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BRASIL: MINAS GERAIS Ouro Preto MANSO Casa do Manso Foto: Tiago Sala 2014 Localizada no Parque Estadual do Itacolomy, a Casa do Manso tem grandes dimensões e porte imponente, sendo notável a sua semelhança com as casas paulistas. Construída com pedra, em três lanços; na planta original, ao alpendre de entrada, ladeado por dois cômodos, seguia-se um grande salão, circundado por quartos e uma área de trabalho, simétrica ao alpendre, nos fundos; as divisões internas eram de pau a pique e as estruturas do telhado eram sustentadas por colunas de madeira que seguravam também um segundo piso centralizado. A função desta construção, situada em lugar de difícil acesso e grande altitude, é bastante discutível e discutida, sem que se haja chegado a uma conclusão; de qualquer forma, é nítido o seu caráter fortificado. As terras em que se situa a Casa foram cedidas em sesmaria ao sargento-mor Manoel Manso da Costa Reis em 1770, o que faz supor que a construção seja posterior e que toda a relação com as conquistas dos paulistas nas Minas Gerais seja pura especulação.

 · Web viewA esta carta, segue-se a transcrição de um documento do Arquivo Público Mineiro, pelo qual Dom José Luiz de Meneses Abranches Castelo Branco de Noronha, Conde de Valadares

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BRASIL: MINAS GERAIS Ouro Preto MANSO

Casa do MansoFoto: Tiago Sala 2014

Localizada no Parque Estadual do Itacolomy, a Casa do Manso tem grandes dimensões e porte imponente, sendo notável a sua semelhança com as casas paulistas.

Construída com pedra, em três lanços; na planta original, ao alpendre de entrada, ladeado por dois cômodos, seguia-se um grande salão, circundado por quartos e uma área de trabalho, simétrica ao alpendre, nos fundos; as divisões internas eram de pau a pique e as estruturas do telhado eram sustentadas por colunas de madeira que seguravam também um segundo piso centralizado.

A função desta construção, situada em lugar de difícil acesso e grande altitude, é bastante discutível e discutida, sem que se haja chegado a uma conclusão; de qualquer forma, é nítido o seu caráter fortificado.

As terras em que se situa a Casa foram cedidas em sesmaria ao sargento-mor Manoel Manso da Costa Reis em 1770, o que faz supor que a construção seja posterior e que toda a relação com as conquistas dos paulistas nas Minas Gerais seja pura especulação.

Pelo contrário (e diversamente da Casa de Amarantina, certamente um documento arquitetônico da penetração dos paulistas em território das Minas Gerais), o que a Casa do Manso sugere é a persistência de um partido e sua adaptação a novos programas, no caso uma grande moradia que teria também a função de posição defensiva em caso de levantes e revoltas.

Situated in the Itacolomy State Park, the Manso House is a very large, imposing building, which bears a striking resemblance to the São Paulo houses.

Built from stone, in three sections, in the original floor plan the entrance porch, flanked by two rooms, leads to a large hall, surrounded by bedrooms and a service area symmetrical to the porch at the back of the house. The walls were made from wattle and mud and the roof structures were supported by wooden columns that also held up a second floor in the centre of the building.

The purpose of this building, located in a rather inaccessible area of high land, is debateable and no conclusions have so far been drawn; what we do know is that it is clearly a fortified structure.

The land where the House is situated was donated by the Crown to Sergeant Major Manoel Manso da Costa Reis in 1770, which suggests that the building was erected later and that any link to the conquests of the São Paulo bandeirantes in Minas Gerais is pure speculation.

Conversely (and unlike the Amarantina House, which is undoubtedly an architectural vestige of the incursions made by the São Paulo bandeirantes into the territory of Minas Gerais), the architectural design of the Manso House appears to have been preserved but adapted to suit the building’s different roles, specifically that of a large dwelling that may also have functioned as a defensive position in the event of uprisings and revolts.

Casa da Fazenda do Manso, Ouro Preto.Foto: Erich Hess circa 1940

Publicada na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (nº 17, 1969), ilustrando a transcrição da Palestra proferida por Rodrigo Melo Franco de Andrade, em Ouro Preto, a 1 de Julho de 1968 1.

1.ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. PALESTRA PROFERIDA POR RODRIGO MELO FRANCO DE ANDRADE, EM OURO PRETO, A 1 DE JULHO DE 1968. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: nº 17, p. 11-26. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1969.

Casa do Manso: porta. Casa do Manso: janela com conversadeiras.Foto: Tiago Sala 2014 Foto: Tiago Sala 2014

O Arquivo Noronha Santos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional está situado no Rio de Janeiro, no edifício do antigo Ministério da Educação e Cultura, construído por uma equipe de arquitetos brasileiros (Lúcio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos e Jorge Moreira Lima), com a colaboração do arquiteto franco-suíço Le Corbusier.

No Arquivo, o primeiro documento que aparece na pasta referente à Fazenda São José do Manso em Ouro Preto 2, traz o timbre do ‘Chá Edelweiss, Finíssimo Chá Preto’, produzido na Fazenda São José do Manso, em Ouro Preto, Minas Gerais, por José Sales de Andrade, residente à Rua Cláudio Manoel, nº 21, também em Ouro Preto.

É uma carta, datada em Ouro Preto a 22 de Setembro de 1941, assinada pelo proprietário da Fazenda do Manso, José Sales de Andrade, dirigida a Rodrigo Melo Franco de Andrade.

“Ouro Preto, 22 de Setembro de 1941.

Excelentíssimo Senhor Doutor Rodrigo Melo Franco de Andrade

Digníssimo Diretor do Patrimônio Artístico

Rio de Janeiro

Prezado Senhor:

Pedindo desculpar-me a liberdade de dirigir-lhe a presente, solicito-lhe a sua obsequiosa atenção para o que baixo passo a expor.

A casa da velha fazenda do Manso, tão cheia de tradições da Inconfidência Mineira, por se achar ligada a personagens que nela residiam ou recreavam, considerada e tombada pelo Patrimônio Artístico como o colonial de campo mais antigo e que, segundo informações do senhor Epaminondas Macedo, foi reproduzida em uma maquete que figura nas exposições do Ministério da Educação, merecendo destaque nas propagandas de turismo, ameaça ruir.

A sua reconstrução e reconstituição para mim é bastante pesada, e eu queria, se possível, a assistência técnica e econômica do Serviço.

Pretendo construir uma pequena e ligeira morada para recreio e mesmo para atender aos serviços de maior necessidade das minhas lavouras de chá, que orçam por 1.500.000 pés; proponho, em substituição, a reconstrução da referida casa, concorrendo eu com determinada percentagem, a fim de torná-la habitável periodicamente.

Dei, como vê o prezado amigo, um fim útil às terras que circundam a velha casa da Fazenda do Morro da Cava, onde trabalham diariamente cerca de 100 operários.

Como zelador que é das obras de arte, e como tal sendo a minha propriedade considerada, pois aceitei o seu tombamento, venho denunciar-lhe o seu estado de ruína, e certo de lhe merecer atenção, aguardo as suas instruções e subscrevo-me.

De Vossa Senhoria admirador muito atento,

José Sales de Andrade.” 3

2.IPHAN: ARQUIVO CENTRAL / RJ. SÉRIE INVENTÁRIO: MG 073 / 2.

3.Documento I.MG – 273.01 A. Ouro Preto, Minas Gerais: Casa da Fazenda do Manso. IPHAN: ARQUIVO CENTRAL / RJ: SÉRIE INVENTÁRIO: MG 073 / 2.

A esta carta, segue-se a transcrição de um documento do Arquivo Público Mineiro, pelo qual Dom José Luiz de Meneses Abranches Castelo Branco de Noronha, Conde de Valadares e Governador e Capitão General da Capitania das Minas Gerais faz saber “aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que tendo respeito a me representar por sua petição o Sargento Mor desta Comarca Manoel Manso da Costa Reis que por si e seus antecessores por título de compra e rematação se acha em posse de umas terras com algumas capoeiras e matos e sua olaria adiante da sesmaria concedida a esta Vila indo para as Lavras Novas e poderão compreender meia légua mais ou menos e como não tem sesmaria alguma a quer a legitimar a dita posse com título dela, requerendo-

me lhe concedesse a dita paragem meia légua de terra em quadra por sesmaria… tudo na forma das ordens de Sua Majestade do que atendendo eu e ao que responderam os oficiais da Câmara de Vila Rica e o Digníssimo Desembargador e Provedor da Fazenda Real e Procurador da Coroa nesta Capitania a quem ouvi de não lhes oferecer dúvida alguma na concessão visto ter o suplicante justificado por testemunhas na forma das ordens do dito Senhor não ter outras propriedades, nem pertencer esta a alguma outra pessoa e também por não encontrarem inconveniente que a proibissem… faço conceber em nome de Sua Majestade ao dito Sargento Mor Manoel da Costa Reis por sesmaria meia légua de terra em quadra… na referida paragem… feita primeiro demarcação e notificação como nesta ordeno de que se fará termo no livro a que pertencer e assento nas costas desta para constar o referido. E por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada e selada com o selo de marcar que se cumprirá inteiramente como nela se contém registrando-se nos livros da Secretaria deste Governo e onde mais tocar. Dada em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto a 6 de Agosto do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1770. O Secretário do Governo de Minas Gerais José Luís Saia a fez escrever. Conde de Valadares.” 4

4.Transcrição de Documento do Arquivo Público Mineiro: Códice 172: Seção Colonial: 1ª Seção: Registro de Sesmarias: folha 51. IPHAN: ARQUIVO CENTRAL / RJ: SÉRIE INVENTÁRIO: MG 073 / 2.

E assim, as terras onde hoje está a casa que leva seu nome passaram para o sargento-mor Manoel Manso da Costa Reis, no ano de 1770. Curioso assinalar que o secretário do Governo de Minas Gerais, que fez escrever a doação da sesmaria, se chamava José Luís Saia.

Esse documento parece desmentir a suposição de que “a casa teria sido construída por Domingos da Silva Bueno, segundo guarda mor do distrito das Minas Gerais, por volta de 1706 e 1708, para cobrança dos quintos, vigilância e defesa do acesso à Minas de Ouro Preto, sendo o primeiro edifício público da história das Minas Gerais” 5.

5.Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Prefeitura de Ouro Preto, p. 120.

Primeiro, porque antes de 1718 (momento da chegada do Conde Assumar à Vila do Ribeirão do Carmo, futura Mariana), a cobrança dos quintos era atribuição das câmaras 6; segundo, porque o caminho por baixo, em direção a Mariana, é bem mais acessível; terceiro, porque as janelas de vergas curvas indicam uma data bem posterior ao início do Século XVIII.

6.A Sedição de Vila Rica, chefiada por Felipe dos Santos, ocorreu em 1720.

Segue duas séries de fotos: a primeira tem 21 fotos em branco e preto em ótimo estado de conservação, das quais as primeiras vinte são identificadas como sendo feitas por Erich Hess, possivelmente na década de 30, sendo que uma delas foi utilizada no número 17 da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, publicado em 1969 7; a segunda tem 27 fotos mais recentes, a cores, bastante envelhecidas e desbotadas.

7.PALESTRA PROFERIDA POR RODRIGO MELO FRANCO DE ANDRADE EM OURO PRETO A 1 DE JULHO DE 1968. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: nº 17: p. 11-26. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1969, p. s/nº [26a].

A Fazenda São José do Manso foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA em 22 de Setembro de 1998. 8

8.Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA. Bem Cultural: Fazenda São José do Manso. Categoria: Bem Imóvel – Século XVIII. Decreto / Data: Homologação 22 de Setembro de 1998.

Casa do Manso: pilar do alpendre e detalhes.Fotos: Tiago Sala 2014

Casa do MansoFoto: Tiago Sala 2014