( Educacao) - Olivia Carvalho - Escola Inclusiva

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Educação Inclusiva

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ESCOLA INCLUSIVA:99ESCOLA INCLUSIVA:DA UTOPIA REALIDADE Olvia Andrade de Carvalho Lus PeixotoEDIES APPACDM DISTRITAL DE BRAGA BRAGA 2000INTRODUOO ser humano que nos gabamos de ser soube sempre humilhar e ofender aqueles a quem, com triste ironia, continua a chamar seus semelhantes. Inventamos o que no existe na natureza, a crueldade, a tortura o desprezo. Por um uso perverso da razo viemos dividindo a humanidade em categorias irredutveis entre si, os ricos e os pobres, os senhores e os escravos, os poderosos e os dbeis, os sbios e os ignorantes, e em cada uma dessas divises fizemos novas divises, de modo a podermos variar e multiplicar vontade, incessantemente, os motivos para o desprezo, para a humilhao e a ofensa.(JOS SARAMAGO)Certas atitudes e comportamentos conduzem muitas vezes marginalizao de crianas diferentes na vida social, familiar e escolar. Os preconceitos e a discriminao de que so alvo e a excluso a que so votados origina graves prejuzos quer para os prprios, quer para a sociedade e sobretudo para a humanidade. No limiar do sculo XXI, eis-nos diariamente a testemunhar situaes em que a excluso da pessoa diferente acontece, com alguma passividade.Numa Sociedade Para Todos, cada um de ns parte integrante dela e a todos assiste o direito de ser includo. Garantir este direito um dever colectivo, mas particularmente, dos que intervm de forma directa na orientao dos destines da sociedade, da educao.10O direito igualdade de oportunidades est consignado naDeclarao Universal dos Direitos do Homem e deve aplicar-sea todos.A Constituio Portuguesa prope no n. 1 do artigo 74. garantir o direito igualdade de oportunidades de acesso e xito escolar.Tambm a Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994), subscrita por 88 governos e 25 organizaes internacionais determina que aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso escola regular, que deve acomod-los dentro de uma pedagogia centrada na criana capaz de satisfazer tais necessidades.A construo de uma cultura de resistncia s desigualdades e excluso escolar e social passa sobretudo pelos caminhos traados pelos principais agentes educativos que so os professores. Educar na incluso preparar para a cidadania que rima com autonomia e com democracia. Proclama a Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994): Escolas regulares que possuam tal orientao inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatrias criando comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva; um mundo onde caibam muitos mundos.Materializar esta concepo, confrontar a escola com este quadro , sem dvida, um dos maiores desafios, em educao que se coloca ao homem moderno. preciso introduzir a mudana para que a realidade deixe de ser virtual:mudanas jurdico-legislativas que garantam os direitos previstos;mudanas organizativas e de gesto ao nvel das escolas;mudanas a nvel pessoal do professor e de outros intervenientes;11apoio aos alunos normais numa perspectiva de escolarizao de todos;mudanas ao nvel da natureza e da estrutura do currculo;mudanas nos modelos de apoio individual aos alunos.Certamente que os obstculos sero ainda muitos. O nosso objectivo primeiro identific-los, procurando conhecer a realidade presente, pois concordando com Freire (1979), quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipteses sobre o desafio dessa realidade e procurar solues. Assim, pode transform-la e, com seu trabalho, pode criar um mundo prprio: seu eu e suas circunstncias (p. 30) certo que a colocao deste problema implica o comprometimento prprio de quem j se encontra envolvido, pelo trabalho que desempenha nesta rea, pelos padres culturais e filosofia de vida.Tal como Luther King diramos I have a dream. Reafirmamos o nosso compromisso com a dignificao do humano, enquanto sujeitos e, de alguma maneira, artesos do espao em que estamos mergulhados e, de alguma forma, construtores das situaes do mundo.Conferimos ao nosso trabalho contornos de poesia concordando com Pascoaes (1991), que a sensibilidade potica vibra, como nenhuma outra, ao contacto da Realidade e a conhece, por assim dizer, em primeira mo. Uma verdade, quando aparece no mundo, o poeta a primeira pessoa que a visita (p. 5), porque a poesia tambm pode proporcionar importantes informaes acerca do mundo.Esperamos que este estudo nos conduza a novos conhecimentos. Para nos assegurarmos disso necessitamos de fazer um levantamento bibliogrfico, contextualizando e fundamentando12o tema, de acordo com o que sobre ele tem sido dito e escrito, numa perspectiva nacional e internacional. Ser realizada uma pesquisa de cunho exploratrio que servir como base ao nosso trabalho que se encontra dividido em duas partes: uma de cariz terico e outra prtica, que interagem e se completam.No primeiro captulo traaremos os caminhos para a incluso, fazendo o enquadramento de referncia, passando em revista vrias teorias de suporte a este paradigma. Estudaremos ainda o conceito de utopia, na construo deste projecto.No captulo segundo desenvolveremos uma perspectiva histrica e conceptual da segregao incluso. Realizaremos, ainda, no captulo terceiro, uma abordagem formao de professores, procurando conhecer essa realidade para a relacionarmos com a resistncia ou abertura a este modelo.Na segunda parte deste estudo realizaremos o trabalho de campo referindo, no captulo quarto, o problema da segregao, a que ainda assistimos, de algumas crianas e jovens, a quem deixamos porta da escola e da vida. Traaremos tambm, neste captulo, os objectivos que apontamos como metas reconhecendo, no primeiro deles, a maior importncia, pois ser essa, fundamentalmente, a nossa linha condutora: conhecer as razes da excluso. Ainda neste captulo formulamos as hipteses que esto na base da nossa pesquisa.No captulo quinto seleccionamos a amostra, apresentamos os instrumentos de pesquisa e descrevemos o procedimento e tratamento estatstico do nosso estudo.A anlise e interpretao dos resultados, tero lugar no captulo sexto.Pretendemos, afinal, conhecer quais os problemas com que a incluso se debate, atravs da anlise dos dados e interpretao dos resultados do nosso estudo.PARTE IINTRODUO TERICA15Captulo ICAMINHOS PARA A INCLUSO1.1. Da utopia construo do projecto1.1.1. Em nome do sonhoEles no sabem que o sonho uma constante da vida to concreta e definida como outra coisa qualquer, (...)Eles no sabem, nem sonham que o sonho comanda a vida.Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avana como bola colorida entre as mos de uma criana.(Antnio Gedeo) certo que este romantismo no nos afastar da ideia perseguida pois concordando com Freire (1997), O que eu no posso parar satisfeito ao nvel dos sentimentos, das emoes, das intuies. Devo submeter os objectos das minhas intuies a um tratamento srio, rigoroso, mas nunca desprez-las (p. 43).A incluso um sonho acalentado pelos pais de crianas com NEE. Marcados por uma realidade desumana que ditou,16por um perodo demasiado longo, o estigma da diferena, encurralando crianas em espaos artificiais, contrariando a natureza cultural da Humanidade. Como refere Pascoaes (1998): eliminem a palavra Humanidade e ficaremos cobertos de plo, num instante (p. 31).Habitualmente, afirma Martins (1991), preferimos a comodidade das ideias pronto a vestir, das simplificaes, das grotescas representaes deturpadas da realidade. As ideias vivas tornam-se incmodas. As interrogaes rareiam. As certezas invadem tudo (p. 18). chegado o tempo de agitar estas guas.O paradigma emergente da incluso assenta em ideais de Humanismo, mas tambm em estudos realizados por pessoas e grupos legitimados por um conhecimento patenteado. Concordamos com Pascoaes (1998), quando diz que a cincia desenha a onda; a poesia enche-a de gua (p. 29).Reeves (1990) atribui, tambm ele, um papel preponderante poesia, no campo do conhecimento, quando afirma que a poesia um trilho diferente para o magma obscuro da realidade. Aumenta a capacidade de expresso da linguagem. Alm de utilitria, acha novas vias para exprimir o mundo, para perscrutar as suas riquezas inexploradas (p. 75).No sonho ensaiamos voos, delineamos ideais, construmos projectos. A realidade transforma-se com os sonhos, acreditando em utopias. Tambm verdade, concordando com Freire (1996) que a paixo com que conheo, falo ou escrevo no diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e no uma dicotomia. (...) Conheo com o meu corpo todo, sentimentos, paixo, razo tambm (p. 18).Sabemos, de acordo com Martins (1991), que o que est em causa o fazer fazendo, o buscar constantemente o aperfeioamento, o no baixar os braos em nome da fora das inr-17cias... No fundo, no estamos condenados condio de seres errantes atirados constantemente do mundo das iluses para a angstia da mediocridade (p. 78).Como Patrcio (citado por Azevedo, 1994) reconhecemos que a prtica pedaggica dever assentar na reflexo e na construo e no na cristalizao. No nos saberes constitudos que o processo educativo se vai enraizar, mas na fonte constituinte de todo e qualquer saber, que o ncleo central da pessoa humana, o prprio leme do poder criador do homem (p. 129).Apoiamo-nos em Bach (1996), para sustentarmos a nossa ideia. Se tentares / durante algum tempo usar a fico, / acabars por entender que / as personagens de fico so / por vezes mais reais do que / pessoas de carne e osso (p. 97).Identificamo-nos com o projecto de Paulo Freire, com a sua intuio para antecipar as grandes questes educativas, adoptando posies que nos ajudam a compreend-las melhor. Na sua concepo educativa ele cruza a teoria social, o compromisso moral e a participao poltica. Freire (1992) interroga-nos sobre o nosso papel como educadores.Pensar que a esperana sozinha transforma o mundo e actuar movido por tal ingenuidade um modo excelente detombar na desesperana, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperana na luta para melhorar o mundo,como se a luta se pudesse reduzir a actos calculados, apenas pura cientificidade, frvola iluso (...) a esperana precisada prtica para tornar-se concretude histrica. por isso que no h esperana na pura espera, nem to pouco se alcanao que se espera na espera pura, que vira, assim, espera v(pp. 10-11).O trabalho ser rduo... caminhemos, pois o caminho faz-se caminhando...18Concordando com Martins (1991), O aperfeioamento da humanidade faz-se com alegria e sofrimento, faz-se com a afectividade e sentimentos, com encontros e desencontros. E a se revela permanentemente a mediao tica entre princpios e factos, entre valores e acontecimentos (p. 106). Ser para isso necessrio que nos desprendamos do nosso egosmo e nos transportemos para o outro contrariando Sartre, pois o inferno no so os outros.Reafirmamos com Martins (1991) que vemos a necessidade do enraizamento dos valores como igualdade e justia, numa sociedade tolerante e equitativa. No recusando a diferena, o que nos rodeia e a sociedade em que vivemos que poderemos descobrir o sentido para a vida como procura plural (p. 50).No podemos calar a indignao perante as vrias formas de excluso e a forma como a educao contribui para isso. Acreditamos que tudo pode ser diferente. Subscrevemos o ideal de justia de Freire (1991), embalados pelo sonho. Sou leal ao sonho. Minha aco tem sido coerente com ele. Exigente com a tica, considero que ela tem a ver com a coerncia com que se vive no mundo, coerncia entre o que se diz e o que se faz (...) Continuem contando comigo na construo de uma poltica educacional, de uma escola com outra cara mais alegre, mais fraterna e democrtica (p. 144).H homens diferentes que, na diferena querem construir um mundo novo, uma nova fraternidade. Instituir uma nova ordem. possvel. Depende de todos e de cada um.191.1.2. Estatuto da Utopia necessrio que todos os homens se elevem ao Homem, que todos se aproximem daquele tipo humano perfeito idealizado pelos poetas.(TEIXEIRA DE PASCOAES) sem dvida, a poesia, que nos transporta para o ideal. O real do domnio do quotidiano. O raciocnio potico eleva-nos ao reino do sonho. Sena (1989) confronta-nos com esta dualidade: A diferena que h entre os estudiosos e os poetas que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto a ver se conseguem decifr-lo, e estes abrem um livro, lem trs pginas, farejam as restantes (nem sequer todas) e sabem logo do assunto o que os outros no conseguiram saber (p. 157). certo que pela poesia que encontramos a utopia. Percorrendo o caminho do ideal projectamo-nos para o territrio do impossvel sonhado como realizvel.Concordamos que o paradigma da incluso se inscreve narealidade como um modelo ideal, desejado e, at certo ponto possvel.Passamos de seguida explorao desta forma de projecono futuro, de forma a melhor entendermos esta problemtica, passando em revista vrias perspectivas de outros tantos autores.Raulet (citado por Carvalho, 1994) afirma que a utopia a esperana realizada, a unio da esperana e do saber, a unio dos contrrios, a soluo das antinomias, a resoluo da contradio entre a sensibilidade e a razo, a moral e a felicidade, o indivduo e a comunidade (p. 25).A utopia situa-se ento entre o sonho e o real. As utopias comunitrias, sociais e religiosas no deixam nunca indiferente o curso da histria: elas tornam-se referenciais, valores, modelos20para a prtica, para a aco. As utopias so tentativas de transformao das situaes futuras. Elas polarizam os ideais, radicalizam as vontades, desafiam, enfim, a estabilidade e a continuidade do presente ainda que partindo necessariamente deste.Na sua obra, A Utopia, Thomas More (1995), precursor desta ideia apresenta-nos assim esta conceptualizao: Uma utopia uma possibilidade que pode efectivar-se no momento em que forem removidas as circunstncias provisrias que obstam sua realizao (p. 7).Aqui poderemos inscrever o projecto da escola inclusiva pensando na possibilidade da sua realizao, depois de eliminadas algumas barreiras. Continuando com More, no encontramos, ainda o caminho para chegar ilha imaginada.Transposta a porta da realidade ensaiemos o caminho, tentando alcanar esse espao com Morin (1996): pela porta do mal que sou obrigado a passar para ir procurar a utopia, o no lugar, ou seja, o lugar do bem, o bom lugar (p. 38)A utopia constitutiva do homem. Abrange e implica no s o homem individual, como tambm o homem na relao com os outros, com o mundo que o rodeia. Afirma Pascoaes (1998): O que h de belo na criatura o ponto em que ela hesita entre o pessoal e o universal (p. 16). A utopia reconhece a alteridade que ela protagoniza, sendo esta qualidade que galvaniza todas as outras e as dinamiza. A busca, a insatisfao e a inquietao so estados de esprito e impulsos humanos que a utopia assume no seu corpo filosfico. Concordamos com Morin (1996) quando afirma: O acto de pensar situa-se sempre num desvio, numa marginalidade (p. 119).As utopias dirigem-se Humanidade, comunidade humana, a toda a Terra. Elas no se circunscrevem apenas a um meio geogrfico temporalmente limitado. Tentativa de superao do presente, na senda do devir, esboo criativo de um21projecto, neste caso a incluso. Mas de acordo com Carvalho (1994) ... a utopia ainda que contenha projectos no se esgota neles, da mesma maneira que um qualquer projecto no pode ser substitudo por uma utopia (p. 20).A utopia no um projecto de bom senso. Mas, concordando com Carvalho (1994), a construo de utopias (...) , simultaneamente, uma criao de tempos e de espaos e uma nadificao de momentos e lugares (p. 76)A utopia, em poca de mudana afirma-se como um valor, um critrio de pertinncia. A utopia constitui-se como um desejo que poder desestruturar as organizaes estabelecidas em nome da criao de outras organizaes e de outras ordens capazes de concretizar aspiraes e de despertar conscincias. Por isso, a utopia constitui uma ameaa ao presente, por antecipar o futuro. Como refere Morin (1996): Qualquer ideia nova suscita resistncia (p. 120).Tendo ns a capacidade de conhecer o presente e de prever o futuro, se apenas fizermos isto, privamo-nos tambm, certamente, de um pouco mais de esperana e de capacidade de sermos sujeitos criadores de alternativas. De acordo com Carvalho (1994), educar reproduzir para transformar, imitar para criar, adaptar para mudar, sempre segundo escolhas guiadas por ideais, (...) eis, finalmente, a grande diferena entre a educao e o adestramento (p. 79).Como afirma Pascoaes (1998), agir construir, destruindo (p. 32). Ou ainda, Morin (1996) o que no se regenera, degrada-se (p. 221). certo que uma didctica cujo principal objectivo fazer adquirir valores, atitudes, firmes intenes comportamentais, deve evidentemente privilegiar a aco, a vivncia, o exemplo permanente. De acordo com Mauco (citado por Peixoto, 1991), ensinamos mais com aquilo que somos, que com aquilo que dizemos (p. 28).22Concordamos com Sampaio (1998), quando diz que overdadeiro ensino no est s nos manuais, no se aprende soletrado em 10 lies, no se compra estafado na encomenda deocasio, nunca chega por decreto (quanto a isso, nunca) (p. 47).Perseguidor de utopias, construtor de projectos, Freirepersonifica estes conceitos, no campo da educao como descrevem Apple e Nvoa (1998). Paulo Freire que tem a capacidade de tocar em pontos sensveis, de pr por escrito, frequentemente atravs de metforas, as "coisas" que as pessoas j tm vontade de dizer mas ainda no sabem. Paulo Freire tem uma intuio nica para antecipar ideias que, uma vez no papel, nos parecem to familiares que rapidamente as sentimos como nossas (p. 170).Concordamos com Apple e Nvoa (1998): (...) podemos estar com ou contra Freire, mas no podemos estar sem Freire (p. 186).Vemos, por isso, a necessidade de beber na fonte do seu humanismo, feito conhecimento. De acordo, ainda, com Apple e Nvoa (1998), no projecto de Paulo Freire, a utopia traduz-se, antes de mais pela educao. E nos faz pensar nos meios que organizam a nossa aco prtica e a nossa reflexo cientfica (p. 186).Mas a utopia rene muitos contestatrios, segundo Morin (1996). Vemos assim a necessidade de clarificar este conceito.A utopia frequentemente criticada. As crticas acentuaram-se ainda mais depois do ruir de muitas esperanas num futuro melhor, ou antes, num progresso que, por si mesmo, existiria e nos levaria para um mundo feliz. No entanto estes critrios no viram que havia duas utopias. A primeira , evidentemente, a esperana numa sociedade melhor na qual as relaes entre os seres humanos no seriam to atrozes, to desprezveis, to baseadas em conflitos, em relaes de dominao e de explorao; sociedades onde haveria mais liberdade, mais fraterni-23dade: esta a boa utopia. A m utopia era aquela que pretendia realizar a harmonia perfeita, eliminar a dor e qualquer conflito, tornar transparente cada indivduo.Recusemos a realidade presente, aps uma reflexo crtica. Morin (1996) apresenta-nos essa anlise: temos de rejeitar o realismo trivial que diz ser preciso adaptarmo-nos ao imediato, ordem estabelecida, ao facto consumado, admitir a vitria do vitorioso.Para alm do realismo trivial, o que que existe? Temos de reconhecer que o real fervilha de possibilidades, que no sabemos o que vai de l sair, nem como escolher as suas prprias finalidades e o seu prprio partido. Na realidade humana coabitam o imaginrio, o mitolgico e, com certeza, o afectivo.Ser a incluso uma utopia realista? Avista-se no horizonte o espao onde todas as crianas partilham o mesmo territrio com os mesmos direitos. A vida , ela prpria uma construo utpica composta por ideais: com os olhos postos no futuro e a preocupao de nele inscrever um projecto, uma utopia, afirmamos com Pascoaes (1998) ... que o desejo de sermos perfeitos nos compense da impossibilidade de o sermos (p. 42). verdade que teremos que ser realistas. Mas ser que ser realista acreditar no que imediato, eterno, duradouro? Talvez Morin (1996) nos ajude a encontrar algumas respostas.No conhecemos muito bem o presente. Existem muitas foras subterrneas que estudam o presente; aquilo aque Hegel chamava a velha toupeira. (...) Jos Ortga y Gasset escreveu: "No sabemos o que se passa e isso que sepassa. Somos inconscientes do presente". por essa razo que eu acho que absolutamente necessrio condenar orealismo da aceitao do facto consumado e da adeso superfcie do presente. Com efeito, devemos procurar as viasdifceis, no devemos escapar-nos do real e andarmos nas nuvens sem estarmos prisioneiros deste pretenso real.24 talvez por esta via, dialecticamente difcil mas necessria de ser delineada, que devemos seguir. Uma das minhas mximas preferidas a do poeta Antnio Machado: "Tu que caminhas, no h caminho, s tu que o crias ao andar (...)".Para mim, a que se encontra o verdadeiro realismo (p. 13).Se considerarmos a utopia como um valor universal, cada um deve agir como se a luta inteira s dependesse dele (Morin, 1996, p. 14).Inscrevendo a utopia num horizonte visvel reconhecemos, como Morin (1996), que o improvvel , evidentemente, algo que no aparece como podendo ser realizado, mas que, precisamente, permite a esperana (p. 13).Projectando-nos para o problema inicial da incluso concordamos com Martins (1991) que h necessidade de olhar o gnero humano e as pessoas de carne e osso tal como so (p. 118).Teremos que acreditar que a incluso efectiva est para acontecer, como projecto inscrito numa utopia realista. Como afirma Pascoaes (1998) o que no aconteceu, nunca esteve para acontecer, e o que aconteceu esteve para no acontecer (p. 37).Costa (1996) acredita e faz-nos acreditar neste projecto em construo:A escola inclusiva no , contrariamente ao que muitos ainda pensam, uma utopia. Existem diversas escolas no nosso pas, algumas das quais situadas em reas carenciadas, que podemos designar como verdadeiramente INCLUSIVAS. Para que mais portas, de mais escolas se abram a mais crianas, a todas as crianas, simplesmente necessrio que (...) sobretudo, os pais, os profissionais, os governantes e a populao em geral acreditem que a escola inclusiva qualquer coisa por que vale a pena lutar (p. 161).25 urgente, imperativo que se abalem e anulem os modelos de excluso; cortar amarras e mergulhar na imensa aventura da humanidade.Uma das funes do processo educativo ajudar o Homema inventar, p-lo nos caminhos da imaginao, do risco, e de todas as pesquisas.A incluso pouco se distanciou do seu estado conceptual. Tal como outros princpios, por exemplo, a liberdade, a justia, a igualdade, h-de conservar, sem dvida, por algum tempo, a distncia relativamente s realizaes que, por natureza, prprio dos conceitos. Mas, e mais uma vez, afirmamos com Pascoaes (1998), que as coisas so possibilidades realizveis (p. 16).A utopia de hoje pode amanhecer, amanh, realidade, porque antecipa aqueles que sero os dados do futuro. Com efeito, o pensamento utpico visa, antes de mais, um desejvel possvel que contempla a esperana, pois esta emerge, teimosamente, atravs de formas utpicas.1.1.3. A construo do futuroDantes estudava-se o passado para clarificar o presente. Eu porm inverti o espelho do tempo, convencido como estava de que uma viso coerente do futuro pode tambm fornecer-nos um bom nmero de observaes, e das mais pertinentes, sobre o mundo de hoje.(ALVIN TOFFLER)No teremos um futuro se ns prprios no o inventarmos.Loureno (1997) traa-nos uma direco: O futuro, como o sol que esperamos para ver o que nos cerca, o tempo, unicamente feito de esperana, sonho e utopia de onde tudo vem e em26funo do qual ns caminhamos para alguma "espcie de porto". O futuro tambm e radicalmente, o que nos surpreende (p. 22).O saber e a liberdade so susceptveis de um crescimento e reproduo potencialmente infinitos. Os direitos humanos cabem nessa ideia de liberdade, projecto e tambm justia. A luta histrica pelos direitos humanos conduziu, obviamente, a que o deficiente passasse a ser uma pessoa com direitos e que comeasse a ser considerada como par na sociedade, no obstante a sua diferena.Loureno (1997) sublinha a importncia do presente na construo do futuro. Para termos futuro, o nosso olhar sobre o passado no pode ser como o de Loth que convertia os familiares em esttua de sal (...) o verdadeiro tempo dos homens um eterno presente, quinta-essncia de todos os presentes onde a humanidade se transcende a si mesma e impe ao futuro o seu peso e a sua figura (p. 28).Todavia, Loureno (1997), assinala a importncia desse mesmo presente na construo de um futuro para o qual se traam direces. Haver Futuros, j os h, pois, a ttulos diversos, o clculo, a esperana, o sonho, a utopia que so a sua substncia j incorporada no nosso presente, coabitam connosco e guiam todos os nossos passos e pensamentos (pp. 9-10).A educao, pode antecipar o futuro desejado. Contribui para o crescimento harmonioso de uma gerao, como afirma Azevedo (1994), diz-se frequentemente que muitas das inquietaes dos homens de hoje interessam educao, no lhes podem ser indiferentes; antes pelo contrrio, devem torn-las como pressuposto. As caractersticas sociais e culturais dos dias que correm marcam sobretudo aqueles que esto em crescimento, a abrir-se para a sociedade e a cultura, assimilando-a ou rejeitando-a, refazendo-a (p. 149).27Educar, podemos afirmar, no preparar as novas geraes para a estabilidade, mas para seguirem o fluir do tempo. Da que escola e aos professores se depare o desafio de se assumirem em reforma permanente, para que possam corresponder previso de desenvolvimentos futuros: um verdadeiro acto de criao. verdade, que em tempo de mudana que nascem ideias novas, como refere Prost (citado por Azevedo, 1994), a crise do sistema educativo, longe de ser um acidente, aparece como uma das condies indispensveis da sua eficcia social. porque est em crise que o nosso ensino ainda eficaz (p. 143).Esta ideia reforada por Azevedo (1994) quando estabelece a relao entre crise e mudana.Vivemos um tempo de transio de paradigmas (...). O futuro , em todos os casos, muito incerto. (...) creio que nenhum ser humano reage bem a viver sob os efeitos das crises. Mas as crises so tambm oportunidades para as sociedades se regenerarem e se revigorarem.Tirar partido de uma situao de crise implica, no entanto, um esforo mltiplo: exige uma abertura de esprito, capacidade para ouvir e para acolher o que novo, dilogo e interaco entre as heranas culturais que se transportam e os novos valores emergentes, requer imaginao e criatividade e uma atitude de grande flexibilidade (...) pressupe que nunca se perca o gosto e a oportunidade de construo de sentido, nas situaes e pelas vias mais diversas, porque ao ser humano ser sempre essencial o projecto, o desafio e a transcendncia. (...) E a escola existe para dar um precioso contributo nesse processo de desenvolvimento humano, ajudando cada um a desabrochar e a revelar livremente a sua autenticidade (p. 148).IEsteve (1995), indica-nos os professores como principais sujeitos de mudana, como agentes da construo do futuro, ao afirmar que as atitudes dos professores e da sociedade so28fundamentais para realizar as reformas que se projectam. Na atitude dos professores perante as reformas e no apoio sociedade est a chave para as levar a bom termo. Sem o seu incondicional apoio no passaro do terreno das disposies legais ao terreno da realidade: o trabalho quotidiano nas salas de aula (p. 96). nesse espao: escola e sala de aula, palco do acto educativo do presente, que se pode projectar o futuro. De acordo com Azevedo (1994), as escolas so ambientes de humanidade, mesmo quando as aprendizagens se processam em ambientes escolares (...) infraestruturalmente frgeis (...) A beleza das escolas est, antes de mais, nas pessoas, no seu crescer e desabrochar, no abrir-se e revelar-se aos outros, no encontro de cada um com as suas possibilidades e limitaes (p. 179).Esteve (1991) afirma as suas expectativas positivas em relao aos professores, face ao nosso modelo de escola para todos, afirmando acreditar que a nossa sociedade e os nossos professores vo apoiar a ideia e prestar uma ateno educativa de qualidade aos milhares de crianas com dificuldades, que se encontram no sistema de ensino, pela primeira vez na histria (p. 122).Sabemos que h sempre resistentes, Velhos do Restelo, mas concordando com More (1995), se no se consegue arrancar dos seus espritos, de uma s vez e pela raiz, as opinies e princpios errados e perversos; se no se consegue, mesmo que se deseje, abolir os vcios e os costumes imorais instaurados pelo hbito, no devemos por isso abandonar o barco num mar tempestuoso, por se no conseguir dominar os ventos (p. 53).Apesar da integrao estar determinada, legitimada, pela lei mantm-se ainda muitos impedimentos materializao deste conceito. Mas, como refere Fonseca (1997), a integrao no se consegue por leis escolares nem por espontaneidade social. Ela deve ser pensada a nvel social antes e depois da29escola. Antes, atravs de aces domicilirias eficazes. Depois, por uma poltica de emprego e de integrao social (p. 212). preciso que este novo paradigma galvanize todos os recursos e meios para uma escola mais justa onde todos tenham o seu lugar; um espao prprio habitado pelo sujeito, pela sua personalidade nica.A escola regular deve ser o local legtimo para satisfazer as necessidades educacionais das crianas que so diferentes. Desta forma a integrao reflectir uma filosofia democrtica de igualdade de acesso a servios, recursos e instituies. A este propsito afirma Fonseca (1997): Como processo antidiscriminatrio, a integrao visa programar para cada criana objectivos pedaggicos concomitantes com as suas necessidades e desejos, eliminando rtulos e individualizando os seus problemas (p. 227).Verificamos, muitas vezes, que tanto familiares como educadores tm atitudes permissivas e pouco exigentes em relao a estas crianas; acredita-se pouco nelas. Uma atitude positiva relevando as qualidades em detrimento das dificuldades, impe-se.De acordo com Fonseca (1997), a integrao o combate mais adequado institucionalizao da deficincia e ao cepticismo e pessimismo educacional. A integrao implica sempre um benefcio imediato educacional e social para a criana deficiente. A integrao na comunidade passa pela integrao no sistema educacional. Separar fisicamente escolas normais de escolas especiais uma aberrao, que se deve eliminar(p. 312).Conjugar os benefcios dos dois tipos de sistemas, adequando os seus servios s necessidades de cada aluno o caminho certo para o futuro.30 notria, actualmente, a convergncia de opinies abalizadas sobre o direito das pessoas portadoras de deficinciaserem respeitadas e integradas no seio da sociedade. Tambm Fonseca (1997) reconhece que:A tendncia internacional aponta para a integrao de crianas deficientes em escolas normais. A grande convico do futuro que as crianas deficientes tenham as mesmasoportunidades que as crianas no deficientes, pois cabem-lhes as mesmas e legtimas aspiraes de realizao pessoal e de participao e transformao social.A integrao das crianas deficientes tem de aumentar de ano para ano. Todas as crianas deficientes podero ser educadas em escolas normais, naturalmente sujeitas a determinadas qualificaes e avaliaes (pp. 211-212).Sabemos como difcil passar da teoria prtica, apesar de todos os pressupostos serem teoricamente aceites e amplamente divulgados. Como Loureno (1997), diramos que todos os povos e culturas so multiplicidade de tempos, so eles que condicionam a relao com o Futuro (p. 12).Fonseca (1997) traa-nos os caminhos a trilhar, reconhecendo que no futuro, o desafio est em garantir a todos a igualdade de oportunidades sociais e educacionais. As apostas e as expectativas devero ser positivas, pois devem acentuar a originalidade, a variedade e heterogeneidade da pessoa humana, elevando ao mximo possvel o seu potencial intra-individual e promovendo, consequentemente, a integrao social de todos os cidados, sem excepo (p. 52).Tambm Simon (1991) acredita neste projecto fundamentando esta ideia da seguinte forma: Parece-nos que o movimento de integrao, mesmo que tenha de sujeitar-se a destinos diversos, j no se extinguir. A nossa sociedade, convulsiva e mutvel, no me parece caminhar no sentido de mais egosmo (...) Se portanto, vamos no sentido de mais convvio, mais huma-31nidade, muito provvel que vamos tambm para uma maior abertura ao outro, talvez diferente de si, mas do qual no se pode ignorar nem rejeitar a diferena (p. 134).A incluso um imperativo que molda o imediato, mas tambm a vontade de estar no futuro antecipando-o, unindo todos os pontos do continente inventivo e imaginativo onde o desejo de futuro e a sua emergncia no so vividos passivamente.1.1.4. Todo o mundo composto de mudanaMudam-se os tempos, mudam-se as vontades muda-se o ser muda-se a confiana todo o mundo composto de mudana tomando sempre novas qualidades.(Lus de Cames)Com o paradigma, emergente, da escola inclusiva vemo-nos perante novas situaes que, certamente, implicam mudanas a todos os nveis, sobretudo nas prticas educativas.Sabemos quanto a perspectiva da mudana, por vezes, assusta e inibe mas, o grande desafio coloca-se imaginao, de forma a criar respostas, inovando, permanentemente, adequando respostas novas a novas situaes. Na ptica de Benoit (citado por Sousa, 1998), a mudana no uma ameaa estabilidade, mas uma possibilidade de desenvolvimento, colocando o problema conceptual do novo e da criatividade (p. 36).Certamente que o novo modelo de escola para todos, determina mudanas a todos os nveis. Mudanas que provocam, contudo, muitas dvidas e hesitaes, pois, como afirma Nvoa (1995), a mudana poder ser encarada como uma ameaa ordem estabelecida. Mas se a estabilidade artificial e precria32ento torna-se necessrio abalar o sistema, em concordncia com a urgncia de uma nova ordem (p. 96).Encontramo-nos perante uma nova concepo de escola que como microssociedade reflecte as preocupaes sociais pelo bem estar, pela qualidade de vida de todos os cidados. Perante o institudo vemos a necessidade de implementar a mudana. Como afirma Freire (1979), uma poca da histria apresentar uma srie de aspiraes, de desejos, de valores, em busca da sua realizao. Formas de ser, de comportar-se, atitudes mais ou menos generalizadas, das quais somente os visionrios que se antecipam tm dvidas e frente s quais sugerem novas frmulas (p. 64).Ao homem, como sujeito, compete intervir perante situaes que comprometem o humanismo. Concordamos com Freire (1979) que, na medida em que o homem cria, recria e decide, vo-se formando as pocas. E tambm criando, recriando e decidindo como deve participar nessas pocas. por isso que obtm melhor resultado toda a vez que, integrando-se no esprito delas, se apropria de seus temas e reconhece suas tarefas concretas (p. 64).Para a construo da nova escola, cada interveniente ter que reconhecer o seu papel, de uma forma reflexiva e dinmica pois, como afirma Nvoa (1995), a passagem de um sistema de ensino, de elite para um sistema de massas implica um aumento quantitativo de professores e alunos, mas tambm o aparecimento de novos problemas qualitativos, que exigem uma reflexo profunda (p. 96)., possivelmente, atravs de uma prtica reflexiva que cada professor encontrar o seu lugar e assumir o seu papel pois, concordando com Nvoa (1995), se as circunstncias mudaram, obrigando-os a repensar o seu papel como professores, uma anlise precisa da situao em que se encontram ajuda, sem dvida, a dar respostas mais adequadas s novas interrogaes.33Provavelmente, muitas questes so de difcil soluo no mbito da actuao individual de um professor isolado, mas, mesmo neste plano, um conhecimento mais exacto do problema pode contribuir para evitar o desajustamento (p. 98).Tambm Freire (1979) confere importncia capacidade de reflexo para a prtica: exactamente esta capacidade de actuar, operar, de transformar a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem, qual est associada sua capacidade de reflectir, que o faz um ser da prxis (p. 17).Teremos sempre que tomar em conta as condies, a realidade, pois concordando com Freire (1979), se aco e reflexo, como constituintes inseparveis da prxis, so a maneira humana de existir, isto significa, contudo que no esto condicionadas, como se fossem absolutas, pela realidade em que est o homem (p. 17).Para imprimirmos a mudana e alterarmos o status quo, Freire (1979) prope o desenvolvimento de uma conscincia crtica que permita ao homem transformar a realidade (...). Na medida em que os homens, dentro de uma sociedade, vo respondendo aos desafios do mundo, vo temporalizando os espaos geogrficos e vo fazendo histria pela sua prpria actividade criadora (p. 133).Sujeitos e agentes de um tempo em que a inovao e mudana se tornaram quase valores de uma sociedade que tomou conhecimento da sua evoluo permanente, do seu devir contnuo, em que a mudana constitui, mesmo, condio fundamental da sobrevivncia dos diferentes grupos, , de facto, verdadeiramente surpreendente que estejamos a assistir, passivamente, imposio de novos obstculos transformao dos contextos e das situaes pedaggicas e educativas. No poderemos retirar a dimenso utpica deste projecto da incluso. verdade que. no existe uma soluo ptima que seria, com certeza, uma soluo pssima. Vamos procurando caminhos...Captulo II DA SEGREGAO INCLUSO2.1. Da excluso incluso2.1.1. Prticas de excluso: evoluo histricaBasta a misria de um desgraado, para que todos ns sejamos miserveis.(TEIXEIRA DE PASCOAES)Na antiguidade, em algumas sociedades, era normal o infanticdio quando se observavam anormalidades nas crianas. Na Idade Mdia, a Igreja considerou-as possudas pelo demnio submetendo-as a prticas de exorcismo, condenando, ao mesmo tempo, o infanticdio.Os deficientes mentais eram, nos sculos XVII e XVIII, internados em orfanatos, manicmios e prises, junto com delinquentes, velhos e indigentes.No final do sculo XVIII tm lugar as instituies especializadas. A sociedade sente-se aliviada, proporcionando cuidados e assistncia ao deficiente, protegendo-se e protegendo-o: separando-se o deficiente, segrega-se e discrimina-se. Esta era prolonga-se at meados do sculo XX.Este sculo caracteriza-se pelo incio da escolaridade obrigatria. Aqui se verifica a dificuldade de muitos alunos seguirem36o ritmo normal da turma, sobretudo os deficientes. Aparecem, assim as classes especiais que agrupam as crianas segundo diversas etiquetas, em funo das diferentes etiologias.Segundo Bairro (1998), em meados do sculo assiste-se rejeio deste modelo por parte dos pais. Na Dinamarca usa-se, pela primeira vez, o conceito de normalizao que apresenta a possibilidade do deficiente desenvolver um tipo de vida to normal quanto possvel (p. 15)A forma como a sociedade ao longo da histria foi encarando as pessoas com deficincia est intimamente ligada a factores econmicos, sociais e culturais, de cada poca. Podemos, portanto, assumir que existem, no campo da educao, aspectos essenciais de natureza societal mais vasta ligados a determinados perodos no tempo e que imprimem educao especial caractersticas semelhantes em diversos pases.Pensamos ser importante abordar outras perspectivas que, contudo, convergem nos pontos essenciais.Segundo Fonseca (1996), nos primrdios da humanidade, o indivduo portador de deficincia foi visto com superstio e malignidade. Em Atenas, os deficientes eram abandonados em locais desconhecidos para a lutarem pela sobrevivncia. Em Esparta fazia-se uma seleco desumana. Os Romanos exibiam os deficientes em festividades sumptuosas. Eram encarados pelo cristianismo com piedade e compaixo. Fonseca (1996) refere ainda a concepo, data, de inteligncia que, na criana era vista como mini-inteligncia adulta e divinamente predestinada.Os deficientes eram vistos como crianas de Deus ou bobos da corte, durante a Idade Mdia, ou ento, esconjurados ou apedrejados.Tambm durante a Reforma, Lutero e Calvino consideraram os deficientes como seres possudos por Satans.Continuamos seguindo Fonseca (1996), que refere a atitude diferente da cultura oriental, com Confcio, que atribui socie-37dade a responsabilidade de tratar dos que no podiam faz-lo pelos seus prprios meios.Fonseca (1996) refere, ainda, a figura de Pedro Ponce de Leon como criador da primeira instituio para deficientes auditivos (1520-1584). Tambm em Paris (1745-1822), Valentim Hauy abre a primeira escola para cegos.Em Aveyron (1799) descobre-se uma criana-lobo qual se chama Vtor. Philippe Pinel trouxe-a para Paris. Diagnosticou-a como idiota (peculiar, diferente). Jean Gaspar Itard toma a seu cargo a reabilitao desta criana adoptando uma concepo envolvimentalista da inteligncia, que atribui um maior valor influncia do meio, minimizando a hereditariedade e os factores biolgicos no desenvolvimento humano. Como indica Fonseca (1996), nesta concepo, os factores situacionais e extra-biolgicos so reforados. (...) O que conta a herana social e cultural. A inteligncia no mais do que o produto do meio. Estamos no envolvimento utpico e ortodoxo, entramos no humanismo pedaggico, no determinismo cultural e no behaviorismo (pp. 284-285).Itard enganou-se quando pensou ser possvel ensinar o Vtor a falar, ler e escrever, aos doze anos, pois no basta a estimulao sensorial compensatria, em qualquer perodo do desenvolvimento; como reconhece Fonseca (1996) a inteligncia humana no depende s de condies do envolvimento, pois ela encerra igualmente uma pr-estrutura interna. (...) Est provavelmente aqui o segredo, ou o xito, do novo movimento da educao especial e da reabilitao, isto , a importncia da identificao e interveno precoces (p. 285).Segue-se depois o perodo do interaccionismo. Aqui a inteligncia composta pelo biolgico e pelo social, como unidade. Segundo Fonseca (1996), o tempo de Pavlov (1980), Freud (1974), Wallon (1968), Piaget (1968), cujas concepes de edu-38cao constituem um novo caminho, influenciando perspectivas e atitudes para com as crianas com deficincias.Bairro (1998) define as linhas do desenvolvimento das estruturas organizacionais para os deficientes: perspectiva assistencial e de proteco educao, iniciativa privada pblica, da segregao integrao.Citando alguns autores, Bairro refere trs perodos histricos nesta evoluo. O primeiro perodo, o dos esquecidos e escondidos que se situa no incio deste sculo, dando continuidade ao modelo asilar e segregatvo do sculo anterior, mantm longe da sociedade os deficientes, cujas famlias se sentiam, provavelmente, mal com a discriminao de que eram alvo.Durante o segundo perodo, denominado de despiste e de segregao verifica-se o apogeu das tcnicas psicomtricas e do modelo da classificao e diagnstico (mdico-diagnstico) cujapreocupao , afirma Bairro (1998), classificar e diagnosticar, em vez de educar.A comunidade cientfica do tempo pensava que prestava um melhor servio s crianas educando-as conjuntamente com outras crianas deficientes, protegendo-as, assim, dos normais. Segregadas, elas seriam educadas de forma controlada, sendo objecto de diferentes cuidados mdicos, psicolgicos e sociais. Fazia ainda parte dessa crena que tais crianas, utilizando os recursos pedaggicos normais, no s no poderiam funcionar autonomamente como poderiam at prejudicar as crianas normais. Contriburam tambm para esta viso segregada da educao a crena na fixidez dos critrios psicomtricos, a concepo da deficincia como doena e os limites das estratgias e tcnicas pedaggicas ao tempo disponveis (p. 18).O terceiro perodo de identificao e ajuda tem incio nosanos 70 e est na base da lei 94-142 de 1975, publicada nos Estados Unidos da Amrica. Esta lei atribui direitos iguais para39todos, em matria de educao. Esta legislao vai ter influncia em todo o mundo.Ser interessante estabelecer a relao entre escola e segregao. Niza (1996) traa uma perspectiva da excluso referindo que, em Portugal, no ano de 1911, apenas um tero das crianas dos 7 aos 14 anos frequentava a escola obrigatria, nessa altura decretada. Isto acontece ao mesmo tempo que Binet e Simon, em Frana, concebem a primeira Escala de Inteligncia, que selecciona os alunos da escola pblica.Os professores tratavam os alunos como um s, tendo a iluso da turma homognea. Com a aplicao da Escala de Binet escolhiam-se os alunos que constituam as classes de aperfeioamento. Refere Niza (1996) que esta designao eufemstica do primeiro sistema alternativo de escolaridade provou rapidamente, que, tal como na geometria, os sistemas paralelos nunca se podem encontrar (p. 139). Atente-se no decreto n. 20 741, onde se afirma que os liceus tm de ser reservados aos fortes e aos mais aptos, ou o artigo de Marcelo Caetano (citado por Corteso, 1988), em que ele afirma que uma criana filha de um operrio no tem para as cincias a mesma preparao hereditria que tem para o ofcio do seu pai e por isso no passar, nunca, de um medocre intelectual (...) (pp. 149-150). Prosseguimos na anlise deste estudo que aborda a atitude do professor, que exclui os alunos, que no acompanham as aulas colectivas, designados atrasados. Tambm a psicometria serviu de instrumento de excluso ao atribuir a incapacidade ao aluno. Embora o desenvolvimento de estudos tenha vindo a isolar vrios factores do insucesso como scio-econmicos, ou institucionais, grande nmero de professores teima em atribuir as causas do insucesso, apenas a condies de personalidade ou de inteligncia, intrnsecas dos alunos com dificuldades.Convm aqui reportarmo-nos ao Estado Novo, e ao seu sistema educativo, aqui referenciado por Corteso (1988).40O Decreto n. 20 741, aps referir os inconvenientes de os liceus terem demasiada populao, termina afirmando que a normalidade ser estabelecida quando as famlias compreenderem que os cursos dos liceus, de sua natureza difceis, tm de ser reservados aos fortes e aos mais aptos e medida que a seleco se vai fazendo, como convm, que seja feita, para restituir ao ensino secundrio e consequentemente ao ensino superior aquele grau de elevao que ambos, cada um na sua esfera, devem manter (p. 78).Desta forma a seleco meritocrtica beneficia apenas os herdeiros.Para Correia (1997), se a poltica de excluso elimina as crianas da sociedade de que devem ser parte integrante, o procedimento de as colocar com estatuto desviante segrega-as: excludas dos programas de educao pblicos, impedidas de interaces benficas para o seu desenvolvimento, crescem em ambientes interpessoais ridos e, muitas vezes, hostis (p. 14).Depois desta viagem pelas prticas de excluso conclumos da sua desumanidade, s possvel pelos contextos que as determinavam.2.1.2. Da segregao integraoA presena de crianas que no correspondam ao menu preexistente na escola encoraja, de algumaforma, os professores para que procurem uma cultura mais colegial e para que se entreajudem na experimentao de novas respostas educativas. (Mel Ainscow)Identificar e reconhecer a diversidade percorrer o caminho da igualdade de direitos. Reconhece-se, hoje, que todas as crianas tm caractersticas, interesses, capacidades41e necessidades de aprendizagem que lhe so prprias. Como tal, talvez possamos afirmar: toda a educao especial, varia a especialidade!Para a integrao de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) surgem, nos anos 70, dois documentos fundamentais: nos EUA, em 1975 o PL- 94-142, e o denominado Warnock Report, publicado em 1978, em Inglaterra.O conceito de NEE surge na sequncia dos movimentos de integrao e incluso e vem dar resposta ao princpio da democratizao das sociedades.Inicia-se o perodo denominado identificao e ajuda que est na base da revoluo silenciosa da lei americana 94-142, de 1975. Esta lei contempla direitos iguais para todos os cidados em matria de educao e vai ter influncia em todo mundo.Com esta legislao d-se uma viragem a vrios nveis: passa a valorizar-se a educao como forma de mudana e a integrao como forma de normalizao o que, do ponto de vista cientfico, pe em causa o papel exclusivo, do diagnstico mdico e psicolgico para o ensino e recuperao dos deficientes. claro que a deficincia envolve determinantes internas, determinantes envolvimentais e a interaco entre ambas, numa perspectiva scio-ecolgica, onde se faz sentir a importncia que necessrio atribuir prpria criana, sua individualidade, ao seu poder e capacidade para desempenhar um papel activo e estruturante nas interaces que estabelece com o envolvimento. Assentando no pressuposto de que todos os cidados, mesmo os deficientes, tm os mesmos direitos e que, por isso, devero frequentar um ensino universal e gratuito adaptado s suas necessidades, d-se uma viragem a nvel poltico e social.Bairro (1998) afirma que este perodo foi, pois, marcado por grandes esforos para realizar o despiste destas crianas de uma forma justa e no estigmatizante, por ligar diagnstico 42interveno e pelo actuar mais precocemente possvel junto das crianas e famlias. Iniciando-se bem cedo a interveno, poder-se-ia atenuar e no agravar os dfices que as crianas apresentavam (p. 19).Brennan (citado por Correia, 1997), refere-se desta forma ao conceito de NEE:H uma necessidade educativa especial quando um problema (fsico, sensorial, intelectual, emocional, social ouqualquer combinao destas problemticas) afecta a aprendizagem ao ponto de serem necessrios acessos especiais aocurrculo especial ou modificado ou a condies de aprendizagem especialmente adaptadas para que o aluno possareceber uma educao apropriada. Tal necessidade educativa pode classificar-se de ligeira ou severa e pode ser permanenteou manifestar-se durante uma fase do desenvolvimento do aluno (p. 48).O Warnock Report veio colocar o enfoque na aprendizagem escolar de um currculo ou de um programa, desviando a centralizao mdica nas deficincias, assumindo o modelo educativo em detrimento do modelo mdico ou mdico-pedaggico. Introduziu neste contexto o conceito de NEE que se refere ao desfasamento entre o nvel de comportamento ou de realizao da criana e o que dela se espera em funo da sua idade cronolgica. Se um aluno apresenta dificuldades que exijam a adaptao das condies em que se processa o ensino-aprendizagem, ento esse aluno tem NEE, ou seja, uma dificuldade significativamente maior em aprender, do que a maioria dos alunos da mesma idade, ou uma incapacidade ou incapacidades que se tomem impedimento da prtica das mesmas oportunidades que so facultadas nas escolas, a alunos da mesma idade.Desta forma o conceito de educao especial referido s crianas e jovens com dificuldades, em consequncia de deficincia d lugar a um conceito mais amplo de Necessidades43Educativas Especiais (NEE), alargado a todos os tipos de dificuldades de aprendizagem.O Warnock Report estabelece trs categorias de necessidades educativas especiais:a necessidade de se encontrarem meios especficos de acesso ao currculo;a necessidade de ser facultado a determinadas crianas alunos um currculo especial ou modificado;a necessidade de dar uma particular ateno ao ambienteeducativo em que decorre o processo de ensino-aprendizagem.A Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994) sobre princpios, poltica e prtica em educao especial, proclama que: toda a criana tem direito fundamental educao, e deve-lhe ser dada a oportunidade de atingir e manter o nvel adequada aprendizagem;toda a criana possui caractersticas, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que so nicas; sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais caractersticas e necessidades; aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso escola regular, que deveria acomod-los dentro de uma pedagogia centrada na criana, capaz de satisfazer a tais necessidades;escolas regulares que possuam tal orientao inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatrias, criando comunidades acolhedoras, cons-truindo uma sociedade inclusiva e alcanando educao44para todos; alm disso, tais escolas provem uma educao efectiva maioria das crianas e aprimoram a eficincia e, em ltima instncia, o custo da eficcia de todo o sistema educacional.Segundo Fonseca (1997), a integrao , em suma, educar as crianas deficientes, nas classes dos no deficientes (p. 226). Para que isto se verifique so necessrias algumas mudanas, tais como: formar professores, aplicar novas tcnicas, planificar aces e individualizar programas, pois a integrao parte do conceito de crianas especiais para o conceito de situaes especiais que determinam formao, prtica pedaggica e investigao. A integrao implica uma ateno permanente aos estudos de organizao e modificao de comportamento, de desenvolvimento humano, de anlise de sistemas de desenho curricular, de atitudes dos professores, de atitudes dos pais e companheiros, de modelos de sucesso escolar (Fonseca, 1997, p. 229).Conforme estudos da Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Europeu, referidos por Bairro (1998), d-se da seguinte forma a evoluo da assistncia a crianas e jovens com deficincia em Portugal.Numa primeira fase, segundo metade do sculo XIX, assiste-se criao das primeiras instituies (asilos) para cegos e surdos, com pouco financiamento por parte do Estado, de origem, geralmente, privada.Nos anos 60 assiste-se a uma forte interveno, de natureza pblica, com a coordenao do Ministrio dos Assuntos Sociais. Este perodo caracterizou-se pela criao de centros de educao especial e centros de observao e tambm pela realizao dos primeiros programas de formao especializada de professores, fora do mbito do Ministrio de Educao (p. 16).Na terceira fase (incio dos anos 70), o Ministrio da Educao assume a liderana e cria as Divises do Ensino Especial45dos Ensinos Bsicos e Secundrio iniciando desta forma a integrao escolar.Como primeira medida, que veio a permitir o apoio a crianas com deficincia, as Equipas de Educao Especial foram implementadas em 1975-76. O apoio era prestado, inicialmente a crianas e jovens com deficincias motoras e sensoriais e, mais tarde, com deficincias mentais, integrados nas escolas regulares. Todavia s volvidos cerca de dez anos (1988) estas equipas foram reconhecidas pela lei.Os Servios de Apoio s Dificuldades de Aprendizagem (SADA) foram outra iniciativa da Direco Geral Ensino Bsico e Secundrio / Ministrio da Educao, no final dos anos 70. Com esta medida propunha-se a orientao educativa junto dos professores de turma e de apoio escola em alternativa ao apoio directo e centrado no aluno. Outra nota positiva era a perspectiva interdisciplinar, integrando aqui, para alm de docentes, psiclogos. Estes servios foram entretanto extintos por serem considerados uma sobreposio das Equipas de Educao Especial.Hoje, a responsabilidade da Educao Especial reparte-se essencialmente pelos servios competentes do Ministrio da Educao e do Ministrio de Solidariedade Social, que prestam servios de atendimento a crianas e jovens com NEE. As escolas especiais, os colgios particulares subsidiados e as Equipas de Educao Especial, a funcionar nas escolas regulares, so estruturas de atendimento dependentes do Ministrio da Educao. Destes servios, as equipas de Educao Especial so, porm, de acordo com a filosofia da integrao aquele que tem visto mais alargado o seu campo de actuao tendo triplicado desde o seu incio, sendo o nmero de crianas atendidas mais que o quntuplo, do seu incio (cf. Bairro, 1998)A integrao no foi, no , um processo pacfico. claro que este conceito implica uma mudana cultural, dolorosamente lenta. Concordamos com Vayer e Roncin (1992) quando afirmam46que difcil integrar uma populao particular numa sociedade pois, a partir de uma certa percentagem de indivduos diferentes, a populao de origem teme perder a sua identidade (p. 7).Como principal protagonista deste processo encontra-se o professor do ensino regular do qual se espera atitudes de interveno, que passam pela utilizao de estratgias e desenvolvimento de actividades focalizadas na diferena e individualidade, mantendo um programa eficaz para o grupo/turma.Este modelo tem limitaes, como afirma Correia (1997), sem a formao necessria para responder s necessidades educativas destes alunos, no conhecendo, muitas vezes, a natureza dos seus problemas e as implicaes que tm no seu processo educativo, os professores do ensino regular no lhes podem prestar o apoio adequado (p. 20).Estes so alguns dos constrangimentos que entravam este processo, vendo-se desta forma comprometida a aplicao do modelo pois como aponta Correia (1997), a incapacidade ou insegurana sentidas, relativamente ao desenvolvimento de estratgias de ensino-aprendizagem adequadas, condiciona, evidentemente o xito da integrao (p. 21).Os professores do ensino regular no possuem formao especfica, para o atendimento de crianas e jovens com NEE. A legislao conhece limitaes de aplicao tambm a este nvel: a integrao tem sido primordialmente promovida por legisladores que no consideram a varivel que consiste na capacidade de resposta daqueles que a tm de pr em prtica (Correia, 1997, p. 20).Para melhor compreendermos, hoje, a integrao necessrio ser, conhecermos uma diferente abordagem da linha histrica do atendimento de crianas e jovens com NEE.Segundo Sanches (1995), a educao de deficientes em Portugal teve o seu incio em 1822 pela mo de Freitas Rego com47a criao de um instituto de surdos-mudos e cegos em Lisboa. O objectivo era tornar o deficiente num membro activo da sociedade.J no incio deste sculo, existiam dois institutos para cegos e dois para surdos, em Portugal que asseguravam a educao a uma pequena faixa das crianas e jovens com deficincia. em 1913 que Aurlio da Costa Ferreira d incio ao Curso Normal para especializao de professores para a educao de surdos. Os rejeitados do sistema educativo eram colocados nas classes especiais, a funcionar nos institutos e instituies de assistncia.Com a Declarao dos Direitos da Criana (1921) e a Declarao dos Direitos do Homem (1948) posto em causa estemodelo segregacionista.A publicao do Decreto-Lei n. 3/8, de 1946, determina a criao de classes especiais frequentadas, primeiro por crianas anormais e mais tarde por crianas com inadaptaes escolares e debilidades ligeiras. Estas classes funcionavam com um grupo de alunos inferior a quinze, com programas de estimulao sensrio-motora, leitura-escrita e clculo.Com a criao das Equipas de Educao Especial (EEE), dependentes das Direces Regionais de Educao, tutelando o ensino Integrado, possibilita-se uma resposta alargada s (NEE). Estas equipas tinham como objectivo principal a integrao familiar, social e escolar das crianas deficientes adoptando vrias formas de actuao, segundo o Secretariado Nacional de Reabilitao (1985):apoio domicilirio aos pais e criana nas primeiras idades; apoio pedaggico individual ou em pequenos grupos, com periodicidade varivel, na escola onde a criana est integrada,48 sensibilizao de educadores e professores das classes regulares, seja atravs de encontros informais, seja atravs de aces de formao;produo de material didctico especial; difuso de equipamento e material escolar; contacto com os recursos da comunidade que podem intervir de qualquer forma no processo educativo da criana.A publicao do Decreto-Lei n. 319/91, de 23 de Agosto, vem determinar novos princpios orientadores: substituio da classificao em categorias baseadas em decises do foro mdico, pelo conceito de NEE, baseado em critrios pedaggicos;responsabilizao da escola regular pela educao de todos os alunos, numa perspectiva 'e escola para todos;reconhecimento do importante papel dos pais na orientao educativa dos seus filhos;educao do aluno com necessidades educativas especiais no meio, o menos restritivo possvel.O mesmo decreto considera medidas que possibilitam a integrao:equipamentos especiais de compensao;adaptaes materiais;adaptaes curriculares;condies especiais de matrcula;condies especiais de frequncia;49condies especiais de avaliao;adaptao na organizao de classes ou turmas;apoio pedaggico acrescido;ensino especial.Aqui o papel do professor de Educao Especial , claramente, evidenciado. luz das vrias leituras sobre este conceito, consideramos a Educao Integrada como, a noo de escola, como espao educativo aberto, diversificado e individualizado em que cada criana encontre a resposta sua diferena e individualidade.Este conceito tem como base a normalizao e assenta no conceito de meio menos restritivo possvel que possibilita a integrao fsica, social e pedaggica, pressupondo a utilizao mxima dos aspectos mais favorveis do meio para o desenvolvimento total da sua personalidade. Este modelo permite ao professor do ensino regular um procedimento adequado para com todos os alunos da classe. Outro aspecto, positivo relevante, a promoo de relaes sociais entre os alunos com necessidades educativas especiais e os outros.Na base das recentes disposies legais de igualdade de oportunidades educativas, para crianas com NEE na escola regular, esto . os movimentos de influncia da mentalidade, operados ao longo da Segunda metade do nosso sculo, sobretudo de ordem filosfica. Afirma Correia (1997), que medida que os conceitos de igualdade, liberdade e justia se expandem, as crianas e as suas famlias evoluem de uma situao de passividade para uma outra de maior empenhamento na resoluo dos seus problemas concretos (...) a escola est disposio de todas as crianas em igualdade de condies e obrigao da comunidade proporcionar-lhes um programa pblico e gratuito de educao adequado s suas necessidades (p. 14).50Chegados concluso de que o princpio de integrao determina a colocao da criana ou jovem com NEE junto da criana dita normal para fins acadmicos e sociais, tendo em considerao as suas caractersticas e necessidades concretas, num ambiente o mais normal possvel, de modo a que lhe seja proporcionada uma educao apropriada, torna-se ainda necessria uma diversificao de servios, diferenciados, que possibilitem a aplicao do modelo.Deno (citado por Correia, 1997) desenvolveu um sistema, em cascata, dos servios educacionais que tem como finalidade a adequao dos meios criana, de uma forma o menos restritiva possvel (cf. Figura 1)Este sistema em cascata comporta uma diversidade de medidas, graduadas tambm em funo das necessidades das crianas numa perspectiva de normalizao.Tendo, a maior parte das crianas, com NEE, dificuldades ligeiras, ou moderadas, a base da pirmide constitui a maior integrao e o meio menos restritivo. Numa sequncia lgica a pirmide vai estreitando, ocupando, um pequeno espao, as crianas que requerem meios mais restritivos, especializados e intensos.O objectivo principal possibilitar a transio para o nvel imediatamente superior no sentido de permitir o alcance da base ou, melhor ainda, a sada da pirmide.51Nmero de alunosNvel IO aluno permanece na classe regular. Professor do ensino regular recebe orientaes do professor de educao especial (consultor) e de quaisquer outros especialistas tidos como necessrios.Professor do ensino regular dirige programa de interveno.Nvel IIO aluno permanece na classe regular, recebendo apoio directo do professor de educao especial (itinerante). Programa dirigido pelo professor do ensino regular com a colaborao do professor de educao especial.Nvel IIIO aluno frequenta classe regular e sala de apoio. Programa de interveno dirigido pelo professor do ensino regular e pelo professor de educao especial.Nvel IVO aluno frequenta escola especial. Programa de interveno dirigido pelo professor de educao especialNvel VO aluno frequenta escola especial. Programa elaborado por especialistas entre os quais figura o professor de educao especialNvel VIO aluno recebe servios de educao especial no seu domiclio. Programa elaborado porespecialistas entre os quais figura o professorespecial.Nvel VIIO aluno recebe servios de educao especial em instituies especializadas: hospitais, IPSS, lares, etc. Programa elaborado por especialistas.Figura 1. Cascata de Servios Educativos522.1.3. A integrao como filosofia educacionalMas a educao o que ? ser bem comportado? cumprir as regras do convvio social, no interferir na liberdade dos outros ou dizer as coisas de uma certa maneira e com alguma erudio? tudo isso e mais alguma coisa que cada um acrescenta da sua cincia e arte?(Joo Dos Santos) evidente, que a educao permite a transmisso da cultura, dos valores ticos e cvicos, na sua vertente socializante. Joo dos Santos (1991) revela-nos, com o seu pensamento, uma viso sistmica da educao, afirmando que educar consiste em a pessoa se oferecer como modelo, ser educado a pessoa crescer e evoluir de maneira a constituir-se a ela prpria como modelo (p. 129).O sistema de comunidade educativa um todo, mais do que a soma das partes, um espao rico onde o sujeito se desenvolve e aprende. Como afirma Morrish (citado por Peixoto, 1988), no existem eus isolados, apenas pessoas em relao, e este conceito interdisciplinar: assim que a reflexo filosfica, a psicologia, a sociologia, a histria, etc. fornecem um corpo de conhecimentos para uma compreenso mais profunda da educao como um todo (p. 20). Aprender um processo complexo que determina crescimento e tem como meta maior, a autonomia do sujeito. toda a comunidade educativa, enquanto sistema, que em relao, permitir atingir esse desenvolvimento e autonomia que possibilita ao sujeito escolher, decidir por si.De acordo com Fonseca (1996), como seres humanos somos organismos complexos, cuja evoluo e ontognese retrata uma interaco multifacetada entre o corpo, o crebro e os vrios ecossistemas (exemplo: famlia, creche, escola, emprego, comunidade,53etc.), e dessa interaco que ocorre o desenvolvimento cognitivo por meio do qual nos adaptamos ao meio exterior que nos envolve e o transformamos nossa medida (p. 7).Sampaio (1998) estabelece uma relao dinmica entre os vrios factores que interagem na construo da pessoa, da personalidade nica, que diferencia cada um, afirmando: Sabemos da investigao psicossocial, que crianas e jovens, mesmo a viver em circunstncias muito desfavorveis, conseguem desenvolver aspectos da sua personalidade que os tornam mais resistentes s condies adversas. Todo o esforo dever ser concentrado, no na anlise dos factores de risco, mas antes na potenciao dos factores protectores (p. 44).Correia e Serrano (1998) evidenciam essa rede de relaes anotando vrios foram os contributos tericos que influenciaram tais mudanas, nomeadamente algumas das teorias no campo da psicologia do desenvolvimento, as quais vieram clarificar a importncia, quer da interaco indivduo-ambiente na construo do conhecimento e no desenvolvimento global da criana, quer a importncia das relaes primrias, e igualmente as perspectivas ecolgica e sistmica social (p. 17).Nesta lgica, todos os indivduos so vistos num processo de desenvolvimento constante e dinmico, que progressivamente os faz passar para diferentes contextos, reestruturando os contextos onde se inserem. Esta abordagem determina mudanas, pois como dizem os autores acabados de referir, a transformao do sistema significa que os apoios criana j no podem ser descontextualizados da comunidade ou da famlia (p. 59).A integrao, consistindo num processo de prticas que maximizam a participao das pessoas em actividades comuns da sua cultura, determina a oferta de servios educativos que se pem em prtica, mediante a disponibilidade de uma variedade e de alternativas de ensino e de classes, que so adequadas ao plano educativo, para cada aluno, permitindo a mxima inte-54grao institucional, temporal e social entre alunos deficientes e no deficientes durante o perodo escolar.Passemos em revista algumas definies de integrao para melhor entendermos este conceito (cf. Bautista, 1997): Birch define a integrao escolar como um processo que pretende unificara educao regular e a educao especial, com o objectivo de oferecer um conjunto de servios a todas as crianas, com base nas suas necessidades de aprendizagem. Kaufman define a integrao, tendo como marco educativo o mainstring, como referida integrao temporal, instrutiva e social de um grupo seleccionado de crianas diferentes, com os seus companheiros normais, baseada numa planificao educativa e num processo programador evolutivo e individualmente determinado. Esta integrao requerer uma distribuio de responsabilidade entre o pessoal educativo regular e especializado e o pessoal administrativo e auxiliar. A National Association of Retard Citizens (NARC), dos EUA, explica que a integrao uma filosofia ou princpio de oferta de servios educativos, que se pe em prtica mediante a proviso de uma variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano educativo de cada aluno, permitindo a mxima integrao educacional, temporal e social entre alunos deficientes e no deficientes durante o perodo escolar normal.O processo de integrao assenta em alguns pressupostos (cf. Bautista, 1997):a integrao significa uma participao efectiva nas tarefas escolares que proporcione criana ou jovem a educao55diferenciada de que necessita; no representando apenas a colocao fsica num ambiente no restritivo;a integrao inicia-se com a avaliao e identificaodas necessidades educativas especiais do aluno implicando o recurso a ajudas pessoais, materiais, adaptaes curriculares etc., que favoream o seu desenvolvimento;a colocao de uma criana num determinado ambiente oulugar no ser definitiva; mediante avaliao peridica tentar-se- proporcionar-lhe situaes que permitam um maior nvel de integrao; nem sempre ser possvel, a integrao de alguns alunos numa classe regular de uma escola regular. Sendo isto o ideal e a tendncia natural, haver casos em que a modalidade de integrao dever ser outra.A designao Necessidades Educativas Especiais (SpecialEducational Needs) foi utilizada no famoso Relatrio Warnock, deMaio de 1978, apresentado no Parlamento do Reino Unido, pela Secretaria de Estado para a Educao e Cincia e a Secretaria do Estado para a Esccia e a Secretaria do Estado para o Pas de Gales.Esse relatrio foi elaborado a partir do estudo realizado pelo 1. Comit do Reino Unido, presidido por Mary Warnock (1978), constitudo para analisar o atendimento existente para todos os deficientes. Aqui as dificuldades apresentam-se como - um contnuo, encaradas no em termos de uma dificuldade particular da criana, mas em relao com tudo sobre ela, capacidades e incapacidades, todos os factos importantes no progresso educativo (p. 37).Desta forma, um aluno com NEE (Necessidades Educativas Especiais) apresenta algum problema de aprendizagem, no seu percurso escolar que precisa de ateno especfica e um acrscimo de recursos educativos.56Com esta concepo a ateno recai nos meios e no no aluno, passando a perspectivar-se a situao, de acordo com Warnock (1978) no como uma dificuldade particular que a criana julgada ter, mas em relao a tudo sobre ela, as suas habilidades e dificuldades (p. 37).Com a Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994), o conceito de NEE conhece uma nova definio, referindo todas as crianas e jovens cujas necessidades educativas se relacionem com deficincias ou dificuldades escolares e consequentemente tm necessidades educativas especiais em algum momento da sua escolaridade. Aqui se incluem as crianas com deficincia ou sobredotadas, crianas da rua ou crianas que trabalham, crianas de populaes remotas ou nmadas, crianas de minorias tnicas ou culturais e crianas de rea ou grupos desfavorecidos ou marginalizados.No seu percurso escolar a criana confronta-se com desigualdades que, segundo Peixoto (1991), podem ser de vria ordem:(a) desigualdade do desenvolvimento mental (inteligncia, psicomotricidade, etc.);(b) desigualdade na organizao da personalidade (desenvolvimento afectivo, equilbrio emocional, etc); e (c) desigualdade do meio sociocultural (para um igual QI, o nvel sociocultural tem um papel discriminador).Impe-se, para uma anlise mais realista desta problemtica, uma abordagem sociolgica, proposta por Peixoto (1991):A escola como ponto de encontro de uma populao com culturas, linguagens e cdigos de comportamentos variados, dever ter uma postura de aceitao e valorizao57 das diferenas individuais, com base no princpio de que ser diferente no significa, necessariamente, ser pior ou melhor.Esta atitude perante a diversidade dos alunos impe uma prtica pedaggica que respeite as diferenas individuais e, portanto, o uso de mtodos e estratgias de ensino-aprendizagem diversificadas e de acordo com as caractersticas, interesses e capacidades de cada aluno (p. 27).A natureza das NEE , por isso, variada. Podem ser sintomas de problemas relacionais na famlia, na escola, ou entre esses dois sistemas. Apresentando um carcter pontual as dificuldades podero facilmente ser ultrapassadas. Se a criana ou jovem no receber o atendimento necessrio, as dificuldades podem vir a assumir uma forma permanente. Quanto s deficincias ou perturbaes, j instaladas, a interveno dever ter como objectivo incidir sobre s potencialidades e evitar novos problemas. Em relao aos problemas de ordem social, a ateno dever dirigir-se ao meio, numa atitude de respeito, pela cultura de origem do aluno.O objectivo da educao deve ser o mesmo para qualquer aluno: o desenvolvimento da autonomia e da identidade pessoal. Os meios para os alcanar que podem ser diferentes. Se as NEE so um problema devemos procurar a soluo adequada dentro da comunidade educativa, envolvendo o meio menos restritivo possvel, utilizando os meios educativos apropriados. Sousa (1998) adverte que devemos ser cuidadosos e no deixar o sistema engendrar o problema, isto significa que as descries ou explicaes, as histrias e narrativas com ele relacionadas esto a torn-lo um problema. Quando surgir uma situao problemtica, ento o problema engendra o sistema, isto ; a comunidade educativa organiza-se para o resolver (p. 58).A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), segundo Pires (1987), consagra a integrao em estabelecimentos regulares de ensino como modalidade preferencial da educao para defi-58cientes, sem embargo da adaptao de currculos, programas e formas de avaliao a cada tipo e grau de deficincia e comete a um nico Ministrio a responsabilidade pela coordenao da poltica educativa, a orientao, apoio tcnico pedaggico e fiscalizao de todas as iniciativas neste domnio (p. 8).Com a publicao do Decreto-Lei n. 319/91, de 23 de Agosto, fica legitimada a responsabilizao da escola regular na educao de crianas e jovens com NEE, apresentando a ideia de uma escola para todos, contempla os alunos com necessidades educativas especiais que frequentam os estabelecimentos pblicos de ensino dos nveis bsico e secundrio.O Decreto-Lei n. 319/91 materializa duas orientaes que decorrem do desenvolvimento jurdico da Lei de Bases do Sistema Educativo, no seu artigo 59.:fomentar a igualdade de oportunidades educativas a todas as crianas e jovens deficientes;permitir que as NEE correspondam, no mbito das escolas regulares, a intervenes especficas adequadas.Tambm a Declarao Mundial sobre Educao Para Todos (1990) determina a necessidade de se tomarem as medidas necessrias destinadas a assegurar a igualdade de oportunidades de acesso educao, a todas as categorias de indivduos deficientes. claro que a lei um avano importante para a modificao do sistema, mas tem de ser acompanhada pela organizao de estruturas de apoio s escolas, como reconhece Sousa (1998). Por enquanto, esta evoluo legislativa no foi acompanhada pela adequao dos recursos no terreno, isto , nas escolas (p. 74).O Conselho Nacional de Educao, pela 5. Comisso - acompanhamento e anlise global da educao - e na sequncia do59seminrio organizado por esta comisso (Uma educao inclusiva a partir da escola que temos), elaborou um documento no qual pretende prestar um contributo para uma poltica educativa que d uma resposta eficaz s crianas e jovens com necessidades educativas especiais, contrapondo segregao e. ao insucesso como via educativa estimulante das suas capacidades, no quadro de uma escola para todos. Pretende-se no referido documento (ME/CNE, 1999) ainda, prestar, um contributo que seja til a todos os que intervm nesta rea to sensvel, em particular aqueles que tem responsabilidades de deciso aos diversos nveis da Administrao, para que a educao para todos seja, efectivamente, para todos, especialmente para os mais vulnerveis e com mais necessidades. Aqui se refere, o papel do Ministrio da Educao que, se por um lado, a partir de 1973-1974 publicou importantes diplomas legais anunciando a integrao, assumindo, pela primeira vez, a educao das crianas e alunos deficientes, por outro, fez dirigir a maior parte dos investimentos financeiros do Estado para as estruturas segregadas, e no para o desenvolvimento da educao integrada.Fonseca (1997) aponta algumas das prioridades na filosofia da integrao, afirmando que a "classe regular" e a "escola regular" tero de alargar e expandir as oportunidades de aprendizagem a todas as crianas, incluindo as deficientes. S assim se' pode integrar um maior nmero de crianas. Novos programas, novos currculos, novas funes para os professores das classes regulares, novos contedos na sua formao, novos suportes, novos processos de colaborao entre tcnicos, etc., so alguns dos sectores de desenvolvimento educacional que o conceito de integrao arrasta consigo (p. 220).A integrao de alunos com deficincias implica, entre outras coisas, a elaborao e adaptao de esquemas curriculares, a inovao e investigao educativa dos processos integradores, a necessidade de formar e qualificar professores, a60adaptao dos recursos humanos e materiais e a interveno e orientao psicopedaggica.A integrao assenta em dois princpios bsicos: normalizao: o aluno com necessidades educativas especiais deve desenvolver o seu processo educativo num ambiente no restritivo e to normalizado quanto possvel; individualizao: perspectiva pedaggica que implique ajustar o atendimento educativo s caractersticas e particularidades de cada aluno.2.1.4. Perto da vista, perto do corao- O tempo que gastaste com a tua rosa que a fez ser to importante.- O tempo que gastei com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para depois se lembrar.(Saint-Exupry) pela proximidade, pelo contacto do quotidiano, que se estabelecem os laos, que se atam os ns, numa relao feita de cumplicidades. Concordamos com Peixoto (1990), quando diz: (...) a escola, que tem vindo a sobrevalorizar a dimenso cognitiva, no processo de ensino-aprendizagem dever rever os seus processos e atender, de forma mais acentuada, dimenso afectiva. Tal indicao ainda mais justificvel medida que descemos no nvel etrio dos alunos (p. 138).Da aprendizagem, como resultado da relao com os estmulos, que ocorre, como uma transao entre pessoas, e entre elas e o mundo fsico e social envolvente, emergem muitas modi-61ficaes no processo cognitivo. Contudo esta aprendizagem no suficiente para produzir nveis e padres de desenvolvimento cognitivo. No basta apenas pr em prtica a relao sujeito-objecto. No basta a exposio a estmulos. necessrio que entre os estmulos e os organismos dos indivduos mediatizados surja um mediatizador que intencionalmente actue nas estruturas cognitivas. frequente ver crianas mergulhadas em meios enriquecidos de estmulos, mas vazios de mediatizadores. Fonseca (1996) reconhece que:Embora em contacto com eles, no os exploram sistematicamente nem planificadamente, no extrapolam, nem relacionam, no transferem, nem generalizam e consequentemente, exibem disfunes cognitivas e comportamentos episdicos e acidentais, algo que conhecemos como caracterstico nas crianas culturalmente privadas ou nos portadores de deficincia mental, e com intensidade diferente nas crianas com dificuldades de aprendizagem ou com insucesso escolar (p. 72).Segundo Fonseca (1996), para se atingirem nveis de desenvolvimento, hierarquizao e complexidade cognitiva necessrio uma Experincia Mediatizada (EM), que responsvel pelas principais mudanas estruturais de cognio. A EM algo intrnseco raa humana, que explica a origem social da linguagem e do pensamento humano.O indivduo modifica-se em termos cognitivos se tiver sido sujeito EM, uma vez que pelos seus prprios meios ou por simples exposio directa a estmulos e a objectos no se modificabilizar cognitivamente nem se apropriar de funes cognitivas superiores.A exposio directa aos estmulos fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a interaco mediatizada, a prpria cultura, que permite o acesso a funes cognitivas superiores. O desenvolvimento humano o produto de dois62modelos de interaco; um com os estmulos, o outro, com os mediadores, sejam eles os pais, os mdicos, os psiclogos ou os professores. De acordo com Freire (1979) o homem no uma ilha. comunicao. Logo h uma estreita relao entre comunho e busca (p. 28).No podemos continuar a aguardar que sejam os alunos a adaptarem-se s exigncias das tarefas ou dos mtodos escolares. A escola e os agentes devero envidar esforos para adaptar as tarefas escolares ao nvel bsico adaptativo evidenciado pelos alunos: no podemos aceitar que tais crianas se comportem apenas como preferem.A EM tem como objectivo modificar estruturalmente a cognio dos indivduos com fracas prestaes cognitivas. Ao referir a cognio devemos associar a emoo e a motivao sendo elas inseparveis em termos de intencionalidade e modificabilidade. Feuerstein (citado por Fonseca, 1996) afirma que a modificabilidade, portanto, no se limita cognio, mas tambm emoo e motivao (p. 73).Esta filosofia exige mudanas de atitude, e no apenas exibio de competncias. A atitude pedaggica que se impe baseia-se, sobretudo, no amor. Diz Freire (1979): Ama-se na medida em que se busca comunicao, integrao a partir da comunicao com os demais. No h educao sem amor. O amor implica luta contra o egosmo. Quem no capaz de amar os seres inacabados no pode educar. No h educao imposta, como no h amor imposto. Quem no ama no compreende o prximo, no o respeita (p. 29).Peixoto (1990) refere que se nos preocupamos com o aspecto cognitivo melhoramos, com certeza o rendimento escolar dos alunos, mas se, na sala de aula, atendermos ao sentimento do aluno e nos preocuparmos em desenvolver e melhorar a dimenso afectiva no processo de ensino-aprendizagem, a melhoria do rendimento escolar, ser mais acentuada (p. 96).63De acordo com Fonseca (1997), tirar os indivduos portadores de deficincia e com necessidades especiais do trauma das expectativas negativas, ou do insucesso na aprendizagem, algo que exige uma grande abnegao, uma vez que no podemos acreditar que eles esto condenados a no mudar, caso contrrio, corremos o risco de advogar uma pedagogia conservadora (p. 74).Sampaio (1998) afirma que aprende melhor quem gostado. Aprende-se melhor do que se se gosta. Para uma criana gostar de aprender tem que primeiro gostar dela e, depois, ter algum de quem gostar (p. 52).Qualquer educador sabe, reflectindo, sobre a sua prtica pedaggica, que sem contacto, sem motivao, qualquer projecto pedaggico caminha para a runa. A alavanca de transmisso pedaggica pertence, de facto, ordem de uma dinmica psico-afectiva.Por isso, para que a criana desfavorecida pessoalmente ou pelas circunstncias que marcaram as primeiras relaes se integre no mundo dos outros preciso,. antes de mais, nada que esse mundo a aceite. No basta dar lugar criana, na sala de aula, ou numa estrutura de atendimento, para que ela participe activamente na vida do grupo social do qual faz parte. A integrao algo completamente diferente, como afirmam Vayer e Roncin (1992), na medida em que a criana se integra na estrutura de comunicao que ela pode envolver-se na aco e no relacionamento com os outros, envolvimento esse, que , sabemos bem, a condio de todo o desenvolvimento (p. 53).Considerando o ponto 4 da Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994): Uma pedagogia centrada na criana pode impedir o desperdcio de recursos e enfraquecimento de esperanas, to frequentemente consequncias de uma instruo de baixa qualidade e de uma mentalidade educacional baseada na ,64ideia de que um tamanho serve a todos. Escolas centradas na criana so, alm do mais, a base do treino para uma sociedade baseada no povo, que respeita tanto as diferenasquanto a dignidade de todos os seres humanos. Uma mudana de perspectiva social imperativa. Por um tempo demasiadamente longo os problemas das pessoas portadoras de deficincias tm sido compostos por uma sociedade que inabilita, que tem prestado mais ateno aos impedimentos do que aos potenciais de tais pessoas.Nas crianas e jovens, com NEE preciso mudar e transformar as suas relaes com a realidade e no apenas ocup-las nas suas actividades preferidas. Concordamos com Fonseca (1996) que a estratgia de interveno no pode ser neutra ou acrtica, deixando que os indivduos passem o tempo em experincias hednicas repetitivas e inconsequentes (p. 73).A .proximidade e intencionalidade entre educador e educando so assim determinantes do desenvolvimento de ambos, permitindo o enriquecimento humano mtuo. 2.2. A caminho da incluso2.2.1. Direito educaoNo futuro, o desafio est em garantir a todos a igualdade de oportunidades sociais e educacionais.(VTOR DA FONSECA)Na Declarao Universal dos Direitos do Homem vemosconsagrado no seu artigo 26.: Toda a pessoa tem direito educao. A educao deve ser gratuita, pelo menos no que diz respeito ao ensino elementar e fundamental. Tambm nos65artigos 28. e 29. da Conveno sobre os Direitos da Criana vemos contemplado esse direito.Sendo a educao um direito fundamental prpria existncia, ele nem sempre foi cumprido. No podemos esquecer que a Constituio de 1933 no contemplava, sequer, o direito educao e que, no perodo anterior ao 25 de Abril de 1974, ele s viria a ser consagrado com a publicao da Lei n. 5/73, de 25 de Julho, que, na sua Base II, estabelecia que incumbe ao Estado assegurar a todos os Portugueses o direito educao. Para alguns, s porque eram diferentes, viam-se excludos desse direito pleno.O tratamento igualitrio deve constituir a base do planeamento das sociedades. O princpio da igualdade determina que as necessidades de cada indivduo tenham igual importncia e que todos os recursos sejam aplicados de modo a garantir a todos iguais oportunidades.Nesta lgica muitos progressos se tm feito na educao das crianas com deficincia, sofrendo esta prtica uma constante evoluo nas atitudes da sociedade perante as crianas com Necessidades Educativas Especiais.Nas ltimas dcadas, a tendncia da poltica educativa e social tem sido a de promover a integrao, a participao e o combate excluso.A escola dever ser assim o espao privilegiado da prtica da democracia, criando igualdade de oportunidades para todos os cidados, como ponto de convergncia das expectativas sociais quanto ao que dever ser o homem adulto. Como refere Dewey (citado por Rocha, 1988), (...) a educao significa a soma total de processos, por meio dos quais uma comunidade ou um grupo social, grande ou pequeno, transmite os seus poderes e fins adquiridos, com o objectivo de assegurar a sua prpria existncia e o seu desenvolvimento contnuo (p. 62).66Desta forma a escola surge. como a primeira instituio social que tem como objectivo a preparao de cidados para cooperar, defender, transformar e desenvolver a sociedade a que pertencem e a que todos tm direito, conforme o previsto na Declarao Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo 26..Na trajectria humana, a escola assume-se como uma etapa fundamental na promoo do desenvolvimento fsico, intelectual, afectivo e social da pessoa, tendo como principal funo integrar o indivduo na sociedade, como membro activo e participativo.As expectativas e objectivos do processo educativo tm variado em funo das caractersticas da sociedade e dos momentos histricos. Como afirma Fonseca (1980), em muitos aspectos a problemtica da deficincia reflecte a maturidade humana e cultural de uma comunidade (p. 17). Por isso, a educao de crianas com NEE tem sido encarada de diferentes formas, com prticas diferenciadas.O desenvolvimento do ser humano est subordinado a dois grupos de factores: os factores da hereditariedade e adaptao biolgica, dos quais depende a evoluo do sistema nervoso e dos mecanismos psquicos elementares e os factores de transmisso ou de interaco sociais, que intervm desde o bero e desempenham, um papel de progressiva importncia, durante o crescimento, na constituio dos comportamentos e da vida mental. Falar de um direito educao , pois, em primeiro lugar, reconhecer o papel indispensvel dos factores sociais na prpria formao do indivduo.Ainscow (1997) refere, que muitas crianas ao longo da sua vida escolar, numa ou noutra altura, experimentam dificuldades. Contrastando com perspectivas tradicionais em que as dificuldades de aprendizagem eram vistas como limitaes e/ou deficincias individuais, existe uma abordagem mais positiva que reconhece que as dificuldades de aprendizagem podem resultar67da interaco de um conjunto de factores muito complexo. Entre eles conta-se a natureza do currculo, a organizao da escola e a disponibilidade e competncia dos professores.A escola veicula modelos, atitudes e comportamentos prprios da sociedade a que pertence, junto de uma populao heterognea que a compe e que tem de conduzir com sucesso. Privando, pela marginalizao, qualquer criana, desta vivncia, alienar o seu processo de socializao, proporcionando condies artificiais de relao com o meio, retirando a oportunidade, sociedade, de construir uma harmonia, e privando o sujeito das condies de socializao.O conceito de normal relativo', como o demonstraram, j, estudos de Durkheim e Benedick, referidos por Fonseca (1980). O conceito de ser humano perfeito ou de norma ideal no tem entidade prpria, mas sim existe na mente de cada indivduo e, por conseguinte, ser diferente segundo a interpretao que se d da mesma. 'A norma ideal , geralmente, de origem social e a classificao dos indivduos em normais, segundo este critrio qualitativo, varia segundo a sociedade de que se trate.Por isso os conceitos de norma e normalidade so relativos e socialmente estabelecidos. Podemos afirmar que, embora diferentes entre si os indivduos que compem a Humanidade mostram sempre mais semelhanas, do que diferenas. Garcia (citado por Lopes, 1997) reconhece que, ... o sistema tem de ter uma funo humanizadora, integradora, compensadora e superadora das deficincias para no se transformar num instrumento gerador da desigualdade, do fracasso e da patologia da d