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| 30 GVEXECUTIVO • V 18 • N 5 • SET/OUT 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CE | IMPACTO SOCIAL DOS NEGÓCIOS • UMA ATITUDE EM DIREITOS HUMANOS

| IMPACTO SOCIAL DOS NEGÓCIOS • UMA ATITUDE EM … · impacto da atividade empresarial nos direitos humanos. Implantar uma due diligence para avaliar, monitorar e controlar riscos

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| 30 GVEXECUTIVO • V 18 • N 5 • SET/OUT 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CE | IMPACTO SOCIAL DOS NEGÓCIOS • UMA ATITUDE EM DIREITOS HUMANOS

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UMA ATITUDE EM DIREITOS HUMANOS

GVEXECUTIVO • V 18 • N 5 • SET/OUT 2019 31 |

| POR FLÁVIA SCABIN E TAMARA BREZIGHELLO HOJAIJ

S ituações de trabalho forçado ou infantil em cadeias de fornecimento de grandes marcas da indústria da moda são notícias frequentes na mídia nacional e internacio-nal. Aumento da violência e sobrecarga em serviços essenciais são, por sua vez, impactos adversos notórios em locais em

que se implantam grandes empreendimentos, no Brasil e no mundo afora. É nesse cenário que, em 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos (POs). Os POs consolidam o paradig-ma de que o comportamento mínimo esperado das empre-sas no desenvolvimento de suas atividades é o respeito pelos direitos humanos internacionalmente reconhecidos na Carta Internacional dos Direitos Humanos e nas Convenções Fun-damentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

As principais contribuições dos POs são duas. A primei-ra é estabelecer que os direitos humanos não devem ser

cobrados apenas dos Estados, mas também das empresas, de modo amplo, em seu espaço de trabalho, na cadeia de fornecimento e no entorno. A segunda é instituir uma sé-rie de instrumentos e soluções a serem implementados pe-las empresas para que cumpram o seu papel de respeitar os direitos humanos, que significa não violar esses direitos e também não colaborar para violações por terceiros, direta ou indiretamente.

A due diligence em direitos humanos é um desses instru-mentos. Ela visa garantir a adoção de processos internos e externos à empresa para: • identificar e avaliar os riscos e impactos dos negócios;• adotar medidas efetivas de prevenção e controle;• monitorar novos riscos e a efetividade das medidas de

prevenção de controle adotadas; • promover a transparência e a prestação de contas dos

compromissos assumidos. É esse, portanto, um instrumento de gestão contínuo do

impacto da atividade empresarial nos direitos humanos.

Implantar uma due diligence para avaliar, monitorar e controlar riscos e impactos dos negócios aos

direitos humanos é o que se espera hoje das empresas

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DUE DILIGENCE NO MUNDO A conduta diligente das empresas em relação aos direitos

humanos internacionalmente reconhecidos é hoje esperada mesmo que Estados e territórios em que estão suas opera-ções não acolham esses direitos. Depois do desabamento do edifício Rana Plaza, que ocorreu em Daca, Bangladesh, em 2013, matando mais de mil funcionários de oficinas de costura subcontratadas por grifes internacionais, estas ce-lebraram acordos para a garantia de condições mínimas de trabalho em suas cadeias de fornecimento espalhadas pelo mundo. Os acordos foram celebrados independentemente do dever do Estado de Bangladesh de proteger os direitos de seus cidadãos e de fiscalizar as condições de trabalho em seu território.

Desde então, vários países, como França e Alemanha, passaram a cobrar a due diligence em direitos humanos por meio de legislações ou políticas específicas voltadas à im-plementação dos POs em âmbito nacional. A própria União Europeia, em seu regulamento 2017/821, retomou as etapas da due diligence previstas nos POs, exigindo que empresas identifiquem, avaliem e mitiguem impactos em direitos hu-manos em cadeias de fornecimento operando em zonas de conflito e de alto risco.

Órgãos multilaterais, como Banco Mundial, IFC, Orga-nização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a OIT, também têm adotado a due diligence como

instrumento para promover, entre as empresas, o respeito aos direitos humanos.

No caso do Brasil, estudos do Centro de Direitos Hu-manos e Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ce-DHE) apontam que uma série de precedentes da Justiça do Trabalho vêm cobrando a conduta diligente das empresas. São casos de condições análogas à de escravidão e de si-tuações de trabalho infantil em cadeias de fornecimento de grandes empresas dos setores têxtil, de alimentos e da construção civil que não inspecionavam suficientemente suas subcontratadas.

DUE DILIGENCE EM DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos não devem ser cobrados apenas dos Estados, mas também

das empresas, de modo amplo, em seu espaço

de trabalho, na cadeia de fornecimento e no entorno.

REPETIRPASSO 1

IdentificarAvaliar os riscos e impactos das

atividades e operações nos

direitos humanos

PASSO 2

Adotar medidas para evitar que os riscos e impactos

identificados escalem

Prevenir e mitigar

PASSO 3

Monitorar as medidas

adotadas e os novos impactos

potenciais e reais

Monitorar

PASSO 4

Prestar contas externamente sobre os riscos e impactos

identificados e as medidas adotadas

Comunicar

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Nos Estados Unidos, embora 90% das empresas listadas em bolsa declarem adotar uma política de direitos humanos, apenas 37% realizam

a due diligence. No Brasil, somente 20% das ações reportadas pelas 30 maiores empresas dizem de fato respeito ao controle de riscos e de impactos aos direitos humanos. A maioria das práticas narradas estão

desconectadas de suas atividades e operações.

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O CAMINHO À FRENTE Apesar desses novos paradigmas, ainda há um longo ca-

minho a ser percorrido. Embora 90% das 575 empresas listadas na bolsa de valores de Nova York declarem adotar uma política de direitos humanos em seus relatórios de res-ponsabilidade social e sustentabilidade, apenas 37% reali-zam a due diligence, de acordo com levantamento realizado pela RobecoSAM, empresa especializada em investimentos sustentáveis. Entre as que fazem due diligence, apenas 39% disponibilizam as informações sobre seus riscos e impactos a direitos. Entre as que têm planos de prevenção e controle, apenas 14% reportam sobre os lugares em que implemen-tam esses planos.

No Brasil, o FGV CeDHE realizou um estudo sobre como as 30 maiores empresas em operação no país reportam so-bre ações em direitos humanos. A conclusão foi que, das ações mencionadas, menos de 20% dizem de fato respeito ao controle de risco e de impactos aos direitos humanos. A grande maioria das ações narradas está completamente desconectada das atividades e operações da empresa. É de-sejável que uma empresa de construção civil, por exemplo, possa contribuir com a sociedade e fundar uma biblioteca onde antes não havia nenhuma, mas primeiramente essa empresa precisa cuidar, por exemplo, para que da presença de seu canteiro de obras não decorra aumento de violência ou exploração sexual de crianças e adolescentes.

Por que as empresas estão tão distantes do que seria es-perado que já fizessem? Segundo pesquisa realizada pela Unidade de Inteligência da The Economist em 2014, me-diante questionários aplicados a 856 chief executive officers (CEOs) ao redor do mundo, os principais obstáculos para que as empresas realizem a sua obrigação de respeitar di-reitos humanos têm a ver com:

• falta de clareza sobre quais são suas responsabilidades, tanto em relação aos direitos humanos que precisam ser observados como no tocante aos limites para que possa ser responsabilizada, considerando suas atividades em cadeia e o entorno de suas operações;

• falta de recursos específicos para a adoção de mecanis-mos de controle, tais como a due diligence em direitos humanos;

• falta de pessoal especializado. Precisamos avançar. Adotar políticas abrangentes de res-

peito aos direitos humanos, avaliar e monitorar riscos e im-pactos das atividades e operações das empresas nos direitos humanos, agir sobre eles efetivamente e prestar contas são ações que precisam ser colocadas em prática. Negócios não podem mais ser feitos como de costume.

FLÁVIA SCABIN > Professora da FGV Direito SP e diretora do Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV CeDHE) > [email protected] BREZIGHELLO HOJAIJ > Mestranda em Direito pela USP e coordenadora de desenvolvimento estratégico do FGV CeDHE > [email protected]

PARA SABER MAIS:− United Nations Office of the High Commissioner. Guiding Principles on Business and Human

Rights, 2011 Disponível em: ohchr.org/documents/publications/GuidingprinciplesBusinesshr_eN.pdf.− Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getulio Vargas. Avaliação de

impactos em direitos humanos. O que as empresas devem fazer para respeitar os direitos de crianças e adolescentes, 2017 Disponível em: direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/guia_de_avaliacao_de_impacto_em_direitos_humanos.pdf.

− Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getulio Vargas. Implementando os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos. O dever do Estado de proteger e a obrigação das empresas de respeitar os direitos humanos, 2017. Disponível em: mdh.gov.br/sdh/noticias/2017/novembro/em-parceria-com-fgv-ministerio-publica-cartilha-sobre-empresas-e-direitos-humanos/EmpresaseDireitosHumanos.PDF.

− John Ruggie. Report of the Special Representative of the Secretary-General on the issue of human rights and transnational corporations and other business enterprises: Protect, Respect and Remedy: a Framework for Business and Human Rights, 2008.

− John Ruggie. Just Business: Multinational Corporations and Human Rights, 2013.