cognoscere potest, qui illius scientiae peritia destitutus est?" ("Quorundam locorum explicatio, in qvibus pius Lector haerere potest, in nostris scholiis in Genesim").

25. Ibid., foi. 148 v (ad Lv 1,3); cf. A. A. MARTINS MARQUES, "A obra exegética de Fr. Ferónimo de Azambuja: Breve comparação dos comentários", em Theologica, II Série, 1 (1966) p. 133. Este estudo, o mais exaustivo até hoje, estende-se pelas pp. 123-150; 293-327.

26. J. DA AZAMBUJA, Pent., cânone 1.

27. Faz lembrar W. F. Albright sobre a aprendizagem do alfateto hebraico no antigo Israel: "The 22 letter alphabet could be learned in a day by a bright sudent and in a week or two by the dullest", cit. por B. LANG, "Schule und Unterricht im alten Israel", em M. GILBERT (ed.), La sagesse de l'Ancien Testament, 2º ed., Leuven 1990, p. 190.

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hebraico, aramaico (a que chamavam caldaico) e árabe. Para isto s

.e chama a atenção logo no segundo cânone. É que mui­

tos vocábulos hebraicos são tão desconhecidos de nós como dos próprios judeus e nem sequer se entendem a partir do contexto. Por isso se tem de recorrer por vezes ao árabe e ao aramaico. Já assim tinham feito gramáticos hebreus, nomea­damente David Kimhi nas suas Raízes, que confessa a pro­pósito do significado de 'ahab': "Ignoravam os nossos mestres que coisa fosse Iehabecha, mas ouviram uma mulher árabe dizer ao seu marido Sachól Iehabích, ou seja pesa a tua car­ga. Donde ficaram a saber que aquele vocábulo significava carga. O mesmo diz Rabi Aqiba a respeito do vocábulo Ches­sitáh, que, ao que julga, significa 'moeda'. Ao dirigir-se à Ará­bia ouviu-os chamar chessitáh a uma moeda. Também muitas coisas se interpretam nas Letras Sagradas pelos sig­nificados que a paráfrase caldaica lhes atribui." (28)

Não era de ontem ou anteontem esta consciência. Já o concílio de Viena, argumenta o exegeta, ordenara que nas es­colas públicas se ensinassem as "línguas aramaica (caldaica), hebr�;tica e árabe" e que os peritos nessas línguas traduzissem para fatim "livros hebraicos, aramaicos e árabes" (29). Mas es-

28. J. DA AZAMBUJA, Pent., cânone segundo: "Quod vero ab Harabicis significationes vocabulorum aliquando (Hebraei) mendicent, ex verbis Dauid Chimhi in suis radicibus cognoscere licebit: vbi de significatione verbi (haháb) sic dicit. Nesciebant magistri nostri quid esset (lehabecha) sed audierunt mulierem Harabem dicentem viro suo (Sachól Iehabfch) id est, libra onus tu um. Vnde didicerunt vocabulum iii um onus significare ... " Entre os nomes diffceis contam-se os de alimentos e animais de Lev 11 e os de pedras preciosas e árvores de Gn 2.

29. lbid., p. 178 ("Quorundam locorum"): " ... praecipitur, quod in publicis gymnasiis sint magistri, qui linguam Chaldaeam, hebraicam, & arabicam doceant, quos necesse est eas línguas in latinum aut alium sermonem interpretari, vbi etiam dicitur, huiusmodi peritos debere Hebraeos, Chaldaeos, & Arabicos libros im latinum interpretari."

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tava longe de ser pacífica esta opção pela "hebraica veritas", pois equivalia a passar uma esponja sobre todas as acusações de corrupção intencional do texto hebraico e levava ao apro­veitamento da investigação gramatical e filológica, quando não da própria exegese, dos rabinos.

A primeira objecção dá Azambuja uma resposta serena, num trecho tão importante (até por ter causado engulhos à censura inquistorial espanhola) que valeria a pena citá-lo integralmente.

São dois os argumentos invocados contra a acusação de que não há um único texto hebraico não corrompido: a) Só se­riam de admitir lições intencionalmente viciadas nos trechos messiânicos aplicados a Cristo pela interpretação cristã. Ora o texto hebraico e a Vulgata diferem em muitas passagens que nada têm a ver com o Messias, como Gn 48, 7 onde a Vul­gata lê Erat enim vernum tempus, "estava-se na Primave­ra", sem correspondente no texto hebraico e Gn 8, 7 com o corvo a sair e "não" regressar na versão latina, afirmando o hebraico que "regressava". b) Não se deveriam considerar os judeus contemporâneos mais hostis à Igreja do que os do tempo de S. Jerónimo. E se todos os exemplares hebraicos es­tivessem corrompidos no século rv, o santo homem não po­deria fazer versão latina fidedigna. A partir de um texto viciado só poderia traduzir uma "Escritura corrompida". (3°)

30. Ibid., "Ad Lectorem ... praefatio": "Neque mihi obiicias exemplaria hebraica omnia a ludaeis esse vitiata. Si enim in solis locis illis, quibus nobis cum eis negotium est, qualia sunt illa, quae Christi mysteria tractant, hebraica veritas a vulgata dissentiret editione, facile crede rem eos ibidem hebraica corrupisse. Cum autem non sol um in illis sed in aliis, quibus inter nos & illos nihil controversiae est, hebraica a latinis discrepare videamus, paesentissimum mihi signum est, eos sua bíblia non vitiasse. Quod vero in eiusmodi locis ab eis dissentiat, manifestum est. Atque (ut e pluribus pauca proferamus in medium) illud quod Gen. 48. habetur, tibi exemplo sit, vbi in vulgata editione habetur. Erat enim vernum tempus (48, 7),

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Se a primeira objecção é arrumada com ironia- "confes­so ingenuamente a minha ignorância" sobre o significado cris­tológico do regresso ou não regresso do corvo à arca de Noé ou do "tempo primaveril"-, a segunda por pouco não faz per­der a paciência e a compostura. A acusação de um "quidam Doctor"- que o exegeta citava abertamente os rabinos a quem Cristo negara conhecimento das Escrituras- seria mais aceitável se feita directamente ao próprio e não fosse "instilada" "aos ouvidos do príncipe e nas esquinas". Mas o convite à correcção fraterna depressa explode em perguntas retóricas: "Diz-me, bom homem: Se se discutir um vocábulo grego, a quem vamos pedir o significado senão aos Gregos? O mesmo se diga das línguas francesa, italiana ou espanhola. Cito--os (aos rabinos) quando se duvida dos significados de expressões hebraicas, embora saiba que eles ignorem mui­tas, colho advertimos num dos cânones. Se se fala da expli­cação de algum lugar duvidoso, não é de admirar que por vezes também se citem e aceitem as suas interpretações. Por­quanto, embora sejam cegos radicais no que toca aos misté­rios de Cristo, não o são nas outras questões em que o sentido depende dos significados" (31). E mais uma vez remata com o exemplo de S. Jerónimo: "Hieronymus etiam dic mihi, quos

Quod in hebraica veritate nusquam est. Similiter illud Gen. 8. quo loco vulgatus interpres de coruo dicit. Egrediebatur, & non reuertebatur (8, 7), hebraica habent. Egrediebatur, & reuertebatur. Quibus in locis quid mysterii Christi contineatur, me ignorare ingenue fateor. Ad haec. Non puto Iudaeos huius temporis plus nunc ecclesiae adversari: quam Divi Hieronymi temporibus: quibus, ne !ex, & legis ceremoniae perirent, maxime certabant. Cum vero tunc non omnia exemplaria hebraica essent corrupta, alioqui vir sanctus non invenisset exemplar hebraicum: ad cuius fidem nobis transferret editionem, alias non puram, sed vitiatam, iuxta exemplaris corruptionem nobis tradidisset scripturam. Colligo igitur non omnia nunc exemplaria hebraica a Iudaeis esse vitiata."

31. Ibid., foi. 80v ("Quorundam locorum explica tio").

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iudices, in controuersiis appellet? Nonne Iudaeos?"- "Diz­-me lá para que juízes apela S. Jerónimo nas controvérsias? Não é para os judeus?" Basta ouvi-lo nos vários prólogos: no Primeiro Livro das Crónicas confessa ter recorrido a um mes­tre de Tiberíade; em Job fala no "preceptor de Lida que se fi­zera pagar bem- "non paruis redemisse nummis"; e aí como em Esdras só conhece uma caminho para tirar teimas: "inter­roget Hebraeos", "interrogent Hebraeos". Do mesmo modo no prólogo Galeato: remete para os códices gregos, manda con­feri-los com "estes opúsculos" e, em caso de discrepância, "in­terroga quemlibet Hebraeorum". No prólogo de Tobias, confessa ter ouvido um "hebreu peritíssimo" e "loquaz" reci­tar o livro, que o romano expatriado verteu do hebraico para latim no espaço de um dia. Fico espantado, conclui o exegeta de Lisboa, se não me é lícito "ao menos citar" os Hebreus, quando S. Jerónimo nada interpreta sem eles (32). O eloquen­te exemplo do tradutor da Vulgata dispensava o paralelo de

32. Ibidem: "Audi eum in prologo prioris libri Paralipomenon. Cum a me nuper flagitassetis Jitteris, vt vobis Paralipomenon, latino sermone transferrem: de Tiberiade, quendam legis doctorem, qui apud hebraeos admirationi habebatur, assumpsi, & contuli cum eo, a vertice vt aiunt, usque ad extremum unguem, & sic confirmatus ausus sum facere, quae iubebatis. Et post pauca subdit. Si quis in hac interpretatione voluerit aliquid reprehendere, interroget Hebraeos. ln prologo etiam Galeato, audi quid dicat. Si inquit incredulus es, lege Graecos codices, & confer cum his opusculis, & vbicumque discrepare inter se videris: interroga quemlibet Hebraeorum, cui magis accomodare debeas fidem, & si nostra firmaverit, pu to quod non me aestimes coniectorem, vt in eodem loco, mecum similiter diuinarit. Item in prohemio Esdrae, vide quid dicat. Quid interpretem laniant? lnterrogent Hebraeos, & ipsis auctoribos, translationi meae vel arrogent, vel derogent fidem. Similiter in praefatione in Iob audi quid dicat. Memini me, oh huius voluminis intelligentiam, Lydeum quendam praeceptorem, qui apud Hebraeos primus habebatur: non paruis redemisse nummis. Et in prologo Thobiae dicit, se loquacem quendam Hebraeum reperiise peritissimum, & vnius diei labore arrepto,: quidquid ille hebraice expressit, se aceito notaria, sermonibus latinis exposuisse, &

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Nicolau de Lira, mesmo assim aduzido supletoriamente: tam­bém este recorreu aos Hebreus, sobretudo "ao que entre eles falou mais razoavelmente", ou seja, Rabi Salomão (33).

III- Outra questão quente era a Vulgata. Que se reti­rasse a Moisés a autoria do Pentateuco integral (e Oleastro fê­-lo) não parece ter perturbado ninguém. Outro tanto não de pode dizer da atitude do Oleastro frente à Vulgata, pura e sim­plesmente posta de lado em favor da "hebraica veritas" e da sua mais recente versão latina por Sanctes Pagnini. Razões para a opção tinha-as o exegeta de sobra. Havia o argumento da história e da autoridade: ninguém se poderia escandalizar por se abandonar a versão latina tradicional, se o papa S. Dâ­maso não se escandalizou de encomendar a Vulgata a S. Jeró­nimo para substituir uma versão latina- a Vetus Latina­por outra mais próxima da "verdade hebraica"; se Paulo IV en­comendara recentemente a revisão da Vulgata a "homens ca­tólicos peritos em línguas"; se Santo Agostinho escrevia a S. Jerónimo que se emendassem os livros do Antigo Testamento pelo original hebraico e os do Novo pelo grego, não ficasse a Escritura reduzida a uma "mentira oficiosa" (34). Nem se devia atribuir qualquer espécie de infalibilidade a S. Jerónimo, "ho­mem e não profeta", que algumas vezes emendou a sua versão.

multis aliis locis, haec eadem apud eum offendes, que nos causae breuitatis ommitimus. Mirum ergo videtur, quod Diuus Hieronymus, nihil audeat interpretari, inconsultis Hebraeis, & eorum suppetias totiens expetierit, nobis vero non liceat eos saltem citare."

33. Ibid., foi. 81.

34. J. DA AZAMBUJA, Pent., prefácio: "Neque id timeo quod muitos timere video, magnum videlicet futurum scandalum, si vulgata editio nunc iuxta veritatem hebraicam emendetur, quippe qua ecclesia tot iam seculis vsa est. Quoniam hoc scandalum beatissimo Damaso Papae pertimescendum erat, qui Diui Hieronymi tempore rexit Ecclesiam, ne olim permitteret,

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Outro motivo era a corrupção da Vulgata nas vicissitudes da transmissão textual: "saeculum pro sacu1o" (Prov. 14: na realidade, 16, 11), "fontem pro fortem" (8126; 42/41, 3), "Exul­tationes pro Exaltationes" (81149, 6), "malitia pro militia" (Is 40, 3), entre os erros que aponta no prefácio. Mais valia seguir o texto hebraico do que perder um tempão a corrigir a Vulga­ta, que, mesmo assim, não ombreava com o original (35).

Frei Jerónimo, que estudara em Lovaina e assistira em Trento às acaloradas discussões que precederam proclama­ção da autenticidade da Vulgata, devia imaginar o vespeiro em que se ia meter. A polémica estalara efectivamente em Lovaina meio século atrás, quando Erasmo decidiu publicar (1505) as Adnotationes in Nouum Testamentum de Louren­ço Valia; aquecera em Trento, com uns Padres a seguir o ca­minho defendido pelo humanista italiano e pelo seu editor flamengo - crítica textual, filologia, recurso às fontes - e outros a defender a divina inspiração da versão latina; che­garia ao rubro na Península Ibérica dos fins do século XVI

ne dicam imperaret, vulgatam editionem, iuxta hebraicos fontes emendari. Cum vero constet eum huiusmodi scandalum non curasse, sanctum existimans veritatem opinionibus vulgi praeferre: sequitur nunc nullum incommodum esse, si sanctissimus Dominus noster Paulus quartus Pontif. Max. prouinciam hanc viris Catholicis, & língua rum peritis, qui hoc facile et incorrupte praestare possent: demandaret. Est etiam ad hoc aperta Augustini sententia, in epístola ad Hieron. & habetur dis. 9. vbi August. dicit sic. Quemadmodum veterum librorum fides, ad hebraea volumina examinanda est, ita nouorum veritas graeci sermonis normam desiderat. Si enim (vt ille ait) ad scripturas sacras admissa fuerint officiosa mendacia, quid in eis remanebit autoritatis?"

35.lbidem: "Feci enim hoc, ne quod multis male cessisse vídeo, mihi accideret. Qui dum frequentissime vulgatam editionem in suis commentariis castigare volunt, dicentes, sic, aut aliter in Hebraeo haberi, & lectorem remorantur, & illi perpetuo fastidio sunt. Qui meo quidem iudicio consultius facerent, quando vulgata non placet, aliquam ex vulgatis, quam exponerent, deligere: ne in corrigenda veteri totam operam absumerent:

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- princípios do século XVII, a ponto de se apelidar a contro­vérsia de "spagnolismo" (Bonnacorsi) (36).

À cautela e "per transenam", o exegeta foi crismando a "edição vulgar" de "aliás muito recomendável" (37). Quis pre­caver-se das "línguas dos mordazes e detractores, que mes­mo agora cremos não faltarem" dedicando o Comentário ao Génesis ao Cardeal D. Henrique (38). Mas nem assim evitou todos os sarilhos. O mesmo "quidam Doctor" que o acusava de citar os rabinos, reprovou-lhe a ofensa a Trento. Mas quem era ele, que assistira ao parto do decreto, para o não seguir ou interpretar mal?! "Desejaria que o homem visse primeiro as palavras do sínodo, antes de censurar. E estas são: 'Além disso, o mesmo sacrossanto Concílio, consideran­do que não pouca utilidade poderia advir à Igreja de Deus, se de todas as edições latinas dos Livros Santos que por aí circulam se reconheça qual se deva ter por autêntica, decre­ta e declara que esta mesma antiga e divulgada (vulgata) edição, que foi consagrada pelo uso na mesma Igreja ao lon­go de tantos séculos, seja tida por autêntica nas lições, dis­cussões, pregações e exposições públicas; e que ninguém a ouse ou presuma repudiar, seja a que pretexto for.' Onde vês que o santo Concílio não proíbe interpretar outras, mas man­da ter-se (aquela) por autêntica nas lições públicas, e que

& tem pus ad meliora lectori relinquerent". Riscado nas edições de Lisboa e Antuérpia, este trecho manteve-se nas de Lião.

36. Cf. A. A. MARTINS MARQUES, o. c . , pp. 293-297.

37. J. DA AZAMBUJA, Pent., "Ad Lectorem", a encerrar: "omissa vultata editione multis modis commendabili."

38. "Praevaluit hic mos (clarissime Princeps, ac Christianissime Praesul) vt qui alicuius momento libros in lucem essent edituri, tutelarem aliquem Deum eligerent, qui recentem foetum a mordentium, & detractorum linguis (quas nunc non deesse credimus) sua autoritate, & patrocínio tueretur."

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ninguém a rejeite. Nós, porém, embora interpretemos outra, temo-la por autêntica, sem a rejeitar em algum lado; antes, a aprovamos em muitos lugares, como já explicámos no câ­none primeiro e no prefácio ao leitor." E prossegue mais abai­xo, meio azedo: "Por que razão não nos será lícito o que foi a muitos?" E nestes inclui explicitamente o Cardeal Caetano, Erasmo, Campense, Vatable.e "muitos mais". "A própria edi­ção de Sanctes, continua, não se imprimiu sem beneplácito e licença dos Pontífices. Vêm dois diplomas no início da obra, um de Clemente VII outro de Adriano VI, em que o exortam e lhe concedem a faculdade de editar. Por isso, a ninguém deve desagradar se fazemos o que a ninguém foi vedado e que homens tão graves fizeram antes de nós" (39).

Não fora a sombra tutelar discreta do Cardeal D. Hen­rique e o apoio explícito de grandes nomes da Teologia e da cultura do seu tempo (40), para além do estatuto de Frei Je­rónimo na Inquisição, e talvez estes arrazoadas claros e sen­satos não travassem a oposição às ousadias exegéticas. Certo é que, morto o autor, a obra foi expurgada- ironia do desti­no!- pela Inquisição. Conserva-se na Biblioteca Nacional de Lisboa um exemplar da edição de 1556 (41) com decretos e datas, exarados à mão, aparentemente das próprias autori­dades censórias. Censores oficiais ou críticos por conta pró­pria semearam a introdução de advertências adicionais. "Hic autor scripsit ante Cone. Triden." anotou uma caligrafia pri­morosa no verso do rosto do mesmo exemplar. E ao fundo da p. 32: "Caute legendum in hac editione ubi auctor serpenti

39. lbid., foi. 80v ("Quorundam locorum").

40. O Comentário ao Exodo vem precedido de uma carta de D. Jerónimo Osório ao autor (ibid., foi. 82v) e do prefácio ao leitor do teólogo Jerónimo de Brito (ibid., foi. 83).

·

41. Commentaria in Mosi Pentateuchum, BNL, Res 3138 V.

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tribuit quemdam rationis usum et facultatem naturalem ser­monis, quod postea idem auctor (sic) merito sane sententiam retractauit in posteriori Lugdunensi" . . . "Deve ler-se com cau­tela nesta edição, onde o autor atribui à serpente algum uso da razão e capacidade natural de falar, coisa que o mesmo autor devidamente retratou depois, na edição postrerior de Lião . . . " Como se Azambuja, entretanto falecido, fosse o autor das correcções de Lião! A maior vítima foi o prefácio ao lei­tor: as passagens referentes à impossibilidade de todas as bí­blias hebraicas terem sido corrompidas pelos rabinos (42) e às razões de deixar a Vulgata ou foram riscadas a preceito (no BNL, Res 3138 V), a ponto de não se ler uma única letra, ou talhadas sumariamente a golpes de tinta, deixando o texto nefando a espreitar (43). Quase todas aos correcções a tinta coincidem com os cortes das duas edições de Lião, aqui com a chancela do inquisidor espanhol (44). Que nem assim fica­ram descansados os guardiães da ortodoxia, vê-se pelos sub­sequentes determinações, anotadas religiosamente em exemplares de todas as edições (45). Aí ficaram as tabuletas

42. Cf. n. 30 supra.

43. Exemplar com a cota R 7110 A (Antuérpia 1569) da Biblioteca Nacional de Lisboa. Intactas estão Res 1015 (Lisboa 1556), R 7098 (Antuérpia 1568) R 7096 (Antuérpia 1569). Em dois exemplares das Bibliotecas Municipais do Porto e Braga "encontram-se esses textos irreconhecíveis, impiedosamente riscados por mãos 'ortodoxas"' (A. VILELA, o. c., n. 6 supra, p. 23.

44. "Recens (na 2ª ed. SECVNDA) Operis editio, mendis omnibus, quibus antea scatebat, expurgata, & reformata iuxta indicem expurgatorium amdato illustriss. & Reueren. D. D. GASPARIS A QVIROGA Cardinal. Archiep. Tolet. ac in regnis Hispan. Generalis Inquisitoris.

45. No exemplar Res 3138 V da Biblioteca Nacional de Lisboa indicam-se determinações de 1583,1613, 1632, 1640, 1701; noutro (R 7134 A, Lião 1686): "fuit expurgatus secundum expurgationem anni 1632 . .. a) D.or Geronimus"; "fuit .. .iuxta expurgationem anni 1641". O comentário "ad mores" a Ex 20, 24 está completamenta riscado (p. 349).

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de guarda à vinha: "cave canem!" Não fossem os comentários (e sobretudo a Introdução) alçapão traiçoeiro para as almas que moram nas vizinhanças do céu.

IV - Temo que estas pinceladas ligeiras tenham dado um retrato demasiado tosco e desfigurado do prior quinhen­tista da Batalha. Regresso às fontes hebraicas, como a (não salientada) carga filológica da exegese, é apenas a face pal­pável do Humanismo aplicado à Escritura, a irrupção da crí­tica e da razão numa leitura devota ou teológica da Vulgata. Donde "o choque violento entre o velho método consagrado pela Escolástica e o novo implantado pelo Humanismo: um fundamentalmente ancorado no princípio da autoridade, o outro no da análise crítica e filológica" (46). Não havia que te­mer a novidade, opinava o exegeta com esta regra basilar: "Nullam videlicet expositionem, esse quasi haeres.im dam­nandam, quae sacris literis, aut ecclesiae definitionibus non adversatur, ne cum tibi aliena a tuo codice occurerint: sta­tim haresim inclames aut opus damnes"- "Nenhuma ex­planação é de condenar como heresia, se não se opuser à Sagrada Escritura ou às definições da Igreja. Nem clames imediatamente 'cá está heresia' ou condenes a obra, se de­res com coisas que não vêm no teu códice antigo" (47). Apelo à razão é o que se lê a propósito da frase de Caim: "A pena

46. A. A. MARTINS MARQUES, o. c., p. 293.

47. J. DA AZAMBUJA, Pent., foi. 80v (a abrir uQuorundam locorum"). Pode, assim, admitir-se que Deus criou o homem à uimagem" do seu corpo fantástico, com que depois apareceu a Abraão, Moisés e aos outros patriarcas, embora uninguém o tivesse dito até af" (ibid., foi 81v). Não tinha sido dito, mas hoje escreve-se: «Le terme concret 'image' implique une similitude physique; le même rapport será marqué entre Adam et son fils, 5 3 (cf. 9 6) et les Hébreux n'ont pas toujours conçu Dieu ou les êtres célestes comme incorporeis, cf. 2 Bs; Is 6; Ez 1 (R. DE VAUX, La Genese, BJ, Paris 1962, p. 42).

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da minha iniquidade é demasiado pesada para carregar" (Gn 4, 13): "Só desejaria pedir uma coisa ao leitor: que examine as razões em que se apoia a nossa construção e assim conde­ne ou aprove; pois vi certa pessoa criticar o que não enten­dia . . . Leiam primeiro e entendam, como diz S. Jerónimo; depois condenem, se lhes aprouver. Não seja que pareçam cegos a julgar, ou antes, vislumbrar (caecutire) cores que nunca viram." Racional era a substituição de autoridade pe­la crítica e - sobretudo para quem participara na sessão conciliar que declarou a autenticidade da Vulgata - prefe­rir o texto hebraico à veneranda tradução latina.

Revejo-me, a terminar, nos primeiros parágrafos da car­ta de Jerónimo Osório ao seu homónimo da Azambuja, es­tampada a abrir o Comentário ao Exodq. Traduzo do elegante latim renascentista: "Dos teus comentários, que editaste, aos livros da Lei divina, pouco mas com supremo prazer sabo­reei. Por eles vim a entender quanto a tua prudência lutou com a diligência. É que nada omites que possa ter importân­cia para a explicação das coisas divinas.

Não só ponderas as afirmações dos verbos hebraicos e investigas até as coisas mais miúdas, como indagas todos os segredos dos Hebreus e perscrutas o abstruso e o recôndito; (. .. ) Não és, portanto, homem que, ao uso e costume dos Ju­deus, insistas apenas em sombras e em contemplar imagens das coisas celestes; mas excavas os sentidos dos homens di­vinos e explicas sabiamente os mistérios da mesma Lei, em mantos envolvidos. Aprovo, por isso, o método que segues na explicação da Sagrada Escritura. Pois nem enches os teus escritos de alegorias infinitas que não levam a lado nenhum, o que é praticado por muitos que, logo que deparam com um lugar difícil, se refugiam nas alegorias; nem tão-pouco só persegues atentamente o escrito da Lei, abdicando e rejei­tando o sentido divino que se esconde sob o invólucro da Lei,

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o que alguns fazem com demasiada imperícia, para não di­zer à judaica." (48)

Mal imaginavam os dois Jerónimos que, reintroduzi­da a crítica e a filologia com Richard Simon ( 1678) e passa­das as estéreis controvérsias sobre a autoria rnosaica do Pentateuco (49) e a autenticidade da Vulgata (50), o método do dominicano da Azambuja, limado e aperfeiçoado, seria pilar insubstituível da exegese moderna, corno atestam, para dar exemplos de duas áreas culturais, o International Criticai Cornmentary (Edinburgh) e o Biblischer Kornrnentar (Neu­kirchen-Vluyn).

Cf. s. a. gomes, «Ü mosteiro de Santa Maria da Vitória no professorado de D. Frei Bartolomeu dos Márties», em IV Cen­tenário da Morte de D. Frei Bartolomeu dos Mártires: Congres­so Internacional. Actas, Fátima 1994, p. 142. A carta, do espólio da Biblioteca da Ajuda, é republicada ibid., pp. 142-143 (do Corpo Diplomático Portuguez, V, Lisboa 1874, pp. 447-450).

(Conferência proferida a 20.04. 1995 no auditório do Mosteiro de Santa Maria da Vitória na Batalha

no âmbito do ciclo de conferências "Leiria do séc. XVI ao séc. XX")

48. J. DA AZAMBUJA, Pent., foi. 82v. 49. Ainda no princípio do século intocável no campo católico (resposta da

Pontifícia Comissão de Re Bíblica, de 27 de Junho de 1906, Enchiridion Biblicum, 4ª ed., Napoli/Roma 1965, 181).

50. Finalmente pacificada com a encíclica "Divino affiante Spiritu" (1943), de Pio XII: "eiusmodi authentia non primaria nomine critica, sed iuridica potius vocatur" (Ench. Biblicum 549).

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visões, divulga critêrfos e normas de

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