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Ç Nº 48887 A Imagem da China na Literatura Portuguesa: Maria Ondina Braga " A China Fica ao Lado " Lu liu Dissertação Mestrado em Estudo Portugueses Orientador: Paula Cristina Costa Outuber,2017

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Ç

Nº 48887

A Imagem da China na Literatura Portuguesa:Maria Ondina Braga " A China Fica ao Lado "

Lu liu

Dissertação Mestrado em Estudo Portugueses

Orientador: Paula Cristina Costa

Outuber,2017

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A Imagem da China na Literatura Portuguesa:

Maria Ondina Braga: “A China Fica ao Lado”

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RESUMO

Este estudo tem como objetivo estudar a imagem da China em alguns momentos da

literatura portuguesa. Nomeadamente, na escritora Maria Ondina Braga, a partir da

analise da obra "a China fica ao lado". Como metodologia serão usados alguns

conceitos da literatura comparada, tais como o estudo de imagem, ou seja, a

imagologia. Tentar se á compreender a imagem que os textos analisados desta

autora reflete da cultura chinesa, particularmente, a imagem da mulher chinesa.

Palavra-Chave: Imagem da China, Literatura Portuguesa, Maria Ondina Braga,

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ABSTRACT

This research aims to study the image of China in some moments of Portuguese

literature. Namely, from the analysis of the work " A China Fica ao Lado" written by

Maria Ondina Braga, will be used some concepts of comparative literatures, for

example, the study of image. Trying to understand the image of China described in

texts of this author, the image of China reflects the Chinese culture, in particularly

the image of the Chinese woman.

Key words: Image of China, Portuguese literature, Maria Ondina Braga

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ÍNDICE GERAL

Resumo …………………………………………………………………………………………………………………2

Abstract …………………………………………………………………………………………………………………3

Introdução

a) Objetivo do Trabalho…………………………………………………………………………………………6

b) Como o ocidental olha para a China …………………………………………………………………8

c) Os métodos de estudo da imagem ……………………………………………………………………12

d) Maria Ondina Braga e a relação com a China……………………………………………………17

e) Portugal como país particular para observar a China. Orientalismo. Literatura

Comparada e estudo de imagem……………………………………………………………………………20

Parte Ι

1.O imaginário do Ocidente acerca do Oriente………………………………………………26

2. A Imagem da China na Literatura Portuguesa do século XVI ao século XIX…31

2.1. Portugal começa a explorar o mar……………………………………………………………31

2.2. Apresentação de alguns aspetos da imagem da China na Literatura Portuguesa

do século XVI ao XX

a) Aspetos iniciais…………………………………………………………………………………………….40

b) Aspetos negativos…………………………………………………………………………………………41

c) Aspetos positivos…………………………………………………………………………………………48

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Parte II

4. Apresentação da imagem da China descrita pela autora Maria Ondina Braga

4.1 Vida e Obra………………………………………………………………………………………55

4.2 A Experiência no Oriente…………………………………………………………………59

4.3 O resumo dos vários tipos de personagens………………………………………63

4.4 Analise dos vários tipos de personagens……………………………………………65

5. Caraterísticas especiais

a) A especificidade da personagem feminina e o do seu universo …………96

b) A intriga oriental de carácter místico e simbólico………………………………98

6. Conclusão …………………………………………………………………………………………………103

7. Bibliografia……………………………………………………………………………………………………105

8. Anexos………………………………………………………………………………………………………109

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Introdução

a) Objetivo do trabalho

Qual a imagem da China na literatura portuguesa contemporânea do século XX? Na

área da literatura comparada a palavra imagem é utilizada frequentemente e à sua

aprendizagem chama-se estudo de imagem, i.e. imagologia. Neste caso, é estudada a

imagem de um país estrangeiro tal como foi descrita na literatura de outro país. O

estudo da imagem, segundo a literatura comparada, é um conceito amplo, aborda

diferentes áreas do conhecimento, tais como a política, a religião, a filosofia, a

filologia, a antropologia e a psicologia, entre outras.

O século XX na China é um dos períodos mais tumultuosos de mudança social e de

criatividade cultural na história humana. Em 1911, uma tradição de dinastias

imperiais durante vários milhares de anos caiu para um grupo de jovens

revolucionários que desejavam uma nova direção para o país. Após décadas de

guerra, uma fação de revolucionários conhecidos como comunistas chineses,

emergiram vitoriosos. No ano de 1949, estabeleceu-se uma “Nova China”, sob um

governo que, embora altamente experimental, foi suficientemente estável para

durar ao presente. Atualmente é a economia como crescimento mais rápido do

mundo, com os valores, organizações e estruturas sociais em rápida mudança. O

dinamismo da China continua a ser palpável.

Portugal foi o país da Europa que mais cedo teve contacto com a China, além disso,

Macau foi colonizado por Portugal há quase 450 anos. Durante muitos anos de

contacto e colisão, a China tornou-se inevitavelmente um tema forte na política

diplomática e cultural de Portugal. Também missionários, viajantes, aventureiros,

romancistas, poetas, etc, deixaram muitos textos e conceitos sobre a China, em

diferentes crónicas e espaços de opinião, dependentes da sua própria visão,

experiências e necessidades, descreveram o que cada um observou. Foi-se formando

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assim uma imagem da China, que foi naturalmente evoluindo. Este trabalho

pretende apresentar de forma simplificada o reflexo da evolução desta imagem na

história da literatura portuguesa, especialmente na literatura contemporânea

portuguesa do século XX.

Na presente investigação, o trabalho de construção do objeto de estudo teve por

base fundamentos teóricos resultantes da revisão do estado da arte através de

leituras prévias efetuadas sobre a temática enunciada, pela reflexão das práticas em

termos literários.

Pelas mais variadas causas, até hoje poucas pessoas abordaram a imagem da China

na literatura portuguesa. Este trabalho pretende analisar esta imagem da China na

literatura portuguesa contemporânea através da metodologia comparatista do

estudo da imagem, tomando como referência o método do orientalismo e tendo por

base a obra de ficção de Maria Ondina Braga intitulada “A China Fica ao Lado” (1967).

Serão analisados igualmente, os vários tipos de personagens desta obra,

especialmente a personagem feminina e o seu universo, a intriga de carácter místico

do oriente e a religiosidade oriental, entre outros aspetos, para tentar saber que

imagem da China revela esta autora. Discutindo a perceção da autora quando ela

como observadora descreve a China, e como a China encara esta perceção.

Colocou-se também como objetivo deste trabalho determinar quais as atividades

duma sociedade que contribuíram para a formação desta imagem.

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b) Como o ocidental olha para a China

“Poema Chinês: Repartido

Tu estás na ponte a ver paisagem

Alguém na torre vê a paisagem e também a ti

Um raio de luar decora a sua janela

Mas és tu que decoras o sonho dele

Bian zhi lin”1

Vários europeus chegaram à China ao longo dos últimos séculos, tentando

aproximar-se dela. Muitos deles tentaram conhecê-la mais profundamente,

procuraram saber se correspondia à sua imagem, e procurando também novas

realidades. Houve também aspetos que não se observaram, talvez por motivos

culturais.

Este interesse do Ocidente pela China não era reciproco. Os ocidentais sempre

tiveram uma atitude de muita curiosidade em relação à China que preencheu

durante muitos anos o seu imaginário coletivo. Muitos deles, sonhavam com uma

viagem itinerante pelo deserto ou pelo mar para atingir a China, com um espaço e

um tempo longínquos. O Ocidente utiliza a lua para elogiar o luar chinês, mas no

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fundo está a levar pedaços da sua cultura e a guardar outros desta cultura oriental

que hão de colorir os seus sonhos.

Entretanto a China, no centro do mundo, confunde os seus limites com o limite do

mundo. O seu céu é o céu do mundo. O território da China é vasto e não há interesse

em olhar para além dele. A linha da costa é enorme, mas não é encarada como uma

oportunidade de comunicação.

A partir do século XIII, os ocidentais começaram a chegar à China com muita

curiosidade. Naquela altura, o conhecimento do mundo que a China tinha restringia-

se aos seus vizinhos e continuava agarrada à tradição de permanecer na sua terra,

não tendo interesse pelo resto do mundo.

Por outro lado, os ocidentais continuavam a chegar ininterruptamente trazendo

histórias e costumes, e levando ideias utilizadas nos livros e crónicas que moldaram a

imagem da China no Ocidente.

Nesses escritos há muitos elogios, mas também algumas críticas, por vezes violentas

e injustas. A China reagiu construindo um "muro" de modo a continuar fechada no

seu espaço e na sua cultura, bem como a preservar o mundo a que estava habituada.

Os novos conceitos vindos do exterior não alteram muito a cultura chinesa - são

antes assimilados por ela.

Por esta razão, no processo de desenvolvimento mundial, os chineses não se

habituaram a utilizar os conceitos já existentes noutras partes para explicar as novas

descobertas e fenómenos sociais e foram perdendo ainda mais o interesse pelo

mundo exterior.

Ao longo de um período bastante longo, estudar ou conhecer uma cultura exótica

(neste caso a europeia) torna-se suspeito. Quando olhamos para a história da China

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vemos muito poucas descrições sobre o que se passa do lado exterior, pois o

interesse dos chineses é muito raro ou mesmo inexistente.

Stavrianos descreveu assim esta realidade: "Na verdade, os chineses não têm

qualquer interesse no que se passa fora da China. De facto, eles não sabem a

localização da Europa e raramente a perguntam. Sobre os povos europeus, eles

confundem-nos sempre e geralmente trataram-nos por monstros de nariz

comprido".2

Ultimamente a China começou a ler e a traduzir os documentos ocidentais que se

referem a ela, com o intuito de "conhecer imagem da China na visão dos ocidentais"3.

No estudo da sinologia já há muitas traduções acerca das comparações culturais

entre China e Europa.

No livro "Definição da China na visão dos Ocidentais "4, o autor comenta "que a

porta da China se abriu desde finais do século XIX, os ocidentais começaram a

escrever sobre a política, a vida e espirito do povo, características da raça, etc. Mas

ao mesmo tempo o autor explica que a imagem da China na visão dos ocidentais

apresenta aspetos verdadeiros, mas também coisas menos corretas. "5

Sobre os estudiosos chineses na área da imagem da China na visão Ocidental, o

melhor e também o mais importante livro é o intitulado A definição da China no

Mundo (Publicado em 1992)6. Este livro descreveu a política, economia, sociedade,

religião, cultura, língua, filosofia e literatura da China na visão ocidental.

O sinologista americano Jonathan D. Spence publicou muitos obras sobre a China,

tais como, a sua obra que se pode incluir como uma referência da imagem da China

intitulada "A China na Visão do Ocidente"7 discute a imagem da China desde Marco

Polo a Kafka. O autor comenta como os ocidentais estão a tratar a imagem da China:

quer ao nível do conhecimento, quer nos sentimentos, há sempre várias atitudes.

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Outro estudioso da sinologia, o alemão Hans Wolfgang Rubin, discursou numa

palestra na universidade de Beijing em 1997, o assunto era o estudo da diferença. O

autor abordou o estudo da diferença através do padrão ocidental, e também discutiu

a imagem da China na literatura alemã em diferentes períodos.

(Notas de Rodapés da parte b)

1. 卞之琳,断章,写于 1935 年(tradução:Bian zhi lin, Poeta Chinês, poema Duna Zhang(traduzido

em português por: repartido), foi escrito em editora ,1935, )

2.Leften Stavros Stavrianos, Man's Past and Present: A Global History (1971)(abridgement of World

to/since 1500, 2nd ed.),p39

3. Zhou Yi, "conhecer imagem da China na visão dos ocidentais",beiijing,1989,

4. Bai Ju ,"Definição da China na visão de Ocidentais ", the people of republica, 1978.

5.Bai Ju ,"Definição da China na visão de Ocidentais ", the people of republica, 1978. P.45

6.Huang Zhong, A definição da China no Mundo, beijing, 1992

7. Jonathan D. Spence,"A China na Visão de Ocidente"(1966)with Roger F. Hacket

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c) O método de estudo da imagem

Na área da cultura e da história, os termos imagem e conceção da China são ambos

usados, visto que o seu significado é muito próximo. Um estudioso chinês chamado

Zhou Ning, apontou pela primeira vez, a diferença entre os dois. De acordo com o

autor, o termo conceção da China é usado especialmente pelos estudiosos

ocidentais que estudaram a China. A conceção da China é uma metodologia

empregue pelo sinologistas, e ainda um conhecimento profissional.

Não obstante, a imagem da China é popularmente usada na sociedade e refere-se a

uma ideia alargada sobre a China, incluindo conhecimentos, imaginário, verdades e

ilusões. A imagem da China é vulgarmente construída através de variados textos. A

separação destes conceitos pelo Senhor Zhou é muito correta. Além disso, a imagem

não surge apenas através dos textos, mas também através do movimento, das ações,

das conversas, dos equipamentos, da arquitetura, do ambiente, das cores, do som,

dos aromas, etc. Em conclusão, o ser humano consegue formar uma imagem acerca

tudo. O estudo da imagem também pode ser analisado pela literatura comparada.

Como este trabalho pretende-se propor uma interpretação, uma " leitura" da

imagem que os portugueses, sobretudo através da sua literatura, formaram a partir

da realidade chinesa, ou melhor, do que os portugueses puderam conhecer dessa

realidade. Trata-se de fato de um tema de estudo especificamente comparativista,

com evidentes implicações históricas, sociais, culturais e antropológicas. Como e por

que razão se formou esta ou aquela imagem do homem chinês, da história chinesa, e

da civilização e cultura chinesas, em que sentido evoluiu e se desencadeou a

imaginação criadora dos portugueses ao pensarem na China e ao "fantasiarem" a

China---eis as interrogações básicas que nortearam a nossa análise.

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Para dar uma resposta a essas interrogações, enveredou-se pelo caminho mais

seguro, que é o da analise dos meios de conhecimento de que dispuseram os

portugueses nas suas relações com a China, relações quer intelectuais, quer

comerciais, ou políticas. Mas deverá notar-se que, em qualquer destes domínios,

apenas se destaca as linhas-mestras desses meios de conhecimento. Com atenção às

lições dos historiadores, tentar-se-á igualmente exprimir os diferentes ritmos da

história das relações luso-chineses. Todavia, o que mais nos interessou foi

compreender--em termos literários--as imagens, por vezes elementares (quer dizer,

essenciais) com as quais os portugueses formaram uma ideia e tiveram uma

experiência da China.

Ora, aqui, o estudo, não se limita a mergulhar em diferentes camadas de cultura, ao

longo dos séculos, mergulha-se também, forçosamente, em nós próprios. Porquê?

Porque o aparecimento de uma imagem, de uma interpretação do Outro, esta ou

aquela "leitura" de Portugal, não podem deixar indiferente o investigador. A

imagem, isolada, explicada, interpela, interroga, faz pressão sobre o investigador

para que ele penetre fundo em si mesmo, para que ele analise as suas próprias

formas de representação, as suas preferências, os seus entusiasmos, os seus

silêncios. Assim, não é a objetividade que pretendemos atingir aqui, mas sim uma

verdadeira análise autocrítica: diz-me como vês o Outro, dir-te-ei quem tu és…

Terrível regra do jogo, esta regra imposta pela imagética literária, ou como se diz na

expressão comparativista francesa, a "imagologie". Todavia, esta regra é a razão de

ser das nossas atividades universitárias a nível da Literatura Comparada, ainda

considerada por alguns (que de fato a desconhecem) demasiado afastada do real e

das suas preocupações....

A literatura comparada, pela sua abertura e complexidade, pode atravessar

diferentes áreas, como a politica, a religiosa, a filosófica, a filológica, a antropológica,

a psicológica, a cultural e também a área do estudo de imagem.

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Assim, desde o início, a base fundamental da Literatura Comparada, o princípio

dialógico (o famoso diálogo de culturas, frequentemente desigual), de que um dos

fundadores foi Bakhtine, instala-se no próprio centro do espaço conhecido (o da

cultura do investigador), retomando-o, revalorizando-o.

Edgar Morin disse: "todo o estudo de imagem é valioso quando dá atenção à cultura

da imagem. Por isso, o estudo da imagem não é apenas obra de autores, mas

também engloba as áreas da historia, sociedade e cultura, etc." 8

Na área da literatura comparada o estudo da imagem é um estudo recente, com

pouca história, proporcionado por um estudioso alemão, Jauss, e outro francês,

Étiemble, nas décadas 60 e 70 do século XX. O estudo da imagem enquadra-se na

literatura comparada e na respetiva metodologia do estudo de imagem da literatura.

Na China, o estudo de imagem inicia-se mais tarde e começa a chamar a atenção na

década de 90 do século XX. "A lista da literatura Comparada da China"(1994.1) 9e

"Literatura Comparada Chinesa" (1995.1-2)10 são livros publicados sobre o estudo de

imagem na literatura comparada, por Balou.

Posteriormente, Le-Daiyun publica "Cultura Transmitida e Imagem da literatura

"(1999) e Meng-Hua publica "literatura comparativa"(2001)11 sendo neste livro,

muito significativo para iniciar e indicar o caminho da literatura comparada.

Portugal foi o país ocidental que mais cedo teve contato com a China e os

portugueses escreveram muitos textos sobre ela, muito embora estes não tenham

tido muito peso na literatura europeia.

O estudioso inglês Boxer, não achou justo para os escritores portugueses que por as

suas obras estarem escritas na língua portuguesa não fossem tão populares como as

editadas pela imprensa italiana ou espanhola.

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C.R.Boxer ao comentar o livro do missionário português Gaspar da Cruz Tratado das

Coisas da China 12 afirma que este descreve melhor e mais claramente a China do

que o famoso viajante Marco Polo.

Há muitos estudiosos do Oriente que pensam que para além de Marco Polo,

Mendoza e Ricci, não há mais livros na Europa que descrevam bem a China. Isso é

um erro uma vez que infelizmente é ignorada a bibliografia portuguesa e espanhola.

Por outro lado, na China são poucas as pessoas que conseguiram obter proficiência

na língua portuguesa, e ainda menos as que analisaram a imagem da China na

literatura portuguesa.

Além disso os poucos estudiosos que estudaram a imagem da China, não

consideraram os livros portugueses, por exemplo os livros intitulados A Imagem da

China, A Lenda do Ocidental e A Listagem da Grande China13, são muito pouco

discutidos.

Na China, já existem algumas traduções de livros portugueses que falam sobre ela,

por exemplo, Os Lusíadas14 (publicado em 1995 pela editora chinesa Arte

Associação), Viagem no Sul da China15 (publicado em 2002 e que faz parte da coleção

da Biblioteca Nacional da China), que foram retiradas das obras de dois escritores

portugueses que, em diferentes alturas estiveram na China .Outra obra é imagem da

China na literatura Ibérica dos Seculos XVI e XVII16 ( publicada em 2003 pela

Imprensa do Elefante), na qual foram utilizados alguns episódios de descrições da

China, de escritores portugueses e espanhóis nos séculos XVI e XVII, e que também

foram publicadas na revista multicultural. Em geral, ainda é uma área a explorar.

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Notas de Rodapé de episódio c)

8..Edgar Morin,L'Homme et la Mort ("O Homem e a Morte"), lançado em 1951.p34

9..Zhou Ning,A lista da literatura Comparada da China"(1994.1)

10..Zhou Ning,"Literatura Comparada Chinesa" (1995.1-2)

11.le-daiyun ,"Cultura Transmitida e Imagem da literatura "(1999),"literatura comparativa"(2001),

beijing

12.Daniel-Henri Pageaux imagem de Portugal na cultura Francesa, 1. Edição -1983,p23

13. Rodrigo Trespach, a imagem da China,1 Edição,1989,

14. os lusíadas(publicado em 1995 pela editora chinesa arte associação)

15. Viagem no Sul da China(publicado em 2002 e que parte da coleção da biblioteca da China)

16. imagem da China na literatura ibérica dos seculos XXVI e XXVII16 (publicada em 2003 pela

imprensa do elefante)

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d) Maria Ondina Braga e a relação com a China

Em Macau há muitas obras publicadas por autores portugueses residentes, das quais

as principais foram publicadas em língua portuguesa e também traduzidas para

chinês. Uma delas pertence à autora portuguesa Maria Ondina Braga, que descreve a

China na sua obra.

A autora viveu em Macau três anos, e afirmou-se como ficcionista. Publicou livros

sobre a China, tais como a China fica ao lado (1968), romances como Noturno em

Macau (1991) e contos como Angústia em Pequim (Lisboa Rolim - 1988). A China fica

ao Lado ganhou o Prémio do Concurso de Manuscritos do SNI, Noturno em Macau

ganhou o Prémio Eça de Queirós.

Marina Ondina Braga foi uma autora portuguesa muito viajada. Teve experiências

em Africa, na Europa e na Asia. Ela foi uma boa representante da literatura itinerante,

e deu uma grande contribuição à literatura de viagem portuguesa. Depois da época

dos descobrimentos de Portugal, a literatura de viagens começou a ser muito

comum e ocupou um lugar muito importante na literatura portuguesa. Nos relatos

históricos começou a aparecer com frequência esta vertente itinerante.

A viagem, na sua especificidade, torna-se uma espécie de tema literário no qual é

importante ver até que ponto pode estruturar um texto ou o imaginário de um

escritor e quais serão os diversos aspetos e metamorfoses desse tema. O caso-limite

dessa metamorfose cultural é o da viagem imóvel, a "mise en scène do eu"17num

espaço feito de palavras. “É o que faz Fernando Pessoa através, por exemplo, do

heterónimo Álvaro de Campos na Ode marítima ou do semi-heterónimo, Bernardo

Soares no Livro do Desassossego ao contar uma viagem nunca feita, B. Soares

definiu-a nestes termos;para viajar basta existir. Vou para o dia, como de estação

para estação, no comboio do meu corpo ou do meu destino.”18

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Aqui a viagem é um elemento profundamente revelador dos problemas do ser em si.

Mas, antes de mais, a viagem é uma experiência do estrangeiro, vivido ou imaginado,

ou ainda simultaneamente as duas coisas. O que, sobretudo no século XIX, a torna

uma experiência essencialmente complexa.

De facto, de todas as experiências do país estrangeiro ou do indivíduo, a viagem é

sem dúvida a mais complexa. Mas esta complexidade não deve de maneira nenhuma

fazer recuar o estudioso da literatura, o qual tem, assim, a oportunidade de

confrontar a análise textual com outras abordagens: histórica, artística, sociológica e

antropológica. Porquê este último termo? A sua justificação é evidente quando se

pensa. Todavia, desde já, queremos assinalar que para nós a viagem constitui

também uma prática cultural, ao mesmo nível das outras, tais como a pintura, a

dança ou a cozinha.

Assim, a viagem é, simultaneamente, uma experiência humana singular, única,

inconfundível para aquele que a viveu, e um testemunho humano que se inscreve

num momento preciso da história cultural de um país: o do viajante. Por seu turno,

este conceito de uma cultura implica para o viajante-escritor a escolha de uma

escrita, a forma literária, mais ou menos pessoal, da sua narrativa.

O percurso de Maria Ondina Braga, numa tradição cristã antiga é associado

frequentemente à peregrinação, à travessia do mundo e da vida. A esta tradição

responde um poeta moderno, como Fernando Pessoa, o seguinte, no seguinte

poema datado de 1930:

Quando fui peregrino

Do meu próprio destino!

O presente trabalho vai analisar a obra de Maria Ondina Braga, intitulada A China

fica ao Lado, através de alguns aspetos tais como a personagem feminina e o seu

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universo. Aspeto como a intriga de carácter místico, misticismo e religiosidade, entre

outros serão analisados para explicar e mostrar como a imagem da China é retratada

de modo geral na literatura portuguesa contemporânea do século XX.

A análise vai debruçar-se também sobre a imagem da China na literatura portuguesa

do século XVI ao XX. Sendo uma ajuda para acompanhar a evolução da imagem da

China na literatura portuguesa.

O seculo XX vai ser especificamente analisado neste trabalho. Discutindo o

imaginário e a aceitação de um observador (também autor) que descreve a China (a

China como ele a observou) e ao mesmo tempo a reação de quem foi observado.

(Notas de Rodapé do episódio c)

17 Daniel-Henri Pageaux imagem de Portugal na cultura Francesa, 1. Edição -1983, p23

18 B. Soares, Estudo de Imagem, 4 Edição,1999, p 45

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e) Portugal como país particular para observar a China. Orientalismo.

Literatura Comparada e estudo da imagem

Portugal pertence ao Ocidente ou não? Na geografia e na cultura Portugal pertence

ao Ocidente, e contribui também para o conceito de Ocidente. O Ocidente

constituiu-se como entidade social e cultural no início do século XVIII. Anteriormente

existia apenas uma união de países cristãos. Mas o território do islão e a sua história

foram nesta altura objetos da atenção dos ocidentais, pois eram já parte do Oriente

e como tal enquadrados no orientalismo.

"Durante a luta e os encontros com os países islâmicos, a imagem do Islão é confusa,

a barba como elemento identificador, as indecências, a sujidade, o mau feitio, tal

qual monstros sem moral ou consciência." 19O crescimento da fé cristã e a

prosperidade de Omã faz evoluir o conceito de cristianismo para o conceito de

Ocidente.

A exploração pós descobrimentos une a Europa ao redor do conceito de Ocidente.

No século XIX, a colonização da Índia, de parte da China, e do Médio Oriente, tornou

o Ocidente num importante protagonista.

Ao mesmo tempo, os Estado Unidos, como um mundo novo também eram vistos

como fazendo parte do Ocidente e aparece o conceito de cultura ocidental. Portugal

como um dos membros do Ocidente foi um pioneiro na exploração do mundo e na

luta contra os islâmicos.

Portugal teve sempre uma relação próxima com os religiosos romanos. Perdeu, no

entanto, o lugar de topo, alcançado nos descobrimentos, e o seu posicionamento no

plano internacional ficou cada vez mais fraco, sendo mesmo menosprezado por

outros países na Europa.

Por causa da desigualdade de tratamento dos historiadores para com as línguas e

culturas diferentes os portugueses tiveram de integrar uma aliança especial para

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sobreviver. Este aspeto também influenciou a sua atitude em relação à China. Ao

mesmo tempo Portugal nivelou-se como Mundo Ocidental, onde continua, no

entanto, a haver grandes diferenças entre os diferentes países. Neste ponto, surge a

criticar Eduard Said 20que não aceita os ocidentais porque não têm outra intenção

que não seja a de dominar e controlar.

Para perceber a imagem da China no Ocidente temos de recorrer à teoria do estudo

da imagem, e do orientalismo de Edward Said, onde este trabalho se inspirou.

Edward Said aproveitou a teoria de Michel Foucault para discutir o estudo do

orientalismo, ele apontou os orientais como “o outro” para os ocidentais, que assim

aceitaram as suas próprias culturas, baseando-se no fato de cada cultura precisar de

construir “o outro”.

Segundo a teoria de Edward Said o desenvolvimento e a preservação de cada cultura

precisa de outra cultura para ser homogénea e competitiva (alter ego). A construção

da identidade “eu próprio” (porque do próprio ponto de vista, quer do oriental, do

ocidental, do francês ou do inglês, para além do conjunto de diferentes experiências,

no final é tudo uma construção da identidade do “eu próprio”). A construção do “eu

próprio” implica a construção do “outro” que é contrário de ti mesmo, assim nós

temos diferentes personagens, e explicação, e reexplicação. Em cada nova época a

sociedade cria “o outro” que é um oposto de si mesmo. Por isso, a identificação do

“eu próprio” e do “outro” em oposição, são construções dinâmicas e não estáticas.

De fato, o que aconteceu foi que o historiador começou a ocupar o lugar do

comparativista, sem dúvida porque o investigador literário começou a dedicar-se

exclusivamente à análise do texto em si. Um dos sucessores de Jean-Marie Carré,

M.F Guarda, considera que o estudo das imagens só pode interessar o investigador

literário se abordar esse problema ao nível das transposições literárias, como se se

pudesse ignorar completamente as implicações histórias e mesmo sociais.

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Paralelamente, o investigador literário ficava condenado a não estudar mais a

história das ideias, outra herança legada por F.Baldensperger e Paul Hazard, um dos

prolongamentos mais importante de todo e qualquer estudo sobre as viagens e as

imagens.

Temos de reconhecer que esta "imagologie" teve ilustres inimigos. Já em 1953, num

artigo publicado no" Yearbook of Comparative and General Literature", René Wellek

se manifestava frontalmente contra este tipo de estudos, por ele considerados

representativos da famosa escola francesa da literatura comparada, quer dizer, a

escola erudita, historicista, digamos mesmo neopositivista. Dez anos depois,

Étiemble, em "Comparaison n'est pas raison," estigmatizava os trabalhos que,

segundo ele, "regarder et historie, le sociologue ou l' homme d'etat», acrescentando

também que esse género de estudo era, segundo parecia," prospere en

France,presque autant que les études sur les voyageurs islandias à madagascar,

malgaches au Kamtchatka, ou suédois à Bangkok!" 21

Interdisciplinar "avant la lettre", a imagologia caiu, sobretudo em França, em dois

extremismos, por um lado, a excessiva importância dada a textos literários

separados da análise histórica e cultural, por outro, o excesso contrário, ou seja, uma

leitura demasiado redutora dos textos literários, transformados em inventários de

imagens do estrangeiro. Quem tenha consultado certos trabalhos comparativistas,

certas teses consideradas por vezes importantes, trabalhos que Étiemble

ligeiramente caricatura, conhece bem os defeitos básicos deste tipo de investigação,

mera catalogação temática, "mise à plat" dos textos citados, inflação de

comparativistas não deverão impedir que se continue a explorar um campo de

investigação tão fértil como o das imagens do estrangeiro, campo de investigação

que, aliás, voltou a atrair muitos especialistas desde há alguns anos para cá.

Reconhece, no entanto, o interesse renovado pela imagologie (ou seja, na tradução

portuguesa imagiologia, como já foi referido).

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Repare-se, antes de mais, que toda e qualquer imagem procede de uma tomada de

consciência. Por menor que ela seja, procede de um Eu em relação a um "algures". A

imagem é, portanto, o resultado de uma distância significativa entre duas realidades

culturais. Ou melhor, a imagem é a representação de uma realidade cultural

estrangeira através da qual o indivíduo ou o grupo que a elabora (ou que a partilha

ou propaga) revela e traduz o espaço ideológico no qual se situa.

A história e a área académica e política contribuem muito para esta construção que

parece um concurso em que está envolvida cada instituição e unidade da sociedade.

A atitude cultural Ocidental em relação ao Oriente tem a ver com a construção do

“eu próprio”. O oriental, como oriental, existe apenas porque foi construído pelo

ocidental, e então os termos de construção do conceito de oriental foram criadas

pela teoria e pela prática, e os processos foram deixados ao longo de alguns séculos.

Estes processos podem ser englobados num sistema denominado de "estudo do

orientalismo", que é uma espécie de filtro aceite por toda a gente. O Ocidente usa

esse filtro em relação aos orientais.

A imagem da China como um objetivo do Ocidente leva a que o processo para

construir “o outro” ao contrário de "si", também passe por esse filtro. Por isso, a

imagem da China, o imaginário da China, os conhecimentos sobre a China, as

verdades acerca da China, as ficções e a mitologia chinesas são filtradas pelos

ocidentais, levando em conta também as expectativas dos ocidentais, e as

necessidades e os proveitos do “outro” para o Ocidente.

De fato, cada um tem o seu filtro, todas as coisas que vemos passam por esse filtro, e

todos os sentimentos e valores são filtrados para entrar no nosso próprio mundo,

portanto, o Oriente não existe. Não apenas ele não existe naturalmente, como de

igual modo o Ocidente não existe naturalmente.

O problema é que no atrito entre o Ocidente e o Oriente, este tornou-se o “outro”

em contraposição ao Ocidente, e por sua vez os ocidentais tornaram-se em juízes e

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observadores. Por isso, a análise sobre a criação e a evolução da imagem da China

temmuitos protagonistas.

A imagem da China inevitavelmente vai passar por um filtro, do ponto vista do

estudo da imagem, para criar a imagem de outro país, o autor não apenas copia, ele

filtra alguns tipos de personagens, as personagens que o autor pensa que convêm

para explicar a imagem do outro país. Por isso, o estudo da imagem na literatura

comparada não é apenas copiar e assemelhar diferentes realidades. A imagem da

China é reconstruída e reescrita por cada observador, este mecanismo de

reconstrução existe antes do estudo da imagem.

A imagem é a imagem do “outro”, mas também transmite a imagem do próprio. Em

conclusão, quanto o ocidental está a criar a imagem da China, também está a discutir

a sua própria, está à procura da aceitação da sua identidade e a tentar melhorá-la.

Quando um observador está a olhar para a China, esta é o objeto observado, mas o

observador também está a questionar-se a si próprio. É o que se passa com a

contemplação de toda gente.

Há uma tese sobre é a relação entre China e Japão22, que a indica a imagem do

japonês na literatura chinesa e que analisa como a imagem do Japão foi interiorizada

pelos chineses. O mais impressionante é a atitude da China face ao japão. O autor

disse, o centralismo da cultura mostra uma prioridade ultrapassada, e essa

prioridade fez mesmo a China permanecer muito fechada. À cultura da China ainda

falta a capacidade de conhecer e analisar o mundo exterior.

Pode-se ver o conhecimento do Japão pela China, através da história, pois os

chineses repetiam sempre o conhecimento dos seus ancestrais sobre o Japão e não

houve nenhum novo desenvolvimento durante muito tempo. A mesma descrição

repetia-se sempre, estava sempre no mesmo nível e vinha em todos os livros.

Mesmo que as ligações entre o Japão e a China já tenham milhares de anos, a China

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nunca conheceu realmente o japão. O conhecimento do Japão começou apenas na

época contemporânea.

E também dá para pensar, como é que a China depois de milénios de proximidade

ainda não conhecia o Japão. Também mostra quem foi o observado. O centralismo

da China faz da sua cultura uma prioridade e também faz a China perder o desejo e o

entusiamo de conhecer o mundo lá fora. Na verdade, não havendo um “outro” em

contraposição, não dá para se conhecer a si mesmo.

Podemos pensar na metáfora da China como um espelho. Os conhecimentos acerca

do Ocidente para os orientais são também como um espelho. Esse espelho, reflete

os pensamentos lá fora acerca da China, e a evolução da sua imagem na história

Ocidental, e vai ajudar a melhorar o saber e o conhecimento e as potencialidades do

país e do povo. Hoje em dia, a modernização e a comunicação internacional, reforça

a consciência e ajuda a obter um lugar melhor no posicionamento global.

Notas de Rodapé de e)

19 Edward wadie said, orientalismo, Editor, Good Hope, 1978, p45

20 Edward wadie said, orientalismo, Editor , Good Hope 1978, p25

21 Daniel-henri pageaux, imagem de portugal na cultura ,1 edição-1983,p 67

22 徐秦,论文,中国和日本的关系,写于 1990 年 (Tradução:Qu Qi, tese, a relação entre China e Japão, foi

escrito 1990)

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1. O Imaginário do Ocidente acerca do Oriente

Vimos o diferente céu e terra.

(Luís de Camões)

A história de um país e de uma raça pode ser a história da tentativa de definir e

redefinir os seus próprios limites. O homem faz as fronteiras, mas não fica satisfeito

com o mundo dentro dessas fronteiras, pois transpor uma fronteira é um desejo e

uma atividade instintiva do ser humano. Passar as fronteiras geográficas está no

imaginário do ser humano, que o faz tanto por via pacífica como violenta. Por isso,

viajar para além das suas fronteiras é a procura do “outro”, é um caminho mais curto

de se conhecer a si próprio, e a satisfação desse desejo. O Ocidental é um conceito

geográfico, político e cultural, assente na mudança permanente das suas fronteiras.

Antes do século XIII, os habitantes do nosso planeta não se conheciam uns aos

outros e sabia-se muito pouco sobre quem realmente seriam os seus habitantes. As

pessoas viviam isoladas nas suas terras, pois não existiam meios de comunicação

nem de transporte. A curiosidade levou-as a começar a viajar para além das suas

fronteiras. Muitos viajavam também no seu imaginário através das lendas que foram

surgindo.

Quando a seda apareceu em Roma no século Iº da era cristã, os romanos pensavam

que os chineses a fabricavam de folhas de árvores, que podiam viver bebendo

apenas água e que conseguiam viver duzentos ou trezentos anos. Durante a época

medieval, as notícias sobre oriente tinham mais de imaginário do que de verdadeiro.

O imaginário sobre um oriente exóticos foi originado pelas várias lendas, e pela

mitologia.

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O clérigo Pian de Carpine, que foi missionário, e embaixador do papa na Mongólia

em 1245, escreveu o livro "A História da Mongólia" baseado nas suas vivências e em

1253, o monge franciscano Guilherme de Rubruck foi enviado para a Mongólia para

pregar a religião cristã. Os dois nunca estiveram na China, mas mesmo assim

escreveram muitas coisas sobre a China, na maioria imaginadas.

A partir do século XIII a economia da Europa assim como o seu número de habitantes

começou a ter um crescimento assinalável. Os comerciantes começaram a organizar-

se melhor e as atividades comerciais tiveram um grande incremento.

Por causa da necessidade de ouro, de alimentos e de produtos de luxo, muitos

negociantes começaram a viajar para lugares mais longínquos. Antes do caminho

marítimo entre o Ocidente e o Oriente, já existia um caminho denominado de “rota

da seda” por terra, através do qual se desenvolviam os negócios. Muitos produtos

exóticos orientais já apareciam nas cidades ocidentais.

Chegavam também muitos relatos sobre essas viagens e sobre terras distantes. As

dificuldades de transporte impediam a comunicação entre o Ocidente e o Oriente, e

assim o conhecimento do Ocidente sobre o Oriente era muito escasso. Muitas coisas

sobre o Oriente foram transmitidas boca a boca, e pelas lendas que se iam

originando. Mas muitos delas eram exageros ou mal-entendidos.

Na verdade, a Europa só começou a conhecer melhor o Oriente depois do regresso

de Marco Polo, pois foi quando conseguiu obter informações corretas acerca do

Oriente. O viajante Marco Polo foi ao Oriente em 1271, chegou ao interior do

continente asiático e encontrou-se com Kehan imperador da Mongólia. Kehan

apreciou as suas capacidades e ofereceu-lhe trabalho no seu palácio. Portanto, ele

teve oportunidade de viajar por muitas zonas da China.

Em 1295, Marco Polo regressou a Veneza, publicou o livro milhão 21(0 que significava

que na china as histórias eram aos milhões). O lançamento deste livro causou uma

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grande sensação na época, tendo tido várias edições e traduções espalhadas por

toda a Europa.

A maior razão para o sucesso deste livro foi a garantia do autor de que todos os

acontecimentos descritos no livro tinham sido presenciados por si próprio.

O livro contesta a existência de um país no Oriente em que os habitantes, riquezas,

artigos de luxo e cidades eram enormes e ultrapassavam em muito o que existia na

Europa.

O livro de Marco Polo descreveu pela primeira vez abundantemente a China e a

dinastia Yuan. O autor descreveu um mundo novo cheio de surpresas, elogiou os

tesouros, as cidades, os produtos, os caminhos, os palácios, etc. Estes relatos

impressionaram muito os europeus e ficaram gravados nas suas memórias. Mesmo

assim, a China continuou a ser um país misterioso.

Vinte anos depois do regresso de Marco Polo apareceram outros autores italianos a

escrever sobre a China, por exemplo Odoric of Pordenone, com o seu livro a viagem

de Odoric, e Bernard Mandeville com o livro O Visto e o Ouvido do Oriente22. O livro

de Odoric 23descrevia corretamente o Oriente, mas não foi tão popular como o de

Mandeville. "O Visto e o Ouvido do oriente" foram escritos entre 1356 e 1357.

Bernard Mandeville escreveu também sobre a India e a China. A China foi descrita

como um lugar paradisíaco. Este livro, do qual ainda hoje há duzentos manuscritos,

teve mais sucesso do que o livro de Marco Polo, mas na verdade Mandeville nunca

esteve na China nem tão pouco no oriente, ele apenas aproveitou as obras de outros

autores. É uma obra imaginada e ficcional, de modo a satisfazer os desejos dos

ocidentais.

Ele escreveu muitas coisas estranhas sobre o Oriente, como por exemplo: as ovelhas

que cresciam nas árvores; as cascas de caracóis que serviam para as pessoas viverem;

os indianos sem cabeça, etc. Por outro lado, também elogiou o Oriente e os seus

produtos bonitos e requintados, a vastidão do território, a existência de duas mil

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cidades, o facto de haver habitantes cristãos, a inexistência de pobres, a barba dos

homens ser parecida com a dos gatos, e a beleza das mulheres, entre outros.

Os autores ocidentais que provavelmente nunca estiveram no Oriente são todos

iguais na repetição destes elogios, descrevendo o Oriente como um lugar rico,

próspero e de arquitetura magistral. Estas descrições repetem-se na história

Ocidental, e também nas descrições de portugueses, mesmo as descrições dos

portugueses originadas diretamente pela experiência, têm a ver com o seu

enquadramento Ocidental. Por isso, parece um sistema rotineiro de metáforas,

inicialmente a acompanhar o pensamento já existente para comentar a imagem da

China, e apenas por acaso em diferentes períodos. Podemos dizer que se a imagem

da China na época medieval era uma imagem colorida, então os portugueses

puseram mais cor nessa imagem.

Na época medieval, o ocidental construiu o Oriente com base no seu imaginário e

nas lendas.

A partir do século XVI os europeus começaram realmente a viajar. Empunhando

espadas e transportando a cruz cristã, começaram a explorar com ambição. A

história da Europa do autor Peter Rietbergen, indica que "por tradição os europeus

sempre tiveram bom gosto para as viagens." 24

Os motivos foram vários. Em primeiro lugar, o pensamento europeu era cada vez

mais independente, seguindo-se depois os conhecimentos de astronomia árabe,

experiências de viagem, mapas feitos por profissionais judeus que já tinham chegado

à Europa. Mais do que o desenvolvimento da Europa, a escassez de território, leva os

países a quererem alargar os seus domínios. Por isso, não interessavam os valores a

gastar, viajar começou a tornar-se inevitável.

Leften Stavrianos disse que" o continente europeu era um lugar de

subdesenvolvimento, com poucos habitantes, que foi inicialmente invadido por

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indianos, hunos, árabes, entre outros povos. Os europeus defenderam-se e fizeram a

vingança, muitas vezes armados e transportando a cruz." 25

Por isso, a Europa tem uma tradição de exploração e esta exploração de alguma

forma autoalimenta-se. O rancor religioso entre os cristãos e os islâmicos cria nesses

dois mundos o ceticismo, a ganância, e as atitudes de vingança, e a vontade de cada

um querer conquistar o outro, antes de explorar as suas riquezas.

Os islâmicos controlavam os caminhos para o Oriente. Por isso, a raiva dos cristãos

era muito forte. Os europeus queriam chegar comercialmente ao Oriente, e por

acaso havia uma lenda que dizia existir no Oriente um lugar cristão, e que o Papa

também devia ser o seu chefe. Por isso, eles sonhavam um dia chegar ao Oriente e

unir-se a estes cristãos com o fim de derrotar os islâmicos.

No fundo, a Europa começa a sonhar assim com o mundo: o ocidental representa a

infância do homem, o Oriente o conhecimento arcaico do ser humano, a América o

homem primitivo, e a China a sociedade perfeita e com muito esperança no futuro.

Desde a época de Marco Polo e dos descobrimentos que a Europa passou pelo

imaginário e pelo ficcional, pela procura e pela conquista, o que mostra que a Europa

precisava de um “outro” em contraste, para poder desenvolver-se a si mesma.

Os ocidentais eram sonhadores com muita paixão, viajantes com muita coragem,

conquistadores ambiciosos e a sociedade Ocidental desenvolveu-se neste processo

de civilização e guerra. Por outro lado, a China foi um objeto muito inspirador para a

Europa, mas ao mesmo tempo foi também um objetivo a conquistar.

Notas de Rodapé de capitulo 1

21 Marco Polo, milhão, Editor,Porto, 1º edição,1999

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22 Mandeville, o visto e o ouvido do oriente,1945

23 Odoric of Pordenone, Odoric,1956

24 Peter Rietbergen, A Culture history, psychology press, 1988, P.234

25 Leften Stavrianos,The World to 1500: A Global History (1970; 3rd ed. 1983; 7th ed. 1999)

2. A Imagem da China na Literatura Portuguesa do século XVI ao XIX

2.1Portugal começou a explorar o mar

O destino de Portugal era viajar para outros lugares. A situação geográfica teve

consequências muito importantes na política, história e cultura de Portugal, sendo

uma razão de peso para impulsionar Portugal a partir para a descoberta do mundo. A

Espanha era mais forte e separava Portugal dos outros países da Europa. Portugal

estava isolado, e podia apenas “alargar-se” para o lado do mar, e assim este entrou

no coração dos portugueses. Mas, o que adianta, no entanto, o mar, se não houver

nenhum caminho para alargar o pequeno território?

Por isso, as características dos portugueses foram-se formando com base no seu

pequeno território e no vasto oceano. Os portugueses desenvolveram a capacidade

e a coragem para viajar e para enfrentar o desafio do mar violento e misterioso, e

por outro lado a sede de aventura tornou-os sonhadores, característica essa que

deixou vestígios fundamentalmente na literatura e na cultura.

Adam Smith disse que" o descobrimento da América, através do "Cabo da Boa

Esperança" e da India foi um evento majestoso e muito importante. "26. Este autor

ocidental foi da opinião que a colonização europeia do século XVI foi um ponto de

viragem na história da humanidade, pois a partir daí as sociedades passaram de uma

época em que se fechavam em si próprias para outra de grande abertura ao exterior;

começou a haver contactos entre o Ocidente e Oriente e o mundo começou a mexer

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e mudou completamente. Nesta parte da história os portugueses foram os pioneiros,

um país silencioso e uma raça fraca foram os registos nos livros de história.

O espírito de aventura e a paixão de descobrir novas coisas encorajaram os

portugueses a entrar no mar, a exploração é o resultado do desejo, ou mesmo do

entusiasmo de conhecer um novo mundo. A partir do século XIII, os portugueses

começaram a descobrir e explorar o Oceano Atlântico e a Costa de África, naquela

altura ainda não conheciam nada sobre o Oriente, nem tinham noção da sua

localização. Os portugueses serviam-se de livros europeus para saber algo sobre o

Oriente. Este ainda era um mistério para os portugueses e não há, nesta altura,

descrições sobre o Oriente que se tenham refletido na literatura portuguesa.

No século XV, o livro de Marco Polo e o livro "Visto e o Ouvido do Oriente "(1945)

terão chegado a Portugal e incentivado a imaginação dos portugueses,

proporcionando a inspiração para a exploração portuguesa.

As motivações da exploração dos portugueses foram as necessidades económicas e o

fervor religioso. O historiador português José Hermano Saraiva comentou esta

motivação indicando que, "no século XV, a sociedade portuguesa estava cheia de

contradições, mas a exploração beneficiou pessoas de todos os estratos sociais. Para

o povo, a exploração foi uma forma de emigrar, poder sair da pobreza e procurar

uma vida melhor." 27

Para os religiosos e nobres, a exploração serviu para pregar a religião, alargar as

áreas do cristianismo e ocupar mais território. Ambas eram maneiras de servir a

Deus e ao rei, pois serviam para obter mais terra, mais empregos e ofícios, e mais

fiéis religiosos.

Para os negociantes a exploração significou a possibilidade de comprar maior

variedade de produtos, e a melhores preços, num local, de modo a lucrar mais nas

vendas, após o seu transporte.

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Para o rei, foi uma oportunidade de aumentar a reputação e explorar novas

maneiras de aumentar a riqueza do reino.

Foram sobretudo os motivos económicos que levaram os portugueses a explorar, e

foi também uma oportunidade de resolver as contradições domésticas. Além disso, a

paixão pela religião também foi um motivo. Os portugueses eram fiéis católicos, o

comprometimento com a fé cristã, nesta época, proporcionava muito boas

influências, daí Portugal mostrar, nesta fase, alguma debilidade.

O impulsionador dos descobrimentos foi o príncipe Infante D. Henrique, ele era um

católico fiel, e viu que o poder cristão estava cada vez mais fraco, por isso pensou em

usar o povo cristão para recuperar a força do cristianismo, e por isso ele também foi

mandatado pelo papa na liderança deste grupo de cristãos.

Ele ajustou a atividade dos negociantes e dos nobres, que queriam obter benefícios

durante o decurso das rotas comerciais, mas o príncipe regulou essa atividade de

modo a seguir os interesses da nação e da religião católica. Por isso, a exploração em

conjunto com a pregação da religião, foi uma oportunidade de lucrar mais e reforçar

o poder da igreja católica.

Os portugueses empunhando a espada por um lado, e por outro pregando a fé cristã

(As velas dos navios levavam a cruz cristã pintada) revelavam os dois princípios

fundamentais da exploração portuguesa.

Apesar do uso de novas técnicas de navegação, a exploração com base na paixão

religiosa e no desejo de deixar para trás séculos de muitas contradições, é

acompanhada do espírito de cavaleiro medieval, com a cruz e a espada sempre

presentes. Como assinalou o filósofo Eduardo Lourenço, "foi uma aventura com

características tipicamente medievais, pelos seus objetivos e pelos processos

utilizados." 28

Podemos dizer que esta navegação que utilizava novas técnicas náuticas tinha

sempre presente objetivos comerciais e religiosos. O propósito dos navegantes era a

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exploração através dos soldados da cruz. A cruz cristã bordada não era apenas um

símbolo, mas sim o verdadeiro espírito aglutinador.

Os Venezianos, já então com uma burguesia forte, sabiam que o símbolo da cruz,

presente um pouco por todo o lado, não era muito conveniente para comunicar com

outros povos, e com fiéis de outras religiões.

Os portugueses não eram negociantes e comerciantes aquando do início do

capitalismo, mas o espirito economicista desta exploração foi uma escola e uma

oportunidade de negócio para toda a gente, sem nunca faltar, é certo, o fundo

religioso.

O professor universitário e ensaísta Jacinto do Prado Coelho disse com orgulho: "nós,

os portugueses, fomos grandiosos viajantes, por vários motivos, como por exemplo o

estado da economia, a ambição política, a paixão pela religião, e a ânsia pela

aventura, que fizeram com que o nosso o espírito de cavaleiro andasse por todo

mundo. Por isso, no decurso da experiência e da observação, fomos aprendendo ao

longo dos anos, descobrimos os segredos do mundo, descrevemos muitas novidades,

não apenas por regozijo, mas também para ajudar os outros. " 29

Na verdade, os portugueses deixaram muitos escritos sobre a época dos

descobrimentos. A literatura portuguesa tornou-se mais interessante e próspera,

devido a estas narrações. Estas descrições, não apenas refletiam o espírito humano,

ou proporcionavam conteúdos exóticos, ou argumento para os escritores, mas

também, e fundamentalmente, mostravam a paixão pelo humanismo, a capacidade

de sobrevivência e o êxito dos portugueses no mundo. Foram viajantes, idealistas,

mas também tiveram "de lavar a cara com as próprias lágrimas."

Do século XV ao XX, a atividade dos portugueses no mundo foi surpreendente. Esta

atividade, digna de poemas, ocupa um lugar imenso e majestoso na história da

humanidade, que teria sido muito diferente sem os descobrimentos portugueses.

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Esta história brilhante podia constituir um modelo para a atitude do presente. As

pessoas conservaram muitos símbolos dos descobrimentos em Portugal, visíveis em

monumentos, museus, estandartes, livros, e nomes de ruas e de lugares.

Comemoram regularmente estes feitos do passado. Para comemorar esta parte

brilhante da sua história, Portugal organiza através da associação dos

descobrimentos, palestras, conferências e edições de livros entre outras

manifestações, para que as pessoas não esqueçam a história.

Os descobrimentos contribuíram para o desenvolvimento da civilização. É de

salientar que os portugueses levaram as ciências humanas aos quatro cantos do

mundo. Eles conquistaram o mundo com o conhecimento, com a cultura e com a

organização e não só com as espadas e a artilharia.

Os descobrimentos dos portugueses foram uma atividade majestosa. Antes da

chegada dos portugueses aos continentes asiático, americano ou à India, já existiam

civilizações, com milhares de anos e em alguns casos mais avançadas do que a

própria civilização europeia. Há estudiosos que duvidam que os europeus estivessem

convencidos do centralismo da Europa.

Portugal teve um grande sucesso com os descobrimentos, mas há custa de muitas

dificuldades e sofrimento. Há muitos escritos sobre o naufrágio de barcos, guerras,

separações, lágrimas, mortes etc. Mas mesmo assim, os portugueses também acham

que foi um feito glorioso, como o poeta Fernando Pessoa que escreveu o seguinte

poema, de «Mensagem»:

"Ó mar salgado, quanto do teu sal.

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar.

Para que fosse nosso, o mar!

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36

Valeu a pena? Tudo vale a pena. Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do bojador, tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e abismo deu, mas nele é que espelhou o céu."30

Outro poeta, Manuel Alegre, criticou os descobrimentos, ele acha que os

portugueses receberam do mar apenas um fruto amargo, que andaram por todo

mundo, e no fim descobriram que o seu lugar era mesmo em Portugal. No seu

poema sobre Portugal, “Chegar aqui” lê-se:

"Portugal

O teu destino é nunca haver chegada

O teu destino é outra índia e outro mar

E a nova nau lusíada apontada

A um país que só há no verbo achar"31

No entanto, a prosperidade de Portugal foi temporária. No final do século XVI,

Portugal começou de repente a perder fulgor. A exploração de outros continentes

exigia muita mão-de-obra, energia e outros recursos e as capacidades de Portugal

eram limitadas.

Não havia grande apoio financeiro à exploração, mas mais importante foi não haver

igualmente consciência comercial para apoiar. Felizmente, o espírito de cavaleiro, o

espírito de aventura, a localização geográfica e as novas técnicas de navegação, em

conjunto, deram o primeiro lugar aos portugueses na aventura das descobertas.

Esse lugar cimeiro não se manteve por muito tempo. A Portugal faltava uma

sociedade forte para apoiar a economia e a experiência bancária como em Itália ou

na Alemanha. O mundo era na altura demasiado vasto, e um país pequeno como

Portugal não foi capaz de o controlar. Havia muito dispêndio de recursos em troca de

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poucos recebimentos. José Saramago pensava que "Portugal não ganhou nada de

bom com a exploração." 32

O esplendor de Portugal esfumou-se com a morte de el Rei D. Sebastião na batalha

de Alcácer-Quibir. D. Sebastião era um rei jovem, corajoso e sonhador, e

apercebendo-se do enfraquecimento da nação, decidiu, em 1578, partir com o seu

exército para Marrocos, para fortalecer a presença portuguesa no norte de África.

Como nenhum dos sobreviventes presenciou a sua morte, os portugueses

conservaram a esperança de que ele não tivesse realmente morrido. Acreditavam

também que ele iria voltar a Portugal para continuar a construção do país.

Na literatura portuguesa existem inúmeras referências a esta lenda que assume uma

natureza mitológica.

No imaginário do povo, D. Sebastião havia de regressar a Portugal e o povo esperou

por ele. Muitos portugueses acreditavam que o rei regressaria numa manhã de

nevoeiro, o que tinha a ver com o forte lado nefelibata e saudosista dos portugueses.

Este pensamento prova que os portuguese tinham consciência do enfraquecimento

do país. O regresso de D. Sebastião nunca se concretizou. A única verdade foi o

desejo geral do seu regresso. Esta consciência coletiva tornou os portugueses mais

tristes e sentimentais, eles gostam de acreditar na mitologia e de ter esperança em

coisas irreais. Este pensamento também tem uma grande influência na literatura

portuguesa.

Fernando Pessoa na sua obra também falou sobre o regresso de D. Sebastião para

construir um novo Portugal capaz de controlar o mundo.33

Mas na verdade, D. Sebastião nunca mais voltou, o que surgiu, mais tarde, foi a sua

estátua, que embeleza uma praça de Lisboa.

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Depois da morte de D. Sebastião Portugal foi ocupado pelos espanhóis até 1 de

dezembro de 1640, altura em que houve um golpe de estado que deu origem à

restauração da Independência.

A proeminência de Portugal desapareceu e nos lugares cimeiros dos descobrimentos

no mundo foi substituído pelo Reino Unido e a Holanda.

Portugal "desapareceu "do mapa do mundo como se fosse um barco naufragado na

vastidão do oceano. No palco do mundo, já não há lugar para Portugal, a sua voz

tornou-se muito fraca na cena internacional; não há coisas novas para mostrar.

Na época dos descobrimentos, viveu o majestoso poeta Luís Vaz de Camões que na

sua obra-prima “Os Lusíadas “descreveu em rima a epopeia dos descobrimentos.

Eduardo Lourenço expressou o seguinte: "em todas as atividades da nossa cultura, o

que é mais permanente é a fusão do nosso mundo, eventualmente a relação de

harmonia com a natureza e ao mesmo tempo com os nossos defeitos e fracassos, a

consciência de ser feliz na tristeza, ou de estar triste na felicidade. " 34 Os

portugueses inventaram uma palavra especial para expressar essa maneira especial

de sobreviver: a saudade.

A cultura de Portugal formou-se na Europa, no entanto as diferenças étnicas e

históricas entre outras particularidades deram origem a uma cultura com

características distintas das de outros países europeus e isso é visível na maneira

como os portugueses comunicam, eles usam as suas sensações, emoções e

experiências, no sentido de construir uma imagem do "outro”.

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Notas de Rodapé de capitulo 2.1

21 Marco Polo, milhão, 1º edição,1999

22 Mandeville, o visto e o ouvido do oriente,1945

23 Odoric of Pordenone, Odoric,1956

24 Peter Rietbergen, A Culture history, psychology press, 1988, P.234

25 Leften Stavrianos,The World to 1500: A Global History (1970; 3rd ed. 1983; 7th ed. 1999)

26 Adam Smith, the Theory of Moral Sentiments (1759), P45

27 José Hermano Saraiva,Uma carta do Infante D. Henrique (1948),p 56

28 Eduardo Lourenço,O Comércio do Porto (1960), P32

29 Jacinto do Prado Coelho,Dicionário de Literatura, 1969, P55

30 Fernando Pessoa,Mar Português, Mensagem ,lisboa(1934)

31 Maunel Alegre, Atlântico, em 1981, lisboa

32 José Saramago ,As Pequenas Memórias, 2006, P 57

33 Fernando Pessoa, Mensagem , p77

34 Eduardo Lourenço, Tempo e Poesia (1974), p 78

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2.2 Apresentação de alguns aspetos da imagem da China na literatura portuguesa

do século XVI ao XX.

A. Aspetos inicias

No início do século XVI, os portugueses apenas sabiam que havia na Ásia um lugar

chamado Qinren, e ainda não sabiam a localização da China.

Para os portugueses do século XVI, a Índia não era apenas a península índica, era o

oriente inteiro, que começava no cabo boa esperança e ia até ao japão e às ilhas do

oceano pacífico.

Ainda antes de 1548, os portugueses começaram a explorar a costa da China (mas

não contataram o Qindan como foi descrito no livro de Marco Polo) e a fazer negócio

ao longo desta costa.

Do mesmo modo, ao lugar da China, eles seguiram a designação dos indianos e

chamaram-no de chins (o lugar de chins). Esta palavra é a transliteração de Qin(ren).

Em Malaca, os portugueses contataram com os chineses pela primeira vez. Este

contacto foi descrito num livro intitulado “Descobrimentos” de autor desconhecido.

De acordo com o escrito por este autor, os chineses eram altos e robustos, com

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barba fraca e sempre cortada, olhos pequenos, ossos malares afastados do nariz,

cabelo comprido e a cara muito plana.

Este livro também contava que o capitão do barco chinês convidou os portuguese

para jantar na sua embarcação, e também que os chineses comeram muito, mas não

beberam muito vinho, que a refeição tinha muitos temperos e alho e que tinham

sido usados faca e garfo para comer. A comida para o jantar era frango e porco

cozido, e a sobremesa era mel, doce e várias frutas. Foram usados talheres de prata,

e o vinho era branco e servido em copos de porcelana.

Os dois povos conheceram-se assim inicialmente apenas por hábitos de vida e

aparência exterior. De qualquer maneira, o primeiro contato foi favorável - os

chineses deixaram boa imagem na memória dos portugueses.

Em 1513, Jorge Álvares orientou um grupo de barcos que chegou à de ilha de Tamão,

perto de GuangZhou. Naquela altura da dinastia Ming, foi implementada a estratégia

de proibir os negócios pelo mar, ficando assim os barcos estrangeiros proibidos de

entrar nos portos chineses, por isso o barco de Jorge Álvares apenas estacionou nas

ilhas ao largo da China. Esta viagem fez chegar a Lisboa muitas notícias da China.

Em 1515, Rafael Perestrelo35 comandou a frota em que os portugueses chegaram à

China pela segunda vez. O objetivo dele também era o comércio e obteve muito

dinheiro, e também muita informação acerca dos chineses (Os chineses são gente

boa e simpática que gosta de paz e amizade).

B. Aspetos negativos

Os portugueses que mais cedo chegaram à China podem dividir-se em três tipos:

O primeiro foi o político e o diplomático. Eles tinham tarefas junto do imperador e

família, e a responsabilidade de fazer contatos no país, ou de fazer conquistas, como

por exemplo Afonso de Albuquerque.

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O segundo tipo foram os missionários e pregadores. Eles chegaram com muito boa

preparação e o seu objetivo era pregar o catolicismo no Oriente. Ajudaram muito na

comunicação entre as culturas Ocidental e Oriental.

O terceiro tipo foram os negociantes, os aventureiros e os piratas. Estes viajaram

para fora do seu país motivados por sonhos de riqueza.

Provinham de diferentes classes sociais e tinham diferentes propósitos ao chegar à

China, mas cada um deles à sua maneira descreveu, esclareceu, melhorou, ou

inverteu a imagem da China que inicialmente existia na Europa e que foi descrita

como muito imaginária e algo falsa.

Viajando por estes novos caminhos marítimos, foram os portugueses que trouxeram

notícias da China para a Europa. Os portugueses contactaram os chineses

diplomaticamente. Estes contactos foram impressionantes e sem nada de bom ou de

poético para contar, e no final acabaram por ser trágicos.

Os portugueses não foram bem tratados como Marco Polo, quando esteve na China,

o destino deles foi uma cela escura, em vez do palácio majestoso.

Depois da ocupação da Índia e de Malaca, seguiu-se a exploração ambiciosa do

Oriente, e por isso, foi dada muita atenção à recolha de informações dos países da

Ásia, como reportam os livros deixados pelos portugueses. A China e a Índia foram os

dois países que despertaram mais atenção.

Utilizando informações recolhidas em Malaca e nas duas viagens até à zona costeira

chinesa, houve dois autores portugueses, que tinham vivido no Oriente, que

escreveram livros sobre a China. Foi a primeira vez que a imagem da China foi

descrita na literatura portuguesa. Estes dois autores foram Tomé Pires e Duarte

Barbosa.

Em 1514, Tomé Pires antes de ir à China (posteriormente foi o primeiro embaixador

português enviado para este país), usou informação já recolhida e escreveu "Suma

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oriental"36, o primeiro livro, completamente sobre o Oriente, e entregou-o ao rei

para ser utilizado na estratégia de conquista do Oriente.

A China era há muito conhecida no sudeste asiático como um lugar vasto e rico, e o

seu povo era admirado e respeitado. Tomé Pires não concordava com esta

apreciação e escreveu sobre esta avaliação dos países orientais.

O autor duvidou e isso surpreendeu todas as pessoas, o autor não descreveu uma

China melhor do que o país real.

O historiador Rui Loureiro analisou esta posição que explicou do seguinte modo:

"Tomé Pires tinha esta opinião porque antes de 1515, os conhecimentos dos

portugueses sobre a China eram ainda muito limitados, e o que já era conhecido

sobre a China não correspondia às expectativas.".37

Tomé Pires estava muito desapontado por o imaginário sobre este país não

corresponder à realidade então conhecida. Tomé Pires descreveu a aparência dos

chineses, a roupa e a comida: Os chineses têm pele branca como a nossa. A maioria

usa roupa comprida preta parecida com a nossa, apenas mais comprida. No inverno

cobrem as pernas com mantas e calçam botas requintadas. Vestem roupa de pele de

cabrito, borrego ou de outros animais. Usam o cabelo despenteado e envolto numa

rede de metal fino, do tipo da utilizada pelos pescadores. Os chineses comem carne

de porco, vaca e de outros animais.

Eles gostam de beber qualquer bebida mesmo com mau sabor e elogiam os nossos

vinhos, que gostam de beber sem moderação38. Naquela altura, os principais

inimigos, dos portugueses no Índico e sul da Ásia eram os muçulmanos. Os chineses

ao comerem carne de porco mostravam que não eram hostis para com portugueses,

dado que até tinham este mesmo hábito alimentar. Tomé Pires esteve em Malaca e

os contactos com os chineses eram limitados, mas em vez de pujança ficou com uma

imagem de pouca nobreza e moralidade, Ele disse: "os chineses são frágeis e magros,

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desonestos e ladrões e isso é o que se chama de defeitos humanos.39 Tomé Pires

referiu que a China era rica, mas não era forte.

Esta conclusão foi igual à de outros portugueses que regressaram a Portugal. Tomé

Pires achou que" não era difícil para o Governador de Malaca conquistar a China,

porque as pessoas eram débeis e era muito fácil derrotá-las. " 40"Ele achou também

que a China ao implementar as regras de proibição no mar e ao não deixar os

estrangeiros entrar em Guangzhou revelava medo de mostrar as próprias

fraquezas."41

Os chineses não queriam viajar para Guangzhou por terem medo dos javaneses e

dos malaios, e na verdade, em batalha naval, estes países já tinham derrotado uma

frota de vinte barcos chineses.

Eles são débeis e temem os javaneses e os malaios. Na realidade um barco de

quatrocentas toneladas conseguiu destruir a cidade de Guangzhou, o que

representou uma grande perca para a China. Marco Polo tinha criado uma imagem

da china poderosa, mas do ponto de vista de Tomé Pires, a China era frágil.

Tomé Pires também escreveu que tanto o imperador da China, como o povo chinês

não acreditavam na religião católica. Para os portugueses isso era motivo de

preocupação pois um objetivo da exploração dos portugueses era espalhar a fé

católica, e por isso davam muita atenção aos fiéis religiosos.

Tomé Pires também achou que ser imperador da China não era um cargo hereditário,

mas sim objeto de eleição pela “corte” ou pela associação dos funcionários públicos.

No entanto esta descrição era incorreta. Na China o imperador é que escolhia o

diretor da associação, e não o contrário. Tomé Pires fantasiou uma China

democrática há 500 anos atrás.

"Suma oriente" escrito antes de Tomé Pires ter estado na China, continha muitas

incorreções, mas algumas descrições eram muito objetivas.

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O autor entregou este livro ao rei de Portugal com propósitos políticos, com o fim de

ser lido pelo monarca e pelos chefes da exploração no Oriente. Tomé Pires ao

escrever este livro, teve, pois, o cuidado de respeitar as informações que recebeu, e

não cair em exageros, como aconteceria provavelmente se o livro se destinasse a

outros públicos mais ávidos de fábulas coloridas.

Duarte Barbosa, contemporâneo de Tomé Pires, foi um navegador que escreveu uma

série de manuscritos reunidos no "Livro de Duarte Barbosa".42

Num desses manuscritos fez a relação do que viu e ouviu no Oriente. O conteúdo é

semelhante ao de "Suma Oriente". Também descreveu o imperador da China como

pagão, a pele dos chineses como branca e os seus olhos como pequenos.

Revelou que os chineses tinham muita dificuldade em entrar no mar e que não eram

um povo bélico, sendo, no entanto, muito bons negociantes. Através das descrições

comuns às duas obras conseguiu-se perceber com mais certeza alguns aspetos da

realidade chinesa.

Quanto Tomé Pires visitou a China, no seu grupo expedicionário, viajava igualmente

Cristóvão Vieira que após uma malograda tentativa de entrevista com o imperador

da China foi enviado para uma prisão em Guangzhou.

Cristóvão Vieira encontrou nesta prisão um negociante português chamado Vasco

Calvo. Na prisão os dois escreveram cartas que alguém, a pedido, entregou à

representação portuguesa em Malaca. Estas cartas descreviam as suas observações

e a imagem que tinham da China.

Desde a viagem de Marco Polo até às cartas destes prisoneiros portugueses, passou-

se um período de cerca de 250 anos, nos quais a Europa não soube mais nada sobre

a China.

Os relatos contidos nestas cartas foram originados pelas experiências vividas por

estes dois portugueses, por isso tiveram uma dose acrescida de credibilidade. A

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partir daquela altura, a China já não tinha a imagem poderosa transmitida pelo livro

de Marco Polo.

As cartas dos dois prisoneiros portugueses divulgaram muitas novas informações

sobre a China, revelando uma imagem completamente diferente da anterior.

Antes os portugueses tinham tido contactos com a China apenas em alguns lugares,

principalmente na ilha do delta do rio das Pérolas (ao largo de Guangzhou) onde se

situam Hong Kong e Macau.

Do interior da China, por detrás de Guangzhou, os estrangeiros nada mais sabiam. O

tipo de chineses que contactaram com os portugueses também foi muito limitado. A

maioria eram negociantes com estatuto social baixo, que não representavam

corretamente a sua região e muito menos a China na sua globalidade.

Os dois prisoneiros portugueses de Guangzhou estavam na China há quase sete anos.

As suas deslocações começaram em Guangzhou, depois Nanjing e Pequim (acabaram

por atravessar a China). A partir do momento em que se tornaram prisoneiros,

tiveram a oportunidade de conhecer bem a China.

Do ponto de vista de Cristóvão Vieira, a China não era possante, mas sim instável e

perigosa, os povos eram submissos e não tinham coragem para falar. Toda a China

era assim, podendo haver zonas ainda piores, por isso toda gente podia achar bem

que os portugueses entrassem pela China adentro.

Vasco Calvo escreveu que os assaltantes se matavam entre si, porque não havia

nenhuma autoridade a controlar. Os funcionários eram assaltados se não fugissem.

O povo era pobre e bem controlado pelos funcionários. Vieira e Calvo achavam que

Portugal podia ser a salvação da China. Também eles pensavam, tal com Tomé Pires

que a China era fraca.

Posteriormente nas descrições ocidentais sobre os chineses, ficamos a saber que a

imagem dos chineses era de facto negativa: os chineses eram fracos e tímidos e os

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soldados chineses também eram débeis. Quer Vieira, quer Mendoza, Mateu Ricci,

Defoe, ou o chefe da armada inglesa George Anson, menosprezavam os chineses e

os seus soldados, devido à sua fragilidade. Este tipo de imagem foi-se avolumando

cada vez mais, especialmente através das opiniões de Mateu Ricci e Defoe, tendo-se

fixado na memória coletiva dos ocidentais.

Said referiu no livro dedicado ao estudo do orientalismo: quando o ocidental está a

descrever “o outro”, as relações entre o Ocidente e o Oriente são vistas na

perspetiva do observador e do objeto observado.

Os Orientais sempre foram o sujeito observado, e sempre foi descrito como feio,

fraco, efeminado e menosprezado pelos ocidentais.

Os ocidentais eram compradores, usavam o seu discernimento melhor do que os

orientais para observar o Oriente. O poder dos ocidentais era maior e a perceção das

prioridades era diversa. A imagem da China foi criada pelos ocidentais de acordo

com estes critérios.

Estas duas cartas foram escritas por Cristóvão Vieira e Vasco Calvo, eram muito

valiosas, pois continham descrições muito detalhadas sobre a geografia, defesa,

produções e meios de comunicação da China.

Proporcionavam informações estratégicas sobre como conquistar a China. Indicavam

ao rei de Portugal que a China era muito grande, tinha muitos habitantes, mas não

era muito forte. O envio de dez ou quinze barcos era suficiente para a sua conquista,

e para as revoltas do povo a seguir à conquista.

Entretanto, o rei de Portugal e o governador português de Malaca não levaram a

sério estas cartas, porque ninguém acreditava que a China pudesse ser assim tão

fraca.

A China que já vestiu roupagens de ouro, através dos mitos e lendas, constituía um

imaginário muito marcante. A negação desta imagem, mesmo que muito verdadeira,

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exigia muita força para romper com a imagem já estabelecida. A China, ainda era

uma grande esperança para os portugueses.

Naquela altura em Portugal e na Europa, estas cartas não foram vistas por muita

gente, porque provinham de dois prisioneiros, e existia então um ambiente propício

ao elogiar da China.

Embora a imagem que eles descreveram estivesse fora do admissível para a China

naquela altura, estas descrições foram provadas posteriormente pela história, e são

semelhantes a outras já no século XIX.

Uma imagem fixada na mente, vem se calhar de muitas memórias, e também de

muitas confrontações, das viagens do corpo e do espírito, demarcadas pelo tempo,

local, entendimento, psicologia, distâncias, luz e muitos elementos. Tudo pesa na

formação da imagem. Para Vieira havia apenas sombra, a sombra que vinha da

grande China, mas também do interior da prisão.

C) Aspetos Positivos

Outro português que também foi feito prisioneiro na China, teve mais sorte. As

causas desta foram os elogios que formulou sobre a China e que deram início ao

enaltecimento da China pelos europeus. Este homem era Galiote Pereira.

A exploração de Portugal não era apenas um objetivo estratégico do país, mas

também o sonho de todos os portugueses que queriam mudar de vida e que

chegaram à China com diferentes objetivos. Galiote Pereira foi um dos deles. Em

1539, ele chegou à India em busca do seu sonho, como tantos outros portugueses.

Foi vítima do mesmo destino dos outros dois portugueses, Tomé Vieira e Vasco Calvo,

tal como eles foi feito prisioneiro sob a dinastia Ming, mas Galiote Pereira ficou com

uma imagem muito boa da China, nomeadamente do seu sistema de justiça, porque

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foi tratado com imparcialidade e de forma justa, o que evitou a sua sentença de

morte.

Este desfecho foi bom para alterar a relação de equilíbrio entre observador e

observado, tendo sido uma forte razão para elogiar a China.

O juiz chinês não foi vicioso no julgamento em tribunal, e a impressão de Galiote

Pereira em relação aos chineses começou a tornar-se muito positiva. Estes elogios

aos juízes chineses significavam, ao mesmo tempo, uma crítica em relação aos

congéneres portugueses. A posição social daqueles juízes era muito alta em relação

ao resto da sociedade, mesmo assim, eles não tinham a desconfiança de ninguém.

Os juízes chineses tinham ainda uma outra qualidade digna de elogios: eram

respeitados pelos monarcas, mas ao mesmo tempo, também tinham muita paciência

ao receberem o povo. Enquanto em Portugal os estrangeiros que eram levados a

julgamento, dissessem eles o que dissessem, os juízes consideravam apenas aquilo

que lhes aprouvesse e o resto catalogavam-no como mentiras dos réus.

Galiote Pereira disse que "Nós seguimos os costumes chineses para nos

defendermos no tribunal, e eles trataram-nos com tanta paciência que ficamos

surpreendidos, sentimos que no nosso país, os juízes não nos iriam tratar com tanta

paciência. " 43 Galiote Pereira utilizou a sua experiência na China para criticar a

realidade do seu próprio país. Comparou a imagem que, entretanto, formara da

China para questionar e criticar a imagem que tinha do seu próprio país, não utilizou

simplesmente esta para avaliar “o outro”.

A equidade da justiça também se manifestava nas regras que exigiam que as provas

e os interrogatórios fossem feitos em público. Ao passo que no seu país, os

interrogatórios e a apresentação de provas eram feitas somente em presença do juiz,

o que deixava uma grande margem para a corrupção, através do poder do dinheiro.

Mas neste país, além do procedimento dos interrogatórios se processar com

paciência e respeito ainda existiam estas regras que determinavam que o julgamento

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devia ser público e transparente. Havia muito receio do imperador chinês, porque

este era muito poderoso.

Jonha acha que "Galiote Pereira ao usar este processo de comparação para analisar a

cultura chinesa deu origem a um modo de pensamento muito importante no mundo

ocidental"44

Ao contrário do mundo trágico descrito por Tomé Vieira e por Vasco Calvo, aos olhos

de Galiote Pereira a China era cheia de maravilhas e surpresas.

"Eles têm uma coisa muito boa que nos deixa maravilhados, principalmente por se

tratar de um povo pagão. Em todas as cidades há um hospital onde há sempre

muitas pessoas.

Nunca vimos pessoas na rua a pedir e por isso perguntamos qual a explicação. A

resposta era simples, em cada cidade há um lar com as edificações necessárias para

alojar os pobres, os cegos, os deficientes, os idosos e outras pessoas que não

tivessem capacidade de sobreviver sozinhas. Neste lar nunca faltava arroz para

comerem.

As pessoas eram recebidas e a seguir conforme a sua fragilidade: doença, cegueira,

deficiência ou outra pediam em tribunal um comprovativo para provar a sua

condição. Feito isto podiam permanecer no lar mencionado até ao seu falecimento.

Também tinham condições para criar porcos ou galinhas, de modo a que os pobres

não tivessem de pedir para conseguir viver."45

Esta descrição de Galiote Pereira tornou-se simbólica para a imagem da China no

Ocidente e posteriormente apareceu muitas vezes em diversos textos.

Esta narração foi sem dúvida um sinal de esperança para ilusões dos ocidentais. Faz

lembrar o livro "Utopia "de Thomas More: os doentes no hospital público são bem

tratados e segundo o seu grão de prioridade. Em cada cidade e nas cidades vizinhas,

há quatro hospitais, que são amplos e com muitas divisões.

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"Os propósitos são dois: Primeiro, por mais doentes que haja, eles não precisam de

ficar todos juntos por ser constrangedor e desconfortável. Segundo, os pacientes com

doenças infeciosas podiam ficar separados, os materiais infetados não eram

desenvolvidos. Além disso, os tratamentos eram feitos com muita atenção, e os

médicos tratavam diretamente as doenças para as quais estavam melhor habilitados.

Os habitantes só recorriam ao hospital quanto estavam realmente doentes. Num

livro em chinês antigo, também já havia descrições sobre a utopia. " 46

Os hospitais apareceram em Portugal no século XIII, no entanto surgiram muito

tarde na China, ninguém sabe qual o hospital a que Galiote Pereira se refere, mas a

sua descrição mostrou a esperança dos portugueses numa sociedade justa e

abastada.

A exploração trouxe muitos tesouros para Portugal, mas apenas para o rei do país, e

para os religiosos católicos, pois o povo não recebeu nada.

O Povo para além disso, sofreu também com o mau resultado da exploração; 1521

foi um período de fome em grande extensão de Portugal, houve muitas pessoas que

morreram à fome. Pedir comida na rua tornou-se uma situação comum nessa altura.

Mas na china, com base no sistema de esmolas, os deficientes levavam as suas vidas

com alguma independência, enquanto estivessem vivos tinham sempre arroz.

Quer a viagem do Marco Polo, quer nas descrições dos portugueses no século XVI,

sempre foram descritas cidades e casas bonitas, pontes sólidas e caminhos planos.

Foram utilizadas muitas palavras elogiosas. Com Galiote Pereira também foi assim.

Os cristãos achavam que quem não era cristão era bárbaro. Para os ocidentais, quem

era fiel à religião cristã então era também uma pessoa civilizada. Como os árabes

não eram cristãos também foram inicialmente considerados bárbaros, apesar de

terem ensinado aos ocidentais muitos conhecimentos e técnicas, inclusivamente de

navegação.

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52

Na China, a justificação era alterada, como eles não eram iguais aos expedicionários

cristãos eram usadas as regras dos cristãos para avaliar as culturas pagãs. Eles

achavam que os chineses eram pagãos, mas não eram bárbaros, e em muitas áreas

do conhecimento estavam mais a frente, como por exemplo no sistema de justiça.

Galiote Pereira também pensava que estes pagãos em algumas áreas eram melhores

e mais imparciais do que os cristãos.

Galiote Pereira foi uma pessoa que descreveu a imagem da China de uma forma

muito positiva, um país capaz, sem dúvida, de deixar os estrangeiros com inveja. Esta

imagem era uma consequência dos escritos de Marco Polo, mas também continha

novos elementos, dado que a sua experiência de vida na China lhe adicionou mais

autenticidade. Na verdade, com algumas contradições, mas também com mais

justeza.

Prisão, tortura, justiça, simpatia, tesouros etc. são tudo formas num espelho

contrário ao próprio. Então neste caso é a China, talvez não seja a China… cada

observador conseguiu criar uma nova China e ainda a China contrariada pela

realidade.

Galiote Pereira, infelizmente à custa de dissabores na sua vida, propagou um cântico

de elogio aos chineses, e descreveu a China como um bom exemplo para Portugal.

Galiote Pereira teve a sua própria razão.

"Bajociano escreveu assim: o autor descreveu outro país, mas mesmo o escrito era

completamente diferente desse país. O seu imaginário teria influenciado o seu

trabalho. Se calhar a nível pessoal, escreveu um que se identificasse com ele próprio,

e a nível coletivo, outro como uma forma de reclamar, compensar ou explicar a

ilusão da sociedade."47

Galiote Pereira descreveu a imagem da China cheia de palavras elogiosas e os

portugueses começaram a ter da China uma imagem muito positiva, e esta tornou-se

assim num país de utopia. O texto dele influenciou também muito os restantes

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autores quando descreviam a China. Em "Peregrinação "do autor Fernão Mendes

Pinto, e "Tratado das Coisas da China "de Frei Gaspar da Cruz, são influenciados por

aquelas descrições positivas.

Sabemos que a imagem da China antes do século XX era positiva, era uma imagem

de utopia, uma utopia que os ocidentais desejaram.

No século XX, após a revolução industrial, a porta da China foi aberta pelas armadas

ocidentais, e em consequência do maior conhecimento do Oriente, a imagem da

China começou a ter mais aderência à realidade e aos factos concretos.

O povo chinês era descrito como uma raça amarela, delgada, de olhos pequenos, e

que ficava na cama a fumar cachimbo. A ilusão da utopia que o ocidental tinha do

Oriente foi alterada pela realidade.

No século XX, o feudalismo estava perto de acabar na China, havia mais opiniões e

ideias novos originadas pelos ocidentais. Os chineses abandonaram a tradição de

fechar a China e começaram a aprender alguns costumes ocidentais.

Muitas vezes se falhou na guerra, houve muitas invasões armadas, e os chineses

acabaram por mudar o hábito de se fechar em si próprios, e abandonar o

pensamento de que a china era o centro do mundo, e as culturas exteriores não

interessavam.

Sendo que o século XX foi um século de mudanças. Foi o século em que os ocidentais

realmente conheceram o oriente e a China. Foi o século em que a China abriu

completamente as portas e recebeu a cultura ocidental. Houve também muitas

revoluções no mundo e apareceram novas ideias de capitalismo, e de comunismo,

etc. A imagem da China tornou-se outra vez negativa na cultura ocidental e tem-se

mantido assim até ao presente.

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54

Para analisar a imagem da China faz muito sentido estudar as alterações ocorridas no

século XX, os autores portugueses que viveram na China e em Macau, assim como a

imagem da China na literatura portuguesa contemporânea do século XX.

Portanto, o que se segue na segunda parte deste trabalho é uma análise da obra da

autora portuguesa Maria Ondina Braga.

Notas de Rodapé de 2.2

35 Rafael Perestrelo https://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael_Perestrelo

36 Tomé Pires, Suma Oriental (1515)

37 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 89

38 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 66

39 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 56

40 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 101

41 Tomé Pires,Suma Oriental (1515)

42 Duarte Barbosa, Livro de Duarte Barbosa,1896

43 Galiote Pereira, Several of the Portuguese survivors of the 1549 incident and the subsequent

imprisonment and exile wrote accounts of their experiences. The first of them was published as early

as 1555. However, Galeote Pereira's is considered the most complete, and is the best known

44 Jonha, Proust Was a Neuroscientist. Boston, MA: Houghton Mifflin Harcourt. 2007

45 Galiote Pereira,

46 Thomas More,Utopia,publicada em 1516. P90

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55

47 Bajociano, Autor chinês, publico o livro o estudo de imagem em 1980, beijing. P 48

Parte II

4- Apresentação da imagem da China descrita pela autora Maria Ondina Braga

4.1 Vida e obra

Vi terras da minha terra.

Por outras terras andei.

Mas o que ficou marcado.

No meu olhar fatigado.

Foram terras que inventei.

(Manuel Bandeira) Poeta Brasileiro

A primeira vez que eu ouvi falar da autora Maria Ondina Braga foi no Mestrado em

Estudo Portugueses na FCSH da UNL. Muito pouco estudada esta autora, é uma

autora que teve muita experiência no Oriente, e a sua vida foi marcada por

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56

constantes deslocações geográficas em terras, à época colónias de Portugal - Angola,

Goa e Macau - e Inglaterra, França e China. Grande parte do substrato da sua ficção

espelha essa vivência itinerante. Através das viagens, surgiu a literatura itinerante,

através de literatura itinerante, surgindo a imagem do outro país, através da imagem

do outro país, surgiu o estudo de imagem na literatura do próprio país corrente. Por

isso, este trabalho vai analisar especificamente a imagem da China tal como foi

exposta na obra de Maria Ondina Braga, intitulada: A China Fica ao Lado.

Nasceu em Braga a 13 Jan 1932. aquela que viria a ser uma grande escritora

portuguesa, de seu nome Maria Ondina Braga. Frequentou o liceu na mesma cidade,

onde viria a publicar os seus primeiros trabalhos. Ainda adolescente, parte para

Inglaterra, tendo estudado em Cambridge. Aí concluiu um curso superior de Língua

Inglesa. De seguida, parte para Paris, frequentando a Aliance Française. Após ter

estudado e trabalhado nestes dois países, vai para Angola, Luanda, como professora

do ensino secundário. No ano seguinte, foi para Goa, onde se encontrava no

momento da ocupação do território pelas tropas indianas, o que a obrigaria a viajar

para Macau e depois para Pequim.

Aqui terá sentido empatia com os locais, o que a faz regressar, triste e saudosa a

Portugal, dando origem a uma das mais pungentes narrativas no conto "Angústia em

Pequim (1984)", de acordo com a própria como expressão do seu reconhecimento ao

povo chinês. Aliás, ela viveu com a consciência "orgulhosa" de ter contribuído para o

estabelecimento das relações culturais entre Portugal e a China. "Segundo as suas

próprias palavras, "Não posso esquecer que os chineses tenham julgado útil a

presença de uma escritora como eu para reiniciar relações culturais entre os nossos

dois países que, de tão distantes, quase um para o outro se tornaram fabuloso." 48

Colaborou em diversos jornais e realizou trabalhos de tradução, de crónicas, de

biografias, de contos, e de romances. São de destacar os escritores tão importantes

como Graham Greene, Pearl Buck, Bertrand Russel, John le Carré. Herbert Marcuse.

Anais Nin ou Tzvetan Todorov, em simultâneo com a sua própria escrita literária.

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57

Com longas estadias no Oriente, Maria Ondina Braga dá seguimento a uma tradição

do imaginário asiático na literatura portuguesa do início do século XX. A experiência

do oriente está presente em quase toda a sua obra. Depois de ter vivido em Lisboa

muitos anos Maria Ondina Braga regressou à sua terra natal, Braga, onde faleceu em

14 de março de 2003.

Iniciou-se na poesia com "O Meu Sentir "(1949) e "Almas e Rimas "(1952). Depois de

uma tentativa poética, encontrou o seu caminho na prosa, um misto de literatura de

viagem, de memorialismo, de crónica e de ficção. Em 1968 surgiu a sua primeira obra

de ficção, "A China Fica Ao Lado"49, seguida por "Estátua de Sal "50, "Amor e Morte

"51, "Os Rostos de Jano "52, "A Revolta Das Palavras "53, "A personagem "54, "Mulheres

Escritoras "55, "Estação Morta."56 "O Homem da Iha e Outros Contos "57, "Lua de

Sangue”58," Noturno Em Macau"59 e a "A rosa de Jericó "60

Estes títulos deram-lhe um lugar de relevo indiscutível no panorama da literatura

contemporânea.

Deixou-nos uma obra de grande mais valia literária e dimensão humana, embora não

tenha tido ainda o destaque que merece.

Após a sua morte, os deputados da Assembleia da República, como reconhecimento

pelo seu trabalho, elaboraram um voto de pesar. Nesse documento ficou o

testemunho de que a escritora teve " a força e a arte de transformar a sua vida e as

suas experiências em páginas de grande literatura,"61 destacando-se exatamente a

obra aqui em análise, A China Fica ao Lado, que já Eugénio Lisboa havia qualificado

de " invulgarmente atraente" 62 devido ao facto de ser feminina e incómoda.

Este facto de ser uma escrita com uma arte tão subtil na sua simplicidade, que evoca

a solidão da mulher a partir da própria solidão da autora, tem sido referido por

vários críticos. João Gaspar Simões mencionou esse aspeto fulcral da sua escrita a

propósito do Romance A Personagem63. A Solidão e o silêncio que caracterizaram a

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58

sua existência são na verdade os grandes vetores da alma de uma obra de notável

mais valia literária que a grande maioria dos portugueses desconhece.

Depois da sua morte, começam a surgir algumas homenagens: um prémio literário,

exclusivo para cidadãos nacionais ou estrangeiros desde que naturais ou residentes

nos distritos de Braga e Viana do Castelo, e uma rua com o seu nome.

Notas de Rodapé de 4.1

48 Maria Ondina Braga, Estátua de sal, (Romance,1969—Autobiografia Romanceada),p33

49 Maria Ondina Braga, A China Fica ao Lado ( Contos de inspiração chinesa escritos em Macau-

Prémio do concurso de Manuscritos do SNO EM 1966 e Prémio de Revelação

50 Maria Ondina Braga ,Estátua de Sal (Romance,1969—Autobiografia Romanceada)

51 Maria Ondina Braga, Amor e Morte (Contos,1970—Prémio Ricardo Malheriros)

52 Maria Ondina Braga, Os Rostos de Jano (Novelas, 1973)

53 Maria Ondina Braga, A Revolta Das Palavras (Contos e Crónicas, 1975)

54 Maria Ondina Braga, A personagem (Romance, 1978)

55 Maria Ondina Braga, Mulheres Escritoras (Biografias, 1980)

56 Maria Ondina Braga, Estação Morta (Contos e Novelas, 1980)

57 Maria Ondina Braga, O Homem da Iha e Outros Contos (Contos e Novelas, 1984)

58 Maria Ondina Braga, Lua de Sangue (Novelas, 1986)

59 Maria Ondina Braga, Nocturno Em Macau(Romance, 1991—Prémio Eça de Queirós)

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59

60 Maria Ondina Braga, A rosa de Jericó (1992) e Vida Vencidas (1998-Grande Prémio de Literatura

ITF 2000)

61. https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Ondina_B

62. Eugénio Lisboa,Indícios de Oiro-Volume II.INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda, Edição:08-

2009

63. João Gaspar Simões, Pântano,1940,2ª ed .1946

4.2 A experiência no Oriente

A frase lapidar “Macau é mais do que um lugar, é uma constelação de sentidos

expressos ao longo de séculos, em diferentes línguas, na escrita de autores que ali

nasceram, viveram ou passaram”64, também elucida bem a experiência de Maria

Ondina Braga. Aliás, é opinião de Lourdes Câncio Martins65 bem como de Ana Paula

Laborinho 66que quem esteve em Macau não esquece Macau quando regressa, o que

podemos verificar também com a nossa escritora bracarense.

Num colóquio, Michela Graziani, investigadora de Florença que na sua Tese de

Doutoramento se debruçou sobre a obra de Maria Ondina Braga, salientou que «o

escritor que está de passagem pode oferecer: um olhar profundo e um

conhecimento diferente da literatura desse local. Um olhar profundo com uma visão

ocidental a refletir a imagem da China, e de Macau”. 67A imagem também é um

espelho, através do qual, reflete o próprio ocidental e um novo oriental já filtrado

pelo ocidental.

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60

A relativamente curta estadia de Maria Ondina Braga em Macau permitiu-lhe,

através da escrita, falar da miscigenação das gentes do território, algo que

permanece até aos dias de hoje, e dá à sua obra uma pungente intemporalidade.

Macau é um espaço de encontro de muitas e desvairadas gentes, desde o dia em

que os portugueses e os chineses, por força de circunstâncias mais adivinhadas do

que provadas, tiveram de comunicar. A cultura de Macau para os europeus é, com

certeza, uma cultura oriental, entretanto para o povo chinês, é apenas uma cultura

oriental misturada com outras ocidentais, é um lugar de mistura e coexistência de

várias culturas.

MOB foi uma escritora e viajante inquieta e inquietamente em trânsito pela escrita e

pelos espaços da portugalidade, falando-nos com uma subtileza única dessa atração

pelo enigma de Macau.

A cidade foi-se alterando aceleradamente. Por isso, enquanto a fugacidade e o

provisório se revelavam como conceitos simbolizadores da rutura iminente,

emergiram diversos textos, entre os quais os de Maria Ondina Braga, em que era

visível uma procura de rememorações que procuravam resistir à voracidade do

tempo. Neste fluxo de sucessivas rememorações, Macau surge nos textos como um

local privilegiado de diferentes identidades culturais. Este fenómeno aconteceu em

Macau e Hong Kong.

A cultura do interior da China é muito característica, e evoluiu também com o

feudalismo e posteriormente com o comunismo. Macau também teve influências

desta China interior. Com a colonização de Portugal, chegou a cultura ocidental, mas

esta não teve poder suficiente para conseguir transformar Macau numa cidade de

cultura ocidental.

O que apareceu foi apenas o fenómeno da coexistência. Os descobrimentos e

colonização dos portugueses foram no sentido de aprender a conviver com os

nativos, e até a casar com eles, e nunca teve por objetivo a sua coação.

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61

Em conclusão, os portugueses em Macau descreveram a imagem da China um pouco

diferente da imagem da China do interior. A autora Maria Ondina Braga foi um

pouco diferente, porque ela não esteve apenas emMacau.

A escritora que viveu outros deslocamentos sucessivos (Angola, Goa, Hong Kong,

Beijing, além de Macau) enunciou a viagem como uma forma possível de obter

diferentes consciências do universo. Diferentes consciências incluindo a do povo

chinês, do povo indiano, do povo goês etc. Nos seus percursos, escritores e poetas

como MOB foram produzindo um inventário de referências a Macau, sobrepondo

vivências de cidades e tornando-se cúmplices de outras culturas.

A sua experiência aponta, pois, para a diversidade cultural que a literatura em língua

portuguesa pode abranger, motivando um questionamento permanente acerca da

sua função na interação comunicativa multicultural. É também por isso que retomo a

afirmação inicial de que Macau excede em significado o nome de um lugar e a sua

história para se converter " em constelação de sentidos expressos ao longo dos

séculos, em diferentes línguas, na escrita de autores que ali nasceram, viveram ou

passaram como MOB.

Nesse sentido, a Literatura de Macau evidencia algumas diferenças da Literatura

Portuguesa, especialmente quanto à temática, à qual não é alheia a influência da

cultura ocidental que se faz sentir, a partir de meados do século XVI, com a chegada

dos portugueses.

Templos, casas de chá, farmácias, moradias, jardins, constituem marcas do universo

cultural chinês. Aliás, neste território chinês, na altura sob administração portuguesa,

outras culturas provenientes de comunidades da Ásia, da Europa e de África

passaram a integrar o seu universo. Por isso, a sedução de Macau está nessa mistura

de pessoas, povos, hábitos e construções. Exemplificamos melhor este aspeto: um

templo chinês, um pagode, um convento, uma mesquita, uma simples casa chinesa

ou um palácio português formam um conjunto híbrido onde se interligam as mais

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62

variadas culturas e formas, que, cristalizando ao longo de quatro séculos,

transformaram aquele organismo urbano num acontecimento único.

Notas de Rodapé de 4.2

64. 周宁,中国作家,比较文学,写于 1999 年,北京,34 页

(Tradução:Zhou Ning, Autor Chinese, literatura comparada , 1999,beijing, p34)

65. http://www.comparatistas.edu.pt/investigadores/membros-integrados/maria-de-lourdes-cancio-

martins.html

66 https://idi.mne.pt/pt/39-curriculos/282-ana-paula-laborinho.html

67 Michela Graziani, tese de Doutoramento analisa a obra Maria Ondina Braga, 2003

4.3 O tipo das personagens da sua obra

Quatro séculos depois de Fernão Mendes Pinto, uma escritora de voz singular

descobriu a China milenária - a sua sabedoria, as suas tradições e os seus mitos.

Encontrou-a num lugar de convergência, Macau, onde se debatiam e se ajustavam

duas almas coletivas, dramatizando uma extensa galeria humana: velhas de pés

atados, médicos de práticas escusas, vendedores de produtos exóticos, adivinhos,

refugiados, mulheres sem rumo - figuras entre o real e o sonho, inquietas, trágicas,

inesquecíveis.

O presente capítulo vai analisar o tipo das personagens desta obra. Através do tipo

das personagens chinesas descritas para conhecer a imagem da China, como foi

descrita pela autora Maria Ondina Braga.

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63

Através da descrição das personagens chinesas, transparece o modo como o povo

chinês trata das coisas, e forma-se uma imagem que se reflete nos próprios

ocidentais. As descrições das personagens chinesas são como um espelho, um lado

reflete a imagem da China, o outro lado reflete os próprios ocidentais. Isso já foi

mencionado atrás, faz muito sentido para conhecer a imagem do outro, conhecer-se

a si próprio. Cultura comparada, literatura comparada, tudo faz parte deste espelho.

Somos um espelho, mas também somos uma imagem no espelho. O poeta “Molana

Jalaluddin Rumi disse que o espelho de mim está a refletir-te a ti, naquele momento,

eu também sou tu. Há muitos filósofos a repetirem esta opinião. Tu existes por isso

eu também existo 68

A análise do tipo de personagens deste livro, conto a conto, vai mostrar um novo

panorama.

O quadro esquema é um resumo do tipo de personagens deste livro.

Conto Designação da

personagem

Descrição Que Imagem

Reflete

A imagem é

positiva ou

negativa

A China Fica

ao Lado

Doutor Yu

Avó

Neto de avó

Doutor Yu

moderno,

elegante,

Avó era chinês

exilado,

Uma imagem

Doutor Yu

apresenta

uma nova

imagem da

China, outra

imagem da

avó apresenta

uma imagem

da China

tradicional.

A imagem do

Doutor Yu é

positiva. A

outra imagem

da avó é

negativa. A

neta da avó

foi fazer um

aborto que

ocasionou

estas duas

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64

imagens.

Os Espelhos Miss Carol uma mulher

sensível e

frágil, triste,

solitária,

pobre,

misteriosa

Ela era de

mestiça de pai

inglesa e mãe

chinês. A

imagem

refletida é

uma mescla

entre o novo e

o tradicional.

Uma imagem

um pouco

negativa

ódio de Raça

Tai-ku

Tai-ku Inocência e

fidelidade de

mulher

chinesa

tradicional,

feudal e

religiosa.

Uma imagem

de mulher

chinesa

tradicional

Negativa

O Homem de

Meia Vida

O homem Homem

viciado em

ópio

Uma imagem

de um homem

doente

Negativa

Fong-Song Sam-Ku Mulher

tradicional

chinesa

Uma imagem

de uma

mulher

tradicional

chinesa

Negativa

O filho do sol Francisco O filho

mestiço de

uma chinesa e

de um

português

Uma imagem

de uma

sociedade

feudal que

não aceita o

Negativa

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65

filho mestiço

Lázaros A-Mou Mulher

chinesa,

dorida e

angustiada

Uma imagem

de mulher

triste

Negativa

O homem do

sam-lun-chê

Chenong um homem

tradicional

chinês, com

um filho

adotado, de

feições mistas

de chinês e

europeu, e de

pele clara

Uma imagem

de convivência

cultural com o

Ocidente

Negativa

A magia Menina

Vong kei

Menina que

recorreu à

magia para ter

um filho em

vez de uma

filha

Uma imagem

feudal

Negativa

Morte A avó Mei-Lai Uma mulher

chinesa

indigente,

muito

trabalhadora

Uma imagem

da mulher

tradicional

chinesa

Negativa

Doida Uma mulher Uma mulher

em desgraça

Uma imagem

da mulher

tradicional

chinesa

Negativa

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66

4.4. Analisar os vários tipos das personagens

O primeiro conto é “A China Fica ao Lado”, que dá o título ao livro. Este conto mostra

duas imagens da China, uma imagem da China antiga, outra da China nova, deixando

uma pergunta ao protagonista - poderia voltar à China ou ficar ao lado da China?

Uma nova imagem da China é representada pelo doutor Yu, as seguintes descrições

são do doutor Yu:

"Bem que os chineses educados eram discretos. O doutor Yu !... Então muito jovem o

doutor Yu, mas já a caminho da fama. O doutor Yu entrou. Homem de mais de

sessenta anos, algo curvado, rosto sério. Por momentos ela pensou que se tinha

enganado. Outro doutor Yu? Onde estava a elegância, a riqueza de que a avó falava?

O doutor Yu não queria saber coisa alguma. Era chinês e exilado. Aceitava tudo, até o

que a outros poderia parecer inaceitável."69

O Dr. Yu, homem marcado pelo tempo e pela mudança do sistema político chinês foi

um homem elegante, rico e atencioso, dono de uma maternidade de luxo, onde os

instrumentos clínicos eram moderníssimos para a época.

Por outro lado, numa imagem da China antiga, é descrito o seguinte sobre a avó e a

recordação dela:

"Era a primeira vez que chorava desde que deixara a casa de seus maiores, desde

aquela noite de infância em que os soldados haviam podido ouvir os gritos de dor da

avó por entre as gargalhadas dos militares. Pobres de pés estropiados ! Tinha

chorado justamente por isso. Um orgulho, essa avó de sapatinhos de cetim no

pezinho de fada. Última coluna da mítica, venerável ancestralidade, despedaçada

sem dó num ímpeto de mãos brutais. Sim, fora pelos pés da avó que então chorara.

Aquilo era como profanar o templo, como desonrar os mortos. Com o desligar dos

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67

pés da anciã, instintivamente ela sentira não apenas o ruir do seu belo mundo de

menina, mas o aviltamento de toda uma tradição....nessa noite a avó morrera

pateticamente e, com a avó, a China de antanho....A avó agarrada a antigos

preconceitos, constantemente a falar de nomes que já não existiam....Algumas avós

vendiam as netas a chineses ricos, a marinheiros bêbados, a barracas de feira.." 70

Na imagem descrita da avó, o termo fulcral é: pés estropiados! Agora, é pobre,

curvada, com rosto sério, indiferente ao meio que o circundava, apesar de simpático

e atencioso, o que é visível na observação da protagonista quando rememora para si.

Assim surge uma forte comparação entre a China tradicional e a nova China. No

século XX, em 1945 foi estabelecida a República na China. No final do século XX,

perdurava a geração que nasceu no início do século XX em convívio com as novas

gerações nascidas, entretanto. A China estava a mudar, e na narrativa deste conto, a

mudança pode ver-se quando a neta vai fazer um aborto. É como se esta

personagem simbolizasse a transição da Velha China para a China moderna.

Na obra, a personagem feminina que procura o doutor Yu para efetuar o aborto do "

filho que enjeitara", encontra-se muito mais dilacerada pela perda da avó do que

pela situação em si, rememorando essa fatídica noite, porque ela exprime esse sentir

coletivo da população macaense. Veja-se a seguinte passagem:

"… E sem saber explicar, sem sequer entender, sabia que continuava a chorar pelos

da avó. Tudo se resumia nessa noite. Toda a dor refletia essa dor. Mas não

simbolizavam, afinal, os pés atados da avó ao longo e destino forçado da mulher? O

mesmo destino que a tolhia, a angústia que nesse instante lhe subia à garganta?" 71

O destino da mulher na sociedade é muito dependente dos homens. Uma mulher

que praticou um aborto, como é que vai conseguir casar-se com um outro homem?

Por isso, através desta descrição, percebe se que a autora já tinha observado que

naquela altura da sociedade chinesa, a mulher tinha uma posição inferior na

sociedade.

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68

Aos olhos dos ocidentais, na China a mulher não tem liberdade nenhuma. A autora

descreveu uma personagem feminina assim no texto, de certa maneira, parece que

está apenas a descrever a imagem da sociedade chinesas, mas está também a

protestar por a mulher não ter um tratamento justo.

Ao mesmo tempo, Portugal também foi uma sociedade que não teve a revolução

industrial e onde o estatuto da mulher portuguesa na sociedade também era muito

baixo. A autora, como autora feminina portuguesa, descreveu este tipo de

personagem feminina no livro, também para chamar a atenção das mulheres

portuguesas. Trata-se de uma descrição de outra cultura para evocar e manifestar

insatisfação contra o seu próprio país.

Esta ação do aborto revela duas imagens da China. Poderia voltar à China ou ficar ao

lado da China. No final do conto as duas imagens aparecem mais uma vez juntas,

para salientar esta diferença:

"E via-se a caminhar por uma estrada sem bermas, os braços alongados até ao

infinito, levando consigo, triunfal, sem esforço, como se fossem penas de ave, toda a

legião ancestral das ofendidas, de pés atados deslizando à flor da terra" 72

Maria Ondina Braga, como autora, e também como soldado, estava a lutar contra o

feudalismo que limitava os direitos das mulheres. A ficção de Maria Ondina Braga

assume-se assim como a projeção literária de um universo muito pessoal, cheio de

secretas intimidades e de sombras, que ela soube projetar através de uma prosa

marcadamente poetizada, como no conto “Os Espelhos”:

"No entanto, toda a gente sabia que o quarto de Miss Carol era forrado de espelhos.

Não que ela alguma vez nos convidasse a entrar. Além do espelho do toucador, havia

uma série de espelhos quadrados na parede, com iniciais ou com um nome em

caracteres sínicos. A mim aquilo intrigava-me. Seria que todos os anos Miss Carol

recebia de algum admirador um espelho de presente?" 73

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"(…) E nunca uma chamada telefónica para a professora de literatura inglesa. Nunca

para ela anúncio malicioso da porteira "É a voz de cavalheiro". Nem correio na

bandeja do bengaleiro, afora os avisos da congregação da Praia Grande com o seu

carimbo em cruz. Nem visitas tão-pouco. E todos os anos mais um espelho na parede

do quarto." 74

Por aqui se vê que perpassa na obra essa dimensão poetizada e cativante da sua

escrita, esse sentido oculto das coisas, dos lugares e das pessoas que mergulham no

meio de simples intrigas, ou povoam o quotidiano com gestos simples e sinais de

outros sonhos ou meras congeminações como as que efetua a narradora do conto, a

propósito de Miss Carol:

"As vezes imaginava Miss Carol refletida até ao infinito nos espelhos paralelos - nua?

De casaco acolchoado? E chegava a crer que ele própria os comprava, os

encomendava ao vidraceiro da Praça. Para nós julgarmos tratar-se de um presente

do professor budista? para ela própria gozar a ilusão de dormir num quarto

grande."75

Esta passagem é também um exemplo do psicologismo que acompanha a obra, na

análise dos vários tipos humanos, preconizada na viagem interior que tanto

narradores como personagens empreendem, nessa recolha silenciosa e solitária de

familiaridades que reenviam sempre para a dimensão afetiva.

Assim, a imagética de Maria Ondina Braga constrói-se através da forma como a

figura feminina da mulher é tratada e modelada, mas também através da sua

postura cronista, abordando temas centrais e incontornáveis da literatura

contemporânea como o amor, a solidão e o humanismo.

O bule, ao gorgolejar, vertendo o chá, poderá ser comparado aos olhos de Miss Carol

que vertiam lágrimas por sentir tristeza, solidão, e até mesmo pobreza, como nos

refere a narradora.

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A construção do perfil psicológico foi assim acompanhada de determinados traços

físicos. Após a primeira apresentação dos traços físicos da personagem, o narrador

centra-se no lado psicológico, descrevendo-a como uma mulher temperamental, de

estados de humor variáveis, dedicada ao seu trabalho de professora, ao estudo, e à

música, tocando piano, sempre fechada em si própria, sem uma vida social e

amorosa evidente. Parecia esconder um segredo:

"os ódios da professora de literatura eram longos e tortuosos como o corredor que

desembocava no pátio menor.(...) Eu perguntava a mim mesma se ela não teria

família, relações, um namorado. Nunca a via sair à noite ou ir ao cinema com amigos.

Sua vida passada na biblioteca, a dar aulas, a estudar piano. Deslocava-se três vezes

por ano ao Conservatório de Hong Kong para exames no Conservatório. No entanto,

toda a gente sabia que o quarto de Miss Carol era forrado de espelhos." 76

Este último traço dá à personagem a tal característica misteriosa que lhe pode

conceder a configuração de uma imprevisibilidade a confirmar, que constitui o

centro do enredo, do conto. É a imaginação da narradora que nos introduz nesse

clima de mistério que passa a rodear a personagem, através das várias conjeturas ou

especulações sobre o significado de todos aqueles espelhos no seu quarto:

"E perguntava a mim mesma, se revestidas por completo as paredes de espelhos,

Miss Carol não começaria a espelhar o soalho e o teto, imergindo na loucura." 77

É também através das suas observações que percebemos a evolução da

personalidade da personagem.

"Depois de discutir com a diretora, Miss Carol ficava diferente - mais humana. Nessas

ocasiões, suspeitava de que ela seria até capaz de amar. Não seria o ódio a face

oculta do amor." 78

Maria Ondina Braga criou esta personagem, Miss Carol, com a imagem de uma

mulher mestiça de chinesa e inglês, embora mal passasse dos trinta anos, dir-se-ia

nunca ter sido nova.

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71

Esta imagem é a de uma mulher moderna, com boa formação, que não tinha nada a

ver com a mulher tradicional e que representava uma nova sociedade chinesa. Do

ponto de vista de Maria Ondina Braga a China estava a desenvolver-se e as mulheres

eram cada vez mais instruídas.

No entanto, as personagens descritas por Maria Ondina Braga são todas trágicas, tal

como Miss Carol, cheia de mistérios e solidão e ainda a sombra de um pouco de

tradição chinesa. Como se pode ver nas seguintes passagem:

"A hora do chá havia batata-doce. Descascávamos os tubérculos cozidos, quentes,

vermelho-escuros, com uma faquinha de osso, e embrulhávamo-los em açúcar. O chá,

de jasmim, era amargo e aromático…" 80

"Na inauguração, em vésperas de Natal, da nova sede da congregação Protestante

(salão elegante à Rua da Praia Grande) vestiu uma cabaia (Vestuário tradicional de

Macau) “comprida, preta, sob um casaco de brocado. A melhor que as finalistas de

há cinco anos atrás lhe haviam oferecido (cinco anos antes contavam-se entre as

suas alunas as filhas dos chineses mais ricos da terra). Frisou o cabelo e estava

bastante bonita." 81

Como no primeiro conto estão presentes duas imagens da China, uma da China

antiga e outra da China nova, pois havia o aborto a causar a rutura. Então, o segundo

conto é uma mescla de imagens - China antiga versus China nova. Duas imagens

nasceram da desta mulher, e da sua tristeza, pobreza, solidão, e não sei bem mais o

quê - sei só que era feminina e isso incomodava.

Esta imagem seria assim não apenas da autora Maria Ondina Braga, porque ela

própria era muito triste, pessimista e solitária. Também no orientalismo de Said, a

imagem da China do século XX era normalmente descrita como uma imagem

feminina e fraca.

Mesmo no final do século XX, a China já estava muito melhor do que na época do

feudalismo. Depois do sonho e da utopia do ocidental em relação ao Oriente, a

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imagem da China acabou por ser negativa, e com muito misticismo próprio do

Oriente.

No caso de Maria Ondina Braga, as personagens, maioritariamente femininas, são

elementos estáticos; figuras singulares, com grande densidade psicológica, às quais

ela empresta o elemento místico que provém da sua orientalidade. Como já se disse,

representavam nesse existir coletivo os traços individuais que a autora lhes atribuiu.

Como autora que centra as suas narrativas em mulheres, pode-se dizer que, aquilo

que se passava com os homens, era menos importante do que aquilo que acontecia

às mulheres. É este mundo ou universo feminino que assim vai sendo privilegiado.

Às personagens de Maria Ondina Braga acontece muito pouca coisa na vida real, mas

acontecem coisas muito importantes na sua vida interior: a mulher que vai à clínica

do doutor Yu, além de ter rompido com a tradição milenar da sua cultura ao fazer

um aborto, liberta-se a si e às outras mulheres da sua condição de submissão, ao

longo de séculos de ancestralidade.

A imagem da Miss Carol é a imagem da mulher estrangeira que ensina língua inglesa

na China. Mas do ponto vista da autora, esta é uma imagem cheia de tristeza e

tragédia. Assemelha-se à própria imagem da autora que também leciona inglês na

China.

Maria Ondina Braga tem uma visão universal da mulher. O que ela escreve é

também um protesto da sua própria vida. Quando descreveu Miss Carol também

estava a descrever-se a si própria.

Neste universo feminino, cheio de subentendidos, reinava a solidão interior das

mulheres, que é magistralmente apresentada pela narradora na seguinte passagem:

“Encontrávamo-nos então ao chá. E, diante das batatas cozidas, dos pires de açúcar,

das tigelas fumegantes, sentava-se ao lado de Miss Carol, ao nosso lado, a Tristeza,

ou a Pobreza, ou a Solidão.” 82

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Por isso podemos saber que a imagem da China aqui descrita é como a de uma

mulher triste, com educação, e sintomas da tradição feudal.

Sem dúvida, a descrição de Maria Ondina Braga é subtil e muito profunda, mas ela

seguia ainda o pensamento padrão da Europa, ou seja, pensava ainda, de certa

maneira, como os europeus pensavam sobre a China. Nesta altura, Portugal seguia

as principais linhas de pensamento da Europa. Este fato refletia-se também na

literatura portuguesa.

Como já foi mencionado acima, Maria Ondina Braga foi uma escritora pioneira a

descrever o Oriente na literatura contemporânea portuguesa.

Em Portugal os sentimentos dominantes nesta altura eram de tristeza e saudosismo.

Como Maria Ondina Braga, houve muitos outros escritores portugueses que

aproveitaram as viagens e a experiência no Oriente para escreverem muitos obras

sobre a China.

No conto de “ódio de Raça Tai-ku”, a filha extremamente fiel e devotada ao pai,

surpreende-nos totalmente com a sua atitude de assassinar a nova madrasta

japonesa, que o pai acabara de desposar. Em última instância, a submissão e

fidelidade desta filha foram vencidas pela sua sede de vingança contra os japoneses,

que haviam provocado a morte de sua mãe na hora do parto, não lhe permitindo

sequer que fosse enterrada com os bonzos para que pudesse encomendar a sua

alma a Buda.

Afinal, em todo o ser humano, há essa luta interior entre o bem e o mal, muitas

vezes o ódio é maior do que o amor, mesmo o de uma filha pelo pai. Esse é também

um dilema da vida real, que aqui aparece plasmado num conto com uma natureza

mística e religiosa muito forte. É o conto com o final mais definido, mas não

totalmente fechado: "Tai-Ku, matando a madrasta, provocou a morte de desgosto do

seu próprio pai. Por isso encara com naturalidade a sua própria partida para o

Desconhecido com o pai que acabara de falecer."83

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Neste conto a autora mostrou a imagem de uma monja budista. Ela não rapara a

cabeça, nem trocara a cabaia de seda pela de burel, porque o pai não consentira.

Vivia da oração, do jejum, das ofertas para o altar. Tai-Ku - a primeira filha -

considerava aquilo uma doença... Esta imagem representa um tipo de personagem

da mulher tradicional, feudal e religiosa chinesa.

Ela apresentou muitos personagens chineses com valores semelhantes aos das

regras próprias da religião budista. Tai-ku que queria muito matar a mulher japonesa

de seu pai é um exemplo disto. No conto refere-se:

"A sua religião ensinava: não matar. Mas não mandava também extirpar o mal?" 84

Na China, a religião budista começou-se a impor desde a dinastia Sui (Ano 581 da era

cristã), e foi governado força e prosperidade, acabando por ser a religião dominante

na China.

Nos longos tempos de feudalismo, o governador utilizou a religião para controlar a

mentalidade dos povos.

O budismo ensinou o povo a acreditar noutra nova vida depois da morte. Por isso,

quando a vida das pessoas não corre bem, elas têm a esperança de viver uma nova

vida mais feliz. Ensinou também o povo a não matar, e a não extirpar, para não ser

castigado na próxima vida.

Por outro lado, as pessoas boas iriam ser premiadas na próxima vida. Assim

normalmente o povo aceitava o destino que a sorte lhe destinava.

Maria Ondina Braga apercebeu-se dos contornos desta religião e utilizou-os na

justificação da maneira de ser dos chineses face ao Ocidente.

Na Europa, incluindo Portugal, vigorava a religião cristã e os descobrimentos

também aconteceram em grande parte por causa desta religião.

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Do ponto de vista europeu, além da sua própria religião cristã, as restantes religiões,

tais como o islamismo, ou o budismo eram todas bárbaras. Por isso, o cristão tinha o

dever de melhorá-las.

Esta imagem da monja budista, face aos leitores ocidentais, parece uma imagem

originária de um país fechado com uma sociedade antiquada.

Isto corresponde à imagem da China do século XX na literatura europeia. Neste

conto, Maria Ondina Braga usou esta imagem para utilizar este ambiente de

misticismo oriental, para justificar a lealdade da primeira filha das famílias chinesas.

Há um fenómeno muito interessante que é a diferença entre o Oriente (neste caso a

China) e a Europa. Depois de milhares de anos de feudalismo na China os povos

habituaram-se a viver interligados, de uma forma que podemos definir como uma

sociedade coletivista. A partir da unidade mais pequena - a família - até à maior

unidade – o país. Toda a gente vivia na dependência da família, e por sua vez as

famílias eram a unidade base do país.

Pelo contrario, na Europa, até ao século XII o conceito de país era fraco, as pessoas

viviam com muito individualismo. Esta forma de sociedade europeia, mais

individualista, proporcionava mais liberdade do que na China. A autora conseguiu

identificar este feudalismo na China, mas também não apontou o que era mau ou

bom.

No final do conto, A Tai-ku acabou a sua missão na família e reuniu-se como o seu

pai no “desconhecido”.

"Pálpebras descida, Tai-Ku tentava uma prece. Não conseguia, porém, nem sequer

coordenar os pensamentos. O Seu espírito, agora tão livre, era como se já não

existisse, ou como se existisse longe, muito longe, fora dela, como se fosse cruzando

os caminhos assombrados da ausência para se reunir ao pai no desconhecido. " 86

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No conto “ódio de Raça”, Tai-Ku, apesar de, aparentemente, ser indiferente ao

mundo que a rodeava, escondia uma fúria em relação aos japoneses que invadiram o

seu lar e, consequentemente, provocaram a morte da mãe, na hora do parto, tendo-

a enterrado, sem bonzos que pudessem encomendar a sua alma a Buda.

Quando a japonesa é entregue ao pai, toda a estrutura psicológica de Tai-Ku se

manifesta. Dividida entre o Bem (Deus) e o Mal (Mulher Japonesa), assiste-se a um

determinado antagonismo entre a razão e o coração. Acaba por matar a japonesa,

talvez para honrar a memória da figura materna, Tai-Ku vivia enclausurada dentro de

si, e acaba por se libertar matando a " intrusa" que lhe invadira a casa, através do

veneno de uma serpente, pois tinha o sangue daqueles que destruíram o éden onde

Tai-Ku vivera.

Em “ódio de Raça”, a autora escreveu sobre a protagonista Tai-Ku:

"Habilidosa, as mãos de Tai-ku iam reunido em corola de neve pétalas de jasmim,

abotoando gomos de flores de laranjeira, espalmando folhas de lótus... E Tai-Ku

velava. Emagrecera. Estava lívida..." 87

Já praticamente no final do conto, encontrámos o principal traço físico, só nesta fase

finalmente revelado, o que prova quanto a caracterização física é periférica, por

oposição, à centralidade do lado psicológico: “Nunca antes a achara tão bela. Porque

seria que Tai-Ku não casara.” 88

Toda a atenção é colocada na dimensão psicológica e na interioridade da

personagem. Assim, o primeiro traço que nos é apresentado pelo narrador é o de

"Tai-Ku, a inocente",89 que era também a primogénita do senhor rico e que se havia

tornado na filha mais dedicada ao pai. Todas as restantes irmãs haviam partido, após

os seus casamentos, para as casas dos maridos. Habituada estava, pois, àquela rotina

de tarefas que executava todos os dias sem exceção e com todo o zelo e precisão:

"Todas as manhãs impassível, Tai-Ku ia tomar a temperatura ao banho do pai...”

90Era uma monja budista. O narrador começa a desenhar o seu perfil psicológico

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através das suas reações, e da vida que levava com seu pai, que desposava uma nova

mulher em cada lua nova.

O seu carácter de determinação e de lealdade para com a familiar contrasta com a

sua convicção de que o comportamento luxurioso do pai era uma doença.

Tai-Ku tinha aquilo por uma doença, e jamais os seus lábios se abriram para censurar

o pai, jamais se preocupara com parentes, vizinhos, amigos, fossem quinhentas ou

oitocentas as mulheres do “homem rico”. O número era-lhe indiferente.

Contudo, é pertinente considerarmos que, neste conjunto de linhas de influência da

autora, o “percurso de vida das mulheres” é de fato o elemento unificador e

condutor de toda a obra. São elas, as mulheres, com bem notou José António Garcia

de Chaves que “pela sua tangibilidade, humanizam o universo, comunicam afetos e

entretecem vivências”. 91

A ideia que nos dá é de que a escritora, imbuída das suas experiências peregrinantes,

não só pela China, mas também por outros lugares do mundo, comunica à sua

escrita uma dimensão abismal, de autoanálise, para se descobrir perante a Morte, a

Solidão, a Distância e a Dor. É uma escrita subtil e penetrante, povoada de

referências aos lugares que foram os da sua peregrinação.

Misticismo, mistério, magia, espiritualidade profunda, são as notas dominantes do

final deste conto, que muito tem a ver com a atitude de abnegação que o pai de Tai-

Ku lhe reconhece, e com a redenção de que ela necessita, e que acabará por cumprir

com a sua morte, e que é simultaneamente o seu maior desejo - o de ficar para

sempre com o pai, sem interferência de quaisquer outras mulheres.

É também esta vertente da cultura oriental que mostra que as valorizações da

lealdade à família, ao clã e à casta, são mais importantes do que tudo,

inclusivamente do que as verdades objetivas dos factos. Nesse sentido, superam o

crime cometido por Tai-Ku contra a sua madrasta japonesa, porque o amor pela sua

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família comanda a sua própria moral, que vem de dentro, já que o ser humano é o

sujeito ativo da moral de si mesmo.

No conto “O Homem de Meia Vida” aparece o seguinte poema:

"É antes do ópio que a minha alma é doente, sentir a vida convalesce e estiola e eu

vou buscar o ópio que consola, um oriente, ao oriente do Oriente. "92

Estes versos citados pela autora são do poema Opiário de Álvaro de Campos. Neste

poema, Campos faz uma viagem ao oriente e escreve este poema, num tom

decadente, muito semelhante ao de Camilo Pessanha. Ambos os poetas são

fumadores de ópios e seduzidos pelo oriente. São dois poetas de uma poética do

ópio que os contos de Maria Ondina Braga evocam.

Neste conto a autora mostra a imagem dum homem viciado em ópio:

“O Homem de Meia Vida, o velho antiquário, de manhã, apresentava-se débil,

apático. Mas, depois das quatro horas, ao entregar-se ao vício do ópio,

transformava-se e rejuvenescia o seu espírito. Nesse momento, reagia, oferecendo

chá aos apreciadores de antiguidades, e descrevia a história de cada um dos objetos

da sua loja.”93

“Era fatalmente um opiómano. Bastava lá ir um pouco antes do meio-dia e ver o

olhar aflito que nos lançava, a lassidão dos seus gestos e palavras na venda da

mercadoria…A princípio julguei-o aloucado. Meia-idade, rosto simpático, embora

muito emagrecido, não atendia os clientes diretamente, deixando que lhe

remexessem o armazém de antiguidades, indiferente, respondendo por

monossílabos, arrastando os pés, suspirando.

Depois, compreendi. Lembrei-me do que lera sobre Camilo Pessanha - “o morto-vivo,

pune-tio-iane-mean, homem de meia vida...também o antiquário estava meio morto.

De Manhã era tal o vazio do seu olhar que uma espécie de ausência lhe transparecia

da presença." 94

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Como podermos constatar, a autora afirma através destas personagens que leu

Camilo Pessanha. Como se sabe, Caminho Pessanha viveu em Macau e era grande

fumador de ópio. Por isso, Maria Ondina Braga vai buscar estes dois poetas

portugueses, Álvaro de Campos e Camilo Pessanha, para os por em dialogo com as

suas personagens.

“De tarde, dava-se a ressurreição. Um milagre, pelas quatro horas. Fechando o

estabelecimento para a sesta (coisa rara entre os Chineses que, das dez da manhã às

dez da noite, trabalham a fio, almoçando e jantando à porta da loja), ele surgia

renovado, semblante vivo, verbo fluente.” 95

Aqui temos uma imagem de um homem dependente, um homem viciado em ópio, e

que apenas está vivo depois das quatro horas da tarde. Ele é um caso típico de uma

franja da população da China dos finais do século XX. A imagem da China na

literatura europeia tem muito a ver com a vida deste homem.

Um grande país que aparenta ter um corpo pesado que já não consegue movimentar,

e que tem tendência a ficar na cama e a baixar os braços, vivendo a vida apenas pela

metade, tal como o homem de meia vida.

O Ocidente pensava que a China se encontrava doente no final do século XX. Por isso,

a imagem do ópio, assim como a imagem do homem viciado em ópio, aparecia

normalmente, na literatura ocidental do século XX. O ópio era produzido na China,

mas mesmo assim os ocidentais utilizavam-no para vendê-lo aos próprios chineses e

assim apropriarem-se das riquezas da China.

Como se sabe, a história da china pode se dividir entre dois períodos muito

importante: as duas guerras do ópio.

Desde a primeira guerra do ópio (1840-1842) e da segunda guerra do ópio (1860-

1862) a imagem da China tornou-se semelhante à imagem do homem doente e

viciado em ópio - do homemmeia vida.

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Neste conto de Maria Ondina Braga ela não apenas apontou isso, mas também

referiu muitas tradições religiosas, e antigos costumes chineses. Como autora

portuguesa, conseguiu observar o modelo de sociedade chinesa e os seus costumes

de forma profunda e clarividente, abordando também aspetos filosóficos e

tradicionais.

“De tarde, amável, oferecia chá a uma ou outro apreciador de trastes velhos.

Mandava sentar numa concha de cadeirinha, no estofo puído de um riquexó de

mandarim. Citava Confúcio: o homem é por natureza virtuoso como a água que corre

espontaneamente. É a perversidade do mundo que o corrompe. Ficava por um

instante calado (comovido?)” 96

"Na véspera do Ano lunar, a loja de antiguidades alegrava-se com o ramo de flores

de pessegueiro, e no arco da porta, o lojista escrevia em caracteres doirados sobre

fundo escarlate os cumprimentos da praxe: Kung Hei - Ano Feliz!" 97

“O dragão Long o deus-bicho de cinco garras, emblema do poder imperial, símbolo

do Oriente e da Primavera, com a faculdade de crescer até abarcar os céus, de

sustentar a abóbada celeste, de distribuir a chuva a regular o curso dos rios,

dominava, ao centro, todo de pau-rosa incrustado de madrepérola.” 98

Acima foram focados alguns costumes e aspetos filosóficos da mitologia chinesa .

E no final do conto a autora escreveu assim:

“ah, como um bem tamanho, tanta felicidade numa espiral de fumo, iriam, na

manhã seguinte, reduzir satanicamente tão sublime criatura a um verme do pó, ao

mais miserável ser! Era o ópio ou a vida que fazia aquilo? Na realidade, ele só vivia

depois do ópio.” 98

O conto de "Fong-Song "refere uma catástrofe originada por um tufão em Fong-Song.

O tufão atingiu Fong-Song com ventos muito fortes e bátegas de água (o monstro

feroz que morava nas entranhas da Terra e governava os elementos acordou).

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Aqui apareceu outra vez uma imagem de mulher, Sam-Ku:

“Filha Terceira, pés atados, descendente de família nobre. O que todos ali sabiam. No

entanto, aquela mulher idosa, o dia inteiro calada, aninhada à ré do barco, a chupar

o cachimbo turco, a embalar meninos no berço (embalara-o a ele, aos irmâos, ao pai,

talvez ao pai do pai deles), convivera outrora com príncipes!...estremeceu. A velha

era do tempo dos senhores e dos servos. Como é que nunca reflectira nisso? A morte

vinha buscá-la, finalmente tão velha e tão cansada de viver, parecia quase feliz,

agora que o fim se aproximava, e ninguém sabia do paradeiro de Sam-Ku, ninguém a

alcançava. Tão-pouco constou das vítimas do tufão. Mas o neto, que a viria

transfigurar-se, acreditava secretamente que FongSong---o ente fantástico que, das

entranhas da Terra, governava os elementos---a levara, calma e contente, na

exaltação da noite, para o reino dos justos, talvez (quem sabe?) bem recomendada

ao eterno pelas cerimónias do bomzo e pelas rezas da freira.” 99

Trata-se de uma imagem típica da mulher tradicional chinesa, que trabalhou muito a

vida inteira. Tinha três obediências e quatro virtudes, costume proveniente da época

feudal para controlar as mulheres. Naquela altura, as mulheres tinham um estatuto

social muito baixo.

O marido, o filho e a pátria eram o céu da mulher chinesa. A lealdade, a beleza, a

contenção verbal em lugares públicos, e a eficiência no trabalho eram qualidades

fundamentais da mulher chinesa.

Só por isto podemos ver que na China antiga as mulheres não tinham um estatuto

elevado na sociedade, e também não tinham liberdade. Maria Ondina Braga queria

mostrar uma imagem assim aos ocidentais, com dois objetivos.

Primeiro para mostrar um panorama da realidade do quotidiano da mulher chinesa

em contraponto com o da mulher ocidental.

Por outro lado, ela queria evocar a atenção da mulher no resto do mundo, numa

tentativa de elevar o seu estatuto social.

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No conto Fong Song, o neto de Sam-Ku via a avó como uma figura sagrada,

descendente de família nobre. Mas, quando ela, entre pensamentos vagos e delírios,

disse:

“A ama a ligar-me os pés, e ambas a cantar para não chorar... Os adens brancos..., o

espírito do neto foi assaltado pela ideia de que o seu sangue descendia da raça

branca e não somente chinesa e, por isso, sentiu uma revolta momentânea: seria a

avó filha de algum tirano-quem sabe, E, por um momento quis-lhe mal. Não mesmo

a ela, mas ao sangue dela (o seu sangue) (...) uma vontade de lhe fazer perguntas

(roía-o, ao mesmo tempo, a curiosidade e a revolta), de a sacudir, de lhe gritar, (não

sabe que já não há império, nem castas, nem senhorios, não sabe.” 100

Esse momento de um turbilhão de emoções, dúvidas e inquietações revela o

profundo sofrimento e dilema da personagem, mas acaba, em última instância, por

lhe devolver, com o momento da morte da avó, o sentimento de figura sagrada que

lhe fora momentaneamente questionado para se encontrar de novo consigo própria.

“O corpo da centenária nunca o rio o devolveu mas o neto que a vira transfigurar-se,

acreditava secretamente que Fong-Song - o ente fantástico que, das entranhas da

Terra, governava os elementos - a levara, calma e contente, na exaltação da noite,

para o reino dos justos, talvez (quem sabe) bem recomendada ao eterno pelas

cerimónias do bonzo e pelas rezas da freira.” 101

Esta imagem da China, e esta imagem da mulher chinesa, foi revelada neste conto de

Maria Ondina Braga, e permaneceu viva na mente dos ocidentais.

Ela foi sempre usada como a imagem da China na literatura Ocidental do século XX.

Como o orientalismo indica, através do autor Edward Wadie Said a imagem da China,

(ou melhor a imagem do Oriente) sempre foi descritiva “como a de uma mulher

fraca”102, pela literatura ocidental.

Pelo contrário, a imagem do Ocidente foi sempre descrita automaticamente como a

de um homem robusto e poderoso. Estas imagens são fruto do imaginário Ocidental,

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que depois do fim da ilusão sobre o Oriente, começou a imaginá-lo como fosse uma

mulher fraca, que precisava de um homem forte para a salvar e proteger - o

ocidental.

No conto “O filho do Sol” ... podemos conhecer uma mulher com um quadro

psicológico muito complicado.

Ela era uma mulher chinesa tradicional, mas no inico, e até ao meio do conto, isto

não foi dado a conhecer ao leitor, mas apenas um caso de séria alteração de

personalidade e respetivos reflexos ao nível psicológico.

Maria Ondina Braga soube muito bem como descrever com subtileza os aspetos

psicológicos deste tipo de personagem. O narrador acompanhou sempre a atividade

psicológica da protagonista, desde a primeira vez em que a protagonista apareceu:

“Veio de dentro a irmã Chen-Mou, a face de lua reluzindo, com rebuçados de

gengibre numa tigela de porcelana. As meninas rodearam-na: mostravam-lhe os

presentes: perguntavam-lhe as horas.” 103

Vemos aqui a imagem de uma mulher chinesa, que trabalhava num colégio onde as

meninas eram todas pobres. Havia as que não tinham família, e as que não tinham

onde passar férias. Havia também uma ou outra professora solitária. Entretanto

surgiram os aspetos psicológicos:

“A sua terra era do outro lado do mundo. Havia neve. A família devia lembrá-la mais

naquela noite. E talvez lhe escrevessem, lhe enviassem presentes. As comidas que lá

se comiam, o tilintar dos copos, conversas cortadas, risos, exclamações. A família,

não podia tornar a vê-la. Trazia nas entranhas sangue de uma raça alheia, o filho de

alguém que nunca conhecera nem amara (alguém que nascera milhares de anos

antes dela), o fruto híbrido e falso do próprio cinismo.” 104

Esta descrição subtil do pensamento da protagonista mostra a sua angústia e dor. Ela

não pode voltar a casa e à família, porque a sua culpa já lhe foi apontada por esta.

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Uma família tradicional chinesa não pode aceitar que a filha engravidou antes de

casar.

O final do conto diz:

“A noite fechou-se. Era tudo negro. Oh, quem ficasse para contar dessa alegria!

Quem fosse dizer que ela estivera ali que trazia no ventre um filho do sol!” 105

O filho do sol, o filho mestiço de chinesa e português, não é aceite pela sociedade

chinesa. Mostra uma imagem da China, dos tempos do feudalismo, ainda que esta

situação ocorra em pleno século XX. Mostra, mais uma vez, o estatuto social muito

baixo da mulher, e a falta gritante de liberdade.

Um olhar profundo de mulher domina este conto. Maria Ondina Braga quando está a

descrever este tipo de personagem, está também a expressar o que sente sobre ela

própria. Esta relação já foi mencionada acima.

Este tema (o olhar profundo da mulher) também transparece no conto “Lázaros”:

“A-Mou era jovem, e a doença, que tinha na face rosetas de lepra, A-Mou nunca

tinha amado, nem sabia bem o que isso era. Não tinha família. A avó. Com quem

fugira dos arredores de cantão, morrera logo que ela entrara ali. Era uma velha

pequenina e triste de touca de veludo preto-esverdinhado, fumava ópio em longas

horas paradas. Ela gostava de viver, de se aformosear com cabaias garridas, flores

no cabelo, laca nas unhas....Mas um novo dia despontava. Ela tinha muito em que

pensar---entrançar os cabelos, tratar da cabaia, aguardar o pôr do sol. Aqui está a

mostra uma imagem é que uma menina doente mas com muito esperança de ter

amor..” 106

Quando leio este conto, imagino a protagonista A-Mou, e também a autora Maria

Ondina Braga. Ela descreveu o tipo de personagem desta mulher chinesa,

descrevendo-se a ela própria. Quando vejo a protagonista cheia de esperança, penso

na autora que também parece esperar pelo amor da sua vida.

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Este tipo de personagem chinesa pertence a um ambiente de plena orientalidade.

Este ambiente, cheio de costumes religiosos e míticos chineses, é utilizado por ter

um sabor exótico e chamar a atenção do leitor, e ao mesmo tempo salientar a

sensação de angústia da protagonista.

Maria Ondina Braga para mostrar a imagem da mulher chinesa que espera que o

amor um dia chegue, mas que sabe que ele pode nunca chegar, escreveu este conto

cheio de romantismo, onde deixa espaço para o leitor imaginar a dolorosa angústia

da protagonista A-Mou.

Também podemos ver em “o Homem do Sam-lun-chê”, um conto muito interessante.

Este conto mostra a imagem de um homem tradicional chinês, com um filho adotado,

de feições mistas de chinês e europeu, e de pele clara. Uma criança perfeita,

embrulhada em flanelas encarnadas e um amuleto de osso no pulso.

Em “o homen do sam-lun-ché”, a omnisciência do narrador é gerida e distribuída

pelas várias personagens do conto, sem nunca haver uma concentração efetiva, quer

no homem do sam-lun-ché, quer no menino que ele adotou.

A técnica narrativa omnisciente vai oscilando de personagem para personagem,

percorrendo-as sem nunca aprofundar verdadeiramente nenhuma; quer na

revelação dos motivos da decisão da Madre Superiora relativamente ao menino ali

exposto, quer depois no sentimento suscitado pelo menino, face ao seu pai adotivo:

“Claro que a madre superiora não recorreu às autoridades nem tentou investigações,

porque tudo seria infrutífero. Impossível descobrir a família do exposto num mundo

tão confuso (...). O velho Cheong deixava o triciclo à esquina para ir ver o pequeno

nos actos de culto. Por vezes, as lágrimas subiam-lhe aos olhos. O menino mais

parecia um anjo do que gente. (...) Um orgulho, um filho assim, de feições mistas de

chinês e de Europeu, esguio e branco, que o destino lhe confiara, a ele, pobre velho

sem família." 107

E posteriormente nos pensamentos do menino Francisco em relação ao pai:

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"Era na viagem de regresso a casa. Anoitecia. O rapaz via o busto curvado do pai

pedalando à frente. Não sabia por onde começar. Nunca o velho criticara a religião

dele, Francisco..." 108

Esta gestão por partes da omnisciência do narrador, indica haver a intenção

subjacente, e que se adequa à mensagem do conto, que é a de levar o leitor a tirar

conclusões por si próprio, através destas duas personagens, de que é possível a

coexistência harmónica de duas religiões muito distintas:

"uma revelação, aquela noite, nem cristãos, nem budistas, nem tauistas, nem

confucionistas... Deus, só. Um Deus de todos" 109

No final do conto parece que as duas religiões conseguiram coexistir muito bem.

"Uma revelação, aquela noite. Nem cristãos, nem budistas, nem tauistas, nem

confucionistas... Deus, só. Um deus de todos. A custo o velho reabriu os olhos,

vencendo o sono. O filho estava calado, meditabundo, com certeza findara já a sua

bela história. E Cheong balbuciou: tão novo e sabendo coisas que um velho mal-

entende! Por isso vou ao pagode depois de te deixar na capela das freiras. Quanto

devo agradecer aos deuses um filho assim!"110

Isto é um bom exemplo de como os portugueses convivem bem com os chineses.

Os portugueses nunca aceitaram a exploração como exploração - são

descobrimentos. Porque os portugueses habituaram-se a casar com os nativos locais.

E o texto, mostra uma imagem de como os chineses vivem bem com os portugueses.

Os portugueses trouxeram aspetos culturais mais desenvolvidos para o Oriente. Os

portugueses podem casar-se com os nativos, podem ter filhos com os nativos,

podem ensinar português aos nativos.

No entanto, isso pode ser tudo arrogância dos portugueses, pois os chineses não

queriam aceitar a cultura portuguesa, e também não queriam estudar a sua língua.

Ainda hoje em Macau, não há muitos chineses que consigam falar bem português,

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para além dos seus descendentes. Em Macau onde coexistem várias culturas ao

mesmo tempo, parece que a cultura portuguesa não está muito em harmonia com a

chinesa.

Realmente existem duas escritas, duas culturas, dois mundos, lado a lado, dando-se

mutuamente a conhecer. E se, depois da leitura dos textos, constatamos as muitas

diferenças, sentimos também, o quanto há de idêntico ou mesmo igual.

Além disto, o conto de Sam-lun-ché mostra um fenómeno chinês que é a família

chinesa gostar e aceitar melhor um filho do que uma filha. Se fosse um filho, toda a

gente ficava contente, se fosse uma filha, podia ser abandonada ou passar uma vida

na desgraça.

Este tipo de conceção está fixado na cabeça do povo chinês desde início.

Significa que um filho é mais importante do que uma filha, que o homem é mais

importante do que a mulher. Os filhos ficam com os apelidos do pai, e isto é um lado

obscuro da sociedade chinesa, onde a mulher não é considerada uma protagonista.

Lembremos alguns aspetos do conto onde se percebem as desigualdade ente os

sexos.

Ser rapaz, parecia muito mais complicado. Onde o poriam depois da creche? Decerto

que a mãe estava mesmo desesperada para assim abandonar um filho varão.

“A gorda irmã parteira, que fora a primeira a ver o menino, impunha silêncio. Quem

poderia dizer o que levara a mãe a repudiar o filho? Na realidade, ela o aguentara

até àquela idade... Quem sabia do drama de tal separação? Rezar por ela, sim, a

única coisa que valia a pena.” 111

No conto “A Magia” há uma jovem a recorrer à magia para ter um menino, e não

uma filha:

“Eu pensava na moça do fim do tempo. Semelhante às bailarinas, também ela tinha

máscara, mas de pano da gravidez. Que lhe diria o mágico? Que ia nascer uma

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rapariga quando o pai da criança só se casava se fosse rapaz? E porque teria o cego

soltado aquele brado de aflição?” 112

Aqui aparecem cinco tipos de personagem e também cinco imagens diferentes; eu,

a minha amiga, Vong kei, um adivinho e o marido de Vong Kei. A citação seguinte é a

descrição de Vong Kei:

“Vong Kei era casado e tinha cinco filhas, todas bailarinas e cantadeiras de teatro.

Obeso, de pele clara, olho afogados nas banhas do rosto, vestia cabaia de seda preta

que lhe descobria a base das pernas nuas, gordas, em pêlo. Uma rapariga grávida no

fim do tempo-de queixo quase pousado no ventre,cela do bruxo-um homem forte,

uma freira budista de cabeça rapada e cabaia cinzenta caindo solta até aos pés,

perfeitamente confundível com un homem, entrava.” 112

“Mas a historia é vindo da cadeira ao fundo, um gemido rompeu o silêncio da sala-a

velha tinha recebido o aviso telepático do filho e não podia expressa-se de outro

modo porque estava moribunda....toda a gente querendo alguém, alguma coisa.

Todas inquietos. Desvairados todos. E a velha a arquejar. O filho? Onde estava o filho?

Onde estava aquele que nascera de seu ventre e sabia tudo?....ele dirigiu o olhar para

a mãe, ao canto, encolhida na espalda da cadeira, estendeu as mãos em direção à

bacia, o rosto gordo franziu-se-lhe, dorido, e desatou a chorar....era como se não

houvesse ali mais ninguém senão Vong Kei e a noite, Vong Kei e a morte. O volume

do bruxo contra os vidrilhos---estrelas ao clarão dos lumes---,a sua imponência, a sua

amargura, dominavam de tal modo que, além dele, só o vulto desfeito, murcho, da

mãe.” 113

Uma história em que se recorre à magia chinesa para ter um filho, e em que no final

só resta o vulto, desfeito e abatido, da mulher que queria ser mãe. Foi o resultado

deste conto trágico, em que Maria Ondina Braga quis dizer aos leitores que não

deveriam acreditar no recurso à magia, pois o destino da mulher não se alterou - não

conseguiu conceber um filho.

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A autora era uma mulher ocidental, moderna, com boa formação e uma vincada

consciência feminista, que reagiu através da escrita, quando se deparou com este

tipo de magia oriental, de conotação religiosa.

Não apenas dava jeito para chamar a atenção do leitor, mas também servia para

denunciar este tipo de costumes arcaicos, e para libertar a mulher destas práticas.

Neste conto também temos boas razões para dizer que a autora Maria Ondina Braga

era uma feminista, embora este tipo de feminismo esteja presente em todos os

contos deste livro.

Vamos avançar para o conto “Morte” e saborear o tipo de imagem que a sua

personagem reflete.

Os antigos mortos, invisivelmente

Vêm ainda ao seu terraço antigo...

Já sopra da nona lua o vento

lamentoso

Elegia chinesa (versão de camilo Pessanha)

Este conto trata da imagem de uma mulher chinesa, indigente, mas muito

trabalhadora, que consegue à custa do seu trabalho e abnegação criar dez filhos. É

uma mulher chinesa do tipo tradicional, que se sacrificou toda a vida pela sua família.

Quer seja chinesa, ou portuguesa, a autora gosta de descrever mulheres com uma

grande força mental e com capacidade de contribuir para a sociedade.

“A avó de Mei-Lai, uma mulher notável que, apesar de pobre, criara dez filhos para a

riqueza. Pequena, magra, ativa, inteligente, mandara seis rapazes para a América,

para a terra do oiro, à custa só das leiras de arroz por ela duramente trabalhadas de

sol a sol. Quando o marido morreu, andava pejada do décimo filho. A viuvez, contudo,

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não a assustou, nada podia assustar uma mulher como ela. Do arroz de cada colheita

todos os anos apartava uns tantos cates--ração que por vezes tirava à boca---vendia-

os, e o produto da venda, arrecadado no fundo da arca, destinava-se à viagem dos

filhos. Durante vinte anos não teve mais do que duas cabaias de pano grosseiro. Os

sapatos que a família levava ao pagode nos dias de festa eram feitos por ela com

palha de arroz e pele de porco.” 114

Esta descrição de uma mulher chinesa não me surpreende, a sociedade chinesa é

mesmo uma sociedade de mulheres guerreiras, mesmo tendo o homem maior poder.

A mulher trabalha muito e permanece calada. Elas trataram dos filhos, dos pais e dos

maridos, e de si próprias.

Têm poucos direitos, mas são quem mais contribui para a família. Assim a mulher

chinesa devia ser melhor aceite, e até elogiada pela sua sociedade.

Este tipo de imagem é também uma imagem do feudalismo chinês. Quando a autora

estava a escrever este conto, em Portugal ainda reinava a ditadura de Salazar. Tanto

as Chinas, como Portugal, estavam numa situação idêntica, e a autora estava a

utilizar a situação da China para dizer que a mulher portuguesa ainda estava a ser

menosprezada.

“A avó de Mei-Lai ao final morreu num tufão. Sete anos decorridos sobre a morte da

avó, elas tinham ido a Coloane recolher-lhe os ossos, ossos que guardavam numa

caixa de charão junto do altar da família - o nome da avó já na lista a vermelho e oiro

dos antepassados.” 115

A morte da avó provocou uma dor generalizada entre todos os habitantes da aldeia,

que mostraram o seu respeito e veneração, atuando como uma personagem coletiva

à qual a narradora acaba também por conferir uma grande densidade psicológica:

"Numa cova onde se acolheram, formaram círculo em volta do corpo da avó,

rasgando cada qual uma tira das vestes em farrapos para o amortalharem. Alguém

tirara do seio um pacotinho de serrdura de sândalo com que aromatizou o cadáver,

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todo ligado, a seguir: cabeça e peito de costelas, pescoço, ventre de peles, ancas

mirradas, braços e pernas, dedos um por um"116

No final do conto, percebe-se que essa ação omnisciente, centrada em praticamente

todos as personagens de forma mais exaustiva, acaba por justificar a narração de

uma história que se assume como um hino à abnegação, coragem, sacrifício e amor

pelo Outro, que aqui são personificados pela personagem principal, a velha, avó de

Mei-Lai, o que justifica também o ato algo macabro de Mei-Lai de ir buscar à cova da

avó o anel de jade que ela usou durante sete anos debaixo da terra.

No conto “a doida”, apareceu outra imagem de mulher em desgraça:

“Magra, de trança grisalha, rosto liso e triste nas mãos, firmava os olhos num ponto

longínquo, não respondia às nossas boatardes, não se mexia, em nada atentava.

Ninguém lhe conhecia morada ou família. Os chineses evitavam sequer olhá-la."

Doida, fugira da China continental com o filho, que morrera já em terra do exílio. O

marido, que a devia seguir, nunca aparecera. Enterrado o filho na praia, vinha ao

anoitecer esperar o marido. Ela própria fugira de noite. Era também de noite que o

marido se devia escapar. De noite os mortos ressuscitavam. E, todas as noites, a

doida ali à espera...

Não gostava de sol, a doida. Ninguém sabia dela de dia. Só a noite surgia, de cabaia

esfarpada, trança grisalha, pés descalços e rosto perdido no cismar.” 117

Uma mulher tipicamente com uma vida em desgraça, sem marido nem filhos.

Acabou por ficar louca.

Finalmente, no último conto “o dia do grande frio”, voltamos às datas caraterísticas

do calendário chinês: o ultimo dia de ano, 31 de dezembro. Este período escolhido é

alias referido na China, como a festa do tempo, a noite de inverno da passagem de

ano. Na china como alias no ocidente, esta data marca o ano novo chinês. E este

ultimo conto de livro é diferente de todos outros porque não tem personagens nem

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uma ação, mas é apenas uma reflexão em torno da cultura chinesa. Por isso serve de

conclusão à obra.

Quando o salgueiro

O ramo pende

Na noite fria

Nus

No triste inverno

Como esperar

Pelo milagre

De lhe nascerem

Folhas? 118

TU FU (tradução de Jorge de Sena)

Notas de Rodapé de 4.3 e 4.4

4.3

68. Molana Jalaluddin Rumi, great work,1987

4.4

69. Maria ondina Braga, A China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P11

70. Maria ondina Braga op.cit.p. 18

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71. Maria ondina Braga, op.cit.p. 17

72. Maria ondina Braga, op.cit p.19

73. Maria ondina Braga, op.cit p. 13

74. Maria ondina Braga, op.cit .p. 24

75. Maria ondina Braga, op.cit.p. 26

76. Maria ondina Braga, op.cit p. 27

77. Maria ondina Braga, op.cit.p. 28

78. Maria ondina Braga, op.cit .p.25

79. Maria ondina Braga, op.cit .p. 30

80. Maria ondina Braga, op.cit.p. 35

81. Maria ondina Braga, op.cit op. 36

82 Maria ondina Braga, op.cit.p. 36

83. Maria ondina Braga, op.cit .p. 36

84. Maria ondina Braga, op.cit .p. 36

85. Maria ondina Braga, op.cit .p. 36

86. Maria ondina Braga, op.cit p. 38

87. Maria ondina Braga op.cit .p. 37

88. Maria ondina Braga, op.cit .p. 38

89. Maria ondina Braga, op.cit .p. 35

90. Maria ondina Braga, op.cit .p. 34

91. José António Garcia de Chaves , vozes das mulheres(as),2008

92. Maria ondina Braga, op.cit.p. 45

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93. Maria ondina Braga, op.cit.p. 47

94. Maria ondina Braga, op.cit.p. 47

95. Maria ondina Braga, op.cit .p. 46

96. Maria ondina Braga, op.cit .p. 45

97. Maria ondina Braga, op.cit .p. 47

98. Maria ondina Braga, op.cit .p. 48

99. Maria ondina Braga, op.cit .p. 56

100. Maria ondina Braga, op.cit .p. 58

101. Maria ondina Braga, op.cit .p.59

102. Edward Wadie Said, orientalismo, 1978.p 78

103 Maria ondina Braga, op.cit.p. 64

104. Maria ondina Braga, op.cit .p. 65

105. Maria ondina Braga, op.cit .p.72

106. Maria ondina Braga, op.cit.p. 73

107. Maria ondina Braga, op.cit.p. 84

108. Maria ondina Braga, op.cit.p. 87

109. Maria ondina Braga, op.cit.p. 89

110. Maria ondina Braga, op.cit .p. 89

111. Maria ondina Braga, op.cit.p. 84

112. Maria ondina Braga, op.cit.p. 93-94

113. Maria ondina Braga, op.cit p. 95-96

114. Maria ondina Braga, op.cit p. 104-105

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115. Maria ondina Braga, op.cit .p. 112

116. Maria ondina Braga, op.cit p. 97

117. Maria ondina Braga, op.cit .p. 125

5. Caraterísticas especiais

a) A especificidade da personagem feminina e um olhar no universo da mulher

Perante este sentir e olhar feminino que percorre um número muito significativo de

contos de “A China Fica ao Lado”, e tendo em conta a forma compadecida (no

sentido empático do termo) com que Maria Ondina Braga trata as mulheres, o leitor

sentir-se-á implicado no seu sofrimento e entrará nesse reduto de subentendidos e

intuições subtis.

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De facto, a escrita de Maria Ondina Braga compromete-se com este universo

feminino que ama de forma abnegada, porque é portador de um sentimento

amoroso e materno, que transcende as desilusões resultantes do calculismo e da

frieza masculinas.

A sua forma diversificada de encarar a figura feminina, tendo sempre como base

uma mulher despretensiosa (no sentido de se encontrar destituída de uma posição

social relevante), mas dotada de uma identidade e personalidade vincadas, encaixa-

se nos moldes da mulher social.

"É por este motivo que a sua escrita se assume como marcadamente social, e de

denúncia, da desigualdade existente entre os sexos, e da discriminação da mulher. As

mulheres são muito mais dotadas de humanidade e de um sentimento protetor

(talvez relacionado com a maternidade) do que homens; que muitas vezes as

maltratam, que as levam a esquecer, não raras vezes, a sua dignidade."118

A autora referiu no seu romance “a Personagem” que os homens muitas vezes

atraiçoavam as mulheres, mas que estas raramente os abandonavam, quer fosse por

pena, por hábito, por instinto ou por dependerem deles. Segundo a autora os

homens constituíam para elas uma espécie de filhos.

O fato é que os homens aqui não são o centro da obra, mas sim, esse olhar sobre o

universo feminino, de que falarei à frente. Todos os contos estão arquitetados com

base neste monólogo interior, no qual surgem entrecortadas frases do discurso

direto, e breves descrições quer do espaço (Como acontece no conto acerca do Dr.

Yu). A protagonista assume-se como uma mulher revoltada. O sentir-se aprisionada

na sua condição de mulher, acaba por lhe dar uma força que a impede de se resignar,

e que a leva a encetar a busca de si mesma, que lhe conferirá a almejada liberdade:

“Um protesto cresceu-lhe nas entranhas. Fez-lhe sacudir a cabeça com força. Não,

não era última derrota. Estava ali por não ter morrido nem virado fantasma (...)

poderia voltar à China ou ficar ao lado da China. O principal era combater o seu

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combate de mulher só e abusada. E guardar o coração intacto. Para um dia. Para

uma verdade.” 119

Este acontecimento tão marcante para uma mulher acaba finalmente por operar a

tal catarse. Quando concluído o processo doloroso e fatigante do aborto, a

protagonista acaba por se libertar da imposição da ancestralidade e dos costumes

rigorosos da China, para se converter simplesmente numa mulher em paz consigo

mesmo:

“Uma fadiga boa, apaziguante. E via-se caminhar por uma estrada sem bermas, os

braços alongados até ao infinito, levando consigo, triunfal, sem esforço, como se

fossem penas de ave, toda a legião ancestral das ofendidas, de pés atados deslizando

à flor da terra” 120

A autora revelou ao leitor a imagem da mulher chinesa através de muitos elementos

orientais, para ilustrar as desigualdades entre sexos. Também se pode perceber uma

distinção entre a visão Ocidental e a Oriental, que pode ser ilustrada pela diferença

entre físico moderno, e o oriental místico e psicólogo: o primeiro experimenta o

mundo através da extrema especialização da mente racional, e o segundo fá-lo com

recurso à mente intuitiva.

Na ótica da sabedoria chinesa, a ciência poderia ser interpretada como Yang,

racional, masculina e agressiva, que possui o seu complemento no misticismo

oriental. O Yin, por seu lado é intuitivo, feminino e pacífico. Só essa

complementaridade leva ao sentimento de compreensão cósmica, da natureza e do

próprio indivíduo, como entidades em constante inter-relação. Por isso, a imagem da

China é como o Yin: intuitivo, feminino e pacífico. Pelo contrário, o ocidental é como

o Yang: racional, masculino e agressivo.

Há realmente duas escritas, duas culturas, dois mundos, lado a lado, dando-se

mutuamente a conhecer. E se, depois da leitura dos textos, constatamos as muitas

diferenças, sentimos também, o quanto há de idêntico o mesmo igual.

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b). A intriga oriental de carácter místico e simbólico

Os mitos são uma conquista relativamente recente do comparativista,

contrariamente aos temas e às imagens. Há meio século, falava-se, por exemplo, a

propósito de Don Juan, “não de mito, mas de lenda.” 120

A literatura comparada limitava-se a seguir o caminho dos folcloristas, que

estudavam os contos, as lendas e os mitos em geral. “A breve histories dês

legendes.” 121põe em lugar de destaque “Fausto e Don Juan”122 tornados pilares da

mitologia comparativista.

Poderá dizer-se que o mito pertence aos folcloristas, aos antropólogos, aos

historiadores da religião e aos sociólogos.

Assim, o estudioso da literatura (neste caso o comparativista), analisaria esquemas

considerados essenciais porque são, antes de mais, fábulas já estruturadas na altura

em que surgiram as primeiras versões literárias, que variavam de uma cultura para

outra, e também de um século para o outro.

Note-se a semelhança que poderá existir com o estudo temático e, por outro lado, a

diferença, sobretudo no que diz respeito ao carácter fixo e esquemático, do material

utilizado no estudo do mito.

As palavras provenientes do país que observa servem para definir o país observado.

As palavras oriundas do país observado são transpostas, sem tradução, na língua, no

espaço cultural e nos textos do país observador (e também no seu imaginário).

Dado que é a escrita sobre a alteridade que estudamos aqui, é importante estar

atento ao que faz a diferença (o próprio versus o outro) ou a assimilação (o outro

semelhante a mim próprio).

Neste segundo caso, são evidentes as vantagens que um estudo, à partida lexical,

pode tirar de noções operatórias como a isotopia e, duma maneira geral, de tudo o

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que permite passar duma série lexical, dum eixo sémico para outra série, para outro

eixo.

A “imagologia” é um auxiliar ativo da história das ideias e dos estudos de receção,

que dificilmente pode dispensar estes pontos de referência lexicais, para

compreender como se elabora, a partir de alguns vocábulos, um discurso crítico

sobre a literatura do outro.

Para elaborar uma imagem do estrangeiro, o escritor não tem, como se sabe, que

copiar o real: seleciona um certo número de características, de elementos

considerados pertinentes para a sua representação.

É que a imagem do outro serve para escrever, para pensar, para sonhar de outra

maneira, ou seja, no interior duma sociedade e duma cultura estudada, em termos

sistemáticos, o escritor escreve, escolhendo o seu discurso sobre o outro, por vezes

em contradição total com a realidade política do momento.

Talvez tenham sido as dificuldades entre os povos que trouxeram uma proximidade

maior do homem com o lado místico, o que propiciou a energia e a força de que

precisavam para sobreviver.

Além da elaboração de teorias filosóficas, os religiosos do Oriente construíram

importantes templos e locais de adoração, nos quais aplicaram a mais fina arte da

escultura, da ourivesaria, da tapeçaria e da pintura, e onde posteriormente

utilizaram o melhor da sua música, poesia e letras. Por este aspeto percebe-se de

que modo se pode estabelecer a ponte entre a cultura ocidental e as tradições da

ásia, que ainda hoje vigoram na China.

Em “A China Fica ao Lado” este aspeto é facilmente comprovado ao longo dos vários

contos. Por exemplo em “Fong Song”, a noite do tufão, que haveria de levar à morte

a velha Sam-Ku, descendente de família nobre, a quem tinham atado os pés, é vista

sob esta perspetiva de dupla religiosidade:

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"Noite de loucura entre os princípios da criação. Talvez um ensaio do fim do mundo.

O criador dormia. Chamassem-lhe Tai-Ku ou Padre Eterno. Não entendia. Sumidos os

próprios astros. Só, desamparado, diante do caos, o homem era o único observador

consciente de um espetáculo de deuses.” 123

Os orientais entendem as coisas de outra maneira. Eles conhecem a necessidade da

comunicação contemplativa, mas como a contemplação é, antes de tudo, para o

Oriental, a comunicação com a beleza e como esta é essencialmente gratuita, por

isso não se impõe.

Há vários elementos simbólicos ao longo dos contos, alguns tradicionais da cultura

chinesa, como a cabaia que é o traje tradicional macaense (feminino ou masculino),

normalmente feito de cetim, bordado a fios de ouro e prata e que podia ter vários

motivos, um dos mais usados era o da Fénix com duas flores no bico, símbolo do

princípio feminino e das vestimentas imperiais usadas pelas senhoras macaenses em

épocas festivas.

Este traje é referido em vários contos: em “Os Espelhos”, Miss Carol vestiu uma

cabaia preta para a inauguração da nova sede da congregação Protestante. Em “Ódio

de Raça”, Tai-Ku apesar de ser monja budista vestia a cabaia de seda, símbolo da sua

condição social, imposição ditada pelo pai que não lhe permitia vestir o burel. Em

“Fong-Song” a velha centenária delirava na hora da morte relembrando "a sua

cabaia doirada como o chá da primeira colheita e de seda mais fina que a polpa do

limão”. Símbolo da época áurea da sua vida em “Os Lázaros”, a leprosa A-Mou

preferia as cabaias garridas que davam vida e cor à sua existência de doente. Em

Magia o traje surge novamente envergado pelo adivinho Vong Kei que vestia cabaia

preta e pela freira budista que usava uma cabaia cinzenta caindo solta até aos pés.

Em “A Morta”, a avó de Mei-Lai, não teve mais do que duas cabaias de pano

grosseiro, que demonstram a vida modesta e despojada daquela mulher abnegada

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que trabalhava no cultivo do arroz e o vendia para dar uma vida melhor aos filhos.

Finalmente, na “Pousada da Amizade” Miss Jane usava cabaia fendida até à coxa,

denotando a sua vertente de mulher sensual e o Sr. Choi, bibliotecário, andava

sempre com a mesma cabaia.

Este vestido tradicional chinês era apertado, o que restringia a liberdade de

movimentos (As mulheres vestidas com cabaia não podiam andar com rapidez, nem

se movimentarem muito). Era uma forma da sociedade controlar as mulheres. A

cabaia era, por isso, um símbolo de uma sociedade dominada pelo homem.

Outro elemento simbólico eram os espelhos que refletiam a verdade, a sinceridade,

e o conteúdo do coração e da consciência. Já Mallarmé afirmara num seu poema:

"Ó espelho! água fria pelo tédio no teu quadro gelado, quantas vezes durante horas,

desolada, dos sonhos e procurando as minhas recordações que são, como folhas sob

o teu vidro no poço profundo, apareci-me em ti como uma sombra longínqua, mas

horror! Certas noites, na tua severa fonte, do meu sonhar disperso conheci a

nudez!”124

Miss Carol tinha o seu quarto revestido de espelhos, sem que alguém, no conto,

percebesse porquê. A autora deixa entender que esta mulher de aspeto amargo e

irritado, se servia deles, como se fossem um escudo, para se proteger.

Ela só se sentia à vontade, na quietude do seu quarto, e só se revelava defronte dos

seus espelhos, devido à sua fragilidade e sensibilidade.

Notas de Rodapé de 5

118. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P15

119. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P19

120. Don Juan,Dom Juan ou le Festin de pierre (1665)

121. Culomar de Grammont, Don Juan ,Fausto E o JuDen ERANTE

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122. Culomar de Grammont, Don Juan ,Fausto E o JuDen ERANTE

123. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P57

124. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P57

8. CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho é o estudo da imagem da China desde a época dos

descobrimentos até ao século XX.

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Podemos dizer que antes da época dos descobrimentos a imagem da China era um

mistério para a Europa, de acordo a literatura portuguesa. Depois dos

descobrimentos, a imagem da China tornou-se na de um país de utopia.

Portugal tinha uma opinião diferente ao contrario dos outros países, tinha uma

imagem negativa da China.

Chegados ao século XX, quando a porta da China foi aberta pelas armadas ocidentais,

esta imagem de utopia desmoronou, e tornou-se negativa, situação que se mantém

até aos dias de hoje, uma imagem fraca como aliás a da própria mulher chinesa.

Este é um conceito que transparece na obra de Maria Ondina Braga, intitulada A

China Fica ao Lado. Um livro escrito em 1968, com vários contos, e com muitos tipos

de personagens de mulheres chinesas.

Por um lado, podemos dizer que este tipo de personagens de mulheres chinesas

corresponde à mesma imagem que a China tem ainda hoje em muitos textos da

literatura portuguesa. Por outro lado, a autora Maria Ondina Braga utilizou a

imagem da China, o misticismo, a religião e outros elementos característicos dos

chineses, para ilustrar a sua visão do estatuto universal da mulher.

Ela foi uma autora, não apenas com muitos anos de experiência no Oriente, mas

também com uma forte consciência feminista, queria despertar a atenção da mulher

portuguesa, de maneira a possibilitar a elevação da sua posição na sociedade.

Maria Ondina Braga foi uma escritora portuguesa que também deu uma grande

contribuição nas relações entre Portugal e China, com consequências benéficas para

os dois países, que não devem ser subvalorizadas. A imagem atual da China, que é

negativa, vai evoluir e, quiçá dentro de alguns anos tornar-se positiva, dado que a

maior característica da imagem é a sua natureza dinâmica.

E é esta característica dinâmica da imagem que é fundamental para conhecer o

outro. Quando alguém observa a imagem do outro poderá conhecer-se melhor a si

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próprio. Através deste estudo tentei conhecer as bases sobre o estudo da imagem e

da literatura comparada.

Há muito tempo que tenho interesse por esta área de estudo, nomeadamente, pelos

métodos dos estudos de imagem, da literatura comparada e especificamente do

orientalismo.

Empregar os métodos citados acima, nesta tese, foi uma tarefa exigente, pois a sua

conciliação revelou-se bastante complexa.

Apesar do meu empenho e do esforço despendido estou consciente que uma tese,

desta natureza, não pode almejar a perfeição. E, assim espero, o primeiro passo para

o aperfeiçoamento do meu conhecimento literário – a aprendizagem só deve acabar,

quando a própria vida findar.

9.Biboliografia

OBRAS De MARIA ONDINA BRAGA

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105

BRAGA, Maria Ondina. O Meu Sentir. Braga: Oficinas Gráficas da Livararia Cruz,1949

Almas e Rima. Braga: Oficinas Gráficas PAX, 1952

Eu vim para ver a terra, Lisboa : Agência-Geral do Ultramar,1965

A China fica ao lado. Lisboa, 1967

Estátua de sal. Lisboa, Ulmeiro, 1983

Amor e Morte, Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural,1970

Os rostos de Jano, Amadora: Livraria Bertrand,1975

A revolta das palavras, Amadora, Livraria bertrand,1975

A personagem, Amadora, Livraria bertrand,1978

Mulheres Escritoras. Lisboa: Livraria bertrand,1980

Estação Morta. Lisboa: Livraria bertrand,1981

A casa suspensa. Lisboa: Relógio D água, 1982

O homem da ilha e outros contos. Lisboa: Edições ática,1982

Angústia em Pequim. Lisboa: Ulmeiro,1984

Lua de sangue. Lisboa: Edições Rolim,1986

Memórias e mais dizeres. Braga: Biblioteca Pública de Braga,1988

Nocturno emMacau. Lisboa, Editorial Caminho,1991

A Rosa de Jericó, Lisboa, Editorial Caminho,1991

Passagem do Cabo, Lisboa, Editorial Caminho,1994

A filha do juramento. Braga. Autores de Braga,1995 Edição.

TRADUÇÕES DE MARIA ONDINA BRAGA

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106

ARTHUR,Ruth,O Retrato de Margarida, Lisboa, Editorial Verbo,1973

BALDWIN,Faith. Todas as Coisas Têm o Seu Tempo. Lisboa.

BERNARD,Raymond. A Terra Oca. Lisboa. Ed.Minerva,s/d

BLACKBURN,Jonh. Um Anel de Rosa. Lisboa. Ed.Minerva,1967

BRAND,Millen. A Esperança dos Vivos,Europa-América,1969

BUCK,Pearl S. A Mãe. Lisboa. Ed.Minerva, sd

CALDWELL, Erskine. Medora. Amadora. Liv. Bertrand,sd

CHAMBERS.Peta. Pode Entrar Sem Bater.Lisboa. ed.Minerva,1969

CHARLES. Teresa. Doente Apaixonada. Lisboa.Ed, Minerva.s

CHARZART, Michel. Georges Sorel e a Revolução dos Sec.XX

CRICHTON. Robert. O Segredo de Santo Vitória. Lisboa Ed. Minerva,1967

DOSTOIEVSKI. Fiodor. O ETERNOMARIDO. Editores Associados.1975

OUTROS TEXTOS CONSULTADOS

Álvaro Manuel Machado, Daniel-Henri Pageaux, Literatura portuguesa ,literatura

comparada e teoria da literatura, Lisboa, Edições 70, 1981

Álvaro Manuel Machado, Daniel-Henri Pageaux, Da literatura comparada à teoria da

literatura, Lisboa, Ed. Presença, lisboa, 2001.

BRAGA, Maria Ondina, Lição de Inglês. Revista de Literaturas Estrangeiras,(em chinês)

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107

El gato in Calandrajas, Tradução de Jesus Lobo, 17. Toledo. Diciembre,1987

Cas Engleskog in Dalie. Sarajevo. 1989

A China Fica ao Lado (em chinês). Macau. Instituto Cultural de Macau,1992

«A mulher em Macau e na China: condições, vozes e figuras”. In: Revista de Cultura.

Macau. N.º24 (II Série) Julho/Setembro 1995.

ADAMS, Sandra – “O lugar da mulher no ocidente e no oriente espartilhos versus pés

enfaixados”. In: Revista de Cultura. Macau. N.º 24 (II Série) Julho/Setembro 1995.

BONHEIM,Helmut - The narrative modes : techniques of the short story. Suffolk, UK :

D. S. Brewer, 1982.

MENDES, M.C.; TOUSSAINT, Michel - Macau : cidade memória no estuário do rio das

pérolas. Macau : Governo de Macau, 1985.

CHAVES, José António Garcia de - As vozes das mulheres : uma escrita acerca das

mulheres e das viagens interiores de Maria Ondina Braga.. - [S.l.] : Labirinto, D.L.

2008.

Enciclopédia Verbo Luso-brasileira de cultura. Edição XXI. São Paulo: Editorial Verbo,

1990 KUNDERA, Milan - A arte do romance. Trad. de Luísa Feijó e Maria João

Delgado. - Lisboa : Publ. Dom Quixote, 1988. 96 97

MALLARME, Stéphane -A tarde dum fauno e Um lance de dados/Trad. e pref. de

Armando Silva Carvalho. - Lisboa : Relógio d'Água, 2001.

MARTINS, Lourdes Lãncio; LABORINHO, A. Paula(Org.s) - Colóquio “Macau na Escrita,

escritas de Macau”. Lisboa: Faculdade de Letras, 2008.

Memoriam Maria Ondina Braga. In: DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2006.

PEREIRA, Luís da Silva; VIEIRA, M. A.; BRAGA, Maria Ondina - Contos de riso e siso :

antologia de contos . Braga: Autores de Braga, 2000.

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108

PONTO FINAL. Blog consultado em 15-07-2009, na página:

http://pontofinalmacau1.blogspot.com/2008/11/os-livros-e-os-autores-de-

macau.html. PORTUGAL. ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Voto de pesar pela morte da

escritora Maria Ondina Braga (1932-2003). Lisboa: Assembleia da República, 2003.

REIS, Carlos - Dicionário de narratologia. 4.ª ed. rev. e aumentada. - Coimbra : Liv.

Almedina, 1994.

REVISTA DE CULTURA. Macau: Instituto Cultural de Macau. N.º 15

Julho/Agosto/Setembro 1991.

REVISTA DE CULTURA. Macau: Instituto Cultural de Macau. N.º 20 (II Série)

Julho/Setembro 1994.

REVISTA DE CULTURA. Macau: Instituto Cultural de Macau. N.º 24 (II Série)

Julho/Setembro 1995.

REVISTA LUSÓFONA DE EDUCAÇÃO. Consultada no site:

http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducaca. WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre.

Consultada a biografia da autora no site:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Ondina_Braga

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10. Anexos

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UM ENTREVISTA EM SÃO PAULO, BRASIL, 1987

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O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981

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O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981

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O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981

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O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981