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79 Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional: posicionamento jurisprudencial no Tribunal de Justiça de Santa Catarina e caso Oswaldo Sanches Bianca Burmeister Tirelli Gomes dos Santos 1 Recebido: 31/5/2012 Aprovado: 12/10/2012 Resumo: O presente artigo analisa a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional, tendo como objetivo verificar se o Estado brasileiro, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), vem sendo responsabilizado por essa demora. Utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica, com análise de livros, doutrinas, artigos e jurisprudências. Em um primeiro momento, realizou-se uma avaliação da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado. Posteriormente, abordou-se o princípio constitucional da duração razoável do processo, relacionando-o com o tempo de duração do processo judicial e o efetivo acesso à justiça. Por fim, analisou-se a questão do direito à indenização em razão da demora na prestação jurisdicional por meio de pesquisas jurisprudenciais nacionais, com especial foco no Estado de Santa Catarina, visando apurar se, no âmbito desse tribunal, o Estado brasileiro vem sendo responsabilizado por essa demora, e os jurisdicionados, indenizados. Com o estudo do tema, concluiu-se que, em que pese grande parte da doutrina defender a possibilidade e até a necessidade de responsabilizar o Estado pelas violações da garantia constitucional da duração razoável do processo, em Santa Catarina ainda não há julgados do Tribunal de Justiça condenando o Estado a indenizar os jurisdicionados nos casos em que há tal violação, embora o referido tribunal admita a responsabilização do Estado nesses casos. Palavras-chave: Constitucional; administrativo; responsabilidade civil do Estado; princípio da duração razoável do processo; indenização; demora; prestação jurisdicional. Abstract: This article analyzed the liability of the State for the delay in adjudication and evaluated whether the Brazilian government, under the Court of Justice of the State of Santa Catarina (TJSC), has been held responsible for this delay. A review of literature was conducted by analyzing books, articles and law cases. Firstly, we analyzed the historical evolution of civil liability of the State. Afterwards, the constitutional principle of reasonable duration of lawsuits was related to the duration of the judicial lawsuit and effective access to justice. Finally, the right to compensate the delay in adjudication was discussed. A survey of national jurisprudence focused on the state of Santa Catarina primarily, determined whether, under this Court, the Brazilian State has been held responsible for this delay and the petitioners compensated. The study of this issue led to the conclusion that, although the doctrine clearly defends the possibility, and even the necessity, of the State liability when violating the constitutional guarantee of reasonable duration of lawsuits, the Brazilian State has not yet been sentenced by the Court of Justice in the State of Santa Catarina to compensate petitioners in case of such violation. However, this Court of Justice accepts the responsibility of the State in those cases. Keywords: Constitutional; administrative; liability of the State; article 37, § 6°, of the Brazilian Constitution; principle of reasonable duration of lawsuits; compensation; delay; adjudication. 1 Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no (Univille). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no Univille). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no ). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no . Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no leiga no eiga no 2.º Juizado Especial Cível de Joinville desde agosto de 2012. Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de .º Juizado Especial Cível de Joinville desde agosto de 2012. Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Juizado Especial Cível de Joinville desde agosto de 2012. Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc). Pós-graduanda em Direito Público pela Fundação Universidade de Blumenau (Furb). (Furb). Furb). ).

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jurisprudencial.no.Tribunal.de.Justiça.de.Santa.Catarina.e.caso.Oswaldo.Sanches

Bianca Burmeister Tirelli Gomes dos Santos1

Recebido:.31/5/2012Aprovado:.12/10/2012

Resumo: O presente artigo analisa a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional, tendo como objetivo verificar se o Estado brasileiro, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), vem sendo responsabilizado por essa demora. Utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica, com análise de livros, doutrinas, artigos e jurisprudências. Em um primeiro momento, realizou-se uma avaliação da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado. Posteriormente, abordou-se o princípio constitucional da duração razoável do processo, relacionando-o com o tempo de duração do processo judicial e o efetivo acesso à justiça. Por fim, analisou-se a questão do direito à indenização em razão da demora na prestação jurisdicional por meio de pesquisas jurisprudenciais nacionais, com especial foco no Estado de Santa Catarina, visando apurar se, no âmbito desse tribunal, o Estado brasileiro vem sendo responsabilizado por essa demora, e os jurisdicionados, indenizados. Com o estudo do tema, concluiu-se que, em que pese grande parte da doutrina defender a possibilidade e até a necessidade de responsabilizar o Estado pelas violações da garantia constitucional da duração razoável do processo, em Santa Catarina ainda não há julgados do Tribunal de Justiça condenando o Estado a indenizar os jurisdicionados nos casos em que há tal violação, embora o referido tribunal admita a responsabilização do Estado nesses casos.Palavras-chave: Constitucional; administrativo; responsabilidade civil do Estado; princípio da duração razoável do processo; indenização; demora; prestação jurisdicional.

Abstract: This article analyzed the liability of the State for the delay in adjudication and evaluated whether the Brazilian government, under the Court of Justice of the State of Santa Catarina (TJSC), has been held responsible for this delay. A review of literature was conducted by analyzing books, articles and law cases. Firstly, we analyzed the historical evolution of civil liability of the State. Afterwards, the constitutional principle of reasonable duration of lawsuits was related to the duration of the judicial lawsuit and effective access to justice. Finally, the right to compensate the delay in adjudication was discussed. A survey of national jurisprudence focused on the state of Santa Catarina primarily, determined whether, under this Court, the Brazilian State has been held responsible for this delay and the petitioners compensated. The study of this issue led to the conclusion that, although the doctrine clearly defends the possibility, and even the necessity, of the State liability when violating the constitutional guarantee of reasonable duration of lawsuits, the Brazilian State has not yet been sentenced by the Court of Justice in the State of Santa Catarina to compensate petitioners in case of such violation. However, this Court of Justice accepts the responsibility of the State in those cases.Keywords: Constitutional; administrative; liability of the State; article 37, § 6°, of the Brazilian Constitution; principle of reasonable duration of lawsuits; compensation; delay; adjudication.

1 Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no(Univille). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga noUniville). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no). Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga no. Advogada desde maio de 2012. Juíza leiga noleiga noeiga no 2.º Juizado Especial Cível de Joinville desde agosto de 2012. Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de.º Juizado Especial Cível de Joinville desde agosto de 2012. Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Juizado Especial Cível de Joinville desde agosto de 2012. Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc). Pós-graduanda em Direito Público pela Fundação Universidade de Blumenau (Furb).(Furb).Furb).)..

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INTRODUÇÃO

Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo, horrorizado e temendo um novo holocausto, uniu-se na consagração dos direitos humanos. Assim, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Ainda caminhando em direção à defesa dos direitos humanos, em 1969 criou-se na América a Convenção Americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica), que reconheceu, em seu artigo 8.º, inciso I, entre outras garantias, o direito de toda pessoa a ser ouvida dentro de um prazo razoável.

Com relação à ordem jurídica interna, a atual Constituição Brasileira, em seu artigo 5.º, inciso LXXVIII, ao tratar dos direitos e das garantias fundamentais, assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O acesso à justiça, como direito fundamental previsto na ordem jurídica nacional e internacional, está intimamente ligado à razoável duração do processo, ou seja, não há que se falar em efetivo acesso à justiça sem considerar a necessidade de razoável duração do processo.

O processo demasiadamente longo ocasiona a demora na prestação jurisdicional, e esta é frequente causa de perecimento de direitos, gerando angústia por parte dos jurisdicionados e descrédito em relação ao Poder Judiciário. Em razão disso, a importância de estudar a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional advém de problemas enfrentados diariamente no Poder Judiciário pelos jurisdicionados e pelos operadores do Direito. Tais problemas, ao gerar a demoraa demora na entrega da jurisdição, violam preceitos fundamentais previstos em nossa Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Assim, o objetivo deste artigo é analisar aanalisar a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional e verificar se o Estado brasileiro, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), vem sendo responsabilizado por essa demora.

CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Segundo Telles (2000 apud CARVALHO FILHO, 2010, p. 591), “a noção de responsabilidade implica a ideia de resposta, termo que, por sua vez, deriva do vocábulo verbal latino respondere, com o sentido de responder, replicar”. Assim, responsabilidade, para o Direito, “é a circunstância de que alguém, o responsável, deve responder perante a ordem jurídica em virtude de algum fato precedente” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 591).

Com relação à responsabilidade civil do Estado, nas palavras de Cahali (2007, p. 13), seria “a obrigação legal que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades”.

Importante observar que, “quando se fala em responsabilidade do Estado, está se referindo aos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a jurisdicional e a legislativa” (DI PIETRO, 2010, p. 638).

EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

No Estado absolutista (século XIX), “a“a ideia que prevaleceu no mundo ocidental era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes” (CARVALHO FILHO, 2010,CARVALHO FILHO, 2010, p. 594). Tal Tal teoria repousava fundamentalmente na ideia de soberania e, em razão disso, era comum o uso das expressões “The king can do no wrong” (o rei não erra), “L’État c’est moi” (o Estado sou

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eu) e “Le roi ne peut mal faire” (o rei não pode errar) (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 248-249; DIDI PIETRO, 2006, p. 640).

Obviamente, a teoria da irresponsabilidade do Estado não prevaleceu por muito tempo. Assim, com o advento do Estado de Direito, observou-se grande evolução na matéria, deixando o Estado de ser inatingível e passando a submeter-se a direitos e deveres previstos nos ordenamentos jurídicos.

Surgiu então a teoria da responsabilidade subjetiva, de concepção civilista, ou seja, fundada na culpa (teoria civilista da culpa). SegundoSegundo Cavalieri Filho (2006, p. 249), “se no Estado de Direito o Poder Público também se submete à lei, a responsabilidade estatal é simples corolário, conseqüência lógica e inevitável dessa submissão”. Entretanto essa teoria também nãoEntretanto essa teoria também não poderia perdurar por muito tempo, pois, sendo de concepção civilista, a responsabilização do Estado haveria de se desligar dos princípios que regem o Direito privado.

A jurisprudência francesa, em 1873, deu o primeiro passo no sentido da elaboração de teorias da responsabilidade do Estado segundo princípios de Direito público. O marco histórico foi o famoso caso Blanco, em que a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua na cidade de Bordeaux, foi atingida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo. Assim, o pai da menina ingressou com ação indenizatória contra o Estado francês, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por danos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes (DI PIETRO, 2010, p. 641).DI PIETRO, 2010, p. 641)..

Começaram assim a aparecer as teorias da responsabilidade do Estado segundo princípios de Direito público. Surgiram a teoria da culpa do serviço (da culpa administrativa, da falta do serviço ou da culpa anônima) e a teoria do risco (desdobrada em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral).

Conforme o entendimento majoritário da doutrina, a atual Constituição brasileira

adotou a teoria da responsabilidade pelo risco administrativo, a qual estaria atrelada à teoria da responsabilidade objetiva, prevista no artigoartigo 37, § 6.º, da Constituição Federal (CF).

A teoria do risco administrativo constitui-se na probabilidade de danos serem causados aos indivíduos em razão da atividade administrativa do Estado. Em que pese a administração pública exercer suas várias atividades visando atender aos interesses de todos os indivíduos, é possível que, em determinados momentos, particulares sofram danos decorrentes de condutas comissivas ou omissivas dos agentes públicos. Dessa forma, segundo a teoria do risco administrativo, considerando que, a priori, todos se beneficiam das atividades administrativas, nada mais justo que imputar a todos o compartilhamento dos ônus decorrentes de tal atividade. Portanto, imputa-se ao Estado, que representa a coletividade, o ressarcimento de tais danos.

Na teoria da responsabilidade objetiva do Estado, basta que o lesado comprove o nexo causal entre o dano sofrido e o funcionamento do serviço público, ou seja, essa forma de responsabilidade dispensa a verificação do fator culpa.

Portanto, é possível afirmar que se aplica hoje, no Brasil, a teoria da responsabilidade objetiva, prevista no artigo 37, § 6.º, da CF, bem como a teoria do risco administrativo, a qual tem fundamento na equidade e igualdade de ônus e encargos sociais.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA ATIVIDADE JUDICIÁRIA

Há grande divergência doutrinária no que se refere à possibilidade de responsabilizar o Estado pelos danos decorrentes da atividade judiciária. Tal divergência ocorre de forma mais expressiva na esfera cível, uma vez que na esfera penal, especificamente nas hipóteses de erro judiciário e cumprimento de pena além do

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tempo fixado na sentença, há expressa previsão constitucional nesse sentido (artigo 5.º, LXXV, da CF).

Na esfera cível, a possibilidade de responsabilização civil do Estado pela atividade judiciária divide-se. Parte da doutrina entende que o Estado não pode ser responsabilizado pelos atos jurisdicionais típicos. Contudo outra parte significativa da doutrina vem defendendo a responsabilidade do Estado pelas falhas e omissões na prestação jurisdicional. NasNas palavras de Cahali (2007, p. 470):

[...] vem-se acentuando, mais recentemente, uma expressiva manifestação doutrinária, com reflexos antecipatórios na jurisprudência, no sentido do reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos danos consequentes de suas falhas e omissões na prestação jurisdicional.

Para os defensores de tal tese, a atividade judiciária integra o conceito de serviço público, e, em razão disso, aplica-se aos eventuais danos decorrentes dessa atividade o mesmo tratamento destinado às demais atividades privativas do Estado. Annoni (2008, p. 82) explica:

Para se falar em responsabilidade do Estado pelos atos do Poder Judiciário é preciso ter claro que a atividade judiciária integra o conceito de serviço público, razão pela qual também deve responder o Poder Público pelos danos que os agentes judiciários vierem a causar ao particular.

Importante observar que “a tutela de direitos é prestação exclusivamente incumbida ao Poder Judiciário [...], sendo até mesmo considerado crime contra a administração da justiça o ato de particular em fazer justiça pelas próprias mãos” (ANNONI, 2008, p. 86).

Cavalieri Filho (2006, p. 284) defende a aplicação do dispositivo constitucional (artigo 37, § 6.º, da CF) aos danos causados pela atividade judiciária:

No que respeita aos danos causados pela atividade judiciária, aqui compreendidos os casos de denegação da justiça pelo juiz, negligência no exercício da atividade, falta do serviço judiciário, desídia dos serventuários, mazelas do aparelho judicial, é cabível a responsabilidade do Estado amplamente com base no artigo 37, §6.º, da Constituição ou na culpa anônima (falta do serviço), pois trata-se […] de atividade administrativa realizada pelo Poder Público.

Outra divergência doutrinária é em relação ao significado de “atividade judiciária”. Alguns autores fazem distinção entre as atividades exercidas no âmbito do Poder Judiciário, separando as de caráter jurisdicional propriamente dito, ou seja, no sentido de “dizer o direito”, e as atividades administrativas necessárias para o bom funcionamento da máquina judiciária.

Quando se fala da responsabilidade do Estado pela atividade judiciária, está a se tratar de serviço público, atividade essencial realizada pelo Poder Público (Estado), no âmbito do Poder Judiciário, por intermédio de seus servidores. Assim, a atividade judiciária deve ser entendida atividade judiciária deve ser entendida como o conjunto de ações realizadas no âmbito do Poder Judiciário, englobando tanto a atividade jurisdicional propriamente dita, ou seja, os atos realizados pelos juízes no sentido de “dizer o direito” (juris dictio), como também os atos administrativos executados pelos juízes e demais servidores, para o bom funcionamento do sistema judiciário. Esse é o entendimento de Annoni (2008) e Figueira Júnior (1995), o qual será adotado neste estudo.

Importante destacar que, para atingir a “entrega jurisdicional”, se faz necessária a movimentação de toda a máquina que constitui o Poder Judiciário, incluindo-se, além dos atos dos juízes (jurisdicionais ou administrativos), demais atos praticados por todos os servidores do Poder Judiciário. Por essa razão, no presente estudo, quando se tratar da responsabilidade do

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Estado pela demora na prestação jurisdicional, estar-se-á considerando o “todo”, toda a máquina judiciária e todos os atos praticados por todos os agentes do Estado no exercício da prestação jurisdicional. Isso porque se entende que a demora não decorre de um ato isolado, mas de um conjunto de atos (comissivos e omissivos) que contribuem para a demora do processo. A insuficiência de recursos materiais e humanos também colabora para a demora processual. Portanto, conforme defende Annoni (2008, p. 104), “deve o Estado responder igualmente por atos jurisdicionais ou de caráter administrativo sempre que se violar injustamente direito de terceiro [...]”.

Dessa forma, no que se refere à possibilidade de responsabilização do Estado pela atividade judiciária, em que pesem os posicionamentos contrários, entende-se da possibilidade de responsabilização estatal, nos termos do artigo 37, § 6.º, da CF, uma vez que esta constitui modalidade de serviço público e atividade essencial para o Estado Democrático de Direito.

PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAzOÁVEL DO PROCESSO COMO MEIO DE EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

Segundo Annoni (2008, p. 150), “a tutela jurisdicional deve ser pronta e eficaz, para que seja justa”. Ou seja, o tempo de duração do processo está diretamente ligado a sua eficácia.

Silva (2008, p. 432), ao tratar do tema, observa que “[...] o acesso à justiça por si só já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado [...]”.

Canotilho (2003, p. 499) afiança que “a proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz e temporalmente adequada”. Para o autor, “[...] ao demandante de uma protecção jurídica deve ser reconhecida a

possibilidade de, em tempo útil [...], obter uma sentença executória com força de caso julgado – a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça [...]” (CANOTILHO, 2003, p. 499).

Importante observar que o tempo razoável de duração de um processo há de ser proporcional à complexidade do caso. No Brasil, adota-se a doutrina do não prazo. Essa teoria não fixa em lei um prazo máximo de duração para o processo, mas considera sua complexidade para aferição do tempo razoável (RAMOS, 2008, p. 60).

A Corte Europeia de Direitos Humanos, que também adota a “teoria do não prazo”, vem realizando uma análise com base em alguns parâmetros objetivos para aferição da razoabilidade da dilação processual:

a) a complexidade da causa, relacionada com as diversidades procedimentais e as expectativas das partes; b) o comportamento das partes e de seus procuradores, questão relacionada ao abuso dos direitos processuais; c) o comportamento das autoridades judiciárias, ligado principalmente ao regular exercício dos poderes do juiz para dar rápido andamento ao litígio (RAMOS, 2008, p. 62).

O critério orientador seria a máxima tutela no menor tempo possível, visando a um processo célere e justo. Assim, o tempo de duração razoável do processo é variável, uma vez que dependerá das circunstâncias e da complexidade do caso concreto, bem como do ordenamento jurídico de que se trata.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA VIOLAÇÃO À GARANTIA DO PRAzO RAzOÁVEL – ARTIGOS �.�,ARTIGOS �.�, LXXVIII, E 37, § 6.�, DA CF

A part ir da Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, o Brasil passou a contemplar, no artigo 5.º, inciso LXXVIII, da CF, o princípio da

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“duração razoável do processo”, que representa o direito à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável.

Todavia em 26 de maio de 1992 o Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em São José na Costa Rica em 1969. Seu artigo 8.º, I, preceitua que toda pessoa tem direito à tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável (FUNDAÇÃO INSTITUTO DEFUNDAÇÃO INSTITUTO DE DIREITOS HUMANOS, 2012). Em razão disso,. Em razão disso, alguns autores defendem que tal princípio já era previsto no ordenamento jurídico pátriomento jurídico pátrio mesmo antes da Emenda Constitucional 45.

De qualquer forma, diante do preceito constitucional e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Estado brasileiro, titular da prestação jurisdicional, tem o dever de prestá-la em prazo razoável. A violação de tal garantia gera, em tese, ao Estado o dever de indenizar o jurisdicionado. Segundo AnnoniSegundo Annoni (2008, p. 150), “tendo o Estado moderno tomadoendo o Estado moderno tomado para si o poder de dizer o Direito, interpretá-lo e aplicá-lo, a omissão, que vier a gerar danos ao particular, deve ser indenizada”.

Alguns autores, como Annoni (2008) e(2008) ee Ramos (2008), defendem que o Estado deve(2008), defendem que o Estado deve, defendem que o Estado deve responder, objetivamente, pelos danos materiais e morais suportados pelo cidadão quando da demora na prestação jurisdicional.

De acordo com Ramos (2008, p. 110),

uma parte da doutrina sustenta, com base no art. 37, §6.º, da Constituição Federal, o qual dispõe sobre a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas prestadoras de serviço público, que as dilações indevidas e paralisações injustificadas em virtude de falhas no serviço judiciário impõem a responsabilização civil objetiva do Estado.

A responsabilização do Estado pela violação à garantia do prazo razoável constitui, portanto, instrumento de garantia e proteção aos direitos humanos. Isso porque “o reconhecimento do dever do Estado em indenizar os prejudicados

pela atividade jurisdicional imperfeita, no caso a demora na prestação da justiça, é o próprio reconhecimento do direito à justiça” (ANNONI, 2008, p. 151). A autora entende que “admitir a irresponsabilidade estatal pela demora na prestação jurisdicional seria admitir a própria denegação da justiça, uma vez que uma resposta que muito tarda não pode ser justa” (ANNONI, 2008, p. 151). Em razão disso, com fundamento no artigo 37, § 6.º, da CF, também defende que “o Estado deve responder, objetivamente, pelos danos, materiais e morais, suportados pelo cidadão quando da demora na prestação da tutela jurisdicional” (ANNONI, 2008, p. 151).

Entretanto outra parte da doutrina entende que, em razão da indeterminação conceitual da garantia da duração razoável do processo, nos casos em que se exigir maior investigação acerca da forma que foi prestada a jurisdição, a responsabilidade estatal seria subjetiva (RAMOS, 2008, p. 111).

Importante destacar que o Estado tem o dever de assegurar uma prestação eficiente do serviço da justiça. Em razão disso, não pode querer justificar a falha do serviço em razão de fatores como sobrecarga de trabalho, falta de estrutura, grande número de processos, entre outros (RAMOS, 2008, p. 111).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E O DIREITO À INDENIzAÇÃO

A morosidade da justiça acaba por gerar mais conflito e, muitas vezes, torna inútil a prestação jurisdicional, acarretando prejuízos por vezes irreversíveis às partes. Imaginar que tais prejuízos não sejam suscetíveis de indenização por parte do Estado é o mesmo que desconsiderar o princípio da ampla reparabilidade das lesões aos direitos dos cidadãos (artigo 5.º, V e X, da CF).(artigo 5.º, V e X, da CF).

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Cahali (2007, p. 512-513) sustenta que: “sãop. 512-513) sustenta que: “sãosustenta que: “são perfeitamente indenizáveis os danos material e moral originados da excessiva duração do processo, desde que o diagnóstico da morosidade tenha como causa primordial o anormal funcionamento da administração da justiça”.

Assim, para que o jurisdicionado tenha direito a tal reparação, não é necessário demonstrar a culpa ou o dolo dos juízes, basta caracterizar a relação de causalidade entre a demora do processo e o serviço falho e inerte do Judiciário.

Ramos diz que caberá demanda indenizatória contra o Estado, pelo rito comum, possibilitando que as partes demonstrem a extensão dos danos materiais e/ou morais sofridos e que os juízes, com base nos critérios desenvolvidos pela Corte Europeia de Direitos Humanos, avaliem se houve violação da garantia da duração razoável do processo no caso concreto. Segundo o autor, “como a responsabilidade é do Estado, a demanda deve ser proposta no juízo de primeiro grau com competência para as questões relativas à Fazenda Pública” (RAMOS, 2008, p. 128). Assim, não haveria que se falar em competência originária de segunda instância, uma vez que a indenização deve ser discutida em face do Estado, e não do juiz (RAMOS, 2008, p. 128).

POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Em pesquisa realizada no site (PODER JUDICIÁRIO DE SANTA CATARINA, 2012) do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), por intermédio do sistema de pesquisa jurisprudencial, verificou-se que, ao buscar por ementas de acórdãos do tribunal contendo as palavras “responsabilidade, Estado, demora, prestação jurisdicional”, são disponibilizadas no sistema de busca, entre

outras, três decisões relativas à questão da responsabilização do Estado pela demora na prestação jurisdicional.

Apesar de em nenhuma delas o Estado ter sido condenado a indenizar a parte pela demora na entrega da jurisdição, a fundamentação de tais decisões tem especial relevância para este estudo, razão pela qual serão analisadas aqui.

APELAÇÃO CÍVEL N.� 2007.003�29-3

Na primeira decisão (Apelação cível n.º 2007.003529-3, Relatora Des. Sônia Maria Schmitz, 3.ª Câmara de Direito Público, TJSC, 19/1/2009), a autora, Sebastiana Malaquias Neto, ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Estado de Santa Catarina, argumentando excessiva duração do processo em que almejava reparação de prejuízos sofridos em acidente de trânsito.

A autora envolveu-se em acidente de trânsito em 23/12/1984, acarretando-lhe lesão grave na perna. Em razão disso, em 10/5/1989 postulou ação de reparação pelos danos sofridos no acidente, sendo a sentença proferida somente em 18/2/1997.

Assim, em razão dos quase 8 anos de duração do processo, a senhora Sebastiana ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Estado de Santa Catarina, argumentando excessiva duração do processo.

A decisão de primeiro grau julgou improcedente o pedido, e a autora recorreu ao TJSC.

Da análise da decisão é possível observar que o acórdão admite a responsabilidade subjetiva do Estado pela demora da prestação jurisdicional. Segue trecho do acórdão:

Oportuno lembrar que o § 6.º do art. 37 da CRFB/88, contempla a teoria do risco administrativo, pela qual o Poder Público tem o dever de indenizar os danos que suas atividades, serviços e inações causarem a particulares,

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bastando, para tanto, a comprovação do efetivo prejuízo e sua relação causal com a conduta da administração. E, tratando de comportamento omissivo, faz-se indispensável a comprovação da culpa do agente público, conduzindo a análise da questão aos contornos da responsabilidade subjetiva.[...]Daí que perfeitamente indenizável o dano originado da excessiva duração do processo. Todavia, a condenação exige, por suposto, que a morosidade tenha como causa primordial a inércia do julgador. (Apelação cível n°. 2007.003529-3, SANTA2007.003529-3, SANTA CATARINA, 2009).

Entretanto posteriormente o acórdão afirma que nesse caso não ocorrera a frustação da garantia da duração razoável do processo, vez que a autora teria contribuído para a demora da demanda. Portanto, observa-se que a decisão, nesse ponto, coloca a conduta da parte, que teria contribuído para a demora da prestação jurisdicional, como espécie de “excludente da responsabilidade do Estado”. Em razão disso, o acórdão decidiu pelo desprovimento do recurso de apelação interposto pela autora.

APELAÇÃO CÍVEL N.� 200�.027�14-�

O segundo acórdão (Apelação cível n.º cível n.º 2005.027514-5, Relator Des. Jaime Ramos, 4.ª Câmara de Direito Público, TJSC, 27/2/2008) trata do caso do senhor Tito Silvestre, o qualTito Silvestre, o qual ajuizou em 1973 uma ação anulatória, buscando ver declarada a nulidade de uma alienação de imóvel. No entanto o pedido somente foi julgado em primeiro grau no ano de 2000 e, no ano de 2002, julgado pelo Tribunal de Justiça o recurso interposto pelo autor, somando quase 29 anos para a entrega da jurisdição.

Assim, posteriormente, o autor ajuizou ação de reparação de danos contra o Estado de Santa Catarina, pleiteando o pagamento de indenização por danos morais em razão da

demora na entrega da prestação jurisdicional, com base na responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no artigo 37, § 6.º, da CF.

Porém o pedido foi julgado improcedente em primeiro grau, e o recurso de apelação, interposto pelo autor, desprovido em segundo grau.

Conforme a fundamentação da decisão de segundo grau, o tribunal entendeu por não assistir razão ao apelante porque a demora teria se dado por culpa exclusiva do autor, bem como não teria sido demonstrado o prejuízo ou dano, uma vez que o pedido da ação anulatória fora julgado improcedente em primeiro grau e confirmada a decisão em segundo grau, tendo transitado em julgado. Portanto, em razão disso, não teria o autor experimentado nenhum prejuízo.

Citamos trecho do acórdão:

[...] a falta de comprovação do dano moral que o autor pretende ver indenizado é flagrante, pois, se não foi vencedor na ação anulatória de escritura pública, a expectativa de longos anos de espera pela prestação jurisdicional não lhe foi danosa. Muito pelo contrário, foi-lhe benéfica, porque não teve que suportar, anos antes, os ônus da sucumbência que lhe foram impostos ao final.(Apelação cível n.º 2005.027514-5, SANTA cível n.º 2005.027514-5, SANTA CATARINA, 2008).

O entendimento do TJSC de que o autor não teria sofrido dano ou prejuízo, uma vez que foi perdedor na ação anulatória, diverge da maioria da doutrina, vez que a angústia, a ansiedade e o “peso” por ser parte em demanda judicial não atingem só quem ganha, como também quem perde, não só o autor, mas também o réu.

Ainda, o acórdão fundamenta sua decisão alegando que:

outros onze (11) anos que causaram a demora decorrem do grande volume de processos que diariamente chegam

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às portas do Poder Judiciário, tornando humanamente impossível a entrega de uma prestação jurisdicional em tempo exíguo [...].(Apelação cível n.º 2005.027514-5, SANTA cível n.º 2005.027514-5, SANTA CATARINA, 2008).

Nesse ponto da decisão também se observa divergência em relação à doutrina, pois grande parte dos autores entende que o caos vivenciado hoje no Judiciário deve ser considerado para apuração do “tempo razoável” de um processo, mas não exime o Estado da obrigação constitucional de prestar a jurisdição em tempo razoável e de assegurar os meios que garantam a sua celeridade. Pode-se afirmar que quase 29 anos para a entrega final da jurisdição é, flagrantemente, tempo acima do razoável.

Mais adiante no acórdão afirma-se que:

[...] a responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados (Apelação cível n.º(Apelação cível n.º cível n.º 2005.027514-5, SANTA CATARINA, 2008).

Nesse ponto se observa que o acórdão admite a responsabilização subjetiva do Estado pela demora na prestação jurisdicional, mas não aplicável ao caso concreto em razão da culpa exclusiva das partes e de seus advogados.

APELAÇÃO CÍVEL N.� 2009.04�197-42009.04�197-4

O terceiro acórdão (Apelação cível n°. cível n°. 2009.045197-4, Relator Des. Carlos Adilson Silva, 3.ª Câmara de Direito Público, TJSC, 29/2/2012) trata do caso da senhora Laurentina Pereira dos Santos, a qual moveu ação previdenciária para a concessão de sua aposentadoria rural. Julgado procedente seu pedido, ajuizou execução Contra a Fazenda pública. Entretanto esperou por mais de cinco anos para expedição do respectivo

precatório. Em razão disso, posteriormente moveu ação de indenização por danos morais, materiais e perdas e danos contra o Estado de Santa Catarina, alegando excessiva duração do processo a ser atribuída à magistrada de primeiro grau, que teria praticado atos desnecessários ao processo, ocasionando o lento trâmite processual.

O processo foi julgado improcedente em primeiro grau, tendo a autora interposto apelação perante o TJSC.

Da análise do acórdão vê-se que o tribunal concluiu que os atos praticados pela magistrada indicam observação ao princípio da segurança jurídica, portanto, não estaria demonstrada a culpa da magistrada, não podendo ensejar responsabilidade por parte do Estado.

Citamos trecho do acórdão: “[...] tratando-se de conduta praticada por Magistrado, há necessidade de comprovação da culpa, conduzindo-se a análise ao viés da responsabilidade subjetiva” (Apelação cível n.º cível n.º 2009.045197-4, SANTA CATARINA, 2012).

Posteriormente, o acórdão identifica que a conduta da autora teria contribuído para a demora do processo e que não teria existido dano a ser indenizado.

Assim, o tribunal julgou pelo desprovimento do recurso, em razão da ausência de prova e impossibilidade de imputar ao Estado qualquer responsabilidade pela demora na entrega da prestação jurisdicional nesse caso.

Contudo é possível observar trecho do acórdão admitindo a possibilidade de responsabilizar o Estado pela demora na entrega da prestação jurisdicional, desde que à luz da responsabilidade subjetiva:

[...] não basta o só fato do prejuízo verificado e o nexo de causalidade entre a ação ou omissão estatal para, automaticamente, incidir o dever de reparação. Impõe-se que essa demora ou retardamento caracterize-se como omissão, falha ou falta do serviço,

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de modo a empenhar a responsabilidade subjetiva do Estado, devendo o interessado fazer prova da culpa do serviço e identificá-la adequadamente (Apelação cível n.º cível n.º 2009.045197-4, SANTA CATARINA, 2012).

Conclui-se, portanto, que nessa decisão também não ficou afastada a possibilidade de responsabilizar o Estado subjetivamente pela demora na prestação jurisdicional.

CASO OSWALDO SANChES

Interessante abordar neste estudo o caso emblemático Oswaldo Sanches contra a União, processo n.º 89.0017372-3, do Juízo Federal da 7.ª Vara de São Paulo.

Oswaldo Sanches, autor em demanda trabalhista, esperou por mais de 20 anos para o recebimento de verbas que lhe eram devidas. Assim, em decorrência da morosidade e longa tramitação do processo, o autor, posteriormente, ajuizou ação perante a Justiça Federal de São Paulo, objetivando o recebimento de indenização a título de danos morais.

Em primeiro grau, a então juíza federal Marisa Ferreira dos Santos (atualmente integrando o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região) julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré ao pagamento de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos atualizados, a título de indenização por dano moral, pela não prestação da justiça em prazo razoável.

Entretanto a decisão foi reformada em grau de recurso, não pelo entendimento de ser incabível indenização por danos morais nesses casos, mas porque o tribunal entendeu que não havia pedido expresso para a condenação por danos morais, e sim apenas implícito, o que perante o princípio da inércia não pode ser admitido (Apelação cível n.° 96.03.049804-1, Relator Des. Baptista Pereira, Terceira Turma, TRF3, 15/12/1999).

De qualquer forma, é a decisão nacional mais marcante na história da responsabilidade civil do Estado brasileiro pela demora na prestação jurisdicional, constituindo importante precedente tanto para a doutrina como para a jurisprudência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo foi possível notar que, apesar de grande parte da doutrina defender a possibilidade e até necessidade de responsabilizar o Estado pelas violações da garantia constitucional da duração razoável do processo, no Brasil ainda há grande resistência dos tribunais em condenar o Estado a indenizar o jurisdicionado nos casos em que há tal violação.

No Estado de Santa Catarina, foco deste estudo, foram encontrados apenas três casos em que foi requerida a responsabilização estatal pela demora dos processos. Em dois deles os pedidos foram julgados improcedentes sob o fundamento de terem as partes e seus advogados contribuído para a demora no julgamento da demanda, configurando espécie de “excludente da responsabilidade estatal”. Todavia observou-se que, caso não houvesse essa contribuição das partes e seus procuradores para a demora do processo, o Estado poderia ter sido responsabilizado, uma vez que as decisões do tribunal não afastaram a possibilidade de responsabilização estatal pela demora na prestação jurisdicional, em sua modalidade subjetiva. No terceiro caso, o pedido foi julgado improcedente por falta de provas e, da mesma forma, não ficou afastada a possibilidade de responsabilização subjetiva do Estado.

Assim, é possível concluir que o Estado não vem sendo responsabilizado pela demora da prestação jurisdicional em Santa Catarina. Contudo, no âmbito desse tribunal, apesar de não ter sido encontrada nenhuma decisão

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condenatória do Estado, tal possibilidade não ficou afastada.

Resta ainda um longo caminho a serm longo caminho a ser percorrido no sentido da responsabilização estatal pelo exercício da função jurisdicional, sobretudo em razão da morosidade dos processos. A doutrina brasileira já avançou muito nesse tema, mas é preciso que os operadores do Direito reconheçam a possibilidade e a necessidade de responsabilizar o Estado pela demora na entrega da jurisdição como medida capaz de tornar efetiva a garantia constitucional da duração razoável do processo. Faz-se imprescindível que os advogados das partes que tenham esse direito violado conheçam tal possibilidade e busquem, no Judiciário, a responsabilização estatal a fim de que seus clientes sejam indenizados. Assim, pouco a pouco, exigir-se-á do Estado a observância desse princípio constitucional.

Por fim, destaca-se que não é mais possível ignorar a responsabilidade do Estado pela demora na entrega da jurisdição. Não pode o cidadão continuar suportando sozinho o ônus da demora dos processos, ainda mais num país que garante constitucionalmente aos indivíduos o direito do acesso à justiça e da duração razoável do processo.

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