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Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | I

Oftalmologia - Vol. 37

Comissão CentralPresidentePaulo Torres

Vice-PresidenteEduardo Silva

TesoureiraIsabel Lopes Cardoso

VogaisJoão Filipe SilvaMun Faria

Secretário-Geral AdjuntoLuís Cardoso

Secretária-GeralIsabel Prieto

Mesa da Assembleia GeralPresidenteAntónio Aires Marinho

Vice-PresidenteAntónio Limão

1º SecretárioWalter Rodrigues

2° SecretárioMário Alfaiate

Conselho FiscalAugusto MagalhãesFrancisco Sousa LéJosé Arede

Coordenadores das Secções da S.P.O.Grupo Português de Retina-VítreoJ. Neves Martins

Grupo Português de Inflamação OcularPaulo Marques

Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e EstrabismoPaulo Vale

Cirurgia Implanto-Refractiva de PortugalRamiro Salgado

Grupo Português de Superfície Ocular Córnea e ContactologiaPedro Rodrigues

Grupo Português de GlaucomaMaria da Luz Freitas

Grupo Português de NeuroftalmologiaDália Meira

Grupo Português de Patologia, Oncologia e Genética OcularSandra Prazeres

Grupo Português de ErgoftalmologiaVítor Leal

Editor da página da S.P.O na InternetHelena Filipe

EditorNuno [email protected]

OftalmologiaPublicação Trimestral | Vol. 37 | Outubro - Dezembro 2013

REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE OFTALMOLOGIA

SUBLINHADO Publicações e Publicidade Unipessoal - R. Prof. Vieira de Almeida, 38 - Lj. A - Bloco B - Piso 0 - 1600-371 LISBOA - Tel.: 21 757 81 35 | Depósito Legal 93 889/95 - ISSN 1646-6950

Conselho Redactorial

David Barros MadeiraDavid MartinsHelena SpohrJoão MatiasMarta Vila FrancaNuno LopesOlga BerensPedro FariaPedro AfonsoRui Tavares

Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | III

Índice

EditorialSARC e RCAAP, o que é isto?

Marta Vilafranca, Nuno Campos

Nota do EditorNuno Campos

Artigo de RevisãoResposta Nocebo ou Efeito placebo negativo. O Consentimento Informado Contextualizado

Leonor Duarte de Almeida

Artigos OriginaisTuberculose ocular presumida

Joana Portelinha, Maria Picoto, André Marques, Filipe Isidro, Marta Guedes

Técnica de ´ crushing´´ na remoção de material cortico-nuclear com vitréctomo 23 G. A nossa experiência

Maria Picoto, Filipe Isidro, Sofia Donato, António Rodrigues, Fernanda Vaz

Sondagem nasolacrimal em crianças: resultados com mais de 14 anos de follow-up

Mariana Seca, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres

Espessura da Coróide na Oclusão de Ramo Venoso da Retina

Maria Lisboa, Luísa Vieira, Ana Cabugueira, Rute Lino, Ana Amaral, Miguel Marques, Rita Flores

V

VII

221

227

237

245

251

Comunicações Curtas e Casos ClínicosExotropia Intermitente: “Do sucesso cirúrgico à necessidade de reintervenção a longo prazo”

Diana Cristóvão; Raquel Seldon; Maria de Lourdes Vieira

Diagnóstico e Tratamento da Toxoplasmose Ocular em Casos Atípicos

André Marques, Joana Portelinha, Filipe Isidro, Maria Picoto, Marta Guedes

Análise Retrospectiva e Caracterização Epidemiológica de 151 casos de Inflamação Ocular

Maria Lisboa, Arnaldo Santos, Luísa Vieira, Rita Rosa, Mariana Cardoso, Isabel Domingues

Queratite por acantamoeba – Revisão de 6 casos clínicos. Centro Hospitalar Lisboa Central

Rita Anjos, André Vicente, Luisa Vieira, Vitor Maduro, Nuno Alves, João Feijão, Pedro Candelária, Miguel Trigo

Medicamentos off label em oftalmologia. Implicações ético Jurídicas

Leonor Duarte de Almeida

Olhar de ForaO computador!

Ruben de Carvalho

Indicações aos Autores e Normas de Publicação

259

265

273

283

291

297

299

Oftalmologia - Vol. 37

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | V

Editorial

Marta Vilafranca e Nuno Campos

SARC E RCAAP, O QuE é ISTO?

Meus Caros Colegas,

A revista da SPO foi criada em 1976 e conta já com várias equipas editoriais que têm trabalhado com o principal objectivo de divulgar conteúdos científicos da nossa comunidade de Oftalmologistas. Ao longo dos anos foi sofrendo uma evolução gradual e uma modernização constante, tendo actualmente uma produção científica trimestral e com diversas secções.

Entendeu esta Direcção e esta Equipa editorial, que seria muito importante a realização da transição para a publicação em acesso aberto, tornando mais eficiente o ciclo editorial e a publicação dos conteúdos e facilitando a indexação dos artigos da revista. Neste contexto efectuamos a candidatura da revista ao Serviço de Alojamento de Revistas Científicas (SARC) do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), tangibilizando um objectivo há algum tempo aparentemente inalcançavel.

O SARC tem como propósito a gestão de um conjunto alargado de revistas, com base num sistema (Open Journal System) que tem como principais objectivos disponibilizar e facilitar o acesso à produção científica em acesso aberto. Este sistema permite ainda ampliar o acesso, a preservação e o impacto das pesquisas e dos resultados. As principais funcionalidades que o sistema disponibiliza são as seguintes:

- Instalação de uma única plataforma para várias revistas;- Independência total de gestão por parte dos gestores da revista;- Processo de submissão e gestão integralmente electrónico; - Indexação do conteúdo da revista;- Diversas ferramentas de leitura;- Notificação automática através do correio electrónico;- Interoperabilidade com outras normas e formatos;- Ajuda contextual em todo o sistema;- Plataforma multi-idioma;- Gestão facilitada dos utilizadores e perfis.

É com muita satisfação que comunicamos que a candidatura da nossa revista ao Serviço de Alojamento de Revistas Cien-tíficas (SARC) foi aceite, e já se encontra na fase implementação. Esperamos que na próxima publicação a nossa plataforma já se encontre em pleno funcionamento.

Oftalmologia - Vol. 37

VI | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Finalmente, queremos agradecer a todos os que tornaram este processo possível, em especial às equipas editorias ante-riores que passaram pela revista, mas também à nossa comunidade científica, pela produção contínua de ciência. Esperamos com a publicação em acesso aberto, uma maior visibilidade do nosso trabalho e da elevada qualidade dos Oftalmologistas Portugueses.

Parabéns a todos.

Marta Vilafranca, Editora Adjunta e Nuno Campos, Editor

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | VII

Caros colegas

Tenho o grato prazer de vos informar no seguimento da informação dada no último congresso, que a nossa revista está prestes a dar um salto qualitativo, talvez um dos mais importantes da sua existência.

Disso vos dá conhecimento, um texto publicado nesta revista sobre este desenvolvimento, muito acarinhado e estimulado por esta Direcção.

Num momento em que o que não é registado ou gravado, não existe, é da maior importância constituir um acervo cientí-fico, e assegurar a sua circulação, em plataformas robustas e da maior visibilidade.

É graças a uma maior importância científica mas também mediática que a Oftalmologia Portuguesa que é de excelência, poderá influenciar tanto quanto possível, decisões políticas muitas vezes tomadas com pouca sustentação, e sem a consulta dos Médicos Oftalmologistas.

Com amizade, Nuno Campos

Oftalmologia - Vol. 37

Nota do Editor

Nuno Campos

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 221

Resposta Nocebo ou Efeito placebo negativo. O Consentimento Informado Contextualizado

Leonor Duarte de Almeida Oftalmologista pelo Hospital de Santa Maria Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, Lisboa, Portugal,

Mestre em Bioética (Faculdade de Medicina de Lisboa), Doutoranda em Bioética pela (Universidade Católica Portuguesa.

RESuMO

O respeito pelo consentimento informado obriga o médico e explicar ao doente os efeitos secun-dários das terapêuticas que prescreve. Em seu resultado podem surgir efeitos acessórios conheci-dos como efeito nocebo ou placebo negativo. Este facto contraria o princípio da não maleficência. Existe alguma controvérsia na informação a fornecer que deve considerar os possíveis efeitos secundários, devendo adequar-se a cada paciente, a informação a receber. O consentimento infor-mado contextualizado pretende minizar a resposta nocebo, mantendo a autonomia do paciente.

Palavras-chaveConsentimento informado, relação médico-doente, efeito nocebo, consentimento informado contextualizado.

ABSTRACT

Responses Nocebo or negative placebo effect, The contextualized Informed consent The informed consent respect obligates physicians to explain the patient possible side effects when prescribing medications. This disclosure may itself induce adverse effects or negative placebo. This fact contradicts the principle of nonmaleficence. There are some tension between information to the patiente which takes into account possible side effects. The contextualized informed consent essay suggests a pragmatic approach for providers to minimize nocebo respon-ses while still maintaining patient autonomy through.

Key-wordsInformed consent, medical-patient relationship, nocebo effect, contextualized informed consent.

Artigo de Revisão

Oftalmologia - Vol. 37: pp.221-226

INTRODuçãO

O fim último de qualquer médico é o de ajudar o seu doente no processo de cura. Nessa ação está inscrita a prescrição de fármacos adequados às mais variadas enti-dades nosológicas (e a cada doente em particular), bem como o explicitar dos seus riscos /benefícios e possíveis efeitos adversos.

Na atuação médica está previsto o respeito pelo prin-cípio do consentimento informado. No processo de des-crição de efeitos adversos, poderá o médico mesmo sem o desejar, criar no seu doente um fenómeno denominado de efeito nocebo ou placebo negativo. Este efeito traduz-se na existência de respostas de desconforto, expressas pelo doente depois da informação recebida, mais do que de alí-vio do sofrimento.

222 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Pensa-se que tal efeito nocebo, deriva das expetativas negativas do doente face à sua doença, associada à ansie-dade que a mesma sempre envolve1. Tal efeito pode tradu-zir-se no aumento significativo de sintomas não específicos, originando em consequência alterações do foro psicológico relacionadas com a informação dos efeitos acessórios dos medicamentos.

Estes efeitos acessórios não envolvem sintomas sérios e não estabelecem uma correlação clara com a ação farmaco-lógica do fármaco envolvido, sendo independentes da dose (dificuldade de concentração, cansaço, náuseas, fadiga, cefa-leias, insónias e sensação de mal estar geral). Paralelamente ocasionam custos acrescidos, motivados pela não aderência à medicação, procura de consultas desnecessárias, e ainda um conjunto não despiciendo de utilização de medicamentos adicionais, prescritos para agora tratar os resultados acessó-rios do efeito nocebo2. Em contraste, os efeitos colaterais específicos são alterações fisiológicas genuínas relacionadas com a acção farmacológica e actividade biológica da droga envolvida e tendem a ser dependentes da dose.

No contexto da importância que vem ganhando a imple-mentação do consentimento esclarecido, reforçada pela colocação em marcha da Norma 015/2013 de 03 /10, em discussão pública, levanta-se a questão de quanta, como e qual, a informação que deverá ser fornecida aos doentes, acerca dos efeitos acessórios dos medicamentos prescritos.

É também nesse sentido que a questão ético-jurídica da prescrição de medicamentos off label, ganha pertinência, sendo certo que mesmo sem cobertura legal, a prescrição destes fármacos se centra na boa-fé do médico, que deseja sobretudo preservar a saúde visual dos seus doentes mais vulneráveis.

Estamos pois perante uma encruzilhada ética. Se por um lado deve ser disponibilizada toda a informação possível dos efeitos adversos de qualquer terapêutica ao doente, tal como é requerida pelas normas éticas de respeito pela liber-dade do cidadão e pelo seu direito a ser informado (con-sentimento informado e direito a ser esclarecido), por outro uma informação muito detalhada, corre o risco de produ-zir desconforto inserido nos referidos efeitos acessórios nocebo, nalguns doentes, mais suscetíveis.

DISCuSSãO

Terá o médico de assumir o seu papel de médico Sher-lock Holmes?

É certo que a informação fornecida a um doente quanto aos efeitos adversos, de um dado medicamento não é total-mente inócua, nem constitui um procedimento neutro para

Leonor Duarte de Almeida

quem a recebe. O desenvolvimento de muitos dos efeitos acessórios descritos e experienciados pelo doente, depende do modo como tais efeitos são apresentados.

Foi demonstrado, que a utilização de palavras como dor, determina nos doentes que a ouvem, o aumento desse sin-toma. Pelo contrário se em seu lugar for dito uma sensação de frio um pouco desconfortável, a dor diminui3. Recente-mente demonstrou-se que a forma como explicamos a um doente o modo como vai ser anestesiado, determina a exis-tência de mais ou menos dor de acordo com a linguagem utilizada. Se numa anestesia local dissermos: - Vai sentir uma dor, parecida com uma picada de abelha, o doente sentirá mais dor, do que se explicarmos de outro modo como por exemplo:- Vamos anestesiar esta zona junto ao seu olho, vai sentir um adormecimento, o que nos permitirá depois realizar a sua operação, sem sentir dor4.

Desse modo a forma como é dada a informação parece modificar o perfil do efeito adverso.

Tem-se especulado sobre a existência de verdadeiros efeitos nocebo nalguns ensaios clínicos, no sentido de os subvalorizar, sendo atribuída a sua existência ao estado psi-cológico dos participantes. Argumenta-se que muitos desses doentes estariam já de si relutantes em receber novos medi-camentos, sendo os efeitos adversos o resultado da ansiedade e/ou desconfiança, sugerindo-se a sua não participação5.

Num estudo realizado para deteção de efeitos adver-sos num grupo de doentes com enxaqueca, onde num dos braços do ensaio se utilizou placebo, verificaram-se seme-lhanças de efeitos adversos entre o grupo placebo e o grupo recebendo medicação antimigranosa6.

A informação fornecida aos participantes no ensaio, produziu no grupo placebo, os mesmos efeitos acessórios, imitando os efeitos dados pela informação. Nesse ensaio randomizado, os doentes do grupo placebo ao sentirem os efeitos adversos que imitavam a informação (efeito nocebo), suspenderam o tratamento numa percentagem variável de 4-26%6, 7, 8.

Parece assim que os seres humanos têm a tendência de experienciar o que esperam sentir9. Num outro estudo, ficou demonstrado que os doentes que exprimiam mais efeitos acessórios e2ram justamente os que tinham mais aptidão para os vir a desenvolver10.

Para alguns doentes uma informação muito detalhada sobre possíveis efeitos acessórios, pode originar o apareci-mento desses mesmos efeitos, muitos dos quais não teriam ocorrido, se a informação não tivesse sido dada tão porme-norizada e em tão grande quantidade. Os efeitos acessórios são pois ambíguos, ao género camaleão, ainda que a sua informação seja em si mesma um componente importante da relação médico-doente.

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 223

Resposta Nocebo ou Efeito placebo negativo. O Consentimento Informado Contextualizado

Não há pois uma só verdade nessa informação, pois informar um doente sobre os efeitos adversos de uma tera-pêutica, não se resume a uma mera apresentação de factos. É sim um importante componente na arte médica e requer um judicioso julgamento por parte do médico que informa.

CONSENTIMENTO INFORMADO CONTExTuA-LIzADO

O chamado consentimento informado contextuali-zado é uma metodologia ética utilizada na prática clinica, que considera a possibilidade da existência de efeitos secun-dários em doentes que estão a ser tratados, como resultado de um informação estandardizada, e que admite modular a informação a cada um em particular de modo adequado. Pretende dessa forma reduzir os efeitos secundários indu-zidos por um diálogo médico, muitas vezes apressado, somente respeitador de um mero dever legal. Este processo personalizado reduzirá a ansiedade induzida pelos conheci-mentos dos efeitos secundários enumerados, embora man-tendo o respeito pelo direito à autonomia do doente, e ao seu direito a ser informado com verdade.

Tal estratégia obriga o médico a estabelecer o justo equilíbrio entre a necessidade em informar o seu doente e o respeito deste como pessoa a quem não se pretende pro-vocar qualquer dano, respeitando igualmente o princípio da não maleficência.

Mais do que nunca, quando os princípios entram em conflito teremos de saber eleger aquele que provocar menor dano, dado que tais princípios são prima facie tal como ficou expresso na última revisão principialista, que elege o principio de maior monta para resolver dilemas morais, em situação de constrangimento ético (Principles of Biomedi-cal Ethics - 5ª Edição – 2001).

O argumento de que o consentimento informado pode ser contextualizado fundamenta-se numa importante análise bioética realizada por Manson e O’Neill.11, que propõem um novo caminho para pensar o consentimento informado, sem pretender voltar ao “paternalismo” pré Nuremberga.

Reconhecem que a informação contida num consenti-mento informado não existe independentemente do pro-cesso de convalidação e que é simultaneamente dependente do contexto e da sensibilidade em que e como é fornecida. Consideram que o modelo de clássico, está muito focado no fornecimento da informação, como sendo um conjunto de dados armazenados, sem dar importância ao processo de comunicação. Propõem então um novo modelo de consen-timento centrado não apenas no conteúdo do mesmo, mas também na chamada transação social, ou comunicacional,

que se estabelece entre os dois agentes (médico e doente), envolvidos no processo.

Este modelo reconhece o carácter interativo de uma comunicação de sucesso, para satisfazer normas éticas. Também considera que o consentimento informado não precisa de ser totalmente explícito ou exageradamente específico.

Para que uma transação comunicativa exista de facto, como reforço de referidas nomas éticas, é importante que a informação a fornecer seja adequada e precisa, com rele-vância contextual, em lugar de uma descrição muito com-pleta de uma informação muito detalhada, cujo significado informativo possa ser apenas ilusório.

É o resultado da interação entre o médico que é res-ponsável e o doente, a cuidar, pressupondo que uma boa aliança terapêutica resulta sempre da disposição do médico para respeitar as necessidades particulares de cada um dos seus doentes, seguindo em paralelo os guidelines da cha-mada medicina baseada na evidência12. Centrar a atenção na relação médico-doente permite intuir que se esta for bem conseguida, poderá mitigar qualquer reposta nocebo13.

ExEMPLOS DE PRáTICAS CONSISTENTES COM O CONSENTIMENTO INFORMADO CONTEx-TuALIzADO

A realização de procedimentos médico-cirúrgicos, por médicos internos, sem darem ao doente conhecimento da sua pouca experiência, pode ser consistente com este con-ceito de consentimento informado contextualizado, no sentido de proteger o doente de ansiedade e desconforto. Contudo do nosso ponto de vista para que tais situações sejam consideradas verdadeiramente bioéticas, será mais adequado que o interno informe com honestidade qual o seu grau de diferenciação, acrescentando que será ajudado por um médico sénior, o qual em caso de dificuldade tomara o seu lugar.

Outro exemplo deste tipo de prática, surge quando certos médicos ao investigarem a possibilidade de doenças poten-cialmente graves, não dão de imediato aos doentes as razões da investigação, até receberem os resultados dos exames solicitados. Quando interrogados sobre o porquê de tais tes-tes, respondem: para excluir outras situações, sem especifi-camente descrever o que está a ser excluído, e assim prote-ger os doentes de sofrimento desnecessário. O tempo para a informação real surgira adequadamente e no devido tempo.

Outros exemplos a considerar são os casos de somatiza-ção. O modo como o médico informa o doente da sua real situação, da existência de uma distonia neurovegetativa por

224 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Leonor Duarte de Almeida

exemplo, é de extrema importância, para reforçar os laços de confiança. Essa possibilidade só deve ser avançada, depois de todos os testes de causa orgânica terem sido descartados. Se numa primeira abordagem os doentes forem informados desse diagnóstico, de modo apressado, desligam de imediato do médico e perdem a confiança14.

Um exemplo paradigmático onde não se diz a verdade ao doente, está no conceito de Número Necessário para Tratar (NNT). Certos ensaios clínicos são criados para demonstrar os benefícios de uma determinada medicação no tratamento ou prevenção de uma doença. Os resultados revelam o total número de doentes que necessitam de receber o fármaco, para que se verifiquem os seus benefícios numa só pessoa (Número Necessários para Tratar ou NNT). Quando um médico prescreve uma determinada terapêutica para tratar uma hipertensão ocular por exemplo, não revela a verdade científica, de que terá de tratar 20 doentes, para que apenas um deles saia beneficiado com o tratamento e não desen-volva glaucoma (OHTS; Ocular Hypertension Treatment Study), Se tal verdade fosse revelada, a não aderência seria muito maior e a tendência para tolerar os efeitos acessórios diminuiria seguramente.

Finalmente se o objetivo último do médico é ajudar a curar o seu doente, o fornecer dados sobre todos os pos-síveis efeitos secundários dos medicamentos, impede-o de poder voltar atrás. Na verdade o médico que informa não consegue reverter a informação que forneceu, se um deter-minado doente experimentar o referido efeito nocebo. Se o doente evidenciar uma série de sintomas incluídos nesse conceito de placebo negativo, tentar convencê-lo da sua verdadeira origem, da possível imitação daquilo que ouviu, é não só ineficaz como cria uma maior distância entre o médico e o doente15.

ARGuMENTOS CONTRA O CONSENTIMENTO INFORMADO CONTExTuALIzADO

O maior argumento contra este conceito é a de que ele se parece enquadrar numa perspectiva paternalista, que não valoriza o principio de respeito pela autonomia do doente e do respeito pela verdade a que este tem direito, para decidir em liberdade. Parece assim que sob a capa do privilégio terapêutico, o médico se julga no direito de determinar o que é melhor para o seu doente em termos de informação a fornecer.

Na verdade a resposta nocebo usualmente envolve o desenvolvimento de efeitos acessórias minor, mas não informar sobre esses efeitos adversos tais como a existência de trombocitopenia ou sangramento, pode ser perturbador

para quem os sofre. Por outro lado se respeitamos a autono-mia do doente como prioridade, sonegar informação sobre efeitos secundários potenciais, especialmente se resultam de sintomas minor, constitui um desrespeito à sua liberdade pelo que deverão ser prestadas essas informações.

Uma comunicação aberta e verdadeira é o pano de fundo para a satisfação do doente para com os cuidados de saúde prestados. O doente sendo encarado cada vez mais como um parceiro, a quem se promove o bem-estar, incorpora nesse bem-estar, o conhecimento sobre a sua situação clinica e efeitos adicionais, de terapêuticas que lhe sejam aplicadas.

Finalmente pode argumentar-se, que ao fornecer aos doentes a informação detalhada de efeitos acessórios dos medicamentos, se esta informação o vier a condicionar, estar-se-á a criar um outra realidade nocebo, a qual pode prejudicar a avaliação clinica dos verdadeiros efeitos secun-dários, que seriam reconhecidos e registados se omitísse-mos essa informação.

CONCLuSãO

A resposta nocebo veio colocar em marcha um novo tipo de consentimento informado, quanto à informação a transmitir ao doente, relativamente aos efeitos adversos de medicamentos. Estes efeitos, especialmente se inexpe-cíficos, ou vagos não constituem um fenómeno objetivo, sendo muito influenciados pela interação entre o médico e o doente.

Os efeitos adversos não específicos, não envolvem sin-tomas importantes, sendo sintomas existentes na população dita saudável, que não toma os referidos medicamentos16.

A verdade em medicina é raramente absoluta, sendo complexa e incerta e dependendo de vários fatores e inter-corrências. Os médicos não podem sonegar informação ao seu doente, mas essa verdade pode ser apresentada de dife-rentes formas. Adequar a discussão a cada doente especi-fica é não só uma boa forma de comunicação, como de boa prática médica, (General Medical Council-Great Britain, 2008), mantendo em paralelo o respeito pela autonomia do doente e estando atento ao impacto da conversa sobre ele17.

O consentimento informado contextualizado, surge como um método mais adequado e vantajoso na promoção da informação aos doentes, quanto aos efeitos secundários dos medicamentos18. A decisão de como desenhar esse con-sentimento e decidir qual o limite entre efeitos adversos, não específicos e específicos é um julgamento a que vulgar-mente se chama Arte de Fazer Medicina, podendo modelar--se e adequar-se mesmo no decorrer do tempo.

Não há pois uma fórmula única para obter o

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 225

Resposta Nocebo ou Efeito placebo negativo. O Consentimento Informado Contextualizado

consentimento informado na prática clinica, devendo ter--se em consideração as muitas variáveis capazes de afetar a sua real obtenção, sendo a contextualização um caminho para reduzir o desenvolvimento de efeitos adversos não específicos.

O consentimento informado contextualizado encarado como uma ferramenta de que os médicos se poderão servir para criticamente refletir sobre que informação providen-ciar ao seu doente, não deixa de ser aliciante, mas simulta-neamente perturbador. Onde está o respeito pela liberdade do outro e a procura de redução de assimetrias entre os dois protagonistas?

Onde colocar o limite? Sem dúvida que esta conceção ainda que teórica e a necessitar de comprovação empírica, constitui um ponto de discussão bioética motivador, pelo que decidimos trazê-la a colação neste apontamento.

Porque é a viajar para outras paragens, para outros ter-ritórios, com o contributo de outros olhares e reflexões que exercitamos a imaginação.

BIBLIOGRAFIA

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CONTACTOLeonor Duarte Almeida - [email protected]. Manuel da Maia 42, 4º dto 1000-203. Lisboa, Portugal

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 227

Tuberculose ocular presumida

Joana Portelinha1, Maria Picoto1, André Marques1, Filipe Isidro1, Marta Guedes2

1Interno Complementar, Serviço de Oftalmologia, Hospital de Egas Moniz (HEM), Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (CHLO), Lisboa, Portugal

2Assistente Hospitalar, Responsável da Secção de Imunologia Ocular, Serviço de Oftalmologia, HEM, CHLO, Lisboa, Portugal

Diretor de Serviço: Dr. António Rodrigues

RESuMO

Objectivo: Apresentação de uma série de casos de TB ocular com diferentes manifestações clínicas. Métodos: Estudo retrospetivo dos doentes com TB ocular presumida na consulta de Uveítes do Hospital Egas Moniz de Janeiro de 2011 a Junho de 2013. Definimos como TB ocular presu-mida a presença de achados oftalmológicos sugestivos, um resultado positivo para TB latente e uma resposta clínica positiva à terapêutica antibacilar (TAB). Analisámos a presença de doença sistémica concomitante, o tempo até ao diagnóstico, o tipo de uveíte, a melhor acuidade visual corrigida (MAVC) inicial e final, a terapêutica, as complicações e as recorrências. Resultados: Incluímos 10 doentes, com idade média de 56,82 anos no diagnóstico. Três doentes apresentavam uveíte anterior, dois doentes coroidite multifocal, dois doentes coroidite serpi-ginosa-like, dois doentes vasculite retiniana e um doente tuberculoma do disco ótico. Em 70% o envolvimento ocular foi bilateral. Nenhum doente apresentava evidência de TB pulmonar. A TAB teve uma duração entre 6 e 9 meses. Seis doentes realizaram corticoterapia sistémica concomitante. Observou-se um atraso médio de 98,38 meses entre o início dos sintomas e a referenciação à consulta de Uveítes. A MAVC inicial média era de 0,39 e a final de 0,78. As principais complicações foram o edema macular cistóide (3 doentes) e a catarata (3 doentes). Não se verificaram recorrências. Conclusões: A TB deve fazer parte do diagnóstico diferencial em doentes com uveíte sugestiva mesmo sem envolvimento pulmonar. A TAB prolongada com ou sem corticoterapia sistémica associada foi eficaz no controlo da inflamação e redução das recorrências.

Palavras-chaveTuberculose ocular presumida, Mycobacterium tuberculosis, Terapêutica antibacilar, Tubercu-lose latente, Interferon gamma release assay (IGRA)..

ABSTRACT

Purpose: To present a case series of presumed ocular tuberculosis (TB) with different clinical manifestations. Methods: Retrospective review of the patients diagnosed with presumed tuberculous uveitis at Hospital Egas Moniz uveitis clinic from January 2011 to June 2013. Presumed ocular TB was defined as the presence of suggestive ophthalmologic findings, positive test result for latent TB and positive response to antituberculosis treatment (ATT). The presence of pulmonary TB, the

Oftalmologia - Vol. 37: pp.227-235

Artigo Original

228 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

INTRODuçãO

Segundo dados da Direção Geral de Saúde de 2012, a incidência de Tuberculose (TB) em Portugal é de 21.6/ 100 000 habitantes, sendo considerado um país de incidên-cia intermédia. Em 72,5% destes casos havia envolvimento pulmonar, dos quais 6,53% apresentavam atingimento de outros órgãos18.

O olho é uma localização extrapulmonar rara de tuber-culose9,16. O Mycobacterium tuberculosis pode afetar vários tecidos oculares20, nomeadamente a úvea, a esclera, a retina e o epitélio pigmentar da retina (EPR)25. As manifestações clínicas da uveíte associada a TB incluem: uveíte anterior granulomatosa crónica, esclerite, tubérculos coroideus soli-tários ou múltiplos, vasculite retiniana17, coroidite multifo-cal e coroidite serpiginosa-like10, 23, 26 e, raramente, uveíte anterior crónica não granulomatosa, uveíte intermédia, neu-roretinite, endoftalmite ou panoftalmite1, 15.

O diagnóstico de uveíte tuberculosa representa um desa-fio uma vez que muitas das entidades mencionadas obrigam a um diagnóstico diferencial extenso sem que haja evidência de doença pulmonar ativa atribuível a infeção tuberculosa16.

O gold standard para estabelecer um diagnóstico defini-tivo de TB ocular continua a ser a observação de bacilos nos tecidos oculares ou a cultura de fluidos oculares20, 24, 25, o que é raramente possível2, 9, 14, 19, 21, 25. Deste modo, o diagnóstico de TB ocular é frequentemente presuntivo pela ausência de evidência definitiva e é baseado em achados clínicos oftal-mológicos sugestivos, teste positivo para infeção latente

(prova da tuberculina e/ou Interferon gamma release assay (IGRA)) e resposta clínica à terapêutica antibacilar (TAB)2, 19, 21, 23.

O tratamento é relativamente eficaz (40 a 70% dos casos) 16 e o diagnóstico precoce e tratamento atempado são essen-ciais para melhoria significativa da acuidade visual20, 26 e diminuição de recorrências.

Neste trabalho são descritos e analisados os achados clí-nicos e diagnósticos, complicações oculares e tratamento de dez doentes com TB ocular presumida.

MATERIAL E MéTODOS

Foi realizado um estudo retrospetivo com consulta dos processos clínicos dos doentes com diagnóstico de TB ocu-lar presumida seguidos em Consulta de Imunologia Ocular do Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar Lisboa Oci-dental, de Janeiro de 2011 a Junho de 2013.

Definimos como TB ocular presumida a presença de achados oftalmológicos sugestivos sem que houvesse um diagnóstico alternativo, um resultado positivo para TB latente (prova da tuberculina e/ou IGRA) e uma resposta clí-nica positiva à TAB.

Os dados recolhidos incluíram idade na apresentação, sexo, naturalidade, antecedentes pessoais sistémicos e oftal-mológicos, história de exposição prévia a TB, duração dos sintomas, resultados laboratoriais, imagiológicos e oftal-mológicos, tratamentos realizados nomeadamente TAB,

time to diagnosis, the predominant site of ocular inflammation, the mean initial and final correc-ted distance visual acuity (CDVA), the therapy performed, the complications and relapses were assessed. Results: Ten patients were included with a mean age of 56,82 years at diagnosis. Three patients presented with anterior uveitis, two patients with multifocal choroiditis, two with serpiginous--like choroiditis, two with retinal vasculitis and one patient with optic disk tuberculoma. In 70% ocular involvement was bilateral. No patient had evidence of pulmonary TB. The patients underwent a 6 to 9 month course of ATT. Six patients underwent concomitant systemic corticos-teroids. Average delay from the onset of symptoms to uveitis service referral was 98,38 months. Mean initial CDVA was 0,39 and at the last follow-up was 0,78. The main complications were cystoid macular edema (3 patients) and cataract (3 patients). There were no recurrences. Conclusions: TB should be part of the differential diagnosis in patients with suggestive uveitis and no evidence of pulmonary involvement. Prolonged ATT with or without systemic corticos-teroids was effective in controlling inflammation and reducing recurrences.. Key-wordsPresumed tuberculous uveitis, Mycobacterium tuberculosis, Anti-tuberculosis treatment (ATT), Latent tuberculosis, Interferon gamma release assay (IGRA).

Joana Portelinha, Maria Picoto, André Marques, Filipe Isidro, Marta Guedes

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imunossupressores e corticoterapia sistémica, e exame oftal-mológico. O exame oftalmológico compreendeu a determi-nação da melhor acuidade visual corrigida (MAVC) inicial e final com escala de Snellen, biomicroscopia do segmento anterior e fundoscopia sob midríase pupilar. Foram regista-das as complicações oftalmológicas, as intervenções cirúr-gicas e os efeitos colaterais da terapia tópica e sistémica. Foram ainda analisadas: retinografia, angiografia fluoresceí-nica (AF), tomografia de coerência óptica (OCT), autofluo-rescência e ecografia modo-B.

Os dados foram introduzidos no programa Excel (Micro-soft Office 2010; Microsoft Inc, Redmond, Washington), sendo que a análise estatística foi realizada no Add-in Data Analysis. Para avaliar a evolução da MAVC após TAB (MAVC inicial versus MAVC final) foi efetuado o teste não paramétrico Wilcoxon unilateral para amostras empare-lhadas usando um nível de significância de 5%, tendo sido rejeitada a hipótese nula (i.e. existe uma diferença signifi-cativa entre os 2 grupos) quando o valor W foi inferior à região crítica.

Efetuou-se também a correlação entre a idade e a MAVC inicial e final bem como o tempo para o diagnóstico e a MAVC inicial e final. Para tal precedeu-se a um teste de hipótese de médias, novamente com um nível de significân-cia de 5%, dividindo os doentes da seguinte forma:

- Para a MAVC inicial: Grupo 1 = MAVC inicial ≥ 0,5; Grupo 2= MAVC inicial < 0,5

- Para a MAVC final: Grupo 1 = MAVC final = 1,0. Grupo 2 = MAVC final < 1,0.

RESuLTADOS

Foram incluídos no estudo 10 doentes, 9 do sexo femi-nino (90%) e 1 do sexo masculino, com idade média de 56,82 ± 11,47 anos (entre 37 e 78 anos) no momento do diagnóstico. Todos eram naturais e residentes em Portugal.

Três doentes apresentavam uveíte anterior, 2 doentes coroidite multifocal, 2 doentes coroidite serpiginosa-like, 2 doentes vasculite retiniana e 1 doente tuberculoma do disco ótico. A maioria dos doentes (70%) apresentava envolvi-mento ocular bilateral. Em 3 doentes verificou-se a presença de edema macular à apresentação (Tabela 1).

Observou-se um atraso importante entre o início dos sin-tomas oftalmológicos e a referenciação à consulta de Imu-nologia Ocular (média de 98,38 ± 73,99 meses, entre 0,5 e 240 meses).

A investigação etiológica da uveíte foi negativa em todos os casos, com exceção da prova de Mantoux (utili-zada no diagnóstico de TB latente num doente, área de

endurecimento medindo 30X35 mm após 48h) e do IGRA (QuantiFERON-TB Gold test ou T-SPOT).

Todos os doentes com suspeita de TB ocular foram referenciados ao centro de diagnóstico pulmonar da área de residência para exclusão de TB extraocular e instituição da TAB. A radiografia (RX) do tórax foi invariavelmente normal e as culturas de expetoração foram negativas para M. tuberculosis em todos os casos. Numa doente (Caso 10, Tabela 2.) foi realizada PCR de biópsia vítrea que se reve-lou negativa para M. tuberculosis. Apenas 2 doentes (20%) referiram exposição prévia a TB pulmonar (contactos fami-liares). À apresentação, 3 doentes estavam sob terapêutica imunosupressora para controlo da inflamação ocular, dois sob corticoterapia oral e um sob ciclosporina A.

A maioria dos doentes (70%) realizou TAB quádrupla composta por isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etam-butol durante 2 meses seguida de TAB dupla com isoniazida e rifampicina por 4 a 7 meses. Uma doente apresentou rea-ção adversa à isoniazida (síndrome febril e eritema generali-zado) e à rifampicina (vómitos, eritema e dispneia) pelo que cumpriu um esquema alternativo de 9 meses com levoflo-xacina e pirazinamida (Caso 2, Tabela 2). Seis doentes rea-lizaram metilprednisolona oral concomitante sendo a dose média utilizada de 40,73 mg/dia (32 a 64 mg/dia). A decisão de adicionar corticoterapia variou conforme a progressão do quadro clínico.

Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa entre a MAVC inicial (média de 0,39 ± 0,27) e a MAVC final (média de 0,78 ± 0,30) (Tabela 2). Não se encontrou uma correlação significativa entre a idade e a MAVC inicial (p= 0,14) e final (p=0,09), nem entre o tempo até ao diag-nóstico e a MAVC inicial (p= 0,53) e final (p= 0,39) para um nível de significância de 5%.

As características clínicas, o tempo entre o início dos sin-tomas e o diagnóstico, a imunossupressão prévia ao início da

Tuberculose ocular presumida

Tabela 1 | Características Clínicas à apresentação.

Característica % doentes

Doença bilateral 70

Imunosupressão prévia à TAB por inflamação ocular

30

Teste Mantoux + 10

IGRA + 90

Edema macular 30

Vitrite 30

Local predominante da inflamação Anterior Posterior

3070

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Joana Portelinha, Maria Picoto, André Marques, Filipe Isidro, Marta Guedes

Tabela 2 | Resumo dos 10 casos. Terapêutica antibacilar (TAB): Isoniazida (I), Rifampicina (R), Pirazinamida (P), Etambutol (E), Levofloxacina (L). MER. Membrana epirretiniana. EMC. Edema macular cistoide.

CasoIdade

no diag-nóstico

Sexo Clínica Bila-teral

Tempo até ao

diagnós-tico

(meses)

Imunos-supressão prévia à

TAB

TAB

Cortico-terapia

sistémica (mg/dia)

Compli-cações

Outros trata-

mentos

MAVC inicial

(OD/OE)

MAVC final

(OD/OE)

1 62 F Uveíte anterior granulomatosa Sim 60 Não I+R+P+E Não Catarata Facoemul-

sificação 0,5/ 0,5 1,0/ 1,0

2 52 F

Uveíte anterior, escleromalácia, degenerescên-cia corneana,

sinéquias posteriores

Sim 240Metilpred-nisolona

oralP+L 32 Catarata Facoemul-

sificação 0,8/ 0,4 1,0/ 1,0

3 63 F

Uveíte anterior granuloma-

tosa, nódulos da íris

Sim 180

Sulfassa-lazina e

ciclospori-na A

I+R+P+E 32Catarata,

MER, EMC

- 0,125/ 0,125 0,5/ 0,5

4 37 F

Reação de segmento anterior, sinéquias

posteriores, vitrite, coroidite

multifocal

Sim 60 Corticote-rapia oral I+R+P+E 48 EMC - 0,6/ 0,8 1,0/ 1,0

5 54 F

Coroidite multifocal,

lesão cicatricial macular

Sim 72 / 48 Não I+R+P+E Não

Neovas-culari-zação

coroideia

Injecções intraví-treas de

bevacizu-mab

0,8/ 0,5 0,8/ 0,5

6 47 F Coroidite serpiginosa-like Sim 132 Não I+R+P+L 32

Lesão macular

cicatricial- 0,3/ 0,1 1,0/ 0,8

7 58 MVitrite,

coroidite serpiginosa-like

Não 0.5 Não I+R+P+E Não - - 1,0/ 0,1 1,0/ 0,8

8 61 F Vasculite retiniana Sim 84 Não I+R+P 64

Oclusão de ramo venoso,

neovascu-larização da retina, hemoví-

treo

Injecções intraví-treas de bevaci-zumab; fotocoa-gulação

laser

0,1/ 0,5 1,0/ 1,0

9 78 F

Vasculite retiniana

(Amaurose OD pós traumática)

Não 36 Não I+R+P+E Não MER, Glaucoma

Trabecu-lectomia; fotocoa-gulação

laser

SPL/ 0,3 SPL/ 0,4

10 78 F

Reação segmento

anterior, vitrite, lesão elevada

amarelada recobrindo o

DO

Não 4 Não I+R+P+E 32 Hemoví-treo

Biópsia vítrea

1,0/ mov mão 1,0/ PL

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Tuberculose ocular presumida

TAB, o esquema de TAB realizado, a dose de metilpredni-solona, as complicações associadas, os tratamentos realiza-dos e a MAVC inicial e final dos 10 doentes estão represen-tados na Tabela 2.

CASO 3: Uveíte anterior com membrana epirretiniana e edema macular cistóide

CASO 4: (Fig 2 e 3) Coroidite Multifocal

CASO 5: Coroidite multifocal com neovascularização co-roideia OE

CASO 6: (Fig 5, 6 e 7) Coroidite Serpiginosa-like

Fig. 1 | Spectral-Domain OCT. A. MER e EMC bilateral e des-colamento de retina neurossensorial do OE. B. Dez dias após o início da TAB sem corticoterapia associada verifi-cou-se regressão parcial.

Fig. 2 | Fundoscopia com vitrite (+), atrofia peripapilar bilateral e múltiplas lesões redondas, hiperpigmentadas, de aspeto cicatricial, na média periferia.

Fig. 3 | A. Time-Domain OCT mostra EMC ODE. B. SD-OCT 1 mês após início da TAB e metilprednisolo-na mostra resolução completa do EMC. MAVC 1,0 ODE.

Fig. 4 | Fundoscopia com múltiplas lesões redondas, cicatriciais e hiperpigmentadas e lesão cicatricial envolvendo a má-cula do OE.

Fig. 5 | Fundoscopia revela coroidite multifocal com lesão pe-rimacular ameaçando a fóvea no OD e lesão geográfica cicatricial perifoveolar no OE.

Fig. 6 | A autofluorescência evidencia um bordo hiperautofluo-rescente na lesão perimacular do OD. Após TAB e metil-prednisolona oral verificou-se uma regressão progressiva do padrão de hiperautofluorescência da lesão.

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CASO 7: Coroidite Serpiginosa-like

CASO 8: Hemovítreo recorrente por Vasculite Retiniana

CASO 9: Vasculite retiniana com MER

CASO 10: Tuberculoma do disco ótico

DISCuSSãO

A TB ocular é considerada rara e o seu diagnóstico difí-cil dadas as diferentes formas possíveis de apresentação e

Joana Portelinha, Maria Picoto, André Marques, Filipe Isidro, Marta Guedes

Fig. 7 | A autofluorescência evidencia lesão hipoautofluorescente macular do OE. O SD-OCT mostra que apesar do envol-vimento macular, a fóvea se encontra poupada.

Fig. 8 | A. Fundoscopia mostra vitrite e múltiplas lesões branco--amareladas subretinianas no pólo posterior. B. Completa resolução das lesões após 15 dias de TAB. C. AF prévia à TAB mostra lesões multifocais hipofluo-rescentes nas fases iniciais e hiperfluorescentes nas fases tardias.

Fig. 9 | Fundoscopia à apresentação (6 anos antes) com envolvi-mento do ramo venoso temporal inferior do OE.

Fig. 10 | A. Fundoscopia com embainhamento de ramo venoso na-sal inferior, MER e hemorragias retinianas. B. AF mostra embainhamento vascular com leakage. C. SD-OCT: MER

Fig. 11 | A. Fundoscopia mostrando vitrite e lesão elevada, amare-lada, de 3 diâmetros de disco, recobrindo-o, associada a descolamento neurossensorial e hemorragias B. Ecografia mostrando a lesão e a sua regressão após TAB.

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Tuberculose ocular presumida

a variabilidade dos critérios de diagnóstico16. O diagnós-tico de tuberculose ocular é frequentemente presuntivo pela ausência de evidência definitiva (microscopia, cultura e/ou PCR)9, 24, sendo baseado nos achados clínicos sugestivos, sinais radiológicos ou clínicos de TB pulmonar, teste posi-tivo para TB latente e resposta clínica positiva à TAB2, 20,

22, 24.Vários autores procuraram estudar os sinais clínicos

preditivos de TB ocular, tendo sido descritas as sinequias posteriores de base larga associadas ou não a esclerite ante-rior, a vasculite retiniana com ou sem coroidite associada e a coroidite serpiginosa-like associada a vitrite e com lesões multifocais poupando a região peripapilar2, 5, 12, 23.

As manifestações intraoculares estão geralmente asso-ciadas a infeção secundária após infeção pulmonar20. No entanto, um estudo na Índia demostrou doença ocular con-comitante em apenas 1,2% dos doentes com TB pulmo-nar16 podendo o foco pulmonar primário não ser clinica e radiologicamente evidente15, 20, 24. No nosso estudo, a inves-tigação de tuberculose extraocular foi negativa, sendo o RX do tórax normal em todos os doentes. Apesar de não ter sido realizada por ausência de sintomas pulmonares e RX tórax normal, uma investigação adicional utilizando a tomogra-fia computorizada torácica poderia ter detetado sinais de envolvimento pulmonar antigo em alguns destes doentes24.

Todos os casos descritos tiveram resultado positivo para TB latente. Foi utilizado o teste da tuberculina em apenas um doente e, nos restantes, o IGRA (QuantiFERON-TB Gold ou T-SPOT). O teste da tuberculina é mais antigo e mais utilizado para o diagnóstico de TB mas apresenta algumas desvantagens. É dependente do operador para a realização da injeção e também para interpretação do resul-tado, obriga o doente a regressar à consulta 48 a 72h depois da injeção e tem risco de resultados falsos positivos em doentes vacinados com Bacillus Calmette-Guérin (BCG)3,

9, 14, 19, 20, 21, 22, 26 como é o caso de Portugal. O QuantiFERON-TB Gold/T-SPOT são um Interferon

Gamma Release Assay (IGRA) e envolvem apenas uma colheita de sangue. Baseiam-se numa reação de hipersensi-bilidade tardia com produção de interferão gamma (IFNɣ) em resposta ao reconhecimento dos antigénios do M. tuber-culosis pelos linfócitos sensibilizados. Uma vez que são utilizados antigénios muito específicos do M. tuberculosis, o resultado não é influenciado pela vacinação BCG ou por infeção a micobactérias atípicas 2, 9, 14, 20, 24, 25, 26.

O mecanismo fisiopatológico da TB ocular ainda é con-troverso e a inflamação posterior pode representar inflama-ção reativa, infeção ativa ou uma combinação das duas2, 3,

14, 23. Alguns autores defendem tratar-se de uma reação de hipersensibilidade devido à incapacidade de demostrar a

presença de bacilos nas amostras oculares. Por outro lado, o facto dos doentes tratados apenas com corticoterapia pode-rem apresentar recorrências ao contrário dos doentes tra-tados com TAB, sugere que estas resultem da reativação de bacilos sequestrados no EPR16,19. Um estudo de Basal e colaboradores em 105 doentes com coroidite serpiginosa--like obteve 75% de recorrências em doentes tratados apenas com corticoterapia. Em 2008, os mesmos autores publicaram uma série de doentes com uveíte associada a TB latente em que 216 doentes foram tratados com TAB e corticoterapia e 144 doentes apenas com corticoterapia, verificando-se uma redução significativa das recorrências no grupo tratado com TAB (15,74% versus 46,53%)4. Tam-bém no nosso estudo, os casos com terapêutica imunossu-pressora prévia ao início da TAB para controlo da inflama-ção ocular (casos 2, 3 e 4) mantiveram recorrências. Após TAB, não se observaram recidivas no período de follow-up.

A resposta positiva à TAB é um dos critérios de diag-nóstico para TB ocular presumida. A terapêutica de pri-meira linha envolve a combinação de isoniazida, rifampi-cina, pirazinamida e etambutol durante 2 meses, seguida de isoniazida e rifampicina durante 6 a 10 meses 20, 26. No nosso estudo, todos os doentes fizeram TAB durante 6 a 9 meses com obtenção de resposta clínica positiva em 90% dos casos e melhoria da MAVC em 80% dos doentes (exce-ção dos casos 5 e 10 por presença de, respetivamente, mem-brana neovascular macular e envolvimento do nervo ótico).

Verificou-se uma boa tolerância à TAB em todos os casos, tendo-se observado apenas uma reação adversa à rifampicina e isoniazida numa doente (caso 2). Relativa-mente à utilização de corticoterapia concomitante à TAB ainda existe alguma controvérsia, com alguns estudos a mostrar melhoria do resultado clínico26, nomeadamente da sensibilidade retiniana1, e outros que não reportam bene-fício e ainda apontam um maior risco de recidiva16. Uma dose baixa de corticoterapia em conjunto com a TAB pode limitar os danos aos tecidos oculares e num estudo com 17 doentes, Zhang sugere a utilização de corticoterapia com-binada com TAB no tratamento das lesões coroideias em fase aguda26. Alguns estudos descrevem ainda uma progres-são da inflamação ocular após início da TAB, com controlo após a introdução ou aumento da dose de corticoterapia6, 7,

11. Já a utilização de corticoterapia previamente à TAB deve ser evitada uma vez que pode haver multiplicação dos baci-los com possibilidade de lesões de corioretinite mais graves ou panoftalmite13, 26. No nosso estudo, 6 doentes realizaram metilprednisolona oral em combinação com TAB.

No caso 10, foi realizada biópsia vítrea e PCR para M. tuberculosis que se revelou negativa. Apesar da PCR dos fluidos oculares ser muito sensível no diagnóstico

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de uveítes infeciosas, na TB ocular presumida tem uma baixa sensibilidade (33,3 a 46,9%)19, 25 principalmente devido a um nível baixo de carga bacteriana nos fluidos oculares14, 16, 24.

Observou-se um atraso médio de 98,38 meses entre o início dos sintomas oftalmológicos e a referenciação a uma consulta de Imunologia Ocular. Outro estudo recen-temente publicado com revisão de 17 casos de TB ocular presumida apresentou um atraso médio de 755,63 dias16. Este mesmo estudo encontrou como fatores associados ao atraso na referenciação: raça caucasiana não-hispâ-nica, presença de uveíte posterior e TC torácica nega-tiva. No nosso estudo todos os doentes eram caucasia-nos, naturais e residentes em Portugal e sem evidência de tuberculose pulmonar apesar do quadro de inflamação ocular recorrente o que pode ter contribuído para afastar o diagnóstico diferencial de TB ocular. O atraso no diag-nóstico fez com que se encontrassem algumas compli-cações à apresentação, nomeadamente catarata, hemoví-treo, EMC, MER, lesão macular cicatricial e membrana neovascular. Apesar disso, foi obtido um bom resultado visual final, com MAVC média de 0,78 e com 80% dos doentes com ≥ 0,5. Não se encontrou uma correlação sig-nificativa entre o tempo até ao diagnóstico e a MAVC nem entre a idade e a MAVC. As principais limitações do estudo são o fato de ser retrospetivo, com uma amostra pequena e sem grupo controlo. Apesar destas limitações, é um estudo que mostra várias apresentações clínicas de doentes naturais e residentes em Portugal com TB ocular presumida. Concluímos que a TB deve ser considerada no diagnóstico diferencial de uveítes com achados clí-nicos sugestivos independentemente dos resultados do RX tórax e que a TAB, com ou sem corticoterapia asso-ciada, foi eficaz no controlo da inflamação ocular e na prevenção de recorrências, permitindo um bom resultado visual na maioria dos casos. Podemos ainda concluir que o IGRA veio melhorar a especificidade do diagnóstico na nossa população estabelecendo-se como uma alterna-tiva ao teste da tuberculina na presença de quadro ocular suspeito de TB.

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Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.Certifica-se que o trabalho não foi publicado e cede os direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO).

CONTACTORua Da Junqueira, nº126, 1349-019 Lisboa, PortugalEndereço eletrónico: [email protected]

Tuberculose ocular presumida

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 237

Artigo Original

Técnica de ´ crushing´ na remoção de material cortico-nuclear com vitréctomo 23 G.

A nossa experiência

Maria Picoto1, Filipe Isidro1, Sofia Donato2, António Rodrigues3, Fernanda Vaz4

1 Interno do internato complementar de Oftalmologia do Hospital de Egas Moniz (H.E.M.), Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (C.H.L.O)

2 Assistente Hospitalar de Oftalmologia do H.E.M., C.H.L.O3 Director de Serviço de Oftalmologia do H.E.M., C.H.L.O

4 Assistente Graduada de Oftalmologia do H.E.M., C.H.L.O.Serviço de Oftalmologia, Hospital de Egas Moniz – Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.

RESuMO

Objectivo: Avaliar os resultados da vitrectomia via pars plana (vvpp) 23 gauge (G) na extracção do cristalino luxado ou de fragmentos deste com a técnica de “crushing”, após cirurgia de catara-ta complicada. Comparar os resultados funcionais e os eventos adversos desta técnica de acordo com o tempo decorrido entre a cirurgia de catarata e a vvpp. Desenho do estudo: Estudo retrospectivoParticipantes e métodos: Avaliação duma série consecutiva de 42 doentes submetidos a vvpp por luxação do cristalino ou fragmentos deste após cirurgia de catarata complicada durante um período de 5 anos.Resultados primários: 42 olhos de 42 doentes com média de idades de 79,4±7,51 e follow-up médio de 16,1 ± 15,32 meses. Dezanove doentes (45,24%) foram vitectomizados na primeira semana. Em todos os doentes foi utilizada a técnica de “crushing” para extracção do material luxado. A acuidade visual (AV) média final foi de 0,43 ± 0,35, que é sobreponível à descrita anteriormente com a técnica de facofragmentação. Resultados secundários: Não se registaram diferenças estatisticamente significativas nas AV fi-nais entre o grupo operado precocemente (0,43 ± 0,37) e o grupo operado após a 1ª semana (0,49 ± 0,35 ) (test t p=0,192 ). A complicação mais frequente foi a hipertensão intra-ocular em 12 doentes. Não se observaram diferenças estatisticamente significativas nas taxas de complicações entre os dois grupos (Χ2 p=0.976).Conclusões: A técnica “crushing” é segura e eficaz, apresentando resultados semelhantes à faco-fragmentação. Os resultados funcionais, anatómicos e taxas de complicação foram semelhantes entre os dois grupos de doentes.

Palavras-chavevvpp 23 gauge, técnica de crushing, luxação do cristalino, cirurgia de catarata, facofragmentação.

ABSTRACT

Purpose: To analyse the outcomes of 23 gauge (G) pars plana vitrectomy (PPV) with crushing technique in patients with retained lens fragments and to compare visual acuity outcomes and

Oftalmologia - Vol. 37: pp.237-244

238 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

adverse events in patients who underwent premature versus later pars plana vitrectomy.Design: Retrospective study.Methods and patients: Single-center study evaluating all patients with retained lens fragments that underwent 23G PPV over a 5-year period. Primary results: The study included 42 eyes of 42 patients, with a mean age of 79,4±7,51 years and a median follow-up of 16,1 ± 15,32 months. Nineteen patients (45,24%) underwent PPV within 1 week. At the last examination, best correc-ted visual acuity (BCVA) was 0,43 ± 0,35, similar to functional results observed with 20-gauge ultrasonic fragmentation. Secondary results: There were no statistically significant differences in BCVA between patients undergoing PPV within 1 week (0,43 ± 0,37) and patients undergoing PPV more than 1-week later 0,49 ± 0,35 (test t p=0,192). The most common complication observed was ocular hypertension in 12 patients. There were no differences between groups when assessing complications (Χ2 p=0.976). Conclusion: Crushing technique is safe and efficient. The outcomes are comparable to those found in the literature for 20-gauge surgery. Patients undergoing PPV within 1 week versus more than 1 week later for retained lens fragments had similar visual acuity outcomes and complication rates.

Key-words23G PPV, crushing technique, retained lens fragments, cataract surgery, 20-gauge surgery.

INTRODuçãO

A luxação do cristalino ou fragmentos deste para o seg-mento posterior na cirurgia de catarata tem uma incidência de 0,1 a 1,6%10,19. Apesar de raro, este evento está associado a complicações graves e a maus resultados funcionais.

A remoção dos fragmentos de núcleo com vvpp 23 gauge (G) pode ser efectuada por duas técnicas: a técnica de “crushing”, que utiliza a fibra óptica e o vitréctomo ou técnica de facofragmentação, que necessita da conversão de uma das portas 23 em 20G para o facofragmentador1,15.

Por outro lado, o momento ideal para a realização da vitrectomia é controverso. Alguns estudos referem que a intervenção precoce no mesmo dia da cirurgia de catarata ou dentro de 1 a 2 semanas, se associa a melhores resultados19. Outros trabalhos demonstram resultados visuais semelhan-tes independentemente do timing dessa intervenção10. Saber qual o timing ideal para essa abordagem ajudaria a definir critérios de urgência para este tipo de intervenção contri-buindo para a organização do trabalho nos serviços. Ou con-tribuindo para uma melhor rentabilização dos recursos.

O presente estudo é tanto quanto é do nosso conheci-mento o primeiro de cirurgia de extracção do cristalino luxado ou de fragmentos deste com utilização exclusiva do vitrectomo 23G (técnica de “crushing”). O objectivo primário é avaliar os resultados desta técnica. Os objec-tivos secundários são comparar os resultados funcionais e os eventos adversos de acordo com o intervalo de tempo decorrido entre a cirurgia de catarata e a vvpp.

MATERIAL E MéTODOS:

Estudo retrospectivo, que incluiu todos os doentes submetidos a vvpp por luxação do cristalino ou frag-mentos deste após cirurgia de catarata durante um período de 5 (entre 2-1-2008 e 30-12-2012) anos utili-zando a técnica de “crushing” no H.E.M, C.H.L.O.

Consideraram-se como critérios de exclusão a ausência de follow-up, olhos com luxação simultânea de LIO e fragmentos do cristalino, catarata congénita, uveíte crónica pré-existente, descolamento de retina (DR) regmatogéneo prévio, DR traccional por retinopa-tia diabética e história de trauma grave.

Os doentes foram divididos em dois grupos com base no timing decorrido entre a cirurgia de catarata e a vvpp: ≤ 7 dias ou > 7 dias.

Foram revistos os processos clínicos e recolhidos os seguintes dados: idade, género, história de doença ocu-lar prévia, melhor acuidade visual corrigida (MAVC) e pressão intra-ocular (PIO) prévias à cirurgia de cata-rata, após a cirurgia de catarata, após a vvpp, tempo decorrido entre cirurgia de catarata e a vvpp, complica-ções após as cirúrgicas e tipo lente intra-ocular (LIO) implantada.

Os dois grupos de doentes foram comparados utili-zando o teste Χ2 e o teste t de student. Considerou-se a existência de diferença entre grupos com significado estatístico quando o p ≤ 0,05.

Maria Picoto, Filipe Isidro, Sofia Donato, António Rodrigues, Fernanda Vaz

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RESuLTADOS

O estudo incluiu 42 olhos de 42 doentes, 9 homens (21,4%) e 33 mulheres (78,6%) com média de idades de 79,4 ± 7,51. O follow-up médio foi de 16,1 ±15,32 meses (mínimo 1 mês, máximo 62 meses). A amostra foi estratifi-cada em dois grupos com base no timing decorrido entre a cirurgia de catarata e a vvpp: ≤ 7 dias ou > 7 dias.

Na análise de resultados, sem estratificação da amostra por grupos, a MAVC no pré-operatório e na última avalia-ção foi de 0,18 ± 0,17 e 0,43 ± 0,35 respectivamente. A PIO média no pré-operatório antes da cirurgia de catarata, após cirurgia de catarata e após vvpp foi de 15,88 ± 3,35, 27,34 ± 15,07 e 16,61 ± 3,99. Observaram-se complicações em 19 doentes (45,23 %), tratando-se de hipertensão ocular em 63,2% dos casos.

Dezanove doentes (45,24%) foram submetidos a vvpp na primeira semana. O tempo médio de espera para vitrec-tomia neste grupo foi de 4,1 ± 2,42 dias, comparado com 22,04 ± 20,96 dias no grupo operado mais tardiamente. Em todos os doentes foi utilizada a técnica de “crushing” para extracção do material luxado. (Tabela 1).

Os dois grupos não apresentaram diferenças com signi-ficado estatístico quando avaliada a média de idades (teste

Tabela 1 | Dados gerais da amostra (grupo 1, vvpp ≤ 7 dias; grupo 2, vvpp > 7 dias.

Dados Grupo 1 Grupo 2 Amostra Global

Nº doentes (%) 19 (45,24%) 23 (54,76%) 42

Idade média ± dp 78,26±8,43 80,35±6,71 79,40±7,51

Nº homens (%) 8 (19%) 1 (2,4%) 9 (21,4%)

Tempo médio de follow-up após vvpp (meses)

15,84±16,19min= 1, max= 62

16,30±14,92min= 1, max= 48

16,10±15,32min= 1, max= 62

Tempo médio para a vvpp (dias)

4,11±2,42min= 0, max= 7

22,04±20,96min= 8, max= 90

13,92±17,89min= 0, max= 90

LIO implantada - - -

LIO CP 0 (52,6%) 15 (65,2%) 25 (59,5%)

LIO de CA 7 (36,8%) 4 (17,4%) 11 (26,2%)

Afaquia 2 (10,5%) 4 (17,4%) 6 (6%)

DOP (%) 7 (36,84%)RD: 1 (2,4%)

Miopia: 1 (2,4%)GPXF: 3 (7,3%)DMI: 1 (2,4%)

Glaucoma: 1 (2,4%)

7 (30,44%)GPXF: 2 (4,9%)DMI: 1 (2,4%)

Glaucoma: 4 (12,2%)

14 (33,33%)RD: 1 (2,4%)

Miopia: 1 (2,4%)GPXF: 5 (12,2%)

DMI: 2 (4,9%)Glaucoma: 5 (12,2%)

LIO CP, lente intra-ocular de cápsula posterior; LIO de CA, lente intra-ocular de câmara anterior; DOP, doença ocular prévia; RD, retinopatia diabética; GPXF, glaucoma secundário a síndrome pseudo-esfoliativo, DMI, degenerescência macular ligada à idade)

Técnica de ´´crushing´´ na remoção de material cortico-nuclear com vitréctomo 23 G. A nossa experiência

t, p = 0,377), tempo médio de follow-up (teste t, p = 0,92), LIO implantada (Χ2, p= 0,346) e DOP (Χ2, p = 0,735).

Na análise por grupos consoante o timing da vitrecto-mia, a MAVC média no pré-operatório (antes da cirurgia de catarata) era no grupo 1 e no grupo 2 de 0,12 ± 0,14 e 0,24 ± 0,18 respectivamente (Teste t, p = 0,46). A MAVC média final no grupo operado em menos de 1 semana foi de 0,43 ± 0,37 e no grupo operado mais tardiamente foi de 0,49 ± 0,35 (test t p=0,192 ) (Gráfico 1)

Graf. 1 |MAVC inical e final no grupo 1 e 2, escala Snellen (de-cimais).

240 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

A MAVC média final foi ≥ 0,5 em 31,6% e 50% dos doentes do grupo 1 e 2 respectivamente (Χ2, p=0,233). (Tabela 2). Não se observou diferença com significado estatístico nas MAVC dos dois grupos de doentes, no 1º dia de pós-operatório (D1), no 1º , 3º e 6º mês e na última avaliação.

Quando foram excluídos da análise da AV os 14 olhos com doença ocular prévia (DOP) também não se observa-ram diferenças com significado estatística na AV final.

Onze doentes (26,0%, 7 do grupo 1 e 4 do grupo 2) apresentaram MAVC ≤ 0,1, destes 6 (54,5%) tinham doença ocular prévia (2 doentes com GSPX, 1 doente com

Maria Picoto, Filipe Isidro, Sofia Donato, António Rodrigues, Fernanda Vaz

glaucoma, 1 doente com RD e 1 doente com DMI) e 6 apresentaram complicações dentro da janela da vitrectomia (2 doentes com HTIO, 1 doente com DR, 1 doente com hemorragia supracoroideia, 1 doente com edema da cornea e 1 doente com edema macular cistóide).

A PIO media pré cirurgia de catarata era de 15,40 ± 3,5 mmHg no grupo 1 e de 16,28 ± 3,27 mmHg no grupo 2 (t , p = 0,463). Após cirurgia de catarata e antes da vvpp a PIO era de 29,5 ± 16,93 mmHg e 26,05 ± 14,14 mmHg nos gru-pos 1 e 2 respectivamente (t, p = 0,540). Na avaliação final a PIO era de 15,24 ± 6,59 mmHg e 15,95 ± 3,24 mmHg nos grupos 1 e 2 (t, p = 0,657). (tabela 3, gráfico 2).

Tabela 2 | Acuidades visuais (grupo 1, vvpp ≤ 7 dias; grupo 2, , vvpp > 7 dias).

Dados Grupo 1 Grupo 2 p Amostra Global

AV média pré-op 0,12 ± 0,14 0,24 ± 0,18 t, p=0,192 0,18 ± 0,17

AV media pos op D1 0,12 ± 0,15 0,21 ± 0,20 t, p=0,197 0,17 ± 0,18

AV media pos op 1m 0,24 ± 0,26 0,30 ± 0,19 t, p=0,430 0,27 ± 0,22

AV media pos op 3m 0,39 ± 0,34 0,44 ± 0,26 t, p=0,614 0,42 ± 0,30

AV media pos op 6m 0,43 ± 0,41 0,57 ± 0,33 t, p=0,342 0,51 ± 0,37

AV media ultimo fup 0,35 ± 0,35 0,57 ± 0,33 t, p=0,192 0,43 ± 0,35

% doentes com AV ultimo fup ≥ 0,5 (1) 31.6% 50% Χ2, p=0,233 41.5%

% doentes com AV ultimo fup < 0,5 (2) 68.4% 50% Χ2, p=0,233 58.5%

Graf. 2 | Pressão intra-ocular (PIO, mmHg) nos dois grupos de doentes e na amostra global.

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 241

Técnica de ´´crushing´´ na remoção de material cortico-nuclear com vitréctomo 23 G. A nossa experiência

Excluindo-se da amostra os doentes com glaucoma e glaucoma secundário a síndrome pseudo-esfoliativo, os dois grupos de doentes continuam a não diferir de forma estatisticamente significativa nas PIO médias. (Tabela 4)

Observaram-se complicações após cirurgia de catarata em 19 doentes (45,23%). A hipertensão intra-ocular foi a mais frequente com uma incidência de 28,6% (12 doentes). Não se observaram diferenças com significado estatístico relativamente à taxas de complicações entre os dois grupos de doentes (Χ2 p=0.976). (Gráfico 3)

Relativamente ao período decorrido após vvpp, obser-vou-se HTIO em apenas 4 doentes (4,8%), sendo que apenas um doente apresentava HTIO no ultimo follow-up (2,3%).

DISCuSSãO

Tanto quanto é do nosso conhecimento este estudo é o primeiro com uma amostra significativa, a avaliar os resul-tados da extracção do cristalino luxado ou de fragmentos deste com vitrectomo 23G (técnica de “crushing”) em substituição do facofragmentador.

O nossos resultados demonstram que a técnica de “crushing” com vvpp 23G é segura e eficaz podendo ser usada como alternativa à tradicional vitrectomia com recurso adicional ao facofragmentador, evitando assim a conversão de uma das portas de entrada para 20G, tornando desta forma o procedimento mais simples e seguro, mesmo na presença de núcleos inteiros e de grande dureza.

Estudos anteriores com vvpp 23G reportam a necessi-dade de alargamento da esclerotomia com recurso ao faco-fragmentador (20G) em 35 a 65% dos casos1,2,5. Na literatura revista apenas um estudo refere a remoção dos fragmentos do núcleo ou mesmo núcleos completos sem facofragmen-tador utilizando o vitrectomo 25G numa amostra de apenas 17 doentes6.

Tabela 3 | Análise da Pressão intra-ocular (PIO, mmHg). Grupo 1, vvpp ≤ 7dias; grupo 2 >7 dias).

Dados Grupo 1 Grupo 2 Amostra Global

PIO média pré-op 15,40 ± 3,50 16,28 ± 3,27 15,88 ± 3,35

PIO media pós cirurgia de catarata 29,50 ± 16,93 26,05 ± 14,14 27,34 ± 15,07

PIO media pos vvpp D1 16,60 ± 9,09 15,41 ± 5,97 15,89 ± 7,30

PIO media pos vvpp 1m 15,61 ± 7,77 14,09 ± 4,69 14,73 ± 6,13

PIO media pos vvpp 3m 16,07 ± 5,60 15,58 ± 5,42 15,79 ± 5,42

PIO media pos vvpp 6m 17,08 ± 5,06 16,20 ± 2,88 16,61 ± 3,99

PIO media ultimo fup 15,24 ± 6,59 15,95 ± 3,24 15,64 ± 4,92

Tabela 4 | Avaliação da PIO excluindo doentes com glaucoma e glaucoma secundário a S. Pseudo-esfoliativo (GPxF). (Grupo 1, vvpp ≤ 7dias; grupo 2 >7 dias).

Doentes sem glaucoma/GPxF Grupo 1 Grupo 2 p Amostra Global

PIO média pré-op 15,7 ± 3,13 15,08 ± 2,72 t, p = 0,592 15,38 ± 2,87

PIO média pós cirurgia de catarata 31,00 ± 18.09 27,43 ± 15,12 t, p = 0,604 28,92 ± 16,14

PIO média último fup 15,92 ± 7,08 16,53 ± 3,23 t, p = 0,766 16,25 ± 5,27

Graf. 3 |Complicações observadas em qualquer momento após ci-rurgia de catarata (HTIO, hipertensão intra-ocular; EMC, Edema Macular Cistóide, DR, Descolamento de retina..

242 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Os nossos resultados funcionais são semelhantes aos descritos com recurso ao facofragmentador e também ao estudo de Lawrence e colaboradores com recurso apenas ao vitrectomo. A fracção de doentes com AV ≥ 0,5 varia entre 31% e 83% na maioria das séries, sendo de 42,3% na nossa série10, 15, 2, 9.

A proporção de doentes com AV final ≤ 0,1 encontra--se entre os 10.3% e os 21% ( valor médio de 17,7%) 2,8,5 nos estudos publicados. No nosso 16,6% dos doentes do grupo 1 e 9,8% dos doentes do grupo 2 tinham AV final ≤ 0,1. Contudo, quando excluímos os doentes com doença ocular prévia apenas 14,3% dos doentes apresentaram AV final ≤ 0,1.

Quanto á taxa de complicações, nas séries publicadas 2 a 41% dos doentes desenvolvem glaucoma, 3,6% a 21,5% DR e 3,3 a 61,1 EMC2,7. A nossa taxa de complicações foi comparativamente mais baixa. Observámos catorze casos de HTIO (9,5%), 1 caso de DR (2,3%) e 2 casos de (4,8%) EMC.

O estudo de Lawrence8 com uso exclusivo do vitrec-tomo 25 G, revelou HTIO em 5,9% dos doentes, zero casos de DR e 29,4% de casos de EMC, contudo é difícil compa-rar estes resultados com os nossos dada a pequena amostra desse estudo.

Os estudos que defendem a utilização do facofragmen-tador, referem que o uso exclusivo do vitréctomo tornará muito difícil a remoção dos fragmentos de núcleo grandes e duros por obstrução do mesmo e pela suposta maior difi-culdade na manipulação dos mesmos. Estes factores pro-longariam o tempo cirúrgico e aumentariam as manobras dentro do olho, o que por sua vez, poderia conduzir a mais complicações como glaucoma e EMC19,1,2.

Actualmente, com o reconhecimento das vantagens da vitrectomia 23 ou 25G, muitos cirurgiões estão a começar a favorecer a vvpp por pequena incisão na remoção de frag-mentos do cristalino. Esta abordagem é mais comummente utilizada para os casos em que os fragmentos nucleares são de pequena dimensão e/ou restos corticais.

No presente estudo demonstramos que é possível remo-ver material nuclear luxado, incluindo restos nucleares com tamanho e densidade elevadas sem recurso ao facofragmen-tador, com tempos cirúrgicos semelhantes e a mesma inci-dência de complicações.

De facto, o vitréctomo 23G apresenta taxas de fluxo mais elevadas, duty cycle mais longos e taxas de corte mais altos do que qualquer vitréctomo 20G. Dadas as características destas sondas é expectável que sejam mais eficientes e que removam efectivamente material intra-ocular mais denso, como membranas fibrovasculares, e presumivelmente mate-rial nuclear como demonstrado nesta série de olhos.

Além disso o facofragmentador poderá ter um efeito nefasto na retina, uma vez que são utilizados ultrasons den-tro da cavidade vítrea.

Este estudo não mostrou vantagem da abordagem pre-coce vs tardia em termos de acuidade visual e taxa de com-plicações na abordagem do cristalino luxado ou de frag-mentos deste na cavidade vítrea na sequência de cirurgia de catarata.

O momento ideal para a vvpp é ainda alvo de discus-são10. No nosso estudo, o tempo médio para a cirurgia (14 dias) reflecte a nossa abordagem, a qual se baseia principal-mente na avaliação individualizada de cada caso. Quando ocorre a luxação de material lenticular para a cavidade vítrea na sequencia de cirurgia de catarata, o doente é refe-renciado à secção de retina e vítreo, sendo-lhe instituída terapêutica antiinflamatória e antihipertensora ocular. A remoção do material é agendada de acordo com a urgência da situação que se prende essencialmente com a PIO e com a intensidade da reacção inflamatória e também de acordo com as condições de visualização nomeadamente a transpa-rência corneana.

A abordagem no mesmo dia poderá minimizar os riscos anestésicos bem como a insatisfação do doente, no entanto essa abordagem exige a disponibilidade permanente do cirurgião de retina e vítreo a qual não se verifica na prá-tica clínica diária tendo em vista a dinâmica habitual dos serviços. Por outro lado, apenas 4 estudos com amostras de pequenas dimensões estabeleceram uma preferência pela cirurgia no mesmo dia,20,4,16,13 tendo sido vários os estudos que não demonstraram benefício em termos de AV e taxa de complicações com esta abordagem12, 6.

Alguns estudos reportaram mesmo piores resultados visuais com vitrectomia no mesmo dia vs vitrectomia pro-gramada3, 17, 18. Colyer e colaboradores estudaram 172 olhos, 59 dos quais efectuaram vvpp no mesmo dia e verificaram resultados comparáveis em termos de AV e complicações. Modi e colaboradores, estudaram 569 olhos, 117 dos quais efectuaram vvpp no mesmo dia e também observaram resultados comparáveis10.

Barthelmes e colaboradores estudaram 42 olhos sub-metidos a vvpp por luxação de fragmentos do núcleo, sendo o tempo médio para a vvpp de 18 dias. Não obser-varam diferenças na proporção de olhos com AV finais de 0,2 logMar independentemente do tempo decorrido entre a cirurgia de catarata e a vvpp 23G; 19 dos 26 olhos (73%) que atingiram AV finais de 0,2 logMar foram submetidos a cirurgia 14 dias após cirurgia de catarata, enquanto que 13 dos 16 olhos (81%) que foram submetidos a vvpp após 14 dias atingiram uma AV final igualmente de 0,2 logMar (p=0,72).

Maria Picoto, Filipe Isidro, Sofia Donato, António Rodrigues, Fernanda Vaz

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 243

No nosso estudo não se observaram diferenças em ter-mos de AV finais e complicações nos dois grupos de doen-tes. O tempo médio decorrido entre a cirurgia de catarata e a vvpp foram 14 dias. A AV média final foi de 0,43 (escala decimal) e de 0,49 (escala decimal) no grupo operado em menos de uma semana e no grupo operado depois de uma semana respectivamente.

As limitações deste estudo são a sua natureza retrospec-tiva e ausência de grupo controlo, contudo em termos éticos seria difícil efectuar um estudo prospectivo.

Em conclusão, o nosso estudo demonstrou que o uso exclusivo do vitréctomo 23G para remoção de material luxado na cavidade vítrea, incluindo fragmentos nucleares de tamanho e dimensões consideráveis é eficaz e segura.

Esta técnica pode ser considerada uma alternativa à facofragmentação dados os bons resultados visuais e ana-tómicos e a baixa taxa de complicações. Assim as vanta-gens da vitrectomia por microincisão, como a redução do trauma ocular, do desconforto pós-operatório, da inflama-ção intra-ocular e do tempo de recuperação pós-operatório estão potencialmente disponíveis em olhos com luxação do núcleo ou de fragmentos deste após cirurgia de catarata.

São ainda necessários mais estudos que comparem a vvpp 23G, 25G e 20g na remoção de material do cristalino luxado na cavidade vítrea.

Por outro lado, a decisão do momento ideal para a cirur-gia da luxação do cristalino ou de fragmentos deste, man-tém-se multifactorial dependendo da preferência do cirur-gião, da logística local e da avaliação clínica.

De acordo com os nossos resultados, não parece haver uma vantagem definitiva relativamente à abordagem precoce ou tardia em termos de resultados finais, pelo que pensamos que as duas abordagens são aceitáveis na prática clínica.

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Técnica de ´´crushing´´ na remoção de material cortico-nuclear com vitréctomo 23 G. A nossa experiência

244 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

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Nenhum dos autores tem interesse comercial no produto, equipamento ou processo.Este artigo é original não tendo sido publicado previamente. Os autores cedem igualmente os direitos de autor à SPO.

CONTACTOMaria PicotoRua Silva e Albuquerque nº 15, RC dto, 1700-360 [email protected]

Maria Picoto, Filipe Isidro, Sofia Donato, António Rodrigues, Fernanda Vaz

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 245

Sondagem nasolacrimal em crianças: resultados com mais de 14 anos de follow-up

Mariana Seca1,4, Vasco Miranda2,4, Ricardo Parreira2,4, Pedro Menéres3,4

1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia2Assistente Hospitalar de Oftalmologia

3Diretor de Serviço de Oftalmologia4Serviço de Oftalmologia – Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto

RESuMO

Introdução: A obstrução do canal nasolacrimal (OCNL) está presente em cerca de 6% dos recém nascidos, sendo a causa mais frequente de epífora e conjuntivite neste grupo.Quando o desenvolvimento da criança, a terapêutica médica e a massagem do sistema nasola-crimal não permitem a resolução do quadro clínico, torna-se necessário proceder à sondagem nasolacrimal (SNL).Objectivo: Avaliar os resultados da SNL em crianças com OCNL, 14 anos ou mais após a primeira intervenção.Material e métodos: Estudo retrospetivo de 128 crianças (total de 181 olhos) com OCNL sub-metidas a SNL no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto, durante um período de 5 anos (1993 a 1997) (excluídos os que não cumpriram follow-up em 2011). O diagnóstico de OCNL foi feito com base na presença de epífora e/ou secreções, e o sucesso foi definido como resolução completa dos sintomas pré-operatórios. São apresentados os resultados relativos ao sucesso da primeira SNL por grupo etário, bem como o sucesso das reintervenções.Resultados: Dos 115 olhos incluídos, 52,2% crianças eram do sexo masculino, e 42% apresen-tavam um atingimento bilateral. A idade da primeira sondagem variou entre os 3 e 60 meses (média de 20,9 meses). Epífora (56,5%) foi o sintoma de apresentação mais comum.A taxa de sucesso global com a primeira SNL foi de 85,2%. Se considerarmos as crianças que foram submetidas a duas ou mais intervenções o sucesso atingiu os 96,5%. No grupo etário que realizou SNL antes dos 12 meses de idade, a taxa de sucesso foi de 87,9%.O grupo etário, o sexo, a lateralidade e o tipo de sintoma à apresentação não apresentaram um impacto significativo na taxa de sucesso (p>0,05).Conclusão: A SNL demonstrou ser um tratamento eficaz, seguro e repetível, com excelentes resultados a longo prazo, permitindo boas taxas de sucesso terapêutico mesmo quando realizada após os 2 anos de idade. Perante os resultados obtidos, os autores recomendam a sua realização em crianças até aos 5 anos, bem como a reintervenção após um insucesso.

Palavras-chave Obstrução do canal nasolacrimal, sondagem nasolacrimal.

Oftalmologia - Vol. 37: pp.245-250

Artigo Original

246 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

INTRODuçãO

A obstrução do canal nasolacrimal (OCNL) ocorre em cerca de 6% dos recém-nascidos1, sendo a causa mais fre-quente de epífora e conjuntivites de repetição neste grupo etário2. A causa mais comum é a imperfuração de uma membrana na região da válvula de Hasner.

Apesar de 70% dos recém-nascidos apresentarem OCNL, apenas 6-20% apresenta sintomas, uma vez que a obstrução geralmente resolve espontaneamente antes de se iniciar a secreção lacrimal3.

A resolução espontânea da OCNL ocorre em cerca de 80-90% das crianças até ao final do primeiro ano de idade4,5. Quando esta não ocorre, a massagem das vias lacrimais (descrita por Crigler6 em 1923) e a adminis-tração de antibiótico tópico são o tratamento de primeira linha, com taxas de cura superiores a 90%1. Nas crianças em que a obstrução não resolve com este tratamento, a sondagem do canal nasolacrimal (SNL) é o procedimento cirúrgico de primeira linha.

O momento ideal para a realização da SNL permanece controverso. Alguns autores demonstraram que protelar a cirurgia até após o primeiro ano de idade está associado a piores resultados, e optam por realizá-la nos primei-ros meses de vida1,5, frequentemente sob anestesia local. Outros autores advogam a anestesia geral e praticam a sondagem mais tarde, de modo a evitar procedimentos em casos que poderiam resolver espontaneamente7,8.

Os autores pretendem avaliar a eficácia da SNL em casos de OCNL tratados no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António - Centro Hospitalar do Porto, durante cinco anos consecutivos (1993-1997). Foi anali-sada a relação entre a taxa de sucesso e a idade aquando da intervenção, sintomas apresentados, sexo, e lateralidade. Um estudo9 prévio tinha averiguado a eficácia a curto prazo, no entanto, e após efetuar uma última avaliação clí-nica em 2011 (14-19 anos após a SNL), propomo-nos a confirmar o sucesso terapêutico a longo prazo da SNL nos casos de OCNL.

MATERIAL E MéTODOS

Realizou-se um estudo retrospectivo, de 181 olhos consecutivos de 128 crianças com OCNL que realiza-ram SNL entre 1993 e 1997, observados pela última vez durante o ano de 2011. O diagnóstico foi obtido com base nos sintomas de epífora e/ou secreções, com início nas primeiras semanas de vida, documentado pelos familia-res e confirmado com o exame objectivo. Os critérios de

exclusão foram: idade acima de 5 anos; anomalia da posi-ção das pálpebras; trauma ocular; cirurgia prévia do sis-tema lacrimal; incumprimento da consulta de seguimento no ano de 2011.

A massagem de Crigler, que condiciona um aumento da pressão hidrostática, levando à ruptura da obstrução membranosa no canal nasolacrimal, foi instituída previa-mente. Na maioria dos casos foram prescritos antibióti-cos tópicos, essencialmente quando a obstrução estava associada a secreções. No caso de resolução do quadro, de forma espontânea ou após massagem, a criança foi vigiada, sem necessidade de ser submetida a cirurgia.

A cirurgia, realizada sob anestesia geral, consistiu na dilatação dos pontos lacrimais, sondagem dos canalículos inferior e superior, e sondagem do canal nasolacrimal, geralmente através do canalículo superior, utilizando uma sonda de Bowman #00, #0 ou #1. Esta sonda foi intro-duzida na vertical no ponto lacrimal e depois rodada 90º de forma a adquirir uma posição horizontal e paralela ao bordo palpebral. Uma tensão lateral foi realizada na pál-pebra para prevenir a torção dos canalículos, permitindo que a sonda avance até atingir a parede nasal do saco lacrimal. Finalmente, a sonda foi rodada 90º e direcionada inferiormente em direção ao canal nasolacrimal. A sonda pode encontrar aqui uma resistência membranosa ou não membranosa, antes de entrar na cavidade nasal, onde per-maneceu aproximadamente um minuto. No pós operatório imediato foi prescrita terapêutica tópica com antibiótico e corticóide a todas as crianças.

O sucesso foi determinado pela resolução dos sinais e sintomas observados no pré-operatório.

Os doentes que apresentaram sintomas persistentes após 1 mês de seguimento foram encaminhados para nova SNL.

RESuLTADOS

No período entre 1993 e 1997 foi realizada SNL em 181 olhos. Foram excluídos 66 casos por não ter sido possível a última observação durante o ano de 2011, pelo que foram incluídos 115 olhos de 81 crianças. Verificou-se que 60 (52,2%) crianças eram do sexo masculino e 55 (47,8%) do sexo feminino. 34 crianças (42% de 81 doentes) apresenta-vam OCNL bilateralmente. A idade da primeira sondagem variou entre 3 e 60 meses (média +/- SD de 20,9 +/- 12,8). No subgrupo das crianças que realizaram sondagem antes dos 24 meses, a média foi de 13,1 +/- 5,03 meses. O Grá-fico 1 apresenta a distribuição das crianças pela idade da primeira SNL.

Mariana Seca, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 247

À apresentação, as queixas (Gráfico 2) apresentadas foram epífora em 65 doentes (56,5%), secreções em 15 doentes (13%) e a conjugação das duas em 35 doentes (30.4%). Dos doentes que se apresentaram com secreções, 5 (4.3%) tinham episódios anteriores de dacriocistite aguda.

Na população estudada foi realizada uma sondagem em 85,2% dos doentes e duas ou mais sondagens em 14,8% dos doentes.

A taxa de sucesso da primeira SNL em toda a popula-ção foi de 85,2%. Dos 17 doentes que mantiveram sinto-mas compatíveis com OCNL, 11 (10,43%) apresentavam epífora e 6 (5,22%) a associação de epífora e secreções, 3 meses após a primeira sondagem.

A taxa de sucesso da primeira sondagem por grupo etá-rio foi de: 87,9% (29 sucessos em 33 casos) nos doentes que a realizaram antes dos 12 meses; 90,0% no grupo entre os 12 e os 24 meses (36 sucessos numa população de 40); 80,0% nos grupos dos 3 e 4 anos (20 sucessos em 25 casos e 8 sucessos em 10 casos, respectivamente); 71,4% no grupo que foi submetido a sondagem depois dos 4 anos (5 suces-sos em 7 casos) (Gráfico 3).

Optou-se por realizar nova SNL em todos os 17 doentes

que mantiveram sintomas, independentemente da idade. Depois desta segunda intervenção, 6 doentes mantiveram--se sintomáticos: 3 doentes realizaram um terceiro proce-dimento e outros 3 doentes, dada a idade mais avançada, foram submetidos a intubação bicanalicular.

Na consulta realizada em 2011 aos 115 doentes estu-dados, constatou-se um insucesso de 3,5%, correspondente a 2 doentes que realizaram a primeira sondagem antes dos 24 meses e 2 doentes posteriormente (Gráfico 4). Incluí-dos nestes 4 casos de insucessos estão duas crianças com Síndrome de Down (descrito canal nasolacrimal estreito e anómalo).

Se considerarmos todas as intervenções, a taxa de sucesso por grupo etário foi de 97% (até 12 meses), 97,5% (12-24 meses), 100% (24-36 meses), 90% (36-48 meses) e 85,7% (>48meses) (Gráfico 4).

Verificou-se que o grupo etário, o sexo, a lateralidade e o tipo sintoma à apresentação não apresentam um impacto significativo na taxa de sucesso (p>0,05).

O nosso estudo não demonstrou complicações signifi-cativas consequentes ao procedimento cirúrgico. Epistaxis temporário, sem repercussões a longo prazo, foram descri-tas em algumas crianças.

Sondagem Nasolacrimal em Crianças: Resultados com mais de 14 Anos de Follow-Up

Graf. 1 | Idade da primeira sondagem nasolacrimal.

Graf. 2 | Queixas iniciais das crianças com obstrução do canal nasolacrimal.

Graf. 3 | Taxa de sucesso da primeira sondagem por grupos etários.

Graf. 4 | Resultados da observação realizada em 2011.

248 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

DISCuSSãO:

A incidência da obstrução sintomática do canal naso-lacrimal é de 3-6%1 e verifica-se que 80-90%4-5 resolve com tratamento conservador no primeiro ano de vida. O tratamento cirúrgico consiste em sondagem nasolacrimal, entubação bicanalicular com tubos de silicone, dilatação com cateter-balão e dacriocistorrinostomia.

A SNL é tradicionalmente reconhecida como procedi-mento de primeira linha na obstrução das vias lacrimais. Pode ser realizada sob anestesia tópica, especialmente durante o primeiro ano, ou sob anestesia geral.

No período até aos 12 meses de idade são descritas taxas de sucesso entre 78-100%: Mannor et al9, Honavar et al10 e Kashkouli et al11 reportam uma taxa superior a 90%; o estudo prospectivo do Pediatric Eye Disease Investigator Group12 com 955 olhos, demonstra uma taxa de sucesso de 78%. Na nossa população, a taxa de sucesso da SNL reali-zada até aos 12 meses foi de 87.9%.

Estes valores são semelhantes aos obtidos com a reso-lução espontânea da obstrução. A intervenção precoce pode minimizar a recorrência das infecções, no entanto, a sondagem pode causar falsos trajetos e induzir a criação de tecido cicatricial que impede a resolução espontânea. Assim, a decisão do timing para a primeira sondagem deve ser baseada na severidade dos sintomas, na resposta ao tratamento conservador, na opinião dos pais e nos riscos anestésicos a que a criança fica exposta. De sublinhar que se estiverem presentes sintomas de dacriocistite crónica, a atitude terá de ser mais interventiva que numa OCNL sem esta patologia associada.

É reconhecido que a SNL apresenta taxas de sucesso decrescentes relacionada com a idade (Tabela 1), pelo que as opiniões divergem relativamente ao timing da primeira sondagem.

Katowitz and Welsh1 aconselham a realização da son-dagem antes dos 12 meses, dependendo da severidade dos sintomas e compliance do tratamento médico, demons-trando uma queda da taxa de sucesso e um aumento do número de intervenções com a idade. Também Mannor et al9 refere uma diminuição da taxa de sucesso com a idade sugerindo a realização de SNL precoce em doentes com sintomas diários. Honavar et al10 refere que a SNL é um tratamento eficaz nas crianças entre os 2 e 3 anos, mas em idades mais tardias a taxa de sucesso baixa sig-nificativamente. Por sua vez, Kashkouli et al11, apesar de demonstrar taxas de sucesso decrescentes depois do ano de idade, verifica que o sucesso atingido até aos 5 anos é elevado, pelo que recomenda a SNL como tratamento até esta idade.

Em contrapartida, Robb8, Kushner13 e Singh Bhinder et al14 demonstram taxas de sucesso elevadas e que não variam muito com a idade. No estudo do Pediatric Eye Disease Investigator Group12, a taxa de sucesso mantém-se até aos 36 meses, apresentando um declínio apenas após esta idade.

Mariana Seca, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres

Tabela 1 | Taxas de sucesso em diferentes grupos etários (estudos sobre SNL como primeiro procedimento cirúrgico em doentes com OCNL).

Ano Autores Idade(meses)

Taxa de sucesso (%)

1986 El-Mansoury et al7 13 - 84 93,5

1987 Katovitz and Welsh10 - 1213 - 24

>24

9754,733,3

1998 Kushner13 18 - 48 70

1998 Robb8

12 - 1415 - 1718 - 2324 - 35> 36

88,996,890,796,492,6

1999 Mannor9

0 - 1213 - 2425 - 3637 - 48

92898071

2000 Honavar1024 - 3637 - 48> 48

97,175

42,9

2002 Kashkouli11

0 - 1213 - 2425 - 3637 - 48> 48

9284.4658050

2004 Singh Bhinder14

0 - 1213 - 2425 - 3637 - 48

10098,995,288,9

2008Pediatric Eye

Disease Investigator Group12

6 - 1112 - 2324 - 35

36 - <48

78797956

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 249

A nossa casuística apresenta excelentes resultados, com uma tendência decrescente apenas após os 24 meses, e com taxas de sucesso da primeira sondagem a atingir o menor valor no grupo acima dos 4 anos (71,4%). Se incluirmos todas as intervenções, verificamos também uma estabi-lidade da taxa de sucesso no que respeita ao grupo etário em que se inserem as crianças. De facto, na consulta reali-zada em 2011 verificou-se que o sucesso variou entre 85,7 e 100%, mais uma vez atingindo-se o valor mais baixo nas crianças mais velhas.

Perante os dados apresentados, e tendo em conta que não se verificou uma redução significativa com a idade, aconselhamos a realização de SNL até aos 5 anos, tal como sugerido noutros estudos. No entanto, uma vez que nos dois últimos grupos etários (]36-48] e ]48-60] meses) estavam incluídas apenas 10 e 7 crianças, respectivamente, verifica-mos que o efeito da idade no sucesso da SNL é mais evi-dente até aos 3 anos.

Factores de risco que afectam o sucesso da SNL foram identificados em estudos prévios. Honavar et al10 demons-trou que a idade, bilateralidade, insucesso de sondagem anterior, insucesso de tratamento conservador, saco lacri-mal dilatado e obstrução não membranosa do canal naso-lacrimal tiveram impacto significativo no sucesso da son-dagem (p<0,05). O estudo de Kashkouli et al11 demonstrou uma associação inversa da idade, severidade dos sintomas, obstrução não membranosa e estenose canalicular com a taxa de sucesso (p<0,05). O Pediatric Eye Disease Inves-tigator Group12 demonstrou um sucesso reduzido da SNL em crianças com OCNL bilateral, com sintomas mais severos e com dois ou mais sintomas à apresentação. Na nossa população, as variáveis estudadas (grupo etário, sexo, lateralidade e sintoma à apresentação) não tiveram um impacto significativo na taxa de sucesso (p>0,05).

CONCLuSãO

A sondagem nasolacrimal é um procedimento altamente eficaz, com excelentes resultados a muito longo prazo, e com baixa taxa de complicações, mas o momento ideal para a sua realização continua controverso. Se a morbilidade da situação favorece uma intervenção precoce, a elevada reso-lução espontânea indica uma sondagem mais tardia.

Não querendo recomendar um atraso da sondagem para além dos 12 meses, podemos aconselhar esta técnica como primeira abordagem numa criança que apresente obstru-ção congénita até aos 5 anos de idade. Também perante os resultados obtidos a longo prazo, recomendamos que se realize um novo procedimento quando necessário.

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Sondagem Nasolacrimal em Crianças: Resultados com mais de 14 Anos de Follow-Up

250 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Menéres P, Santos MJ, Duarte JR, Jesus M, Barca M. Sondagens lacrimonasais em crianças - estudo retrospectivo de 5 anos, análise de 251 processos. Revista SPO. 1999 Jan-Junho; Vol. XXIII (Nos 1 e 2):77-81.

Os autores negam qualquer interesse comercial, declaram que o trabalho científico nunca foi publicado, e cedem os direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.

CONTACTOMariana SecaHSA-CHP, Largo Prof. Abel Salazar - Edifício Neoclássi-co, 4099-001 PortoTelemóvel: +351939790019Email: [email protected]

Mariana Seca, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 251

Espessura da Coróide na Oclusão de Ramo Venoso da Retina

Maria Lisboa1, Luísa Vieira1, Ana Cabugueira1, Rute Lino2, Ana Amaral3, Miguel Marques4, Rita Flores4

1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia no Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE2Ortoptista do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE

3Assistente Hospitalar de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE4Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE

RESuMO

Objectivo: Avaliar a espessura da coróide na área macular em doentes com oclusão de ramo venoso da retina (ORVR) unilateral através de tomografia de coerência óptica de domínio es-pectral (SD-OCT) em modo enhanced depth imaging (EDI).Material e Métodos: Estudo retrospectivo não randomizado que incluiu 34 olhos de 17 doentes com ORVR unilateral (média de idade 68,6 ± 11,2 anos). Foi realizada análise estatística para comparar a espessura da coróide através de 3 medições (subfoveal e 750μm temporal e nasal à fóvea) em cada uma de 7 linhas nos 15ºx5º centrais à fóvea para cada um dos olhos afectados e adelfos (21 medições em cada). Foi ainda realizada comparação entre a espessura macular central da retina e a espessura da coróide, para além da relação entre esta última e o tempo de evolução. Relacionou-se ainda a idade com a espessura da coróide no grupo controlo.Resultados: A média da espessura da coróide nos 17 olhos com ORVR foi de 211,8 ± 55,97μm, o que foi superior à média verificada nos 17 olhos adelfos (185,7 ± 46,1μm), sendo a dife-rença estatisticamente significativa (p=0,019). A coróide foi mais espessa a nível subfoveal (197,5±40,3μm) e mais delgada a nível nasal (176,9±54,9μm) no grupo controlo. Não se de-monstrou haver relação entre o tempo de evolução e a espessura da coróide nos olhos com ORVR. Por outro lado houve relação entre a espessura da coróide e a espessura macular central (r=0,6; r2=0,36). Verificou-se uma correlação negativa, embora fraca, entre a idade e a espessu-ra da coróide no grupo controlo (r=-0,022).Conclusões: A espessura da coróide pode ser avaliada através do EDI SD-OCT. Segundo al-guns relatos, a mesma parece diminuir com a idade, tendência essa que se revelou também neste estudo. Tal como verificado na única publicação sobre a espessura da coróide na OVCR, demonstrou-se haver alteração na espessura da coróide na área macular em olhos com ORVR. Contudo são necessários mais estudos, com amostras maiores, que confirmem a alteração desta camada em olhos com ORVR e investiguem a sua influência na fisiopatologia da doença, no prognóstico visual e na resposta ao tratamento.

Palavras chaveCoróide, espessura, EDI-OCT, oclusão de ramo venoso da retina.

Oftalmologia - Vol. 37: pp.251-258

Artigo Original

252 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

ABSTRACT

Purpose: To evaluate choroidal thickness in the macular area in patients with unilateral branch retinal vein occlusion (BRVO) using enhanced depth imaging (EDI) spectral domain optical coherence tomography (SD-OCT).Material and Methods: Retrospective non-randomized study which included 34 eyes of 17 patients with unilateral BRVO (mean age 68,6 ± 11,2 years). Statistical analysis was performed to compare choroidal thickness through 3 measurements (subfoveal, 750μm nasal and 750μm temporal to the fovea) in each of 7 lines in the 15°x5° area central to the fovea for each of the affected and fellow eyes (total of 21 measurements for each eye). Comparison was also done between central retinal macular thickness and choroidal thickness, as well as the relationship between disease evolution time and choroidal thickness. Relationship between this latter and age in the control group was also determined.Results: The average choroidal thickness in the 17 eyes with BRVO was 211,8 ± 55,97μm, which was superior to the average choroidal thickness in the 17 fellow eyes (185,7 ± 46,1μm), with this difference being statistically significant (p=0,019). The subfoveal choroid was the thickest (197,5±40,3μm) and the nasal choroid the thinnest (176,9±54,9μm) in the control group. A relationship between disease evolution time and choroidal thickness in BRVO eyes was not demonstrated. On the other hand it was proven that there was a relationship between choroidal thickness and central retinal macular thickness (r=0,6; r2=0,36). Although weak, there was a negative correlation between age and choroidal thickness in the control group (r=-0,022).Conclusions: Choroidal thickness can be evaluated with the use of EDI SD-OCT. According to few reports, the same appears to decrease with age, a tendency also revealed in this study. As demonstrated in the only report published on choroidal thicknes in central retinal vein occlusion (CRVO), macular choroidal thickness in BRVO eyes was significantly greater than that of fellow eyes. However, more studies with larger samples are needed in order to confirm this alteration in eyes with BRVO, as well as to investigate its influence on the pathophysiology of the disease, visual prognosis and treatment reponse.

Key-wordsChoroid, thickness, EDI-OCT, branch retinal vein occlusion .

INTRODuçãO

As oclusões venosas da retina são uma causa frequente de perda de acuidade visual, constituindo a segunda doença vascular da retina mais comum (a seguir à retinopatia dia-bética). Assim, a oclusão de ramo venoso da retina (ORVR) tem uma incidência cumulativa em 15 anos de 1,8% e a oclusão da veia central da retina (OVCR) de 0,5%1. Com-parativamente às OVCR, as ORVR, apesar de mais fre-quentes, têm efeitos potencialmente menos devastadores na qualidade de vida dos doentes. Estas últimas têm um curso geralmente mais benigno, com melhor prognóstico visual. As principais complicações associadas a mau resultado fun-cional são o edema macular crónico e o hemovítreo secun-dário a neovascularização da retina.

Antigamente, a obtenção de imagens de toda a espes-sura da coróide através da tomografia de coerência óptica (OCT) era difícil devido ao efeito atenuante do epitélio pig-mentado da retina (EPR) e camadas externas da retina, para além da dispersão de luz causada pela estrutura vascular densa da coróide, o que interferia com a imagem adqui-rida pelo OCT. Acrescia a isto o facto do comprimento de onda da fonte de luz do OCT spectral domain (SD-OCT)

Maria Lisboa, Luísa Vieira, Ana Cabugueira, Rute Lino, Ana Amaral, Miguel Marques, Rita Flores

utilizada para adquirir imagens da retina não ser alto o sufi-ciente para penetrar profundamente até à coróide2. Neste contexto, Spaide e seus colaboradores desenvolveram a técnica enhanced depth imaging (EDI-OCT) para estudo da coróide em 20083. Através deste método, a objectiva do SD-OCT é posicionada mais próxima do olho para que seja obtida uma imagem invertida e assim uma melhor visua-lização das estruturas mais profundas, nomeadamente a coróide. Deste modo tornou-se possível a visualização desta camada do olho e a medição da sua espessura in vivo.

Desde então, alguns artigos têm sido publicados acerca da espessura da coróide em várias doenças, nomeadamente coriorretinopatia serosa central (CRCS)4,5,6, doença de Vogt-Koyanagi-Harada (VKH)7, alta miopia8, degeneres-cência macular relacionada com a idade (DMI)9 e oclusão da veia central da retina (OVCR)10. Contudo, não existe nenhum relato publicado acerca desta nas ORVR.

Este estudo tem por objectivo avaliar a espessura da coróide na área macular em doentes com ORVR unilate-ral através de tomografia de coerência óptica de domínio espectral (SD-OCT) em modo enhanced depth imaging (EDI).

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MATERIAL E MéTODOS

Estudo retrospectivo não randomizado que incluiu 34 olhos de 17 doentes com ORVR unilateral. Deste modo foram criados dois grupos: grupo ORVR (olhos afectados) e grupo controlo (olhos adelfos). Foram excluídos os doen-tes com envolvimento bilateral.

A seguinte informação foi documentada para cada doente: género, idade, antecedentes pessoais, lateralidade, tempo de evolução da doença, existência ou não de trata-mentos prévios (nomeadamente laser, injecção intravítrea de anti-VEGF e injecção subconjuntival de triamcinolona), melhor acuidade visual corrigida e valor da espessura macular central (SD-OCT) do olho afectado (tabela 1).

A espessura da coróide foi obtida através do OCT Spec-tralis® (Heidelberg Engineering) de acordo com a técnica

EDI. A objectiva foi posicionada próximo o suficiente do olho de forma a obter uma imagem invertida da coróide. Foram feitas 3 medições (subfoveal e 750μm temporal e nasal à fóvea) em cada uma de 7 linhas nos 15ºx5º centrais à fóvea para cada um dos olhos afectados e adelfos, num total de 21 medições em cada (figura 1). A coróide foi medida deste a porção externa da linha de hiperreflectividade cor-respondente ao epitélio pigmentar da retina até à superfície interna da esclera.

Realizou-se análise estatística para comparar a espes-sura da coróide no grupo ORVR e no grupo controlo, a relação entre espessura macular central e a espessura da coróide nos olhos com ORVR, a relação entre a espessura da coróide e o tempo de evolução da ORVR e a relação entre a espessura da coróide no grupo controlo e a idade. Para além disso comparou-se ainda a espessura da coróide

Espessura da Coróide na Oclusão de Ramo Venoso da Retina

Tabela 1 | Características clínicas e demográficas.

(OD olho direito; OE olho esquerdo; TTO tratamento; AV acuidade visual, EMC espessura macular central, EC espessura coroideia, VEGF vascular endothelial growth factor; TC triancinolona; SC subconjuntival)

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a nível subfoveal, nasal e temporal à fóvea. Foi utilizado o teste t Student e o teste ANOVA para o qual foram conside-rados estatisticamente significativos os valores de p <0,05. Foi também aplicado o teste de correlação de Pearson.

RESuLTADOS

Dos 17 doentes, 9 eram do sexo feminino e 8 do sexo masculino, com uma média de idades de 68,6 ± 11,2 anos (intervalo entre 47 e 83 anos). A média de acuidade visual dos olhos com ORVR foi de 0,12. Dos antecedentes pes-soais, o mais frequente foi a hipertensão arterial (HTA) (12 doentes), seguida de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) (4 doen-tes), dislipidemia (4 doentes) e hipertensão ocular (HTO)/glaucoma (4 doentes) (gráfico 1). Foi possível visualizar a coróide em toda a sua profundidade para todos os 34 olhos.

A espessura da coróide foi medida a nível subfoveal, nasal e temporal à fóvea em ambos os grupos ORVR e controlo (tabela 2). Relativamente ao grupo ORVR, a média da espessura da coróide a nível subfoveal foi 213,0±55,7μm, o máximo 281,4μm e o mínimo 103,3μm; a

nível nasal a média foi de 205,9±55,4μm, o máximo 307,3 μm e o mínimo 113,6μm; a nível temporal a média foi de 217,3±59,7μm, o máximo 358μm e o mínimo 118,4μm. Relativamente ao grupo controlo, a média da espessura da coróide a nível subfoveal foi de 197,5±40,3μm, o máximo 266,9μm e o mínimo 119,9μm; a nível nasal a média foi

Fig. 1 | Método EDI-OCT em que foram realizadas 3 medições em cada uma de 7 linhas nos 150x50 centrais à fóvea (21 medições no total).

Graf. 1 | Antecedentes pessoais mais frequentes.

Maria Lisboa, Luísa Vieira, Ana Cabugueira, Rute Lino, Ana Amaral, Miguel Marques, Rita Flores

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à do grupo controlo (p=0,019). Constatou-se haver uma forte correlação entre a espessura da coróide macular nos olhos com ORVR e nos olhos adelfos (r=0,57; r2=0,32). No que diz respeito à espessura macular central (EMC) no grupo ORVR, a média foi de 346,8 ± 149,7μm, o máximo 671μm e o mínimo 191μm (gráficos 2 e 3). Verificou-se haver um elevado grau de correlação entre a EMC e a espessura da coróide no grupo ORVR (r=0,6), assim como um elevado coeficiente de determinação (r2=0,36) (gráfico 4).

Para a análise das variáveis espessura da coróide e tempo de evolução da ORVR foram considerados 3 subgru-pos: menos de 1 ano, entre 1 e 2 anos e mais de 2 anos após a oclusão. Aplicou-se o teste ANOVA que mostrou não haver relação estatisticamente significativa entre ambas (F=0,18 (p=0,84)) para o grupo ORVR.

Na determinação da possibilidade de existência de relação entre a espessura da coróide no grupo controlo e a

Graf. 2 e 3 | Comparação entre a espessura da coróide a nível macular no grupo ORVR e grupo controlo.

de 176,9±54,9μm, o máximo de 288,3μm e o mínimo de 83,9μm; a nível temporal a média foi de 190,3±41,1μm, o máximo de 280,9μm e o mínimo de 122,4μm. No grupo con-trolo a espessura da coróide a nível subfoveal foi superior à espessura a nível nasal e temporal, sendo essa superioridade estatisticamente significativa entre as medições subfoveal vs nasal (p=0,0027) e temporal vs nasal (p=0,038). A nível nasal foi onde a espessura foi mais fina. No grupo ORVR a espessura coroideia foi superior a nível temporal e inferior a nível nasal, sendo a diferença estatisticamente significativa entre as medições subfoveal vs nasal (p=0,03) e temporal vs nasal (p=0,035).

Quando considerado o total de medições para o total de doentes, a média da espessura da coróide no grupo ORVR foi de 211,8 ± 55,97μm, o máximo 329μm e o mínimo 111,8μm; no grupo controlo a média foi 185,68 ± 46,11μm, o máximo 278,7μm e o mínimo 113,4μm. A espessura da coróide no grupo ORVR foi significativamente superior

Tabela 2 | Espessura da coróide a nível subfoveal e nasal e temporal à fóvea para os grupos ORVR e controlo (μm).

Espessura da Coróide na Oclusão de Ramo Venoso da Retina

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idade verificou-se haver uma tendência, embora fraca, para a diminuição da primeira com o avançar da idade (r=-0,022; r2=0,004) (gráfico 5).

DISCuSSãO

A medição da espessura da coróide in vivo é uma rea-lidade recente que se tornou possível através do desenvol-vimento da técnica EDI-OCT em 2008. Desde então têm surgido alguns estudos que visam avaliar a espessura desta camada em várias doenças. A coróide parece ser mais espessa na CRCS4,5,6, doença de VKH7 e OVCR10, e mais delgada na alta miopia8, atrofia coroideia relacionada com a idade11 e distrofia da retina12. Apesar de haver evidências que sugerem que poderá ocorrer adelgaçamento da coróide na DMI avançada13, outros estudos foram incapazes de pro-var haver diferenças significativas na espessura desta entre indivíduos com DMI precoce e indivíduos controlo14,15. Não existe ainda qualquer relato na literatura internacional acerca da espessura da coróide a nível macular em olhos com ORVR, pelo que este é, aparentemente, o primeiro. Tal como a maioria dos estudos mencionados, utilizou-se o método EDI, o que permitiu uma boa identificação dos limites da coróide em todos os olhos. Procedeu-se a uma técnica manual para estabelecer os mesmos o que, segundo alguns autores15, apesar de mais demorado, parece ser mais preciso do que os sistemas automáticos. Para além disso fez-se várias medições em cada olho de forma a aumentar a precisão dos resultados.

A patogénese das oclusões venosas da retina é um pro-cesso multifactorial16. Os factores de risco podem ser “clás-sicos” (HTA, DM, dislipidemia, obesidade, tabagismo, etc.) ou “emergentes” (relacionados com a hemostase), sendo os primeiros mais comuns em doentes com ORVR e os segundos em doentes com OVCR17. Tal como seria de

esperar, o antecedente pessoal mais frequente nesta amostra foi a HTA (70,6%), seguida da DM2 (23,5%) e dislipidemia (23,5%). Outro antecedente pessoal prevalente foi a HTO/glaucoma (23,5%), o que constitui um conhecido factor de risco local para oclusão venosa da retina1.

O principal resultado que se retira deste estudo é que a coróide a nível macular é significativamente mais espessa nos olhos com ORVR do que nos olhos adelfos. Não existe certeza quanto ao significado deste achado, mas conside-rando os factos especulados por Maruko et al5,18 e Tsuiki et al10, o aumento da espessura da coróide nas ORVR poderá ser devido, pelo menos em parte, à expressão aumentada de VEGF (vascular endothelial growth factor). Isto porque, tendo em conta que o fluxo sanguíneo ao nível da coróide é maior do que em qualquer outro tecido do organismo de forma a satisfazer as normais necessidades metabólicas das camadas externas da retina, a ORVR pode originar algum grau de hipoxia tecidular, que será maior quanto maior a extensão da área acometida pela mesma. A hipóxia, por sua vez, leva a um aumento da expressão de VEGF ao nível do epitélio pigmentar da retina, pericitos e células endote-liais vasculares da área afectada, o que provoca vasodila-tação, aumento da permeabilidade vascular e consequente aumento da espessura da coróide.

A espessura média subfoveal nos olhos controlo foi de 197,5μm (±40,3), o que se revelou ligeiramente inferior à média referida na literatura, em que a mesma varia entre 213μm (±63μm)15 e 354μm (±111μm)19. Este facto poderá ser devido a diferenças no software e método de medição ou, até mesmo, a diferenças no perfil dos doentes (por exemplo, a média de idades na nossa amostra foi superior à média das idades nos restantes grupos).

Vários estudos demonstraram que a espessura da coróide é maior a nível subfoveal do que temporal ou nasal à fóvea9,15,20. Esta tendência confirmou-se neste estudo (grupo controlo), mesmo considerando distâncias menores

Graf. 4 | Relação entre a espessura da coróide e a espessura ma-cular central (EMC) no grupo ORVR.

Graf. 5 | Relação entre a espessura da coróide e a idade no grupo controlo.

Maria Lisboa, Luísa Vieira, Ana Cabugueira, Rute Lino, Ana Amaral, Miguel Marques, Rita Flores

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ao centro da fóvea (0,75mm). A hipótese mais considerada para este achado é que, sendo a mácula e, particularmente, a fóvea, o local de maior necessidade metabólica, e estando a espessura da coróide dependente de factores como perfusão e pressão intra-ocular, é normal que esta camada seja mais espessa neste local. Tal como mencionado nos mesmos estudos, também se confirmou nesta amostra que a coróide aparenta ser mais delgada a nível nasal.

Um dado cada vez mais assumido como certo é o da diminuição da espessura da coróide com o avançar da idade. Também nesta amostra (grupo controlo) se verifi-cou uma correlação negativa, embora fraca, entre a espes-sura desta camada e a idade. Margolis et al20 e Ikuno et al19 determinaram uma correlação mais forte, o que poderá ser explicado pelo facto de se tratar de populações mais jovens e saudáveis (embora no segundo o coeficiente de determi-nação (r2) tenha sido semelhante ao determinado por este estudo (0%)). Claro está que a espessura da coróide parece ser influenciada por outros factores que não só a idade o que torna difícil a determinação da sua contribuição iso-lada. Além do mais, o ideal para avaliar a influência desta variável na espessura da coróide seria a realização de um estudo longitudinal com um longo tempo de follow-up, o que não é o caso de nenhum dos artigos publicados até à data sobre esta matéria.

Verificou-se haver uma elevada correlação entre a EMC e a espessura da coróide no grupo ORVR (r=0,6). Para além disso, a percentagem de variação da espessura da coróide explicada pela espessura macular central foi de 36% (grá-fico 4). Ambos estes resultados sugerem que a espessura da coróide pode estar directamente relacionada com a espes-sura da retina em olhos com ORVR.

Este estudo teve algumas limitações que não podem dei-xar de ser referidas. Em primeiro lugar o facto de se tratar de uma amostra relativamente pequena em que como critério de inclusão apenas foi considerada a existência de ORVR unilateral, independentemente da existência ou não de com-plicações a esta associada, nomeadamente edema macular. No entanto, há a salientar que os doentes foram selecciona-dos na sua maioria de uma consulta de Retina Médica pelo que se tratam de casos potencialmente mais graves e com maior probabilidade de complicações. Outro factor a ter em conta é que, sendo este um estudo retrospectivo, os doentes não seguiram qualquer tipo de protocolo, tendo sido sujei-tos, quando necessário, a diversos tipos de opções terapêu-ticas. Como tal, também não foi possível avaliar o efeito destas na espessura da coróide. Seria também interessante a medição desta camada no local imediatamente subjacente ao vaso ocluído, embora à partida haja uma maior dificul-dade na aquisição da imagem. Assim, serão necessários

mais estudos, com amostras maiores, que confirmem a alte-ração desta camada em olhos com ORVR e investiguem a sua influência na fisiopatologia da doença, no prognóstico visual e na resposta ao tratamento.

Em conclusão, através do método EDI do SD-OCT é possível medir a espessura da coróide, nomeadamente em olhos com ORVR. Nestes, a coróide é significativamente mais espessa do que nos olhos adelfos. Algumas hipóteses podem ser formuladas quanto ao significado deste achado, mas não se sabe ao certo qual a dimensão do mesmo, pelo que serão necessários mais estudos que investiguem qual o papel da coróide na ORVR.

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Espessura da Coróide na Oclusão de Ramo Venoso da Retina

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CONTACTOMaria LisboaCentro Hospitalar de Lisboa CentralServiço de OftalmologiaAlameda de Santo António dos Capuchos, 1169-050 [email protected].: 916303035

Maria Lisboa, Luísa Vieira, Ana Cabugueira, Rute Lino, Ana Amaral, Miguel Marques, Rita Flores

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Exotropia Intermitente: “Do sucesso cirúrgico à necessidade de reintervenção a longo prazo”

Diana Cristóvão1; Raquel Seldon2; Maria de Lourdes Vieira3

1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto2Assistente Hospitalar de Oftalmologia do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto

3Chefe de Serviço de Oftalmologia do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto

RESuMO

Objectivo: Analisar as características da exotropia intermitente- X(T) em 6 doentes e as parti-cularidades que se relacionam com a recorrência da exotropia nesses mesmos doentes.Material e Métodos: Estudo retrospetivo de 6 doentes do IOGP com o diagnóstico de X(T), que foram operados pela primeira vez entre os 3 e os 10 anos de idade e que necessitaram de uma segunda intervenção na idade da adolescência, por aparecimento de uma exotropia recor-rente. A propósito destes casos clínicos exemplificativos avaliaram-se: idade do diagnóstico, características motoras e sensoriais do exodesvio, procedimento cirúrgico efetuado, resultado pós-operatório, reintervenção cirúrgica efetuada e resultados pós segunda cirurgia.Resultados: A idade média do diagnóstico da X(T) foi: 3.5 anos; A idade média aquando da primeira cirurgia foi: 7 anos. Na avaliação motora pré-operatória, o valor do desvio médio para perto foi: 16 DP BInt; o valor do desvio médio para longe foi: 31 DP BInt. Relativamente à ava-liação sensorial pré-operatória da primeira cirurgia: a maioria apresentou supressão intermitente para longe. O procedimento cirúrgico mais frequentemente realizado na primeira intervenção foi: ansa de recto externo bilateral. O intervalo de tempo médio entre a primeira cirurgia e a idade do diagnóstico da exotropia recorrente foi: 10 anos; o procedimento cirúrgico mais frequentemente realizado na segunda intervenção foi: encurtamento de recto interno unilateral. Na avaliação motora pós-operatória relativa à segunda cirurgia, o valor do desvio médio para perto foi: 0 DP; o desvio médio para longe foi: 1 DP BInt. Relativamente à função sensorial 6 meses pós-operatório da segunda cirur-gia: a maioria apresentou fusão.Conclusões: O sucesso cirúrgico de uma X(T) deverá ser relativizado, uma vez que depende do intervalo de tempo considerado. Mesmo após a sua correção sensorio-motora, pode verificar-se a longo prazo a instalação de uma exotropia com ou sem padrão de insuficiência de convergência.

Palavras-chaveExotropia Intermitente, recorrência, insuficiência de convergência, sucesso cirúrgico.

ABSTRACT

Purpose: To analise the characteristics of intermittent exotropia - X(T) in 6 patients and the specifications that are related with recurrence of exotropia in those same patients.Material and Methods: A retrospective review of 6 patients of IOGP diagnosed with X(T)

Oftalmologia - Vol. 37: pp.259-263

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

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who underwent surgery for the first time at ages between 3 and 10, and who needed a second intervention during teenage years, due to the arising of a recurrent exotropia. Regarding these exemplary clinical cases, the following were evaluated: age at diagnosis, motor and sensory cha-racteristics of exodeviation, first surgical procedure performed, post-operative results, surgical re-intervention performed and results after the second surgery.Results: The mean age at the time of diagnosis of X(T) was: 3,5 years; The mean age at the first surgery was: 7 years. In the post-operative motor evaluation, the mean deviation at near was: 16 PD Internal Base; The mean deviation at distance was: 31 PD Internal Base; Regarding to the pre-operative sensory evaluation of the first surgery: the majority presented intermittent sup-pression for distance; The surgery procedure most frequently used on the first intervention was: bilateral lateral rectus recession.The mean interval between the first surgery and the age of diagnosis of recurrent X(T) was: 10 years; The surgical procedure most frequently performed in the second intervention was: unila-teral medial rectus resection. In the post-operative motor evaluation after the second surgery, the mean deviation for near was: 0 PD; The mean deviation for distance was: 1 PD Internal Base. Regarding the sensory function 6 months after the post-operative of the second surgery: the majority presented fusion.Conclusions: The surgical success of an X(T) must be relativized, depending on the time elapse considered. Even after its sensory-motor correction, it can happen a long term development of an exotropia with or without convergence insufficiency

INTRODuçãO A exotropia intermitente - X(T) é o tipo mais frequente

de estrabismo divergente. Define-se como um desvio diver-gente que está presente em alguma parte do tempo, e que alterna com períodos de ortotropia1,2,3.

O desvio surge habitualmente nos primeiros anos de idade (1 a 5 anos) e manifesta-se na fixação para longe ou durante períodos de fadiga, distração ou doença. À medida que a criança cresce, o desvio tende a tornar-se mais fre-quente e pode surgir na fixação para perto, podendo tornar--se num exodesvio constante1,4. O aparecimento de amblio-pia é raro, surgindo apenas quando a doença progride para exotropia constante em idade precoce ou quando coexistem factores ambliogénicos adicionais2,4.

Caracteristicamente, quando existe alinhamento ocular, os indivíduos apresentam visão binocular e estereopsia; quando ocorre o desvio, verifica-se uma correspondência retiniana anómala (CRA), que consoante a idade do indiví-duo e o grau de maturação do sistema visual, irá desenvol-ver supressão ou diplopia1,2,4.

Segundo a classificação de Duane, a X(T) pode dividir--se em 4 tipos: excesso de divergência, básica, insuficiência de convergência e pseudo-excesso de divergência1.

Do ponto de vista terapêutico a X(T) tem sido consi-derada como um estrabismo difícil de tratar, não havendo ainda consenso absoluto sobre qual a abordagem terapêutica

de primeira linha. As opções de tratamento incluem: o trata-mento médico, que passa pelo uso da oclusão, uso de lentes negativas para estimular a convergência, uso de cicloplégi-cos suaves para diminuir a acção do músculo ciliar e desta forma estimular a convergência acomodativa (CA), a hiper-correcção dos míopes e hipocorrecção dos hipermétropes; o tratamento ortóptico, que consiste em exercícios de fusão; é considerado algo controverso, gerando discussão não só sobre a sua validade, como sobre eventuais prejuízos nos resultados cirúrgicos; poderá ter alguma utilidade apenas nas insuficiências de convergência, favorecendo a fixação e melhorando a fusão; a principal opção terapêutica passa pela intervenção cirúrgica, que acaba por ser o desfecho de quase todas as exotropias intermitentes1,3.

A cirurgia tem habituamente resultados satisfatórios, embora possa haver hipo ou hipercorreçoes no pós-opera-tório imediato. No entanto, muitos anos mais tarde, a exo-tropia pode recidivar, necessitando de nova intervenção cirúrgica5.

MATERIAL E MéTODOS

Foi feito um estudo retrospetivo de 6 doentes do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto (IOGP) com o diagnóstico de X(T), que foram operados pela primeira vez entre os 3 e os 10 anos de idade e que necessitaram de uma segunda

Diana Cristóvão; Raquel Seldon; Maria de Lourdes Vieira

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 261

intervenção na idade da adolescência, por aparecimento de uma exotropia recorrente.

Os critérios de exclusão para este estudo retrospectivo foram: presença de outras patologias oculares coexistentes; presença de ambliopia (definida como uma diferença de duas ou mais linhas entre a acuidade visual dos dois olhos); presença de anomalias cromossómicas ou doenças sistémi-cas, tais como anomalias congénitas ou doenças neurológi-cas; presença de exotropia paralítica ou restritiva; presença de desvio vertical dissociado ou disfunção dos músculos oblíquos; presença de exotropia constante ou de outras for-mas de estrabismo divergente, como exotropia consecutiva.

Os parâmetros documentados e analisados em cada um destes casos clínicos exemplificativos foram: idade do diag-nóstico da X(T); idade aquando da primeira cirurgia; desvio em dióptrias prismáticas (DP) antes da primeira cirurgia; função sensorial antes da primeira cirurgia; procedimento cirúrgico realizado na primeira intervenção; desvio em DP 6 meses após a primeira cirurgia; função sensorial 6 meses após a primeira cirurgia; intervalo de tempo entre a pri-meira cirurgia e a idade do diagnóstico da recorrência da exotropia; desvio em DP antes da segunda cirurgia; função sensorial antes da segunda cirurgia; procedimento cirúrgico realizado na segunda intervenção; desvio em DP 6 meses após a segunda cirurgia; função sensorial 6 meses após a segunda cirurgia.

Em todos os doentes os desvios foram medidos através do teste de cover alternado com prismas, para perto e para longe (à distância de 6 metros).

Para diferenciar entre o verdadeiro excesso de diver-gência e o pseudo-excesso de divergência as medições foram efectuadas também após oclusão (de 30 minutos a 1 hora) do olho com desvio e seguida da adição de + 3.00 dióptrias (D).

A avaliação sensorial foi efectuada com recurso ao sinoptóforo.

Considerou-se como resultado cirúrgico satisfatório, desvios aos 6 meses de pós-operatório até 10 DP para perto ou para longe.

A recorrência da exotropia foi definida como o reapa-recimento de um exodesvio superior a 10 DP para longe ou para perto, no pós-operatório tardio (mais de 3 anos pós cirurgia).

RESuLTADOS

A idade média do diagnóstico da X(T) foi de 3,5 ± 2,6 anos e a idade média aquando da primeira cirurgia foi de 6.8 ± 2.6 anos.

Exotropia Intermitente: “Do sucesso cirúrgico à necessidade de reintervenção a longo prazo”

O tipo de X(T) mais frequente neste grupo de doen-tes foi a X(T) com excesso de divergência, presente em 4 (67%) dos 6 doentes, sendo que os restantes 2 doentes (33%) apresentaram X(T) básica.

Da avaliação motora pré-operatória, o valor do desvio médio para perto foi de 15.7 ± 9.9 DP BInt e o valor do desvio médio para longe foi de 31.0 ± 8.2 DP BInt.

Relativamente à avaliação sensorial pré-operatória da primeira cirurgia, 5 (83%) dos 6 doentes apresentaram supressão intermitente para longe e 1 doente (17%) apre-sentou diplopia intermitente.

O procedimento cirúrgico mais frequentemente reali-zado na primeira intervenção foi a ansa de recto externo bilateral realizada em 5 (83%) dos 6 doentes. Somente 1 doente (17%) efectuou retroinserção de recto externo bilateral.

Da avaliação motora 6 meses pós-operatório relativa à primeira cirurgia, o valor do desvio médio para perto foi de 3.2 ± 3.6 DP e o valor do desvio médio para longe foi de 2.0 ± 6.6 DP BExt.

Relativamente à função sensorial 6 meses pós-operató-rio da primeira cirurgia, 5 (83%) dos 6 doentes apresenta-ram fusão e apenas 1 doente (17%) apresentou supressão intermitente para longe.

O intervalo de tempo médio entre a primeira cirurgia e a idade do diagnóstico da X(T) recorrente foi de 10.0 ± 3.1 anos.

Quadro 1 | Resultados da 1ª Cirurgia

Idade média de diagóstico da x(T) 3.5 ± 2.6Tipo de x(T) Básica 2 (33%) Excesso de divergência 4 (67%)Desvio médio pré-operatório para perto (DP) 15.7 ± 9.9 para longe (DP) 31.0 ± 8.2Avaliação sensorial pré-operatória Supressão Intermitente para longe 5 (83%) Diplopia Intermitente 1 (17%) Idade média aquando da cirurgia 6.8 ± 2.6Desvio médio pós-operatório para perto (DP) 3.2 ± 3.6 para longe (DP) 2.0 ± 6.6Avaliação sensorial pós-operatório Fusão 5 (83%) Supressão Intermitente para longe 1 (17%)

DP: Dioptrias Prismáticas ; X(T): Exotropia Intermitente

262 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

O procedimento cirúrgico mais frequentemente reali-zado na segunda intervenção foi o encurtamento de recto interno unilateral realizado em 4 (67%) dos 6 doentes, sendo que 2 (33%) dos doentes efectuaram encurtamento de recto interno bilateral.

Da avaliação motora 6 meses pós-operatório referente à segunda cirurgia, o valor do desvio médio para perto foi de 0.0 ± 8.3 DP e o valor do desvio médio para longe foi de 1.0 ± 10.0 DP BExt.

Relativamente à função sensorial 6 meses pós-operató-rio da segunda cirurgia, 5 (83%) dos 6 doentes apresenta-ram fusão e apenas 1 doente (17%) apresentou supressão intermitente para longe.

DISCuSSãO

O presente estudo focou as diversas características da X(T) de 6 doentes do IOGP, que foram operados pela pri-meira vez, em média aos 6.8 ± 2.6 anos, e que necessitaram de uma segunda intervenção na idade da adolescência, em média aos 13.5 ± 3.7 anos, por aparecimento de uma exo-tropia recorrente. Avaliaram-se as particularidades que se relacionam com a recorrência da exotropia nesses mesmos doentes.

O principal objectivo da intervenção cirúrgica na X(T) é melhorar o alinhamento ocular, enquanto se mantém ou melhora as funções binoculares2. Assim, a cirurgia normal-mente é recomendada, baseada nas características e funções do estrabismo. Exodesvios de grande tamanho e frágil con-trolo, são indicações para a cirurgia3.

A X(T), não se trata simplesmente de um problema mecânico, mas resulta da combinação de uma alteração mecânica, inervacional e sensorial. Deste modo, revela-se uma entidade clínica dinâmica, pelo que mesmo após uma intencional hipercorrecção cirúrgica inicial, demonstra uma tendência progressiva para o desenvolvimento consecu-tivo de um exodesvio, que aumenta com o alargamento do período de seguimento pós-cirúrgico. Esta recorrência da exotropia é portanto um problema frequente, que implica o recurso a uma segunda cirurgia, cuja técnica cirúrgica dependerá da técnica cirúrgica da primeira cirurgia. Assim, quando um doente é proposto para a primeira cirurgia deve--se considerar logo simultaneamente, a possibilidade de uma segunda intervenção6.

A taxa de sucesso e de recorrência da cirurgia de exotro-pia têm sido documentadas por diversos estudos, no entanto a designação standart de sucesso cirúrgico e o período de follow-up pós cirúrgico são variáveis de estudo para estudo3,4,5,6,7.

No nosso estudo não identificámos factores de risco de recorrência da exotropia. A principal limitação desde estudo foi o reduzido número de doentes, não permitindo efectuar uma análise estatística significativa. No entanto, há que ter em conta que a X(T) é uma entidade clínica rara e que este grupo de doentes foi escolhido através da reunião de um con-junto de características específicas e respeitando os critérios de exclusão, acima supracitados. Para se identificar possíveis factores de risco de recorrência da exotropia, sugerimos a necessidade de um estudo caso-controlo mais alargado.

No presente estudo, na avaliação pós cirúrgica a curto prazo (nomeadamente 6 meses pós 1ª cirurgia) obtiveram--se resultados cirúrgicos animadores, na medida em que se verificaram em todos os casos desvios pós operatórios infe-riores a 10 DP. Portanto, considera-se que houve sucesso cirúrgico a curto prazo na totalidade (100%) dos doentes.

No entanto, este estudo demonstrou que após a correção sensorio-motora da exotropia, pode verificar-se, a longo prazo, a recorrência da exotropia, que neste estudo se ins-talou, em média 6.5 ± 3.2 anos após a primeira intervenção cirúrgica. Verificou-se portanto, uma recorrência da exotro-pia a longo prazo.

Em geral, estudos com períodos de follow-up curto, demonstram taxas de sucesso cirúrgico mais elevadas quando comparados com estudos com follow-up longínquo.

Diana Cristóvão; Raquel Seldon; Maria de Lourdes Vieira

Quadro 2 | Resultados da Reintervenção

Idade média de diagóstico da x(T) rec∆t idade de dignóstico da X(T) e X(T) rec∆t idade aquando da 1ª cirurgia e X(T) rec

13.5 ± 3.710.0 ± 3.16.5 ± 3.2

Desvio médio pré-operatório para perto (DP) 22.3 ± 9.9 para longe (DP) 21.0 ± 13.1Avaliação sensorial pré-operatória Fusão 2 (33%) Supressão Intermitente para longe 2 (33%) Diplopia Intermitente 2 (33%)Tipo de cirurgia Encurtamento de Recto Interno unilateral 4 (67%)Encurtamento de Recto Interno bilateral 2 (33%)Desvio médio pós-operatório para perto (DP) 0.0 ± 8.3 para longe (DP) 1.0 ± 10.0Avaliação sensorial pós-operatório Fusão 5 (17%) Supressão Intermitente para longe 1 (83%)

DP: Dioptrias Prismáticas; X(T): Exotropia Intermitente; rec: recorrente; ∆t: Intervalo de tempo médio.

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À medida que se aumenta o período de follow-up pós cirúr-gico, verifica-se um aumento da taxa de recorrência da exotropia2,6.

Em conclusão, considera-se que um sucesso cirúrgico é sempre um sucesso cirúrgico, mas deverá ser relativizado, considerando um follow-up longínquo (6,5 anos após a pri-meira intervenção).

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Exotropia Intermitente: “Do sucesso cirúrgico à necessidade de reintervenção a longo prazo”

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Diagnóstico e Tratamento da Toxoplasmose Ocular em Casos Atípicos

André Marques1, Joana Portelinha1, Filipe Isidro1, Maria Picoto1, Marta Guedes2

1Interno de Oftalmologia, Hospital de Egas Moniz (HEM), Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO)2Assistente hospitalar, Secção de Imunologia Ocular/Uveítes, HEM, CHLO

RESuMO

Objectivo: a toxoplasmose é a causa mais frequente de uveíte posterior, manifestando-se tipi-camente por uma lesão de retinite necrotizante satélite a uma lesão cicatricial mais antiga, com vitrite associada. O diagnóstico é clínico, auxiliado por testes serológicos. Em casos atípicos, a utilização de exames mais especificos como a PCR do humor aquoso (HA) pode ser útil, não só para confirmação da infecção mas também para exclusão de outras etiologias de retinite.Desenho do estudo: relato de casos clínicos.Métodos: apresentamos cinco casos de uveíte posterior associada a T. gondii que se apresentaram de forma atípica. Em todos os doentes foram colhidas amostras de HA para análise PCR e iniciada terapêutica com trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) associada a corticoterapia oral.Resultados: a PCR do HA foi positiva nos cinco casos para T. gondii. Houve necessidade de substituição terapêutica para clindamicina oral num doente por trombocitopénia iatrogénica e associação com clindamicina intra-vítrea e azitromicina oral noutro doente por resposta inade-quada. Registou-se uma melhoria clinicamente significativa das lesões e da acuidade visual nos cinco casos.Conclusões: apesar da toxoplasmose ocular ser um diagnóstico essencialmente clínico, em ca-sos atípicos a utilização da análise PCR no HA para confirmação ou exclusão das principais etiologias infecciosas assume-se como um meio auxiliar de diagnóstico seguro, rápido e especí-fico, permitindo uma terapêutica dirigida. A associação TMP-SMX mostrou ser uma alternativa eficaz à terapêutica clássica com pirimetamina e sulfadiazina, embora possa ser necessário em casos refractários ou mais graves recorrer à clindamicina intra-vítrea ou associação com azitro-micina oral.

Palavras-chaveToxoplasmose, uveíte, PCR, aquoso, retinite.

ABSTRACT

Purpose: toxoplasmosis is the most frequent cause of posterior uveitis, typically presenting with a necrotizing retinitis lesion satellite to an old scar, with accompanying vitritis. Its diagnosis is clinical, supported by serologic tests. In atypical cases, more specific tests such as aqueous humor PCR analysis may be useful, not only to confirm the infection but also to exclude other etiologies of retinitis.Study design: case report.Methods: we present five atypical cases of posterior uveitis caused by T. gondii. In all pa-tients, aqueous humor samples were collected for PCR analysis and treatment was started with

Oftalmologia - Vol. 37: pp.265-272

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

266 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

trimethoprim-sulfamethoxazole (TMP-SMX) and oral corticosteroids.Results: in all cases, aqueous humor PCR was positive for T. gondii. There was need to change to oral clindamycin in one patient due to iatrogenic thrombocytopenia and to associate intravitreal clindamycin as well as oral azithromycin in another due to inadequate therapeutic response. There was a substantial clinical improvement in the retinal lesions and visual acuity in all patients.Conclusions: although ocular toxoplasmosis is an essentially clinical diagnosis, aqueous humor PCR analysis to confirm or exclude other infectious etiologies presents as a safe, quick and spe-cific tool in atypical cases, allowing a targeted treatment. TMP-SMX association revealed to be an effective alternative to the classic treatment with pyrimethamine and sulfadiazine, although unresponsive or specially serious cases may require association with intravitreal clindamycin or oral azithromycin.

Key-wordsToxoplasmosis, uveitis, PCR, aqueous, retinitis.

INTRODuçãO

A causa mais frequente de uveíte posterior é a infecção por Toxoplasma gondii (T. gondii)1, protozoário ubíquo capaz de infectar múltiplos tecidos incluindo o segmento posterior do olho. Contrariamente à ideia tradicional, e gra-ças à investigação realizada no terreno em regiões com ele-vada incidência desta infecção, sabe-se que a maioria dos casos de toxoplasmose ocular são causados por infecção adquirida e não por reactivação de lesões congénitas2. Em ambas as situações, no entanto, a infecção por este micror-ganismo acaba por originar cicatrizes coriorretinianas (CR), com provável envolvimento da região macular e conse-quente diminuição da acuidade visual (AV).

O diagnóstico de uveíte por T. gondii é essencialmente clínico, realizado na presença de lesões de retinite focais, circulares ou ovaladas e de aspecto esbranquiçado ou ama-relado, adjacentes a lesões cicatriciais pigmentadas2-5. Geral-mente coexiste uma vitrite importante, por vezes impossi-bilitando a visualização do fundo ocular, destacando-se apenas a lesão activa, o chamado “farol na neblina” ou, em inglês, “headlight in the fog”. Pode coexistir uma reacção de segmento anterior e ainda vasculite na vizinhança da lesão. Os testes serológicos auxiliam no diagnóstico, mas têm um papel limitado. Na verdade, a sua maior utilidade consiste na confirmação de infecção prévia pelo parasita através da detecção de anticorpos IgG ou na exclusão de infecção em caso de negatividade obrigando à pesquisa de outras etio-logias1-5. Raramente são detectados anticorpos IgM, indica-tivos de infecção recente, pelo facto destes permanecerem positivos durante pouco tempo e pela maioria das primo--infecções serem subclínicas.

As limitações dos testes serológicos tornam-se eviden-tes, no entanto, na presença de manifestações oftalmológicas

consideradas não sugestivas de toxoplasmose ocular. Para além de uma percentagem significativa da população (até 58%, de acordo com um trabalho publicado por Rothova e colaboradores6) ter já sido inoculada pelo parasita, apre-sentando serologias positivas, os títulos de anticorpos não parecem ter também relação com a actividade da retinite3, o que dificulta o diagnóstico e tomada de decisões terapêuti-cas. Assim, torna-se evidente a necessidade da utilização de testes que permitam detectar ou excluir de forma rápida e fiá-vel a presença de T. gondii no olho, confirmando a causa da uveíte, bem como a exclusão de outros agentes infecciosos, nomeadamente vírus da família Herpesviridae, que podem em alguns casos cursar com quadro semelhante mas que obrigam a tratamentos específicos e conferem prognósticos diferentes.

A técnica PCR (do inglês Polymerase Chain Reaction), para amplificação do material genético do parasita, tem sur-gido como uma opção rápida, eficaz e segura no diagnóstico destes casos7-10. Parece, no entanto, ser uma técnica subutili-zada, apesar de ser de fácil execução e acessível a qualquer oftalmologista. Procuramos, assim, reforçar a sua importân-cia nos casos atípicos de toxoplasmose ocular e exploramos também esquemas terapêuticos alternativos ao tratamento clássico com pirimetamina e sulfadiazina e que se têm reve-lado eficazes e por vezes necessários em situações especial-mente graves ou refractárias.

MATERIAL E MéTODOS

Apresentamos cinco casos de toxoplasmose ocular em doentes imunocompetentes que se manifestaram de forma atípica ou com quadros oculares graves, referenciados pelo serviço de urgência à consulta de Uveítes. Em todos os

André Marques, Joana Portelinha, Filipe Isidro, Maria Picoto, Marta Guedes

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 267

doentes foram colhidas amostras de sangue periférico para avaliação laboratorial e de humor aquoso (HA) na lâmpada de fenda (LF) com uma agulha de 30 gauge (30G) para aná-lise PCR de T. gondii. Em casos de diagnóstico diferencial com infecção vírica, o HA foi também avaliado para a pre-sença de vírus Herpes simplex (HSV) 1 e 2, varicela-zoster (HVZ) e citomegalovírus (CMV). As amostras de HA foram enviadas ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge para análise PCR por inexistência desta técnica no nosso centro hospitalar.

Caso 1 - ♀, 11 anos: suspeita de necrose retiniana.Recorre ao SU por diminuição da AV do olho direito

(OD) desde há 2 semanas, com hiperémia ciliar e dor ocular associadas. À observação, apresentava melhor AV corrigida (MAVC) OD 0.3 e do olho esquerdo (OE) 1.0. Ao biomi-croscópio, apresentava no OD uveíte anterior activa com reacção celular +++ e precipitados queráticos em gordura de carneiro. À fundoscopia, era evidente vitrite ++, através da qual se visualizava uma lesão circunferencial de retinite de grandes dimensões, branca, na média periferia com peque-nas hemorragias superficiais e vasculite perilesionais. Não era visível cicatriz pigmentada adjacente e, dado o aspecto esbranquiçado e circunferencial da lesão, foi colocada a hipótese diagnóstica de necrose retiniana associada a infec-ção vírica.

Caso 2 - ♂, 19 anos: CR bilateral.Apresenta-se com dor ocular e diminuição bilateral da

AV desde há pelo menos um mês; refere diagnóstico recente de hepatite B, mas nega outros antecedentes de relevo. A MAVC era de 0.1 ODE, com panuveíte activa no OD, reacção celular +++ no segmento anterior, flare ++ e vitrite intensa (+++), com lesão de retinite activa na arcada tempo-ral superior (ATS) adjacente a lesão cicatricial macular. No OE, apresentava olho calmo, com lesões multifocais e uma macular de grandes dimensões, totalmente cicatriciais.

Caso 3 - ♂, 22 anos: CR bilateral.Referenciado por diminuição da AV OE com duas sema-

nas de evolução; a MAVC era de 1.0 OD, 0.7 OE. Apre-sentava reacção celular + bilateral, sem flare; à fundoscopia, vitrite ++ OE com lesão de coriorretinite activa temporal à mácula e várias lesões multifocais cicatriciais; no OD, apre-sentava lesão nasal ao disco totalmente pigmentada, com embainhamento vascular perilesional marcado.

Diagnóstico e Tratamento da Toxoplasmose Ocular em Casos Atípicos

Fig. 1 | Caso 1. 1 mês após inicio da terapêutica - parte da lesão circunferencial na média periferia inferior, após melho-ria significativa da vitrite e com melhor delimitação dos contornos da lesão.

Fig. 2 | Caso 2. CR bilateral cerca de 3 semanas após início da terapêutica. Atingimento perifoveolar OD e macular OE.

Fig. 3 | Caso 3. 5 semanas após início da terapêutica - lesões de CR multifocais OE, com resolução da vitrite.

268 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Caso 4 - ♀, 34 anos: descolamento de retina neuros-sensorial (NS).Refere diminuição da AV OD. A MAVC era de 0.5 OD

e 1.0 OE; ao bimicroscópio, apresentava hiperémia ciliar OD, reacção celular ++, com lesão esbranquiçada temporal à mácula OD, sem lesões cicatriciais adjacentes e descola-mento NS do pólo posterior. Realizou SD-OCT, que con-firmou o descolamento NS com cerca de 1020μm de altura máxima na região da lesão.

Caso 5 - ♂, 25 anos: lesão de retinite de grandes di-mensões, grave, ausência de resposta à terapêutica.Recorre por diminuição da AV OE com 2 meses de

evolução; a MAVC era 1.0 OD e de contar dedos OE. Ao biomicroscópio, apresentava panuveíte OE, com reacção celular ++++ células e flare + na câmara anterior, precipi-tados queráticos em gordura de carneiro. Verificou-se vitrite intensa, impossibilitando a visualização do fundo. Para além da restante investigação, realizou ecografia modo A+B, que revelou múltiplos ecos na cavidade vítrea compatíveis com vitrite, sem alterações na retina com tradução ecográfica.

Apesar da grande probabilidade empírica de toxoplas-mose ocular, verificou-se agravamento da vitrite e da AV após 6 dias de terapêutica antibiótica pelo que foi reconsi-derado o diagnóstico inicial e colhido HA para confirmação diagnóstica e exclusão de infecção vírica.

Foi iniciado tratamento empírico com trimetoprim-sulfa-metoxazol (TMP-SMX) 160mg+800mg (Bactrim Forte®), 1 comprimido de 12/12h, em todos os doentes para além de tra-tamento tópico com acetato de prednisolona e tropicamida.

RESuLTADOS

A PCR do HA foi positiva para T. gondii nos cinco casos. O resultado para toxoplasmose ocular foi obtido em média em dois dias. Nos casos 1 e 5 as amostras de HA foram ainda analisadas para exclusão de presença de ADN vírico. Os resultados para os vírus da família Herpesviridae demo-raram em média três dias para HVS-1/HSV-2 e HVZ e até cinco dias para CMV. A colheita das amostras de HA na LF durante a consulta decorreu sem complicações; a todos foi prescrito um curto curso de antibioterapia tópica profilática com uma fluoroquinolona.

A restante avaliação analítica foi irrelevante, sendo ape-nas de realçar a ausência de infecção por HIV em todos os casos (em particular no 2 e 3, com toxoplasmose bilateral), e o desenvolvimento de trombocitopénia (85 000 plaquetas) no caso 3, após início da terapêutica com TMP-SMX, pelo que esta foi alterada para clindamicina oral 150mg 8/8h, com estabilização do quadro hematológico. No caso 5, por ausência de resposta e agravamento da vitrite, foram adicio-nadas injecções intra-vítreas bissemanais de clindamicina e azitromicina oral na dose de 500mg/dia com resolução par-cial da vitrite, verificando-se a presença de uma grande lesão esbranquiçada e elevada que se estendia da arcada temporal inferior à mácula.

Após confirmação do diagnósitco de toxoplasmose ocu-lar, foi iniciada metilprednisolona oral na dose aproximada de 0,5 mg/Kg/dia (discutida em conjunto com a Infeccio-logia no caso 3, com co-infecção pelo vírus da hepatite B),

Fig. 4 | Caso 4. SD-OCT: descolamento NS temporal à mácula na apresentação.

Fig. 5 | Caso 5. Vitrite intensa com lesão esbranquiçada de reti-nocoroidite, 1 semana após início da terapêutica.

André Marques, Joana Portelinha, Filipe Isidro, Maria Picoto, Marta Guedes

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 269

com desmame lento de acordo com a evolução do quadro inflamatório e associada a um inibidor da bomba de pro-tões para protecção gástrica. Em quatro casos foi necessária

administração de 1 a 5 injecções de dexametasona por via subconjuntival para controlo inflamatório, tendo estas sido semanais no caso 5 por resposta refractária à terapêutica oral.

Tabela 1 | Evolução clínica dos doentes

Caso Manifestação atípica Terapêutica antibiótica Corticoterapia* Evolução

1

Necrose retiniana aguda grave OD;

sem lesão cicatricial adjacente (adj.)

TMP-SMX(3 meses)

2 inj. sc dexamet**Metilprednisolona:

- 24mg/dia PO(desmame)

MAVC 1.0 OD↓ dimensões lesão com pig-mentação adj. progressiva;

resolução da vitrite

2 Bilateralidade(imunocompetente)

TMP-SMX(2 meses)

1 inj. sc dexametMetilprednisolona:

- 32mg/dia PO (desmame)

MAVC 0.8 OD 0.25 OELesões de CR totalmente

cicatriciais

3 Bilateralidade(imunocompetente)

Clindamicina PO 300 mg 8/8h

(6 semanas)

Metilprednisolona:- 32mg/dia PO

(desmame)

MAVC 1.0 ODELesões de CR totalmente

cicatriciais

4 Descolamento NS; sem vitrite ou lesão cicatricial adj.

TMP-SMX(2 meses)

Metilprednisolona:- 32mg/dia PO

(desmame)

MAVC 1.0 ODELesão de retinite OD total-mente cicatricial. Resolu-ção do descolamento NS

5

Lesão de retinitite de grandes dimensões; sem lesão cicatricial

adj.; ausência de resposta à terapêutica com TMP-SMX

TMP-SMX (2 meses)+

2 inj. IV*** de clindamici-na 0,1mg/0,1mL +

azitromicina 500mg/dia PO

5 inj. sc dexametMetilprednisolona PO:

- 40mg/dia (desmame)

MAVC 1.0 OD 0.1 OEMelhoria significativa da vitrite; ↓ dimensões da

lesão(abandono da consulta)

* Todos os doentes foram medicados concomitantemente com acetato de prednisolona (inicialmente 1 gota de 2/2h, reduzida de acordo com evolução clínica) e tropicamida tópicos.** Inj. sc dexamet. = injecção subconjuntival de dexametasona*** Inj. IV = injecção intra-vítrea

Fig. 6 | Caso 4. SD-OCT: resolução do descolamento NS 2 se-manas após o início da terapêutica.

Fig. 7 | Caso 5. Diminuição do tamanho da lesão e resolução parcial da vitrite 6 semanas após início da terapêutica, antes do abandono da consulta..

Diagnóstico e Tratamento da Toxoplasmose Ocular em Casos Atípicos

270 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Foi mantida terapêutica antibiótica em dose terapêutica em todos os casos até resolução completa das lesões de retinite.

A evolução clínica foi favorável nos cinco casos (Tabela 1), embora o último doente tenha abandonado a consulta.

Houve melhoria clínica significativa em todos os casos com resolução da vitrite, diminuição do tamanho da lesão e cicatrização completa. No caso 4, ocorreu resolução do des-colamento NS. À excepção do caso 5 (apesar da boa evolu-ção da uveíte até perda de follow-up) e do OE do caso 2 (por envolvimento foveal directo), verificou-se uma melhoria cli-nicamente significativa da AV em todos os doentes.

DISCuSSãO

A toxoplasmose ocular continua a ser um diagnóstico essencialmente clínico, realizado na presença de lesões focais de retinite ou retinocoroidite amarelo-esbranquiçadas, tipicamente adjacentes a uma lesão pigmentada cicatricial antiga e com vitrite associada sendo este o quadro mais comum em imunocompetentes1-5. Existem, contudo, formas atípicas1-5,8 - bilaterais, extensas ou multifocais - que podem não ser facilmente reconhecidas ou que exigem um diag-nóstico diferencial rápido com outras etiologias, sobretudo virais, com necessidade de diferentes decisões terapêuticas. Estas tendem a ocorrer em doentes imunocomprometidos, embora possam também ser verificadas em imunocompeten-tes. Três dos casos descritos não apresentavam lesões cicatri-ciais sugestivas, dois casos eram bilaterais, um caso apresen-tava descolamento NS marcado no pólo posterior, um caso apresentava necrose retiniana e num caso com envolvimento perifoveolar verificou-se agravamento após o início de tera-pêutica adequada, obrigando também ao diagnóstico dife-rencial com outras etiologias.

Como já referido, os testes serológicos ajudam no diag-nóstico, mas a detecção de anticorpos séricos não é sufi-ciente para confirmação do mesmo. Na verdade, na ava-liação de casos atípicos como os apresentados, a serologia para T. gondii tem até mais valor na ausência de anticorpos séricos IgG, possibilitando desde logo a exclusão desta etio-logia e obrigando a procurar outras causas. Por outro lado, a positividade para os mesmos indica apenas infecção pré-via (altamente prevalente, de acordo com vários trabalhos publicados4-6), e não sendo possível fazer qualquer correla-ção entre os títulos medidos e a actividade da retinite3, o seu valor preditivo positivo acaba por ser baixo. Já a detecção de anticorpos no HA, geralmente através de ELISA, apresenta uma sensibilidade e especificidade maiores, aproximada-mente 81% e 99%, respectivamente10, mas trata-se de uma técnica relativamente pouco utilizada, para além de que a

produção de anticorpos é dependente do estado imunitário do doente e tempo de evolução desde início dos sintomas, podendo influenciar os resultados12,13.

Assim, vários autores têm proposto nos últimos anos a utilização da técnica PCR em amostras de HA para detec-ção do ADN do T. gondii, que se tem mostrado de fácil e rápida execução e útil na confirmação do diagnóstico7-10, com um tempo de resposta médio de 48h. Havendo neces-sidade de excluir outras etiologias infecciosas, como vírus da família Herpesviridae, os resultados podem demorar até 5 dias, deverendo ser enviadas duas amostras separadas (uma para análise de ADN toxoplásmico e outra para o ADN vírico). A colheita destas pode ser facilmente realizada na LF, após instilação de anestésico local e desinfecção com iodopovidona a 5%, devendo idealmente ser prescrito um curto curso de antibioterapia local após o procedimento. O material necessário é escasso: blefaróstato e uma ou duas seringas de insulina (no caso de ser necessário enviar mais do que uma amostra). Alguns autores advogam a utilização de uma agulha 27G, mas, pela nossa experiência, pode ser utilizada uma agulha de menor calibre, 30G, sem dificuldade acrescida na aspiração do HA, permitindo assim a realização de uma punção de menores dimensões. A quantidade neces-sária de HA9 varia entre 100-200μL, sendo importante a ajuda de um segundo elemento na aspiração lenta do mesmo enquanto o oftalmologista avalia a variação na profundidade da câmara anterior e controla a ponta da agulha. Trata-se de um procedimento seguro9, com reduzida taxa de compli-cações (0,7%)13 e geralmente de baixa gravidade: injecção inadvertida de bolhas de ar, reacção alérgica à iodopovidona e, raramente, opacidades lenticulares iatrogénicas, habitual-mente sem importância clínica. Está, no entanto, desacon-selhado na presença de pressões intra-oculares superiores a 30 mmHg (não verificado em nenhum dos nossos doentes), visto haver um risco aumentado de hifema14.

Relativamente ao tratamento da toxoplasmose ocular, este está indicado em determinadas situações (Tabela 2), tendo por objectivos reduzir a duração e gravidade da infla-mação, diminuir o risco de perda visual através da redução da cicatriz CR e reduzir o risco de recorrências1-6. A antibio-terapia poderá eventualmente contribuir para estes objecti-vos, carecendo no entanto de evidência científica que com-prove a sua eficácia15,16. O papel da corticoterapia sistémica é também essencial no controlo da inflamação associada.

O esquema terapêutico clássico passa pela adminis-tração de pirimetamina (dose de carga de 50mg, seguida de 25-50mg por dia durante 4 semanas) e sulfadizina (1g, 4 vezes ao dia durante 3-4 semanas). Este apresenta, no entanto, alguns inconvenientes, nomeadamente a necessi-dade de suplementação com ácido fólico para prevenção de

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Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 271

citopénias induzidas pela pirimetamina (requerendo um con-trolo hematológico regular), e, sobretudo, um número diário de comprimidos pouco prático e que pode comprometer a adesão terapêutica dos doentes. Assim, nos casos que cum-prem os critérios para tratamento, optamos habitualmente pela associação TMP-SMX, 1 comprimido de 12/12 horas, que se tem revelado eficaz e prático. Na verdade, alguns autores compararam já este esquema com a terapêutica clás-sica e não encontraram diferenças significativas17,18. Às 48 horas é habitualmente associada metilprednisolona oral na dose aproximada de 0,5mg/Kg/dia, com redução gradual de acordo com a evolução clínica.

Em alguns casos pode haver necessidade de terapêuticas alternativas ou coadjuvantes, como foi o caso de dois dos doentes relatados. Apesar dos efeitos adversos hematológi-cos serem menos frequentes com o TMP-SMX em compara-ção com a terapêutica com pirimetamina5, estes ainda assim podem ocorrer (como no caso 3, que desenvolveu tromboci-topénia iatrogénica), exigindo substituição terapêutica. Neste caso, optámos pela administração de clindamicina oral na dose de 300mg 8/8h durante 6 semanas, com boa resposta. Casos refractários ou de maior gravidade podem igualmente beneficiar da associação de clindamicina intra-vítrea19-22 (habitualmente na dose de 1mg/0,1mL) à terapêutica oral, que poderá igualmente constituir terapêutica isolada de pri-meira linha nos doentes intolerantes ou incapazes de custear a terapêutica oral22 ou ainda nas grávidas, acompanhada ou não por dexametasona intra-vítrea (habitualmente na dose de 1mg/0,1mL)19,22. Optando por esta terapêutica, a maioria dos doentes parece necessitar de 2 a 5 injecções (média 3,6), com um intervalo entre estas de aproximadamente 2 sema-nas, com boa resposta19,21.

CONCLuSõES

A toxoplasmose ocular nem sempre se manifesta de forma típica, mesmo em doentes imunocompetentes, podendo simular outras etiologias que requerem diferentes abordagens terapêuticas. A necessidade de um diagnóstico rápido e fiável faz com que testes com elevada sensibilidade e especificidade sejam cada vez mais importantes. A análise PCR tem-se revelado extremamente útil nestes casos, sendo a colheita de amostras de HA um procedimento seguro e simples de executar. O tempo de espera até obtenção dos resultados é bastante reduzido pelo que aconselhamos cada vez mais a sua utilização para confirmação diagnóstica. A terapêutica com TMP-SMX em associação à corticoterapia sistémica demonstrou ser eficaz embora casos refractários ou mais graves possam necessitar de outras alternativas, como clindamicina intra-vítrea.

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Tabela 2 | Indicações para tratamento na toxoplasmose ocular

Imunocompetentes

Lesões situadas por dentro das arcadas vasculares temporais

Lesões próximas do nervo óptico ou de grandes vasos

Lesões com hemorragias de grandes dimensões associadas

Vitrite que cause diminuição da AV para ≤ 0.5 ou perda de duas linhas

Múltiplas recorrências, com condensação vítrea importante (risco de descolamento de retina)

Imunocomprometidos: qualquer lesão

Diagnóstico e Tratamento da Toxoplasmose Ocular em Casos Atípicos

272 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

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Os autores não apresentam qualquer interesse comercial nos produtos referidos. Os mesmos cedem os direitos de autor à SPO.

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Análise Retrospectiva e Caracterização Epidemiológica de 151 casos

de Inflamação Ocular

Maria Lisboa1, Arnaldo Santos1, Luísa Vieira1, Rita Rosa1, Mariana Cardoso1, Isabel Domingues2 1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia no Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE

2Assistente Hospitalar de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE

RESuMO

Objectivo: Analisar e caracterizar uma amostra de doentes de uma consulta de inflamação ocular.Material e Métodos: Análise retrospectiva de 503 consultas realizadas por um clínico entre 1 de Agosto de 2012 e 31 de Agosto de 2013 no Centro Hospitalar de Lisboa Central com recurso aos respectivos processos clínicos. Na análise da casuística da consulta foram incluídos 151 doentes. Desses, 24 padeciam de doenças auto-imunes em seguimento para monitorização de toxicidade a fármacos mas sem registo de qualquer episódio de uveíte, pelo que foram excluídos da avaliação estatística referente às uveítes. Dos 127 doentes com uveíte foram incluídos 197 olhos.Resultados: A média de idades foi de 53,8±16,5 anos, sendo 60% do sexo feminino e 40% masculino. A inflamação foi bilateral em 70 e unilateral em 57 doentes. O tipo de uveíte mais frequente foi a anterior (51,2%), seguida da panuveíte (21,3%), posterior (19,7%), intermédia (3,9%), episclerite (3,2%) e esclerite (0,8%). As etiologias foram agrupadas em: doenças sis-témicas (34%), doenças infecciosas (30%), idiopáticas (27%) e patologias oculares específicas (9%). A acuidade visual média nos olhos com uveíte anterior foi 0.8, panuveíte 0.2, uveíte poste-rior 0.2, uveíte intermédia 0.7, episclerite e esclerite 1.0. Dos 197 olhos com uveíte, 27 (13,7%) foram submetidos a cirurgia de catarata e 5 (2,5%) a cirurgia de glaucoma.Conclusões: Apesar de se tratar de uma amostra relativamente pequena, reveste-se de importân-cia dado ser fundamental conhecer a realidade em cada centro de referência de forma a optimizar os recursos disponíveis e a melhorar a abordagem clínica.

Palavras-chaveUveíte, inflamação, epidemiologia, catarata, glaucoma.

ABSTRACT

Purpose: To analyze and characterize a sample of patients from an ocular inflammation referral center.Material and Methods: Retrospective analysis of 503 appointments performed by an ophthal-mologist between August 1st 2012 and August 31st 2013 in Centro Hospitalar de Lisboa Central using the respective clinical processes. 151 patients were included in the casuistic analysis. Of those, 24 suffered from autoimmune diseases and were being followed-up only for monitoriza-tion of drug toxicity without any record of an uveitis episode and so they were excluded from the

Oftalmologia - Vol. 37: pp.273-282

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

274 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

statistical analysis concerning uveitis. Of the 127 patients with uveitis it were included 197 eyes.Results: The mean age was 53,8±16,5 years, 60% female and 40% male. The inflammation was bilateral and unilateral in 70 and 57 patients respectively. Anterior uveitis was most common (51,2%), followed by panuveitis (21,3%), posterior uveitis (19,7%), intermediate uveitis (3,9%), episcleritis (3,2%) and scleritis (0,8%). The causes were grouped in: systemic diseases (34%), infectious diseases (30%), idiopathic (27%) and specific ocular conditions (9%). The average visual acuity in eyes with anterior uveitis was 0.8, panuveitis 0.2, posterior uveitis 0.2, interme-diate uveitis 0.7, episcleritis and scleritis 1.0. Of the 197 eyes with uveitis, 27 (13,7%) underwent cataract surgery and 5 (2,5%) glaucoma surgery.Conclusions: Although being a relatively small sample, it is important since it is essential to be aware of the reality in each referral center in order to optimize the available resources and to improve the clinical approach.

Key-wordsUveitis, inflammation, epidemiology, cataract, glaucoma.

INTRODuçãO

A uveíte, termo utilizado para descrever um grupo de doenças inflamatórias intraoculares, constitui uma causa significativa de incapacidade visual em todo o Mundo. Ao contrário de outras causas de diminuição da acuidade visual, as uveítes afectam frequentemente doentes jovens em idade produtiva, o que acrescenta a este grupo de pato-logias o peso do factor económico1. A prevalência, incidên-cia e caracterização dos vários tipos de uveítes apresentam uma variação geográfica2,3,4. Os factores que contribuem para isso são complexos e ainda se encontram em estudo. No entanto é sabido que ambos factores do hospedeiro e ambientais têm influência nessa distribuição.

A classificação anatómica actualmente aceite para as uveítes foi introduzida no fim dos anos 80 pelo Inter-national Uveitis Study Group5. Assim, estas são dividi-das segundo o local primário de inflamação em anterior (câmara anterior), intermédia (vítreo e retina periférica), posterior (retina e/ou coróide) e panuveíte (câmara ante-rior, vítreo e retina e/ou coróide). Em 2004 o grupo SUN (Standardization of Uveitis Nomenclature) completou estes critérios adicionando factores como início (súbito ou insidioso), duração (limitada ou persistente) e curso da doença (agudo, recorrente ou crónico)6.

No Departamento de Inflamação Ocular do Centro Hos-pitalar de Lisboa Central, tal como o nome indica, são obser-vados, para além de uveítes, casos seleccionados de outros tipos de inflamação ocular, nomeadamente episclerites e esclerites (geralmente quando associados a doenças sistémi-cas). Para além disso, e uma vez que trabalhamos em estreita ligação com a consulta de doenças auto-imunes do mesmo

centro hospitalar, são observados doentes dessa mesma con-sulta apenas para monitorização da toxicidade a fármacos, mais frequentemente o sulfato de hidroxicloroquina. Dado que o objectivo deste estudo é, não apenas descortinar o padrão de uveítes, mas também a contribuir para a casuística deste departamento, optámos por incluir estes último grupo de doentes, embora o tenhamos excluído da avaliação esta-tística referente às uveítes propriamente ditas.

MATERIAL E MéTODOS

Foi realizada uma análise retrospectiva de 503 consultas consecutivas realizadas por um clínico do departamento de inflamação ocular do Centro Hospitalar de Lisboa Central no período entre 1 de Agosto de 2012 e 31 de Agosto de 2013, com recurso à avaliação dos respectivos processos clínicos. Foram incluídos 151 doentes na análise casuís-tica, sendo que 24 padeciam de doenças auto-imunes em seguimento para monitorização de toxicidade a fármacos mas sem registo de qualquer episódio de uveíte, pelo que foram excluídos da avaliação estatística referente às uveí-tes. Assim, nesta última foram incluídos 197 olhos de 127 doentes.

Foi utilizada a classificação anatómica de uveítes do International Uveitis Study Group, sendo ainda incluídos os casos de episclerite e esclerite (6 no total). A etiologia das diferentes uveítes foi discriminada e depois inserida num dos seguintes grupos: doenças sistémicas, doenças infecciosas, idiopáticas e patologias oculares específicas. O diagnóstico baseou-se no exame objectivo geral e oftal-mológico, antecedentes pessoais e exames complementares

Maria Lisboa, Arnaldo Santos, Luísa Vieira, Rita Rosa, Mariana Cardoso, Isabel Domingues

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de diagnóstico seleccionados para cada caso. A seguinte informação foi documentada para cada doente: género, idade, antecedentes pessoais, lateralidade, melhor acui-dade visual na última visita, tipo de uveíte e etiologia da uveíte. Foi ainda determinado o número de olhos submeti-dos a cirurgia de catarata e/ou cirurgia de glaucoma.

Na análise do género, idade, antecedentes pessoais, late-ralidade e etiologia das uveítes foi considerado o número de doentes (n=127). Já na análise da acuidade visual e da existência de cirurgia de catarata ou de glaucoma foi con-siderado o número total de olhos (n=197).

Para o cálculo da melhor acuidade visual corrigida foi feita a conversão da escala de Snellen para a escala Log-MAR. Os resultados foram novamente convertidos e apre-sentados segundo a primeira.

RESuLTADOS

Um total de 151 doentes foi incluído no estudo, com uma média de idades de 53.8 anos (±16,5), havendo 91 (60%) do sexo feminino e 60 (40%) do sexo masculino (figura 1).

Os antecedentes pessoais mais comuns foram hiper-tensão arterial (40 doentes), infecção pelo vírus da imu-nodeficiência humana-HIV (17 doentes), dislipidémia (16 doentes), diabetes mellitus tipo 2 (14 doentes), espondilite anquilosante (12 doentes), neoplasia (10 doentes) e insufi-ciência cardíaca congestiva (7 doentes) (figura 2). O tipo de inflamação ocular mais frequente (n=127) foi a anterior (51,2%), seguida da panuveíte (21,3%), posterior (19,7%), intermédia (3,9%), episclerite (3,2%) e esclerite (0,8%) (figura 3). A inflamação ocular foi unilateral em 57 doentes (45%) e bilateral em 70 doentes (55%) (figura 4). Foi pos-sível estabelecer um diagnóstico definitivo ou específico presuntivo em 72,4% dos casos.

Análise Retrospectiva e Caracterização Epidemiológica de 151 casos de Inflamação Ocular

Fig. 1 | Distribuição da amostra segundo a idade.

Fig. 2 | Antecedentes pessoais mais frequentes.

Fig. 3 | Tipos de Uveíte.

Fig. 4 | Lateralidade das uveítes.

276 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Para o conjunto de todos os tipos de uveíte a etiologia discriminada mais frequente foi a idiopática (35 doentes), seguida da espondilite anquilosante (12 doentes), HLA B27+ (11 doentes), toxoplasmose (11 doentes), doença de Behçet (8 doentes), tuberculose (6 doentes), herpes simples (6 doentes), citomegalovírus (6 doentes) e sífilis (5 doentes). Quando agrupadas, o grupo de etiologias mais frequente foi o das doenças sistémicas (44 doentes; 34%), seguido do grupo das doenças infecciosas (38 doentes; 30%), idiopáti-cas (34 doentes; 27%) e patologias oculares específicas (11 doentes; 9%) (figura 5).

No que diz respeito aos casos de uveíte anterior (n=65), a média de idades foi de 56,5 anos, sendo 35 do sexo feminino (54%) e 30 do sexo masculino (46%). Foram verificados 31 casos unilaterais e 34 bilaterais (total de 99 olhos). A etiolo-gia discriminada mais frequente foi a idiopática (23 doentes; 35,4%), seguida da espondilite anquilosante (12 doentes; 18,5%), HLA B27+ (10 doentes; 15,4%), doença de Behçet (6 doentes; 9,2%), herpes simples (5 doentes; 7,7%), sífilis (3 doentes; 4,6%), tuberculose (3 doentes; 4,6%), doença mista do tecido conjuntivo (1 doente; 1,5%), artrite reuma-tóide (1 doente; 1,5%) e celulite orbitaria (1 doente; 1,5%). Quando agrupadas, a maior fatia pertenceu ao grupo das doenças sistémicas (46%), e depois ao grupo das doenças

idiopáticas (35%) e grupo das doenças infecciosas (19%). Não houve qualquer caso inserido no grupo das patologias oculares específicas (figura 6). A média de melhor acuidade visual corrigida nos olhos afectados foi de 0.8.

Relativamente aos casos de panuveíte (n=27), 16 doentes eram do sexo feminino (59%) e 11 do sexo masculino (41%), com uma média de idades de 53,8 anos. Dos 27 doentes com panuveíte, 9 foram casos unilaterais e 18 bilaterais (total de 45 olhos). As causas determinadas foram: toxoplasmose (5 doentes; 18,5%), idiopática (5 doentes; 18,5%), tuberculose (2 doentes; 7,4%), doença de Behçet (2 doentes; 7,4%), coroidite multifocal (2 doentes; 7,4%), sarcoidose (1 doente; 3,7%), síndrome de Birdshot (1 doente; 3,7%), infecciosa pós-endocardite (1 doente; 3,7%), herpes simples (1 doente; 3,7%), citomegalovírus (1 doente; 3,7%), sífilis (1 doente; 3,7%), doença de Vogt-Koyanagi-Harada (1 doente; 3,7%), doença de Whipple (1 doente; 3,7%), uveíte de recuperação imunitária (1 doente; 3,7%), esclerose múltipla (1 doente; 3,7%) e oftalmia simpática (1 doente; 3,7%). Assim, 44% dos casos de panuveíte foram inseridos no grupo das doen-ças infecciosas, 18,7% no grupo das idiopáticas, 18,7% no grupo das patologias oculares específicas e 18,7% no grupo das doenças sistémicas (figura 7). A média de melhor acui-dade visual corrigida nos olhos com panuveíte foi de 0.2.

Fig. 5 | Etiologia do total de uveítes.

Maria Lisboa, Arnaldo Santos, Luísa Vieira, Rita Rosa, Mariana Cardoso, Isabel Domingues

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Fig. 6 | Etiologia das uveítes anteriores.

Fig. 7 | Etiologia das panuveítes.

Análise Retrospectiva e Caracterização Epidemiológica de 151 casos de Inflamação Ocular

278 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Para o conjunto das uveítes posteriores (n=25) a média de idades foi de 51 anos, havendo 11 doentes do sexo feminino (44%) e 14 doentes do sexo masculino (56%). De um total de 39 olhos, 11 foram unilaterais e 14 bilaterais. As etiolo-gias verificadas foram: toxoplasmose (6 doentes; 24%), cito-megalovírus (5 doentes (20%), idiopática (4 doentes; 16%), síndrome de Birshot (3 doentes; 12%), sífilis (1 doente; 4%), tuberculose (1 doente; 4%), sarcoidose (1 doente; 4%),

coroidite multifocal (1 doente; 4%), coroidite serpinginosa (1 doente; 4%), doença de Vogt-Koyanagi-Harada (1 doente; 4%) e candidíase (1 doente; 4%). Não foi inserido qualquer caso no grupo das doenças sistémicas, pelo que a distribuição foi a seguinte: grupo de doenças infecciosas (60%), grupo das patologias oculares especíicas (24%), grupo das idiopáti-cas (16%) (figura 8). A média de melhor acuidade visual cor-rigida nos olhos acometidos com uveíte posterior foi de 0.2.

Fig. 8 | Etiologia das uveítes posteriores.

Fig. 9 | Etiologia das uveítes intermédias.

Maria Lisboa, Arnaldo Santos, Luísa Vieira, Rita Rosa, Mariana Cardoso, Isabel Domingues

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 279

Das uveítes intermédias, 3 eram do sexo feminino (60%) e 2 do sexo masculino (40%), com uma média de idades de 42 anos e de melhor acuidade visual corrigida de 0.7. Quanto à lateralidade, 2 casos foram unilaterais e 3 bilaterais, perfazendo um total de 8 olhos. Relativamente à etiologia, 2 casos foram idiopáticos e os restantes 3 casos associados a artrite idiopática juvenil, HLA B27+ e HLA B51+. Assim, 60% pertenceram ao grupo das doenças sis-témicas e 40% ao grupo das idiopáticas (figura 9).

Todos os 4 casos de episclerite enviados para a con-sulta de inflamação ocular eram do sexo feminino, sendo 3 casos unilaterais e 1 bilateral (total de 5 olhos). As etio-logias encontradas foram o lúpus eritematoso sistémico (3 doentes; 75%) e idiopática (1 doente; 25%). O único caso de esclerite referenciado foi de um doente do sexo femi-nino, 35 anos, com acometimento unilateral e cuja etiolo-gia foi associada a doença de Crohn. A média da melhor acuidade visual corrigida nos casos de epislerite e esclerite foi de 1.0.

Foram estudados ainda os olhos submetidos a cirurgia de catarata (27 de 197 olhos; 13,7% dos olhos com uveíte). Desses 27 olhos, 15 eram do conjunto das uveítes ante-riores (56%), 10 do conjunto das panuveítes (37%) e 2 do conjunto das uveítes posteriores (7%) (figura 10). Assim,

foram sujeitos a cirurgia de catarata 22,2% dos olhos com panuveíte (10 de 45 olhos), 15,2% dos olhos com uveíte anterior (15 de 99 olhos) e 5,1% dos olhos com uveíte pos-terior (2 de 39 olhos).

Relativamente à cirurgia de glaucoma, houve um total de 5 olhos submetidos a essa cirurgia - 3 implantes de vál-vula de Ahmed em 3 olhos de 2 doentes com uveíte ante-rior e 2 trabeculectomias ab externo em 2 olhos de 1 doente com uveíte posterior (figura 11). Deste modo, 2,5% do total de olhos com uveíte foram sujeitos a cirurgia de glaucoma, correspondendo a 3% dos olhos com uveíte anterior e a 5,1% os olhos com uveíte posterior.

Fig. 10 |Olhos com uveíte submetidos a cirurgia de catarata. Fig. 11 | Olhos com uveíte submetidos a cirurgia de glaucoma.

Fig. 12 | Comparação da distribuição dos tipos de uveíte.

1. Wakefield D, Chang JH.Epidemiology of uveitis. International Ophthalmology Clinics 2005. 45(2) 1-13; 2. Khairallah M, Bem Yahia S, Ladjini A, Messaoud R, et al. Pattern of uveitis in a referral centre in Tunisia, North Africa. Eye 2007. 21 33-39; 8. Chang, JH, et al. Uveitis: a global perspective. Ocular Immunology and Inflammation 2002. 10 263-279.

Análise Retrospectiva e Caracterização Epidemiológica de 151 casos de Inflamação Ocular

280 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

DISCuSSãO

Estudos epidemiológicos centrados na distribuição dos vários tipos e causas de uveítes, assim como na influên-cia de factores genéticos, sociais, ambientais e geográfi-cos, são cada vez mais importantes na planificação dos cuidados de saúde na área da oftalmologia. Esse tipo de estudos, tal como este agora descrito, contribuem para o estabelecimento de tendências no padrão de uveítes que, como anteriormente mencionado, é heterogéneo e varia de região para região e também ao longo do tempo.

A frequência dos vários tipos de uveíte neste estudo foi comparável ao encontrado na literatura (figura 12)1,7,8. Assim, os dados adquiridos foram semelhantes ao padrão descrito para a maioria da Europa, com grande parte dos casos a corresponderem a uveíte anterior (51,2%), seguido de panuveíte (21,3%), uveíte posterior (19,7%) e uveíte intermédia (3,9%). Na bibliografia consultada não foi feita referência aos casos de episclerite e esclerite, uma vez que apenas foram considerados os casos de uveíte. Apesar de termos incluído esses dois tipos de inflamação ocular, uma vez que são relevantes na avaliação da casuística da con-sulta, parece-nos que a escassez da sua referenciação (5 doentes no total) torna os seus resultados pouco influentes e significativos no global da análise estatística.

Tal como referido nos diferentes estudos internacio-nais1,9,10, ambos os géneros aparentam ser igualmente afec-tados. Contudo, em algumas etiologias específicas parece haver preponderância de um dos géneros. É o caso das uveítes anteriores associadas ao HLA B27, quer estejam ou não relacionadas com espondilite anquilosante, em que existe predomínio do sexo masculino. Este facto foi tam-bém confirmado no nosso estudo em que dos 22 doentes com uveíte anterior associada a HLA B27 e/ou espondilite anquilosante, 13 eram do sexo masculino (59%).

Na grande maioria dos doentes foi estabelecido um diagnóstico definitivo ou específico presuntivo (72,4%), o que demonstra o avanço que se tem vindo a constatar na área de diagnóstico ao longo dos últimos anos. Assim, apesar de 35,4% dos casos de uveíte anterior terem sido considerados idiopáticos, quando somados os casos asso-ciados a HLA B27 com os casos de espondilite anqui-losante diagnosticada, o total aproxima-se desse valor (33,9%), o que faz deste grupo a causa mais comum de uveíte anterior. A positividade para o antigénio HLA B27 é mesmo considerada um importante factor de risco genético para uveíte anterior aguda, uma vez que cerca de 55% dos doentes caucasianos com esta patologia são HLA B27+. Contudo, este facto não significa que todos os indivíduos HLA B27+ venham a desenvolver uveíte

anterior – pondera-se a possibilidade de existir algum tipo de trigger1. De realçar que se trata de uma consulta de referenciação, pelo que se estima que o número de casos de uveítes anteriores seja muito superior a este (alguns estudos apontam mesmo para 90% de todos os tipos de uveíte8), com a grande maioria dos primeiros episódios a serem considerados idiopáticos, sem necessidade de estudo etiológico.

A panuveíte foi o segundo tipo mais comum de uveíte na nossa amostra (21,3%), embora equiparável à uveíte posterior (19,7%). Para além das idiopáticas, a causa mais frequente foi a toxoplasmose (18,5%), seguida da tuber-culose (7,4%), doença de Behçet (7,4%) e coroidite multi-focal (7,4%). A grande contribuição da toxoplasmose para os casos de panuveíte, tal como nos casos de uveíte poste-rior, poderá ser devida, pelo menos em parte, à importante influência da comunidade brasileira no nosso país. Como já sobejamente discutido, a toxoplasmose é a causa mais frequente de uveíte na maioria dos países da América do Sul, nomeadamente no Brasil (57%11). De salientar tam-bém a doença de Behçet, que assume particular relevân-cia nos países da bacia mediterrânica, nomeadamente em Portugal. Nesta amostra constituiu a terceira maior causa em ex aequo com a tuberculose e a coroidite multifocal. Presumir-se-á que, se a amostra fosse maior, a doença de Behçet destacar-se-ia das demais, dada a grande incidên-cia desta doença no nosso país.

No que concerne às uveítes posteriores, a toxoplas-mose também assumiu lugar de destaque, sendo mesmo a líder neste conjunto de uveites. As razões que se pren-dem com este facto são, provavelmente, as mesmas mencionadas para as panuveítes. De destacar também a importância da retinite a citomegalovírus (CMV). Esta tornou-se uma das infecções mais frequentes da retina após os anos 80, ocorrendo principalmente como infecção oportunista em doentes HIV+/SIDA1. Com a introdução da terapêutica HAART (highly active antire-troviral therapy) em 1996, a incidência desta diminuiu, embora ainda assuma um papel relevante como causa de uveíte posterior. Teme-se inclusivamente que haja uma nova emergência de casos pelo facto dos doentes HIV+ poderem vir a desenvolver intolerância ou resistência aos fármacos HAART12,13 e, assim, estarem novamente susceptíveis a infecções oportunistas, nomeadamente à infecção pelo CMV. Na nossa amostra, esta ocupa a segunda posição nas causas de uveíte posterior porque, para além do já mencionado, existe uma consulta de infecciologia dedicada ao HIV no nosso centro hospita-lar à qual o departamento de inflamação ocular oferece apoio.

Maria Lisboa, Arnaldo Santos, Luísa Vieira, Rita Rosa, Mariana Cardoso, Isabel Domingues

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 281

A baixa prevalência de uveítes intermédias (3,9%) não constituiu novidade uma vez que esta é a forma menos frequente de uveíte em todo o Mundo. A maioria dos casos são idiopáticos8.

Tal como esperado, a média de acuidade visual foi pior para o conjunto das uveítes posteriores e panuveítes (0.2) relativamente aos restantes tipos de uveíte. Isso pode ser explicado pelas alterações potencialmente irreversíveis de determinadas estruturas oculares, nomeadamente mácula e nervo óptico.

A proporção de olhos submetidos a cirurgia de catarata e a cirurgia de glaucoma esteve de acordo com estudos internacionais prévios (figura 13). Num estudo publicado em 2004 com 220 doentes, a catarata isoladamente foi res-ponsável pela diminuição da acuidade visual em 39 doen-tes (17,7%) e o glaucoma em 11 doentes (5%)14. Existem também relatos de que a prevalência de glaucoma em olhos com uveíte varia entre 10 e 20%15. Contudo, apenas alguns desses casos acabam por ser sujeitos a intervenção cirúrgica.

Á semelhança dos estudos epidemiológicos de uveítes publicados até à data, esta amostra pode não ser totalmente representativa da população geral mas sim um subgrupo da mesma. A isso deve-se o facto de se tratar de uma con-sulta de referenciação pelo que, para além de provavel-mente não reflectir a proporção real dos tipos de uveíte (a uveíte anterior, nomeadamente, poderá estar subvalo-rizada), engloba os casos mais graves e raros, geralmente submetidos a uma abordagem diagnóstica mais complexa (o que também poderá ter influência no número de casos idiopáticos). Acresce ainda o facto de apenas termos incluído doentes adultos. No entanto, e apesar de relati-vamente pequena, esta amostra não deixa de ser relevante, uma vez que é fundamental conhecer a realidade em cada centro de forma a optimizar os recursos disponíveis, a melhorar a abordagem clínica e a permitir a comparação com outros centros.

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CONTACTOMaria Lisboa - Centro Hospitalar de Lisboa CentralServiço de OftalmologiaAlameda de Santo António dos Capuchos, 1169-050 [email protected]óvel: 916303035

Maria Lisboa, Arnaldo Santos, Luísa Vieira, Rita Rosa, Mariana Cardoso, Isabel Domingues

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 283

Queratite por acantamoeba – Revisão de 6 casos clínicos.

Centro Hospitalar Lisboa Central

Rita Anjos1, André Vicente1, Luisa Vieira1, Vitor Maduro2, Nuno Alves2, João Feijão2, Pedro Candelária3, Miguel Trigo4

1Interno de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Central; 2Assistente Hospitalar de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Central;

3Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Central; 4Director do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Central

RESuMO

Objectivo: Determinar os factores de risco, características clínicas e desfecho da queratite por acantamoeba. Métodos: Os autores revêm os casos de queratite por acantamoeba em 6 doentes (3 do sexo masculino e 3 do sexo feminino) com idades compreendidas entre os 18 e os 41 anos, vigiados no Departamento de Córnea do nosso Hospital. As suas características e curso clínicos foram estudados retrospectivamente. Resultados: Todos os doentes eram portadores de lentes de contacto. Quatro dos 6 casos tiveram início do quadro entre final de Maio e Julho. A suspeita inicial de queratite bacteriana, fúngica ou viral precedeu o diagnóstico final de queratite por acantamoeba em todos os doentes. O diag-nóstico foi feito através de observação clínica, PCR (polymerase chain reaction) ou microscopia confocal. Em todos os casos a terapêutica dirigida foi iniciada com propamidina, com adição de clorohexidina em um doente. Em 3 doentes verificou-se necessidade de realização de querato-plastia penetrante: um caso por incapacidade de controlo da infecção e por sequelas noutros dois. Conclusão: É necessário um grande nível de suspeita de infecção por acantamoeba em indíviduos utilizadores de lente de contacto e falência inicial à terapêutica antimicrobiana ou antiviral. A mi-croscopia confocal é um auxiliar importante no diagnóstico da queratite por este microrganismo.

Palavras-chaveQueratite, Acantamoeba, Lentes de Contacto, Microscopia Confocal, Desfecho.

Acanthamoeba Keratitis – A case seriesDepartment of Ophthalmology, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Lisbon, Portugal

ABSTRACT

Purpose: To determine the characteristics of acanthamoeba keratitis (AK).Methods: Retrospective case series of 6 patients diagnosed with acanthamoeba keratitis from June 2007 to July 2012. The main parameters were demographic data, medical history, contact lens use, initial and final visual acuity, slitlamp biomicroscopy, diagnostic procedures and cli-nical course.Results: All patients were contact lens users. Four patients had symptoms onset on late Spring

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

Oftalmologia - Vol. 37: pp.283-290

284 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

or Summer. In all cases, an initial suspicion of bacterial, fungal or viral keratitis preceded AK diagnosis. Final diagnosis was achieved by clinical criteria, polymerase chain reaction or con-focal microscopy. All patients were started on propamidine, with addition of chlorhexidine in one patient. Three patients had indication for penetrating keratoplasty: one due to uncontrolled infection and two due to sequels. Conclusion: A great level of suspicion of AK is needed in contact-lens users with failure to initial therapy. Confocal microscopy is an important tool for the AK diagnosis.

Key-wordsKeratitis, Acanthamoeba, Contact Lens, Confocal Microscop, Outcome.

INTRODuçãO

A acantamoeba é um protozoário de vida livre, ubíquo no ar, solo, poeira e água (doce e salobra)1,2,3. Pode ser isolada no trato respiratório dos seres humanos e cerca de 50-100% dos indivíduos têm anticorpos contra este microorganismo4.

Existe sob duas formas: trofozóitos e quistos. Os trofozói-tos (25-50 �m) têm uma forma amebóide, são móveis e repre-sentam a forma infecciosa do protozoário. No meio ambiente alimentam-se de outros microorganismos e, postula-se que na córnea dos queratócitos. Os quistos (15-30 �m), forma responsável pela persistência da doença, são esféricos, de parede dupla e permitem ao microorganismo sobreviver em ambientes adversos (incluíndo o défice nutricional e a expo-sição a químicos e tóxicos como na queratite)1,3,2.

A queratite por acantamoeba (QA), foi descrita pela pri-meira vez em 1974, reconhecida como uma forma extrema-mente rara de queratite infecciosa que ocorria após trauma .Durante os anos 80, com o crescimento exponencial de utilizadores de lentes de contacto (LC), observou-se um aumento dramático na incidência desta patologia1,3,5,6.

Neste estudo apresentamos 6 casos de QA vigiados no serviço de oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Central.

MéTODOS

Estudo retrospectivo de 6 casos de QA vigiados no nosso hospital entre 2009 e 2012. Foram consultados os registos clínicos destes doentes com recolha e análise dos seguintes parâmetros: idade, género, factores de risco predisponentes, diagnóstico inicial, tratamento antes do diagnóstico de QA, intervalo de tempo que mediou entre o início de sintomas e diagnóstico de QA, acuidades visual (AV) iniciais, sin-tomas e sinais. Foram registado o método utilizado para o diagnóstico, os resultados de microbiologia, o tratamento dirigido para acantamoeba, as complicações, as AV finais e o desfecho clínico.

RESuLTADOS

Caracteristicas demográficasTodos os doentes foram referenciados ao nosso serviço

já medicados para queratite infecciosa. Quatro casos foram diagnosticados durante os meses de Verão. As característi-cas demográficas, antecedentes pessoais e oftalmológicos dos 6 doentes encontram-se descritos no quadro 1.

Quadro 1 | Características demográficas.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6

Idade 31 18 42 35 35 25

Sexo Masculino Feminino Feminino Feminino Masculino Masculino

Olho Direito Direito Direito Esquerdo Direito Direito

AP Irrelevantes Irrelevantes Atopia Asma bronquica Irrelevantes Irrelevantes

AOft MiopiaLC

Afaquia Nistagmo horizontal

LC

MiopiaLC

Miopia Astigmatismo

LC

Miopia Astigmatismo

LC

MiopiaLC

AP – Antecedentes pessoais; AOft – Antecedentes oftalmolológicos; LC – Lentes de contacto

Rita Anjos, André Vicente, Luisa Vieira, Vitor Maduro, Nuno Alves, João Feijão, Pedro Candelária, Miguel Trigo

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 285

Factores de riscoTodos os doentes eram utilizadores de LC. As carac-

terísticas das LC, hábitos de higiene e padrão de utiliza-ção estão especificados no quadro 2.

Características clínicasA dor no início do quadro foi caracterizada como

intensa em 4 casos, moderada num e ligeira noutro. Todos os doentes foram inicialmente diagnosticados e medicados como queratite bacteriana, tendo quatro efectuado concomitantemente terapêutica para quera-tite fúngica e dois para queratite vírica. Três doentes tinham uma AV na altura da apresentação inferior a 2/10 e um superior a 2/10. As características clínicas no início do quadro são apresentadas no quadro 3. As biomicroscopias do segmento anterior realizadas no nosso departamento estão exemplificadas nas ima-gens 1 a 8.

Quadro 2 | Factores de risco e características das lentes de contacto.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6

Lentes Diárias RPG Quinzenais Acue-vue® Anuais B&L® Mensais Pure

V&L® Mensais

Lavagem das LC Soro Fisiológico Boston B&L®

+ AT Renu B&L® B&L® Solução multiuso Solução multiuso

Lavagem da caixa --- Boston B&L®

+ AT Renu B&L® + AT AT AT AT

Horário --- 8 h 12 h --- 10 h 12 h

Ínicio 7 anos 6 anos 20 anos --- 10 anos 10 anos

RPG – Rígidas permeáveis a gás; B&L – Bauch & Lomb; LC- Lentes de contacto; --- - Sem registo; AT – Água da torneira

Quadro 3 | Características clínicas de apresentação.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6

Suspeita inicial Bacteriana Bacteriana Bacteriana

FúngicaBacteriana

Fúngica VíricaBacteriana

Fúngica VíricaBacteriana

Fúngica

AvI MM MM --- --- CD a 1 metro 6/10

Descrição da úlcera

Pequena úlcera central com

infiltrado estromal superficial

Pequena úlcera central --- --- Infiltrado

dendrítico

Lesão epitelial com infiltrado

periférico

Evolução da úlcera

1ªsemanaLesão central com halo circundante

denso

2ª semanaCornea turva com ponteado pseudo-

dendrítico

2ºmêsúlcera central

5mm e hipópion

EscleriteDefeito epitelial (evolução lenta)

2º mêsAbcesso de úlcera

Melhoria progressiva mas lenta

AvI – Acuidade visual incial; MM – Movimentos de mão; --- - Sem registo; CD – Conta dedos

Fig. 1 | Fotografia de segmento anterior do Caso 1 na 1ª semana após o Início do quadro.

Fig. 2 | Fotografia de segmento anterior do Caso 2 na 3ª semana e no 10º mês após o Início do quadro.

Queratite por acantamoeba – Revisão de 6 casos clínicos

286 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

DiagnósticoO intervalo de tempo que mediou o ínicio do quadro e

a suspeita de QA foi inferior ou igual a 3 semanas em três doentes. O método diagnóstico utilizado foi a microscopia confocal em 5 casos e a Polymerase Chain Reaction (PCR) em um. Obteveram-se exsudados no início do quadro clí-nico em 4 doentes, com isolamento de um Staphylococcus Aureus meticilina-sensivel. No quadro 4 encontram-se des-critos os métodos de diagnóstico utilizados. As imagens de microscopia confocal realizadas no nosso serviço estão exemplificadas na figura 7.

Complicações, terapêutica e desfechoA terapêutica médica foi iniciada antes das 3 semanas

em 2 casos. Cinco doentes foram medicados com propami-dina por um período de tempo superior a 5 meses; no caso 4 não foi possível apurar o tempo de terapêutica. A clorexi-dina foi instítuida em 1 caso.

Quatro doentes desenvolveram complicações durante a evolução do quadro, três dos quais com catarata.

Num caso verificou-se uma sobre-infecção com evo-lução para abcesso de córnea ao segundo mês. No caso 4 foi realizada queratoplastia penetrante por progressão incontrolável. A existência de um defeito epitelial persis-tente motivou a realização de recobrimento com membrana amniótica e tarsorrafia. Posteriormente, por não resolução do quadro, foi realizada nova queratoplastia penetrante (combinada com extracção de catarata). Apesar da cura clí-nica de infecção por acantamoeba, desenvolveu queratites

Fig. 3 | Fotografia de segmento anterior do Caso 3 no 2º e 14º mês após o Início do quadro.

Fig. 4 | Fotografia de segmento anterior do Caso 4 ao 40º mês após início do quadro.

Fig. 5 | Fotografia de segmento anterior do Caso 5 na 3ª semana (visão global e em fenda) e ao 20º mês após o Ínicio do quadro.

Fig. 6 | Fotografia de segmento anterior do Caso 6 ao 15º mês após o Ínicio do quadro.

Quadro 4 | Métodos diagnósticos.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6

Suspeita QA 4º dia 2ª semana 6ª semana 5 meses 3ª semana 4ª semana

Método Dx Confocal Confocal Confocal PCR Confocal Confocal

Exsudados SAMS Negativo Negativo Negativo --- ---

PCR – Polymerase Chain Reaction; SAMS - Staphylococcus aureus meticilina-sensivel; --- - Sem registo

Rita Anjos, André Vicente, Luisa Vieira, Vitor Maduro, Nuno Alves, João Feijão, Pedro Candelária, Miguel Trigo

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 287

herpéticas de repetição nos anos seguintes. No caso 2 foi realizado desbridamento duas semanas após o ínicio de terapêutica médica. Nenhuma destas intervenções foi rea-lizada na nossa instituição.

Quatro doentes apresentavam uma acuidade visual igual ou inferior a dois décimos. Três doentes aguardam querato-plastia óptica e dois cirurgia de catarata. Dois doentes apre-sentaram uma AV final ≥ 9/10.

DISCuSSãO

A QA é uma patologia rara potencialmente devastadora com um curso prolongado, que pode levar a perda visual sig-nificativa e morbilidade ocular. Nas últimas décadas tem-se verificado um aumento da sua incidência; no entanto, sendo uma entidade rara, é necessário um grande nível de suspeita clínica de forma a optimizar o seu diagnóstico e início de terapêutica precoce.

Tal como constatado na nossa série, ocorre tipicamente em indíviduos jovens (com uma média de idade de 35 anos), de forma unilateral e tem um aumento de frequência durante os meses de verão3,7.

A utilização de LC é o factor de risco mais frequen-temente reportado nos países desenvolvidos (até 85% dos casos), encontrando-se presente em todos os nossos doen-tes2,8,9,5. Foi demonstrado que uma minoria de utilizadores

de LC têm contaminação com acantamoeba e pensa-se que a predisposição à infecção será o resultado de microtrauma-tismos resultantes do seu uso10. Na maioria das séries9,2,5,11,12 as LC de substituição planeada são as mais frequentemente associadas a esta patologia, havendo no entanto casos des-critos de infecção em utilizadores de lentes diárias como se verificou num dos nossos casos1. Apesar de não ser con-sensual, pensa-se que as lentes gás-permeáveis têm uma menor associação a este patogéneo comparativamente às hidrófilas2,13.

Todos os doentes com lentes de substituição planeada utilizavam uma solução multi-usos ou água da torneira em algum passo da sua higiene diária de lentes. Postula-se que as propriedades quimicas de certas soluções de limpeza pos-sam desempenhar um papel na susceptibilidade na queratite por amibas14. Alguns surtos têm sido associadas a soluções multi-usos, e estudos in-vitro demonstram que a espécie acantamoeba é resistente à maioria de soluções disponíveis no mercado15,8. A exposição ocular a ambientes aquosos não estéreis parece ser o factor de risco mais importante, logo após o uso de LC11,9,2,13.

Estabelecer o diagnóstico de QA é desafiante. O quadro clínico sobrepõe-se com o de outras queratites infeciosas, levando a que, tal como se verificou em todos nossos doen-tes, cerca de 90% dos casos sejam inicialmente diagnosti-cados como uma infecção viral, fúngica ou bacteriana2,6,7,12. Uma das características que auxilia o diagnóstico é a dor

Fig. 7 | Imagens de microscopia confocal.

Queratite por acantamoeba – Revisão de 6 casos clínicos

288 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

intensa, desproporcional aos sinais clínicos, provavelmente devida ao dano preferencial dos nervos corneanos (obser-vados como infiltrados perineurais). Uma apresentação indolor como ocorrida no caso 2, não invalida a hipótese diagnóstica de QA, tendo já sido descrita na literatura16.

Vários estudos têm-se debruçado sobre os factores pre-ditores de um pior desfecho. Uma baixa AV inicial7, uma apresentação tardia7,17 e um diagnóstico e início de terapêu-tica após as 3 semanas2 têm sido indicados como factores de mau prognóstico. Tu et al17 referem que doentes com envolvimento estromal extenso ou infiltrados em forma de anel apresentam um aumento de dez vezes de probabilidade de uma AV inferior a 8/10.

Doentes que se apresentam com uma baixa AV, como verificado na maioria dos nossos doentes, têm uma maior probabilidade de doença prolongada e mais severa, estando associado na literatura a um pior desfecho18.

Vários achados típicos de QA foram observados durante a evolução da doença. No caso 1, uma pequena úlcera evo-luiu para infiltrado estromal em forma de anel, sinal apenas presente em cerca de 20% dos doentes numa fase inicial mas comum na doença avançada6,2. Nos casos 2 e 5 foi des-crito inicialmente uma aparência dendritiforme, que pode ser encontrada em mais de metade dos casos em alguma fase da doença6. Esta apresentação pode levar a confusão com infecção herpética, pois ambas são geralmente unila-terais, acompanham-se de uma diminuição da sensibilidade corneana, podem ter uma resposta inicial a agentes anti-virais e podem progredir para doença estromal6,8. Um dos

sinais distintivos da QA é a ausência de bulbos terminais. Esta patologia está usualmente associada a uma querato--uveíte moderada como observado no Caso 3. A incidência de hipopion na altura da apresentação é variável, sendo rara nos doentes com menos de um mês de evolução, estando presente na maioria dos casos após os 2 meses6,19. Os infil-trados estromais são muito comuns no evoluir do quadro e, quando profundos como observado nesta doente, são típi-cos de doença avançada6. A epiteliopatia da cornea é um sinal precoce em cerca de metade dos casos, tendo sido a apresentação inicial à biomicroscopia inicial do caso 619,2.

O tempo médio entre a observação por um oftalmolo-gista e o ínicio de terapêutica específica é de cerca de 4 semanas; e, apenas quando a doença progride significativa-mente e outras terapêuticas falham, é que o diagnostico de QA é considerado9. Na nossa casuística, apesar de em três casos ter existido uma suspeita precoce, apenas em dois a terapêutica foi iniciada antes das 3 semanas.

A microscopia confocal é a técnica diagnóstica de elei-ção em alguns centros. Tem uma elevada sensibilidade e especificidade (superior a 90% em alguns estudos), apre-sentando no entanto uma grande variabilidade inter-obser-vador5,20,19. Alguns autores defendem que um diagnóstico definitivo apenas pode ser obtido com base em cultura, his-tologia ou pela identificação da presença de ADN amoe-bico com PCR, sendo que o diagnóstico tecidual perma-nece ainda o goldstander2. A microscopia confocal foi o método diagnóstico em 5 casos e a PCR em um. A con-focal apresenta-se como uma ferramente útil, permitindo

Quadro 5 | Terapêutica.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6

Início TxQA 1,5 semanas 2,5 semanas 2 meses 5 meses 1mês 1 mês

Terapêutica Brolene®

(> 6 meses)

Brolene® Clorexidina

(1 mês)Desbridamento

Goldeneye® Clorexidina (8 meses)

Brolene®

(> 1 ano)

Brolene®

(?)QP

Brolene®

(1 mês)Goldeneye®

(4 meses)

Brolene® (1 semana)Goldeneye® (6 meses)

Complicações SC Mácula centralNeovasosSinéquiasCatarata

EscleriteDefeito epitelial

persistenteCatarata

Abcesso de córnea Catarata SC

AvF 9/10 2/10 MM 1/10 1/10 10/10

Seguimento Bem Aguarda decisão clínica de QP

Aguarda QP + Cx Catarata

Fez 2 QP + Cx Catarata

Aguarda QP + Cx Catarata Bem

TxQA – Terapêutica para queratite a acantamoeba; QP – queratoplastia penetrante; SC – Sem complicações; AvF – Acuidade visual Final; MM – Movimentos de mão; Cx – Cirurgia

Rita Anjos, André Vicente, Luisa Vieira, Vitor Maduro, Nuno Alves, João Feijão, Pedro Candelária, Miguel Trigo

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identificar quistos arredondados altamente reflectivos com dupla camada (como os observados nos nossos casos) e, menos frequentemente, trofozoítos como estruturas em forma de pera ou cunha irregular21,20,22. A co-infecção pode dificultar e atrasar o diagnóstico, com cerca de 25% dos exsudados positivos para outro microorganismo2. Na nossa série, houve isolamento de Staphylococcus Aureus num exsudado durante a avaliação inicial.

Não existe actualmente nenhum agente anti-infeccioso aprovado para a QA. O objectivo da terapêutica assenta na erradicação de microorganismos viáveis e na rápida resolu-ção do processo inflamatório. Os trofozoítos são sensíveis à maioria dos agentes quimioterapêuticos. No entanto, a infec-ção persistente é provocada pelos quistos de acantamoeba contra os quais poucos agentes são eficazes2. As biguani-das (biguanida polihexametileno e a clorexidina) e diaminas (propamidina e hexamidina) são actualmente os amoebicidas com eficácia contra os quistos, mais utilizados. Alguns auto-res advogam a utilização de terapêutica dupla, no entanto, alguns centros utilizam a terapêutica tripla com neomicina, bacitracina e metronidazol, não sendo ainda consensual qual a melhor abordagem7,9,12. Em Portugal, nenhum destes agen-tes está comercialmente disponivel, pelo que a sua aquisição é difícil, sendo o motivo pelo qual cinco dos doentes apenas utilizaram um amoebicida no seu esquema terapêutico. Num estudo multicentrico o tempo médio de terapêutica foi de 6 meses2, tendo os nossos doentes utilizado um mínimo de 5 meses de terapeutica médica.

O desbridamento, queratoplastia terapêutica e mem-brana amniótica são opções cirúrgicas que foram pouco uti-lizadas nesta série e realizadas em outras instituições.

Sendo a QA uma doença recalcitrante com um curso frequentemente prolongado, pode evoluir para formas tar-dias com abcesso, melting e perfuração e para complica-ções extra-corneanas. Os efeitos dos corticoides, toxicidade medicamentosa e inflamação crónica podem ser factores adi-cionais na evolução da doença2. Metade dos nossos doentes desenvolveram catarata, uma complicação frequente, asso-ciada quer à resposta inflamatória quer à toxicidade medi-camentosa (principalmente com as biguanidas)7. O caso 4 apresentou no decorrer da sua evolução uma esclerite e um defeito epitelial persistente2. Apesar de pouco frequente, a esclerite é potencialmente grave e associada a necrose escle-ral e dor incontrolável. Em casos de doença severa, como o caso 4, é comum a não resolução de defeito epitelial. Após exclusão de infecção persistente, superinfecção ou toxicidi-dade de fármacos, pode ser realizada como último recurso uma queratoplastia lamelar ou recobrimento com membrana amniótica2 (como aconteceu neste caso). Outra complicação que pode ocorrer nestes doentes, particularmente associada

a terapêuticas prolongadas, é a sobreinfecção2,7. Deve ser suspeitada sempre que se verifica um agravamento clinico, como no caso 5, que apesar de uma apresentação inicial favorável terminou com uma AV baixa a aguardar querato-plastia óptica e cirurgia de catarata.

A QA é uma das infecções da superficie ocular asso-ciada a pior prognóstico. Na nossa série, quatro doentes apresentavam uma AV igual ou inferior a dois décimos, apesar do baixo potencial do caso 2 devido aos seus antece-dentes oftalmológicos. Vários autores recomendam aguar-dar pelo menos 3 meses de inatividade clínica antes de tentar queratoplastia óptica, devido à elevada taxa de reci-diva12,19. Foi realizada queratoplastia terapêutica num caso e três aguardam queratoplastia óptica. Um terço dos nossos doentes tiveram um bom desfecho.

Neste artigo foram revistas vários pontos cruciais do diagnóstico e terapêutica da QA. Trata-se de uma patologia recalcitante, dolorosa e potencialmente devastadora, que pode levar a perda visual significativa e morbilidade ocular. Apesar de mimetizar uma infecção por outros organismos, algumas características como os factores predisponentes e certos achados clínicos podem ser essenciais para uma suspeita precoce. A confocal surge como um método de diagnóstico complementar. O início de terapêutica precoce quando a apresentação é ainda inicial é essencial para um bom desfecho.

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Rita Anjos, André Vicente, Luisa Vieira, Vitor Maduro, Nuno Alves, João Feijão, Pedro Candelária, Miguel Trigo

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 291

Medicamentos off label em oftalmologia. Implicações ético Jurídicas

Leonor Duarte de Almeida H. Santa Maria- CHLN EPE

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

Oftalmologia - Vol. 37: pp.291-293

Um medicamento off label é um fármaco para uma indicação terapêutica diferente da que consta nas indica-ções terapêuticas aprovadas para aquele medicamento. O seu objetivo difere do âmbito das indicações terapêuticas, grupo etário, dose, ou forma de administração aprovados.

No respeitante a Implicações legais este tipo de pres-crição não viola qualquer lei nacional ou europeia. Por outro lado o Infarmed, considera que a utilização de um medicamento fora das indicações terapêuticas aprovadas é da absoluta responsabilidade do médico prescritor, não lhe competindo pronunciar-se sobre a utilização de medica-mentos para indicação diferente da que consta nos RCM (Resumo das Características do Medicamento), (Circular Informativa n.º184/CD de 12 de Novembro de 2010). Lei n.º 46/2004, de 19 de Agosto)1.

Naturalmente que do ponto de vista Deontológico e segundo o Princípio da liberdade terapêutica (artigo 142º- Código Deontológico da Ordem dos Médicos), sem excluir, a prudência e consciência do médico neste ato, limitando a prescrição ao interesse do doente, os médicos têm o direito de prescrever o que no seu entender se afigurar ser o melhor e mais adequado para o doente, recolhendo naturalmente sempre o seu Consentimento Informado2.

Em oftalmologia em resultado do envelhecimento das populações, tratar doentes em risco da perda de visão cen-tral se não tratados, é uma realidade e um imperativo ético, tal como a DMLI (Degenerescência Macular Ligada à Idade). Esta doença tem sido a principal causa de cegueira (AV <20/200), nos países desenvolvidos, sendo a forma neovascular responsável por cerca de 90% desses casos3. A utilização de anti-VEGF (antiangiogénicos), administra-dos por injeção intraocular, revelou-se benéfico, podendo a prescrição de medicamento off labbel ser uma alterna-tiva, tanto em eficácia como em risco ou relação beneficio – custo. Para serem aprovados, os fármacos necessitam de passar por diferentes passos nos estudos realizados pela

Indústria Farmacêutica, até vir a ser aprovada a sua utili-zação. Os regulamentos descritos no “Code of the Federal Regulations”, exigem estudos adequados e controlados, e o texto do Federal Food Drug and Cosmetic Act obrigam a relatórios completos. Os regulamentos da investigação, contêm então 3 fases, no estudo da atuação do fármaco a testar:

Fase 1 - destinada a determinar o metabolismo e as ações farmacológica e efeitos adversos, associados ao aumento crescente das dosagens e, se possível, uma evidên-cia precoce de eficácia, contendo de entre 20 a 80 doentes.

Fase 2 - contendo estudos controlados destinados a avaliar a eficácia da droga para uma indicação específica, incluindo várias centenas de doentes.

Fase 3 - demonstrada a eficácia da droga, pretende-se obter informações sobre segurança e eficácia, relação Risco /benefício envolvendo de centenas a milhares de doentes4.

Anteriormente a prática médica fundamentava-se em critérios de Raciocínio dedutivo, relacionados com a Fisio-patologia e a Experiência clínica. Hoje a chamada Medi-cina Baseada na Evidência (MBE)., constitui um novo para-digma, baseado numa prática médica baseada na validação científica, com intervenção de doentes, de médicos, de eco-nomistas e de políticos

No campo da oftalmologia a controvérsia de utiliza-ção de Medicamentos off label surge com o tratamento com fármacos anti-VEGF (ex.: Ranibizumab /Beva-cizumab), como motivo de discussão entre a MBE e a utilização off-label deste tipo de fármacos. As poten-ciais vantagens do Bevacizumab sobre o Ranibizumab, incluem o baixo preço e um maior tempo de semi-vida no vítreo. As suas potenciais desvantagens incluem: ine-xistência dos dados de eficácia e segurança, com nível I de evidência científica a longo prazo, já existentes com Ranibizumab.

292 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Quais são então os níveis de evidência exigidos pela MBE?

O Nível I - Evidência obtida de um ensaio mascarado, randomizado, controlado, a qual exige

1 - Uma definição clara do objetivo primário 2 - Uma Definição clara de critérios de inclusão e

exclusão. 3 - Drop-outs e crossovers baixos, para evitar erros de

viés. 4 - Características da “baseline equivalente os entre os

braços do ensaio. O Nível II Evidência obtida de um ensaio controlado

não randomizado obriga:1 - Evidência obtida da análise de ensaio cohorte/ estudo

caso-controlo, de preferência em mais de um Centro.

2 - Evidência obtida de múltiplas séries com ou sem intervenção.

3 - Resultados excelentes em ensaios não controlados. Finalmente o Nível III, que se baseia em opiniões de

autoridades credíveis baseadas na experiência clínica, estu-dos descritivos/relatório de comités de peritos, sendo dos três níveis o que menor peso tem, em termos de hierarquia de importância cientifica.

De recordar ainda que nos ensaios clínicos de Nível 1 de evidência, junta-se ao processo documentação vária como análises laboratoriais, exames complementares, certidões de óbito, registos clínico. Nos registos de Base de dados, tal regra, não é necessária podendo admitir--se que os resultados possam mesmo sem intenção, estar condicionados pela tendência ao sub-registo de efeitos secundários adversos graves: morte, AVC, enfarte de miocárdio com as possíveis implicações médico-legais, daí resultantes4.

Numa perspetiva económica, as restrições financeiras focalizam-se na obtenção de lucros podendo as pessoas ser relegadas para segundo plano. O centro e fim de toda a vida económica e social é no entanto o Homem. A Convenção dos Direitos Humanos e Biomedicina adaptada pelo Con-selho da Europa em 1996, consagra aos Estados membros, a adoção de medidas que promovam um acesso equitativo aos cuidados adequados de saúde, tendo em consideração as necessidades e os recursos disponíveis.

No campo da oftalmologia, em resultado da contro-vérsia referida, o custo do Ranibizumab aprovado FDA é superior ao custo do Bevacizumab off-label no tratamento DMRI exsudativa. A injeção de ranibizumab pode custar até 40 vezes mais face ao Bevacizumab, preparado para injecção intravítrea. A enorme diferença de custos e a apa-rente semelhança de segurança e eficácia leva à crescente

utilização de bevacizumab off-label, o em cerca de 60% das injecções efectuadas na DMRI exsudativa face ao ranibizu-mab 40%5,6.

MEDICAMENTOS OFF LABEL OFTALMOLO-GIA

Uma pesquisa no Google mostrou 341 000 citações do uso “off-label” de medicamentos em oftalmologia7. Na intervenção clinica oftalmológica, muitos são os argumen-tos a favor da utilização destes medicamentos. Na verdade a prática da injecção sub-conjuntival ou intracamerular de vários antibióticos é usada off-label na prevenção das endoftalmites bacterianas. O uso de corticóides subcon-juntivais (no pós-operatório de cirurgia de glaucoma para reduzir a fibrose no local de drenagem, tem sido utilizada antes que ensaios clínicos randomizados comprovassem a sua eficácia e segurança8. Vários membros da American Glaucoma Society utilizam mitomicina C subconjuntival em vez de 5-F tendo este sido apoiado por 2 ensaios clínicos randomizados)9,10.

A Oxibuprocaína tópica na anestesia na cirurgia da cata-rata é de utilização off-label. Por outro lado, relatos há de efeitos adversos que podem acontecer com drogas aprova-das pela FDA e EMEA (ex Vioxx®), cujos efeitos deletérios só anos mais tarde se vieram a verificar e depois de milhares de prescrições utilizadas.

O uso off-label de um medicamento embora consistindo na sua utilização com uma finalidade diferente da aprovada pela FDA ou EMEA tem sido muito frequente, particular-mente na pediatria, onde grande parte das prescrições ou não estão aprovadas ou são justamente off-label11, o mesmo acontecendo de forma habitual em oftalmologia, como anteriormente expresso. A utilização destes medicamentos é prática comum na medicina, pois de outro modo, não seria possível ter mais conhecimento, fazendo-se extrapolações de benefícios quando existe fundamentação para isso.

Do ponto de vista legal, este tipo de prescrição por si só, não constitui negligência embora como já afirmado as consequências da prescrição sejam da inteira responsabi-lidade do médico que prescreve. O profissional de saúde, em caso de reações adversas ou efeitos cruzados com outra medicação habitual, poderá ter de responder pela sua con-duta, sem que se possa salvaguardar com defesa científica e comprovada, de que a prescrição off-label pela qual decidiu era a mais indicada para o seu doente.

Pode sempre argumentar-se que o uso dum produto dis-ponível no mercado com intenção de “praticar uma medicina esclarecida” não exige a submissão à investigação da nova

Leonor Duarte de Almeida

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aplicação da droga ou à revisão por um Institutional Review Board ou que a utilização de medicamentos off- label admi-tido por Sociedades profissionais é sempre um apoio suple-mentar, mas não deixa de ser verdade que a responsabili-dade primária pertence sempre ao médico que deve aceitar as consequências da sua utilização. É certo que receber do doente o seu consentimento informado, estando este ciente de que esta a submeter-se a um medicamento off label, pode ajudar em caso de litígio. Melhor será o registo no processo clinico, de quaisquer atos médicos, onde o médico na sua boa-fé fará referência ao tipo de medicamento que prescre-veu, conforme ensina André Dias Pereira12.

Se do ponto de vista médico, a prática da MBE é impor-tante, também o é a prática compassiva e a ética. Os médi-cos eticamente e segundo o seu código deontológico têm liberdade para usar um produto disponibilizado no mer-cado, apesar de os laboratórios não estimularem o seu uso dado alguns deles terem sido penalizados no passado por promoverem o seu uso, sem as respectivas normas éticas- políticas e práticas.

The U.S. Food and Drug Administration diferencia o uso off-label de fármacos disponíveis no mercado. Se um médico recorre a um fármaco ou procedimento, numa indi-cação não registada no rótulo, com intensão de melhorar a qualidade de vida oftalmológica do seu doente, tem de estar bem informado sobre o fármaco, fundamentado em razões científicas sólidas e o ato terapêutico tem sempre de resul-tar do consentimento informado do doente4.

A Experiência Mundial demonstra que o Bevacizumab- off label, tem sido usado no tratamento da DMRI neovas-cular com excelentes resultados, sendo preparado para uso oftalmológico a partir das embalagens de uso oncológico se bem que tais estudos, tenham um nível de evidência menor de tipo II.13. Contudo, têm sido atualmente levado a cabo, vários estudos prospectivos randomizados, multicêntricos de nível I de Evidência, que comparam a eficácia e a segu-rança do Bevacizumab com a do Ranibizumab, de que é exemplo, o Estudo CATT - The Comparison of Age-related Macular Degeneration Treatment Trial - National Eye Ins-titute, ou o estudo IVAN na Universidade de Bristol (www.ivan-trial.co.uk)14. Recentes estudos independentes realiza-dos com controlos segundo protocolos padrão, têm-se reve-lado encorajadores17.

Outras vozes são mais cautelosas, como O Royal Col-lege of Ophthalmologists que reconhece as pressões finan-ceiras para introduzir estes medicamentos mais baratos e com resultados idênticos, mas aconselha mais investigação, sobre o uso ocular do Bevacizumab4.

O que é verdade é que a relação custo/benefício é de tal forma evidente, que o uso off labbel em oftalmologia se

tornou generalizado e até admitido por várias Sociedades de oftalmologistas. A Academia Americana de Oftalmologia, solicitou inclusivamente às Companhias de Seguros, que procedessem á aprovação e pagamento do Avastin®, ape-sar deste fármaco não estar aprovado pelo FDA15,16 exis-tindo mesmo um modelo de consentimento informado para a utilização do Avastin® disponível on line no Ophthalmic Mutual Insurance Company18.

Do nosso ponto de vista os médicos terão sempre de transmitir aos doentes a informação relevante sobre os tra-tamentos propostos, alternativas, potenciais riscos e bene-fícios, onde se inclui naturalmente a informação sobre a potencial utilização off-label, para que o doente possa deci-dir se pretende ou não submeter-se ao tratamento.

Por seu turno o potencial risco pode eventualmente vir a sobrepor-se ao benefício para o doente o que poderá origi-nar implicações ético jurídicas não despiciendas.

Quais serão então as implicações ético jurídicas para o médico, que pratica a sua legis artis e sente que atua de forma ética e de acordo com a sua consciência bioética? Onde intervém a lei? O que é realmente a responsabilidade médica?

A RESPONSABILIDADE MéDICA

Os casos de responsabilidade médica não são, por regra, dolosos, mas sim negligentes (violação do dever de cui-dado). Ao médico não é exigível obtenção de fins mas sim de diligência nesse movimento de obtenção de resultados. Para que exista Conduta conforme aos deveres de cui-dado, o médico deve ponderar os interesses em jogo como sejam:

1 - atuação no caso concreto, como a ministração de determinado medicamento;

2 - avaliação do risco provável da atuação referida; 3 - avaliação do risco decorrente da atuação referida; 4 - equacionamento crítico dos riscos/benefícios do

tratamento. A simples prescrição off-label não constitui em si

mesmo um facto ilícito, excepto se o médico violar as legis artis e criar um perigo para a vida, ou perigo de grave ofensa para o corpo ou saúde do doente (artigo 150.º n.º 2 do Código Penal). Se prescrever um medicamento off-label sem o consentimento do doente, é igualmente punido nos termos do artigo 156.º do Código Penal.

Do ponto de vista de responsabilidade civil, será dife-rente a responsabilidade médica, consoante a sua natureza for de tipo contratual (atividade privada), ou extracontratual (organismo público). Se o lesado tiver sido tratado numa

Medicamentos off label em oftalmologia. Implicações ético Jurídicas.

294 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

unidade pública de saúde, é aplicável à responsabilidade médica o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho, podendo o médico ser punido pela denomi-nada responsabilidade extracontratual, por factos ilícitos. Normalmente não existe qualquer contrato celebrado entre o doente e a instituição pública de saúde, daí a responsabili-dade ser, em princípio, extracontratual19. É o organismo de suade publico, que em primeira mão responde pelos danos causados. Mas o organismo de saúde pode sempre à pos-terior mover uma ação contra o médico que realizou o ato médico nesse serviço público.

A responsabilidade civil médica emergente da prestação de serviços médicos por unidades privadas de saúde, ou por médicos exercendo clínica em regime de profissão liberal, é de natureza contratual, pelo que lhe são aplicáveis, em caso de inexecução da obrigação donde advenham danos, as regras da responsabilidade contratual.

No que diz respeito à responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, isto é em regime de entidade pública, e contextualizando o assunto que estamos tratando, há viola-ção de direitos absolutos quando o medicamento prescrito off-label causar ofensas à integridade física ou à vida do doente20. Como obrigação contratual principal, há a obriga-ção de tratamento, que se desdobra em diversas prestações tais como a de terapêutica. A obrigação do médico é a de prestar ao doente os cuidados ao seu alcance, de acordo com os seus conhecimentos e o estado atual da ciência médica. Mas haverá outros deveres acessórios por parte do médico, tais como o dever de informação sobre o tratamento e ris-cos envolventes, disposto no artigo 44.º do Código Deon-tológico da Ordem dos Médicos21. À responsabilidade disciplinar profissional estão sujeitos todos os médicos e à responsabilidade disciplinar administrativa estão sujeitos os médicos integrantes em serviços públicos.

A responsabilidade disciplinar decorre da violação do Estatuto Disciplinar dos Médicos aprovado pelo Decreto--Lei 217/94 de 20 de Agosto, e do Código Deontológico, artigo 2.º e 3.º. O artigo 11.º do Estatuto Disciplinar consi-dera direito subsidiário o Estatuto Disciplinar dos Funcioná-rios e Agentes da Administração Central Regional e Local.

Assim sendo, o conceito de infração disciplinar irá bus-car-se no artigo 3.º do Decreto-Lei 24/84 de 16 de Janeiro que é o diploma disciplinar da Função Pública, para os médicos vinculados à Administração Pública.

Para os médicos do sector privado da Saúde, vincula-dos às respectivas entidades empregadoras por contrato individual de trabalho, a responsabilidade disciplinar é a que está consagrada nos diplomas específicos do Direito do Trabalho.

Responsabilidade penal - Se considerarem a prescrição de medicamentos, como intervenção ou tratamento médico, podemos concluir (artigo 150.º do Código Penal), que se o tratamento for medicamente indicado e praticado de acordo com as leges artis, com finalidade terapêutica, não constitui ofensas corporais. Constituirão sim ofensas à integridade física, as intervenções que ocorram em campos não cober-tos pelos conhecimentos e experiência da medicina - de carácter experimental ou ainda não suficientemente com-provadas, mesmo quando levadas a cabo por forma técnica e cientificamente irrepreensível, ou que não sejam realiza-das por um médico ou pessoa legalmente autorizada; Ou ainda intervenções empreendidas com finalidades que não possam relacionar-se com a terapêutica no sentido amplo.

A intervenção ou tratamento médico, conforma uma intervenção arbitrária, se for levada a cabo sem consenti-mento do doente, preenchendo um crime contra a sua liber-dade, segundo o artigo 156.º do Código Penal., pelo que o consentimento só será eficaz “quando o doente tiver sido devidamente esclarecido sobre a índole, alcance, enverga-dura e possíveis consequências da intervenção ou do trata-mento”, nos termos do artigo 157.º do Código Penal.

Assim, o médico que resolva experimentar num doente um método terapêutico ainda não suficientemente conva-lidado, que não integre protocolos de tratamento médico, embora já haja notícias no mundo da Medicina de casos de sucesso, corre sempre algum risco em vir a ser acusado ou condenado por ofensas corporais, se não tiver obtido do doente o tal consentimento informado.

Deve haver sempre uma análise do custo/benefício para o sujeito passivo da prescrição off-label, justamente por o medicamento em causa não ter sido aprovado para aquela finalidade terapêutica.

Cabe ao médico a pesada tarefa de ter saber diagnos-ticar, curar, alocar ou seja distribuir, ensinar, esclarecer e ainda priorizar ou melhor dizendo fazer escolhas… muitas vezes Morais…acreditando, na presunção da boa-fé, tanto da comunidade cientifica, como dos juízes e sobretudo dos seus pares…os doentes.

É para eles, por eles e com eles, que a ciência progride e consegue ver para além da aparência das coisas.

BIBLIOGRAFIA

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Leonor Duarte de Almeida

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 295

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Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Jan- Março 2013.

Medicamentos off label em oftalmologia. Implicações ético Jurídicas.

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 297

O computador !

Ruben de CarvalhoMelómano

Oftalmologia - Vol. 37: pp.157-158

Olhar de Fora

Em rigor, até há relativamente poucos anos, o compu-tador não introduziu grandes alterações no relacionamento entre o que poderíamos designar a quotidiana cooperação visual e a auditiva. Além de assegurarem a normal sobre-vivência, incumbia à primeira o ler e o escrever (que fazem a minha profissão) e à segunda o prazer de ouvir música ou então rodear-me da parafernália do estúdio para (também) trabalhar com ela.

Existia assim uma pacífica divisão de tarefas entre os meus olhos e os meus ouvidos, os primeiros dedicados aos livros e à máquina de escrever, os segundos ao gira-discos e aos gravadores.

Numa primeira fase, a invasão informática não causou alterações de maior: no essencial, tratou-se de mudar de teclado. Do ponto de vista sonoro, a ofensiva digital tradu-ziu-se numa polémica subtituição do vynil pelo CD, o esti-mado «gira-discos» rebaptizou-se de «leitor» - mas o essen-cial manteve-se.

Mas, pouco a pouco, não sei se foi o som que invadiu o computador se foi o computador que invadiu o som, a ver-dade é que, insidiosamente, este começou «a ler» CDs, a gravá-los, a substituir-se (imagine-se!) até à loja!

A coisa foi mais longe: apareceram os programas infor-máticos de tratamento de som.

E aí a separação que me levava a socorrer-me dos ouvi-dos para seleccionar e montar programas de rádio e requi-sitar essencialmente o trabalho manual de recortar e colar fita magnética transmutou-se na fixação des curvas no écran onde os compassos, intensidades, ritmos passaram a ser vis-tos e manipulados, quase se tornando mesmo supérfluo que alguém tocasse um instrumento! Tudo com a escassa digni-dade de um ... rato...

Houve aqui, convenhamos, uma certa vitória do olhar! Mas (desculpem...) ouvir continua a ser a referência da har-monia do universo que é a música!

Vol. 37 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2013 | 299

Indicações aos Autores e Normas de Publicação

RESuMO

Nota: consultar texto completo das normas de publicação em: www.spoftalmologia.pt/normas.publrevistaspo

Oftalmologia é a revista oficial da Sociedade Portu-guesa de Oftalmologia (SPO) e publica de forma prioritária trabalhos de investigação básica e clinica, como artigos de revisão, artigos originais, casos clínicos, relacionados com oftalmologia nas suas diferentes especialidades, bem como temas de áreas de conhecimento fronteira com interesse para a prática médico-cirúrgica e processo clínico na pers-pectiva da governação clínica em oftalmologia.

PROCESSO EDITORIAL

1. Condições gerais – Os artigos serão preferencial-mente redigidos em português ou inglês. Poderão ser publi-cados artigos numa outra língua (espanhol ou francês). Uma vez recebidos os trabalhos, passarão ao editor da revista, que fará uma primeira avaliação editorial com o fim de comprovar a adequação no âmbito temático e de interesse para a revista e o cumprimento dos requisitos de apresenta-ção formal exigidos nas normas de publicação. Caso con-trário poderão ser liminarmente devolvidos ao autor para correção das deficiências com vista a nova apresentação.

Uma vez o trabalho publicado todo o material enviado será destruído, pelo que não devem ser enviados originais. Os ficheiros de texto devem ser enviados em formato Word (.DOC ou .DOCX), com texto seguido e sempre com o mesmo tipo de letra. Devem ser dactilografados em Arial, tamanho 11, ou outro tipo de letra com tamanho equiva-lente, com espaçamento de 1,5 linhas. Os títulos e sub títu-los deverão estar assinalados a negrito e em tamanho 12. A primeira página conterá somente os elementos descritos adiante na rubrica “Organização do Artigo”.

O texto do artigo em tamanho 11 deverá ainda ser enviado simultaneamente em formato PDF, em 2 colunas (excepto o resumo em Português e Inglês) com as imagens, quadros e tabelas com legendas e bibliografia em tamanho 10 no local desejado do artigo e com ”layout” e número de páginas semelhante ao que aparecerá na revista.

Os documentos submetidos para publicação serão pro-priedade da revista Oftalmologia da SPO transferindo os seus autores o direito de propriedade (copyright) a partir do momento que seja recebido pelo editor. Este direito manter-se-á até indicação do editor de que o artigo não será publicado.

Nem o Conselho Redactorial nem a SPO se responsabi-lizam pelas opiniões e afirmações expressas na revista.

Os trabalhos devem ser enviados em formato electró-nico, por correio electrónico para o seguinte endereço: [email protected]

2. Sistema de revisão por pares – Uma vez compro-vado que o trabalho cumpre os requisitos formais, será enviado a avaliação por parte de dois ou mais revisores, de forma confidencial e anónima. Os autores receberão a informação da avaliação dos revisores, de forma anónima e através do editor, para que estes possam realizar as corre-ções oportunas. A selecção dos revisores realiza-se através do conselho redatorial da revista, que têm em conta os méri-tos académicos, científicos e experiencia profissional, em cada uma das subespecialidades oftalmológicas, incluindo investigadores nacionais ou internacionais.

3. Política editorial – a decisão do Conselho Redacto-rial para aceitação-rejeição de um trabalho apresentado para publicação baseia-se nos seguintes factores:

I. Originalidade: assunto e/ou método original, com informação valiosa e apresentação de resultados novos ou confirmação de resultados já anteriormente verificados.

II. Actualidade e/ou novidade – tema que está na agenda das reuniões ou comunicações científicas ou é novo.

III. Relevância – aplicabilidade dos resultados para a resolução de problemas concretos da prática oftalmológica.

IV. Inovação e significância – avanço do conhecimento científico, técnico e/ou prática clínica.

V. Fiabilidade e validade científica – boa qualidade metodológica evidenciada.

VI. Apresentação – boa redacção e organização do texto (boa coerência lógica e apresentação do material).

300 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

SECçõES

1. Editoriais e notas - Os editoriais e notas serão enco-mendados pelo editor da revista a quem considere oportuno ou da responsabilidade do editor. O convite faz-se acompa-nhar das normas especiais para publicação em cada caso.

2. Cartas ao editor - As contribuições para esta sec-ção podem incluir comentários sobre artigos previamente publicados na revista ou comentários sobre outras matérias de interesse para oftalmologia. Esta correspondência estará sujeita à revisão por parte do editor e será publicada na medida em que o espaço, as prioridades e interesse o per-mitam. Não devem ultrapassar as 500 palavras. As cartas ao editor que versem sobre artigos previamente publicados terão direito de resposta.

3. Artigos de revisão e “guidelines” – O objectivo da secção é actualizar determinados temas de oftalmologia, discutir novos conceitos ou rever conceitos clássicos tendo em vista os novos avanços de diagnóstico e tratamento e a divulgação das boas práticas em oftalmologia. Deverão relacionar os conhecimentos científicos básicos com os clínicos. Serão encomendados pelo Conselho Redactorial a personalidades reconhecidas e ou grupos de trabalho. O convite faz-se acompanhar das normas especiais para publi-cação em cada caso.

4. Artigos originais – Podem incluir-se tanto trabalhos experimentais como clínicos, sempre que se trate de traba-lhos de investigação. Os trabalhos de investigação devem ser inéditos e não podem ter sido submetidos para publica-ção em outra revista estrangeira indexada. Incluem-se nesta rubrica os prémios atribuídos no âmbito da SPO.

5. Comunicações curtas e casos clínicos – Deverão ser manuscritos resumidos descrevendo inovações téc-nicas e tecnológicas, manobras cirúrgicas inovadoras, aspectos de outras áreas do conhecimento relacionados com a prática oftalmológica, nomeadamente laboratório em Oftalmologia, Gestão, Economia da Saúde, Qualidade, Acreditação e Certificação, Ética médica e Gestão do risco em Oftalmologia, bem como casos clínicos com informa-ção de prática clínica relevante. Serão temas variáveis em cada revista.

6. Histórias da História da Oftalmologia Portuguesa – Será uma rubrica curta realçando aspectos relacionados com personalidades ou acontecimentos da oftalmologia portuguesa.

7. Caso clínico mistério – Pretende-se uma secção inte-ractiva entre Conselho Redactorial e os oftalmologistas e internos de oftalmologia. Deverá haver lugar a apresenta-ção de sugestões diagnósticas e terapêuticas simulando as condições de efectividade da prática clínica perante um caso clínico de difícil resolução.

ORGANIzAçãO DO ARTIGO

1. Página do titulo/identificação – (página separada) Contendo título do artigo, nome (s) dos (s) autor (es), serviço (s) hospitalar (es) e departamentos ou organismos onde foi realizada a investigação, títulos académicos e/ou hospitala-res dos autores. Nesta página deve ainda figurar o endereço postal completo para envio de correspondência e o endereço electrónico do autor principal. Se o trabalho já tiver sido apre-sentado, indicar onde e em que data bem como a referência a prémio obtido se for o caso. Os autores deverão manifestar se têm algum interesse comercial no produto, equipamento ou processo e certificar que o trabalho não foi publicado e que cedem os direitos de autor à SPO.

2. Resumo – Em português e em Inglês com o máximo 250 palavras. Escritos num único parágrafo e com as seguin-tes partes: Objectivos, Desenho do estudo, Participantes, Métodos, Resultados primários e secundários, Conclusões.

3. Palavras chave – Duas listas de cinco palavras chave, em português e em inglês, que indiquem os principais assun-tos focados no texto para fins de codificação no índex.

4. Texto – Recomenda-se que o texto tenha as seguintes secções separadas: Introdução, Material e Métodos, Resul-tados, Discussão; poderá ser necessário fazer adaptações a circunstâncias particulares, como por exemplo no caso de se tratar de um caso clínico. O autor deverá indicar no texto, em local apropriado, em numeração árabe e em superscript, as citações bibliográficas que fizer. É da exclusiva responsa-bilidade do autor a verificação da exactidão das referências bibliográficas e da sua colocação no texto.

5. Agradecimentos – Tanto a pessoas, como a entidades, quando tal for justificado.

6. Declaração de interesses financeiros7. Bibliografia – De modo geral segue-se o sistema de

Vancouver, com a diferença principal de que a lista das refe-rencias bibliográficas deve ser alfabetada e subsequentemente numerada. Se houver mais de uma referencia do mesmo autor, serão indicadas em primeiro lugar aquelas em que o autor apa-rece isolado e só depois aquelas em que há mais que um autor.

8. Quadros, gráficos e figuras – são enviados em for-mato electrónico, em ficheiros separados do texto. Os qua-dros podem ser feitos num processador de texto ou numa folha de calculo (em Excel). Os gráficos devem ser feitos em PowerPoint ou em programa compatível. As figuras devem ser enviadas no formato .TIF ou .JPG, um ficheiro para cada imagem com qualidade de impressão (≥ 300 dpi).

9. Abreviaturas e símbolos – Só devem ser usadas abre-viaturas de uso corrente. Se for imprescindível recorrer a abreviaturas menos usuais, na primeira vez em que o termo aparece no texto ele deve figurar por extenso, logo seguido pela abreviatura entre parêntesis.