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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA

à T. CID. (EM EDIà à O)

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FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

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Enrique Carlos Natalino

Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (2020). Tem doutorado-sanduíche no German Institute of Global and Area Studies (Alemanha). Possui Mestrado em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (2011). É graduado em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) (2006). Tem experiência docente como professor nos cursos de Direito, Administra-ção, Economia e Relações Internacionais da Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e da Faculdade de Direito Novos Horizontes.

ÉTICA E CIDADANIA

1ª edição

Ipatinga – MG

2021

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FACULDADE ÚNICA EDITORIAL

Diretor Geral: Valdir Henrique Valério

Diretor Executivo: William José Ferreira

Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos

Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira

Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa

Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva Carla Jordânia G. de Souza Rubens Henrique L. de Oliveira

Design: Brayan Lazarino Santos Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Luiza Filgueiras

© 2021, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-ção escrita do Editor. T314i

Teodoro, Jorge Benedito de Freitas, 1986 - . Introdução à filosofia / Jorge Benedito de Freitas Teodoro. – 1. ed. Ipatinga, MG: Editora Única, 2020. 113 p. il. Inclui referências. ISBN: 978-65-990786-0-6 1. Filosofia. 2. Racionalidade. I. Teodoro, Jorge Benedito de Freitas. II. Título.

CDD: 100 CDU: 101

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.

NEaD – Núcleo de Educação as Distancia FACULDADE ÚNICA Rua Salermo, 299 Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300 www.faculdadeunica.com.br

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Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo

aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos.

Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um

com uma função específica, mostradas a seguir:

São sugestões de links para vídeos, documentos científi-co (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Bibliote-ca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado.

Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações impor-tantes nas quais você deve ter um maior grau de aten-ção!

São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro.

São para o esclarecimento do significado de determi-nados termos/palavras mostradas ao longo do livro.

Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-o a suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano.

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SUMÁRIO

ÉTICA E MORAL: CONCEITOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ......................... 7

1.1 O QUE É ÉTICA E MORAL? ...................................................................................... 7 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONCEITOS ............................................................ 8 1.3 A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL ..................................................................... 10

FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 14

ÉTICA E MORAL NAS RELAÇÕES SOCIAIS .............................................. 19

2.1 ÉTICA, MORAL E DIREITO ...................................................................................... 19 2.2 ÉTICA NA POLÍTICA .............................................................................................. 22 2.3 ÉTICA DAS CONVICÇÕES E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE .............................. 23

FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 28

ÉTICA, MORAL E POLÍTICA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ............. 33

3.1 O CONCEITO DE CIDADANIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA ........................... 33 3.2 CIDADANIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................ 37 3.3 A CIDADANIA NO MUNDO GLOBALIZADO ........................................................ 39

FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 46

CIDADANIA NO BRASIL .......................................................................... 51

4.1 A AFIRMAÇÃO DA IDEIA DE CIDADANIA NO BRASIL ........................................ 51 4.2 A CIDADANIA NA REPÚBLICA ............................................................................. 55 4.3 A CONSTITUIÇÃO-CIDADÃ .................................................................................. 57

FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 61

DESAFIOS DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO BRASIL ......................... 67

5.1 A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA APÓS 1988 ........................................... 67 5.2 OS MEIOS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA .......................................................... 69 5.3 A CULTURA DO PATRIMONIALISMO .................................................................... 72

FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 75

ÉTICA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL ......................................................................................... 80

6.1 ÉTICA, MERCADO E INSTITUIÇÕES ....................................................................... 80 6.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES ....................................... 81 6.3 ÉTICA NAS BUROCRACIAS PÚBLICAS E PRIVADAS............................................. 84 6.4 O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL .................................................................. 85 6.5 ÉTICA E CIDADANIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .......................................... 89

FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 92

RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ............................................... 96

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 97

UNIDADE

01

UNIDADE

02

UNIDADE

03

UNIDADE

04

UNIDADE

05

UNIDADE

06

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CONFIRA NO LIVRO

A Unidade 1 aborda a definição dos conceitos de Moral e de Ética à luz do contexto histórico. Os conceitos de Moral e de Ética , co-mo será visto, se referem a objetos distintos, mas guardam relações estreitas entre si.

A Unidade 2 trata da aplicação dos conceitos de Ética e de Moral nas relações sociais. Direito e Política, dois campos das relações sociais, dialogam diretamente com a Moral e com a Ética. Esta unidade aborda ainda a diferença entre Ética das Convicções e Ética da Responsabilidade, dois conceito essenciais para a com-preensão da ética no contexto social.

A Unidade 3 aborda a temática da Ética, da Moral e da Política na construção do sentimento de cidadania. Aborda ainda a relação entre cidadania e a afirmação histórica dos direitos fundamentais, base da democracia. A unidade finaliza com a análise do fenô-meno da cidadania em contexto de globalização.

A Unidade 4 analisa como se deu a construção do pensamento sobre cidadania no Brasil, da Colônia até a República, à luz das conquistas democráticas. Será visto de que modo a Constituição de 1988 pavimentou o caminho para o exercício da democracia em um contexto de liberdades, de separação de Poderes e de maior autonomia para as instituições.

A Unidade 5 trata do desenvolvimento da cidadania no Brasil após a promulgação da Constituição de 1988. Analisa, dessa forma, como os cidadãos podem exercer seus direitos e quais os limites de atuação no Estado na salvaguarda dos direitos e garantias fun-damentais. Por fim, aborda a problemática do patrimonialismo e como afeta o Estado de Direito

A Unidade 6 analisa as questões éticas à luz das relações de traba-lho. Compreenderá uma discussão sobre a ética no mercado, nas instituições e na burocracia, a responsabilidade social das organi-zações e a ética nas burocracias. Por fim, analisa o fenômeno da normatização de comportamentos éticos, o Código de Ética Profis-sional e a importância da ética e da cidadania no mundo do tra-balho.

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ÉTICA E MORAL: CONCEITOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

“A razão vos é dada para discernir o bem e o mal” Dante Alighieri, poeta italiano

1.1 O QUE É ÉTICA E MORAL?

A moral diz respeito aos grandes paradigmas e valores de um determinado

grupo social em um dado tempo. Trata-se de um consenso coletivo para o compor-

tamento dos indivíduos e a condução da vida em comunidade. A ética, por sua

vez, é a liberdade interior de cada indivíduo, isto é, aquilo que cada um considera

ser bom ou ruim, vicioso ou virtuoso para si mesmo.

Ética e moral são conceitos diferentes. A ética é a tradução etimológica do

termo ethos (hábito, habitualidade, comportamento reiterado). O hábito revela a

personalidade. Desse modo, não se pode avaliar a pessoa somente por um ato. A

questão da ética é essencialmente prática e envolve pensar sobre aquilo que o

sujeito faz enquanto ser agente e enquanto ser reagente.

Há um convívio dialético entre ética (do indivíduo) e moral (do grupo). A de-

cisão ética não é simples fruto da cultura, mas também da história pessoal do indi-

víduo. Sócrates, um dos maiores filósofos da Humanidade, questionava os valores

da sociedade da Grécia Antiga. Acusado de corromper o juízo da sociedade aten-

siense, Sócrates perguntava, entre outras questões, o que era o bem e o que era o

mal, algo sem resposta até os dias de hoje. O ato socrático de questionar a moral

estabelecida em sua época era visto como algo subversivo e desestabilizador, pois

colocava em dúvida as verdades estabelecias.

A Antropologia, ao estudar o homem como produtor de cultura, tem grande

contribuição a dar ao estudo da ética. A Psicologia, por seu turno, discute como o

indivíduo toma suas decisões pessoais. Por que tomou essa decisão? Do mesmo

modo, a História e a Sociologia são ciências que ajudam a iluminar o entendimento

da moral e da ética.

UNIDADE

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A Ética, entretanto, não é uma ciência. Seu objetivo não é produzir respostas

absolutas para os problemas humanos. O que a Ética busca é especular sobre a

ação humana e sobre os seus valores fundamentais. Os valores não são permanen-

tes, imutáveis ou aplicáveis a todas as situações. Sempre temos que decidir e fazer

escolhas. Os indivíduos podem decidir de acordo com a moral do grupo ou contra

a essa moral. Será que tudo o que é licito é moral? Será que tudo o que é legal é

ético? Os valores são relativos e as decisões humanas são tomadas no calor das

circunstâncias. A cada momento temos que decidir o que é bom ou ruim, o que

fazer e o que não fazer, com base em nossa condição de indivíduo.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONCEITOS

O objeto da reflexão ética é o comportamento humano. É impossível susten-

tar uma comunidade imensa de pessoas vivendo sob uma única ética. Da mesma

forma, é tarefa difícil estabelecer o limite entre o ético e o antiético. Isso se traduz

em uma sensação de não se conhecer a barreira entre o que se pode e o que não

se pode fazer. A principal característica das sociedades contemporâneas é a inse-

gurança. Isso se traduz em uma sensação permanente de desorientação social,

confusão e incerteza.

Existe um padrão de comportamento? E um valor universal? Qual é o valor

absoluto? Não há respostas fixas para estas perguntas. Se por um lado a flexibiliza-

ção dos valores universais traz uma sensação inédita de liberdade, por outro a au-

sência de paradigmas de comportamentos dificulta enormemente a decisão. A

multiplicidade de escolhas e de oportunidades passa a ser um instrumento opressor

da liberdade. As dúvidas e as inseguranças passam a ser frequentes.

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Como resposta a este cenário de incertezas, ocorre a chamada “tribaliza-

ção” da sociedade: as pessoas não se comportam segundo valores universais apli-

cáveis a todos, mas dentro dos valores do seu grupo. Essa instabilidade traz grandes

impactos nos campos político, jurídico, social, cultural e religioso. Um comportamen-

to que as sociedades buscam diante dessa insegurança é a busca do passado ou

de padrões tradicionais assentados em valores religiosos e familiares.

Os grandes paradigmas da vida moderna passam por uma revisão profunda.

Isso produz uma serie de transformações sociais. A crescente individualização das

responsabilidades sociais leva à desagregação dos instrumentos sociais de decisão

consensual, como a política. O Estado e Direito também parecem não ser mais ins-

trumentos eficazes para balizar os comportamentos humanos.

Existe, ademais, a mentalidade que sobrevaloriza o homem capitalista em

face da dimensão do social, do coletivo ou do político. Diante da sensação de

desgoverno das funções estatais, da incapacidade de atender às necessidades

fundamentais e da sensação de insegurança generalizada, as categorias universais

são substituídas por valores individuais.

A falta de parâmetros morais leva à insegurança nas decisões. Cada um pas-

sa a valer pelo que produz e pelo que consome. É mais importante ter do que ser. O

mercado determina o que é a essência. E quem está fora do mercado? E quem

não tem poder de troca? Neste contexto, a dignidade da pessoa humana acaba

perdendo sentido e as pessoas que estão fora da relação de consumo são descon-

sideradas enquanto sujeitos. Nessa linha, a pergunta fundamental da ética (como

agir) encontra uma resposta retórica nas questões relativas à exclusão social.

Os povos antigos não conheceram a diferença entre o mundo da ação polí-

tica, o mundo do direito e o mundo do exercício do pensamento. Na Antiguidade,

há uma certa integralidade dos pensamentos. Eles não tratavam as coisas de modo

cartesiano, departamentalizando o saber humano. Os antigos lidavam com o mun-

do de modo muito integrado; não havia a separação entre direito e a moral. As

sociedades medievais também não faziam essa distinção: havia um princípio geral

que regia todas as áreas. O direito natural era a razão de tudo.

A modernidade construiu a diferença entre direito e moral, principalmente a

partir do pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant. A filosofia de Kant diferen-

ciou o universo da norma moral e o universo da norma jurídica. Kant influenciou o

jurista austríaco Hans Kelsen na construção da sua teoria pura do direito (1998). Kel-

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sen separou direito e moral para distanciá-los; ele queria determinar a autonomia

do Direito. Para Kelsen (1998), direito é o conjunto de normas postas pelo Estado.

A tarefa do jurista não era avaliar a justiça do sistema, mas compreender os

critérios de validade das normas de acordo com a hierarquia. Para Kelsen, a ques-

tão da justiça não pertencia ao direito. Dessa forma, criou um abismo entre direito

(decidir de acordo com o ordenamento) e moral (discutir os valores).

1.3 A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL

O estudo da Ética busca entender todas as formas de mentalidade e estar a

par de que um ethos dominante não existe sem que haja uma camada social do-

minante que o proclame. Toda vez que se definem normas de comportamento

consideradas adequadas, passa a haver um aparato para proteger essas normas.

Nesse sentido, ao estudarmos a ética, devemos também nos preocupar em

pensar a diversidade das alternativas de comportamento possíveis. Importante en-

fatizar, nesse sentido, a relação entre ética, arbítrio e pluralidade. A universalização

de qualquer tipo de verdade ética nos leva à definição de patamares rígidos. Tor-

na-se a moral de uma classe dominante sobre a moral das classes dominadas.

O que está em questão é a construção do compartilhamento dos valores.

Dessa forma, todo sistema ético busca, em primeiro lugar, proteger os valores que

consagra. Muitos grupos sociais constroem sistemas de dominação com base na

política, na religião ou em outros sistemas que formam a consciência de um grupo.

Dessa maneira, a ética busca eliminar as diferenças e estabelecer regras de

padrões de comportamento. No entanto, os valores não são tão absolutos que não

possam dialogar com valores opostos. Um sistema ético, apesar de defender as suas

verdades, deve praticar a tolerância, pois a moral de uns não pode se impor à mo-

ral de outros.

Valores morais são passiveis de ajuste e de confronte com outros. Os grupos

culturais opostos podem construir instrumentos para a abertura recíproca de valo-

res. Como é possível construir uma ética global em um contexto de diferenças entre

os povos, nacionalismo exacerbado, contingentes humanos excluídos e oposição

entre culturas?

O filósofo alemão Juergen Habermas defende que só existe verdade en-

quanto experiência intersubjetiva. O autor se posiciona em confronto direto com a

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verdade fundada na reflexão individual. Para Habermas, a verdade se constrói a

partir do diálogo entre sujeitos que pensam diferentes. Ou seja, a chave para a

busca da verdade é a aceitação da divergência como algo legítimo e natural.

Somente por meio da comunicação se pode alcançar a colaboração, o entendi-

mento e o consenso.

A moral é algo que avalia o outro para julgá-lo como pertencente ou não

pertencente á uma comunidade. O próprio direito vem associado a uma moral. A

linguagem transpassa valores por meio de certos termos e de palavras que expres-

sam visões de mundo. E elas se expressam por meio de cláusulas gerais: bom, ruim,

justo, injusto, etc. A linguagem recebe uma grande bagagem da moral. Ela tam-

bém é transmissora desses valores. Todas as práticas discursivas são transmissivas de

valores. O indivíduo que se vale da linguagem pratica juízos, requalificando-os o

tempo todo.

A ética, portanto, significa esfera da ação individual. Está contida dentro de

um circuito de liberdade que lhe pertence. A moral é a grande instituição social

que acaba sendo o arcabouço de sustentação de certas atitudes individuais res-

paldadas em conceitos pré-existentes. A moral, por outro lado, procura moldar o

indivíduo a modelos sociais convenientes, não necessariamente bons. Configura,

dessa forma, uma instituição social que produz mecanismos de controle e determi-

nam a execução de seus preceitos.

Escolas e normas jurídicas são exemplos de instituições que contribuem para

a homogeneização dos indivíduos. Instituições trazem estabilidade para o grupo e

para a sociedade. A moral é um mecanismo de pasteurização dos comportamen-

tos. Ela permite julgar o que é conforme e o que é desconforme. Ela promove a

agregação ou a segregação do outro.

Nas relações morais é preciso verificar a relação de poder para determinar

quais são os comportamentos adequados. A moral pode ser o principal instrumento

ideológico de exercício do poder. A moral disfarça, suaviza e amortece a prática

de poder. Ou seja, é um instrumento de adequação das identidades individuais. A

moral fornece abrigo para a estrutura de poder. Ela pratica uma espécie de contro-

le conveniente em um certo contexto. Exemplificando, na Idade Média, era clara a

associação entre poder e moral. A moral imposta era a da Igreja Católica, que de-

tinha o poder.

A relação entre moral e poder pertence à própria dinâmica das relações so-

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ciais. Nesse sentido, é preciso observar com cautela os valores morais. Um curso de

ética não é um curso de moral. A filosofia ética é uma prática aberta de reflexão. É

necessário dimensionar e ponderar os valores, para avaliar se o valor é realmente

válido. A moral do meio é a prática do exercício de dominação?

É preciso, portanto, questionar o que é a moral. O discurso moral se mostra

como um conjunto de valores inegáveis, fundamentais, impassíveis de contestação.

A moral ultrapassa o tempo de seus criadores e influencia as gerações posteriores. E

impõe um sacrifício dos valores individuais.

Nessa direção, a ética se vale da capacidade de resistência que o indivíduo

tem em face das pressões externas do meio. É a sua capacidade de ponderar en-

tre os conflitos internos e os valores das instituições sociais. Já a moral se baseia em

um conjunto das sutis e não explicitas manifestações de poder sobre os indivíduos. A

moral está inserida num contexto sócio-histórico. Não devemos assimilar a moral

sem questioná-la, sob pena de nos transformarmos em meros reprodutores dos con-

ceitos morais do nosso tempo.

O comportamento ético pressupõe, dessa forma, o questionamento da moral

antes de absorvê-la. A moral defende o passado, o que foi consagrado e nos con-

vida a reproduzir esses valores. A ética flerta com o novo. O comportamento ético

permite requalificar os valores. Isso dá abertura ao processo de alteração dos valo-

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res.

Ou seja, os indivíduos podem resistir aos valores morais por meio da capaci-

dade de reflexão. Não existem leis morais eternas. Em outras palavras, a moral nos

convida ao conforto e à segurança. A ética nos convida ao exercício responsável e

refletido para nos tornarmos agentes e arquitetos de nossa própria existência.

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem 2010, 2ª aplicação) “A ética exige um governo que amplie a igualdade

entre os cidadãos. Essa é a base da pátria. Sem ela, muitos indivíduos não se sen-

tem “em casa”, experimentam-se como estrangeiros em seu próprio lugar de

nascimento. “

SILVA, R. R. Ética, defesa nacional, cooperação dos povos. OLIVEIRA, E. R (Org.) Segurança & defe-sa nacional: da competição à cooperação regional. São Paulo: Fundação Memorial da América

Latina, 2007 (adaptado).

Os pressupostos éticos são essenciais para a estruturação política e integração

de indivíduos em uma sociedade. De acordo com o texto, a ética corresponde

a:

a) valores e costumes partilhados pela maioria da sociedade.

b) preceitos normativos impostos pela coação das leis jurídicas.

c) normas determinadas pelo governo, diferentes das leis estrangeiras.

d) transferência dos valores praticados em casa para a esfera social.

e) proibição da interferência de estrangeiros em nossa pátria.

2. (ENEM 2011, adaptado). O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éti-

cos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa.

Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pa-

receria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação

fictícia de Lima Barreto). O distanciamento entre “reconhecer” e “cumprir” efeti-

vamente o que é moral constitui uma ambiguidade inerente ao humano, porque

as normas morais são:

a) decorrentes da vontade divina e, por esse motivo, utópicas.

b) parâmetros idealizados, cujo cumprimento é destituído de obrigação.

c) amplas e vão além da capacidade de o indivíduo conseguir cumpri-las integral-

mente.

d) criadas pelo homem, que concede a si mesmo a lei à qual deve se submeter.

e) mais vinculantes do que as normas jurídica

3. (UNICAMP 2016, adaptada). Por que a ética voltou a ser um dos temas mais tra-

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balhados do pensamento filosófico contemporâneo? Nos anos 1960, a política

ocupava esse lugar e muitos cometeram o exagero de afirmar que tudo era polí-

tico.

José Arthur Gianotti, “Moralidade Pública e Moralidade Privada”, em Adauto Novaes, Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 239.

A partir desse fragmento sobre a ética e o pensamento filosófico, é correto afir-

mar que:

a) o tema foi relevante no passado e apenas recentemente voltou a ocupar um

espaço central na produção filosófica

b) os impasses morais e éticos das sociedades contemporâneas reposicionaram o

tema da ética como um dos campos mais relevantes para a filosofia

c) o pensamento filosófico abandonou sua postura política após o desencanto com

os sistemas ideológicos que eram vigentes nos anos 1960

d) na atualidade, a ética é uma pauta conservadora, pois nas sociedades atuais,

não há demandas éticas rígidas

e) a ética foi incorporada pelas outras ciências, deixando de ser estudada nas últi-

mas décadas.

4. (UNISC 2012) – Apresentados os enunciados abaixo, qual deles melhor caracteri-

za o tema da ética filosófica?

a) a ética filosófica estuda a maneira como as pessoas agem dentro de uma de-

terminada sociedade

b) a ética filosófica consiste em um conjunto de normas relativas à vida sexual das

pessoas

c) a ética filosófica é o estudo das normas que regem o exercício de uma determi-

nada profissão

d) a ética filosófica é um discurso racional e argumentativo cujo objetivo é funda-

mentar critérios para avaliar as ações humanas, seja para louvá-las ou para cen-

surá-las

e) a ética filosófica consiste na explicação das normas de comportamento que se

encontram na bíblia

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5. (Leopoldino Rocha) O sujeito ético-moral é somente aquele que preencher os

seguintes requisitos:

a) ser consciente de si, mas não precisa reconhecer a existência dos outros como

sujeitos éticos iguais a si.

b) saber o que faz, conhecer as causas e os fins de sua ação, o significado de suas

intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais.

c) não precisa controlar interiormente seus impulsos, suas inclinações e suas paixões,

deixando-as fluir livremente

d) dizer o que as coisas são, como são e por que são. Enunciar, pois, juízos de fato

e) ser responsável, mas não precisa reconhecer-se como autor da sua própria ação

nem avaliar os efeitos e as consequências dela sobre si e sobre os outros

6. (Unesp 2019) – Então, todos os alemães dessa época são culpados?

– Esta pergunta surgiu depois da guerra e permanece até hoje. Nenhum povo é

coletivamente culpado. Os alemães contrários ao nazismo foram perseguidos,

presos em campos de concentração, forçados ao exílio. A Alemanha estava,

como muitos outros países da Europa, impregnada de antissemitismo, ainda que

os antissemitas ativos, assassinos, fossem apenas uma minoria. Estima-se hoje que

cerca de 100 000 alemães participaram de forma ativa do genocídio. Mas o que

dizer dos outros, os que viram seus vizinhos judeus serem presos ou os que os leva-

ram para os trens de deportação?

(Annette Wieviorka. Auschwitz explicado à minha filha, 2000. Adaptado.)

Ao tratar da atitude dos alemães frente à perseguição nazista aos judeus, o texto

defende a ideia de que

a) os alemães comportaram-se de forma diversa perante o genocídio, mas muitos

mostraram-se tolerantes diante do que acontecia no país.

b) esse tema continua presente no debate político alemão, pois inexistem fontes

documentais que comprovem a ocorrência do genocídio.

c) esse tema foi bastante discutido no período do pós-guerra, mas é inadequado

abordá-lo hoje, pois acentua as divergências políticas no país.

d) os alemães foram coletivamente responsáveis pelo genocídio judaico, pois a

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maioria da população teve participação direta na ação.

e) os alemães defendem hoje a participação de seus ancestrais no genocídio, pois

consideram que tal atitude foi uma estratégia de sobrevivência.

7. (Unesp 2018). Os homens, diz antigo ditado grego, atormentam-se com a ideia

que têm das coisas e não com as coisas em si. Seria grande passo, em alívio da

nossa miserável condição, se se provasse que isso é uma verdade absoluta. Pois

se o mal só tem acesso em nós porque julgamos que o seja, parece que estaria

em nosso poder não o levarmos a sério ou o colocarmos a nosso serviço. Por que

atribuir à doença, à indigência, ao desprezo um gosto ácido e mau se o pode-

mos modificar? Pois o destino apenas suscita o incidente; a nós é que cabe de-

terminar a qualidade de seus efeitos.

(Michel de Montaigne. Ensaios, 2000. Adaptado.)

De acordo com o filósofo, a diferença entre o bem e o mal:

a) representa uma oposição de natureza metafísica, que não está sujeita a relati-

vismos existenciais.

b) relaciona-se com uma esfera sagrada cujo conhecimento é autorizado somente

a sacerdotes religiosos.

c) resulta da queda humana de um estado original de bem-aventurança e harmo-

nia geral do Universo.

d) depende do conhecimento do mundo como realidade em si mesma, indepen-

dente dos julgamentos humanos.

e) depende sobretudo da qualidade valorativa estabelecida por cada indivíduo

diante de sua vida.

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8. (Enem PPL 2016)

A figura do inquilino ao qual a personagem da tirinha se refere é o(a):

a) constrangimento por olhares de reprovação.

b) costume importo aos filhos por coação.

c) consciência da obrigação moral.

d) pessoa habitante da mesma casa.

e) temor de possível castigo.

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ÉTICA E MORAL NAS RELAÇÕES SOCIAIS

“A astúcia do Direito consiste em valer-se do veneno da força para evitar que ela triunfe“

Miguel Reale, jurista brasileiro 2.1 ÉTICA, MORAL E DIREITO

O Direito é uma ordem social estabelecida em torno de um sistema

sancionatório para garantir a aplicação da Justiça. Essa ordem busca estabelecer

regras para o funcionamento da sociedade e prevê meios para exigir o seu cum-

primento, as sanções. Ele se vale da força para evitar que o mundo seja governado

apenas por ela.

Corresponde, na visão do jurista Jeremy Bentham, ao “mínimo ético” ou a um

conjunto de normas morais consideradas relevantes por cada sociedade. A Moral,

por sua vez, se caracteriza por ser um tipo de preceito comportamento desprovida

de mecanismos de coação (MORRIS, 2002).

O Direito prevê uma convivência social ordenada, na qual inexiste a possibi-

lidade de desordem ou anarquia. É um mecanismo de dominação que se vale de

normas, instituições e decisões para controlar o comportamento das sociedades. As

regras jurídicas são obrigatórias e coercitivas, pois emanam de uma fonte jurídica

válida e de uma autoridade competente. Seu fim último é a realização da justiça

do bem comum.

Nesse sentido, diferentemente da Moral, que lida com preceitos sobre o

comportamento humano despidos de mecanismos de coerção, o Direito é uma

ordenação ética com capacidade de impor comportamentos pelo uso legitimado

da força. A Moral se baseia em mecanismos de sanção individual (ressentimento,

remorso e culpa) ou coletiva (discriminação, repulsa, exclusão e indignação), ao

passo que o Direito se assenta em sanções coercitivas que se valem da imposição

da força. O Direito não se vale de qualquer violência indiscriminada, mas da força

organizada e aplicada segundo regras institucionalizadas.

O Direito lida com o problema ancestral da busca da verdade e da justiça

no exercício do poder. Seu fundamento filosófico variou ao longo da Histórica histó-

UNIDADE

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20

ria, sendo considerada pelos gregos como uma técnica e pelos romanos como

uma arte (a busca do bem e da equidade). Assim como as instituições são regras

que estabelecem padrões de comportamento e geram previsibilidade, o Direito é

um elemento de fidelização e conexão entre o passado e o futuro.

Nesse sentido, o Direito não é neutro, mas um conjunto de práticas que visam

realizar determinados valores fundamentais. O mais importante desses valores é a

justiça, ou seja, dar a cada um aquilo que lhe é direito. A justiça é parte da moral e

se baseia no senso de equilíbrio na distribuição de bens entre os homens. Sem vali-

dade, eficácia e justiça, não há sistema jurídico legítimo.

O jurista austríaco Hans Kelsen, em “Teoria Pura do Direito”, afirma que a Jus-

tiça é um valor decorrente da Moral. No entanto, diferentemente das normas soci-

ais (Moral e Ética), o Direito é uma norma jurídica cuja legitimidade não se baseia

apenas em valores, mas em critérios de validade. Ou seja, a norma jurídica é uma

proposição hipotética dada por um poder institucionalizado (Estado) para estabe-

lecer normas de conduta (KELSEN, 1998).

A Moral lida com as concepções de um indivíduo ou de um conjunto de in-

divíduos acerca do que é lícito e justo. As regras de conduta morais são tão plurais

quanto a sociedade e balizam o convívio social. E buscam, essencialmente, o aper-

feiçoamento de um indivíduo em relação à sua consciência ou a de seu grupo. Sua

origem é a autoridade religiosa, a razão e a tradição.

O Direito, por outro lado, é uma técnica de regulação do convívio social que

se baseia em normas e que sanciona comportamentos contrários a elas. A fonte do

Direito é o Estado e sua validade se baseia na sua origem. Somente são válidas as

normas jurídicas produzidas por quem tem competência para tal. As sanções jurídi-

cas, por sua vez, são obrigatórias. Embora adote princípios morais como fundamen-

to de sua aplicação, o Direito pode conter também normais normas amorais.

A Moral, por seu turno, influencia diretamente o Direito. Os legisladores são

guiados por valores e ideias difusos na sociedade para produzir normas jurídicas. As

normas jurídicas, nesse sentido, expressam regras morais que devem ser obrigatori-

amente cumpridas. As sociedades antigas, como visto, eram caracterizadas pela

coincidência entre mandamentos jurídicos e morais. Já na Idade Média, as regras

jurídicas constituíam um “mínimo ético”, ou seja, o núcleo duro das regras morais.

Com a positivação do Direito (prevalência de normas escritas em códigos e

leis), nos séculos XVIII e XIX, as regras jurídicas tornaram-se autônomas em relação à

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21

moral. Dada a pluralidade de sistemas morais existentes (religião, família, trabalho

etc), as autoridades competentes do Estado se limitaram a impor normas segundo

critérios de validade.

Os positivistas defendem que os indivíduos são livres para obedecer ou não

às normas vigentes, de acordo com os seus valores morais e interesses. O custo do

descumprimento dessas normas é a aplicação de sanções jurídicas. Os moralistas,

por sua vez, sustentam que os operadores do Direito precisam buscar sempre a coe-

rência entre normais normas jurídicas e preceitos morais, sob pena de esvaziamento

valorativo do Direito. Para eles, seria impossível estabelecer uma distinção entre Di-

reito e Moral, pois ambos caminham lado a lado.

Portanto, é importante distinguir norma moral e norma jurídica. A normal mo-

ral decorre da experiência histórica da sociedade. Já a norma jurídica pode ser im-

posta pela autoridade mesmo que não corresponda à experiência da sociedade.

A norma moral fala a linguagem da interioridade e da intencionalidade. É preciso

haver correspondência entre a vontade interior e a exteriorização. Na norma jurídi-

ca, isso é irrelevante em diversas situações. Na norma jurídica, são necessários atos

exteriores; a intencionalidade é um aspecto secundário. A norma moral não possui

sanção (punição); já a norma jurídica possui sanção.

A norma moral possui, entretanto, um grau de coercibilidade (possibilidade

de punição) que muitas vezes é muito mais forte que a sanção jurídica, como a

vergonha, o constrangimento e o arrependimento. Direito e moral não podem se

separar. Como avaliar a legitimidade de um sistema jurídico? Essa avaliação não

pode ser pautada unicamente sob o aspecto da moral. Após a Segunda Guerra

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Mundial, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, foram defini-

das as diretrizes estruturantes do comportamento universal, de modo que os direitos

humanos constituem o mínimo ético de um sistema jurídico.

2.2 ÉTICA NA POLÍTICA

A relação entre ética, moral e política é tão ancestral quanto a Humanida-

de. Desde os filósofos da Antiguidade até os cientistas políticos, juristas e escritores

contemporâneos, o tema já foi abordado de maneira múltipla. O assunto desperta

as atenções do ser humano desde os primórdios da civilização. Tratados, ensaios,

romances e peças teatrais já foram escritas sobre essa questão, sem uma solução

definitiva ou uma resposta correta para a problemática da moralidade nas relações

sociais.

Sendo o homem um ser essencialmente político – isto é, que vive na polis (ci-

dade) – sempre se pergunta sobre o que é agir moralmente. Da mesma forma que

existe uma ética profissional, uma ética do trabalho, uma ética familiar e uma ética

religiosa, a ética política trata trata da da distinção entre o que é moralmente lícito

e ilícito.

A aceitação de que a moral política se distingue do senso comum é um dos

fundamentos da modernidade. Maquiavel afirmou, em “O Príncipe”, que a moral

dos governantes não é a mesma dos governados. Nesse sentido, para obter êxito

em sua missão de dominar os povos e governar as nações, antes de serem amados,

os príncipes deveriam buscar serem temidos (MAQUIAVEL, 2010).

Enquanto em outras atividades humanas o que se busca, essencialmente, é

adequar os comportamentos às regras de conduta moral consensuais e estabele-

cidas, na relação entre política e moral, o debate é mais complexo. Ao contrário

da ética médica, da ética esportiva ou da ética do trabalho, não existe um con-

senso sobre quais seriam os preceitos éticos da política. O que existe, fundamental-

mente, é a noção de que a moral política se reporta às ações de um indivíduo no

que toca aos seus deveres para com os outros, e não consigo mesmo.

Dessa forma, o foco do estudo da moral política não é a compreensão da-

quilo que é considerado lícito ou ilícito. Na perspectiva do filósofo e jurista italiano

Norberto Bobbio, o que se busca compreender é “[...] se tem sentido colocar-se em

termos morais o problema do admissível e do inadmissível no caso das ações políti-

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cas” (BOBBIO, 2003, p. 161).

Dessa forma, utilizando-se uma categoria de Maquiavel, é possível, por

exemplo, distinguir os políticos do tipo “leão” e os do tipo “raposa”. Os primeiros ba-

seariam seu poder no uso da força; os segundos, no domínio da astúcia. Thomas

Hobbes, em sua obra “O Leviatã”, assegurava que nenhuma moral estava acima

da política. No estado de natureza, argumentava o filósofo inglês, a política não

tinha nenhum conteúdo moral, baseando-se pura e simplesmente no exercício da

força (MORRIS, 2002).

A moral do mais forte sempre prevalecia e a sobrevivência era a única moral

existente. No estado civil, impera a moral do soberano, isto é, daquele indivíduo es-

colhido pelos demais como aquele que distingue o justo do injusto. Portanto, a von-

tade do rei deveria ser a única e exclusiva fonte moral a ser obedecida. A noção

de razão de Estado, que floresceu com o Estado moderno, aceita que, em circuns-

tâncias específicas e determinadas, o soberano possa infringir os códigos morais

prevalecentes para salvaguardar o seu poder.

Assim, a ação política imporia ao seu praticante “[...] ações moralmente re-

prováveis, porém necessárias por causa da natureza e da finalidade da própria ati-

vidade” (BOBBIO, 2003, p. 168). Da mesma forma que o político teria uma moral

própria, certas categorias profissionais, ao longo da História, também advogam a

existência de um direito particular e de uma moral específica. Se existe uma ética

inerente à política, existiria, do mesmo modo, uma ética aplicável a profissões de-

terminadas, como a dos médicos, dos padres e dos advogados.

2.3 ÉTICA DAS CONVICÇÕES E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE

Quando refletimos sobre a importância da moral e da ética na vida pública,

é importante entender como os valores morais e éticos guiam os homens públicos

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em suas ações. Em seu clássico artigo “Política como Vocação”, o sociólogo ale-

mão Max Weber distingue três qualidades para a formação de um homem público

(WEBER, 1965). Em primeiro lugar, a paixão à causa; e segundo lugar, o senso de

responsabilidade; em terceiro lugar, o senso de proporção, isto é, a capacidade de

manter distância dos fatos e dos homens, de modo a refletir com mais propriedade

sobre os acontecimentos. Segundo Weber (1965), os homens precisam ainda supe-

rar a vaidade, pois o desejo de poder pode desvirtuar tanto a sua paixão quanto o

seu senso de proporção. Ou seja, a vaidade poder tornar-se um fim em si mesmo,

uma busca exclusiva pela exaltação do próprio ego.

Existe uma ética própria para o mundo político? Para Weber (1965), na políti-

ca haveriam dois pecados mortais. Primeiro, não defender nenhuma causa, o que

conduz o político à paralisia e à busca do brilho efêmero. Segundo, não possuir ne-

nhum senso de responsabilidade, o que o leva a abusar do poder como um fim em

si mesmo, sem qualquer propósito maior. As causas que justificam o alcance do po-

der dependeriam das visões de mundo e convicções íntimas de cada político. Tais

motivações podem ser humanistas, nacionalistas, sociais, religiosas e éticas.

Nesse sentido, cabe indagar se existiria um “mínimo ético” na política que

compatibilizasse as diversas causas que levam os políticos a almejar o poder. Seria a

ética da política a mesma ética da religião? Segundo Weber (1965), a ética religio-

sa, contida nos Evangelhos, implica em comportamentos rígidos e que não admi-

tem meio-termo: é o “tudo ou nada”. A ética dos Evangelhos persegue verdades

absolutas e incontestáveis, baseadas na convicção e na consciência individual.

De acordo com Weber (1965), as condutas podem ser orientadas segundo

duas lógicas: a ética da ética da convicção e a ética da responsabilidade. Isto não

significa que a ética da convicção esteja desconectada de qualquer responsabili-

dade. O ponto central da ética da responsabilidade é a noção das consequências

do ato humano e o reconhecimento do papel da vontade, da ação ou da omissão

na produção de resultados. Quando se observa apenas ética da convicção, atri-

bui-se qualquer consequência dos atos humanos à vontade divina. Dessa forma, os

homens isentam-se de qualquer compromisso, obrigação e prudência no dia a dia,

pois seu destino estaria traçado.

A questão mais sensível da ética da responsabilidade é o fato de que, para

alcançar fins considerados nobres, os homens às vezes precisam recorrer a expedi-

entes considerados desagradáveis, desonestos ou perigosos. Assim, o ato de mentir,

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segundo a ética das convicções, é moralmente condenável. Já segundo a ética

da responsabilidade, a mentira, muitas vezes, pode ser uma forma de se evitar um

mal maior. Segundo Weber (1965), no entanto, nenhuma ética conseguiu, até hoje,

definir o que seria uma finalidade considerada “eticamente boa” que justificasse o

uso de métodos considerados moralmente perigosos, como o uso da força.

Em que circunstâncias se justifica o uso da força para o alcance de fins con-

siderados justos? No caso de uma guerra ou de uma revolução, por exemplo, seria

legítimo o recurso à violência para alcançar fins considerados justos? Os partidários

da ética da convicção são unânimes ao afirmar que matar um outro ser humano é

considerado um pecado mortal, sem qualquer exceção. Já sob o ponto de vista da

ética da responsabilidade, em casos excepcionais, como o de uma ameaça à so-

brevivência do Estado ou da nação, seria moralmente justo o emprego da força e

da violência armada para repelir uma invasão ao território nacional.

Essa tensão entre meios e fins caracteriza a ética da responsabilidade. Nesse

sentido, a violência poderia ser admitida como um meio do alcance de fins políti-

cos considerados nobres ou justos, como a sobrevivência nacional. Da mesma for-

ma, o debate entre a continuidade de uma revolução ou de uma guerra e a reali-

zação da paz depende, sobretudo, das condições em que os termos da paz são

assinados. Se forem injustos, os partidários da ética da responsabilidade admitem a

legitimidade da continuidade da revolução ou da guerra.

As duas lógicas weberianas que conduzem a vida política: a Ética das Convicções e

Ética da Responsabilidade:

Ética da responsabilidade é a noção das consequências do ato humano e o reco-

nhecimento do papel da vontade, da ação ou da omissão na produção de resulta-

dos.

Ética da convicção é a atribuição de qualquer consequência dos atos humanos à

vontade divina. Dessa forma, os homens isentam-se de qualquer compromisso, obri-

gação e prudência no dia a dia, pois seu destino estaria traçado.

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Para Weber (1965), é impossível conciliar a ética da convicção e a ética da

responsabilidade, pois a primeira não admite concessões à segunda. A ética da

convicção defende que os meios são mais importantes que os fins. Isto é, o mal só

pode trazer o mal. A ética da responsabilidade, por sua vez, admite que os fins justi-

fiquem os meios. Ou seja, o mal, quando praticado com fins nobres, também pode

produzir o bem. Todas as crenças religiosas enfrentam o problema da ética na polí-

tica. A questão mais sensível são as circunstâncias em que se admite e se legitima o

uso da violência. Os políticos, ao praticarem a violência com a busca de um fim

nobre, devem não apenas justificar o recurso à força, mas buscar seguidores que

compartilhem de seus objetivos.

Em síntese, Max Weber afirma que a política não pode abrir mão das ques-

tões éticas. Os homens que se dedicam à política, na visão do autor, devem estar

cientes das consequências e impactos de seus atos. A salvação das almas, de um

indivíduo e de seu grupo, não deve ser buscada por meio da política, mas da reli-

gião. O caminho da política, por sua vez, pressupõe o uso de algum tipo de violên-

cia para alcançar os objetivos pretendidos. Nesse sentido, é preciso esclarecer aos

partidários da ética da convicção que quaisquer atos humanos geram consequên-

cias. A política, diferentemente da religião, exige que os homens tenham senso de

proporção. Sendo assim, a política seria a arte do possível.

Os partidários da ética da convicção acreditam que quaisquer atos humanos geram

consequências, inclusive na política. Já para os adeptos da ética da responsabilidade, a

política, diferentemente da religião, exige que os homens tenham senso de proporção.

Sendo assim, convidamos você a refletir sobre a seguinte situação:

Um determinado país sofre um ataque externo e precisa tomar atitudes de defesa e

ataque. No entanto, sua população não tem total conhecimento sobre os desdo-

bramentos dessa situação. Revelar tudo o que está acontecendo pode gerar pânico

geral e piorar ainda mais o quadro, até mesmo dificultando as ações de defesa. Para

a ética da convicção, a verdade deve estar acima de tudo. Contudo, preservar em

sigilo determinadas informações ou até mesmo mentir sobre elas pode promover a

segurança nacional. Para os adeptos da ética da responsabilidade, é preciso lançar

mão do senso de proporção. Em que medida um chefe de Estado deve pender para

uma das duas lógicas?

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem 2010, 2ª aplicação) No século XX, o transporte rodoviário e a aviação civil

aceleraram o intercâmbio de pessoas e mercadorias, fazendo com que as dis-

tâncias e a percepção subjetiva das mesmas se reduzissem constantemente. É

possível apontar uma tendência de universalização em vários campos – por

exemplo, na globalização da economia, no armamentismo nuclear, na manipu-

lação genética, entre outros.

HABERMAS, J. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001 (adaptado).

Os impactos e efeitos dessa universalização, conforme descrito no texto, podem

ser analisados do ponto de vista moral, o que leva à defesa da criação de nor-

mas universais que estejam de acordo com:

a) os valores culturais praticados pelos diferentes povos em suas tradições e costu-

mes locais.

b) os pactos assinados pelos grandes líderes políticos, os quais dispõem de condi-

ções para tomar decisões.

c) os sentimentos de respeito e fé no cumprimento de valores religiosos relativos à

justiça divina.

d) os sistemas políticos e seus processos consensuais e democráticos de formação

de normas gerais.

e) os imperativos técnico-científicos, que determinam com exatidão o grau de justi-

ça das normas.

2. (Enem 2010) A ética precisa ser compreendida como um empreendimento cole-

tivo a ser constantemente retomado e rediscutido, porque é produto da relação

social se organize sentindo-se responsável por todos e que crie condições para o

exercício de um pensar e agir autônomos. A relação entre ética e política é

também uma questão de educação e luta pela soberania dos povos. É necessá-

ria uma ética renovada, que se construa a partir da natureza dos valores sociais

para organizar também uma nova prática política.

CORDI et al. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2007 (adaptado).

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O Século XX teve de repensar a ética para enfrentar novos problemas oriundos

de diferentes crises sociais, conflitos ideológicos e contradições da realidade. Sob

esse enfoque e a partir do texto, a ética pode ser:

a) compreendida como instrumento de garantia da cidadania, porque através de-

la os cidadãos passam a pensar e agir de acordo com valores coletivos.

b) mecanismo de criação de direitos humanos, porque é da natureza do homem

ser ético e virtuoso.

c) meio para resolver os conflitos sociais no cenário da globalização, pois a partir do

entendimento do que é efetivamente a ética, a política internacional se realiza.

d) parâmetro para assegurar o exercício político primando pelos interesses e ação

privada dos cidadãos.

e) aceitação de valores universais implícitos numa sociedade que busca dimensio-

nar sua vinculação à outras sociedades.

3. (Enem 2010). Na ética contemporânea, o sujeito não é mais um sujeito substan-

cial, soberano e absolutamente livre, nem um sujeito empírico puramente natural.

Ele é simultaneamente os dois, na medida em que é um sujeito histórico-social.

Assim, a ética adquire um dimensionamento político, uma vez que a ação do su-

jeito não pode mais ser vista e avaliada fora da relação social coletiva. Desse

modo, a ética se entrelaça, necessariamente, com a política, entendida esta

como a área de avaliação dos valores que atravessam as relações sociais e que

interliga os indivíduos entre si.

SEVERINO. A. J. Filosofia

O texto, ao evocar a dimensão histórica do processo deformação da ética na

sociedade contemporânea, ressalta:

a) os conteúdos éticos decorrentes das ideologias político-partidárias.

b) o valor da ação humana derivada de preceitos metafísicos.

c) a sistematização de valores desassociados da cultura.

d) o sentido coletivo e político das ações humanas individuais.

e) o julgamento da ação ética pelos políticos eleitos democraticamente

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4. (Enem 2009). Na década de 30 do século XIX, Tocqueville escreveu as seguintes

linhas a respeito da moralidade nos EUA: “A opinião pública norte-americana é

particularmente dura com a falta de moral, pois esta desvia a atenção frente à

busca do bem-estar e prejudica a harmonia doméstica, que é tão essencial ao

sucesso dos negócios. Nesse sentido, pode-se dizer que ser casto é uma questão

de honra”.

TOCQUEVILLE, A. Democracy in America. Chicago: Encyclopædia Britannica, Inc., Great Books 44, 1990 (adaptado).

Do trecho, infere-se que, para Tocqueville, os norte-americanos do seu tempo:

a) buscavam o êxito, descurando as virtudes cívicas.

b) tinham na vida moral uma garantia de enriquecimento rápido.

c) valorizavam um conceito de honra dissociado do comportamento ético.

d) relacionavam a conduta moral dos indivíduos com o progresso econômico.

e) e) acreditavam que o comportamento casto perturbava a harmonia doméstica.

5. (Enem 2017) “Uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro em-

prestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe

emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado.

Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante pa-

ra perguntar a si mesma: não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros

desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria:

quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo

pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá”.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

De acordo com a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento” represen-

tada no texto:

a) assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão participati-

va.

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b) garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade da vida futura na

terra.

c) opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer como norma uni-

versal.

d) materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana podem justificar

os meios.

e) permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas

envolvidas.

6. (Enem 2017). A moralidade, Bentham exortava, não é uma questão de agradar a

Deus, muito menos de fidelidade a regras abstratas. A moralidade é a tentativa

de criar a maior quantidade de felicidade possível neste mundo. Ao decidir o

que fazer, deveríamos, portanto, perguntar qual curso de conduta promoveria a

maior quantidade de felicidade para todos aqueles que serão afetados.

RACHELS, J. Os elementos da filosofia moral. Barueri-SP: Manole, 2006.

Os parâmetros da ação indicados no texto estão em conformidade com uma:

a) fundamentação científica de viés positivista.

b) convenção social de orientação normativa.

c) transgressão comportamental religiosa.

d) racionalidade de caráter pragmático.

e) nclinação de natureza passional.

7. (Enem 2017) “Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos

por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; evidentemente

tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. Mas não terá o conhecimento, porven-

tura, grande influência sobre essa vida? Se assim é, esforcemo-nos por determi-

nar, ainda que em linhas gerais apenas, o que seja ele e de qual das ciências ou

faculdades constitui o objeto. Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à

arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra.

Ora, a política mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciên-

cias que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve

aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior apre-

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ço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como

a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos

e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das ou-

tras, de modo que essa finalidade será o bem humano.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Pensadores. São Pauto: Nova Cultural, 1991 (adaptado).

Para Aristóteles, a relação entre o sumo bem e a organização da pólis pressupõe

que:

a) o bem dos indivíduos consiste em cada um perseguir seus interesses.

b) o sumo bem é dado pela fé de que os deuses são os portadores da verdade.

c) a política é a ciência que precede todas as demais na organização da cidade.

d) a educação visa formar a consciência de cada pessoa para agir corretamente.

e) a democracia protege as atividades políticas necessárias para o bem comum.

8. (Enem/2013) “Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou

temido que amado. Responde-se que ambas as coisas seriam de desejar; mas

porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando ha-

ja de faltar uma das duas. Porque dos homens que se pode dizer, duma maneira

geral, que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro, e en-

quanto lhes fazes bem são inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a

vida e os filhos, quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele

chega, revoltam-se.”

MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.

A partir da análise histórica do comportamento humano em suas relações sociais

e políticas, Maquiavel define o homem como um ser:

a) munido de virtude, com disposição nata a praticar o bem a si e aos outros.

b) possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para alcançar êxito na política.

c) guiado por interesses, de modo que suas ações são imprevisíveis e inconstantes.

d) naturalmente racional, vivendo em um estado pré-social e portando seus direitos

naturais.

e) sociável por natureza, mantendo relações pacíficas com seus pares.

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ÉTICA, MORAL E POLÍTICA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

“Que estranho desejo é ambicionar o poder e perder a liberdade” Francis Bacon, filósofo inglês

3.1 O CONCEITO DE CIDADANIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O conceito de cidadania, em sua versão moderna, nutriu-se das ideias surgi-

das na Itália, Inglaterra, França e Estados Unidos a partir da Idade Moderna. De Ni-

colau Maquiavel a Thomas Hobbes e de Jean Jacques Rousseau aos Federalistas

norte-americanos, a base do pensamento político moderno, compreendido como

um conjunto de teorias e de ideias relacionadas à busca da institucionalização dos

conflitos, forjou-se numa pluralidade de correntes e de tradições envoltas na forma-

ção da linguagem e da prática política europeia nos séculos XVI a XVIII.

Da matriz italiana, o republicanismo absorveu as lições de Maquiavel acerca

da formação do humanismo cívico num contexto de reposicionamento do homem

no centro do pensamento. Responsável por uma ruptura no pensamento ocidental

e fundador da Ciência Política, o autor resgata o pensamento greco-latino para

embasar as suas reflexões acerca das temáticas políticas de seu tempo.

O pensamento de Maquiavel se tornou clássico por duas razões centrais: a

ampla difusão no Ocidente e abrangência de largas temporalidades. Maquiavel

aborda as constantes disputas de poder entre as cidades-Estado da península itáli-

ca, mostrando como a instabilidade e a imprevisibilidade eram inerentes à realida-

de contemporânea.

Para Maquiavel, política e história também deveriam ser analisadas em con-

junto, já que o poder organizava historicamente as relações econômicas e sociais

entre os indivíduos, via exercício da dominação e a busca do consenso. O autor

desenvolve, nas duas obras, a ideia de que o corpo político se divide ante o desejo

de dominação e de ser dominado, o que se nota, por exemplo, no relato dos confli-

tos entre as potências europeias da época e as cidades do norte italiano. Finalmen-

te, demonstra que a política se desenrola na dicotomia essência versus aparência,

UNIDADE

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mostrando como a política possui uma importante dimensão simbólica na constru-

ção de narrativas.

A noção de cidadania desenvolvida por Maquiavel seria transformada na

França, dois séculos depois. Jean Jacques Rousseau foi o mais notável dos filósofos

do período Iluminista e o principal representante do republicanismo de matriz fran-

cesa. Em “O Espírito das Leis”, Rousseau ataca a Igreja e a instituição monárquica

pelas desigualdades e pela miséria. Para conter a proliferação de uma sociedade

profundamente desigual, prega um ideal democrático, rejeitando o estado históri-

co, construído desde tempos imemoriais, ao qual atribui a culpa pela desigualdade

dos homens.

Disseminador de ideais de coletividade e de cooperação, Rousseau propõe

a composição de um novo Estado, não-tirano, opressor e fonte de desigualdades,

mas de um organismo protetor, socialmente justo, sem privilégios e que tenha no

povo a fonte de todo e qualquer poder. No fundo, a função deste novo Estado,

pautado pela justiça e pelos direitos de todos os homens, era alcançar algo próxi-

mo da perfeição e da igualdade.

Rousseau conecta, portanto, a formação da liberdade do cidadão à sobe-

rania popular. Há, portanto, uma possível aproximação entre o pensamento de Ro-

usseau e o de Maquiavel, na medida em que ambos procuram afirmar a necessi-

dade de legitimação do poder. Na visão de Rousseau, o homem não é um ser na-

turalmente sociável, mas socializável pelas circunstâncias e pela luta para sobrevi-

ver.

Em “Discurso da origem da desigualdade entre os homens”, o autor argu-

menta que os direitos se formam a partir de um contrato de submissão dos homens

a um poder. Nessa linha, ataca a noção de direitos naturais precedente, afirmando

a necessidade de pactuação do corpo político para a afirmação das liberdades.

Nesse sentido, sua obra trata da problemática do “contrato social”, associada à

ideia de república e de igualdade entre os homens. Para Rousseau, a cidadania

pressupõe a existência de simetria e de uma “vontade geral” entre os cidadãos,

valorizando, dessa forma, o controle democrático e a prestação de contas. A

noção contemporânea de cidadania, em um contexto democrático, se valeu do

debate de ideias durante a formação histórica das instituições republicanas dos

Estados Unidos da América. Texto clássico da Ciência Política, ‘O Federalista” (1788)

consagrou-se como um conjunto de artigos escritos por Alexander Hamilton, James

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35

Madison e John Jay, três dos Pais Fundadores da recém independente nação norte-

americana.

Além de consagrados partícipes do processo de emancipação política do

país, Hamilton, Madison e Jay tiveram atuação destacada no processo de elabora-

ção do texto constitucional dos Estados Unidos, no bojo da conclusão da Guerra da

Independência e dos arranjos para a estabilização política interna. O objetivo da

publicação desses artigos foi explicitar e debater os temas centrais discutidos no

processo constituinte, em especial a centralização, a coordenação e o controle do

poder.

James Madison, em “O Federalista”, aborda a temática do controle do po-

der político e da contenção das ambições humanas. Advoga, nessa direção, a ne-

cessidade de instituir mecanismos capazes de afastar as tiranias e assegurar a exis-

tência das liberdades dentro do Estado, tornando-se um dos principais teóricos da

existência de “checks and balances” (freios e contrapesos) entre as diversas instân-

cias e poderes. A teoria liberal da cidadania nutriu-se das lições de Montesquieu e

da seiva madisoniana para consolidar o entendimento que consagrou a moderna

tripartição de poderes do Estado.

Em breves palavras, somente o poder poderia ser contido por outro poder,

numa sucessão de mecanismos capazes de refrear o ímpeto autoritário dos gover-

nantes. Madison dialoga com a teoria do “governo misto”, existente na Inglaterra

liberal do século XVIII, em que as funções governativas eram compartilhadas pelos

três principais grupos sociais, favorecendo a harmonia, a convivência civil e a liber-

dade.

Fruto de uma rebelião de cidadãos armados contra uma monarquia, nos Es-

tados Unidos estavam ausentes as condições para a existência desse modelo de

organização social e política. Madison argumentava que o elemento inspirador da

nova nação também não deveria ser a “virtude” das experiências republicanas da

Antiguidade Clássica. Contrariamente ao “governo misto” e à “virtude” dos clássi-

cos da Grécia, ancorava-se na teoria da “tripartição de poderes” de Montesquieu,

que defendia uma divisão das atribuições do poder de maneira horizontal entre três

braços independentes e autônomos de governo: o Legislativo, responsável pela

edição de normas; o Executivo, responsável pela sua aplicação; e o Judiciário, res-

ponsável por dirimir conflitos.

A separação de poderes garantiria a autonomia, o equilíbrio e a liberdade,

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36

dissolvendo o poder absoluto em várias mãos. Madison preconizava a necessidade

de se conter o mal das facções através do seu controle, não da sua eliminação.

Compreendendo a sua natureza e risco, o autor buscava alguma forma de lidar

com as diferentes forças sociais e políticas nascidas da diversidade de ideias, cren-

ças, opiniões e interesses, mas que poderiam ameaçar a estabilidade política dos

governos e a existência dos regimes.

Madison entendia que a eliminação das fações era algo incompatível com

um sistema de liberdades, cuja missão principal do governo era salvaguardar. Um

ponto central da visão madisoniana, nesse sentido, era a necessidade de equacio-

nar a vontade da maioria com os direitos das facções minoritárias, evitando que a

primeira esmagasse as segundas. A existência de mecanismos de proteção das mi-

norias do abuso de poder era essencial para evitar a tirania.

James Madison rompe com a tradição dos governos populares da Antigui-

dade ao defender o modelo de democracia representativa, em que as facções

estariam representadas por um corpo político de cidadãos preparados para gover-

nar. A ampliação da base territorial de governo também seria importante. Por outro

lado, a existência de governos representativos não eliminaria o mal das facções,

tendo em vista a existência do risco de degeneração do poder em armadilhas fac-

cionárias capazes de levar à captura do governo por interesses contrários à vonta-

de geral.

Desta forma, o remédio proposto não é a eliminação das facções, mas a sua

multiplicação, de modo a pulverizar o poder num grande número de forças faccio-

sas de alcance local e limitado, cada uma delas incapaz de ameaçar a existência

da liberdade. O objetivo é a neutralização das facções entre si, numa fórmula se-

melhante à teoria dos “checks and balances”. O interesse geral, resume Madison,

se alcançaria através da coordenação dos interesses em conflito pelos poderes

que interagem entre si, filtrando os excessos e compatibilizando a vontade da maio-

ria com os direitos das minorias. A atualidade dos textos dos autores norte-

americanos repousa em sua capacidade de pensar temas fundamentais da socie-

dade política moderna.

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37

3.2 CIDADANIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O conceito de cidadania não teve difusão uniforme no Ocidente. No ideário

iluminista, ser cidadão significava ter a posse de direitos políticos uniformes e iguais.

A ideia era a de que todos eram iguais perante a lei. Na concepção do universa-

lismo moderno, existe a ideia de igualdade como um ponto de partida. O papel do

Estado é reduzido; ele confere a cidadania e define os direitos em abstrato. A Revo-

lução Francesa trouxe como conquista a Declaração de Direitos do Homem e do

Cidadão. Nessa concepção, o Estado não atrapalha as relações entre os particula-

res.

O Estado reconhece os direitos individuais, mas adota um papel de definir o

que é o espaço da liberdade. O Estado reconhece o direito e se abstém de interfe-

rir nisso. Atribui direitos ao indivíduo e isso tem impactos sobre a concepção de ci-

dadania. No discurso liberal, há uma igualdade formal. Por exemplo, o voto de ca-

da cidadão tem o mesmo valor, independentemente de sua condição social ou

financeira.

Na concepção liberal de cidadania está presente a ideia da representativi-

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dade. O indivíduo pertence a uma ordem soberana e é esta ordem que o reco-

nhece como cidadão. Essa concepção é orientada por critérios político-jurídicos

constitucionalizados. No Direito contemporâneo, encontraremos concepções que

afirmam essa ideia, que é moderna.

Nesse sentido, cidadão é aquele que é capaz de votar ou que está habilita-

do para receber votos. Votar e ser votado é o que define a condição de cidadão.

No entanto, seria essa concepção é suficiente para a realização do ideário demo-

crático? Seria que é suficiente para atender às demandas sociais?

A concepção moderna de cidadania se baseia em valores do ideário ilumi-

nista. Em primeiro lugar, não considera as diferenças concretas entre as pessoas.

Assim, seria suficiente o afastamento do Estado para que sejam realizados os valores

sociais. Em segundo lugar, não considera as oposições existentes dentro da própria

sociedade. Bastaria a igualdade de fato, sem considerações sobre as desigualda-

des de fato que existem nas ruas.

Na concepção tradicional de cidadania, o Estado concentra em si o poder

da violência legitimada. Os indivíduos, por sua vez, têm uma participação política

periférica. Onde está presente o Estado, não haveria espaço para o indivíduo. A

participação política, nessa concepção liberal, seria restrita a ocasiões determina-

das nas quais o cidadão é chamado a votar. A realização da cidadania, portanto,

dependeria de formalismos e burocracias e há um espaço muito pequeno para

participação. Do mesmo modo, é o Estado quem definiria os direitos do cidadão,

numa relação hierárquica entre quem dita as regras e quem obedece.

Essa visão vem sendo solapada por uma série de ineficácias e déficits de

atuação do Estado de Direito. Em seu lugar, tem-se construído uma nova concep-

ção de cidadania, com atuação proativa na construção dos espaços sociais. A

cidadania, nessa concepção, pertenceria à sociedade civil e seria exercida como

atividade realizadora de mecanismos que permitissem o acesso a direitos funda-

mentais. Há a ideia de efetividade de poucos bens ao invés da universalidade de

muitos direitos. O que se valoriza é a experiência pragmática de justiça, provida

não apenas pelo Estado, mas por organizações do Terceiro Setor.

Diante da incapacidade do Estado de atendar às necessidades sociais, os

atores sociais exerceriam papel auxiliar no provimento de bens públicos. A nova

ideia social rompe o verticalismo do poder. Há um horizontalismo no qual a socie-

dade assume o papel do Estado nas políticas sociais.

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A noção de cidadania não se baseia mais em parâmetros formais da teoria

tradicional. Cidadania, hoje, tem um sentido ético-filosófico de acesso à dignidade

da pessoa humana. O Estado não é suficiente como agente produtor de justiça e

como promotor do bem-estar social. Em um contexto de esvaziamento do papel

agregador do estado, são necessários outros agentes na afirmação da cidadania e

na garantia de acesso a condições dignas de vida.

Apesar dos padrões cada vez mais individualistas de comportamento moral,

responsável por certa apatia global diante das injustiças, da miséria e da guerra, há

reações importantes em curso no sentido de ampliar o engajamento e a participa-

ção da sociedade na vida pública.

A democracia é o espaço privilegiado de exercício da cidadania. Administra

os interesses gerais da coletividade e aperfeiçoa a racionalidade pública. Essa pro-

blemática constitui fonte de preocupação para filósofos, antropólogos, cientistas

políticos, sociólogos e estudantes de todas as áreas.

O atual estágio de evolução humana consegue avançar, pela emergente

engenharia genética, até mesmo na manipulação dos caracteres hereditários da

constituição da espécie. Há enorme risco de que se introduzam na natureza huma-

na, modificações que suprimam ou significativamente reduzam as suas característi-

cas transcendentes, criando condições para que se perpetue esse intransitivo con-

sumismo tecnológico de um novo tipo humano, cuja descartabilidade passe a fazer

parte de sua natureza.

3.3 A CIDADANIA NO MUNDO GLOBALIZADO

A ideia de cooperação norteia a nova sociedade global. A busca da resolu-

ção de problemas comuns da humanidade induz as nações a ampliar o comparti-

lhamento de informações e a procurar caminhos para a superação de flagelos

comuns como a fome, as guerras, a pobreza e a miséria.

Essa interdependência entre Estados nacionais também trouxe novos desafi-

os para a sociedade civil em âmbito internacional. Com a diluição da soberania e

a interconexão entre as economias, os Estados perderam o monopólio do seu po-

der de balizar a vida política e econômica. Nesse sentido, amplia-se, cada vez

mais, o espaço de ação dos cidadãos na esfera pública para expressar suas ideias

e seus interesses, intercambiando informações e buscando alcançar objetivos co-

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muns.

O crescimento das Organizações Não-Governamentais, em escala mundial,

é uma expressão dessa abertura do espaço público para novos atores não estatais.

Cada vez mais, eles desempenham papéis relevantes nas sociedades, interferindo

na política e na economia de diversas formas. A globalização econômica e a revo-

lução tecnológica fortaleceram o papel dessas instituições nas mais variadas searas

da vida das nações.

O contato cada vez mais estreito entre cidadãos de várias nacionalidades e

a coincidência de interesses entre povos que vivem em espaços políticos distintos,

pavimenta o caminho para o surgimento de uma verdadeira sociedade global e

de uma autêntica cidadania mundial. Portanto, hoje já se pode falar no surgimento

de um sentimento cidadão em escala planetária, alavancado pelas novas tecno-

logias, pelas ferramentas de comunicação, pelas redes sociais e pelo poder cada

vez maior das organizações não-governamentais.

O surgimento de uma governança global também impacta na formação do

sentimento de cidadania. Organizações não-governamentais, mais do que os Esta-

dos e as empresas, conseguem mobilizar os cidadãos em defesa dos interesses de

certas pautas políticas, econômicas e sociais: o meio ambiente, os direitos humanos,

o desarmamento, o comércio justo, o respeito aos animais, a defesa de minorias

etc.

Essas organizações influenciam não apenas as pautas políticas nacionais,

mas também na agenda das organizações internacionais. Um exemplo dessa parti-

cipação da sociedade civil tem sido observado nas conferências internacionais so-

bre ambiente e sustentabilidade, como a Rio-92, a Rio +20 e a Conferência de Paris,

nas quais o envolvimento de grupos de ambientalistas, empresários, trabalhadores,

acadêmicos e cientistas tem sido cada vez maior. Pautas como meio ambiente e

direitos humanos atravessam as fronteiras e aproximam os cidadãos. São temas que

possuem uma dimensão local, mas também global, gerando a mobilização da ci-

dadania.

Como lidar com os desafios da cidadania global sem instituições adequadas

para balizá-los? A cidadania nasceu como um conceito inerente à ordem interna

dos Estados, mas se torna cada vez mais atrelado a uma perspectiva global. A for-

mação de uma opinião pública mundial interconectada com os desafios do pre-

sente traz grandes dilemas para a democracia e para a governabilidade contem-

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porâneas.

A fraqueza dos mecanismos decisórios e a ausência de espaços para a atu-

ação da sociedade civil organizada é um problema. Inexiste, por exemplo, um par-

lamento mundial que vocalize as vozes dos cidadãos do mundo. Da mesma forma,

não há um poder mundial capaz de implementar decisões coletivas de forma coe-

sa e organizada no espaço terrestre. A diluição da soberania dos Estados e o enfra-

quecimento do poder das instituições nacionais, ao mesmo tempo em que abre

espaço para a atuação da sociedade civil, não traz soluções para os novos para-

digmas da sociedade internacional.

Nesse sentido, surge a necessidade de institucionalização da cidadania e de

buscar soluções políticas para lidar com os desafios da globalização econômica e

da revolução tecnológica. O sistema de governança global se torna cada vez mais

complexo: Estados nacionais, organizações governamentais, empresas transnacio-

nais, organizações não-governamentais, imprensa, indivíduos etc. Há uma plurali-

dade cada vez de instituições que interagem em escala planetária e que interfe-

rem na formação de uma cidadania mundial.

Buscando superar os paradigmas tradicionais de funcionamento dos Estados

nacionais, as organizações supranacionais desenvolveram mecanismos institucio-

nais de governança regional, como parlamentos e tribunais, de modo a abrigar a

vontade dos cidadãos numa escala territorial maior.

O problema central da governabilidade em escala mundial é o da legitimi-

dade das instituições. A ideia de legitimidade se relaciona com a noção de repre-

sentação do poder, de defesa dos direitos fundamentais e de segurança jurídica.

Em outras palavras, a justificação do poder se baseava na capacidade do Estado

de assegurar segurança, justiça, ordem, paz e liberdade para que os cidadãos bus-

cassem viver suas vidas.

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Em um mundo cada vez mais marcado pela produção de riqueza em escala

gigantesca e de intensos fluxos financeiros, os Estados nacionais perderam a capa-

cidade de assegurar desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais

e promover o bem-estar coletivo. A intensificação da globalização deu ênfase aos

processos de integração econômica e política, mas não avançou adequadamente

no que diz respeito à ampliação dos espaços de participação democrática em

escala mundial.

Os Estados nacionais, portanto, não são mais capazes de assegurar a cida-

dania em escala global. Com a globalização e o aumento da interdependência, o

cumprimento de suas funções tradicionais - garantir a paz, a segurança, a liberda-

de e o bem-estar – tem sido cada vez mais delegada e compartilhada por institui-

ções intergovernamentais e supranacionais. Com a ampliação das assimetrias entre

as nações desenvolvidas e em desenvolvimento, é preciso cada vez mais pensar

em mecanismos de redução das desigualdades socioeconômicas, base do exercí-

cio da cidadania.

A globalização trouxe prosperidade, mas não oportunidades iguais para to-

dos. Ampliou a escala dos avanços tecnológicos, da integração regional e da pro-

dução de bens e serviços, mas não equalizou o acesso a eles. A ideia da democra-

tização dos espaços globais de poder permanece ainda muito distante. Somente

os Estados nacionais foram capazes, até hoje, de colocar em prática sistemas de

governança democráticos.

Embora busquem ampliar os espaços de poder para a sociedade civil global,

as instituições internacionais ainda não conseguiram reproduzir, em escala global,

os procedimentos institucionalizados que os Estados nacionais forjaram ao longo da

governa mundial, como os chefes de Estado, as Organizações Não Governamentais, os

empresários, os proprietários dos veículos de comunicação e os próprios cidadãos. A

ideia de governabilidade mundial passa pelo problema da legitimação das instituições

internacionais e pelos conflitos da soberania nacional. Situações delicadas podem surgir

nesse contexto. Um tribunal ou um parlamento mundial poderia interferir em questões,

por exemplo, políticas de um determinado país? Como ficaria a soberania nacional?

Tais instâncias governamentais internacionais, poderiam num futuro próximo, estabele-

cer uma nova configuração de cidadania que contemple todos os habitantes do pla-

neta de forma igualitária?

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História. Dessa forma, mesmo diante de um processo de globalização da cidadania,

os Estados ainda permanecem como instâncias de intermediação entre o interno e

o externo, entre o nacional e o internacional.

Não se pode desprezar, ademais, o seu papel de conferir legitimidade aos

mecanismos de governabilidade global. Como são responsáveis por administrar o

território e a população dos Estados, suas funções clássicas ainda permanecem.

Nessa direção, aos Estados cabe assegurar que a pluralidade, a diversidade e a

responsabilidade estejam presentes na governança global.

A cidadania não se limita mais aos Estados, mas ainda depende deles. So-

mente a legitimidade e a representatividade conferida por suas instituições garan-

tem que os cidadãos possam participar ativamente da esfera pública. Os Estados,

quando dotados de mecanismos de governança democrática, ampliam as possibi-

lidades de controle das sociedades sobre o seu destino.

Eles são, portanto, expressões políticas ainda relevantes para a viabilização

do exercício da cidadania. Sem Estado, não há garantia de direitos. E sem direitos,

não há capacidade de exercício da cidadania. Não existe, no horizonte histórico

do século XXI, a possibilidade de se pensar em mundo sem Estados e no qual os ci-

dadãos possam exercer uma cidadania global independente das lealdades nacio-

nais.

A ascensão dos indivíduos como atores globais e no exercício de uma cida-

dania global é um fenômeno novo. Os indivíduos, contudo, não existem por si mes-

mos, independentes de uma comunidade política mundial ou de várias comunida-

des políticas nacionais. Em última instância, os Estados só existem, como instituições

políticas, para proteger os indivíduos que nele habitam. Portanto, são eles a base

da autoridade estatal.

A própria ampliação das salvaguardas aos direitos fundamentais dos indiví-

duos cria as bases para a erosão posterior da autoridade do Estado. Aos indivíduos

caberia, assim, não apenas exercer seus direitos e deveres no âmbito interno, mas

fiscalizar os Estados em suas relações exteriores. A cidadania, nesse sentido, é o es-

paço por excelência do exercício do poder do indivíduo em face do Estado ou dos

Estados.

A existência de uma comunidade internacional reforça a ideia de uma ci-

dadania global. Comunidades pressupõem não apenas uma coletividade, mas o

compartilhamento de ideias e de valores acerca do funcionamento da sociedade.

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A comunidade se baseia na busca de uma identidade comum e da coincidência

de visões de mundo sobre a organização do espaço global. O ideal de uma socie-

dade cosmopolita, na qual os Estados perdem a sua razão de ser, permanece utó-

pica e distante.

Embora os direitos humanos tenham se tornado um tema cada vez mais cen-

tral para a comunidade internacional de Estados, ainda há muito o que caminhar

para que haja o reconhecimento do ser humano como o começo e o fim de todas

as ações políticas nacionais e internacionais. Ou seja, a busca da salvaguarda da

vida humana, em todas as suas esferas, e dos meios de defender a liberdade, a

igualdade e a fraternidade dos indivíduos permanece como um objetivo ideal de

uma cidadania planetária.

Matias (2014) argumenta que a comunidade global permanece como um

objetivo possível no mundo contemporâneo, graças à globalização, à revolução

tecnológica e aos fenômenos da integração econômica e política. A existência de

ameaças globais à humanidade, como as mudanças climáticas, o terrorismo, as

doenças e a miséria também constituem, na visão do autor, um poderoso instru-

mento de coesão mundial para turbinar uma cidadania planetária.

A viabilidade dessa cidadania, no entanto, depende da existência de insti-

tuições e de espaços de poder compartilhados. A criação de uma sociedade civil

global, nesse contexto, fortalece esse ideal comunitário e direciona a humanidade

para o reconhecimento das ameaças e dos interesses comuns (MATIAS, 2014).

Quanto mais fortes, organizadas e legítimas forem essas instituições, mas força terão

no mundo contemporâneo. A forma mais adequada de balizar expectativas e de

encontrar soluções comuns para os problemas da humanidade é tornar a cidada-

nia cada vez mais forte e institucionalizada.

Diante da ausência de instituições verdadeiramente representativas e de-

mocráticas em âmbito mundial, os Estados ainda são chamados a atuar como pon-

tes entre o local e o global no exercício de uma cidadania global. Na visão de Ma-

tias, “[...] se uma comunidade global vier um dia existir, ela deve ser acompanhada

de instituições democráticas e do respeito à pluralidade, para assegurar a legitimi-

dade de seu poder” (MATIAS, 2014, p. 519).

Dessa forma, somente quando as instituições globais forem capazes de asse-

gurar, com a mesma eficiência dos Estados, os direitos e as garantias fundamentais

dos indivíduos, é que se poderá pensar numa esfera cidadã verdadeiramente glo-

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bal, legítima, plural, representativa e democrática.

Dicotomia: divisão em dois termos.

Processo constituinte: redação de uma constituição.

Tirania: governo em que a força prevalece sobre o dieito.

Salvaguardar: garantir, proteger, afastar o perigo.

Degeneração: piora do estado inicial, perda das características e propriedades.

Faccionárias: está ligado às facções, ou seja, aos grupos de indivíduos unidos por uma

mesma causa ou luta.

Formalismo: rigoroso, metódico, regrado.

Caracteres: modo de cada indivíduo agir e reagir; personalidade, aspecto individual.

Hereditários: recepção e doação por sucessão.

Intransitivo: aquilo que não pode ser transmitido ou repassado para o outro.

Interconexão: relação entre várias coisas, vários sistemas ou várias ideias.

Balizar: guiar, orientar.

Governança: ato de governo, governar.

Decisórios: tomada de decisões.

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem/2017) O conceito de democracia, no pensamento de Habermas, é cons-

truído a partir de uma dimensão procedimental, calcada no discurso e na delibe-

ração. A legitimidade democrática exige que o processo de tomada de deci-

sões políticas ocorra a partir de uma ampla discussão pública, para somente en-

tão decidir. Assim, o caráter deliberativo corresponde a um processo coletivo de

ponderação e análise, permeado pelo discurso, que antecede a decisão.

VITALE, D. Jürgen Habermas, modernidade e democracia deliberativa. Cadernos do CRH (UFBA), v. 19, 2006 (adaptado).

O conceito de democracia proposto por Jürgen Habermas pode favorecer pro-

cessos de inclusão social. De acordo com o texto, é uma condição para que isso

aconteça o(a):

a) participação direta periódica do cidadão.

b) debate livre e racional entre cidadãos e Estado.

c) interlocução entre os poderes governamentais.

d) eleição de lideranças políticas com mandatos temporários.

e) controle do poder político por cidadãos mais esclarecidos.

2. (Enem/2016) A democracia deliberativa afirma que as partes do Conflito político

devem deliberar entre si e, por meio de argumentação razoável, tentar chegar a

um acordo sobre as políticas que seja satisfatório para todos. A democracia ati-

vista desconfia das exortações à deliberação por acreditar que, no mundo real

da política, onde as desigualdades estruturais influenciam procedimentos e resul-

tados, processos democráticos que parecem cumprir as normas de deliberação

geralmente tendem a beneficiar os agentes mais poderosos. Ela recomenda,

portanto, que aqueles que se preocupam com a promoção de mais justiça de-

vem realizar principalmente a atividade de oposição crítica, em vez de tentar

chegar a um acordo com quem sustenta estruturas de poder existentes ou delas

se beneficia.

YOUNG, I. M. Desafios ativistas à democracia deliberativa. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 13, jan-abr. 2014.

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As concepções de democracia deliberativa e de democracia ativista apresen-

tadas no texto tratam como imprescindíveis, respectivamente:

a) a decisão da maioria e a uniformização de direitos.

b) a organização de eleições e o movimento anarquista.

c) a obtenção do consenso e a mobilização das minorias.

d) a fragmentação da participação e a desobediência civil.

e) a imposição de resistência e o monitoramento da liberdade.

3. (Enem/2018). A tribo não possui um rei, mas um chefe que não é chefe de Esta-

do. O que significa isso? Simplesmente que o chefe não dispõe de nenhuma au-

toridade, de nenhum poder de coerção, de nenhum meio de dar uma ordem. O

chefe não é um comandante, as pessoas da tribo não têm nenhum dever de

obediência. O espaço da chefia não é o lugar do poder. Essencialmente encar-

regado de eliminar conflitos que podem surgir entre indivíduos, famílias e linha-

gens, o chefe só dispõe, para restabelecer a ordem e a concórdia, do prestígio

que lhe reconhece a sociedade. Mas evidentemente prestígio não significa po-

der, e os meios que o chefe detém para realizar sua tarefa de pacificador limi-

tam-se ao uso exclusivo da palavra.

CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1982 (adaptado).

O modelo político das sociedades discutidas no texto contrasta com o do Estado

liberal burguês porque se baseia em:

a) Imposição ideológica e normas hierárquicas.

b) Determinação divina e soberania monárquica.

c) Intervenção consensual e autonomia comunitária.

d) Mediação jurídica e regras contratualistas.

e) Gestão coletiva e obrigações tributárias.

4. (Enem/2016). Quanto mais complicada se tornou a produção industrial, mais nu-

merosos passaram a ser os elementos da indústria que exigiam garantia de for-

necimento. Três deles eram de importância fundamental: o trabalho, a terra e o

dinheiro. Numa sociedade comercial, esse fornecimento só poderia ser organiza-

do de uma forma: tornando-os disponíveis à compra. Agora eles tinham que ser

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organizados para a venda no mercado. Isso estava de acordo com a exigência

de um sistema de mercado. Sabemos que em um sistema como esse, os lucros só

podem ser assegurados se se garante a autorregulação por meios de mercados

competitivos interdependentes.

POLANYI, K. A grande transformação: As origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000 (Adaptado).

A consequência do processo de transformação socioeconômica abordada no

texto é a:

a) expansão das terras comunais.

b) limitação do mercado como meio de especulação.

c) consolidação da força de trabalho como mercadoria.

d) diminuição do comércio como efeito da industrialização.

e) adequação do dinheiro como elemento padrão das transações.

5. (Enem/2016). Hoje, a indústria cultural assumiu a herança civilizatória da demo-

cracia de pioneiros e empresários, que tampouco desenvolvera uma fineza de

sentido para os desvios espirituais. Todos são livres para dançar e para se divertir,

do mesmo modo que, desde a neutralização histórica da religião, são livres para

entrar em qualquer uma das inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha da ide-

ologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores

como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa.

ADORNO, T HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

A liberdade de escolha na civilização ocidental, de acordo com a análise do

texto, é um(a):

a) legado social.

b) patrimônio político.

c) produto da moralidade.

d) conquista da humanidade.

e) ilusão da contemporaneidade.

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6. (FCC, 2018, adaptada). No que concerne à relação entre Direito e Estado, tal

como a tematiza Hans Kelsen, é correto afirmar que o Estado:

a) é uma ordem jurídica relativamente centralizada.

b) é uma entidade metajurídica que precede a criação do Direito.

c) considerado democrático, e somente este, é legítimo para produzir normas jurídi-

cas, pois reflete a justiça.

d) é um grupo de pessoas unidas para a consecução de interesses comuns, e o Di-

reito é um corpo normativo que reflete a moral do povo.

e) e Direito são duas coisas completamente distintas e não necessariamente relaci-

onadas.

7. (ENEM/2019)

TEXTO I

Os segredos da natureza se revelam mais sob a tortura dos experimentos do que

no seu curso natural.

BACON, F. Novum Organum, 1620. In: HADOT, P. O véu de Ísis: ensaio sobre a história da ideia de natureza. São Paulo: Loyola, 2006.

TEXTO II

O ser humano, totalmente desintegrado do todo, não percebe mais as relações

de equilíbrio da natureza. Age de forma totalmente desarmônica sobre o ambi-

ente, causando grandes desequilíbrios ambientais.

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. Campinas: Papirus, 1995.

Os textos indicam uma relação da sociedade diante da natureza caracterizada

pela:

a) objetificação do espaço físico.

b) retomada do modelo criacionista.

c) recuperação do legado ancestral.

d) infalibilidade do método científico.

e) formação da cosmovisão holística.

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50

8. (ENEM/2019) O cristianismo incorporou antigas práticas relativas ao fogo para

criar uma festa sincrética. A igreja retomou a distância de seis meses entre os

nascimentos de Jesus Cristo e João Batista e instituiu a data de comemoração a

este último de tal maneira que as festas do solstício de verão europeu com suas

tradicionais fogueiras se tornaram “fogueiras de São João”. A festa do fogo e da

luz no entanto não foi imediatamente associada a São João Batista. Na Baixa

Idade Média, algumas práticas tradicionais da festa (como banhos, danças e

cantos) foram perseguidas por monges e bispos. A partir do Concílio de Trento

(1545-1563), a Igreja resolveu adotar celebrações em torno do fogo e associá-las

à doutrina cristã.

CHIANCA, L. Devoção e diversão: expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista Anthropológica, n. 18, 2007 (adaptado).

Com o objetivo de se fortalecer, a instituição mencionada no texto adotou as

práticas descritas, que consistem em:

a) promoção de atos ecumênicos.

b) fomento de orientações bíblicas.

c) apropriação de cerimônias seculares.

d) retomada de ensinamentos apostólicos.

e) ressignificação de rituais fundamentalistas.

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51

CIDADANIA NO BRASIL

“Um povo que não conhece seu passado não enxerga o futuro” Edmund Burke

4.1 A AFIRMAÇÃO DA IDEIA DE CIDADANIA NO BRASIL

Como surgiu a noção de cidadania no Brasil? Por um longo período, as elites

brasileiras pensaram o Brasil como um “país sem povo”, ideia que remonta à coloni-

zação, entre os séculos XVI e XVIII, e perpassa os processos de independência e de

construção do Estado, no século XIX. Após três séculos de colonização, e quase um

século de sistema monárquico centralizado (se consideramos também o período de

presença da Corte portuguesa no Rio de Janeiro) e meio século de um sistema polí-

tico controlado pelas elites agrárias, o Estado nacional começa a se transformar, na

esteira da industrialização, da modernização e da urbanização do país.

A história da cidadania no Brasil é indissociável da sua formação social e polí-

tica. O pensamento político brasileiro, em seus primeiros anos, se assenta numa

concepção próxima a medieval da vida social, mesclando aspectos sociais,

econômicos e políticos. A “missão evangelizadora” da Coroa Portuguesa no pro-

cesso de cristianização dos índios e de colonização do Brasil seria objeto de refle-

xões de intelectuais jesuítas, como o Padre Antônio Vieira.

O pensamento político brasileiro, nessa direção, não nasce das reflexões de

Maquiavel acerca da separação entre política e religião, no século XVI, ou de John

Locke sobre a afirmação dos direitos individuais, no século XVII, mas do embate

entre o frágil Renascimento português e o medievalismo ibérico, no século XV, que

se prolongou, pelo menos, até o século XVIII. Tendo em vista o atraso de Portugal na

absorção das ideias modernizantes europeias, a ressonância do debate entre a se-

cularização da política e as tradições medievais religiosas também aportou tardia-

mente no Brasil.

O pensamento político moderno é fruto do debate que surgiu a partir do

pensamento renascentista italiano que tratava acerca da dissociação entre políti-

UNIDADE

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52

ca e religião, base das ideias de Maquiavel sobre o Estado moderno. O citado pen-

sador Maquiavel elabora a ideia do Estado como um ente político permanente e

autônomo, independente da pessoa do monarca. O fato de a obra “O Príncipe”,

considerada um dos marcos fundadores da Ciência Política, e pelo fato de só ter

sido traduzida para o português nos anos em que o Marquês de Pombal (1699-1792)

esteve à frente dos negócios do Reino português, numa era de grandes reformas

administrativas e de arejamento intelectual em Portugal, demonstra essa tardia in-

serção portuguesa no pensamento ocidental moderno. Ok. Mas faltou um com-

plemento para explicar esta sentença, ficou solto.

Enquanto na Europa, o pensamento renascentista certa a reflexão política e

tinha como ponto fulcral e a distinção entre as várias esferas sociais, no Brasil essa

autonomização não se deu não se deu como????. Portugal e Espanha permane-

ceram à margem da tendência de revisão de conceitos medievais que fundamen-

tavam a autoridade e a obediência ao estado, a igreja, a monarquia?. A crescente

separação entre Igreja e Estado, o fortalecimento das liberdades individuais e a

contenção do poder absolutista prosperaram em regiões da Itália, França, Holanda

e Alemanha, Inglaterra, com profundo impacto nas ideias políticas.

Ao passo que nas colônias de povoamento inglesas na América do Norte re-

ceberam as influências do pensamento político moderno e reformado, gênese das

reflexões que levaram à fundação da democracia norte-americana, a realidade

política da América ibérica se moldou ao embate tardio entre o medievalismo e a

modernidade que transcorria nas respectivas metrópoles (WEFFORT, 2011). Fruto

desse contencioso entre as tradições e a modernidade em Portugal ao longo de

três séculos, o Brasil-Colônia permaneceu distante do Iluminismo europeu até as úl-

timas décadas século XVIII. É interessante ressaltar que A importação de obras da

cultura erudita francesa e inglesa por membros da elite intelectual e religiosa aju-

dou a disseminar as ideias e os valores liberais na sociedade colonial, impulsionando

episódios como a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana.

Essa importação de ideias e instituições europeias da França e Inglaterra teve

continuidade nos séculos XIX e XX, mesclando-se com as tradições iberistas. Durante

a maior parte do século XIX, o pensamento político produzido pelas elites brasileiras

correspondia às aspirações elementares de um país recém independente em bus-

ca de modelos de organização social, moral, política, jurídica e institucional.

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A tarefa da construção de um Estado nacional se iniciou com a transferência

da Corte de D. João VI e do aparato administrativo metropolitano para o Rio de

Janeiro. A separação política de Portugal acelera a construção de um Estado ca-

paz de controlar e dominar o amplo território, dadas as ameaças constantes de

rebeliões e movimentos separatistas tais como..... Os temas da abolição da escravi-

dão e da representação política moveram as preocupações de José Bonifácio (po-

lítico, ator, pensador... quem foi José Bonifácio? como homem de Estado.

Figura 1: Marques de Pombal, Claude Joseph Vernet (1766)

Imagem disponível em: https://cutt.ly/xkb17S7. Acesso em 13 fev. 2021.

No link acima, você pode conhecer um pouco mais da história do homem que moderni-

zou o Estado português e foi chamado por de impiedoso por muitas pessoas de sua

época.

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54

A cidadania, nesse contexto, estava restrita a uma pequena parcela da po-

pulação brasileira que possuía condições econômicas de participar da vida política

a parte da cidadania não ficou claro. O pensamento político do Primeiro Reinado

(1822-1931), da Regência (1831-1840) e do Segundo Reinado (1840-1889) foi marca-

do pela convivência entre conservadorismo e liberalismo. Os liberais, de um lado,

buscavam uma inspiração em ideias cosmopolitas, universalistas e moralistas. Os

conservadores, de outro, se embasavam numa leitura realista e pragmática dos

fatos, orientados pela prudência, moderação e experiência. José Bonifácio simboli-

zava os compromissos liberais do processo de Independência, marcado pelas con-

tradições de uma sociedade escravocrata e conservadora.

Durante todo o século XIX, a cidadania esteve restrita a uma elite de brasilei-

ros. A Constituição Política de 1824 estabelecia requisitos de renda (voto censitário)

para que os brasileiros pudessem exercer o direito ao voto e se candidatar a cargos

públicos. Esse critério econômico excluiu grande parte da população do processo

de escolha de representantes nas instituições políticas do Império. Sendo assim, a

vida política brasileira era conduzida por uma elite letrada diminuta, concentrada

na Corte e nas capitais das províncias, sendo a maior parte do povo excluído de

qualquer possibilidade de participar do processo político.

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55

4.2 A CIDADANIA NA REPÚBLICA

O advento da República, em 1889, não modificou esse quadro. A substitui-

ção da Monarquia pelo novo regime não alterou as bases oligárquicas do Estado

brasileiro. A vida política nacional prosseguiu controlada por uma oligarquia rural de

fazendeiros de café e o acesso à cidadania continuou restrito a uma parcela pe-

quena de brasileiros. Se o pensamento político do Império gestaria os dois caminhos

antagônicos para o alcance da modernidade política no Brasil, os pensadores

“autoritários” da década de 1930 dariam continuidade à linhagem conservadora,

reconhecendo o imperativo de um Estado material e simbolicamente forte para

asseugurar o desenvolvimento nacional segundo os cânones do capitalismo

moderno.

A Revolução de 1930 trouxe à tona as reinvindicações dos tenentes acerca

de um Estado forte e centralizado. A falta de transparência do sistema político e

eleitoral brasileiro era apontada como uma das causas do atraso brasileiro. As

eleições eram apontadas como fraudulentas e as elites rurais eram vistas como

sinônimo da manutençao de um sistema oligárquico que mantinha o país atrelado

ao coronelismo. Nas décadas de 1920 a 1940, houve uma proliferação de estudos

que buscavam analisar a formação do país e as suas transformações, numa inter-

pretação global da história e da sociedade brasileiras (Weffort, 2011: 256-57). Em na

obra “Raízes do Brasil” (1936), o historiador, professor, médico??? Sérgio Buarque de

Holanda trata do distanciamento entre as instituições e a estrutura social ao longo

da formação do país. Ao analisar o período colonial, o Império e a Primeira Repúbli-

ca, o ensaísta argumenta que a democracia e as ideias liberais não se naturaliza-

ram em nossa terra, deformadas pelos caudilhismos locais e por uma cultura política

personalista.

A emergência de uma sociedade industrial e urbana, que surge a partir da

Revolução de 1930, deixará em evidência o surgimento de camadas médias, num

processo de modernização pelo alto, controlado pelo Estado. A chamada “ques-

tão nacional” emerge com grande força num momento internacional de expansão

dos imperialismos. Sob os efeitos da crise de 1929 e do colapso do sistema econô-

mico agrário-exportador, base do sistema político liberal das oligarquias agrárias, a

Revolução de 1930 estabeleceu os fundamentos de um país industrial e urbano. As

ideias alcançam um nível elevado de relevância para a ação política na segunda

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56

metade da década de 1940 e começo da década de 1950.

O debate entre liberalismo e nacionalismo, com diversas variações de mati-

zes, influenciou tanto o mundo intelectual quanto o da prática política dentro das

instituições do Estado. Diversos alinhamentos, composições, rupturas e radicaliza-

ções entre pensadores e políticos marcariam essa disputa entre caminhos para o

Brasil.

Com a democratização do país em 1945, após a queda do regime ditatorial

do Estado Novo, novas perspectivas se abriram para o desenvolvimento da cida-

dania política no Brasil. O sufrágio foi ampliado e surgiram novos partidos políticos.

No debate ideológico dos anos 1950 e 1960 girava em torno de questões como ur-

banização, desenvolvimento, nacionalismo e ação do Estado para impulsionar o

desenvolvimento (WEFFORT, 2011). As massas urbanas foram incorporadas ao siste-

ma político por meio do surgimento de partidos com base sindical e popular, como

o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Sob a vigência da República de 1946, a democracia brasileira adquiriu um

grau mais elevado de institucionalização, com eleições periódicas e a alternância

de poder. No entanto, o período também foi marcado pela instabilidade política,

com o suicídio de um chefe de Estado (Getúlio Vargas), a renúncia de outro (Jânio

Quadros) e um golpe militar, em 1964. Nesse sentido, a democracia brasileira não

pode se enraizar nesse curto período, interrompida por uma segunda ditadura. Esse

período de exceção sabotou o desenvolvimento de um sentimento de cidadania.

Contudo, O Regime Militar (1964-1985), imaginado inicialmente como provisó-

rio para “arrumar a casa”, golpeou a elite civil e os partidos políticos, consolidando

um regime autoritário que durou vinte e um anos (WEFFORT, 2011). Dando

continuidade ao projeto conservador e autoritário, nos moldes do Estado, integrou o

país, mas ao custo das liberdades democráticas e do aumento das desigualdades

sociais.

Houve alguns avanços no que toca à modernização econômica e à

ampliação do mercado interno. No entanto, a falta de eleições períodicas para

presidente da República, a intervenção nos partidos políticos, a repressão política e

a perseguição às oposições impediram que a democracia brasileira funcionasse

normalmente. Sem dúvida foi um período de retrocessos para o desenvolvimento

das instituições e para o aprendizado democrático. A cidadania, em síntese,

permaneceu refém do autoritarismo, com a interdição do debate de ideais, do

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57

exercício dos direitos fundamentais e da contestação do regime.

4.3 A CONSTITUIÇÃO-CIDADÃ

A sociedade brasileira demonstrou intensa maturidade e energia cívica ao

conduzir o reencontro do país com a democracia. Reconquistados os direitos civis e

políticos após a redemocratização, o povo brasileiro varreu o regime militar para o

entulho da história país com a volta das liberdades públicas e do regime democrá-

tico nos anos 1980. Os trabalhos da Constituinte de 88 refletiram a busca obstinada

desta sociedade por novos espaços de expressão e de defesa dos interesses coleti-

vos. Voltada à consecução de objetivos nacionais permanentes, a Constituição de

1988 é um dos textos mais avançados da história constitucional brasileira e latino-

americana. Por que?

O Povo elege representantes que, em Assembleia Nacional Constituinte, ela-

boram a Constituição e estabelecem regras para o funcionamento do Estado. A

Constituição é o documento político supremo de uma Nação. Contém a organiza-

ção dos elementos essenciais do Estado Nacional: a forma do Estado (República ou

Monarquia), o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo), o modo

como o poder é adquirido, o estabelecimento das instituições e os direitos funda-

mentais. Em síntese, a Carta Magna organiza os elementos constitutivos do Estado. É

o vértice do sistema jurídico do país e a pedra angular em que se assenta o edifício

do Estado Democrático de Direito, base do exercício da cidadania nos países que

alcançaram elevado grau de estabilidade política, de fortalecimento institucional e

de participação política.

Em 1988, nasceu a nova Carta Política dos Brasileiros, a “Constituição Cida-

dã”, a expressão do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guima-

rães. Com uma Constituição baseada nos preceitos democráticos, a vida política

nacional voltou a se pautar dentro do Estado de Direito. A Constituição da Repúbli-

ca Federativa do Brasil, conforme a redação do seu preâmbulo, institui um Estado

Democrático de Direito. Este documento fundamental da República destina-se a

assegurar ao Povo Brasileiro o pleno exercício e o gozo dos direitos e das garantias

individuais (BRASIL, 1988).

Além dos direitos individuais, a constuição ela busca assegurar o exercício

dos direitos sociais e coletivos, e assegurar o cidadão acerca dos seus direitos bási-

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58

cos como a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça, a

educação, a saúde, a cultura e o meio ambiente equilibrado como valores supre-

mos. Em suma, busca construir uma sociedade fraterna, pluralista, solidária e sem

preconceitos, fundada na harmonia social, na garantia de oportunidades a todos.

Democracia e a Cidadania caminham sempre juntas, assentadas em princí-

pios balizares que a Constituição de 1988 consagra. Os princípios constitucionais são

mandamentos centrais nos quais confluem valores fundamentais de uma socieda-

de. Nesse sentido, a República Federativa do Brasil constitui Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade

da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o plu-

ralismo político. O Art. 1º, parágrafo único, a Constituição diz o seguinte: “Todo o

Poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou direta-

mente, nos termos desta Constituição”. Este fundamento é basilar e a partir dele

legitima-se a própria organização estatal.

A República Federativa do Brasil também tem objetivos a serem perseguidos.

É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, os objetivos do

Estado Brasileiro. O Art. 3º da Constituição consagra estes objetivos fundamentais: I –

construir uma sociedade digna, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento na-

cional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades soci-

ais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Constituição brasileira também está comprometida, na ordem internacio-

nal, com a solução pacífica das controvérsias, a não-intervenção nos assuntos in-

ternos de outros povos, a autodeterminação dos povos, a igualdade jurídica das

nações, a cooperação entre os povos, a defesa dos direitos humanos, o respeito ao

Direito Internacional e a busca da integração latino-americana. Trata-se de um do-

cumento com princípios e objetivos avançados que buscam ampliar os compromis-

sos do Estado brasileiro com a democracia, em todas as suas vertentes, e com uma

cidadania global.

A valorização da Constituição como documento primordial na defesa da ci-

dadania e da democracia, entretanto, ainda é algo recentíssimo em nosso país. Os

“estragos”causados pelas ditaduras (Estado Novo e Regime Militar) em nossa cultu-

ra política ainda demorarão a cicatrizar. Afortunadamente, entretanto, a consciên-

cia popular a respeito das vantagens da democracia tem crescido. Participar da

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vida política do país é fortalecer dentro de cada um a crença nos princípios demo-

cráticos. Nesse sentido, há uma via de mão dupla: o cidadão é beneficiado com os

direitos e garantias e, em contrapartida, contribui com seus deveres para a harmo-

nia e o funcionamento do Estado.

Em suma, a Constituição brasileira se compromete a efetivar um verdadeiro

Estado Democrático de Direito. Com o advento do Estado de Bem-Estar Social, os

poderes públicos assumiram o compromisso de garantir não apenas as liberdades

individuais, mas contemplar também direitos sociais, econômicos e culturais previs-

tos na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e nos tratados subse-

quentes. O grande drama das Constituições brasileiras, no entanto, é o seu não-

cumprimento na prática.

O principal objetivo da República Federativa do Brasil, nesse sentido, deveria

ser a efetivação da cidadania, nas searas política, econômica e social. A garantia

de que todos os cidadãos possam exigir que o Estado cumpra os seus deveres é um

dos remédios que mantém viva a democracia. A superação das desigualdades

sociais, nesse sentido, deve ser o objetivo central do Estado Brasileiro. Esta razão já

seria suficiente para refletirmos sobre novos meios de acesso aos bens jurídicos co-

mo a saúde, a educação, o trabalho, a segurança, a cultura e o lazer, de forma a

obrigar o Estado a planejar e garantir a execução de programas de metas com-

prometidos com a equalização das condições de vida dos brasileiros, desta e das

futuras gerações.

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Advento: surgimento.

Agrárias: relativo às atividades agrícolas.

Antagônicos: contrários.

Aportou: chegou.

Assenta: o que se apoia em algo.

Autonomização: Refere-se ao que se torna autônomo, independente.

Caudilhismo: Força irregular de poder.

Cosmopolita: da cidade, urbano.

Dissociação: separação, afastamento.

Esteira: área, processo, dinâmica.

Fulcral: refere-se à base, apoio, sustentáculo.

Gestaria: conceberia.

Indissociável: inseparável, inerente.

Medievalismo: refere-se ao período medieval.

Modernizante: relativo à modernização.

Oligárquicas: refere-se às oligarquias, ao governo de poucos.

Perpassa: decorre, atravessa, passa por.

Remonta: o que se refere a alguma coisa por alusão, ou seja, menciona algo.

Ressonância: repercussão.

Secularização: abandono de sistemas que estavam sob o domínio da Igreja Cristã para

o domínio dos leigos, ou seja, o domínio das leis do Estado.

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem/2019). A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) como uma política pa-

ra todos constitui-se uma das mais importantes conquistas da sociedade brasileira

no século XX. O SUS deve ser valorizado e defendido como um marco para a ci-

dadania e o avanço civilizatório. A democracia envolve um modelo de Estado

no qual políticas protegem os cidadãos e reduzem as desigualdades. O SUS é

uma diretriz que fortalece a cidadania e contribui para assegurar o exercício de

direitos, o pluralismo político e o bem-estar como valores de uma sociedade fra-

terna, pluralista e sem preconceitos, conforme prevê a Constituição Federal de

1988.

RIZZOTO, M. L. F. et al. Justiça social, democracia com direitos sociais e saúde: a luta do Cebes. Revista Saúde em Debate, n. 116, jan.-mar. 2018 (adaptado)

Segundo o texto, duas características da concepção da política pública anali-

sada são:

a) Paternalismo e filantropia.

b) Liberalismo e meritocracia.

c) Universalismo e igualitarismo.

d) Nacionalismo e individualismo.

e) Revolucionarismo e coparticipação.

2. (IDECAN, 2016, adaptado). Cidadania é a tomada de consciência de seus direi-

tos, tendo como contrapartida a realização dos deveres. Isso implica no efetivo

exercício dos direitos civis, políticos e socioeconômicos, bem como na participa-

ção e contribuição para o bem-estar da sociedade. De acordo com o exposto,

analise as afirmativas a seguir.

I. Direitos humanos são valores, princípios e normas que se referem ao respeito

à vida e à dignidade.

II. Democracia significa governo do povo, assegurado pelo gozo dos direitos de

cidadania. Assim, quando há isonomia, ou seja, igualdade diante da lei, há

democracia.

III. Entre as condições básicas à conquista da cidadania estão a educação, a

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62

saúde e a habitação.

IV. A Constituição não prevê objetivos fundamentais para o Estado brasileiro

O Estado é o responsável na prestação desses serviços à população, e deve fa-

zê-lo de forma satisfatória, possibilitando avanço na convivência social. Estão

corretas apenas as afirmativas

a) IV e III.

b) I, II e III.

c) I, II e IV.

d) II, III e IV

e) Todas alternativas estão corretas.

3. (CESPE). A respeito dos marcos históricos, fundamentos e princípios dos direitos

humanos, assinale a opção correta.

a) Segundo a doutrina contemporânea, direitos humanos e direitos fundamentais

são indistinguíveis; por isso, ambas as terminologias são intercambiáveis no orde-

namento jurídico.

b) Os direitos humanos estão dispostos em um rol taxativo, que foi internalizado pelo

ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação da Constituição Federal de

1988.

c) No Brasil, os direitos políticos são considerados direitos humanos e seu exercício

pelos cidadãos se esgota no direito de votar e de ser votado.

d) A dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição Federal de

1988, é fundamento dos direitos humanos.

e) Em razão do princípio da imutabilidade, os direitos humanos reconhecidos na

Revolução Francesa permanecem os mesmos ainda na atualidade.

4. (IF-TO). Na história, há dois grandes movimentos que foram fundamentais para a

base da Declaração dos Direitos Humanos, elaborada pela Organização das

Nações Unidas (ONU), criada em 1948. Quais foram esses dois acontecimentos

históricos que influenciaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos?

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Com base no exposto acima, marque a alternativa correta.

a) A Revolução Industrial (1760) e a Revolta dos Malês (1835).

b) A Revolução Francesa (1789) e a Abolição da Escravidão no Brasil (1888).

c) A Revolução Francesa (1789) e a Independência dos Estados Unidos (1776).

d) A Independência dos Estados Unidos (1776) e a Bill of Rights (1689).

e) A Petition of Rights (1628) e a Guerra do Paraguai (1864).

5. (Enem 2013). Tenho 44 anos e presenciei uma transformação impressionante na

condição de homens e mulheres gays nos Estados Unidos. Quando nasci, rela-

ções homossexuais eram ilegais em todos os Estados Unidos, menos Illinois. Gays e

lésbicas não podiam trabalhar no governo federal. Não havia nenhum político

abertamente gay. Alguns homossexuais não assumidos ocupavam posições de

poder, mas a tendência era eles tornarem as coisas ainda piores para seus seme-

lhantes.

ROSS, A. “Na máquina do tempo”. Época, ed. 766, 28 jan. 2013.

A dimensão política da transformação sugerida no texto teve como condição

necessária a:

a) ampliação da noção de cidadania.

b) reformulação de concepções religiosas.

c) manutenção de ideologias conservadoras.

d) implantação de cotas nas listas partidárias.

e) alteração da composição étnica da população.

6. (Enem 2012)

TEXTO I

O que vemos no país é uma espécie de espraiamento e a manifestação da

agressividade através da violência. Isso se desdobra de maneira evidente na

criminalidade, que está presente em todos os redutos — seja nas áreas abando-

nadas pelo poder público, seja na política ou no futebol. O brasileiro não é mais

violento do que outros povos, mas a fragilidade do exercício e do reconhecimen-

to da cidadania e a ausência do Estado em vários territórios do país se impõem

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64

como um caldo de cultura no qual a agressividade e a violência fincam suas raí-

zes.

Entrevista com Joel Birman. A Corrupção é um crime sem rosto. IstoÉ. Edição 2099; 3 fev. 2010.

TEXTO II

Nenhuma sociedade pode sobreviver sem canalizar as pulsões e emoções do in-

divíduo, sem um controle muito específico de seu comportamento. Nenhum con-

trole desse tipo é possível sem que as pessoas anteponham limitações umas às

outras, e todas as limitações são convertidas, na pessoa a quem são impostas,

em medo de um ou outro tipo.

ELIAS, N. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

Considerando-se a dinâmica do processo civilizador, tal como descrito no Texto II,

o argumento do Texto I acerca da violência e agressividade na sociedade brasi-

leira expressa a:

a) incompatibilidade entre os modos democráticos de convívio social e a presença

de aparatos de controle policial.

b) manutenção de práticas repressivas herdadas dos períodos ditatoriais sob a for-

ma de leis e atos administrativos.

c) inabilidade das forças militares em conter a violência decorrente das ondas mi-

gratórias nas grandes cidades brasileiras.

d) dificuldade histórica da sociedade brasileira em institucionalizar formas de con-

trole social compatíveis com valores democráticos.

e) incapacidade das instituições político-legislativas em formular mecanismos de

controle social específicos à realidade social brasileira.

7. (FUVEST 2018) [...] a Declaração Universal representa um fato novo na história, na

medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da

conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos

governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um

sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio,

mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capaci-

dade de reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explici-

tamente declarado. [...] Somente depois da Declaração Universal é que pode-

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65

mos ter a certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – parti-

lha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos va-

lores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no

sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subje-

tivamente acolhido pelo universo dos homens.

N. Bobbio. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

A Declaração Universal mencionada no texto:

a) foi instituída no processo da Revolução Francesa e norteou os movimentos femi-

nistas, sufragistas e operários no decorrer do século XIX.

b) assemelhou-se ao universalismo cristão, que também resultou no estabelecimen-

to de um conjunto de valores partilhado pela humanidade.

c) desenvolveu-se com a inclusão de princípios universais pelos legisladores norte-

americanos e influenciou o abolicionismo nos Estados Unidos.

d) foi aprovada pela Organização das Nações Unidas e serviu como referência pa-

ra grupos que lutaram pelos direitos de negros, mulheres e homossexuais na dé-

cada de 1960.

e) originou-se do jusnaturalismo moderno e consolidou-se com o movimento ilustra-

do e o despotismo esclarecido ao longo do século XVIII.

8. “A Declaração Universal dos Direitos Humanos está completando 70 anos em

tempos de desafios crescentes, quando o ódio, a discriminação e a violência

permanecem vivos”, disse a diretora-geral da Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Audrey Azoulay.

“Ao final da Segunda Guerra Mundial, a humanidade inteira resolveu promover a

dignidade humana em todos os lugares e para sempre. Nesse espírito, as Nações

Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos como um padrão

comum de conquistas para todos os povos e todas as nações”, disse Audrey.

“Centenas de milhões de mulheres e homens são destituídos e privados de con-

dições básicas de subsistência e de oportunidades. Movimentos populacionais

forçados geram violações aos direitos em uma escala sem precedentes. A

Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável promete não deixar ninguém

para trás - e os direitos humanos devem ser o alicerce para todo o progresso.”

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66

Segundo ela, esse processo precisa começar o quanto antes nas carteiras das

escolas. Diante disso, a Unesco lidera a educação em direitos humanos para as-

segurar que todas as meninas e meninos saibam seus direitos e os direitos dos ou-

tros.

Disponível em: https://nacoesunidas.org. Acesso em: 3 abr. 2018 (adaptado).

Defendendo a ideia de que “os direitos humanos devem ser o alicerce para todo

o progresso”, a diretora-geral da Unesco aponta, como estratégia para atingir

esse fim, a

a) inclusão de todos na Agenda 2030.

b) extinção da intolerância entre os indivíduos.

c) discussão desse tema desde a educação básica.

d) conquista de direitos para todos os povos e nações.

e) promoção da dignidade humana em todos os lugares.

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67

DESAFIOS DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO BRASIL

“A democracia brasileira é uma plantinha tenra que precisa de muitos cuidados”

Otávio Mangabeira 5.1 A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA APÓS 1988

O papel de uma democracia é organizar o Estado para que se torne um “[...]

agente decisivo da eventual acomodação dos conflitos e da busca de objetivos

comuns ou compartilhados de qualquer tipo” (REIS, 2007, p. 161). Ao tentar conciliar

solidariedade e eficiência, ela permite, de um lado, o diálogo, a participação, a

transparência e a incorporação dos grupos sociais e, de outro, a governabilidade, a

capacidade de tomar decisões e a possibilidade real de implementá-las.

O sistema democrático e institucional brasileiro vem sendo gradualmente re-

forçado com a consolidação de um elevado grau de institucionalização da com-

petição pelo poder, a garantia de direitos e garantias fundamentais (liberdade de

associação, liberdade de expressão, formação de novos partidos políticos, igual-

dade perante a lei), o crescimento do associativismo civil, a emergência de uma

cultura política mais plural, a grande expansão eleitoral e a proliferação de organi-

zações extra-partidárias entre os grupos de maior escolaridade.

A incorporação de milhões de cidadãos à cidadania plena depende, fun-

damentalmente, da continuidade do regime democrático e da capacidade do

Estado de assegurar direitos e ofertas políticas públicas aos brasileiros. Nesse sentido,

é importante ressaltar o papel da ordem jurídica brasileira em balizar o alcance da

cidadania. A Constituição de 1988, trouxe, como consequências mais relevantes, o

fortalecimento do Poder Legislativo, a reformulação da Federação, a salvaguarda

dos direitos fundamentais e o empoderamento do Poder Judiciário. Houve ainda

avanços relacionados à repartição de recursos entre Estados e Municípios, aos direi-

tos dos servidores públicos e à organização do sistema de bem-estar social.

A nova Carta Magna também abriu espaço para uma maior participação

de setores que estavam excluídos da vida política do país, assim como os mais po-

UNIDADE

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68

bres e os mais fragilizados. A previsão de capítulos na Constituição sobre direitos

sociais e econômicos foi um avanço importante para o exercício da cidadania em

nosso país, ampliando o campo de atuação do Estado. Tendo em vista que o país

saía de um longo período de ditadura, havia ainda pressões por parte dos Estados e

dos Municípios para uma maior descentralização de poder e de competências da

União para os entes subnacionais.

O momento da promulgação Constituinte foi de grande mobilização e parti-

cipação social. Foram instituídos múltiplos fóruns de debate para o encaminhamen-

to das demandas populares nos campos da saúde, educação, segurança pública,

cultura e direitos humanos. De fato, foi um momento singular na história democráti-

ca brasileira recente. Seu projeto era o de transformar a sociedade e de desenvol-

ver a nação, substituindo a ética utilitarista, individual e classista pela busca do bem

comum e da satisfação dos interesses coletivos do povo brasileiro. Em síntese, a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Na lúcida concepção do jurista Paulo Bonavides, a Carta de 1988 era uma

verdadeira “máquina de guerra do povo”, capaz de desmontar a “república de

privilegiados”. Assim, objetivava a liberação da pessoa humana de todas as formas

de opressão e esmagamento, que não dependiam exclusivamente do reconheci-

mento dos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de

condições econômicas suscetíveis de favorecer seu pleno exercício.

No entanto, os problemas econômicos e sociais da década de 1980, como a

hiperinflação e a dívida externa, dificultaram a implementação desses direitos cons-

titucionais. Durante o processo constituinte, diversos grupos políticos e sociais tam-

bém buscaram influenciar na redação do referido documentoconstitucional, bus-

cando assegurar maiores vantagens e privilégios: funcionários públicos queriam

maior estabilidade e proteção; empresários estavam à procura de mais subsídios

estatais; trabalhadores, por sua vez, pressionavam os constituintes em busca de

mais direitos. Ou seja, cada setor buscou defender o seu poder e o seu espaço na

A incorporação dos cidadãos à cidadania plena depende, fundamentalmente, da con-

tinuidade do regime democrático e da capacidade do Estado de assegurar direitos e

ofertas políticas públicas aos brasileiros.

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69

nova ordem política constitucional após o fim do Regime Militar.

5.2 OS MEIOS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA

O exercício da cidadania no Brasil está diretamente relacionado à vigência

de um Estado Democrático de Direito, ao funcionamento das instituições, à realiza-

ção de eleições livres e à difusão de uma educação voltada para o exercício da

cidadania. Conforme atesta Carvalho (2004), o caminho da construção da cida-

dania no Brasil foi bastante tortuoso, mas pavimentou o caminho para uma demo-

cracia de massas no começo do século XXI.

A conjuntura de crise econômica do Brasil dificultou a implementação dos di-

reitos assegurados na Constituição de 1988 porque?. A realidade nacional e inter-

nacional era bastante adversa: maior dívida externa, restrições ao crédito, recessão

econômica e competição internacional. Dessa forma, o modelo econômico brasi-

leiro, baseado na substituição de importações e na forte intervenção estatal na

economia, tornava-se cada vez mais obsoleto e incapaz de lidar com os desafios

de um país com mais 150 milhões de habitantes à época. Do mesmo modo, a per-

manência de grupos que estiveram no poder durante os governos militares na or-

dem pós-ditatorial também criou impasses políticos para a maior participação po-

pular e para a adoção de medidas mais ousadas no que concerne ao combate às

desigualdades sociais.

A agenda brasileira no começo da Nova República apontava para a neces-

sidade de se edificar uma ordem constitucional capaz de afastar de vez o risco da

ingovernabilidade pretoriana do horizonte nacional, isto é, uma eventual recaída

autoritária. essa forma, a nova Constituição foi aprovada em um momento de mu-

dança nas relações entre o Estado e a sociedade e de readaptação do papel do

próprio Estado na economia. As ideias liberais sobre a abertura da economia, a re-

forma administrativa, as privatizações, a desregulamentação e o ajuste fiscal tam-

https://bit.ly/382vS0I

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70

bém aportaram no Brasil nesse momento, pressionando por mudanças no modelo

de organização do Estado e nas suas relações com a sociedade.

O ponto central era a necessidade de abandono da herança patrimonialista

brasileira e forte dependência de setores em relação ao Estado. Nesse sentido, bus-

cava-se uma repactuação das relações entre empresários, trabalhadores e o Esta-

do, de modo a reduzir a dependência em relação ao corporativismo, ao protecio-

nismo e às benesses governamentais. A fragilidade dos partidos políticos, sua pouca

consistência ideológica e a ausência de mecanismos de intermediação de interes-

ses tornaram difícil essa transição de modelo.

Passado o clima de euforia democrática da Constituinte, o debate político

transitou da questão participativa para a questão da eficiência governativa, cen-

trando-se nos problemas de ingovernabilidade por sobrecarga de demandas soci-

ais decorrente da crise de financiamento do setor público e da falência do modelo

de desenvolvimento por substituição de importações. Reis (2007) chama a atenção

para o modo como a globalização afetou dramaticamente os problemas da auto-

ridade (construção de capacidade administrativa e simbólica do Estado para pro-

jetar presença e ação junto à coletividade no território nacional) e da igualdade

(desafio da plena incorporação social da população, especialmente das camadas

populares, para neutralizar conflitos e resolver o problema constitucional) nas socie-

dades modernas (REIS, 2007).

Após a Constituição de 1988, realizaram-se no Brasil oito eleições presidenci-

ais diretas, além de eleições congressuais, estaduais e municipais periódicas, norma-

lizando-se o ciclo eleitoral paralelamente à dispersão do eleitorado num quadro

plural e multipartidário. A identificação do eleitor brasileiro com determinados parti-

dos populares era um passo fundamental na direção da construção de identidades

partidárias estáveis e da institucionalização da participação eleitoral das massas no

A previsão de capítulos na Constituição sobre direitos soci-

ais e econômicos foi um avanço importante para o exercício da cidadania em nosso

país, ampliando o campo de atuação do Estado

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71

processo político.

Apesar dos inúmeros avanços verificados, continua a existir uma grande alie-

nação da maioria da população em relação à sorte e ao significado da democra-

cia. Santos (1994) sustenta a tese da existência de um híbrido institucional no Brasil:

haveria uma democracia formalizada que assiste a poucos, uma “minúscula man-

cha na turbulenta superfície do país”; e ao redor dela, imensos espaços de anomia

onde não existe soberania ou controle democrático, mas múltiplos poderes trans-

gressores concorrentes regidos pela lei do mais forte.

Apesar da existência formal da poliarquia, a maioria dos indivíduos se abstém

de recorrer ao Estado brasileiro para buscar soluções para seus conflitos, preferindo

antes negar sua existência a admitir que sejam vítimas deles. Essa cidadania não

intermediada por instituições poliárquicas, alienada eleitoralmente e refratária à

participação alimenta uma cultura de dissimulação, violência difusa, enclausura-

mento e absoluto descrédito na eficácia do Estado em prover suas funções básicas

(segurança, administração e justiça). O impacto de tal comportamento indiferentis-

ta abala mortalmente a cultura cívica e gera um sentimento de impotência que

conduz à desconfiança e ao estado de natureza hobbesiano.

Assim, o problema constitucional do país ainda permanece em aberto, pois

não se concebe uma democracia estável que conviva com grande desigualdade

social. Em outras palavras, existe um risco ainda não dimensionado de retrocesso

institucional decorrente da ingovernabilidade evidenciada na deterioração do te-

cido social, no aumento da criminalidade e da violência urbanas, na ampliação de

territórios dominados pelo poder paralelo e na descrença dos cidadãos em relação

à justiça. Diante do desapreço de que gozam os direitos civis na cultura política

convencional e da tolerância com as violações diuturnas aos direitos humanos,

pregações autoritárias ainda continuam a amealhar simpatizantes em toda parte.

Dito isso, quais os caminhos a serem experimentados e perseguidos para que

a jovem democracia brasileira se fortaleça na próxima década e nas seguintes? A

receita proposta por Santos (1994) é a universalização de um Estado mínimo eficaz,

única saída viável para combater os poderes paralelos, as máfias descentralizadas,

as punições aleatórias, a erosão das regras de convivência e a diluição dos laços

de solidariedade que sustentam uma democracia.

Já Reis (2007) aponta como saída um grande conjunto de reformas políticas

que combinem boas leis, regras e instituições para amadurecer a cultura democrá-

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72

tica e fortalecer a identificação dos eleitores com os partidos políticos, aperfeiço-

ando o princípio da representatividade: fidelidade partidária, cláusulas de barreira,

regras sobre coligações, combinação de princípios majoritários e proporcionais nas

eleições, combinações de listas partidárias fechadas e flexíveis, financiamento pú-

blico de campanha. Mas para viabilizar a universalização do Estado mínimo, como

sugere Santos (1994), e garantir que uma representação mais autêntica se traduza

em ações governamentais que democratizem a democracia, como quer Reis

(2007), seria preciso prosseguir na reforma do Estado brasileiro.

Como se percebe, muitos dos avanços da democracia brasileira podem ser

explicados pelas melhorias institucionais que garantiram a estabilidade e a gover-

nabilidade do país nas últimas duas décadas. Falta, contudo, completar a obra

democratizadora com a expansão de uma cobertura estatal mínima para todo o

universo social brasileiro capaz de alimentar a confiança nas instituições e fortalecer

uma cultura cívica autêntica. Mas sem uma iniciativa reformista que torne o Estado

mais moderno, eficiente, efetivo, transparente e responsável, não se conseguirá al-

cançar um patamar minimamente razoável de cobertura de toda a população por

serviços públicos básicos que uma poliarquia moderna deve prover.

5.3 A CULTURA DO PATRIMONIALISMO

Um dos principais obstáculos ao exercício da cidadania no Brasil são as práti-

cas patrimonialistas, isto é, a mistura entre interesses públicos e privados na gestão

pública. O patrimonialismo é um modelo de dominação baseado em relações pes-

soais e em arbitrariedade, não em regras impessoais entre governantes e governa-

dos. A prática entrecorta toda a história brasileira desde a colonização portuguesa

até a Independência, moldando a sociedade, a economia e as instituições do Es-

tado.

Qual a relação entre patrimonialismo e cidadania? Sabe-se que em socie-

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73

dades nas quais o poder é exercido de forma tradicional, sem regras institucionali-

zadas, há grandes obstáculos para o desenvolvimento de liberdades individuais. O

patrimonialismo concentra renda e poder, impedindo que a sociedade floresça e

exerça plenamente os seus direitos. Os direitos e as garantias fundamentais, por sua

vez, constituem as bases da democracia e de uma economia liberal.

As instituições políticas do Império e da República Velha, emulando as tradi-

ções coloniais, também se caracterizaram pela presença de interesses de camada

oligárquica no funcionamento da burocracia do Estado. Essa burocracia era elitista

e acessível a poucos membros da população brasileira, sobretudo em um contexto

de escravidão. A existência de uma casta de funcionários públicos que vivia à

sombra do Estado marca o patrimonialismo à brasileira. Esse “estamento burocráti-

co”, na visão de Faoro, constituía uma camada privilegiada e dependente de favo-

res, benesses e sinecuras do Estado brasileiro. Desde a Colônia até a Independên-

cia, esse grupo social buscava se encastelar nas estruturas de poder para manter

seus privilégios. Seu modo de funcionamento perpassava uma concepção persona-

lista de exercício do poder, à sombra de um Estado centralizador e mercantilista.

Após a modernização do Estado português, com as reformas pombalinas do

século XVIII, buscou-se a modernização conservadora das instituições e da adminis-

tração pública. Segundo Campante (2003), esse modelo de governança sobrevi-

veu aos séculos e influenciou, decisivamente, a mentalidade política brasileira nos

últimos três séculos. Tanto o Estado Novo quanto o Regime Militar, ao buscar a mo-

dernização autoritária da sociedade brasileira, foram influenciados por essa visão

do Estado como o domínio de uma elite de sábios (CAMPANTE, 2003). A mesma ló-

gica modernizadora autoritária sobrevive no funcionamento de instituições estatais

até o presente momento, com ausência de mecanismos de controle e de transpa-

rência em instituições do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciá-

rio, nas três esferas federativas, bem como em organizações representativas de

classe. A lógica do patrimonialismo e da modernização autoritária da sociedade,

contudo, impede o reforço de um catálogo de liberdades fundamentais e de uma

cultura política de accountability.

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Accountability: prestação de contas.

Anomia: comportamento desvirtuoso ocorrido pela falta de leis.

Conjuntura: sequência ou combinação de fatos e acontecimentos num mesmo momen-

to; coincidência.

Corporativismo: escola de pensamento em que os grupos e aglomerações de determi-

nadas classes de profissionais são de extrema importância para a organização política,

econômica e social. No entanto, esses grupos precisam estar subordinados ao Estado.

Enclausuramento: refere-se à prisão, fechamento.

Híbrido: Objetos ou ações misturadas.

Hiperinflação: aumento significativo dos índices de inflação.

Institucionalização: transformação em instituição.

Patrimonialista: refere-se ao patrimonialismo, ou seja, ao conceito de patrimonialismo

desenvolvido por Max Weber, em que trata de um Estado onde não há limites entre o

que é considerado público e o que é considerado privado.

Poliarquia: sistema de governo onde o poder é exercido pela coletividade.

Pretoriana: Governo que usa de modo abusivo as forças militares para exercer poder. O

termo remonta à Guarda de Pretoria, que era a elite militar que participava ativamente

das decisões tomadas para eleger imperadores romanos. Esse grupo, por vezes, chega-

va a assassinar opositores.

Redemocratização: processo de retomada da democracia.

Reserva de mercado: atitudes ou decisões de um governo que impede, por meio de leis,

que certos tipos de mercadorias ou produtos internacionais sejam acessíveis pela impor-

tação. Essa espécie de reserva é feita pelo governo com a intenção de que o próprio

mercado interno produza essas mercadorias e serviços, para que a economia seja

aquecida.

Tecnocracia: sistema governamental que se baseia na soberania dos técnicos.

Utilitarista: refere-se à doutrina do utilitarismo, ou seja, à doutrina criada pelos ingleses

Bentham e Mill e prega que as ações políticas devem atingir o máximo possível de bem-

estar.

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem 2012) É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer;

mas a liberdade política não consiste nisso. Deve-se ter sempre presente em

mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fa-

zer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas

proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder.

MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997 - adaptado.

A característica de democracia ressaltada por Montesquieu diz respeito:

a) ao status de cidadania que o indivíduo adquire ao tomar as decisões por si mes-

mo.

b) ao condicionamento da liberdade dos cidadãos à conformidade às leis.

c) à possibilidade de o cidadão participar no poder e, nesse caso, livre da submis-

são às leis.

d) ao livre-arbítrio do cidadão em relação àquilo que é proibido, desde que ciente

das consequências.

e) ao direito do cidadão exercer sua vontade de acordo com seus valores pessoais.

2. (ADM&TEC, 2019). Leia as afirmativas a seguir e marque a opção CORRETA:

a) No Brasil, o município pode obrigar qualquer cidadão a permanecer associado a

uma entidade paramilitar.

b) Os valores sociais do trabalho não são fundamentos da República Federativa do

Brasil.

c) No Brasil, é proibida a associação para fins lícitos.

d) Segundo a constituição brasileira, homens e mulheres não são iguais em direitos e

obrigações.

e) A Constituição Federal de 1988 procura valorizar a construção de uma socieda-

de fraterna.

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3. (ADM&TEC, 2019). Leia as afirmativas a seguir e marque a opção CORRETA:

a) A Constituição Federal de 1988 procura impedir a construção de uma sociedade

sem preconceitos.

b) O direito ao bem-estar é negado pela Constituição Federal de 1988.

c) A cidadania não é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

d) A Constituição Federal de 1988 procura valorizar a construção de uma socieda-

de sem preconceitos.

e) A soberania não é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

4. (ADM&TEC, 2019). Leia as afirmativas a seguir e marque a opção CORRETA:

a) O Legislativo é um dos poderes da União.

b) O direito ao desenvolvimento é contrário aos princípios da Constituição Federal

de 1988.

c) Constituição Federal de 1988 procura desvalorizar a construção de uma socie-

dade fraterna.

d) A República Federativa do Brasil busca promover os preconceitos relacionados à

raça.

e) A República Federativa do Brasil busca promover os preconceitos relacionados

ao sexo.

5. (FUNDEPES, 2017, adaptado) - Analise as seguintes assertivas relativas ao preâm-

bulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88):

I. O preâmbulo da CR/88 não pode, por si só, servir de parâmetro de controle

da constitucionalidade de uma norma.

II. A invocação de Deus no preâmbulo da CR/88 torna o Brasil um Estado con-

fessional.

III. O preâmbulo traz em seu bojo os valores, os fundamentos filosóficos, ideoló-

gicos, sociais e econômicos e, dessa forma, norteia a interpretação do texto

constitucional.

IV. A invocação de Deus no preâmbulo da CR/88 é norma de reprodução obri-

gatória nas Constituições Estaduais.

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77

Está CORRETO somente o que se afirma em:

a) I e II.

b) I e III.

c) II e III.

d) III e IV.

e) I e IV

6. (FUNDATEC, 2012) A Constituição Brasileira de 1988 define normas constitucionais

programáticas, fins e programas de ação futura para a melhoria das condições

sociais e econômicas da população. A partir disso, analise as afirmações abaixo:

I. A intensa participação popular criou condições para que o Brasil tivesse uma

Constituição democrática e comprometida com a supremacia do direito e

promoção de justiça.

II. A partir dela, o Estado brasileiro passou a ter o dever jurídico-constitucional

de realizar justiça social.

III. São fundamentos que constituem o eixo relativo aos direitos individuais e co-

letivos: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do

trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político.

IV. A saúde, a previdência e a educação compõem um conjunto integrado de

ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, denominado segu-

ridade social.

Quais estão corretas?

a) Apenas I e II.

b) Apenas I, II e III.

c) Apenas I, II e IV.

d) Apenas II, III e IV.

e) I, II, III e IV.

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78

7. (IESES, 2017) Conforme prevê a Constituição Federal, é correto afirmar:

a) Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir

uma sociedade livre, justa e solidária; a defesa da dignidade da pessoa humana;

dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a defesa da paz.

b) República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos

princípios da soberania; da prevalência dos direitos humanos; da dignidade da

pessoa humana; dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; da defesa da

paz.

c) A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e

tem como fundamentos a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa hu-

mana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político.

d) Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir

uma sociedade livre, justa e solidária; a prevalência dos direitos humanos; a dig-

nidade da pessoa humana; a solução pacífica dos conflitos; o pluralismo político.

e) Nenhuma das Anteriores

8. (FGV, 2014). A República Federativa do Brasil é laica, já que há separação total

entre Igreja e Estado e não há religião oficial. No entanto, constou expressamen-

te no preâmbulo da Constituição da República, quando de sua promulgação,

que estava sendo feita “sob a proteção de Deus”. Sobre o tratamento constitu-

cional conferido aos cultos religiosos, é correto afirmar que:

a) é inviolável a liberdade de consciência e de crença, desde que exercida no inte-

rior dos locais onde ocorrem os cultos religiosos e suas liturgias, na forma da lei.

b) é violável a liberdade de crença religiosa, sendo assegurado o livre exercício dos

cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a

suas liturgias.

c) ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, que pode ser

invocada como justificativa para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e

recusar-se a cumprir prestação alternativa.

d) é vedada a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de

internação coletiva.

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79

e) é vedado aos entes federativos estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenci-

oná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus represen-

tantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a cola-

boração de interesse público

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80

ÉTICA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

“Conheço apenas duas coisas belas no universo: o céu estrelado sob

nossas cabeças e a lei moral em nossos corações” Immanuel Kant

6.1 ÉTICA, MERCADO E INSTITUIÇÕES

Existe uma ética do trabalho e das organizações? Assim como os indivíduos,

as organizações, as empresas e os profissionais de várias áreas também obedecem

a códigos de conduta ética. A intensificação do fluxo de informações, a internaci-

onalização dos mercados, a forte competitividade, os novos marcos regulatórios

(especialmente em questões ambientais e sociais) e o desenvolvimento de novas

tecnologias são fatores que, no período contemporâneo, têm contribuído para as

mudanças de comportamento das organizações.

Percebe-se uma crescente busca para manter ou ganhar reputação frente à

sociedade, o que tem sido feito principalmente através da adoção de um compor-

tamento ético e socialmente responsável. Mas esse comportamento nem sempre

fora adotado pelas organizações. Pretende-se, aqui, explicar os motivos dessa mu-

dança, sob a ótica do neoinstitucionalismo sociológico.

A corrente sociológica do neoinstitucionalismo pode ser entendida como

uma releitura da burocracia weberiana, pois reafirma que organizações com estru-

turas formais tendem a prevalecer como meio mais eficiente e racional de coorde-

nar a complexidade da vida moderna. Essa teoria tenta explicar os motivos que

levam as instituições a mudar, além de apontar a direção em que caminham e o

propósito da mudança.

O processo de institucionalização das organizações se processo por meio da

transformação de ações, crenças e comportamentos em regras estabelecidas de

conduta social. Tais normas comportamentais, ao serem aceitas e incorporadas às

rotinas de trabalho, acabam sendo legitimadas e compartilhadas no dia a dia. A

partir disso, inicia-se um processo de dissipação ou de aceitação e uso de práticas

UNIDADE

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81

institucionalizadas.

As instituições, enquanto regras do jogo, são mediadoras das relações huma-

nas. Sua principal função é a coerção, o estabelecimento dos limites da ação. O

desdobramento imediato é o fato de que quanto mais submetidas às instituições e

quanto mais similares estas forem, mais homogêneo será o comportamento das or-

ganizações.

6.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES

As instituições prescrevem ações próprias para dadas circunstâncias. São

programas de ações ou soluções satisfatórias, o que é mais adequado ou pertinen-

te a ser feito, exercendo um papel de facilitação. A ideia do neoinstitucionalismo é

ampliar o papel das instituições na determinação da ação. Dessa forma, elas exer-

cem influência direta sobre a ação, determinando a estratégia e a escolha de

conduta e comportamento dos agentes. Se o que as instituições prescrevem é aca-

tado, há enraizamento junto aos atores relevantes.

Como ilustração, as empresas são organizações que PODEM institucionali-

zamR ações de responsabilidade social para adequar sua estratégia de atuação e

o seu comportamento corporativo às mudanças de ambiente e às exigências do

meio social. As ações de responsabilidade social, por exemplo, são práticas formais

difundidas e aceitas que credenciam e dão legitimidade a uma organização.

De fato, no período contemporâneo, os procedimentos formais levam em

conta as práticas dos ambientes no qual se inserem. A maior parte das grandes e

médias empresas, em ramos diversos da economia, adotam princípios de gestão

empresarial. Essas diretrizes comportamentais devem ser seguidas a fim de dar uma

orientação, um código básico de ética que permita balizar as ações dos seus fun-

cionários e colaboradores. Tais códigos de ética tratam de temas como proteção

ambiental, trabalho infantil, discriminação de funcionários, relações com fornece-

dores, dentre outros.

Empresas multinacionais que possuem alta exposição, competem de forma

agressiva no mercado e enfrentam grande visibilidade externa necessitam seguir

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82

regras internas e externas para adequar seu comportamento aos padrões interna-

cionais como programas de qualidade, adequação as regras e leis e tratados inter-

nacionais ecológicas ETC. As matrizes dessas empresas estabelecem diretrizes mais

amplas que são seguidas pelas suas filiais, adequando as práticas às realidades lo-

cais. A atuação das empresas em áreas como educação, saúde, cultura e meio

ambiente é considerada pela sociedade como um valor importante.

Iniciativas como essa passaram a ser um componente estratégico para as

organizações, na medida em que este tipo de atividade agrega valor à imagem

corporativa. A responsabilidade social foi conduzida à institucionalização, seja pela

imposição que induz uma conduta de aceitação, seja pelo interesse estritamente

individual ou da organização. Dessa forma, as empresas e seus dirigentes, ao adqui-

rirem a consciência de que a mudança de práticas agrega valor às atividades em-

presarias, concentram-se na adequação das rotinas organizacionais ao universo

simbólico-cultural da responsabilidade social.

Nessa direção, tanto o meio social atua sobre as empresas quanto as com-

panhias atuam sobre o meio social, influenciado um ao outro. Nessa interação soci-

al, surgem preceitos que se institucionalizam e ajudam a legitimar processos dentro

das organizações. O interesse da organização em se adequar aos preceitos do

ambiente externo é o sentido do isomorfismo institucional. A busca de legitimidade

institucional é ainda mais exacerbada na incerteza, em que é acirrada a competi-

ção entre as organizações.

Em um contexto de disputa entre empresas pelo mercado, as práticas orga-

nizacionais tornam-se cada vez mais homogêneas, diminuindo a variedade e a ins-

tabilidade dos arranjos organizacionais em vigor num dado momento. Em um am-

biente de incerteza, é conveniente escolher as soluções prescritas. O isomorfismo é

a tendência das organizações em se tornar cada vez mais similares, o que reflete a

força das instituições, sem necessariamente resultar em maior eficiência. O que está

em jogo são as recompensas advindas da homogeneização, da similaridade de

estruturas, práticas e resultados.

A adequação das empresas a um código de ética mínimo para reger as suas

práticas internas e as suas interações externas é extremamente vantajosa. Ao incor-

porar regras aceitas socialmente como éticas, demonstram a sua conformidade

com valores e normas compartilhadas pela coletividade. A adequação das organi-

zações a um mínimo ético, nesse sentido, assegura oportunidades de crescimento,

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expansão e inovação ao longo do tempo.

As organizações modernas funcionam por meio da incorporação de orienta-

ções previamente definidas e racionalizadas para a legitimação das suas ativida-

des e para a sua sobrevivência. Pode-se dizer que há pressões contextuais, decor-

rentes da ética vigente nas relações sociais, que direcionam as escolhas e estraté-

gias adotadas pela organização. A legitimidade passa a ser o “imperativo” organi-

zacional e a organização passa a se preocupar com as influências do ambiente,

reconhecendo a estrutura formal como produto institucionalizado.

A ação organizacional tem como ponto de partida o reconhecimento de

que vantagens competitivas são obtidas por meio da implantação de estratégias

coerentes com os significados e valores socialmente compartilhados, como o de

um meio ambiente socialmente equilibrado, da defesa de regras justas de comér-

cio ou do respeito aos direitos do consumidor. Os princípios institucionais condicio-

nam a construção de uma lógica de mercado, resultando em modelos de compor-

tamento que moldam as relações entre as organizações e as induzem a se constituir

de maneira homogênea.

As companhias, portanto, são motivadas pela visão socioeconômica das

ações de responsabilidade social por um motivo simples: a boa reputação frente à

sociedade traz maior legitimidade à empresa, o que tente a fortalecer a sua acei-

tação pela sociedade, o seu poder de mercado, maximizando o seu retorno finan-

ceiro. Contudo, não existe modelo ideal para todas as organizações. Cada qual

encontra um equilíbrio próprio, compatibilizando estratégia, estrutura, tecnologia,

envolvimento, necessidade e ambiente externo.

O neoinstitucionalismo prevê as intenções e determinações que uma organização

tem em sua tomada de decisões. Com a mudança no mercado, os valores deixam

de ser apenas financeiros e passam ter peso no campo social e ambiental. Portanto,

avaliar a viabilidade ética de um investimento, é avaliar sob a ótica econômica, soci-

al e ambiental.

A ética institucional passa pela responsabilidade social e pela responsabilidade ambi-

ental.

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6.3 ÉTICA NAS BUROCRACIAS PÚBLICAS E PRIVADAS

Assim como nas organizações privadas, as instituições públicas também pas-

saram a incorporar valores e princípios de ética corporativa. As estruturas formais

das organizações modernas espelham as instituições do ambiente em que operam.

Ao impulsionarem-se no sentido de incorporar práticas institucionalizadas, as organi-

zações buscam aumentar sua legitimidade, independente da aferição da eficácia

e da eficiência dos procedimentos escolhidos. Ou seja, muito mais do que o de-

sempenho, é a conformidade aos valores éticos e às normas sociais consagrados

que determina as chances de sobrevivência de uma organização.

O processo coativo ou voluntário que força ou incentiva uma organização a

se tornar mais parecida com outra ao se defrontar com as mesmas condições am-

bientais e ao competir por recursos, poder político e legitimidade, denomina-se iso-

morfismo institucional. O isomorfismo institucional mimético força uma homogenei-

zação e torna as organizações mais similares, relacionando-se com a produção de

respostas padronizadas frente às incertezas. Quando o ambiente cria uma incerteza

simbólica, as organizações buscam se estruturar seguindo organizações similares e

bem-sucedidas de seus campos de atividade, percebidas como portadoras de

maior legitimidade.

Dessa forma, ao longo de sua história, os Estados nacionais utilizam a buro-

cracia como instrumento de materialização concreta de sua soberania e da defesa

dos valores éticos socialmente compartilhados. O poder estatal funda-se num siste-

ma integrado e coeso de normas jurídicas, cabendo-lhe impor condutas para asse-

gurar a supremacia de sua autoridade. A administração pública se baseia em pre-

ceitos legais e não pode extravasar os limites da estrita legalidade, devendo ater-se

somente às condutas que as normas abstratas, impessoais e escritas prescrevem e

legitimam.

Assim como as empresas, a burocracia também segue normas e padrões

éticos. O padrão burocrático weberiano é o modelo mais superiormente eficaz pa-

ra assegurar estabilidade, previsibilidade, certeza, continuidade, permanência, su-

bordinação, controle, clareza, confiabilidade, disciplina, rigor e precisão nas mo-

dernas sociedades industriais. Sua superioridade técnica incontrastável o torna um

instrumento de poder de primeira ordem para eliminar ambiguidades e garantir

uma base legítima de obediência aos preceitos normativos superiormente estabe-

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lecidos. Assegura ainda uma eficaz coordenação, um eficiente controle e uma efe-

tiva coesão entre as inúmeras partes do organismo estatal, recortado e multiface-

tado por natureza.

A burocracia está presente em todas as grandes organizações modernas,

públicas ou privadas. Sua identificação com a administração pública se justifica

pelo fato de ser mais facilmente percebida, porque está onipresente em sua vida

quotidiana. A administração pública lança mão da divisão de trabalho para recru-

tar pessoas com diferentes habilidades e experiências para o desempenho das mais

variadas e complexas funções em centenas de órgãos autônomos.

O sistema hierárquico do quadro administrativo assegura alto grau de efici-

ência no exercício de dominação, sendo indispensável à sua racionalização - que

se traduz na minimização de atritos, redução de custos e eliminação de elementos

irracionais e emocionais que fogem à possibilidade de cálculo. O controle dos pro-

cessos e das rotinas imprime segurança e certeza, unificando a aplicação das nor-

mas no tempo e no espaço, segundo padrões éticos previamente estabelecidos.

Ou seja, o serviço público deve ser invariavelmente burocratizado porque lhe cabe

perseguir e implementar, com a máxima eficiência técnica, as normas legitimamen-

te impostas.

O funcionário público - seja ele o militar, o diplomata, o coletor do fisco, o

magistrado ou o delegado de polícia – só pode agir no âmbito do que lhe é facul-

tado pela norma. Nas relações entre agentes privados, impera a liberdade negati-

va: tudo o que não está proibido é permitido. O espaço de liberdade de ação é

bem maior, mas tem limites na ética organizacional e do trabalho. O modelo buro-

crático, nesse sentido, também sofre influência dos valores éticos socialmente enrai-

zados.

Ao se legitimar pelo saber técnico, pela especialização do conhecimento e

pela eficiência administrativa, fundamentado em um sistema hierárquico e discipli-

nar, a burocracia ajuda a fortalecer os padrões éticos legitimados. Dessa forma, ao

gerar mais obediência às normas de comportamento desejadas, a burocracia for-

talece o controle, a confiança e a previsibilidade nas organizações.

6.4 O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

Conforme visto nos itens anteriores, a ética nas organizações e nas burocra-

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cias visam estabelecer padrões mais elevados e socialmente legitimados de com-

portamento corporativo. Busca-se um equilíbrio entre as preocupações racionais,

financeiras, sociais e sustentáveis. No âmbito individual do exercício das profissões, a

ética também busca promover atitudes e valores considerados positivos pela soci-

edade, como a transparência, a verdade e a honestidade. Dessa forma, as ações

éticas, no âmbito profissional, são indispensáveis para orientar as condutas humanas

e gerar harmonia social.

Em qualquer profissão existe um mínimo ético a ser respeitado. Os conselhos

profissionais têm um papel relevante nesse sentido, ao disciplinar a conduta dos pro-

fissionais, prever situações que envolvam dilemas morais e estabelecer rotinas pa-

dronizadas para a resolução de conflitos. Os conselhos profissionais de classe CO-

MO O CRP, OAB, CREA, CAU, CRM,ETC , nesse sentido, são organizações que geram

previsibilidade e certeza para a conduta dos profissionais. Suas regras, normas e por-

tarias são guias de ação para situações de incerteza. Cada vez mais, a ética profis-

sional se enraíza nas relações de trabalho e produção, sobretudo em uma socieda-

de cada vez mais marcada pela proliferação de serviços e de demandas.

O Código de Ética Profissional busca a implantação de valores considerados

relevantes para a orientação da conduta dos indivíduos nas relações de trabalho e

as particularidades da profissão ao qual ele representa perante a classe e a socie-

ade. Conforme visto nas seções anteriores, as práticas éticas disseminadas social-

mente fortalecem as organizações e ampliam o seu valor de mercado. Organiza-

ções e seus profissionais não podem estar alheios ao que ocorre no ambiente exter-

no, pois estão socialmente inseridos num espaço e num tempo marcado por valo-

res, crenças e práticas institucionalizadas.

Conforme visto nas Unidades 1 e 2 deste livro, a Ética não deve ser vista co-

mo algo abstrato, mas como a base da agregação de valor e de conhecimento

em cada sociedade. Dilemas morais e éticos existem em todos os contextos sociais,

inclusive no mundo corporativo. O que as normas de conduta ética na vida profissi-

onal visam é elevar o desempenho, reduzir incertezas e disseminar ações conside-

radas positivas, lícitas, corretas e desejáveis.

Nesse sentido, a ética profissional não se diferencia tanto da ética na família,

na religião, na escola e na política.

A codificação e a formalização de comportamentos considerados éticos

buscam a sua interiorização e obediência. Diferentemente da Moral, o Direito esta-

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belece normas obrigatórias que induzem a adequação dos comportamentos dos

indivíduos às regras dadas, sob pena de sofrerem sanções em caso de descumpri-

mento.

Com o desenvolvimento e a expansão da economia capitalista, a ética pro-

fissional passou a ser um tema cada vez mais relevante. Na economia de livre-

mercado, o indivíduo é o ator central. Dessa forma, não se pode dissociar a ética

individual da ética das empresas. Da adequação dos indivíduos a comportamentos

socialmente esperados depende o êxito das empresas. As organizações modernas

são um produto da Revolução Industrial e se desenvolveram com base na certeza e

na previsibilidade.

No mundo pós-moderno, porém, impera o indivíduo. As organizações nada

mais são do que um conjunto de indivíduos mobilizados em torno de um objetivo

comum. Muitas vezes essa abstração esconde os atores que, mais do que simples

agentes signatários de um contrato de obrigações, são verdadeiramente sujeitos

ativos, seres conscientes da realidade e dotados de plena capacidade analítica e

reflexiva. A visão do indivíduo como unidade de análise levaria a novas formas de

superação da resistência à mudança que permitem a adoção espontânea de pa-

drões éticos, sem a necessidade de imposição.

A mudança DE PENSAMENTO ORGANIZACIONAL leva tempo para ser proces-

sada, um tempo que não é apenas o da organização, mas o que cada um dos

seus participes leva para responder aos estímulos do ambiente, já que a aceitação

e resistência à mudança é algo emocional e cognitivo. Assim sendo, direcionar as

percepções individuais e integrá-las num programa de ação coordenado no cam-

po da ética profissional pode ser o diferencial entre a adoção de um comporta-

mento resistente e a decisão convicta de superar a resistência.

A resistência à mudança de padrões éticos é um mecanismo de defesa, um

meio de expressão da insegurança, da nostalgia ou da repressão do indivíduo que

muda junto com a organização a que pertence. Assim, pensar o ser humano como

o princípio, a base de toda estratégia de mudança é a saída para a obtenção de

melhores resultados e o alcance dos objetivos pretendidos.

Dessa forma, as empresas que não conseguem convencer os indivíduos a

mudar os seus comportamentos éticos estarão sempre vulneráveis a comportamen-

tos perniciosos: corrupção, o patrimonialismo, o abuso de autoridade, o desvio de

dinheiro, a fraude e os diversos tipos de assédio. Considerados desvios éticos graves

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pela sociedade, esses problemas podem comprometer a reputação das empresas

e afetar o seu valor de mercado.

Empresas que visam apenas a maximização utilitária do lucro, sem preocu-

pações ambientais, sociais e humanas, estão mais sujeitas a comportamentos con-

siderados moralmente desviantes e antiéticos. A perda da reputação, do respeito e

da credibilidade, em um mundo de elevada competição, pode ser fatal para uma

companhia. Nesse sentido, tal como visto nas primeiras seções deste capítulo, as

empresas desenvolveram estratégias institucionais de adaptação à nova realidade

social, na qual práticas antiéticas são condenadas.

A necessidade de adequar ações humanas ao padrão de comportamento

desejado traz um custo elevado para as empresas. A necessidade de alterar diretri-

zes organizacionais, no plano interno e externo, conduziu à necessidade de seu

pensar em uma ética empresarial. A responsabilidade social com os empregados,

clientes, consumidores, fornecedores, governo e com a comunidade como um to-

do se insere neste contexto. A busca de um bom relacionamento com os diversos

atores que interagem no processo produtivo tem consequências diretas na imagem

das empresas e de seus empregados. Responsabilidade social, dessa forma, é indis-

sociável de uma harmônica relação de um profissional com o seu meio.

Os códigos de ética são uma imposição dessas mudanças institucionais. Nes-

se sentido, sob a influência de corporações norte-americanas, começaram a surgir,

na década de 1970, as primeiras codificações sobre os comportamentos dos funci-

onários e a sua adequação às regras éticas vigentes. Esses primeiros manuais de

conduta estavam alinhados às legislações vigentes naquele período, sobretudo no

campo das relações de trabalho, do meio ambiente e dos direitos do consumidor.

Buscava-se, sobretudo, a limitação da margem de ação dos empregados e a pu-

nição de comportamentos desviantes.

Na década seguinte, buscou-se a mudança das mentalidades não apenas

pelo uso de mecanismos de coerção e punição, mas pelo convencimento da ne-

cessidade de alteração dos padrões e da cultura organizacional. A busca do fo-

mento à confiança e à transparência no ambiente de trabalho foi a chave dessas

alterações. As pessoas precisavam ser convencidas dos valores das empresas e dos

princípios que defendiam. Tendo em vista esse novo contexto, as corporações re-

presentativas de categorias profissionais passaram a auxiliar no processo de norma-

tização, de orientação e de disciplina no ambiente de trabalho.

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Nesse sentido, os códigos de ética profissional se tornaram instrumentos de

racionalização de comportamentos profissionais. Eles apresentam os princípios ori-

entadores, os valores e as diretrizes consideradas éticas no exercício de cada profis-

são, com consonância com os padrões éticos e as melhores práticas da sociedade.

Sua eficácia depende, sobretudo, da sua aceitação e incorporação à cultura das

organizações e às rotinas dos funcionários.

6.5 ÉTICA E CIDADANIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A mudança de comportamentos éticos nas empresas depende, sobretudo,

da mudança das mentalidades individuais e da cultura organizacional. Não basta

às organizações apenas obedecer às legislações nacionais e gerar retornos finan-

ceiros aos seus acionistas. É preciso manter relações harmônicas com todos os ato-

res que com elas interagem, gerando comprometimento com valores básicos da

sociedade.

A incorporação de valores nas interações sociais fortalece a aceitação das

empresas e o desejo por seus produtos e serviços. A valorização de competências,

o reconhecimento da cidadania, a busca da transparência, da excelência, da efi-

ciência, da competência e da honestidade são cada vez mais centrais no merca-

do de trabalho.

Em síntese, a disciplina da ética, nas relações sociais e no mundo do traba-

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lho, tornou-se um imperativo no mundo contemporâneo. Os princípios éticos são

importantes não apenas para a adequação das organizações às normas social-

mente aceitas como lícitas e corretas, mas também para o fortalecimento de uma

cultura cidadã no país. A ética é indispensável para agregar valor às relações pro-

dutivas e para fortalecer o compromisso das organizações com os valores supremos

da cidadania. Não se pode separar o espaço público do espaço privado no que

toca a valores indispensáveis da civilização.

Dessa forma, ao valorizar profissionais éticos e prestigiar práticas alinhadas

com comportamentos socialmente responsáveis, as empresas maximizam as suas

vantagens competitivas e contribuem para disseminar padrões mais elevados de

comportamento social. No longo prazo, decisões éticas constituem a base sobre a

qual se constrói uma sociedade mais livre, justa e solidária, baseada nos valores do

trabalho e da livre-iniciativa. Os Códigos de Ética Profissional, nos mais variados

campos do trabalho, são instrumentos que asseguram a difusão de normas de con-

duta ética no mundo corporativo, moldando empresas e profissionais segundo pa-

drões moralmente desejados.

Não se pode depender, contudo, apenas dos instrumentos punitivos para

que tais normais sejam cumpridas no cotidiano profissional. É preciso, sobretudo,

mudar mentalidades e difundir novas práticas culturais acerca da ética empresarial

e profissional. As empresas bem-sucedidas, em mundo globalizado, são aquelas

capazes de se pautar por um mínimo ético. Dessa forma, empresas não devem en-

carar a ética como um empecilho para o alcance dos seus objetivos, mas como

uma plataforma de sustentação e de sobrevivência. Padrões éticos de conduta

melhoram as relações entre os empregados, elevam a imagem externa e melhoram

a relação das empresas com o seu meio, contribuindo para uma sociedade mais

harmônica e equilibrada.

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Inconstrastável: O que não pode ser respondido, contrastado.

Neoinstitucionalista: corrente sociológica que explica a adoção de regras por uma insti-

tuição, bem como as marcas e atitudes empregadas por ela, tudo isso baseado em va-

lores culturais de uma sociedade.

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (FGV - Analista Legislativo Municipal, 2007) Código de valores que norteiam a

conduta de um indivíduo, bem como suas decisões e escolhas, fazendo com

que esse indivíduo seja capaz de julgar o que é certo e errado.

Trata-se d definição de:

a) Altruísmo

b) Egoísmo

c) Consenso

d) Participação

e) Moralidade

2. (Fundação Carlos Chagas (FCC, 2019) A ética associa cultura e sociedade para

definir o que seja mal ou bem, vício ou virtude, que são antagônicos. Com base

nessa definição, a virtude da “gentileza”, muito importante para o atendimento

do cidadão- usuário, correlaciona-se ao vício de:

a) Irascibilidade

b) Ambição

c) Vaidade

d) Indulgência

e) Vulgaridade

3. (FGV, 2015, adaptado) O campo em que a ética empresarial se manifesta é

constituído por três elementos: agente, virtude e meios. Os dilemas éticos resul-

tam do conflito presente nos valores, nos destinatários, e nos meios que servem

de base às decisões, impondo uma hierarquia de princípios. Encontrar solução

para esses dilemas não é tarefa fácil. Mas alguns princípios podem facilitar a de-

cisão acerca dos dilemas éticos, entre eles:

a) Faça o que for melhor para o maior número de pessoas e siga seu mais alto juízo

ou princípio

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b) Faça o que for melhor para o maior número de pessoas e opte pelos valores do

ambiente

c) Siga seu mais alto juízo ou princípio e opte pelo alijamento do código de conduta

moral vigente

d) Faça o que quer que os outros façam a você; e opte pelo alijamento do código

de conduta moral vigente

e) Faça apenas o que lhe foi solicitado e nada mais.

4. (FCC, 2019) Determinado agente público estadual comissionado tem direito a

carro oficial para ser utilizado no exercício de suas funções. Considere que o refe-

rido agente tem feito uso desse direito para seus familiares, em especial para

conduzir seus filhos às atividades escolares. A conduta do agente:

a) a despeito de violar o código de ética, somente poderá ser apurada se for obje-

to de denúncia, cabendo ao denunciante demonstrar o efetivo prejuízo causa-

do aos cofres públicos.

b) viola o código de ética da Administração Pública Estadual, razão pela qual po-

derá ser instaurado, de ofício ou em razão de denúncia, procedimento para

apuração dos fatos, de competência da Comissão Geral de Ética.

c) a despeito de ferir o princípio da moralidade, não viola o código de ética da

Administração Pública Estadual, pois este não se aplica aos servidores comissio-

nados, mas aos servidores públicos titulares de cargo efetivo e aos titulares de

cargo de alta direção.

d) não viola o código de ética, porquanto, em razão dos usos e costumes, é admi-

nistrativamente aceita.

e) somente poderá ser objeto de apuração pela Comissão de Ética na hipótese de

o referido agente ter expressamente aderido aos termos do Código de Ética no

momento da investidura.

5. (FEPESE, 2019) Leia o fragmento a seguir.

A ética profissional garante um ambiente de trabalho produtivo e seguro. A fim

de explicitar os padrões éticos para uma determinada classe profissional, foram

instituídos os ____ que têm por finalidade tornar claro o pensamento de uma da-

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da classe profissional, de modo a comprometer seus integrantes com os objetivos

particulares da profissão, respeitando os princípios ____ da ética.

Assinale a alternativa cujos itens completam corretamente as lacunas do frag-

mento acima.

a) códigos de conduta - universais

b) regulamentos - legais

c) códigos de conduta - legais

d) regulamentos - universais

e) regulamentos - morais

6. (FEPESE, 2019) É característica importante para o atendimento ao público a de-

monstração de:

a) presteza e intolerância.

b) ineficiência e educação

c) cortesia e falta de paciência.

d) pernosticidade e postura profissional

e) objetividade na comunicação e postura profissional

7. (FAUEL, 2019, adaptada) Leia com atenção a definição a seguir e assinale o ter-

mo correspondente. É um conjunto de valores e normas de comportamento e de

relacionamento adotados no ambiente de trabalho, no exercício de qualquer

atividade. Ter essa conduta é saber construir relações de qualidade com cole-

gas, chefes e subordinados, contribuir para bom funcionamento das rotinas de

trabalho e para a formação de uma imagem positiva da instituição perante os

públicos de interesse, como acionistas, clientes e a sociedade em geral. (Fonte:

Guia da Carreira)

a) Cidadania e urbanidade.

b) Ética profissional.

c) Relações humanas.

d) Sociedade de consumo.

e) Moralidade e responsabilidade.

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8. (FEPESE, 2019) Analise as afirmativas abaixo que tratam de Ética e Responsabili-

dade Social nas organizações:

1. As organizações contemporâneas devem valorizar o comportamento ético de

seus funcionários e agir de forma responsável em relação ao seu ambiente de

atuação.

2. As organizações contemporâneas devem buscar seus resultados independen-

temente dos padrões éticos e morais empregados para obtê-los.

3. A responsabilidade social é sempre um custo desnecessário para as organiza-

ções.

4. Ações de responsabilidade social podem valorizar a imagem organizacional.

Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.

a) É correta apenas a afirmativa 1.

b) É correta apenas a afirmativa 2.

c) São corretas apenas as afirmativas 1 e 3

d) São corretas apenas as afirmativas 1 e 4.

e) São corretas apenas as afirmativas 2 e 3.

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RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 01

UNIDADE 02

QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 A

QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 E

QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 D

QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 D

QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 C

QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 D

QUESTÃO 7 E QUESTÃO 7 C

QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 C

UNIDADE 03

UNIDADE 04

QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 C QUESTÃO 2 E QUESTÃO 2 B QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 D QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 C QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 A QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 D QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 D QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 A

UNIDADE 05

UNIDADE 06

QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 E QUESTÃO 2 E QUESTÃO 2 A QUESTÃO 3 D QUESTÃO 3 A QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 B QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 A QUESTÃO 6 B QUESTÃO 6 E QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 B QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 D

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