32
opinião análise informação circulação interna 303 ^ Os sentidos do trabalho ^ Massacre de trabalhadol * 800 mil desempregados racionamento de energia * Entrevista: participar da ALÇA é optar por retroceder à condição de país colonial, diz Samuel Pinheiro Guimarães * Ele conseguiu: chegamos ao século XIX * ÁFRICA: berço da humanidade e da civilização * Vitória da Rosa de fogo 15/CS/2CC1 Custo unitário desta edição: R$ 2.50

^ Os - cpvsp.org.br · QUINZENA N0 303 CURTAS PRIVATIZAR FAZ MAL AO BRASIL Empresas privatizadas demitem, aumentam os preços e reduzem a qualidade do serviço. Luz, gás, telefones

Embed Size (px)

Citation preview

opinião análise

informação circulação interna

303

^ Os sentidos do trabalho ^ Massacre de trabalhadol * 800 mil desempregados racionamento de energia * Entrevista: participar da ALÇA é optar por retroceder à condição de país colonial, diz Samuel Pinheiro Guimarães * Ele conseguiu: chegamos ao século XIX * ÁFRICA: berço da humanidade e da civilização * Vitória da Rosa de fogo

15/CS/2CC1 Custo unitário desta edição: R$ 2.50

QUINZENA N0 303

CURTAS PRIVATIZAR FAZ MAL AO BRASIL

Empresas privatizadas demitem, aumentam os preços e reduzem a qualidade do serviço.

Luz, gás, telefones e transportes subiram muito acima da inflação e qualidade dos serviços piorou nos dois governos de FHC.

Variação de tarifas desde agosto de 1994 (FGV)

Telefone 407% Gás de botijão 269% Eletricidade 149% Água e esgoto 136%

Veja outros resultados da privatização de algumas empresas estatais:

LITGHT/CERJ (energia elétrica) Aumento de tarifas, o Rio de

Janeiro enfrentou vários apagões. Ao todo, 10 mil trabalhadores foram demitidos nas duas Empresas. Embratel/Teleij (telefonia) Aumento de tarifas e demissões.

CSN (metalúrgica) As demissões foram de tal

proporção que a cidade de Volta.Redonda entrou em profunda crise econômica e social. Trens

(transportes) Aumento das tarifas e diminuição do número de composições.

Rodovias Pedágios absurdamente altos.

O Globo 27 de junho de 2001

0 OUTRO SANTOS Luis Fernando Veríssimo

O Brasil é um país só de homens brancos de temos escuros. Parece. Você olha a foto do presidente com seu Ministério e não vê uma cara negra. O mais escuro é o próprio presidente. Mulher, então, nem pensar. Podia haver pelo menos uma mulher. Depois que o Pele saiu do Ministério, abriu vaga para outro grupo exótico.

A escassa representação política do negro brasileiro é um desmentido, entre tantos outros, da nossa democracia racial. O alto grau de miscigenação e o convívio relativamente ameno das raças provariam que por aqui há pouco racismo, mas o racismo não tem nada a ver com isto. Tem a ver com direitos, com a fria matemática das oportunidades iguais. Continuam pouquíssimos os negros brasileiros que conseguem vencer este preconceito escondido - que é mais perverso porque nem se conhece - e aparecer por outro caminho que não seja o do Pele ou da arte popular.

Não sei se o Jaguar já publicou esta história que nos contou. Entrou numa livraria para comprar um livro do geógrafo Milton Santos, que morreu há dias e era um dos intelectuais negros brasileiros mais conhecidos no exterior. Foi dirigido para a seção de livros de esporte. Lá certamente encontraria a autobiografia do Nilton Santos, glória botafoguense.

Nilton Santos não, Milton Santos. - Quem? Por acaso. Jaguar tinha uma revista com uma foto do

geógrafo. -Este aqui. Depois de examinar a foto, o funcionário da

livraria comentou: Mas esse não é o Nilton Santos? Claro que não é - disse Jaguar. - É o Djalma Santos.

Nicarágua: Daniel Ortega

O líder da revolução sandinista, Daniel Ortega é o favorito para as eleições de novembro de 2001, na Nicarágua. Desde que deixou o poder em meio aos últimos suspiros da guerra fria, Daniel Ortega vinha sendo considerado uma relíquia

esquerdista. Mas agora, impulsionado pelo descontentamento popular com o governo de Amoldo Alemán, o líder sandinista de 55 anos, que tanto incomodou os EUA pode voltar a ser presidente da Nicarágua.

C L

I

N Z r

N

Expediente O boletim CuinZCIIcl é uma publicação do:

CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro Rua São Domingos, 224 - Térreo - Bela Vista

CEP 01326-000 - São Paulo - SP Telefone (011) 3104-7995 - Fax (011) 3104-3133

E.Mail: [email protected] www.cpvsp.com.br

O objetivo do boletim é divulgar uma seleção de material informativo, analítico e opinativo, publicado na grande imprensa, partidária e alternativa e outras fontes

importantes existentes nos movimentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação dessas informações, facilitando o debate sobre as questões políticas em

pauta na conjuntura.

Caso você queira divulgar algum tex- to no Quinzena, basta nos enviar. Pedimos que se atenha a, no máximo, 8 laudas. Textos que ultrapassem este limi- te estarão sujeitos a cortes, por imposi- ção de espaço

Seleção e editoração do Boletim Quinzena: Equipe do CPV e Colabo- radores Ilustração: Ohi

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? oS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Trabalhadores Revista de Administração de Empresas - n° 3 - jul/Set. 2001 www.fgvsp.br/rae

Os sentidos do trabalho

Assistimos hoje a transformações importantes no mundo do trabalho. Novas

formas de organização aparecem, e a natureza se modifica.Observamos o desapareci mentodesempregos permanentese,simultaneamente, aparecem novas tecnologias e formas inovadoras de organização do trabalho. Ao mesmo tempo em que milhares de pessoas sofrem pela falta de uma vaga, outras sofrem pelo fato de terem que

trabalhar excessivamente. O trabalho conserva um lugar

importante na sociedade. Para a pergunta: "se você tivesse bastante dinheiro para viver o resto da sua vida confortavelmente sem trabalhar, o que você faria com relação ao seu trabalho?", mais de 80% das pessoas pesquisadas respondem que trabalhariam mesmo assim (Morin, 1997; Morse e Weiss, 1955; Trausky, 1969; Kaplan e Tausky, 1997; MOW, 1987; Vecchio, 1990). As principais razões são as seguintes: para se relacionar com outras pessoas, para ter o sentimento de vinvulação, para ter algo que fazer, para evitar o tédio e para se ter um objetivo na vida.

O trabalho representa um valor importante, exerce uma influência considerável sobre a motivação dos trabalhadores e também sobre sua satisfação e sua produtividade (Herzberg, 1966, 1980, 1996; Hackman e Sutle, 1977). Vale a pena, então, tentar compreender o sentido do trabalho hoje e determinar as características que deveria apresentar a fim de que ele tenha um sentido para aqueles que o realizam.

O objetivo deste artigo é identificar e comentar as características atribuídas a um trabalho que tem um sentido com o objetivo de orientar as decisões e as intervenções das pessoas responsáveis por processos de transformação que têm impacto sobre a organização do trabalho.

A organização do trabalho Os problemas de desempenho

EMíBIIB M. Mor In Tradução: Ângelo Soar»»

representam uma parte importante das preocupações dos administradores. Para resolvê-los , foram construídos mecanismos de gestão que visam identificar rapidamente os desvios de desempenho, determinar suas oriçens e corrigi-los. Apesar dos esforços investidos nas atividades de controle, vários problemas de produtividade persistem, fazendo os administradores acreditarem que o desempenho organizacional depende das decisões e dos comportamentos daqueles que realizam o trabalho e daqueles que são responsáveis pela administração de sua progressão. Entretanto, os esforços para reorientar os comportamentos fora dos patrões e para reforçar os comporta- mentos produtivos ainda não são suficientes para solucionar os problemas de produtividade enfrentados pelas empresas. Ketchum e Trist (1992) acreditam que os problemas de desem- penho organizacional dependem da organização do trabalho e, mais precisamente do grau de correspon- dência entre as características das pessoas e as propriedades das atividades desempenhadas.

O princípio que guia a organização do trabalho é o de modificar os comportamentos detal forma que, gradualmente,ostrabalhadoressejam conduzidosadesenvolveratitudes positivas com relação às funções executadas, à empresa que os emprega e a eles próprios. É o comprometimento com o trabalho que constitui o principal indicador de uma organização eficaz. .

Vários modelos foram propostos para organizar o trabalho a fim de estimular o comprometimento.Aseguir, descrevermos dois modelos: o das características do emprego de Hackman e Oldham e a concepção de sistemas sociotécnicos de Emery e Trist. Esses modelos constituem o ponto de partida dos resultados que serão apresentados em nossa pesquisa.

Características do emprego Hackman e Oldham (1976) propuse-

ram um modelo que tenta explicar como as interações, as características de um emprego e as diferenças individuais influenciam a motivação, a satisfação e a produtividade dos trabalhadores. A Figura 1 mostra as principais variáveis desse modelo.

Como mostra a figura, as cinco características do emprego conduzem a três estados psicológicos que engendram conseqüências sobre as atitudes e os comportamentos das pessoas. As relações entre esses três conjuntos de variáveis seriam moderadas pela necessidade de crescimento da pessoa: um indivíduo com uma forte necessidade de crescimento seria mais sensível a um emprego enriquecido que um indivíduo com uma fraca necessidade.

Três estados psicológicos teriam, assim, um impacto importante na motivação e na satisfação de uma pessoa no seu trabalho: o sentido que uma pessoa encontra na função exercida, o sentimento de responsabilidade que ela vivência em relação aos resultados obtidos e o conhecimento de seu desempenho no trabalho. Para Hackman e Oldham, um trabalho tem sentido para uma pessoa quando ela o acha importante, útil e legítimo.

Segundo o modelo de Hackman e Oldham, três característica contribuem para dar sentido ao trabalho tem sentido para uma pessoa quando ela o acha importante, útil e legítimo.

Segundo o modelo de Hackman e Oldham, três características contribuem para dar sentido ao trabalho:

1- A variedade das tarefas: a capacidade de um trabalho requerer uma variedade de tarefas que exijam uma variedade de competências.

2- A identidade do trabalho: a capacidade de um trabalho permitir a realização de algo do começo ao fim, com um resultado tangível, identificável.

3- O significado do trabalho: a capacidade de um trabalho ter um impacto significativo sobre o bem-estar ou sobre o trabalho de outras pessoas, seja na sua organização, seja no ambiente social.

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

A autonomia, ou seja, a capacidade de um trabalho deixar uma boa margem de liberdade, de independência e de discrição à pessoa para ela determinar as maneiras de realizá-lo, traz consigo o sentimento de responsabilidade pela realização das tarefas e pela obtenção dos objetivos fixados.

Finalmente, o feedback: a capacidade de um trabalho deixar uma boa margem de liberdade, de independência e de discrição à pessoa para ela determinar as maneiras de realizá-lo, traz consigo o sentimento de responsabilidade pela realização das tarefas e pela obtenção dos objetivos fixados.

Finalmente, o feedback: a capacidade de realizar as tarefas resulta da informação que o indivíduo obtém diretamente do seu desempenho, permitindo-lhe fazer os ajustes necessários para que alcance os objetos de desempenho.

A partir desse modelo, Hackman e Oldham elaboraram cinco princípios de organização do trabalho, buscando conferir uma ou várias carcterísticas do emprego: a reunião de tarefas, a formação da unidade natural de trabalho - o que deu lugar à formação de equipes de trabalho (semi) autônomas -, o estabelecimento de relações do tipo cliente-fomecer, o enriquecimento das tarefas e a colocação em prática de mecanismo de feedback sobre o desempenho.

A concepção dos sistemas soctotécnicos

A partir de 1950, Eric Trist, do Instituto Tavistock de Londres, mostrava que a insatisfação dos trabalhadores no setor de minas no Reino Unido era causada menos pelo salário do que pela organização do trabalho. Em suas pesquisas, ele procurou compreender quais são as condições que levam ao comprometimento do indivíduo no seu trabalho. Com seus colegas, propôs a chamada abordagem sociotécnica. Esse modelo visa organizar o trabalho de tal forma que o comprometimento dos indivíduos seja estimulado e que o desempenho organizacional possa ser melhorado. Trata-se, de fato, de organizar o trabalho de maneira a corresponder às motivações intrínsecas e extrínsecas dos trabalhadores (Ketchum e Trit, 1992). O Quadro 1 expõe as propriedades que tal trabalho apresenta.

1- A variedade e o desafio: o trabalho deve ser razoavelmente exigente - em outros termos que o de resistência fisica - e incluir variedade. Esse aspecto

permite reconhecer o prazer que podem trazer o exercício das competências e a resolução dos problemas.

2- A apredizagem contínua: o trabalho deve oferecer oportunidades de apredizagem em uma base regular. Isso permite estimular a necessidade de crescimento pessoal.

3- Uma margem de manobra e a autonomia: o trabalho deve invocar a capacidade de decisão da pessoa. Deve- se reconhecer a necessidade de autonomia e o prazer retirado do exercício de julgamentos pessoais no trabalho.

4- O reconhecimento e o apoio: o trabalho deve ser reconhecido e apoiado pelos outros na organização. Esse aspecto estimula a necessidade de afiliação e vinculação.

5- Uma contribuição social que faz sentido: o trabalho deve permitir a união entre o exercício de atividades e suas conseqüências sociais. Isto contribui à construção da identidade social e protege a dignidade pessoal. Esse âmbito do trabalho reconhece o prazer de contribuir para a sociedade.

6- Um futuro desejável: o trabalho deve permitir a consideração de um futuro desejável, incluindo atividades de aperfeiçoamento e orientação profissional. Isso reconhece a esperança como um direito humano.

Além desses aspectos intrínsecos ao trabalho, a concepção dos sistemas sociotécnicos considera vários aspectos extrínsecos que podem afetar o comportamento no trabalho, tais como o salário, as condições físicas e materiais e as regras organizacionais. Embora existam diferenças individuais e fatores do contexto que podem influenciar o comprometimento com o trabalho, esses 12 fatores contribuem apreciavelmente para a melhoria da qualidade de vida no trabalho e para o desempenho organizacional.

Esses dois modelos têm vários pontos em comum. Entre outros, eles recomendam uma organização do trabalho

Quadro 1 - Propriedades do trabalho

que ofereça aos trabalhadores a possibilidade de realizar algo que tenha sentido, de praticar e de desenvolver suas competências, de exercer seus julgamentos e seu livre-arbítrio, de conhecer a evolução de seus desempenhos e de se ajustar. Parece-nos igualmente importante que os trabalhadores possam desenvolver o sentimento de vinculação e que possam trabalhar em condições apropriadas.

Desde a publicação desses modelos, as organizações têm vivido mudanças profundas, colocando o trabalho em questão. È justo então perguntar se as características enunciadas acima ainda são importantes atualmente. Nossas pesquisas sobre o sentido do trabalho, realizadas de 1994 a 1998, permitem responder a essa pergunta.

PESQUISA DE CAMPO Para estudar o sentido do trabalho,

dois métodos de pesquisa são utilizados: o questionário e a entrevista semi- estruturada.

O questionário foi desenvolvido a partir do utilizado pelo grupo MOW (1987) e inclui cinco partes:

1. Opiniões e valores sobre o trabalho (6 perguntas).

2. Opiniões sobre a vida em geral (escala da interioridade/exterioridade e confiança).

S.Informações pessoais (18 perguntas). 4.Expectativas com relação ao trabalho

(6 perguntas). 5.Descrição do trabalho atual (10

perguntas) O roteiro da entrevista possui nove

perguntas por meio das quais podemos explicar os múltiplos sentidos que os indivíduos atribuem ao trabalho, com o mínimo de intervenção possível dos pesquisadores. Em média, a duração das entrevistas foi de 40 minutos. Elas foram gravadas após o consentimento dos entrevistados.

Condições do emprego O trabalho em si

• Um salário justo e aceitável

• Estabilidade no emprego

• Vantagens apropriadas

• A segurança

• A saúde

• Processos adequados

• Variedade e desafios

• Aprendizagem continua • Margem de manobra, autonomia

• Reconhecimento « apoio

• Contribuição social que faz sentido

• Um futuro desejável

Fonte: Ketchum e Trist (1992, p. 11).

_

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Foram feitas duas amostras: uma de estudantes de administração e outra de administradores. A primeira amostra contém 542 estudantes inscritos na HEC em 1994, dos quais 269 são mulheres e 273, homens, com uma média de idade de 20,2 anos. A amostra de administradores contém 75 administradores, de médio e alto escalão em empresas de diversos setores, dos quais 36 são do Quebec e 39 da França. A média de idade dos administradores do Quebec é de 40,8 anos e dos administradores da França é de 42,1. Ao todo, são 24 mulheres: 12 do Quebec e 12 da França.

A amostragem foi composta com a colaboração de vários profissionais de recursos humanos, o que, certamente, afeta a validação externa dos resultados da nossa pesquisa. Porém, como ainda estamos num estágio de exploração, o objetivo visado não é de verificar hipótese, mas de compreender melhor a problemática do sentido do trabalho para os administradores e de destacar hipóteses de pesquisa que poderão ser verificadas posteriormente mediante uma amostragem representativa.

0 QUE ÉO TRABALHO? Quando estudamos o trabalho, é

importante saber o que os indivíduos pensam quando falam dele. De fato, o trabalho pode ser definido de várias maneiras. Segundo Brief e Nord (1990), o único elemento que reúne os múltiplos significados é: uma atividade que tem um objetivo. Geralmente, essa noção designa um gasto de energia mediante um conjunto de atividades coordenadas que visam produzir algo de últil (Foyer e Payne, 1984; Shepherdson, 1984). O trabalho pode ser agradável ou desagradável; ele pode ser associado ou não a trocas de natureza econômica. Ele pode ser executado ou não dentro de um emprego. De acordo com Fryer e Payne (1984), o trabalho seria uma atividade útil, determinada por um objetivo definido além do prazer gerado por sua execução.

Quanto ao emprego, trata-se da ocupação de uma pessoa, correspon- dendo ao conjunto de atividades remuneradas em um sistema organizado economicamente. A noção de emprego implica quase necessariamente a noção de salário e do consentimento do indivíduo em permitir que uma outra pessoa dite suas condições de trabalho.

Para conhecer as diferentes definições esses dois padrões apresentam o trabalho do trabalho, os pesquisadores afiliados ao como uma atividade que somos obrigados grupo MOW - Meaning of Work - a realizar para ganhar a vida.

Figura 1 - Modelo d« «ractertsticai do emprego de Hackman a Oldham (19T$)

CARACTERlSTtCAS DO EMPREGO u ESTADOS

PSICOLÓGICOS u RESULTADOS

Variedade das tarefas Identidade do trabalho Significado do trabalho

Autonomia

Feedback

Sentido

Responsabilidade

Conhetimento dos resultados

Forte motivação Aho desempenho Grande satisfaçío

Baixo absenteismo

Baixa taxa de rotatividade da mSo-de-obra

Força da necessidade de crescimento

investigaram mais de 14.700 indivíduos em oito países: Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Israel, Japão, Holanda, EUA e ex-lugoslávia. England e Whiteley (1990), que fazem parte dessa equipe, encontraram seis padrões de definições do trabalho. Em todos, o salário constitui um elemento importante na definição, levando a crer que, para a maioria dos indivíduos, existem poucas diferenças entre trabalho e emprego. Entretanto, existem várias definições do trabalho que se referem a diferentes sistemas de representações, como indicado no Quadro 2.

Os padrões A, B e C correspondem a concepções positivas do trabalho. O padrão A descreve o trabalho como uma atividade, geralmente agradável, que acrescenta um valor a alguma coisa e pela qual tem que se prestar conta dos resultados. O padrão B parece ser a definição mais comum: ele descreve o trabalho como uma atividade que proporciona a quem o realiza um sentimento de vinculação e que traz uma contribuição para a sociedade. O padrão C define o trabalho como uma contribuição para a sociedade e que gera um valor agregado. Esses três padrões valorizam o caráter social do trabalho.

Os padrões D e E correspondem às concepções negativas do trabalho. O padrão D define o trabalho como uma atividade que não é agradável, mas que deve ser realizada por alguém em um lugar específico, sob a supervisão de uma outra pessoa. O padrão E descreve o trabalho como uma atividade desagradável que comporta exigências físicas e mentais. Como podemos facilmente observar.

O padrão F apresenta uma concepção neutra do trabalho: uma atividade que segue um horário regular, em um local de trabalho e pela qual se recebe um salário.

De acordo com England e Whiteley (1990), é no Japão que está concentrada a maior porcentagem de trabalhadores que têm uma concepção positiva do trabalho. Com exceção da Alemanha e dos Estados Unidos, eles encontraram uma pequena diferença nas porcentagens de trabalhadores que têm uma concepção positiva comparativamente às outras concepções. Na Alemanha e nos Estados Unidos, a minoria de trabalhadores tem uma concepção neutra do trabalho.

Para determinar os padrões de definição que podemos encontrar no Quebec e na França, apresentamos os mesmos elementos de definição aos indivíduos das duas amostras e pedimos que eles os ordenem sem segundo a importância atribuída. No Quadro 3, apresentamos as respostas dos estudantes e dos administradores.

Os estudantes pesquisados possuem uma concepção positiva do trabalho; eles têm tendência a definir o trabalho como uma atividade lucrativa que lhes permite melhorar, que acrescenta um valor a alguma coisa, que lhes dá um sentimento de vinculação e que contribui à sociedade.

Os administradores pesquisados também possuem uma concepção positiva do trabalho. Os administradores do Quebec definem o trabalho como uma atividade lucrativa que acrescenta um valor a alguma coisa, que é exigente mentalmente, que contribui à sociedade e pela qual eles têm que prestar contas. Os

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

NM*« 1 ^0. I 1 -..^c 1 J SS i • RuKi«ndo HW. .i> * iwii o

BÃI Hsmmm.to ik »I,XUI«M • Voe* itctbt dinbMo p*. • Mct Cl«H crMUrinnt* Ala rtaliivlno • f «r (uri* rta ua M>«ta • Vutt f«i oara (OPIilbwi *

KKMdKi* t««*h. ■ÃMi • Acracn^U -ato. * walquat um*

• r«I pMM ò* «J* t*rl«

1 .«*o 1

• Vac« ift* itlnrwtto pwi «Km Mo

• 'W pHU fM tUM Utttm • Voe* .««» dbtfv-o pm • MM) nuHn «m ur>> KKBI 4* MM Mi

irtbttw • Fu p«w rf. ii«t t«t«« • hto n»o «1* «juiUruJo

. Aig^ím »4 «. o qu. f«(K ■Nfe*VK(tvil

1 .w.M. | J „« |

• VMè IMII» »m um lom W MMM

• Vix* lauba dinMra p«i to» Mo

• rw t-ir «* tu« tw^M

administradores franceses definem o trabalho como uma atividade à sociedade, que lhes permite melhorar, pela qual eles recebem um salário e que lhes dá um sentimento de vinculação.

Comparado aos padrões de definição encontrados por England e Whiteley, o padrão que resulta de nossas pesquisas se aproxima dos padrões B e C. As pes- soas pesquisadas sejam elas jovens ou não, no Quebec ou na França, possuem uma concepção positiva do trabalho.

Por trabalho, os indivíduos de nossas amostragens compreendem uma atividade remunerada, que apresenta um valor agregado, que lhes permite melhorar e que traz uma contribuição para a sociedade. Essa concepção prediz as características que deveria ter um trabalho que tem sentido. CARACTERÍSTICAS DE UM TRABA-

LHO QUE TEM SENTIDO Para os estudantes de administração Os estudantes de administração têm uma

concepção positiva do trabalho. Para conhecer as razões que os motivam a trabalhar, eles classificaram os tópicos geralmente mencionados. Dado o número de indivíduos, foi possível realizar uma análise das respostas por meio da análise dos componentes principais. Cinco motivos resultaram dessa análise:

/. Para realizar-se e atualizar seu potencial: trabalhar é interessante e satisfaz em si, permite exercer a criatividade e realizar-se, possibilita concretizar e desenvolver seus talentos.

2. Para adquirir segurança e ser autônomo: trabalhar permite suprir as necessidades de base, dá sentimento de segurança, possibilita fazer parte de um grupo.

3. Para relacionar-se com os outros e ter o sentimento de vinculação: trabalhar permite ter contatos interessantes com os

outros, possibilita fazer parte de um grupo.

4. Paraprestar um serviço e fazer sua contribuição à sociedade: trabalhar dá a oportunidade de prestar um serviço aos outros, permite contribuir à melhoria

i da qualidade de vida da comunidade. 5. Para ter um sentido: trabalhar

mantém ocupado, é um modo de preencher í as funções espirituais, dá um sentido à

vida. A simples leitura desses resultados

mostra o trabalho como um meio de emancipação. Pelo salário que ele

possibilita, o indivíduo afirma sua independência; por meio de suas atividades, o trabalho desenvolve o potencial e fortalece a identidade dos indivíduos; pelas relações que o trabalho gera, ele consolida a identidade social; pelos seus resultados, permite ao indivíduo contribuir ao mundo e dar um sentido à sua existência. O trabalho, assim apresentado pelos estudantes, é muito mais que um simples "ganha-pão".

Para compreender o sentido que os estudantes dão ao trabalho, eles classificaram em ordem de importância as características do trabalho que eles procuram ao final dos estudos. A análise dos componentes principais permitiu determinar três conjuntos de características:

/. Boas condições de trabalho: um trabalho que corresponda às competências do empregado, que forneça oportunidades de valorização pessoal, um horário de trabalho conveniente, um bom salário, além de condições que preservem a saúde.

2. Oportunidades para aprender e prestar serviços: muitas oportunidades para aprender, boas relações com os outros, oportunidades paraprestar serviços.

3. Um trabalho interessante, variado, com muita autonomia: um trabalho de que realmente gostem, muita variedade, poder decidir como fazê-lo.As características do trabalho que eles procuram são coerentes com os motivos que lhes estimulam a trabalhar. É

interessante observar que os estudantes associam as exigências do trabalho em termos de competências e de oportunidades de valorização pessoal às condições de trabalho. Mais da metade dos estudantes pesquisados tinha um emprego em tempo parcial no momento desta pesquisa. Poderia-se acreditar que a concepção que eles fazem do trabalho seja o reflexo da falta de experiência no mercado de trabalho e que o exercício das funções associadas à administração poderia fazer a maioria deles desenvolver um outro ponto de vista. Isso é possível, mas não há como verificar.

Para os administradores Também entrevistamos administra-

dores, de níveis médios e superior, para conhecer o sentido que eles dão ao trabalho e as características que nele procuram.

Foram entrevistados administradores no Quebec e na França a fim de observar se existe ou não a influência de diferenças culturais. O quadro 4 mostra os resultados. As respostas estão apresentadas segundo a classificação de freqüências.

O que nos surpreende é a semelhança entre as respostas fornecidas pelos dois grupos. Sejam eles do Quebec, sejam da França, os administradores têm uma concepção positiva do trabalho, o que confirma os resultados obtidos pelos grupos MOW (1987) com populações semelhantes. Se fizermos um julgamento com base nos resultados obtidos, um trabalho tem sentido se for feito de maneira eficiente, se conduz a alguma coisa, se beneficia a outras pessoas, se ele corresponde aos interesses e às competências das pessoas, se ele permite aprender, realizar-se e superar-se e se ele permite exprimir-se e exercer seu poder.

0 que «i faça é trabalho w:

Estudantes

(nl • 542) (n2 • 36) (n3 = 39)

Eu fiKO em um local de trabalho 9.0 10,5 13,0

Aljjuém me diz o que fazer 13,0 10,5 12,0

É fisicamente exigente 14,0 15,0 14,0

Faz parte de minhat tarefas 5,0 6,5 9.0

Eu faço para contribuir à sociedade 6,0 4,5 2,0

Eu tenho um sentimento de vinculacáo enquanto realizo

4,0 12,5 5,0

Ê mentalmente exigente 7,0 3,0 8,0

Eu far;o isto em um dado momento (por ex.: das 8 h às 17 h)

12,0 14,0 11,0

Acrescenta valor a alguma coisa 3,0 2,0 1.0

NSo * agradável 15,0 12,5 15,0

Eu recebo dinheiro para realizar 1,0 1,0 4,0

Eu tenho que prestar contas 8.0 4,5 7,0

Eu sou obngadtXa) a realizar 11.0 8.0 10,0

Outros se beneficiam 10,0 9,0 6,0

Permite que eu melhore 2,0 6.5 3,0

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Quando perguntamos aos administra- dores do que eles sentem ou sentiriam falta se eles não trabalhassem mais, eles tenderam a responder: ter alguma coisa para fazer, ser produtivo, sentir-se útil, ter dignidade pessoal, manter as relações com os outros, o sentimento de fazer parte de um grupo e o salário.

ORGANIZAR 0 TRABALHO PARA QUE ELE TENHA UM SENTIDO

Os resultados de nossa pesquisa permitem determinar as características do trabalho que tem um sentido. Em um primeiro momento, elas não são sensivelmente diferentes das caracte- rísticas apresentadas por Hackman e Oldham ou por Emery e Trist. Algumas diferenças merecem ser ressaltadas. Podemos relacioná-la aos princípios de organização, como fizeram Hackman e Oldham, a fim de sugerir formas concretas de organizar o trabalho durante as transformações organizacionais.

UM TRABALHO QUE TEM SENTIDO É FEITO DE MANEIRA EFICIENTE E

LEVA A ALGUMA COISA O trabalho é uma atividade produtiva

que agrega valor a alguma coisa: temos aqui um aspecto que é novo, comparativamente aos modelos de organização do trabalho apresentados anteriormente. As pessoas entrevis- tadas consideram que é importante que o trabalho seja organizado de maneira eficiente, cuja realização conduza a resultados úteis, gastando-se energia de maneira rentável. Em sua forma negativa, essa característica do trabalho contribui extensivamente à sua absurdez.

A maneira como os indivíduos trabalham e o que eles produzem têm um impacto sobre o que pensam e na maneira como percebem sua liberdade e sua independência. O processo de trabalho, assim como seu fruto, ajuda o indivíduo a descobrir e formar sua identidade. Acontece que a organização do trabalho em si mesma conta muita: é importante que a organização das tarefas e das atividades torne-se favorável à eficiência e que os objetivos visados, assim como os resultados esperados, sejam claros e significativos para as pessoas que o realizam.

UM TRABALHO QUE TEM SENTIDO ÉINTRINSECAMENTE

SATISFATÓRIO O prazer e o sentimento de realização

que podem ser obtidos na execução de tarefas dão um sentido ao trabalho. A execução de tarefas permite exercer seus talentos e suas competências, resolver problemas, fazer novas experiências, aprender novas competências, resumindo, realizar-se, atualizar seu potencial e aumentar sua autonomia. Essas características são encontradas nos dois modelos apresentados previamente.

O interesse do trabalho em si mesmo parece estar associado, por um lado, ao grau de correspondência entre as exigências do trabalho e, por outro lado, ao conjunto de valores, de interesses e de competências do indivíduo.

0íU*O4 - ConIMUle i»" «M"

<nI.M) M « 19)

Um trabaiw ttm • fmmiw «tutfiur MU poWnclal. * Feito d* manalra «ftcMntw, !•«« a Mntlda Mu, algum tu^ar

• knelici* *-n ouuoi • Mrwfttt» MH outroí

tptmthr r w uKttpatMr

• Fcfto dt mvMra «f•áanU, tov« a ^III im

• FeiW tiom ouim ptMMf

Um trtfMriho nlo twn • Hitü da man«*a (nafWant* Mw* • MMMOM„ luB^ièaum ünw^iiw

• Hotintiro • Iniitil. n*o bencttòa nlngu«m • Mo f ofmpmda n MM

• frtto am um hjgar qut pntga vato>n totokm VatMiKar tà pato Mtlrio

• Me permita ia wraaaf "e"1

axaror MU poder

O qu* «u procura... • A poulbiUdade d« ma rcaliMi t

d««fs<tli*f nwwiUWMM, tf» • ComaU* mtaraaantei com outrw pamai a o wmlmanta de vinculaOo

eompMar • tom concKAat ttt trabalho • «OM rondkto d« Vatfftto • í«l«r(Urum»írtkta*tnifth«vid« «Mrcer meu pode.

f>« qu. .u «Mirl* • T»i algo para têxtt

• At rebcbn com n oubt* a MnUnwmo da t«« pane d» um

• AaraiatOetcom o* outra* a ■Kttirrwmo defaz«r port* de um

• Fanr algo de produto grupo . Ü iaUno • 0 «Uno

Efetivamente, muitas pessoas relataram que um trabalho que tem sentido é aquele que corresponde à personalidade, aos talentos e aos desejos delas.

O interesse do trabalho também resulta das possibilidades de desenvolver sua autonomia e perceber seu senso de responsabilidades. Isso é oferecido por uma organização que deixa os empregados serem os administradores de suas atividades e que, por meio da presença de mecanismos de feedback, lhes mantém informados sobre a evolução do seu desempenho e lhes permite fazer os ajustes necessários para melhorá-lo.

O fato de que o indivíduo tem que resolver problemas durante a realização

Economia

do trabalho e exercer seu julgamento para tomar decisões relativas à organização das suas atividades reforça o sentimento de competência e eficácia pessoal; isso tem uma influência direta não somente no desenvolvimento da autonomia pessoal, mas também na motivação. Além disso, o fato de ter que resolver problemas e vencer dificuldades estimula a criatividade dos indivíduos. Finalmente, a presença de mecanismos de feedback mantém os empregados informados sobre a evolução do desempenho deles, facilita a regulação das atividades e estimula o senso de responsabilidades.

UM TRABALHO QUE TEM SENTIDO É MORALMENTE ACEITÁVEL

O trabalho é uma atividade que se inscreve no desenvolvimento de uma sociedade; ele deve, conseqüentemente,

respeitar as prescrições relativas ao dever e ao saber viver em sociedade, tanto na sua execução como nos objetivos que ele almeja e nas relações que ele estabelece. Em outras palavras, o trabalho deve ser feito de maneira socialmente responsável. Essa idéia foi desenvolvida especialmente pela abordagem sociotécnica. Ela foi expressa claramente por vários administradores que encontramos e que exprimiram um certo mal-estar em trabalhar em um meio que exalta valores que eles não compartilham, que tolera práticas desrespeitosas, injustas, contraprodutivas ou até mesmo desonestas ou imorais.

Vários administradores se mostraram preocupados com as

contribuições do trabalho para a sociedade. O fato de fazer um trabalho que não serve para nada, que não comporta nenhum interesse humano, em um meio ambiente onde as relações são superficiais, contribui para tornar o trabalho absurdo. É por isso que é necessário também considerar, na organização do trabalho, as implicações dele para si mesmo, para os outros e para a sociedade em geral. Finalmente, para muitos administradores, o trabalho é um dos meios para transcender seus interesses particulares, dedicando-se a uma causa importante e significativa. Isso corresponde, então, a uma verdadeira busca do sentido nas organizações

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.BreCtlt

(Pauchant, 1996).

UM TRABALHO QUE TEM SENTIDO É FONTE DE EXPERIÊNCIAS DE

RELAÇÕES HUMANAS SATISFATÓRIAS

O trabalho é também uma atividade que coloca as pessoas em relação umas com as outras, o que contribui para o desenvolvimento da identidade delas. Essa característica aparece de maneira consistente nas pesquisas - sinal de sua importância para a organização do trabalho. Vários administradores reportaram que um trabalho que tem sentido é um trabalho que lhes permite encontrar pessoas de qualidade, seja no seu departamento, na sua empresa ou nos ambientes empresariais, pessoas com quem os contatos podem ser francos, honestos, com quem se pode ter prazer em trabalhar, mesmo em projetos difíceis. Um trabalho que tem muito sentido permite ajudar os outros a resolver seus problemas, prestar-lhes um serviço, ter um impacto sobre as decisões tomadas pelos dirigentes, ser reconhecido por suas habilidades e contribuições ao sucesso dos negócios, etc. As satisfações podem ser adquiridas na associação com os outros no trabalho e durante as trocas com os clientes, superiores e colaboradores. A satisfação não é retirada somente dos serviços prestados, mas também das afiliações encontradas no seu trabalho.

O fato de estar em contato com os outros, de manter relações numerosas, e às vezes intensas, age como um verdadeiro estimulante para si mesmo, não somente para o desenvolvimento de sua identidade pessoal e social, mas também para o desenvolvimento de laços de afeição duráveis, procurando por vezes a segurança e a autonomia pessoal. Contribuindo para o desenvolvimento dos laços sociais, o trabalho permite aos administradores escapar do sentimento de isolamento, viver melhor sua solidão e encontrar seu lugar na comunidade. Neste sentido, o trabalho permite passar por cima dos problemas existenciais, como a solidão e a morte (Fox, 1980).

UM TRABALHO QUE TEM SENTIDO GARANTEASEGURANÇAEA

AUTONOMIA O trabalho está claramente associado à

noção de emprego; o salário que ele propicia permite prover as necessidades

de base, dá um sentimento de segurança e possibilita ser autônomo e independente. Na verdade, geralmente, associamos o salário a elementos de prestígio, enquanto está claro aqui que o salário é associado principalmente aos elementos de segurança e de independência. Mais ainda, para a maioria dos administradores, ganhar a vida é sinônimo de ganhar o respeito dos outros. Assim como no modelo apresentado por Ketchum e Trist, o salário parece constituir um elemento de organização que deve ser distinguido das outras condições de trabalho.

Isso não nos impede de ter que considerar as condições nas quais o trabalho se realiza, pois elas são importantes aos olhos dos trabalhadores. Além do mais, para os administradores entrevistados, as exigências de desempenho e o estresse são os principais fatores que contribuem para deteriorar a experiência deles no trabalho. Além disso, muitos procuram um equilíbrio entre vida profissional e vida privada.

UM TRABALHO QUE TEM SENTIDO É UM TRABALHO QUE MANTÉM

OCUPADO O trabalho também é uma atividade

programada, com um começo e um fim, com horários e uma rotina diária. Ele estrutura o tempo: os dias, as semanas, os meses, os anos, a vida profissional. Ele dá sentido aos períodos de férias. É, dessa maneira, uma atividade que estrutura e permite organizar a vida diária e, por extensão, a história pessoal. Isso é ainda mais marcante para os administradores que perderam seu emprego. Estes últimos dizem que o trabalho é uma necessidade, uma dimensão importante de suas vidas, que lhes ajuda a se situar, que ocupa o tempo da vida e que lhe dá um sentido, sobretudo quando eles têm a possibilidade de escolher seu caminho e fazer qualquer coisa que esteja de acordo com suas personalidades e valores. Esses resultados confirmam os de Warr (1987), que pesquisou os desempregados norte- americanos. Por outro lado, ter um trabalho significa estar ocupado fazendo alguma coisa; os administradores relataram que ser pago para não fazer nada não tem sentido. O que significa que, mesmo empregado, pode-se sofrer por falta de trabalho.

Analisando a questão, é verdade que o trabalho continua sendo uma maneira excelente de organizar o tempo e de se manter ocupado. As ocupações por ele

engendradas proporcionam uma estrutura de defesa contra a ansiedade da morte e do vazio. Foi pensando nos trabalhos de Jacques (1978) sobre os sistemas sociais como defesas que surgiu essa idéia. Ela também encontra eco nas pesquisas realizadas por Bracke e Bugental (1996), por Pauchant (1996) e por Weil (1951). Notamos claramente durante as entrevistas, que o trabalho representa para os administradores algo a fazer, que toma legítimos os períodos de descanso e de férias, que preenche os dias, as semanas, os meses e os anos de sua existência e que ritma o tempo da vida. Alguns também encontraram palavras para expressar a que ponto eles se sentem incomodados e envergonhados de não ter nada o que fazer durante o dia ou culpados de não poder ganhar a vida. Tais conteúdos evocam as tensões que podemos sentir em face do vazio.

IMPLICAÇÕES PARA ATRANSFOR- MAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES EA

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO No momento em que os administradores

sonham em fazer mudanças nas atividades do trabalho, deveriam projetar meios para revalorizar o trabalho e lhe dar um sentido. No Quadro 5, apresentamos uma síntese das características do trabalho e os 14 princípios de organização. Inspirados nos modelos apresentados no início deste artigo e a partir de nossas pesquisas, esses princípios representam recursos concretos para organizar o trabalho.

Para que um trabalho tenha sentido, é importante que quem o realize saiba para onde ele conduz; em outras palavras, é essencial que os objetivos sejam claros e valorizados e que os resultados tenham valor aos olhos de quem o realiza.

Para que um trabalho seja satisfatório para quem o realiza, parece ser importante que ele apele para suas competências. Além disso, parece relevante que o trabalhador tenha a oportunidade de testar suas capacidades, com o objetivo de estimular suas necessidades de crescimento pessoal e seu senso de responsabilidade. Vários recursos podem se considerados: a presença de desafios, a autonomia na administração das atividades e os mecanismos de feedback sobre o desempenho são freqüentemente citados.

O trabalho deve se realizar segundo as regras do dever e do saber viver em sociedade e deveria ser inspirado pelos valores morais, éticos e espirituais.

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

examinar as regras e os valores que subentendem as práticas sociais e organizacionais que envolvem o trabalho pode parecer supérfluo para alguns, mas isso é inevitável em um contexto de diversidade cultural e de promoção das liberdades individuais.

O trabalho em equipe e o desenvolvimento de relações profissionais positivas, do tipo cliente-fomecedor, são dois princípios que incentivam o desenvolvimento do sentimento de vinculação e de cooperação dentro dos grupos de trabalho.

Finalmente, não se deve cometer negligência ao colocar em prática condições de trabalho que proporcionem aos trabalhadores os sentimentos de segurança e de autonomia necessários para seu desenvolvimento: os salários e as condições de trabalho devem ser estudados seriamente. Além disso, é importante que a carga de trabalho seja adequada, pois não existe nada mais absurdo do que ser pago para não fazer nada. Esta última condição nos leva de volta à primeira, indicando a preocupação com relação à utilidade e à eficácia que apresentam os indivíduos com quem nos encontramos (Morin, 1996).

Os momentos de transformação organizacional constituem potencialmente uma oportunidade para reorganizar o trabalho de

Qvêérc 5 - Síntese das caraeterfetíc» d* um trabalho qu* »m íaotido a»ociad«9 aos princípios d« or«anli«(io

Um trabalho qu» tom 1 Caractortotlcai Princípio* MntMo4umqu«... do trabalho «Ia organlxacfto

É realizado de forma •tklente e leva a um resultado

Finalidade Clareza a importância dos objetivo*

u t i 1 .dade, valor dos resultados

EfkHSncia Racionalidade das tanvfas

í intrirwecamente satisfatório

Aprendizagem e desenvolvimento das competências

Correspondência entre as exigências do trabalho e as competências da pessoa

Desafios e Ideais

Criatividade e autonomia Margem de manobra sobre a administração das atividades e a resolução dos problemas

Responsabilidade fé*àb»ck sobre o desempenho

É moratmente aceitável Retidão das práticas sociais a organizacionais sociedade

Contribuído social Valores morais, éticos e espirituais

É fonte de experiências tíe relações humanas satisfatórias

Afiitaçáo e vinoitaçfto Trabalho em ecfuipe

Serviço aos outros RelaçOis do tfpo f Heme-fornecedor

Garante a segurança e a autonomia

Salário apropriado e Justo

Saúde c segurança Soas condições de trabalho

Mantém ocupado OcupaçAo Carga de trabalho adequada

tal forma que a qualidade de vida e a eficácia organizacional sejam melhoradas. Desejamos que a apresentação dos resultados de nossas pesquisas possam ajudar os administradores a melhorar suas práticas de gestão. ♦

Conjuntura Internacional - Supl. Trim. Da Revista Nação Brasil

Massacre de trabalhadores Vlto Glannottl e Mario Montanha Teixeira Filho

No dia 2 de maio de 2000, um grupo de trabalhadores rurais sem terra, de diferentes regiões do Paraná, tentou chegar à Capital do Estado, Curitiba. Foi barrado pela Polícia Militar (PM). Os ônibus que

transportavam os viajantes permaneceram detidos numa rodovia.

Para executar a "operação", os policiais deram demonstrações de truculência e ódio. Espan-

caram mulheres e crianças, provocando um conflito que deixou como saldo mais de 60 feridos, 11 presos e 100 pessoas impedidas de se locomoverem. O agricultor Antônio Tavares Pereira, de 30 anos e pai de 5 filhos, foi assassinado por um soldado do 12o Batalhão da PM.

Um ano depois da tragédia, uma caminhada de 5 mil trabalhadores retomou ao local do crime. Ali foi inaugurado o "Memorial Antônio Tavares", concebido pelo arquiteto Oscar Niemayer. O monumento homenageia as vítimas da violência no campo.

Ações ilegais Os conflitos que levaram à morte de

Antônio Tavares Pereira não representam um caso isolado. Ao contrário, a violência patrocinada por agentes do Estado tem sido uma

constante no governo do Paraná, chefiado por Jaime Lemer. Em maio de 1999, ações policiais, efetuadas durante a madrugada, destruíram assentamentos na região de Querência do Norte, no Noroeste do Estado. Naquele mesmo ano, uma operação desencadeada às 3 horas da manhã, do dia 27 de novembro, pôs fim a um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Centro Cívico de Curitiba. Aproximadamente 800 agricultores foram jogados à força em um ônibus da PM e largados nas margens de rodovias. A imprensa foi impedida de testemunhar o "trabalho" dos policiais. Todas essas intervenções apresentaram, como traços comuns, a ilegalidade e o abuso de poder.

As informações da Comissão pastoral da Terra (CPT) sobre a situação agrária no Paraná são alarmantes.

Em 1999, a repressão alastrou-se pelo

Estado. Ao todo, foram 173 prisões de trabalhadores rurais. Esse número é superior aos acumulados nos quatro anos anteriores, período em que aconteceram 137 detenções.

Quando chamada a intervir, em favor do latifúndio, a Polícia de Lemer agiu com presteza.

0 Tribunal Internacional As irregularidades praticadas sob o

comando do poder público paranaense chamaram a atenção de personalidades que atuam na defesa dos direitos humanos. Em Curitiba, o assunto foi tratado no "Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio e da Polícia Governamental de Violação dos Direitos Humanos no Paraná".

O foro político de julgamento realizou- se no dia 2 de maio de 2001, no teatro da Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Hélio Bicudo, advogado e presidente da Comissão Interamericana

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), foi o encarregado de presidir os trabalhos.

O processo de acusação seguiu as mesmas formalidades adotadas pela Justiça "oficial" em casos semelhantes. O réu - governador Jaime Lemer - foi citado para apresentar a defesa.

Preferiu, em vez de expor as suas razões, encaminhar ao júri um documento em que fez a apologia dos esforços do governo para assegurar a "paz no campo". Em seguida, alegou que os fatos que lhe foram imputados estão submetidos ao Poder Judiciário. Por isso, afirmou não aceitar a legitimidade do que chamou de um "tribunal de exceção".

Judiciário culpado Lemer esqueceu-se de um detalhe: no

"Tribunal Internacional", os respon- sáveis pelo Poder Judiciário também ocuparam a posição de réus. No voto em que condenou o chefe do Executivo, a juíza Salete Maria Maccalóz, do Rio de Janeiro, lembrou que parte da magistratura é conivente com o abuso de poder e os assassinatos cometidos pela PM. Existem casos emblemáticos dessa relação espúria. O mais evidente aconteceu no primeiro semestre de 1999. Depois de se envolver em escândalos de grampo de telefones de lideranças do MST, a juíza Elizabeth Kather, que respondia pela comarca Loanda, concedeu liminares de reintegração de posse a fazendeiros de Querência do Norte. Os processos chamaram a atenção pela surpreendente agilidade com que foram solucionados - entre a entrega dos pedidos no

cartório e a assinatura dos despachos, transcorreram exatos 5 minutos.

A legitimidade do Tribunal Quando insiste em reduzir questões

sociais importantes a um legalismo caduco, o Judiciário contribui para dar uma feição de legitimidade à violência do Estado. Coloca a nterpretação isolada da norma acima da realidade que a cerca. E afasta-se de princípios maiores, inscritos na Constituição da República. Vêm do Judiciário as decisões que, conferindo à propriedade privada um caráter "absoluto", ordenam o despejo de famílias que lutam pelo direito à vida e à dignidade. Vêm do Judiciário as requisições de força policial para defender, a qualquer custo, a manutenção do latifúndio. Por isso, considerando-se exclusivamente os preceitos que integram o ordenamento jurídico - ou, em outras palavras, as leis decorrentes de manifestação do poder estatal - estariam caracterizados, na opinião da juíza Salete, os crimes de formação de quadrilha entre membros da administração pública, malversação e roubo do patrimônio coletivo.

O' 'Tribunal Internacional", ao contrário do que afirmou Lemer, foi a expressão da vontade popular. Não se tratou de simples encenação, mas de um foro submetido ao rigor da produção de provas documentais e depoimentos de testemunhas.

Analisou fatos concretos que revelam o caráter desumano da exploração capitalista. Mostrou que as forças da repressão agem comandadas por interesses dos detentores do capital e dos responsáveis pela vergonhosa

concentração da propriedade no País. Estabeleceu uma fundamentada condenação aos que provocaram a morte dos trabalhadores na cidade e no campo. Teve indiscutível legitimidade.

A amplitude da condenação A condenação unânime que o júri impôs

ao govemo do Paraná não surpreendeu. No encerramento dos trabalhos do Tribunal, o seu presidente, Hélio Bicudo, afirmou que "a responsabilidade pelas violações dos direitos humanos no Estado é do atual govemador".

O documento está sendo encaminhado ao réu, Jaime Lerner, a Fernando Henrique Cardoso, aos presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário do Paraná, ao Congresso Nacional, ao Ministério de Assuntos Fundiários e Reforma Agrária e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Pela amplitude dos debates, a sentença atingiu também o autoritarismo que se esconde sob a capa da "modemidade" neoliberal. Femando Henrique Cardoso, o condutor da destruição do serviço público no país, está no rol dos culpados.

A crise social, agravada pelo desprezo a direitos básicos da cidadania, é a marca de um país cujo destino vem sendo ditado pelas oscilações abstratas do "mercado". Essa situação não pode prosseguir. E preciso denunciar os tiranos, bani-los do cenário político. Somente assim o sangue derramado pelas vítimas da violência institucional não terá sido em vão.^

•Vito Giannotti é coordenador do Núcleo Piratininga de

Comunicação, Mario Montanha Teixeira Filho é membro do

Conselho Executivo do Sindijus-PR

Fonte: Comissão Pastoral da Terra

Os números do massacre no Paraná As desocupações

Em 99, desocupações em Querência do Norte atingiram 170 famílias de trabalhadores rurais. Nos últimos seis anos, foram realizadas 130 ações policiais de despejo pela PM. As prisões

Em 99, foram registradas 173 prisões de trabalhadores rurais no Paraná. Nos 4 anos anteriores, foram 137 prisões. Nos 2 primeiros meses de 2000, foram 96 prisões. Desde 1995, o total de prisões uperou a marca de 470.

Os crimes contra a vida Na gestão de Lerner, foram

assassinados 16 trabalhadores rurais. Nos últimos 6 anos, foram 323 casos de lesão corporal, 45 ameaças de morte e 7 sequestros. Quem foram os jurados

Adolfo Perez Esquivei - prêmio Nobel da Paz de 1980

Dom Moacir Grechi - arcebispo metropolitano de Porto Velho (RO)

Friedrich Muller- filósofo (Fmakfurt -Alemanha)

Heloísa Helena - senadora (PT - AL) James Petras - sociólogo e professor

da Universidade de Binghamton (Nova Iorque)

Marcelo Lavenere Machado - ex- presidente do Conselho Federal da OAB

Rui Portanova - desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Salete Maria Maccalóz-juízatitulai da 7a Vara Federal Cível do Rio de Janeiro

Sérgio Yahni - diretor do Centro Alternativo de Informação da Organização Palestino-israelenese.

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Documento

Por que há tanta injustiça?

Todos nós ficamos indignados com o resultado do Tribunal do Júri realizado no último dia 18

de junho, que inocentou o fazendeiro mandante do assassinato da sindicalista Margarida Alves, na Paraíba, em agosto de 1983. Quem dera se fosse o único caso. De 1985 para cá mais de 1600 companheiros e companheiras, sindicalistas, religiosos, advogados e deputados foram assassinados no meio rural por motivos políticos, em problemas de terra. Menos de 100 casos tiveram processos e julgamentos. Em menos de 20, foram condenados os autores ou mandantes. E, pelo que se sabe, estão presos apenas os envolvidos em três crimes, que obviamente tiveram notoriedade: os assassinos de Chico Mendes, do padre Josimo Tavares e do sindicalista Canuto. Todos os demais estão impunes.

No caso dos policiais que participaram do massacre de Carajás, há mais de cinco anos, a certeza da impunidade fez com que alguns deles se envolvessem no assassinato de mais dois líderes do MST, em Paraupebas (PA).

Há mais de ano está parado no Senado, depois de aprovado em duas votações na Câmara dos Deputados, um projeto de lei de emenda constitucional, de iniciativa do próprio governo, que transfere para a Justiça Federal os crimes cometidos contra os direitos humanos. Há acordo entre todos os partidos para a aprovação desse projeto. E, por alguma razão mais forte do que a retórica dos partidos políticos e do governo federal, o projeto não é

João Pedro Stódllo

aprovado no Senado. Por quê? Infelizmente, além da estúpida

violência física que ceifa impunemente tantas vidas, existem muito mais injustiças no meio rural. Incansável e corajosamente o padre Ricardo Resende continua denunciando a existência de trabalho escravo, ainda hoje, em pleno século XXI, em fazendas do Sul do Pará. Mães desesperadas não conhecem o paradeiro de seus filhos adultos, levados por "gatos", sem nunca mais dar notícias. Sem documentos, sem endereço, sem cidadania. Tratados apenas como uma mercadoria. Será este o Brasil moderno que Fernando Henrique Cardoso prometeu ao povo brasileiro há sete anos, quando assumiu o governo?

Todos nós ficamos indignados com a insensatez e a irresponsabilidade do governo federal com a crise da energia elétrica. Mas no meio rural há ainda milhões de brasileiros que não conhecem a energia elétrica. E não é porque moram em grotões inacessíveis. Temos uma escola, de um assentamento do MST, que funciona com 600 alunos, no antigo canteiro de obras da maior hidrelétrica do Paraná, Salto Santiago. Portanto, ao lado da usina hidrelétrica. E não tem luz! Milhares de camponeses do Pará e do Maranhão vivem no escuro, perto da linha elétrica de Tucuruí, que leva energia apenas para uma multinacional canadense exportar alumínio.

Quantos exemplos mais se poderia dar de tantas injustiças, violências sociais e da impunidade existente? Exemplos não faltam. Basta andar por esse Brasil

e observar. Mas a pergunta chave é: por que

persistem a injustiça e a impunidade? Persistem porque nossa sociedade é controlada por uma minoria, da classe dominante, de abastados, que pensa em acumular riqueza, acumular poder. Para isso, frente ao capital internacional, são extremamente subservientes. Frente ao povo brasileiro, são violentos e repressores. Essa minoria se utiliza do Estado apenas para garantir seus privilégios e aumentá-los ainda mais. O Estado brasileiro nem assimilou ainda a Revolução Francesa de 1789, da separação dos três poderes e do voto livre e democrático. Mas, mais do que isso, o Estado brasileiro está organizado, estruturado, para funcionar apenas em benefício de uma minoria.

Como disse, recentemente, o bispo de Caxias (RJ), Dom Mauro Morelli o "Estado brasileiro é como uma Van, feito para caber apenas 10 pessoas. O povo, amontoado nas paradas, até pode escolher a troca de motorista, mas seguirão viajando apenas os 10%."

Nossa sociedade precisa é de mudanças radicais, que vão à raiz dos problemas. E para isso não basta apenas mudar o motorista. Precisamos mudar o tipo de transporte, para que todos os brasileiros possam "viajar" e não apenas os 10%. Sem essas mudanças, as injustiças sociais continuarão aumentando e a impunidade dos poderosos continuará sendo parte das regras do jogo. ♦

João Pedro Stédile é membro da direção nacional do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

A OUTRA FACE DA MOEDA

A OUTRA FACE DA MOEDA

Autor: Nelson de Oliveira, Lutz

Mulert, José acrlos Zanetti (Org.).

Feito pelo Comissão Justiça e Paz da

Arquidiocese de Salvador.

Preço: R$10,00

REFORMA OU REVOLUÇÃO?

Autora: Rosa Luxemburgo

Editora: Expressão Popular

Preço: R$7,00

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Inverta n° 290 - 24 a 30/05/2001

800 mil desempregados com racionamento de energia

O presidente nacional da CUT, João Felício, falou ao INVERTA sobre a crise de energia do país. Segundo João Felício, no mínimo cerca de 800 mil pessoas deverão ficar desempregadas por causa do racionamento de energia: "O governo federal estava esperando um crescimento econômico de 4,5%, mas pelos dados atuais, com o racionamento, o máximo que o país irá crescer será 3,5% em 2001. A maior preocupação da CUT é lutar pelo emprego e mostrar suas propostas para resolver o problema", afirmou o presidente da CUT, que traz algumas propostas da Central Sindical para resolver a crise do sistema elétrico nacional, como o fechamento do comércio aos domingos, a diminuição da jornada de trabalho, o fim das privatizações no setor energético e o imediato investimento do governo na infra-estrutura do sistema.

"Não está certo o governo afirmar que a culpa é de São Pedro. A culpa é da falta de investimentos ao longo de vários anos no sistema energético nacional. O governo preferiu tirar recursos para aplicar no pagamento da dívida externa", afirmou o sindicalista.

João Felício disse que a CUT Nacional está preparando uma cartilha explicativa que será distribuída à população explicando os motivos da crise energética. "As pessoas precisam saber o porquê de o Brasil estar neste estado crítico em

matéria de energia e que agora necessita fazer um racionamento que irá afetar não somente os trabalhadores, mas toda a população do país que sofrerá um desconforto histórico."

O sindicalista disse que a CUT prepara também uma série de atividades junto com outras entidades do movimento organizado: "A nossa central irá juntamente com outras entidades civis como a OAB, a ABI entrar na Justiça contra a sobretaxação sobre os consumidores, e estaremos em todos os recantos do país com a nossa força de mobilização sindical na qual cerca de 80% dos sindicatos ligados ao setor elétrico são filiados a CUT", avisou João Felício.

Os maiores prejudicados pelas demissões serão os seguintes setores: Construção Civil e as indústrias de transformação, que necessitam do uso da energia de uma maneira intensiva. Pelos cálculos mais atuais esses números de cerca de 800 mil desempregados na força de trabalho do país, com o racionamento de energia, é que se levarmos em conta que com o crescimento de mais de 4% ao ano seriam criados cerca de 400 mil empregos e que além disso deverão ser cortados vários postos de trabalho, que segundo os economistas, deve girar em tomo de 400 mil empregos, chegaremos a estes números de aumento do desemprego que dá cerca de 1 % da PEA (População Economicamente Ativa) do

país que atualmente é de 70 milhões de trabalhadores.

O Presidente da Central Sindical reafirmou a redução da jornada de trabalho e a decretação de um feriado como alternativas ao racionamento: "Além da diminuição da jornada de trabalho sem redução do salário, uma das alternativas viáveis é a decretação pelo governo de mais um dia da semana como feriado neste período de emergência. Nós da CUT iremos chamar as falas as autoridades da República que estão dizendo bobagens sobre o racionamento de energia, como o presidente da ANP (Agência Nacional de Petróleo) que anda dizendo besteiras na imprensa sobre a crise de energia", concluiu.

O advogado do Procon, Hélio Trigo, afirmou que o órgão está pronto para dar assessoria jurídica aos consumidores que se sentirem lesados pelas sobretaxas ou cortes de energia pelas distribuidoras. Hélio Trigo disse que a OAB Nacional deverá entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a inconstitucionalidade da Medida Provisória que cria o plano de racionamento de energia. Ele afirmou que as várias medidas que implementam os apagões ferem tanto o Código de Defesa do Consumidor como a Constituição Federal.

•Bento Pereira

República do capital, capitalismo e processo político no Brasil Editora: Boitempo Autor: Décio Saes Preço: R$20,00 Neste livro, Décio Saes estabe- lece conexões originais entre as transformações político- institucionais do período republi- cano e os processos econômi- cos e os embates sociais empreendidos no últimos cem anos.

Anarquia & ürgunização

Ncsicir MiMtno

J£ \ P f Mi 1 T

^^kw^*li^H

Anarquia & Organização Autor: Nestor Makhno Editora: Coletivo Editorial Anar- quista Luta Libertária Preço:R$ 10,00 Este livro traz textos de Makhno e do grupo Dielo Trouda, do qual fez parte. Traz também textos de Piotr Archinov, outro militante que viveu os episódios revolucionários na Ucrânia e textos do debate entre este, Makhno e Malatesta em tomo da plataforma de organiza- ção, proposta pelo Dielo Trouda.

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA -13 DE MAIO - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO POPULAR www.analiseconomica.com - junho/ 2001

2001, uma odisséia no espaço Continuam chegando boas

notícias sobre uma iminente derrocada da economia

mundial. A mais recente diz respeito à evolução da produtividade do trabalho na economia americana, no primeiro trimestre de 2001. Vejamos, com suas próprias palavras, o breve relato que o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos faz da situação industrial, em seu último relatório Productivity cmdCosts [Produtividade e Custos], publicado na última semana:

"A produtividade caiu 2,1% na indústria de manufaturas no primeiro trimestre de 2001, o produto caiu 7,8% e as horas trabalhadas declinaram 5,8%. Este foi o maior declínio na produtividade do trabalho no setor industrial, desde o terceiro trimestre de 1989, quando ela caiu 3,2%. Na indústria de bens duráveis, a produtividade caiu 2,4% no primeiro trimestre de 2001. Isto reflete uma grande redução no produto, 9,3%, e um correspondente declínio de 7,1 % nas horas trabalhadas. Na indústria de bens não duráveis, a produtividade caiu 2,0%, enquanto o produto e as horas caíram 5,8 e 3,8%, respectivamente.

A remuneração horária na indústria aumentou 4,7% durante o primeiro trimestre. Este incremento reflete a elevação de 4,0% na remuneração horária da indústria de bens duráveis e uma grande elevação de 6,4% na remuneração horária dos operários [workers] na indústria de bens não duráveis.

A combinação da queda de 2,1% na produtividade industrial e os 4,7% de aumento na remuneração horária, causou um aumento de 7,0% no custo unitário do trabalho industrial. A última vez que o custo unitário do trabalho cresceu tanto em um trimestre foi no primeiro trimestre de 1991, quando ele cresceu 7,2%"

Para que os nossos leitores tenham uma visão mais impressionista da situação, vale a pena refazer e atualizar a tabela 2 que apresentamos anteriormente ("Lições de Economia - parte 9", pg 3), apenas acrescentando os números referentes ao primeiro trimestre/2001.

Vejam que foto mais sinistra. Muito

José Martin»

Tabela 2 - Indústria de Bens Duráveis dos EUA - mudanças médias trimestrais da produtividade e

medidas correlacionadas, 2000 (em %, anualizadas)

Anual TI TU Tlll TIV TI 01

Produtividade 10,5 13,9 10,2 11,5 6,6 -2,4 Produto 10,0 12,7 13,7 8,1 -0,5 -9,3 HorasTrabalhadas -0,5 -1,1 3,2 -3,0 -6,7 -7,1 Remuneração Horária 1,9 0,1 0,7 2,7 6.4 4,0 Custo Unitário Do Trabalho (CUFT) -4,8 -8,6 -5,9 -4,6 2,6 6,5

mais do que a anterior, que captava as nauseantes criaturas do capital apenas até o quarto trimestre de 2000 (T IV). Naquela altura da aterrissagem da "máquina de lucros" - ou nave espacial, em uma singela homenagem ao genial Stanley Kubrick, recentemente falecido, do qual tomamos emprestado o título do seu filme mais conhecido -já dava para perceber na cabine desta nave espacial uma despressurização um tanto quanto preocupante para seus comandantes e co- pi lotos. Para uma "aterrissagem suave", tudo estava acontecendo em um tempo muito mais curto do que recomenda qualquer plano de navegação.

Agora, apenas um trimestre depois, a trajetória da planejada aterrissagem ficou claramente fora de controle. Os números do primeiro trimestre de 2001 (T I 01) mostram que o problema na nave espacial de segurança máxima não é mais só de despressurização. Agora são as turbinas. Parece que elas estão emitindo sinais de que algo muito grave está acontecendo. A Odisséia está começando.

O que se pode visualizar nos sinaliza- dores é que a produtividade, que um ano antes (T I) era de 13,9%, velocidade cósmica, agora tinha caído para (-) 2,4%. Isso não passou desapercebido pelo Departamento do Trabalho, que bem observa no breve relato acima que "este foi o maior declínio na produtividade do trabalho no setor industrial, desde o terceiro trimestre de 1989, quando ela caiu 3,2%". Mas o problema se alastra também para a produção que, no mesmo curtíssimo período de doze meses desabou de 12,7% para (-) 9,3% ao ano. Para

desespero dos comandantes e co-pilotos, eles sentem a estranha sensação de que a astronave está desenhando uma acrobacia que não tem nenhuma graça: está ficando de ponta cabeça.

Esses experimentados navegadores (pelo menos eles) sabem o que alimenta as turbinas da sua formidável astronave, versão moderna e globalizada do malfadado Titanic. Por isso eles observam aterrorizados a queda fulminante das horas trabalhadas, de onde sai um modemíssimo combustível: valor e mais valia para movimentar as turbinas, circuitos de iluminação, controles eletrônicos, radares, ventilação e tudo o mais que mantêm funcionando a sua imponente máquina espacial. Eles sabem, melhor do que ninguém, que a queda de (-) 7,1 % das horas trabalhadas, registrada neste primeiro trimestre, indica que o suprimento deste elemento crítico para a operação do sistema está se esgotando.

Ficam ainda mais horrorizados quando seus aparelhos - totalmente informa- tizados, digitalizados, graças aos avanços tecnológicos ocorridos na Nova Economia - sinalizam uma vertiginosa elevação da remuneração horária e, principalmente, do custo unitário do trabalho. Está explicada a causa daquela asfixiante elevação da temperatura em toda a extensão e locais do aparelho que eles já vinham sentindo desde o quarto trimestre de 2000. Tudo que antes era virtual, agora se transmuta em pesadelo real. Por isso, quando eles, relutantemente, voltam seu olhar para a parte externa da astronave, só esperam não comprovar o que é absolutamente inadmissível, que as turbinas estão pegando fogo. ♦

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Correio da Cidadania - Junho de 2001 www.correiocidadania.com.br

ENTREVISTA Participar da ALÇA é optar por

retroceder à condição de país colonialf diz SAMUEL

PINHEIRO GUIMARÃES Valéria Nadar

A seguir, a entrevista que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães concedeu ao Correio da Cidadania, avaliando as implicações da ALÇA para o Brasil e o Mercosul.

Correio: Tem sido uma das vozes correntes que ou o Brasil embarca na globalização, o que implica na impossibilidade de não adesão à ALÇA, ou estaria perdido. Qual a sua avaliação sobre isto?

Samuel Pinheiro Guimarães: A partir de 1989, o processo de globalização se acelerou pela re- incorporação ao sistema capitalista global das economias dos países ex- socialistas e de setores de atividade nas economias periféricas, como as telecomunicações no Brasil, que estavam fora do alcance das mega- empresas multinacionais, em especial americanas, européias e japonesas. Essas mega-empresas são os grandes instrumentos (com o firme apoio de seus respectivos Estados nacionais) e as beneficiárias da formação de mercados globais, isto é, da globalização.

A ideologia da globalização, elaborada, articulada e divulgada pela academia e mídia dos países desenvolvidos e pelas agências internacionais, tais como a OMC, OCDE, o FMI, e o Banco Mundial, e que é absorvida pela mídia, academia, elites dirigentes e sociais da periferia (ex- socialista e subdesenvolvida), tem tido extraordinária importância nesse processo.

Em síntese, foram sepultadas as opções com base em teorias keynesianas, marxistas ou desenvolvimentistas de interpretação da economia e da sociedade e foi ressuscitada a teoria econômica clássica, em suas versões mais simples.

Segundo essa teoria, a liberdade de ação das forças de mercado, a redução do Estado às suas funções clássicas, de prover segurança, saúde e educação, a abertura radical e rápida para a importação de bens e o ingresso de capitais, a desregulamentação e a descentralização de decisões permitiriam a alocação ótima de recursos, o progresso tecnológico incessante, a mais justa distribuição de renda, o pleno emprego dos fatores de produção, resultados de que se beneficiariam todos os Estados e todos os indivíduos, em um mundo de paz, harmonia e cooperação, em uma economia e sociedade globais.

Assim, todas as sociedades deveriam aceitar as magníficas promessas da ideologia da globalização e todos os Estados (e governos) deveriam implementar programas econômicos liberais, com firmeza, rapidez e despreocupação, pois o mercado saberia alocar recursos, aumentar a produção e as exportações, gerar os empregos, criar a infra-estrutura necessária (!), gerar tecnologia etc.

Um dos aspectos da ideologia da globalização, profundamente influen- ciada pelos objetivos estratégicos dos Estados Unidos, era a eliminação completa dos obstáculos ao comércio internacional de bens e serviços e ao movimento de capitais, através do sistema multilateral de comércio e pagamentos, em cujo centro se encontram a OMC e o FMI.

Após um período em que os esquemas

de integração regional foram malvistos e combatidos como obstáculos protecionistas ao multilateralismo e à globalização de mercados, a virada estratégica dos Estados Unidos, com sua decisão de criar o NAFTA (North America Free Trade Área), forçou a reorganização ideológica no centro ideológico do sistema mundial, a qual se tornou ainda mais necessária com a Iniciativa das Américas e o projeto da ALÇA. Assim, a academia, as agências internacionais e a mídia, no centro do sistema e na periferia latino-americana, passaram a aceitar e a defender, com ardor, a integração econômica regional como essencial à participação dos mercados globais. Aí a origem da idéia de que é inevitável para o Brasil participar da ALÇA se quiser participar da globalização.

Ora, o Brasil nasceu como parte do processo de globalização, isto é, inserido no processo de formação de uma economia global em seus primórdios, no século XVI, e nunca se tornou uma economia autárquica, isolada dos fluxos internacionais de comércio, investi- mentos e empréstimos. O comércio exterior e o acesso à poupança externa foram e continuarão a ser fundamentais para qualquer estratégia brasileira de desenvolvimento econômico. Assim, o que importa definir é o modo de participar do processo de globalização, de forma passiva ou ativa, privilegiando os interesses das mega-empresas multinacionais e dos Estados centrais.

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

c o m o t e m ocorrido recentemente, comgrande ê n f a s e , o u defendendo e promovendo os interesses do trabalho e do capital brasileiros, de forma a reduzir as desigualdades sociais e a vulnera- bilidade externa, para construir uma sociedade mais justa, mais próspera e mais democrática. Participar da ALÇA é um modo passivo e lesivo de participar da globalização e significa abandonar, definitivamente, o projeto de construção dessa sociedade mais justa e optar por retroceder, na prática, à situação de país exportador de "commodities" agrícolas e industriais, livre cambista e neocolonial, incorporado à economia de nossa nova metrópole.

Correio: Nesse sentido, de que modo e em que medida a adesão a um processo como o da ALÇA poderá afetar a nossa soberania?

SPG: Nos últimos anos, as elites intelectuais, sociais e dirigentes da periferia foram constantemente expostas às idéias de que a soberania, as fronteiras e o Estado eram noções arcaicas e ultrapassadas. Apesar do acirramento da competição e dos conflitos e tensões econômicas e militares entre os Estados e da contínua ação das Grandes Potências em defesa dos interesses de suas sociedades e de sua soberania, as elites periféricas continuam hipnotizadas pela utopia da globalização passiva e a praticar políticas que levarão à abdicação de nossa soberania, isto é, da capacidade e do direito do povo brasileiro de organizar sua sociedade e de defender seus interesses na esfera internacional.

O processo de negociação da ALÇA é apenas uma dessas políticas, porém talvez a mais importante em seus efeitos negativos para o Brasil. A ALÇA é muito mais do que uma tradicional área de livre comércio, pois ela englobará, caso venha a ser concluída, compro- missos internacionais nas áreas do comércio de bens e serviços, de investimentos diretos, de compras

Participar da ALÇA é um modo passivo de participar da globalização e significa abandonar, definitivamente, o projeto de construção dessa sociedade mais justa e optar por retroceder à situação de país exportador de "commodities"

agrícolas e industriais".

governamentais, de patentes industriais, de normas técnicas e, muito provavelmente, de meio ambiente e padrões trabalhistas.

Com a ALÇA, o Brasil assumiria o compromisso de, em um prazo de dez a quinze anos, eliminar todas as tarifas e barreiras não tarifárias ao comércio de bens em relação aos países participantes, entre os quais está a maior potência econômica, tecnológica, financeira e comercial do mundo, que são os Estados Unidos. Isto de fato significa abdicar do direito soberano de ter política comercial em relação ao competidor que é de fato significativo, os EUA.

No caso de serviços, o Brasil abdicaria do direito de poder dar tratamento preferencial aos produtores de serviços brasileiros ou de disciplinar o fornecimento de serviços por produtores americanos, isto é, na prática norte-americanos.

Quanto aos investimentos diretos, o Brasil abdicaria da capacidade soberana de disciplinar e orientar os investimentos diretos estrangeiros americanos de forma a fazer com que contribuíssem de forma mais eficaz para o fortalecimento da economia brasileira e para reduzir sua vulnerabilidade externa.

As despesas do Estado brasileiro, que são feitas com os recursos arrecadados dos cidadãos brasileiros, que vêm a resultar, em parte, em compras governamentais de todo tipo de bens e serviços, não poderiam estar sujeitas a qualquer tratamento mais favorável às empresas brasileiras ou a empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil.

No caso das patentes industriais, que se encontram no âmago do tema da propriedade intelectual, as negociações da ALÇA viriam a estabelecer regras ainda mais favoráveis aos detentores dessas patentes, que são, em sua esmagadora maioria, no caso do

Hem i sf ér i o Ocidental,as empresas norte- americanas. Estas novas regras dificultariam ainda mais o processo de construção da capacidade naciona Ide

absorção e geração de tecnologia, processo indispensável para o Brasil e o Mercosul.

Na reunião de chefes de Estado da Cúpula das Américas no Canadá, há dois meses, recebeu grande destaque na imprensa o discurso de FHC, impondo restrições à ALÇA, bem como a vitória dos paises que defendiam o prazo final das negociações em 2005, e não em 2003, conforme vinha pressionando o governo dos EUA. Segundo avaliação do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, apesar das declarações condicionantes sobre as negociações, o Brasil continua a participar delas para que a ALÇA possa entrar em vigor em 2005. Estas decisões enrijeceriam cada vez mais as alternativas estratégicas brasileiras e contribuiriam para que se concretizem os objetivos americanos. A atual situação negociadora, de acordo com Pinheiro Guimarães, deveria ser simplesmente recusada pelo Brasil, uma vez que participar da ALÇA seria um modo passivo e lesivo de participar da globalização e significaria abandonar, definitiva- mente, o projeto de construção de uma sociedade mais justa e optar por retroceder, na prática, à situação de pais exportador de "commodities" agrícolas e industriais, livre cambista e neocolonial, incorporado à economia de nossa nova metrópole.

Correio: Tem sido uma das vozes correntes que ou o Brasil embarca na globalização, o que implica na impossibilidade de não adesão à ALÇA, ou estaria perdido. Qual a sua avaliação sobre isto? Samuel Pinheiro Guimarães: A partir de 1989, o processo de globalização se acelerou pela re-incorporação ao sistema

J "PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES

FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

capitalista global das economias dos países ex-socialistas e de setores de atividade nas economias periféricas, como as telecomunicações no Brasil, que estavam fora do alcance das mega- empresas multinacionais, em especial americanas, européias e japonesas. Essas mega-empresas são os grandes instrumentos (com o firme apoio de seus respectivos Estados nacionais) e as beneficiárias da formação de mercados globais, isto é, da globalização. A ideologia da globalização, elaborada, articulada e divulgada pela academia e mídia dos países desenvolvidos e pelas agências internacionais, tais como a OMC, OCDE, o FMI, e o Banco Mundial, e que é absorvida pela mídia, academia, elites dirigentes e sociais da periferia (ex-socialista e subdesen- volvida), tem tido extraordinária importância nesse processo. Em síntese, foram sepultadas as opções com base em teorias keynesianas, marxistas ou desenvolvimentistas de interpretação da economia e da sociedade e foi ressuscitada a teoria econômica clássica, em suas versões mais simples. Segundo essa teoria, a liberdade de ação das forças de mercado, a redução do Estado às suas funções clássicas, de prover segurança, saúde e educação, a abertura radical e rápida para a importação de bens e o ingresso de capitais, a desregulamentação e a descentralização de decisões permitiriam a alocação ótima de recursos, o progresso tecnológico incessante, a mais justa distribuição de renda, o pleno emprego dos fatores de produção, resultados de que se beneficiariam todos os Estados e todos os indivíduos, em um mundo de paz, harmonia e cooperação, em uma economia e sociedade globais. Assim, todas as sociedades deveriam aceitar as magníficas promessas da ideologia da globalização e todos os Estados (e governos) deveriam implementar programas econômicos liberais, com firmeza, rapidez e despreocupação, pois o mercado saberia alocar recursos, aumentar a produção e as exportações, gerar os empregos, criar a infra- estrutura necessária (!), gerar tecnologia etc. Um dos aspectos da ideologia da globalização, profundamente influenci- ada pelos objetivos estratégicos dos

Estados Unidos, era a eliminação completa dos obstáculos ao comércio internacional de bens e serviços e ao movimento de capitais, através do sistema multilateral de comércio e pagamentos, em cujo centro se encontram a OMC e o FMI. Após um período em que os esquemas de integração regional foram malvistos e combatidos como obstáculos protecionistas ao multilateralismo e à globalização de mercados, a virada estratégica dos Estados Unidos, com sua decisão de criar o NAFTA (North America Free Trade Área), forçou a reorganização ideológica no centro ideológico do sistema mundial, a qual se tornou ainda mais necessária com a Iniciativa das Américas e o projeto da ALÇA. Assim, a academia, as agências internacionais e a mídia, no centro do sistema e na periferia latino-americana, passaram a aceitar e a defender, com ardor, a integração econômica regional como essencial à participação dos mercados globais. Aí a origem da idéia de que é inevitável para o Brasil participar da ALÇA se quiser participar da globalização. Ora, o Brasil nasceu como parte do processo de globalização, isto é, inserido no processo de formação de uma economia global em seus primórdios, no século XVI, e nunca se tomou uma economia autárquica, isolada dos fluxos internacionais de comércio, investimentos e empréstimos. O comércio exterior e o acesso à poupança externa foram e continuarão a ser fundamentais para qualquer estratégia brasileira de desenvolvimento econômico. Assim, o que importa definir é o modo de participar do processo de globalização, de forma passiva ou ativa, privilegiando os interesses das mega-empresas multinacionais e dos Estados centrais, como tem ocorrido recentemente, com grande ênfase, ou defendendo e promovendo os interesses do trabalho e do capital brasileiros, de forma a reduzir as desigualdades sociais e a vulnerabilidade externa, para construir uma sociedade mais justa, mais próspera e mais democrática. Participar da ALÇA é um modo passivo e lesivo de participar da globalização e significa abandonar, definitivamente, o projeto de construção dessa sociedade mais justa e optar por retroceder, na prática, à

situação de país exportador de "commodities" agrícolas e industriais, livre cambista e neocolonial, incorporado à economia de nossa nova metrópole.

Correio: Nesse sentido, de que modo e em que medida a adesão a um processo como o da ALÇA poderá afetar a nossa soberania? SPG: Nos últimos anos, as elites intelectuais, sociais e dirigentes da periferia foram constantemente expostas às idéias de que a soberania, as fronteiras e o Estado eram noções arcaicas e ultrapassadas. Apesar do acirramento da competição e dos conflitos e tensões econômicas e militares entre os Estados e da contínua ação das Grandes Potências em defesa dos interesses de suas sociedades e de sua soberania, as elites periféricas continuam hipnotizadas pela utopia da globalização passiva e a praticar políticas que levarão à abdicação de nossa soberania, isto é, da capacidade e do direito do povo brasileiro de organizar sua sociedade e de defender seus interesses na esfera internacional. O processo de negociação da ALÇA é apenas uma dessas políticas, porém talvez a mais importante em seus efeitos negativos para o Brasil. A ALÇA é muito mais do que uma tradicional área de livre comércio, pois ela englobará, caso venha a ser concluída, compromissos interna- cionais nas áreas do comércio de bens e serviços, de investimentos diretos, de compras governamentais, de patentes industriais, de normas técnicas e, muito provavelmente, de meio ambiente e padrões trabalhistas. Com a ALÇA, o Brasil assumiria o compromisso de, em um prazo de dez a quinze anos, eliminar todas as tarifas e barreiras não tarifárias ao comércio de bens em relação aos países participantes, entre os quais está a maior potência econômica, tecnológica, financeira e comercial do mundo, que são os Estados Unidos. Isto de fato significa abdicar do direito soberano de ter política comercial em relação ao competidor que é de fato significativo, os EUA. No caso de serviços, o Brasil abdicaria do direito de poder dar tratamento preferencial aos produtores de serviços brasileiros ou de disciplinar o fornecimento de serviços por produtores americanos, isto é, na prática norte-americanos. Quanto aos investimentos diretos, o Brasil abdicaria

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

da capacidade soberana de disciplinar e orientar os investimentos diretos estrangeiros americanos de forma a fazer com que contribuíssem de forma mais eficaz para o fortalecimento da economia brasileira e para reduzir sua vulnerabilidade externa. As despesas do Estado brasileiro, que são feitas com os recursos arrecadados dos cidadãos brasileiros, que vêm a resultar, em parte, em compras governamentais de todo tipo de bens e serviços, não poderiam estar sujeitas a qualquer tratamento mais favorável às empresas brasileiras ou a empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil. No caso das patentes industriais, que se encontram no âmago do tema da propriedade intelectual, as negociações da ALÇA viriam a estabelecer regras ainda mais favoráveis aos detentores dessas patentes, que são, em sua esmagadora maioria, no caso do Hemisfério Ocidental, as empresas norte-americanas. Estas novas regras dificultariam ainda mais o processo de construção da capacidade nacional de absorção e geração de tecnologia, processo indispensável para fortalecer as empresas nacionais, para garantir o acesso do parque produtivo brasileiro a níveis tecnológicos mais elevados e para assegurar condições de competitividade efetiva nos mercados mundiais, o que é condição para superar o estrangulamento externo da economia. No caso dos padrões trabalhistas, a situação parece paradoxal. De um lado, os Estados Unidos, que são signatários de pequeno número de convenções da OIT de proteção ao trabalho, continuam a promover ^flexibilização dos mercados de trabalho (o que beneficia a lucratividade dos investimentos de suas mega-empresas na periferia). Por outro lado, os Estados Unidos parecem procurar incluir compromissos sobre padrões trabalhistas que funcionariam na prática como instrumentos de proteção comercial de setores frágeis de seu mercado interno. Quanto ao meio ambiente, os Estados Unidos declararam não pretender cumprir as metas de redução de emissões de gases poluentes do protocolo de Kyoto, e parecem procurar, através da negociação de regras extremamente liberais sobre investimentos, obter para suas empresas liberdade de ação e

capacidade de desafiar eventuais legislações locais de defesa do meio ambiente, exportando para a periferia empresas de tecnologia poluente. Ao mesmo tempo, procurariam estabelecer, com base em argumentos ambientais, regras comerciais de proteção de seu mercado que atendam às preocupações de ONGs ambientais. Em resumo, a capacidade soberana da sociedade brasileira de utilizar o Estado para implementar políticas eficazes de promoção de exportação, regulação das importações, de orientação estratégica dos investimentos e de estímulo à geração e adoção de novas tecnologias para poder enfrentar os desafios urgentes da redução gradual e firme das disparidades sociais e da vulnerabilidade externa ficaria gravemente cerceada, senão completamente eliminada, caso venham a ser negociados os compromissos internacionais solenes, previstos para constituição da ALÇA.

Correio: Com relação à reunião de chefes de Estado na Cúpula das Américas no Canadá, a imprensa deu bastante destaque ao discurso de FHC, impondo restrições à ALÇA, bem como à vitória dos países que defendiam o prazo final das negociações em 2005, e não em 2003, conforme vinha pressionando o governo dos EUA. Mas fato é que foi assinado um acordo. Em que medida ele poderá enrijecer as opções do Brasil sobre a ALÇA, limitando o seu poder de decisão na hora final? SPG: Não houve propriamente um acordo, segundo entendo, mas sim uma declaração que confirma a data de 2005 para o início da implementação da ALÇA, que confirma o calendário de trabalho dos diversos grupos negociadores e o fim das negociações em 2004 e indica os países que deverão presidi-los. O Brasil, apesar das declarações condicionantes sobre os resultados das negociações, continua a participar delas e a aceitar, implicitamente, que devem de toda forma chegar ao final até 2004 para que a ALÇA possa entrar em vigor em 2005. Naturalmente, estas decisões enrijecem cada vez mais as alternativas estratégicas brasileiras e contribuem para que se concretizem os objetivos americanos, que estão, inclusive, negociando sem a

autorização do Congresso. Esta é uma situação em extremo perigosa, pois continuam os Estados Unidos a recusar negociar o que não lhes interessa, como a legislação sobre produtos agrícolas e a legislação anti-dumping (produtos industriais), e a fazer avançar as negociações nas áreas que lhes interessam, que são investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais. Ao final, obterão do Congresso americano a autorização para assinar os compromissos que obtiveram nessas áreas e farão uma pressão extraordinária para que os países das Américas, em especial o Brasil, aceitem os resultados que conseguiram alcançar nessas áreas, enquanto nada cedem nas demais áreas, que prometem negociar na OMC. A atual situação negociadora deveria ser simplesmente recusada pelo Brasil, de acordo com o próprio princípio, declarado como condição pelo Brasil no passado (e hoje esquecido), do "single undertaking", isto é, de que deveriam ser negociados acordos satisfatórios em todas as áreas, sem o que a negociação não poderia ser concluída e não poderia haver negociação fatiada. A pergunta que necessita de resposta é a razão de se continuar a negociar apenas os temas que interessam aos EUA.

Correio: Esse primeiro protocolo de intenções necessitaria ser ratificado pelo Congresso? SPG: Acredito que o Congresso deveria examinar, com a maior urgência, a conveniência do Brasil participar desse tipo de negociação, pois seus resultados afetarão (e reduzirão) profundamente a própria competência legislativa do Congresso brasileiro (e portanto do povo brasileiro) para definir as políticas que devem ser seguidas pelo Brasil, e que são indispensáveis para executar uma estratégia de desenvol-vimento de um país que pretende superar o subdesenvolvimento, a desigualdade, a injustiça e a vulnerabilidade, e participar do processo político e econômico internacional como nação soberana, isto é, não subordinada a nenhuma Grande Potência.

Correio: Como você avalia a proposta de que seja realizado um plebiscito para consultar a população quanto à ALÇA? Qual seria a efetividade de um processo como esse? SPG: Acredito que a convocação

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE 0$ TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

de um plebiscito para consultar a população sobre a ALÇA seria de grande importância, principalmente para promover o debate sobre o tema, avaliar suas conseqüências para a sociedade, para o Estado, para cada cidadão, e até para reforçar a estratégia e a capacidade de atuação da diplomacia brasileira e do Executivo em relação a essa questão fundamental para o futuro do Brasil. Quanto mais cedo se realizar esse plebiscito, e os debates que devem prepará-lo, tanto melhor, pois ele será, a meu juízo, cada vez mais útil quanto mais se aproxima a data de 2004, que é a data mais importante, pois até lá já estariam encerradas as negociações.

Correio: Qual deveria ser, na sua opinião, a estratégia de luta do Brasil, diante das circunstâncias objetivas que vêm sendo colocadas, ou mesmo considerando a possibilidade de com elas não compactuar? Que opções temos hoje? SPG: Nada existe, nos compromissos internacionais ou na legislação brasileira, que obrigue o Brasil a participar de qualquer negociação internacional para a formação de áreas de livre comércio do tipo da ALÇA. Pelo contrário: o exame dos artigos da Constituição que estabelecem o princípio da soberania e da formação de uma comunidade latino-americana de nações certamente colocaria pelo menos em grave dúvida a legalidade da participação do Brasil nessas negociações, sem a prévia autorização do Congresso Nacional. A estratégia de luta deve ser promover amplo debate na sociedade brasileira e exigir seu exame cuidadoso pelo Congresso Nacional (e pelos Estados

da Federação), o qual deve estabelecer estritos limites a qualquer negociação internacional que possa vir a alienar, de forma significativa, parcelas de soberania brasileira, isto é, da capacidade de adotar políticas adequadas à superação do subdesenvolvimento, de proteção ao trabalhador e ao empresário brasileiro, em um mundo cada vez mais oligopolizado por mega-empresas, concentrador de riqueza nos países altamente desenvol- vidos e sujeito ao arbítrio das Grandes Potências. A estratégia do debate público deve procurar envolver cada governo estadual, cada universidade, cada associação de classe, e deve pressionar seus representantes no Congresso para que definam a posição do Brasil na matéria, que, por sua gravidade histórica, não pode ficar à mercê do Executivo e, dentro dele, de ocupantes efêmeros de posições públicas. As opções que temos hoje são, em primeiro lugar, não aceitar prazos para o término das negociações; não aceitar negociar enquanto a situação externa da economia brasileira continuar a exibir o elevado e crescente grau de vulnerabilidade; não aceitar negociar enquanto a diferença de níveis de competitividade entre as empresas brasileiras e as mega-empresas americanas for da ordem atual, de 2 a 3 vezes inferior para as empresas brasileiras; não aceitar negociar se não houver a estruturação de fundos de compensação e de reorganização industrial; não aceitar negociar se não houver tratamento diferenciado entre o Brasil e os EUA, cujo PIB é dez vezes superior ao do Brasil; não aceitar negociar, se não for incluída a possibilidade de

movimentação de mão-de-obra no Hemisfério, que é essencial para o Brasil; não aceitar negociar sem que os Estados Unidos subscrevam o Protocolo de Kyoto; e não aceitar negociar enquanto o governo americano não tiver autorização (o chamado "fast track") de seu Congresso para negociar o que nos interessa, isto é, a legislação de produtos agrícolas e a legislação anti-dumping, para que as empresas brasileiras possam ter acesso real ao mercado americano. Enfim, não negociar a soberania brasileira e a incorporação da economia brasileira à norte-americana. A política econômica externa está vinculada profundamente à estratégia econômica adotada internamente. O reconhecimento do fracasso da estratégia neoliberal, evidenciado pela crise energética e de infra-estrutura em geral e pela dificílima situação de pagamentos externos e da crescente e estrangulante dívida interna, vai eventualmente exigir uma nova estratégia de desenvolvimento econômico e uma nova política econômica externa para o Brasil. Essa nova política econômica externa deve ter como seu fundamento, de um lado, evitar a incorporação do Brasil a qualquer pólo de poder internacional, seja ele os EUA, a União Européia ou qualquer outro, e, em segundo lugar, articular uma forte e solidária aliança dos Estados sul-americanos para a defesa de seus interesses de longo prazo, em um mundo cada vez mais concentrador de riquezas e cada vez mais sujeito à violência e ao arbítrio das Grandes Potências. ♦

Asteca Informa - Ano V n047 jun/01 E-mail: astecainformafljuol.com.br

Ele conseguiu: chegamos ao Século XDQ Jomé Augusto Azeredo

"A mesma mão que apaga as luzes necessárias, que abre a banheira para o banho frio, que desliga aquecedores ou que lava roupa no tanque (mesmo tendo máquina à disposição) vai digitar meu voto na próxima eleição ".

Maria Lúcia Benanie Marques - FSP 29/05/01

Parodiando o velho samba camava-lesco: guardai os vossos chuveiros, guardai / porque vai

racionar energia vai... No início da década de 60 a encampação das empresas estrangeiras dava seus primeiros passos

e, como agora, as principais produtoras e distribuidoras de energia elétrica eram privadas. Tínhamos luz cara, apagões, muita energia produzida por meios poluentes e um deficiente sistema compartimentado de distribuição. A

situação estava bem retratada nesta marcha de carnaval: "Rio de Janeiro / cidade que me seduz / de dia falta água / de noite falta luz".

As pessoas que pensavam, naquela época, propunham intensificar a

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

construção de grandes hidroelétricas e criar um sistema de distribuição integrado de norte à sul do país. Para eliminar a energia produzida via óleo diesel e carvão mineral, consumidores de divisas. Para estabilizar a tensão, reduzir perdas de carga e racionalizar a distribuição através de um sistema nacional integrado, suprindo as regiões com escassez através do excedente das outras.

Mas o governo Jango não teve condições de levar o plano adiante, em função da violenta sabotagem orquestrada pelas elites e pela CIA, que culminou com o golpe militar de 64. Entretanto, os governos militares promoveram verdadeira revolução no campo das comunicações e da matriz energética. De um lado, tiveram a visão de desenvolver o uso do álcool carburante para motores, e de outro, promoveram a construção de grandes usinas hidroelétricas e avançaram na direção de uma distribuição integrada. Isto se deu porque, apesar de fascistizante, eles tinham um projeto de nação, ao contrário da atual elite. Apesar de grande vítima de sua truculência, costumo reconhecer aspectos positivos dos outros, inclusive dos inimigos.

Assim, ao assumir o governo, o atual e distraído presidente, dispunha, em função da obra dos militares, de um estoque de segurança de água para o mínimo de 6 anos, destinado à neutralizar as conse- qüências das oscilações pluviomé-tricas ao longo do tempo. Vejamos então, quais as preocupações de nosso intelectual esquecido, ao se despedir do senado em 1994: "Numa estimativa conservadora (...), o Brasil terá de investir R$ 20 bi por ano, nos próximos quatro anos, para que surjam gargalos na oferta de energia, transportes e telecomunicações... O Estado não dispõe desses recursos. A sociedade se recusa a pagar mais impostos". Então, porque a surpresa de agora?

Como sua prioridade, como vemos, não estava no aumento da oferta de energia, mas na privatização das hidroelétricas, usou, espertamente, o estoque de água do Consenso de Washington contrárias ao investimento estatal, e manter de pé, ao máximo, o "conto do real forte", de quebra, conquistar a reeleição, seu principal projeto. Só que, acabando a água, não por causa de São Pedro que fez chover apenas menos 2,5% no período.

mas pela falta de investimento na geração e distribuição de eletricidade, acabou-se a mágica. Sem coelhos na cartola, apelou para o "conto do apagão", contando, para o terrorismo nele embutido, com seu jovem e deslumbrado genro, além dos baba-ovos de sempre. Em conseqüência, querem que voltemos ao fogão a lenha, ao ferro de passar a carvão, às lamparinas e lampiões a querosene, ao banho frio... Enfim, eis aí a modernização prometida... a de 100 anos atrás...

Com todas idas e vindas ocorridas depois da "surpresa", o governo não mostrou ainda qualquer plano sério para alcançar uma solução definitiva. Limita-se a fazer terrorismo sobre a população com a ameaça de cortes e das sobretaxas. Ou seja, busca apenas "quebrar o galho" no momento, com base no dito "o futuro a Deus pertence". Na verdade, para o governo o racionamento mais conta como pretexto para elevar preços através da sobretaxa, cujo destino jamais deixou claro. Senão, vejamos.

Ora, conforme o jornal Folha de São Paulo de 21 de maio passado, no início daquele mês o presidente da empresa norte-americana AES, Sr. Thomas Tribone, proprietária da Eletropaulo, Light e outras menos cotadas, completamente enfurecido foi até a embaixada brasileira e passou a maior espinafração nos diplomatas. Alegando que estaria suspendendo um investimento de 2,5 bilhões de dólares que faria no Brasil porque o governo não fazia regras claras no setor, o BNDES não teria liberado um empréstimo para ajudar o "pobre" trust norte-americano, e nem aumentava o preço da energia, esta última, também determinação do FMI. Finalizando, ameaçou processar o Brasil, provavel- mente nos tribunais da matriz. Foi isso que "despertou" o governo para a crise energética mil vezes anunciada antes por inúmeras pessoas e entidades. Assim, Fernando Henrique procura transferir para o povo sua responsabilidade pela crise, fazendo-o praticar o auto- racionamento e, de quebra aumentar o preço do kwh, engordando o cofrinho do Sr. Tribone.

Infelizmente, em julho ou agosto toda essa papagaiada cairá por terra e chegará, e virá o racionamento nu e cru. Se não reduzirmos o consumo agora, e fundo, a

coisa ficará feia. O desemprego já começou antes do racionamento e com ele será muito pior, os prej uízos, o aumento da violência pela escuridão, os problemas na saúde, na escola, no abastecimento de alimentos e água poderão ficar mais críticos, ainda.

Só que, racionar não resolve nada, talvez minore os efeitos mais cruéis do apagão. O problema continuará. E o que fazer então? Do Rio de Janeiro para cima é um crime usar eletricidade para aquecimento. Com a perenidade e a intensidade do calor do sol da região, de janeiro a janeiro praticamente, já deveríamos ter incentivado o uso do aquecimento solar. Fazendo isso, o custo dos equipamentos baixaria em muito, e a tecnologia se desenvolveria geometricamente. Aqui em São Paulo, desde janeiro de 1995, uso aquecimento solar em minha casa, com pleno êxito, orientado que fui pelo amigo e engenheiro Jorge Maia que, ao contrário de Fernando Henrique, já previa o nó e o encarecimento da eletricidade.

Já se abastece lâmpadas e eletrodo- mésticos com a eletricidade produzida via energia solar e acumulada em baterias. Além disso, principalmente no litoral, venta muito, razão pela qual não é nada desprezível a utilização de energia eólica para produzir eletricidade. Essas fontes baratas de energia, e de mais rápida implementação, não afetam a balança comercial, nem poluem o ambiente, como a solução aventada pelo governo de geração via usinas termoelétricas movidas a combustível poluente e importado.

O Movimento Sindical precisa sair para mobilizar o povo por soluções para a crise independentes do FMI. É preciso impedir que, mais uma vez, o povo pague a conta das, digamos, omissões das autoridades, porque nos palácios a luz não vai ser cortada e as sobretaxas serão pagas por nós. Em Vitória do Espírito Santo, em 1959 / 1960, o conselho Sindical dos Trabalhadores, em aliança com industriais e comerciantes, não fez por menos: promoveu uma greve contra o pagamento das contas de eletricidade da Bond and Share local, pela redução do preço do kwh e melhoria do fornecimento. Essa greve durou cerca de 4 ou 5 meses e findou vitoriosa!

Essa campanha foi encampada, tomando o nome de ESCELSA, mas, novamente privatizada agora...♦

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES11 B.Brecht

Documento

Carta de Princípios do Fórum Sociai Mundiai

O comitê de entidades brasileiras que idealizou e organizou o primeiro Fórum

Social Mundial, realizado em, Porto Alegre de 25 a 30 de janeiro de 2201, considera necessário e legítimo, após avaliar os resultados desse fórum e as expectativas que criou, estabelecer uma Carta de Princípios que oriente a continuidade dessa iniciativa, nos termos da Nota de Informação que divulgou ao final do Fórum. Os Princípios contidos na Carta, a ser respeitada por todas/os que queiram participar desse processo e organizar novas edições do Fórum Social Mundial, consolidam as decisões que presidiram a realização do Fórum de Porto Alegre e asseguraram seu êxito, e ampliaram seu alcance, definido orientações que decorrem da lógica dessas decisões.

1.0 Fórum Social Mundial é um espaço aberto de encontro para o aprofundamento da reflexão, o debate democrático de idéias, a formulação de propostas, a troca livre de experiências e a articulação para ações eficazes, de entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo, e estão empenhadas na construção de uma sociedade planetária no se humano.

2. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre foi um evento localizado no tempo e no espaço. A partir de agora, na certeza proclamada em Porto Alegre de que "um outro mundo é possível", ele se toma um processo permanente de busca e construção de alternativas, que não se reduz aos eventos em que se apoie.

3. O Fórum Social Mundial é um processo de caráter mundial. Todos os encontros que se realizem como parte desse têm dimensão internacional.

4. As alternativas propostas no Fórum Social Mundial contrapõem-se a um processo de globalização capitalista comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e

Comitê Organizador

instituições internacionais a serviço de seus interesses. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais, bem como os de todas/os as/os cidadãos e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições internacionais democráticas a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos.

5. O Fórum Social Mundial reúne e articula somente entidades e movimentos da sociedade civil de todos os países do mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial nem excluir dos debates que promova os responsáveis políticos, mandatados pelo povo, que decidam assumir os compromissos que deles resultem.

6. Os encontros do Fórum Social Mundial não têm caráter deliberativo enquanto Fórum Social Mundial. Ninguém estará, portanto autorizado a exprimir, em nome do Fórum, em qualquer de suas edições, posições que pretenderiam ser de todas/os as/os suas/ seus participantes. As/os participantes não devem ser chamadas/os a tomar decisões, por voto ou aclamação, enquanto conjunto de participantes do Fórum, sobre declarações ou propostas de ação que as/os engajem a todas/os ou à sua maioria e que se proponham a ser tomadas de posição do Fórum enquanto Fórum.

7. Deve ser, no entretanto, assegurada, a entidades ou conjuntos de entidades que participem dos encontros do fórum, a liberdade de deliberar, durante os mesmos, sobre declarações e ações que decidam desenvolver, isoladamente ou de forma articulada com outros participantes. O Fórum Social Mundial se compromete a difundir amplamente essas decisões, plenos meios ao seu alcance, sem direcionamentos, hierarquizações, censuras e restrições, mas como

deliberações das entidades ou conjuntos de entidades que as tenham assumido.

8. O Fórum Social Mundial é um espaço plural e diversificado, não confessional, não governamental e não partidário, que articula de forma descentralizada, em rede, entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo.Ele não se constitui portanto em instância de poder, a ser disputado pelasos participantes de seus encontros, nem pretende se constituir em única alternativa de articulação e ação das entidades e movimentos que dele participem.

9.0 Fórum Social Mundial assume a democracia como caminho para resolver politicamente os problemas da sociedade, Como espaço de encontro, ele está aberto ao pluralismo e à diversidade de engajamentos e atuações das entidades e movimentos que dele decidam participar, bem como à diversidade de gênero, raças, etnias e culturas.

10.0 Fórum Social Mundial se opõe a toda visão totalitária e reducionista da história e ao uso da violência como meio de controle social pelo Estado. Propugna pelo respeito aos Direitos Humanos, por relações, solidárias e pacíficas entre pessoas, raças, gêneros e povos, condenando todas as formas de dominação assim como a sujeição de um ser humano pelo outro.

11. Os encontros do Fórum Social Mundial são sempre espaços abertos a todas/os que queiram deles participar, exceto a organizações que atentem contra a vida das pessoas como método de ação política.

12. Como espaço de debate, o Fórum Social Mundial é um movimento de idéias que estimula a reflexão, e a máxima disseminação transparente dos resultados dessa reflexão, sobre os mecanismos e instrumentos da dominação do capital, sobre meios e ações de dominação do capital, sobre

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

meios e ações de resistência e superação dessa dominação, e sobre as alternativas que podem ser propostas para resolver os problemas de exclusão e desigualdade que o processo de globalização capitalista atualmente hegemônico está criando oi agravando, internacionalmente e no interior dos países.

13. Como espaço de troca de experiências, o Fórum Social Mundial estimula o conhecimento e o reconhecimento mútuo das entidades e movimentos que dele participam, valorizando especialmente o que a sociedade está construindo para centrar a atividade econômica e a ação política no atendimento das necessidades do ser

humano e no respeito à natureza. 14. Como espaço de articulação, o

Fórum Social Mundial procura fortalecer e criar novas articulações nacionais e internacionais entre entidades e movimentos da sociedade civil, que aumentem, tanto na esfera da vida pública como da vida privada, a capacidade de resistência social ao processo de desumanização que o mundo está vivendo, e reforcem as iniciativas humanizadoras em curso pela ação desses movimentos e entidades.

15. O Fórum Social Mundial é um processo que estimula as entidades e movimentos que dele participam a situar suas ações como questões de cidadania planetária, introduzindo na agenda global

as práticas transformadoras que estejam experimentando na construção de um mundo novo.^

.São Paulo, 9 de abril de 2001

ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não Gover-

namentais

AFTAC - Ação pela Tributação das Transações Financeiras em

Apoio aos Cidadãos

CBJP - Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB

CIVES - Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania

CUT - Central Ünica dos Trabalhadores

BASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

CJG - Centro de Justiça Global

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Publicadas em 11/04/2001 - FSM - 2002

Sem Terra n0 211 junho 2001 www.mst.org.br

ENTREVISTA A crise brasileira é estrutural.

Francisco Oliveira*

Como o senhor analisa a atual situação do país?

Resumidamente a situação do país é: uma situação social explosiva, uma inserção subordinada na chamada nova globalização, que obriga os governos a se tomarem algozes de seus povos. E essa subordinação financeira, dos governos de seus países como o Brasil, escolheram subordinar -, porque não é nada automático, eles escolheram subordinar -, e estão numa situação sem saída. O caso da Argentina é o emblema maior disso aí. Porque você fica na dependência de movimentos flutuantes do capital especulativo internacional e isso ora pode estar por cima, ora pode estar por baixo. Quer dizer, o país perde independência nas decisões sobre a política econômica. E fica no círculo vicioso: quanto mais você procura adaptar-se às regras é um trabalho em vão porque nisso não existe regras. Então, quanto mais você tenta perseguir os objetivos de abrir o comércio, abrir a circulação de capitais para receber capitais, tanto mais o preço é mais alto. E vai exigindo ajustes e reajustes

decorrentes da situação que já é escandalosa. Esses últimos oito anos, mais precisamente os últimos seis de governo FHC, promoveram, por conta dessas políticas neoliberais, mudança na relação de força no interior da sociedade, sobretudo na burguesia, uma mudança que as vezes leva décadas para ocorrer.

E FHC conseguiu aglutinar todas essas forças. Daí a facilidade para implantar essas políticas...

Ele conseguiu por um momento, em 94. Esse momento foi reconfirmado em 98. Mas aí, na verdade, é forçoso reconhecer que o que atuou para a reeleição foi o fetiche da estabilidade monetária, porque o deslocamento de forçajá havia sido importante. O livrinho do Biondi nos dá um quadro sintetizado das mudanças no poder econômico no interior da burguesia, na estrutura. Ele relaciona a Usiminas. A Usiminas, por exemplo, antes da privatização, 85% do capital era controlado pela Siderbras/ BNDES. Se você olha o quadro posterior à participação da Siderbras/ BNDES foi zerada, sem mais nenhuma

ação. Houve um deslocamento de forças importante e a principal das quais é a ausência do Estado como acionista. Isso passou-se em todas as grandes estatais...

Conseqüentemente parte do PIB passou para outras mãos...

O controle societário mudou e mudou evidentemente a relação de forças no interior da própria burguesia. Durante muito tempo o grupo Antônio Ermínio de Moraes, grupo Votorantin, aparecia na cabeça das empresas privadas brasileiras - não no total das empresas, porque no total das empresas ainda é a Petrobrás - mas nos grupos privados aparecia o grupo Votorantin. De um ano para o outro, só com a privatização da Vale do Rio Doce esse ranking no topo da lista mudou, apareceu o grupo Vicumha, por sua participação na Siderúrgica Nacional e na Vale do Rio Doce. Então, é algo desse porte que se passou.

£ quais têm sido as principais conseqüências desse processo para o país?

As conseqüências mais importantes

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Nacional são: do ponto de vista do poder do Estado, a perda de capacidade de fazer política, qualquer política. Sobretudo de fazer política industrial. O único instrumento que resta e o BNDES para dar dinheiro para os grupos privados. Então, essa é uma conseqüência importante. Um Estado que não tem capacidade de fazer política não é nada. Do ponto de vista da cidadania você perde um patrimônio desse, portanto perde a capacidade de controlar as empresas. E perdemos do ponto de vista da renda. Porque todos esses produtos das empresas estatais subiram depois da privatização. Ao invés deles terem baixado, como dizia o receituário neoliberal, tarifas e preços de mercadorias subiram. Esse livrinho do Biondi fez as contas, e segundo o governo federal, até 1998, o que ele tinha vendido das empresas estatais o que ele tinha vendido das empresas estatais, entre União e Estados que fizeram privatizações havia rendido a soma de 85 bilhões de reais até 98. Biondi fez conta contrária. Quanto a União e os Estados perderam para fazer as privatização? Perderam 87 bilhões de reais. Ou seja, não ganhou nada. Ainda deu. Dois bilhões de reais passaram de graça, sendo que esse de graça deve ser enfatizado porque foi quase tudo de graça. 45% do 85 bilhões foram pagos em moedas podres. Na época a imprensa chamou isso de moedas podres...

O senhor acha que houve um enfraquecimento das chamadas instituições democráticas durante o governo FHC?

Eu acho. Eu acho que vivemos numa situação de uma democracia de simulacro. O único poder que faz política é o poder Executivo. O poder Judiciário felizmente está dando alguns sinais e de revitalização e de tentar, de fato atuar como poder independente. Mas o legislativo está completamente anulado. Do Legislativo não saem políticas. Então você tem um país que é governado permanentemente por medidas Provisórias. Em duas áreas tão importantes como o Nordeste e Norte do país, o presidente FHC extinguiu duas superintendências por medidas

Provisórias. Como por exemplo a Sudene, ao qual eu estou especialmente ligado porque assisti sua fundação, trabalhei com Celso Furtado durante cinco anos, até que o golpe nos afastou.

£ por falar em Sudene, como o senhor avalia o ato do governo FHC extinguir a Sudene. Ele fez isso em função de quê?

Primeiro porque o governo tem uma postura neoliberal, ele não acredita em planejamento. Conseqüência disso está aparecendo na crise energética. Quando Delfín Neto era ministro, muito cínico, ele costumava debochar de quem pedia planejamento dizendo que não tinha bola de cristal. Planejamento não é nenhum exercício de bola de cristal. Planejamento você exerce não só com técnicas de previsão mas você exerce sobretudo quando você tem o apoio popular capaz de intervir de forma planejada e conseqüente nos conflitos mais importantes do país. A equipe neoliberal é mais radical do que o Delfín. Eles acreditam que o mercado realmente resolve tudo. O que é uma bobagem do ponto de vista teórico ou de qualquer ponto de vista. O mercado não prevê nada, não há capacidade de prever através do mercado.

É obrigação do Estado regulamentar o mercado?

Sempre é obrigação do Estado regulamentar. E o mercado vive da regulamentação do Estado. Não é no Brasil que é um país de periferia. É em qualquer país capitalista. A proposta de orçamento do governo norte-americano , isso é uma discussão no Congresso amercicano, é o ponto mais importante para a economia americana. Quando o orçamento é anunciado -, corta-se daqui tem prioridade em tal setor -, a economia toda move-se naquela direção. Quando o banco central anuncia reduções ou aumento na taxa de juros, a economia move-se toda num ou noutro sentido. Portanto o Estado é que regulamenta o mercado, em todo o mundo. Os nossos, utilizando a expressão do nosso Presidente, neobobo, que estão aí no comando da política econômica, inclusive ele também, acham que o mercado fornece certezas. O mercado só

fornece incertezas! Essa é a razão de ser dele. E exatamente o contrário. O que nos fazemos é bobagem teórica e despreza toda a experiência acumulada ao longo de 500 anos de capitalismo.

O senhor acredita que pode ser também uma vingança de FHC com o Celso Furtado, um dos criadores da Sudene, critico ferrenho das políticas neoliberais e do entreguismo de FHC?

Não foi por isso que ele fez. Foi por recomendações e por uma visão estereotipada contra planejamento e pressões do Banco Mundial. Mas ele aproveitou e fez uma pequena vingança, porque o Celso Furtado é critico da política dele.

Mas foi no mínimo falta de respeito... Uma total falta de respeito com a

história brasileira. Com a história dessas duas regiões, que lutaram durante muito tempo para se verem tratadas de forma especial. Um desrespeito com a história do povo, das classes sociais que se empenharam nessa luta por Reforma Agrária, por controle da chamada indústria da seca . então, há uma luta regional que é secular, tem mais de cem anos, em que as populações protestavam. E finalmente isso chegou a transformar a política da União para a região. Então é uma falta de respeito que, isso tudo, você com uma canetada , uma Medida Provisória, desmonte essa história. Que tem problemas, que tem conflitos, que tem dentro dela prós e contras. Mas é uma falta de respeito, desconsideração e arrogância tratar as coisas dessa maneira. E desrespeito com um homem que foi importante naquela conjuntura e é reconhecidamente o maior cientista social brasileiro vivo.

O senhor acha que com os sucessivos escândalos envolvendo não sé esse governo, mas também o próprio presidente FHC, pode haver um rompimento da base de sustentação do governo?

A aliança está se rompendo devido a extinção do mandato do presidente que caminha para o fim. E eles não têm reservas de lideranças capazes de, de novo, amalgamar e fundir os interesses. Isso pode surgir. A questão está em aberto, mas não é fácil. Em primeiro ela

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES11 B.Brecht

está rachada devido aos interesse s que formaram a aliança, que são deslocados constantemente por essa espécie de redemoinho, terremoto que se deu no coração do poder burguês no Brasil. Em segundo lugar ela está rachada também pelo fato de que a oposição vem crescendo. A oposição social, em que o MST ainda é o melhor exemplo, se alastra por vários setores da sociedade. Essa oposição social crescendo, que num primeiro momento foi narcotizada pelo milagre da estabilidade monetária -, depois a população e vários setores da sociedade estão percebendo que a estabilidade monetária foi um logro, e dali não se avançou mais - e isso está passando para a política da oposição. A oposição social está conseguindo injetar ânimo a uma oposição política que havia sido muito débil nos primeiros quatro anos de governo FHC. Então, não é só por efeito de exaustão da aliança é também por efeito de que os seus opositores estão crescendo.

O senhor acredita que mesmo com tantos problemas sociais, escândalos, descontentamentos de vários setores da sociedade, esse governo chega ao seu final?

Aos trancos e barrancos mas ele vai chegar. Porque a democracia, o sistema que temos é um sistema de representações, onde a população e as classes sociais não agem diretamente na política. Elas agem por intermédio de seus representantes. E isso funciona como amortecedor Então, em outras palavras,estasituaçãode descontentamento não se transformou numa situação revolucionária.

Como o senhor vê a atuação do Ministério Público?

Vejo de forma muito corajosa. Acho que essa sim é uma das grandes novidades no cenário brasileiro. Temos boas novidades, e essa do ministério público é uma enorme novidade. Uma atuação democrática, corajosa, inovadora, uma atuação revolucionária. Se em algum momento da história a revolução for passar pelos meios institucionais e institucionalizados, no Brasil a ação do ministério publico é uma desses casos. É de notar também como terminou o episódio, agora, da rebeldia dos policiais militares em Tocantins. A justiça federal barrou a intervenção do Exército. Isso é um fato extraordinário, ao qual, todos nós brasileiros, devemos prestar atenção. Isso é devido a um avanço enorme que a sociedade brasileira experimentou, detido, durante cinco anos por essa avalanche do neoliberalismo, que agora se recupera.

Aliás, barrou uma intervenção que poderia ter conseqüências gravíssimas...

Conseqüências gravíssimas, como teve na Siderúrgica Nacional com a morte de três operários, como teve na greve dos petroleiros, como teve a intervenção da polícia militar no Pará sobre os sem terra em Eldorado dos Carajás.

O professor Roberto Romano defende a tese de que está em curso no Brasil a implantação, por parte da elite brasileira, de uma espécie de fascismo na economia brasileira. O que o senhor pensa disso?

O grau de fascistização da economia brasileira é profunda, é enorme. O grau de como as empresas privatizadas conseguem interferir na sociedade, manipular, é enorme. Quase inima-

ginável. Mesmo quem está na oposição, mesmo quem tem uma posição firme, quem tem lutado contra, às vezes a gente perde a perspectiva de qual é a profundidade do estrago. A minha única esperança reside em novas iniciativas que estão conseguindo barrar esse avanço fascistóide sobre a sociedade. Há um clima de guerra, todos contra todos, as populações pobres se matam violentamente, crimes dentro da própria família das camadas pobres...

O senhor acha que estamos caminhando para a barbárie?

Já estamos com o pé nela. Podemos sair dela e evitá-la se novas iniciativas forem capazes de barrarem esse processo. A burguesia está pouco se lixando ao que acontece com o povo, com a situação popular. Eles têm meios para salvarem-se. Entre eles, o aeroporto. Por exemplo, essa degradação do transporte público é porque nenhum burguês jamais tomou um ônibus na sua vida. O Brasil é o segundo maior país em número e horas de vôos em helicópteros. Só perde para os Estados Unidos. Quer dizer, qualquer burguês aqui, que tenha meia dúzia de lojas, anda na cidade de helicóptero, não anda de carro. Ele não sofre nem a violência do trânsito, nem engarra- famento. Um país,cuja a distribuição de renda é uma das piores do mundo, exatamente o uso de helicóptero mostra como essa distribuição é péssima e uma das piores do mundo.

• Professor titular aposentado da USP (Universidade São

Paulo), Francisco de Oliveira, integrou, em 1970, o CEBRAP

(Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), fundado por

FHC em 1969 Chico de Oliveira, como é conhecido, deixou

em 1995 o CEBRAP, depois de presidi-lo por dois anos. É

autor do livro "Elegia de uma Religião".

Ocapital livro 1

Volumel

Autor: Karl Marx

Editora: Civ. Brasileira

Preço: R$50,00

Temos também volume U,

por R$45,00 e livro 2 por

R$40,00

Emprego e globalização

Autor: Márcio Pochmann

Editora: Boitempo

Preço: 23,00

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

CCML - Centro Cultural Manoel Lisboa Ano V n019 - e-mail: ManoeILisboaiSaol.com Memória

"Camilo Torres é uma causa A causa da América Latina

Pedro Casaldállía. Blsuo d» São Fellx do Araguaia

99

Padre Jorge Camilo Torres Restrepo, sacerdote, professor, sociólogo, revolucionário e guerrilheiro militante colombiano é um dos heróis da luta dos povos latino-americanos por sua liberdade e independência.

Camilo Torres nasceu em Bogotá, em 3 de fevereiro de 1929, numa família de classe média alta. Aprendeu direito na Universidade Nacional e Teologia num Seminário Dominicano, no qual foi ordenado padre.

Foi também fundador do Instituto de Administração Social e Católica, e membro da Junta Diretiva do Instituto Colombiano de Reforma Agrária (INCORA), onde tomou conhecimento direto das condições subumanas dos camponeses, nas zonas rurais.

Após anos de lutas em várias frentes políticas, nos centros urbanos e zonas rurais, CAMILO e seus seguidores idealizaram a Frente Unido dei Pueblo, que a partir de 1965 passou a ter grande destaque e a influenciar vários setores progressistas. Por sua atuação em favor do povo, CAMILO TORRES foi demitido de todos os seus altos cargos na Universidade e transferido para um posto insignificante.

Em outubro daquele ano, um grande comício da Frente na praça Simon Bolívar, em Bogotá, é violentamente reprimido por tropas das forças armadas que intervém para dispersar a multidão. CAMILO é atingido e salva-se de ser preso porque seus companheiros o escondem num edifício no centro da cidade. Porém, já então, CAMILO TORRES integrava o Exército de Libertação Nacional ELN, e, certa vez, declarou: "Quando não existir mais possibilidade de luta nas cidades, seguirei para as montanhas com o ELN".

CAMILO, já como guerrilheiro, em plena selva, nas montanhas, toma parte em alguns combates. As forças da reação decidem intensificar e redobrar

a perseguição a ele e seus com- panheiros. E assim, em 15 de fevereiro de 1966, em uma vereda nos Andes, no local chamado El Carmen, em Pátio Cemento, município de São Vicente, em uma emboscada, CAMILO TORRES cai morto sob as balas da V brigada do Exército Colombiano. Lutando, morreu CAMILO. O ELN é hoje a segunda maior força insurgente da Colômbia tendo mais de 8.000 guerrilheiros em suas fileiras.

Sobre o padre Camilo Torres, escreveu D. Pedro Casaldáliga, no livro Cristianismo e Revolução da Global Editora:

"Camilo Torres é uma causa" "Contrariamente ao que pretendia a

imprensa reacionária da Colômbia, respirando fundo sobre o "ex-cura bandolero" morto, o sacerdote- guerrilheiro, Camilo Torres não é um passo debaixo de uma terra anônima e sem flores, "um modesto capítulo da história" já encerrado. Um artista galego advertia, na guerra da Espanha: "o fascismo não enterra cadáveres, mas sementes". Muito antes, Jesus ensinava que o grão de trigo que morre generosamente produz muito fruto.

Camilo Torres é uma causa. A causa da América Latina. (...)

Muitos eu com eles não terão escrúpulos em qualificar Camilo Torres como um mártir do Povo Latino- Americano e como um profeta de nossa Igreja. Amou até o fim. Deu a prova maior, dando a vida.

Camilo Torres foi um percursor dramaticamente isolado na fronteira da Igreja com o Mundo. Reconheçamos que quinze anos atrás era difícil entender, muito difícil aceitar seu comportamento.

Depois de Camilo, correu muita água entre os Andes e o Mar, muito sangue mártir e guerrilheiro, correu muito vento do Espírito sobre a carne dilacerada da América. Medellin foi depois de Camilo.

(Medellin "Ia blanca", contraditória Medellin!). E depois foi Chile, ainda que truncado. E Nicarágua vitoriosa. E agora El Salvador de São Romero.

O guerrilheiro Camilo Torres antes foi um sociólogo e um pastor. Antes de se embrenhar na guerrilha, estudou, orou, consultou, avaliou, tentou mil vezes recursos de opinião pública, de mobilização, de organização popular; colaborando inclusive com programas oficiais de educação, de cooperativismo e de reforma agrária.

A guerrilha e a morte foram o desfecho lógico de uma caminhada, com ilusões e erros, possivelmente, mas heroicamente honesta, no meu entender.

Sociólogo colombiano e homem de igreja, Camilo fez um amplo e severo diagnóstico da Sociedade e da Igreja da Colômbia, da Hierarquia e do Clero colombianos, alheios, segundo ele, às exigências da justiça social. (O que lhe mereceu amarga réplica, vingança póstuma, do mais conspícuo Clero da Colômbia catolicíssima). E das "25 famílias milionárias", a oligarquia colombiana, que já se tomou vértebra e novela no país, e que nunca poderia perdoar a traição de classe de um Restrepo, filho da burguesia bogotana.

Desse diagnóstico, seriamente fundado em estudos, em contato com a realidade, em perseverante trabalho de organização popular, surgiu a decisão de Camilo. Era preciso rompei, "abandonar nosso sistema de vida burguesa", estar "com os pobres e como pobres", "confiar nos valores do povo". Fazer a Revolução. Porque "todo reformismo momo será ultrapassado" e "somente mediante a revolução pode-se realizar o amor ao próximo"...

Sua Fé se tomou urgência prática. Seu Cristianismo se faz tarefa histórica. Para ele, sempre sacerdote, o sacerdote deve ser "um profissional do amor, a tempo integral". Descobrir o

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Cristianismo como uma vida centrada totalmente no amor ao próximo; percebi que valia a pena se comprometer nesse amor, nessa vida, e por isso escolhi o sacerdócio para me converter num servidor da humanidade". Proclamava que "somente mediante a Revolução era possível realizar esse amor ao próximo", porque ele exigia generoso, impaciente que esse amor fosse eficaz". O problema para o cristianismo apresenta-se em termos de caridade eficaz, quer dizer, em termos daquilo que constitui a primeira prioridade do apostolado do mundo moderno e dos países sub- desenvolvidos". "...Compreendi que na Colômbia não se podia realizar este amor simplesmente pela beneficência, mas que urgia uma revolução com a qual este amor estava intimamente ligado"... "A Revolução, repetia Camilo, é um imperativo cristão". ♦

CAMILO TORRES Onde caiu Camilo Nasceu uma cruz Não é de madeira Porém de luz.

Foi morto quando procurava Seu fuzil Camilo Torres morre Para viver.

Contam que após a bala Ouviu-se uma voz: Era Deus que gritava: Revolução! Revistem a batina Meu general Pois na guerrilha cabe Um sacristão.

Foi pregado com balas Em uma cruz Foi chamado de bandido, Como Jesus.

E quando eles desceram Procurando seu fuzil Eles viram que o povo Possui cem mil Cem mil Camilos Prontos Para lutar.

Camilo Torres morre Para viver.

Victor Jara

Germinal - Jornal da Oposição Operária - n08 - Maio/Junho 2001 Internacional

ÁFRÊCA: Berço da hm 1^1 e da civilização (A necessidade do resgate histórico dos povos africanos)

O preconceito da África sem historia

Desde muito tempo o continente africano é apresentado pela imprensa mundial como sendo a área do planeta onde predominam a fome, as

guerras, as epidemias, os extermínios em massa, etc. Em suma, é o lugar mundial da pobreza e da morte. As causas dessas calamidades são apresentadas como sendo inerentes aos povos africanos, isto é, por estarem ainda no estágio tribal de desenvolvimento, não conseguem viver "civilizadamente". Neste sentido, tudo não passa de um processo de auto- extinção dos próprios africanos. Todos os conflitos neste continente são colocados como sendo de caráter étnico ou tratados como meras guerras tribais.

Estas concepções tentam encobertar as verdadeiras razões atuais que provocam estas situações, como também descartam a realidade histórica da África. Normalmente, quando se fala em História da África pensa-se no tráfico de escravos, dando uma falsa imagem de que os africanos só viveram esta realidade. Por conta disto, levantar algumas questões a respeito do desenvolvimento atual como para romper com preconceitos já estabelecidos de que na África não houve história antes da presença européia, mais claramente, a partir da expansão portuguesa pelo litoral africano no século XV.

0 papel de vanguarda tecnológica da África Existe um certo mal-estar no campo da ciência em admitir

o fato de que o ser humano e seus antepassados se originaram na África. Sabe-se hoje que a humanidade teve seu início neste continente; portanto, foi aí onde as grandes transformações - que geraram o ser humano atual - se fizeram pela primeira vez. Do mesmo modo, as principais descobertas tecnológicas realizadas nos princípios da humanidade são originárias da África - fogo, instrumentos de matérias variadas, tais como pedra, ossos, madeiras, etc. - descobertas e invenções que possibilitaram a expansão dessa espécie pelo planeta e garantiram sua sobrevivência, apesar das dificuldades do meio físico e das ameaças de outras espécies; portanto, foi na África que o ser humano se transformou em um ser que fabrica ferramentas (tecnologia) e se diferenciou consideravelmente das demais espécies.

A África este na vanguarda do desenvolvimento da humanidade não só no seu início como também durante um longo tempo do período chamado de civilização (época a qual até hoje vivemos); portanto, foi também nesta parte do planeta que surgiu o que chamamos a primeira civilização humana: o Egito antigo. Essa civilização foi apresentada ao mundo por

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Internacional arqueólogos europeus como sendo um povo de "raça" branca. Hoje, historiadores africanos já demonstraram que se tratou de uma civilização de povos negros; na verdade, fora constituído de uma mestiçagem de vários povos africanos existentes ao sul e norte do vale do Nilo. As grandiosas realizações desta sociedade são por demais divulgadas em meios de comunicações de vários matizes.

Um dos primeiros sistemas de colonização no mundo

Pouco depois do surgimento dos antigos egípcios apareceu uma outra civilização africana chamada de CUXE (Cush). A civilização cuxita se localizou no mesmo curso do rio Nilo, porém mais ao sul numa área denominada Núbia, região de minas de ouro. Durante sua existência, o Estado cuxita manteve variados tipos de relações internacionais com o Estado vizinho, o Egito: de início comerciais, depois conflitos territoriais e guerras de fronteiras, posteriormente houve uma invasão egípcia à região da Núbia e o conseqüente domínio sobre os cuxitas com o objetivo principal de ter sob seu controle as minas de ouro. Com este acontecimento deu-se um processo de aculturação dos núbios, isto é, foram obrigados a aceitar a língua, a escrita, os costumes, as artes e, principalmente, a religião dos dominadores; portanto, não aconteceu somente a ocupação militar, mas também um fenômeno de dominação ideológica. Enfim, deu-se uma completa colonização com todos seus requisitos culturais, ideológicos, econômicos e sociais. Foi um dos mais antigos sistemas de colonização do mundo. Com o tempo, os cuxitas expulsaram os egípcios e conquistaram sua independência. O mais interessante é que posteriormente os cuxitas deram o troco: invadiram o Egito e dominaram esse Estado por meio século tornando-se faraós.

Expansão dos impérios africanos O processo de criação de Estados e Impérios na África

iniciou-se há muito tempo (Egito: 4000 a.C, Cuxe: 200 a.C). Entretanto, esteve longe de se resumir a essa região ou cronologia. Na parte ocidental do continente, ao lado do Oceano Atlântico, em torno do grande rio Niger, estados poderosos sucederam-se ao longo dos séculos X e XIV, como por exemplo, os reinos de Gana, Malí e Songai. Perto do litoral do golfo do Benin, povos se organizaram em cidades- estados independentes como os chamados Yorubás e outros em confederações a exemplo dos Achantis. Mais ao sul, beirando a floresta equatorial, desenvolveram-se os reinos do Congo e Ngola. Do outro lado do continente, na sua parte oriental, existiu um Império de nome Monomotapa controlador da rota do ouro desta área, assim como foi o reino do Gana na África Ocidental. Na costa africana oriental, banhada pelo Oceano Índico, desenvolveu-se uma civilização formada por cidades estados autônomas e em conflitos pelo domínio dos mares e o comércio internacional com árabes, indianos e chineses. Estes povos, conhecidos como civilização Swahili, criaram uma cultura tão profundamente enraizada que até hoje marca os países dessa região da África.

Muitos outros exemplos poderiam ser citados, mas estes devem ser suficientes para nos dar uma idéia de sua variedade e complexidade. Vale ressaltar que todas estas civilizações tiveram sua lógica de surgimento, desenvolvimento, decadência e sucessão, como acontecia em todas as regiões do planeta onde houvesse a existência de sociedades humanas. Portanto, os africanos não foram diferentes, neste aspecto mais geral do desenvolvimento das sociedades, dos povos da Europa, Ásia e América.

A luta de classes dentro da África Em outro ângulo de análise, a África foi pioneira na criação

do que se convencionou chamar de "civilização", o momento pelo qual surge o Estado, as grandes cidades, as artes "sofisticadas", as obras arquitetônicas de grande porte, etc. Porém o aspecto mais importante a ressaltar é o social, a saber, trata-se do período onde surge a exploração de uns seres humanos por outros; portanto, a existência das classes sociais. Neste sentido, a luta de classe na África era uma realidade desde a antigüidade. Como isto, podemos levantar a idéia de que os conceitos de africanos, negros, "irmãos", etc, não têm muito sentido para os povos desse continente como nós aqui da América acreditamos que tenham. Quaisquer termos que ocultem as diferenças culturais ou sociais na África não possuem maior poder de interpretação da realidade. Havia camadas sociais de privilegiados de um lado e de oprimidos do outro em várias regiões da África desde muito. Isso também, mais uma vez, não os diferenciam de outros povos do planeta. Portanto, já existia injustiça social desde tempos remotos no continente africano, antes, inclusive, de chegarem os invasores externos: árabes e europeus. Vale a ressalva de que, para qualquer povo africano, invasor era todo aquele que o desejasse dominar, mesmo sendo um Estado inimigo dentro do próprio continente.

Questões do atraso africano na atualidade Voltaremos com outras matérias, posteriormente, sobre a

colonização da África e sobre esse continente na atualidade. Por enquanto, vale o destaque de que não podemos idealizar o desenvolvimento das sociedades africanas como se a África fosse o paraíso terrestre antes de sofrer a agressão externa. Por outro lado, existe uma ideologia colonizadora européia que tenta justificar o genocídio europeu na África com argumentos esdrúxulo de que eles já estavam em guerras uns com os outros. A África esteve na vanguarda do desenvolvimento tecnológico nos primórdios da humanidade, foi também a pioneira no acontecimento da civilização e continuou sendo uma das áreas do planeta mais desenvolvidas durante o chamado período medieval. O que fez então da África hoje a região onde são mais precárias as condições de vida humana? Em que momento iniciou-se este processo de virada? Em outras palavras: por que a África de uma das regiões mais avançadas se tomou das mais atrasadas do mundo? Há alguma relação disso com a intervenção européia que dizimou população e sugou ao extremo os recursos naturais? Deixemos para desenvolver essa questão numa outra oportunidade...♦

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Caros amigos n052 julho de 2001 www.carosamigos.com.br

Vitoria da Rosa de fogo Rodrigo Leite*

Temendo a voz das ruas, o Banco Mundial cancelou em maio sua cúpula de Barcelona. Nem a violência policial pôde impedir que a cidade vivesse um fim

de semana de festa contra a globalização. Os seis jovens que formavam uma rodinha nos jardins da

Universidade de Barcelona não estavam só aproveitando uma tarde de calor. Discutiam a ocupação pacífica da Bolsa de Valores e ressaltavam o papel dos especuladores no sistema financeiro. Lembravam que a Bolsa é um prédio público e, portanto, pode, - teoricamente - ser visitada por qualquer cidadão, a qualquer momento. Estavam convencidos que levariam 20.000 pessoas para dentro do prédio envidraçado da Bolsa.

A poucas quadras dali, numa rua do centro antigo, habitada por imigrantes pobres, havia um entra-e-sai por uma porta metálica semi-serrada, sem nenhum letreiro á frente. Ela dá acesso a um galpão onde ativistas confeccionam freneticamente cartazes contra a globalização. Em uma mesa, os mais velhos discutiam o impacto do capitalismo sobre as economias dos países pobres e maneiras de combatê-lo.

Todas essas pessoas participaram da organização do movimento Barcelona 2001, que levou milhares de manifestantes às ruas 22 e 25 de maio. Sob o slogam "um outro mundo é possível globalizemos as resistência e solidariedade" o evento foi preparado como resposta à reunião do Banco Mundial que deveria acontecer no finai de junho. Foi cancelada no dia 19 de maio, quando o banco se deu conta de que iria acontecer em Barcelona o mesmo que ocorreu em Seattle, Praga, Quebec...

A reunião anual do Banco então passou para o "ciberespaço". Ficou reduzida a uma série de mensagens na internet, onde, esperam os organizadores, os manifestantes não atrapalhar. Foi a primeira vez em mais de cinqüenta anos de organizações internacionais que um encontro teve de ser cancelado porque o vozerio da rua poderia incomodar. Participariam o presidente do Banco Mundial James Wolfensohn, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo, a prefeita paulistana Marta Suplicy e o Nobel de economia 2000 James Heckman, discutindo como eliminar a pobreza - um assunto em que o órgão tem telhado de vidro, já que, com suas subvenções, ajudou a criar um mundo em que as 225 pessoas mais ricas do planeta detêm a mesma riqueza que os 3 bilhões mais pobres.

As autoridades da Catalunha respiraram aliviadas com o cancelamento, pois sabem que há na região um enorme sentido de mobilização. Mais de 350 organizações não- governamentais se unirão sob o guarda chuva do grupo batizado Rosa de Foc (Rosa de Fogo, em catalão). São de uma diversidade incrível: associações de bairro, coletivos de okupas (jovens que ocupam casas abandonadas), sindicatos, ecologistas, partidos de esquerda, grupos de solidariedade, anarquistas, estudantes... "Somos gente com interesses

diferentes, mas todos contra o mesmo sistema. Isso nos dá um ponto em comum. É um fenômeno que está acontecendo nos países de dominação, o risco é esquecer o sul, os pobres, as minorias", disse Cristophe Aguitton, um dos coordenadores do grupo Attac e das Euromarchas. "Por isso, o que aconteceu em Porto Alegre (em janeiro) foi tão importante". O cancelamento da reunião do Banco Mundial foi uma vitória sem precedentes para os ativistas, um sinal de que esse órgão, junto com o seu irmão gêmeo o FMI institucionaliza o capitalismo globalizante, teme as mobilizações. O Rosa de Fogo manteve intacto seu calendário de manifestações "lúdicas, festivas e unitárias". "Não se trata de criar o conflito, mas de tomá-lo visível". Por isso, admitimos que, com o cancelamento, perdemos um pouco da visibilidade. Mas o que nos preocupa é manter o trabalho em nível local, nos bairros, nos coletivos", explicou a caros amigos o porta-voz do movimento que se apresenta como Manuel, um cabeludo já grisalho que usa uma camiseta do movimento Reclain the streets (retome as ruas, que defende o uso mais democrático dos espaços públicos). "Nessas reuniões os participantes da cúpula se trancam para falar de livre circulação, cancelam os direitos democráticos para falar de democracia. Já nossos movimentos usam recursos jocosos, mas são sérios."

O caráter combativo da cidade é palpável até para o turista mais desavisado. Não se anda um quarteirão em Barcelona sem topar com uma pichação política: "Mulheres vocês são donas do seu corpo, rebelem-se", "Polícia assassina", "Globalizemos a solidariedade", "Visca (viva) Cataiunya", "Liberdade para o Saara Ocidental", "Nenhum homem é ilegal".com frases como essas, os muros das cidade dão um testemunho silencioso da mobilização dos barceloneses.

Os centros dessas atividades estão nos bairros da Gràcia, onde os okupas resistem com mais forças às tentativas policiais de desalojálos, e no Raval, onde se agrupam os imigrantes ilegais. É uma tradição que vem de longe, dos tempos anteriores aos horrores da Guerra Civil e do franquismo. Região tradicional industrial, Barcelona foi nos anos 1930 um importante foco de anarcosindicalistas. Data dessa época o apelido de Rosa de Fogo, resgatado agora pelos manifestantes. Também um bar da cidade usa o nome, exibindo nas paredes retratos de Dolores Ibarruri, "La Pasionaria". A agitação de Barcelona serviu de pretexto para Franco iniciar o golpe que instalou o fascismo no país.

Nos últimos meses, essa mobilização tem sido cada vez mais difícil. A polícia local começou uma campanha de intimidação contra os movimentos sociais, pedindo identificação a transeuntes de acordo com suas aparências e retirando com violência os okupas de suas casas. A comitiva que viajou para Montpellier para assistir ao julgamento de José Bové foi filmada em vídeo pela policia na fronteira, e duas pessoas não puderam cruzar, apesar de o controle entre os países da União Européia ter sido extinto há vários anos, e

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Breçht

tiveram de prestar depoimento sobre os preparativos para o ato antiglobalização.

Era, de fato, uma preparação para os eventos de junho. Três dias antes da passeata que foi o auge do movimento, o governo catalão proibiu o seu trajeto pela principal avenida da cidade, o passeig de gràcia. Teve de voltar atrás por uma decisãojudicial.

A passeata reuniu 9.000 pessoas, segundo a policia, e 50.000 segundo os organizadores. Transcorreu em clima absolutamente pacífico e festivo, animado por uma miniescola de samba inglesa e por gente fantasiada. No final da multidão, um pequeno grupo, menos de cinqüenta pessoas, quebrou algumas vidraças e pichou portas de bancos e lojas de grife - e também do pobre açougue Gonzáles, alvo de militantes vegetarianos que o acusavam de vender hambúrgueres de vacas loucas.

Esses incidentes o pretexto que a policia precisava para iniciar a repressão. Já no final da passeata, começou a agredir indiscriminadamente todos os manifestantes. Ao verem a ameaça de violência, estes colocaram em prática seu plano de desobediência civil e se sentaram com as mãos para cima, aos gritos de: "Não façamos a violência!" Não adiantou: saldo final, 22 presos, entre eles dois menores, e cerca de cinqüenta ferido.

A violência continuou por toda a tarde de domingo. Anarquistas que estavam sentados na praça da Universidade, esperando a hora da sua manifestação, foram dispersados a porradas. Num dos incidentes mais graves, a policia do Estado espanhol invadiu um restaurante à procura de manifestantes ferindo na cabeça uma cliente - que provavelmente nem tinha nada a ver com a manifestação, pois usava uma camiseta com a bandeira dos Estados Unidos. No bairro do Raval, policiais intimidavam quem passava sozinho - eu tive minha credencial de imprensa confiscada, sem nenhuma base legal, por um agente de dentes arreganhados.

Um vídeo exibido no dia seguinte pela organização do movimento deixou claro como a festa degringolou em violência. De uma furgoneta civil, um policial à paisana joga um bastão de ferro para um suposto manifestante. Começa a confusão. Minutos depois, os mesmos "ativistas" que estavam quebrando vitrines realizam detenções - ou seja, eram policiais disfarçados.

Os governos da Espanha e da Catalunha elogiaram a operação policial, que consideram equilibrada, e negaram a hipótese de que policiais tenham incitado à violência. Mas os partidos de esquerda querem a demissão da secretária de Governo da Catalunha, Julía Garcia Valdecasas, e uma explicação do ministro do Interior, Mariano Rajoy, ao parlamento.

A violência policial obrigou a organização a cancelar parte dos eventos, para manter a integridade física dos manifestantes. O Tribunal Popular que julgaria George W. Bush, James Wolfensohn e os diretores de grandes empresas espanhola foi adiado até julho. A Bolsa passou quatro dias cercada, e portanto a visita não aconteceu.

Mas idéias foram discutidas, e muitas. Mais de 5.000 pessoas passaram pelos simpósios e oficinas que buscavam alternativas

para o atual estado de coisas. De lá, surgiu um documento final sobre o tema, que propõe alternativas nos campos da participação democrática e sua relação com a repressão estatal, direitos sociais e trabalhistas, imigração, direitos ecológicos e segurança alimentar, militarismo e mulheres. O texto final propõe uma consulta popular sobre o atual sistema em 2004. Os diagnósticos e propostas dessas oficinas estão iBsum idos no SíE http://www.rosadefoc.org.

Sem hierarquias, sem disputas entre grupelhos, sem violência, Barcelona é um exemplo do que significa "pensar globalmente e agir localmente". A desmedida repressão também mostra que, mesmo no continente mais avançado do mundo, berço da democracia, não há espaço para qualquer pensamento que não seja o hegemônico. Em julho, as mesmas cenas vão se repetir em Gênova na Itália, onde o magnata Silvio Berlusconi já está fechando as fronteiras e pensando em fazer a reunião do G-8 em alto-mar. Dentro de alguns meses, a Espanha, com a presidência rotatória da União Européia, precisará fazer reuniões de cúpula, já marcadas para Sevilha e Barcelona. Não será surpresa para ninguém se a Rosa de Fogo arder novamente.

Rodrigo Leite é jornalista.

Á Venda no C.P.V.

Capítulos sobre o socialismo Autor: John Stuart Mill Editora: Fund. P. Abramo Preço: R$21,00

O.lugardo xismo nü historia

O lugar do marxismo na história

Autor: Emest Mandei Editora: Xamã Preço: R$12,00

Linrst Mandei;

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Texto para o Quinzena

Clube da Luta: o retomo do reprimido.

Luiz Rosalvo Costa

FightClub, EUA, 1999. Diretor: David Fincher; Roteiro: Jim Uhis; Elenco: Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Cartere Meat Loaf; Duração: 140 minutos.

O currículo não é dos melhores: um título que não ajuda, um diretor que não está na lista

dos dez mais e um elenco desconhecido, exceção feita a Brad Pitt. Talvez passasse despercebido, não fosse uma inesperada publicidade: em novembro de 99, um malucão invade uma sala de cinema em que o filme está sendo exibido, no Shopping Morumbi, em São Paulo, e descarrega sua metralhadora na platéia.

Resultado: os cidadãos bem pensantes, que odeiam violência e orientam sua opinião pela quantidade de estrelinhas que os críticos colocam ao lado dos títulos dos filmes nas páginas de cultura dos jornais, ciosos do seu bom gosto e orgulhosos da sua capacidade de admirar o que deve ser admirado, valorizar o que deve ser valorizado e pensar o que deve ser pensado, viram motivos mais que suficientes para se horrorizar, torcer o nariz e fazer um silencioso linchamento de Clube da Luta. Os caçadores de tranqueiras, por sua vez, que acorreram aos cinemas em busca dos golpes de caratê e de vale- tudo que Chuck Norris, Jean-Claude Van Damme e outros da mesma turma costumam distribuir a rodo, quebraram a cara ao perceber que isso, embora estivesse lá, não era a razão de ser do filme. Assim, desprezado por estes e estigmatizado por aqueles, Clube da Luta passou a ser conhecido como o filme do matador do Shopping Morumbi.

Dupla injustiça. Primeira: o filme não pode ser responsabilizado pela barbárie apenas por apontá-la. Afirmar que Clube da Luta enaltece a violência e o terrorismo (e que, por isso, poderia ter inspirado o estudante assassino) é mais ou menos o mesmo que ver em Apocalipse Now uma exaltação da

guerra. É confundir mimese com apologia. Guardadas as proporções, é fazer a mesma confusão do matador, se foi esse o pretexto de que consciente ou inconscientemente ele se valeu. Se era de modelos ou exemplos de violência que ele precisava, não era necessário ir ao cinema, bastava pôr os pés na rua e olhar em volta. Talvez não fosse preciso nem sair de casa. Para quem tem Ratinho, Faustão, Gugu, Xuxa, Topa Tudo Por Dinheiro e outras pérolas do tipo. Clube da Luta é tão violento quanto uma cantiga de ninar.

Segunda: na confusão, muitos elementos interessantes do filme ficaram em segundo plano. Tudo bem que Clube da Luta não mereça figurar na galeria das melhores produções já realizadas na história do cinema, mas tem muitas qualidades e propõe muitas questões instigantes para o espectador que em vez de metralhar cinemas, lanchonetes ou coisa que o valha, prefere guardar a metranca para ocasiões mais apropriadas e, enquanto isso, praticar de outra forma o saudável esporte de viajar na maionese. O que não falta no filme é sugestão de leituras, interpretações, narrativas e o escambau todo que faz despertar o Roland Barthes que vive adormecido em cada um de nós. É só alugar a fita, apertar o play e se entregar sem culpa ao delicioso gozo diletante de deixar o pensamento ir sem rédeas percorrendo os caminhos por onde o filme nos leva, contanto, óbvio, que não seja para uma loja de armas.

E aí dá pra ver um monte de coisas. Dá pra ver o filme, por exemplo, na sua condição de artefato estético, de objeto artístico para cuja produção foram mobilizados diversos saberes e fatores, entre os quais força de trabalho, máquinas e técnicas cinematográficas.

Neste caso, vale a pena atentar para os recursos utilizados na sua construção: a iluminação, a fotografia, a sonoplastia, o encadeamento das seqüências, o trabalho dos atores, a verossimilhança etc, tentando ver como todos esses elementos se articulam para a conformação do conjunto.

Mas dá também para vê-lo como uma determinada maneira de representar a realidade social, como a expressão de uma determinada visão de mundo, enfim, como um discurso sobre a sociedade. Este é, sem dúvida, um dos níveis mais interessantes para análise.

Sob essa perspectiva. Clube da Luta não deixa de ser, a seu modo, uma reflexão sobre a (e, ao mesmo tempo, um reflexo da) condição humana na sociedade contemporânea. O lugar é aqui e o tempo é agora. Estamos em um ano qualquer do final do século XX ou início do XXI, numa grande metrópole dos EUA. Neste mundo, em que coexistem riqueza e pobreza, opulência e escassez, edifícios assépticos e ruas emporcalhadas, os seres humanos são infelizes. Até aí morreu Neves. Qualquer semelhança com o real, como se vê, não é mera coincidência, e nada mais recorrente que o tema da infelicidade humana num mundo que, a despeito do esforço dos heróis, teima em ser feito de dor e injustiça. A literatura, que por ter nascido com os mitos talvez seja a mais antiga das artes, desde sempre fez do sujeito correndo atrás da felicidade o seu principal motivo, a ponto de certas vertentes da teoria social (em particular, o estruturalismo) terem feito dessa busca de unidade sujeito-objeto não apenas a estrutura básica das narrativas, como também da própria vida humana. Mas não é preciso ir tão longe. Até

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Resenha Schwarzenegger, que não é estru- turalista mas não é bobo, já tirou sua casquinha desse filão, produzindo e estrelando O Vingador do Futuro, que, diga-se bem de passagem para que ninguém nos ouça, não é de se jogar fora.

Em Clube da Luta, não há mutantes com rostos deformados, e o sofrimento não está associado a um sistema de dominação em que até o oxigênio dos pobres é controlado, como no filme de Schwarzenegger, nem é decorrência do poder de um grande Leviatã, como o Grande Irmão, em 1984, tampouco de máquinas ou programas de compu- tadores, como em Matrix, muito menos de uma gigantesca burocracia, como em Brazil. Em Clube da Luta, a infelicidade e a opressão têm a ver com o desconforto de viver em um mundo em que o ter se sobrepõe ao ser. Encarnando a infelicidade geral, o protagonista movimenta-se neste mundo em que obter coisas é a razão de ser da vida das pessoas. Em termos freudianos: a sociedade, voltada para a produção e para a acumulação do capital, mobiliza a energia e os instintos vitais de seus membros para a produção e o consumo de mercadorias,coibindo e proscrevendo aqueles impulsos que não podem ser usados "produtivamente" para estas finalidades.

Imerso nesta sociedade, tudo que o protagonista quer, no entanto, é curar a sua insônia e dormir o sono dos justos. Vai atrás das válvulas de escape que a sociedade oferece para confortar os

seus aflitos (grupos de auto-ajuda, de doentes terminais, de alcoólicos e outros grupos de anônimos etc). A custa de muitas reuniões, consegue, finalmente, dormir como um bebê.

Mas, diria Freud, os impulsos não são reprimidos impunemente. Os instintos sufocados pela sociedade ficam latentes esperando a oportunidade para explodir. No caso do nosso herói, a oportunidade aparece personificada por Maria Singer e Tyler Durden. Maria é a mulher que vem tirá-lo do seu sossego e devolver- lhe à insônia. Mais uma vez a mulher aparece como o elemento perturbador que vem quebrar a estabilidade de uma determinada situação, introduzindo a ruptura e o desequilíbrio, o que, sem dúvida, vai ao encontro de uma longa tradição cultural que põe e repõe, elabora e reelabora construções ideológicas nas quais se associam à figura feminina valores negativos. Aqui, porém, a crise deflagrada pela chegada de Maria Singer, embora num primeiro momento seja percebida pelo protagonista como negativa, é, na verdade, uma crise que vai tirá-lo do seu torpor alienado. Atuando como uma espécie de espelho em que ele se enxerga, a simples e incômoda presença de Maria nas reuniões nos grupos de auto-ajuda de que ele participa é suficiente para lhe relembrar o quanto tudo aquilo não passa de uma forma de auto-engano.

Tyler Durden, por sua vez, é um cara muito louco que o protagonista conhece em uma das suas viagens de trabalho.

Trata-se de um sujeito em quem o protagonista vê todas aquelas coisas que gostaria de ter mas não tem. Tyler é despachado, corajoso, irreverente e, acima de tudo, ostenta uma atitude de desafio às regras da sociedade, dedicando sua vida a conceber e executar formas de sabotar convenções e engrenagens sociais, desde simples refeições de hotéis até estruturas de edifícios.

A partir daí deflagra-se a primeira grande peripécia do filme. O herói passa a formar com Tyler uma dupla inseparável, tendo Maria como um dos pontos em comum. Desse momento em diante, o protagonista e Tyler vivem uma relação em que se comportam como pólos que se opõem e se complementam. De um lado, um sujeito reprimido em que as regras e as interdições sociais (numa, palavra, o superego) introjetaram-se eficazmente, socializando-o para o cumprimento satisfeito e acrítico dos padrões sociais. De outro, uma espécie de /í/que se recusa à sujeição e se rebela afrontando violenta e irracionalmente os ditames da ordem social.

E ancorado nessa relação - com licença da palavra - dialética que o filme caminha até o fim. O desfecho é um dos seus pontos altos, e chega a surpreender.

Não é uma receita de revolução, nem a última palavra em narrativa cinemato- gráfica, mas é uma interessante manifestação da consciência (ou da inconsciência) da infelicidade sob o capitalismo. ♦

Livros à Venda no C.P.V.

As três fontes

Auton Vladimir Lenin

Edirora: Expressão

Popular

Preço: R$3,00

A história me absolverá

Autor: Fidel Castro

Editora: Expressão Popular

Preço: R$3,00

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

O CPV ESTARÁ PROMOVENDO O CURSO: QUE É UMA ANÁLISE DE CONJUNTURA?

O curso trabalha instrumentos para com- preender o que é uma análise de conjun- tura: cenários, acontecimentos, atores e relação de forças. Relação conjuntura e estrutura. Exercício prático e simulado. Duração: 16 horas (dois dias inteiros)

Quem sabe mais luta melhor!

Dia 01 e 02 de setembro

Inscrições e maiores informações: pelo tel (11) 3104-7995 falar com

Leonor ou Patrícia

Monitor: Emílio Gennari

X Ficha de Assinatura

( ) Anual R$ 50,00 ( ) Semestral R$ 25,00 ( ) Trimestral R$ 15,00 ( ) Exterior - Anual US$ 120,00 ( ) Exterior - Semestral US$ 60,00

( ) Semestral R$ 35,00 Assinatura de Apoio:

( ) Anual R$ 70,00

Nome Completo Endereço: N" Bloco Apto. Bairro: C. Postal Fone ( ) Cidade: Estado: Cep: Profissão/Categoria: TRABALHO QUE FAZ NO MOVIMENTO: Assinatura: Data:

O pagamento deverá ser feito em nome do CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro em cheque nominal cruzado, DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A

NOSSA SEDE ou DEPÓSITO BANCÁRIO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL AGÊNCIA BELA VISTA - 0240 - C/C 003 - 15634-5

Ao fazer o depósito enviar fax do comprovante

QUINZENA Publicação do CPV - Rua São Domingos, 224 - Cep: 01326-000 - São Paulo,

Fone: (011) 3104-7995 - Fax: (011) 3104-3133

E-mail [email protected] / www.cpvsp.com.br "PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES

FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES" B.Brecht

Poema

Soube que vocês nada querem aprender

Soube que vocês nada querem aprender Então devo concluir que são milionários. Seu futuro está garantido - à sua frente Iluminado. Seus pais Cuidaram para que seus pés Não topassem com nenhuma pedra. Neste caso Você nada precisa aprender. Assim como é Pode ficar.

Havendo ainda dificuldades, pois os tempos Como ouvi dizer, são incertos Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente 0 que tem a fazer, para que vocês estejam bem. Eles leram aqueles que sabem As verdades válidas para todos os tempos E as receitas que sempre funcionam. Onde há tantos a seu favor Você não precisa levantar um dedo. Sem dúvida, se fosse diferente Você teria que aprender.

B.Brecht

No dia 14 de agosto de 1956, morre em Berlim Bertold Brecht, poeta e revolucionário.

"PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS QUE OS TRABALHADORES FABRICAM? OS TRABALHADORES FICARIAM DE BOM GRADO COM ELES11 B.Brecht