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AMAZÔNIA COMO POLO DE DESENVOLVIMENTO PERIFÉRICO NO SÉCULO XXI: INOVAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E CONFLITO TERRITORIAL RESUMO: Estudar e analisar os processos de transformações sócio- espaciais em que a Amazônia Ocidental hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de desenvolvimento regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região. Cujo principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de políticas públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Tendo como ponto de partida, as experiências com distritos industriais, a exemplo do Distrito Industrial de Manaus (DIM), que gera a perspectiva do “desenvolvimento local” e a instalação do Polo Naval. Em contraste, às contradições diante dos conflitos sociais e territorial envolvendo populações tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na região. Palavras-chave: Amazônia Ocidental; Desenvolvimento; Conflito territorial Abstract: To study and analyze the processes of socio-spatial transformations in which the Western Amazon is now reconfiguring itself as a potential alternative pole of regional development, with the epicenter of the municipality of Manaus and region. Whose main historical articulator in this purpose, in the implementation and management of public policies for its development, the Superintendence of the Manaus Free Zone - SUFRAMA. Starting from experiences with industrial districts, such as the Industrial District of Manaus (DIM), which generates the perspective of "local development" and the installation of the Naval Pole. In contrast to the contradictions, in the face of social and territorial conflicts, involving traditional populations and the developmental multi-interests of the region. Key-words: Western Amazonia; Development; Territorial conflict

 · Web viewComo bem delineia Costa (1979), a análise dos fluxos migratórios é indissociável da avaliação do impacto da ocupação econômica de uma região. No que tange à

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AMAZÔNIA COMO POLO DE DESENVOLVIMENTO PERIFÉRICO NO SÉCULO XXI: INOVAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E CONFLITO TERRITORIAL

RESUMO: Estudar e analisar os processos de transformações sócio-espaciais em que a Amazônia Ocidental hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de desenvolvimento regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região. Cujo principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de políticas públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Tendo como ponto de partida, as experiências com distritos industriais, a exemplo do Distrito Industrial de Manaus (DIM), que gera a perspectiva do “desenvolvimento local” e a instalação do Polo Naval. Em contraste, às contradições diante dos conflitos sociais e territorial envolvendo populações tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na região.

Palavras-chave: Amazônia Ocidental; Desenvolvimento; Conflito territorial

Abstract: To study and analyze the processes of socio-spatial transformations in which the Western Amazon is now reconfiguring itself as a potential alternative pole of regional development, with the epicenter of the municipality of Manaus and region. Whose main historical articulator in this purpose, in the implementation and management of public policies for its development, the Superintendence of the Manaus Free Zone - SUFRAMA. Starting from experiences with industrial districts, such as the Industrial District of Manaus (DIM), which generates the perspective of "local development" and the installation of the Naval Pole. In contrast to the contradictions, in the face of social and territorial conflicts, involving traditional populations and the developmental multi-interests of the region.

Key-words: Western Amazonia; Development; Territorial conflict

a. INTRODUÇÃOA concepção de “desenvolvimento territorial”, de acordo com Corrêa (2009),

tem se tornado recentemente um dos métodos de se considerar as formas de atuação

do Estado e de atores locais na promoção de políticas de desenvolvimento e de

combate à pobreza no Brasil.

A discussão acerca da formação de territórios como lócus para a articulação de

atores locais no intuito de promover estratégias de desenvolvimento articuladas a

políticas públicas definidas pelos Estados nacionais não é recente. Na verdade,

estruturas territoriais foram adotadas em países europeus em períodos anteriores ao

próprio processo de industrialização engendrado nesses mesmos países. Nesse

contexto, foi-se gerando um tipo de institucionalidade que estabeleceu relações entre

os atores locais; entre eles e os representantes dos territórios; e entre estes últimos e

os Estados nacionais. Esta articulação, que foi se aprofundando à medida que os

países avançavam tecnologicamente e, ao tempo em que esse processo ocorria,

aprofundava-se a ideia de que era possível separar os espaços essencialmente

urbanos dos rurais, sendo que os primeiros eram vistos como “lócus privilegiado” do

desenvolvimento.

No contexto desta discussão cabe o comentário de Almeida Filho (2006), em

que a própria concepção de desenvolvimento acabava por ter um viés essencialmente

economicista. O conceito passa a ser usado como uma ideia de progresso, de

expansão, de crescimento econômico com certo grau de autonomia.

Podemos considerar que, no âmbito desse debate de desenvolvimento

essencialmente econômico, se colocam dois caminhos de interpretação conforme

Mollo (2004). De um lado, aquele ligado a modelos econômicos “ortodoxos”, que

defendem a não intervenção do Estado e o liberalismo como forma de se alcançar a

alocação ótima dos recursos e, de outro lado, aqueles ligados a modelos

“heterodoxos”, que levantavam a necessidade de intervenção do Estado, uma vez que

uma das características da economia capitalista é a de ser intrinsecamente

desequilibrada e instável, sendo que o “livre mercado” não resolve os problemas de

“arranjos convenientes”. Observe-se que o conceito regional faz parte desse segundo

caminho e surge como uma interpretação da natureza desigual do desenvolvimento

econômico e das causas do atraso de algumas regiões do mundo, como também no

âmbito dos Estados nacionais em geral.

A partir dos anos 1970, abre-se um debate acerca do perfil das políticas a

serem adotadas para o desenvolvimento de uma determinada localidade e,

considerando experiências europeias e norte-americanas, se aprofunda a ideia de que

o desenvolvimento de um determinado espaço geográfico depende parcialmente do

nível de organização de sua sociedade em relação aos objetivos que lhes são

comuns. Estas experiências abrem espaço para o que ficou conhecido como

“abordagem territorialista”.

Um dos principais pontos de partida dessa abordagem consistiu nas pesquisas

sobre a análise da dinâmica regional italiana. De fato, tais estudos levam em conta a

experiência de uma nova realidade territorial a que denominaram Terceira Itália, que

apresentava elevadas taxas do emprego industrial e um excelente desempenho das

exportações, sendo que estes resultados não eram oriundos de políticas regionais

efetuadas de cima para baixo, ou seja, uma política de Estado. Mas sim de

articulações entre as empresas internas à própria região.

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Becattini (1979) se concentrou no conteúdo dessa estrutura, destacando a sua

matriz produtiva baseada em uma forte presença de pesquisa mensal de emprego

(PME) e no seu perfil de especialização industrial. Esses estudos retomaram aspectos

levantados por Marshall (1930), o que levou a configuração industrial da Terceira Itália

a ser denominada “distrito industrial marshalliano”.

Marshall (1930) definiu o conceito de distrito industrial destacando as sinergias

geradas pela aglomeração de empresas em um espaço determinado, por conta de que

isto gerava certas “economias externas de localização”, que contribuíam para reduzir

os custos de produção. Dentre os elementos destacados, cabe comentar: i) a

concentração de trabalhadores qualificados; ii) o acesso fácil a insumos e serviços

especializados; e iii) a existência de uma atmosfera industrial que facilita a

disseminação de novos conhecimentos.

Para além desses aspectos, Becattini (1979), estendeu a análise marshalliana,

que trata dos efeitos econômicos que as aglomerações produtivas promovem,

incorporando uma nova perspectiva que inclui fundamentos sociais, culturais e

institucionais à perspectiva de crescimento industrial proporcionado pelas sinergias

geradas nos distritos industriais.

Sendo que a partir da década de 1990 uma vertente desses estudos avançou

no sentido de mostrar que o ideal é a articulação entre políticas de “desenvolvimento

endógeno”, com políticas mais amplas de desenvolvimento “regional”.

Esta linha de reflexão, aplicada às micro e pequenas empresas, deu lugar a

uma série de pesquisas que levantaram diversas experiências internacionais de

desenvolvimento territorial. Estas experiências mostravam a importância da articulação

entre agentes de uma determinada localidade reunidos em prol da geração de uma

estratégia de expansão daquela localidade, levando em conta as sinergias geradas

pela aglomeração de empresas que cooperavam entre si.

Nessa perspectiva, o referido artigo visa a estudar e avaliar os processos de

transformações socioeconômica em que a Amazônia Ocidental, mais especificamente

o Estado do Amazonas, hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de

desenvolvimento regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região. Cujo

principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de políticas

públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca de Manaus

– SUFRAMA, se faz presente. Cabendo a referida Autarquia Federal a atribuição em

estudar, planejar e viabilizar, participando ativamente com outros atores, públicos e

privados, a organização de aglomerados produtivos endógenos, com foco em um

conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos e

interdependência, a partir de uma base social, cultural, política e econômica comum.

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Condição esta, se faz necessário para a formação dos arranjos produtivos locais

(APLs). Tendo como ponto de partida as experiências com distritos industriais, a

exemplo do Polo Industrial de Manaus (PIM)/Distrito Industrial de Manaus (DIM), que

gera a perspectiva do “desenvolvimento local” e o estabelecimento do Polo Naval de

Manaus. Como também, suas contradições, diante dos conflitos sociais e territorial,

envolvendo populações tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na

região.

b. DESENVOLVIMENTOInicialmente, faz-se ressaltar o fato histórico-geográfico sobre a ocupação do

que é hoje o Brasil e toda a América Latina, correspondendo a um episódio do amplo

processo de expansão marítima das empresas comerciais e Estados europeus para

exploração de recursos naturais a partir do século XV. Processo que constitui este

território como uma das mais antigas periferias de economia-mundo capitalista,

forjadas no paradigma sociedade-natureza denominado “economia de fronteira”.

Assim sendo, a região norte da América do Sul abriga um dos biomas mais

ricos em diversidade biológica do mundo: a Floresta Amazônica. No total ela abrange

09 (nove) países incluindo o Brasil que abriga cerca de 85% dessa riqueza. Composto

pelos seguintes países que formam a Amazônia Continental ou PanAmzônia: Brasil,

Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Republica da Guiana, Suriname e

Guiana Francesa.

Nesse sentido, a matriz reflexiva deste trabalho inicia-se no modelo de

formação sócio-espacial em Santos (1977). Nesse aspecto, a constituição econômica

e social está histórica e geograficamente localizada, cuja formação social abarca a

realidade concreta, que se transforma, evolui e muda historicamente, dentro de uma

esfera de totalidade. Ao adotar o paradigma de formação sócio-espacial como

referencial teórico o qual manifesta preocupação com análises globalizantes que

levam ao reconhecimento dos vários níveis na construção de diferentes realidades,

sendo o primeiro nível - os alicerces - dominado pela presença do quadro natural

como definidor, em menor ou maior escala, da vida humana. Essa perspectiva teórico-

metodológica promove a aproximação entre a história e a geografia, ao mesmo tempo

em que favorece a consideração da dimensão histórica na geografia e da dimensão

geográfica ao longo da história, numa complementaridade que permite ultrapassar a

simples aparência fragmentária do espaço.

Consequentemente, como se depreende, a formação da Amazônia, desde sua

ocupação, se deu no modelo de periferia do capitalismo internacional, de área de

exploração. Sua ocupação estava voltada ao atendimento dos interesses de expansão

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além-mar das grandes empresas europeias. Desde o começo a Amazônia foi

entendida como uma área de fronteira “em que o progresso é entendido como

crescimento econômico e prosperidade infinita, baseado na exploração dos recursos

naturais, percebidos como igualmente infinitos” (BOULDING, 1966; BECKER, 1997).

O que merece ser explicitado é que a Amazônia teve uma história diferente da

brasileira. Dela se tomou posse e a região permaneceu por um longo tempo sob

processos ligados diretamente ao contexto internacional e à metrópole (Lisboa,

Portugal), praticamente à parte do Brasil. Pois somente na segunda metade do século

XVII a Amazônia se articula ao conjunto do sistema colonial português, e apenas no

século XIX integra-se ao Império brasileiro.

A dita ocupação, acompanhou os surtos de valorização de seus produtos no

processo mercantilista internacional (tanto as drogas dos sertões, como o ciclo da

borracha), da mesma forma, enfrentou períodos de abandono e estagnação quando

tais produtos perdiam proeminência junto ao mercado externo.

Diante disso, a dinâmica de um espaço geográfico qualquer precisa ser

compreendida à luz dos processos sociais que a engendraram sem, contudo,

esquecer as características naturais que ofereceram as bases para o seu

desenvolvimento. Essa visão aponta obrigatoriamente no sentido da

interdisciplinaridade, requisito fundamental para a percepção da totalidade e, ao

introduzir a dimensão espacial, demonstra a impossibilidade de compreensão da

sociedade sem referência ao espaço, pois toda formação econômico-social é espacial

e temporalmente determinada.

Assim, por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1946, um

programa de desenvolvimento é estabelecido para a Amazônia, que passa a ter um

conceito oficial e uma delimitação, com base em critérios geográficos e econômicos,

compreendendo 55% do território nacional. E para melhor administra-la, o Governo

Brasileiro cria a “Amazônia Legal”, instituída pela Lei n.º1.806, de 06 de janeiro de

1953, a qual foi sancionada pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas,

criando a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia

(SPVEA), autarquia federal por ele criada, tendo sua sede localizada na cidade de

Belém (PA) (Amazônia Oriental), e diretamente subordinada à Presidência da

República. Em seu art. 2º (Lei nº 1.806), fixa os limites da área de incidência da ação

governamental, conforme o seu texto determina1.1 “A Amazônia Brasileira, para efeito de planejamento econômico e execução do Plano definido nesta Lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Pará e Amazonas, pelos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé (Rondônia), Rio Branco (Roraima), e ainda, a parte do Estado do Mato Grosso, ao Norte do paralelo 16º S, a do Estado de Goiás, ao Norte do paralelo 13º S, e a do Estado do Maranhão, a Oeste do meridiano de 44º W.” Institui-se assim a Amazônia Legal – com base em critérios políticos, econômicos e geográficos que demandam longos estudos e debates -, abrangendo uma área

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Cabe ressaltar que a mesma não foi criada por suas características

geomorfológica ou de vegetação, mas sim, é fruto de um conceito político e não de um

imperativo geográfico. Tendo em vista a necessidade do governo de planejar e

promover o desenvolvimento da região e integra-la ao restante do país. No entanto,

com poucos resultados.

A SPVEA foi instalada em Setembro de 1953 e em seguida elaborou o

Programa de Emergência para 1954, com a participação dos governos estaduais e

dos territórios federais da região, abrangendo os itens transporte, energia, comércio,

saúde, comunicações, crédito, educação profissional, recursos naturais e obras e

serviços. A esse Programa, que foi aprovado pelo Decreto nº 35.020, de 08 de

fevereiro de 1954, seguiu-se o Plano Quinquenal (1955-1959), já durante o Governo

de Juscelino Kubitscheck, em sete volumes, contendo os programas Produção

Agrícolas, Transportes, Comunicações e Energia, Desenvolvimento Cultural, Recursos

Naturais, Saúde, Crédito e Comércio.

De maneira que, os resultados em favor do Estado do Amazonas e da parte

ocidental da Amazônia foram muito tímidos e pontuais. Destacando-se entre eles a

liberação de recursos para a instalação do Instituto Nacional de Pesquisas da

Amazônia (INPA), criado pelo então presidente Getúlio Vargas (Decreto nº 31.672, de

29 de outubro de 1952), com sede em Manaus (AM), e subordinado ao Conselho

Nacional de Pesquisas (CNPq); e para a execução do projeto de usina de luz e força

da Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM). Pois a difícil crise de energia elétrica

que se arrastava em Manaus havia 15 (quinze) anos, com o envelhecimento do

sistema implantado pelos ingleses na última década do século IX, solucionando-se

depois da difícil batalha empreendida no Congresso Nacional por parte de

parlamentares representantes do estado. Quando em 1962, a usina termelétrica de

Manaus foi, finalmente, concluída e instalada com três geradores de 7.500 KVA.

Mas foi através da política de Kubitscheck de unificação dos mercados

nacionais através de energia e transporte, e da transferência da capital federal para

Brasília, que trouxeram grandes mudanças para a região. As rodovias Belém–Brasília

e Brasília–Acre, verdadeiras pinças em torno da floresta amazônica, intensificam a

expansão pioneira que já se processava, atraindo migrantes de vários pontos do país

bem como especuladores de terras.

Como bem delineia Costa (1979), a análise dos fluxos migratórios é

indissociável da avaliação do impacto da ocupação econômica de uma região. No que

tange à Amazônia, foi realizado estudos partindo de uma análise histórica da

de 5.057.490 Km2, que corresponde a 59,387% do território brasileiro e extrapola os limites da Amazônia Clássica, restritos ao maciço florestal e à rede hidrográfica característicos da região.

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ocupação econômico-demográfica da região, ao examinar os componentes

demográficos básicos da população do Norte, a partir da década de 1960, para

proceder a uma avaliação da atuação governamental e das tendências demográficas à

época. Da análise desenvolvida, ficou claro que, nos primórdios da ocupação da

região, os movimentos populacionais estiveram estritamente associados aos ciclos de

produção extrativista, enquanto que, a partir de década de 1960, a área rural foi

incapaz de absorver seu próprio crescimento natural, ocorrendo, em consequência,

fortes fluxos migratórios no sentido rural-urbano de natureza intra-regional.

Mas é justamente na década de 1960 que ao iniciar um novo processo de

ocupação econômico-demográfico, processo este que explica a maior parte dos

grandes problemas que a região hoje enfrenta. Com a transferência da capital federal

para mais próximo da região, a abertura da Belém-Brasília, a Operação Amazônia,

constituíram fatos marcantes para a determinação de uma nova feição aos fluxos

migratórios regionais.

De modo que, entre 1950 e 1960 a população total da Amazônia cresce de 1

milhão para quase 5 milhões, acentuando-se na década de 1960. A partir de então, a

ocupação da Amazônia torna-se uma questão de Estado, bem mais complexa e

acelerada.

Pois, as tendências a partir da década de 1970 indicam, contudo, em

decorrência da abertura da Transamazônica, dos projetos de colonização do INCRA,

da consolidação da Zona Franca de Manaus, da construção de novas estradas e da

implantação de grandes projetos agropecuários e minerais (POLAMAZÔNIA),

observara-se uma maciça imigração para a região, de pequenos produtores em busca

de terra, principalmente, advindos do Nordeste, e fundamentalmente para as áreas em

que novas rodovias são abertas, bem como uma tendência para o esvaziamento

populacional do interior do Estado do Amazonas, onde a cidade de Manaus tende a

concentrar fortes fluxos rurais-urbanos. Fluxos estes estimulados pelo Governo

Federal, que, com a intenção de ocupar econômica e demograficamente a região,

desenvolvendo mecanismos que atraíssem um elevado contingente de novos colonos

sem-terra, que veem na Amazônia um lugar onde haveria a possibilidade de se

tornarem proprietários. E ao redefinir-se o papel da Amazônia, consequentemente,

modificam-se as características dos fluxos migratórios.

Implicando em ordem geopolítica interna e externa tornando a ocupação da

Amazônia uma prioridade nacional, entre 1964 e 1985, quando da tomada do poder

pelos militares, deu-se o planejamento regional para integração efetiva da região, o

Estado tomando a iniciativa de um novo e ordenado ciclo de devassamento

amazônico.

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O projeto de tal complexidade, tem características inerentes à estrutura do

Estado brasileiro e ao papel nele exercido pelas Forças Armadas. Gestado por

segmento da elite militar desde fins dos anos de 1940, em pleno regime liberal, o

projeto certamente não é fruto apenas dos militares, mas também de frações da elite

civil que ajudou a sustentá-lo. Dois aspectos da atuação dos militares, contudo, devem

ser ressaltados: a) a intencionalidade de avanço e o controle da Ciência e Tecnologia

como fundamento da soberania nacional, e não apenas a indústria de bens de capital,

e da consolidação do papel dirigente do Estado, entendido como único ator capaz de,

por meio de planejamento racional, promover a transformação acelerada da economia

e do território, condição da ascensão do país na nova lógica mundial; e b) a

instrumentalização do espaço como condição de execução do projeto. O Programa de

Integração Nacional (PIN) correspondeu a uma ação rápida e combinada para

simultaneamente completar a apropriação física do território, unificar, modernizar e

expandir a economia e estender a ação do Estado (BECKER, 1995)

A preocupação com a ocupação da Amazônia foi expressa em planos regionais

de âmbito nacional, tais como o Programa de Integração Nacional (PIN) e

posteriormente o Programa de Polos de Desenvolvimento. Com base nestes planos,

redefine-se o papel da região, no sentido de integrá-la ao esforço de crescimento

nacional, rompendo-se em parte com a visão da Amazônia como região extrativista,

propondo-a como alternativa de fronteira agrícola. Será o PIN o elemento preconizador

de tal modificação, quando propõe para a Amazônia “...Deslocar a fronteira econômica

e, notadamente, a fronteira agrícola, para as margens do rio Amazonas, realizando,

em grande escala, e numa região com importantes manchas férteis, o que a Belém-

Brasília e outras rodovias de penetração vinham fazendo em pequena escala e em

áreas menos férteis”, assim “reorientar as emigrações da mão-de-obra do Nordeste,

em direção aos vales úmidos da própria região e à nova fronteira agrícola, evitando-se

o seu deslocamento no sentido das áreas metropolitanas superpovoadas no Centro-

Sul”, integrando “a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a estratégia de

desenvolvimento do Nordeste, rompendo um quadro de soluções limitadas para

ambas as regiões”.2

Ressaltando-se que, ao lado dos projetos de colonização voltados para a

ocupação produtiva de terras por pequenos proprietários (colonização dirigida e/ou

espontânea), definiram-se grandes projetos agropecuários, a serem explorados por

grandes empresas subsidiadas por incentivos fiscais e facilidades creditícias. Assim,

concomitantemente ao amplo deslocamento humano, observou-se um deslocamento

de capital que se dirigia, principalmente, para a produção pecuária extensiva, por parte

2 Brasil, Presidência da República, Metas e Bases para a Ação de Governo (setembro de 1970), p. 29.

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de empresas ligadas a grupos empresariais do Centro-Sul, as quais geraram e geram

poucos empregos e ocupam grandes extensões de terras (formando novos latifúndios

em terras cedidas pelo governo – “terras ditas devolutas”). Fato esse perceptível a

partir de meados da década de 1970, quando se modificou a orientação sobre o

processo de ocupação regional, desacelerando os deslocamentos de contingentes

humano, dirigidos aos espaços vazios, quando se iniciou a substituição da ocupação

baseada em pequenas propriedades, sob a orientação do INCRA (Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária), e se enfatizou o papel da grande empresa

privada: “Até aqui, a Transamazônica deu ênfase à colonização, mas a necessidade

de evitarmos uma ocupação predatória, com um consequente processo de

desmatamento, e a de promovermos a manutenção do equilíbrio ecológico nos levam

a convidar as grandes empresas a assumirem a tarefa de desenvolver esta região”.3

Tal mudança da estratégia de ocupação se consolidaria no II PND, quando se

considerou a necessidade de concentrar-se a ação governamental em “áreas que

apresentam vantagens comparativas à ocupação produtiva e ao desenvolvimento,

passível, portanto, de virem a merecer atenção prioritária e o esforço de programação

espacial em função de sua localização estratégica e das potencialidades de

aproveitamento dos recursos minerais, de solo e de flora que detêm”.4 Assim, o

programa de colonização baseada em pequenos produtores ficou restrito a certas

áreas específicas quando se afirmou, no II PND, que “é de prever-se que o programa

de colonos e pequenos proprietários, pela densidade demográfica da região e pelas

suas características físico-climáticas, terá mais ênfase no Nordeste e em certas áreas

limitadas, do Centro-Oeste e da Amazônia”5. Além de tornar geograficamente

delimitado o plano de colonização baseada em pequenos produtores, desacelerando-

se a experiência de Projetos Integrados de Colonização (PIC), base sobre a qual se

assentou o plano de colonização: “O programa de colonização para a Amazônia será

“reorientado”. A partir deste ano, não haverá mais nenhum Projeto Integrado de

Colonização (PIC), como os de Altamira, Itaituba e Marabá. E, ao invés de

explorações rurais ao longo de estradas, sob o patrocínio oficial, escolher-se-ão polos

em que se implantarão pequenas, médias e grandes empresas (...) Resta, por

conseguinte, aproveitar essas correntes migratórias, canalizá-las racionalmente e

oferecer oportunidades de trabalho simultaneamente à concessão para beneficiar

empresas e cooperativas”.6

3 Trecho do discurso do Ministro Reis Velloso por ocasião da visita de empresários sulinos à Amazônia, in Planejamento e Desenvolvimento, vol. 1, nº 3 (setembro de 1973) pp. 21-25.4 Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLOAMAZÔNIA) (1974).5 Brasil, II PND, Cap. 5.6 Brasil, INCRA, Realizações e Metas (maio de 1975).

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Em consequência da seleção desta estratégia de desenvolvimento, centrada

na exploração das vantagens comparativas de produtos e setores, na qual a ocupação

dos espaços vazios não implica prioridade para a absorção de mão-de-obra,

desvinculou-se a problemática do Nordeste da problemática da Amazônia. Além disso,

o processo de colonização tomou nova feição: de oficial, baseado no assentamento de

parceleiros, passa ao âmbito das empresas privadas de colonização.

Quando, em 1966, porém, foi aprovada uma nova legislação, a Lei n.º 5.173,

de 27/10/1966, extinguindo a SPVEA e criando a Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), onde o conceito de Amazônia Legal é

reinventado para fins de planejamento7. Bem como pelo artigo 45 da Lei

Complementar nº 031, de 11/10/1977, a Amazônia Legal tem seus limites ainda mais

estendidos8.

Que também foi extinta (SUDAM) em 2001, durante o Governo de Fernando

Henrique Cardoso, à frente do poder executivo nacional, após diversas denúncias por

irregularidades e problemas envolvendo sua administração. Em substituição a SUDAM

foi criada a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) no mesmo ano (2001).

E, por fim, em janeiro de 2008, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, recria a

SUDAM extinguindo a ADA.

Baseado em poderosas estratégias, deram suporte ao projeto de ocupação

acelerada da região com as medidas reformistas da “Operação Amazônia”; a exemplo

da “Operação Nordeste”, iniciadas com a edição da Lei nº 5.122, de 28 de setembro

de 1966, modernizaram-se as instituições: o Banco de Crédito da Amazônia é

transformado em Banco da Amazônia S.A. (Basa). E no mesmo ano (1966), a Lei nº

5.173/66 é modificada pelas Leis nº 5.374/67 e 5.174/66, concedendo incentivos

fiscais à Região Amazônica. Ambos (BASA e SUDAM), permanecem até hoje.

Diante da questão geopolítica à época, os estudos e debates da Iª Reunião de

Incentivos ao Desenvolvimento da Amazônia (Iª RIDA) (Operação Amazônia),

revelaram as tendências e expectativas de investidores potenciais e de diferentes

segmentos da sociedade, diante das políticas públicas de incentivo ao

desenvolvimento regional, então formuladas. E colocaram em pauta os desequilíbrios

intra-regionais da Amazônia. A banda oriental da região, favorecida por sua

localização geográfica e por uma infra-estrutura econômico-social bem mais densa do

que a das áreas interiores, atraía naturalmente o interesse dos investidores, 7 Art. 2º A Amazônia para efeitos desta lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Acre, Pará e Amazonas, pelos Territórios Federais do Amapá, Roraima (Rio Branco) e Rondônia (Guaporé), e ainda pelas áreas do Estado de Mato Grosso a Norte do paralelo 16º S, do Estado de Goiás a norte do paralelo 13º S, e do Estado do Maranhão a Oeste do meridiano de 44º W.8 Art. 45 A Amazônia, a que se refere o artigo 2º da lei nº 5.173, de 27 de outubro de 1966, compreenderá também toda a área do Estado de Mato Grosso.

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respondendo com maior eficiência aos incentivos governamentais. A distribuição

percentual dos investimentos na Amazônia Legal confirmava a preferência do capital

privado em direção ao leste da Amazônia. Entre 1964 e 1966, 71,9% dos

investimentos incentivados na Amazônia Legal localizavam-se no Estado do Pará

(Amazônia Oriental); apenas 4,6% situavam-se no Estado do Amazonas (Amazônia

Ocidental).

Dessa forma, as perspectivas econômicas da sub-região da Amazônia

Ocidental nessa mesma época, como de resto de toda a Amazônia, eram pouco

promissoras. Percebendo a precariedade econômica da região, o Governo Federal

passa a tomar uma série de decisões, sendo a primeira delas a Operação Amazônia.

Essa operação constitui um “conjunto de leis, medidas e providências, visando a

desenvolver Amazônia, ocupá-la, povoá-la e fortalece-la economicamente”

(PANDOLFO, p. 35). Estabelecida no decorrer de 1966, a Operação Amazônia parece

ter causado limitado impacto sobre a Amazônia Ocidental e poucas repercussões

econômicas sobre Manaus. Tal argumento pode ser fortalecido com base nos

benefícios gerados por esse programa. A abertura de ramais na Belém-Brasília, assim

como a transformação da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização

Econômica da Amazônia) em SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da

Amazônia), e a implantação dos incentivos fiscais, vão sobremaneira concentrar-se na

Amazônia Oriental. O afluxo de recursos e benefícios para esta área incrementa o

desequilíbrio regional entre as “duas Amazônias”. Nesse contexto, o poder central

busca alternativas para incentivar o desenvolvimento da Amazônia Ocidental,

procurando diminuir o desequilíbrio regional.

Em decorrência disso, ainda na década de 1960, o Governo brasileiro, a

exemplo da posição já definida pelo Governo do Peru, que instituía a “lei da selva

peruana”, concedendo favores fiscais consistentes para ocupar produtivamente a sua

porção amazônica, opta por fazer completa reestruturação na política brasileira de

incentivos então vigente para a Amazônia brasileira, promovendo um conjunto de

mudanças consubstanciadas na “Operação Amazônia”, aqui já dimensionadas. Em

que o Banco de Crédito da Amazônia S.A, ao ceder lugar ao Banco da Amazônia S.A

(Basa), este último concebido com perfil de banco de desenvolvimento, com a

dinamização da Zona Franca de Manaus, um enclave industrial em meio à economia

extrativista e próximo à fronteira Norte, ao ser reformulada pelo Decreto-Lei nº 288, de

28 de fevereiro de 1967, alterando a Lei nº 3.173, de 06 de junho de 1957 (origem da

criação da Zona Franca de Manaus, durante a gestão do então Presidente da

República Juscelino Kubtschek), dando-lhe uma nova dimensão, convertendo-a em

área de exceção fiscal, abrindo um novo capítulo na história econômica da parte

11

ocidental da Amazônia brasileira. O qual em seu Artigo 1º (Decreto-Lei nº 288/67),

além de definir a sua área de influência, também preconiza o seu funcionamento, com

prazo de validade de 30 (trinta) anos, como “uma área de livre importação e

exportação com incentivos fiscais especiais, com o propósito de criar um centro

industrial, comercial e de agricultura no interior da Amazônia”. (MAHAR, p. 151).

Passando a funcionar, a partir de 1967, inicialmente, como grande entreposto de

mercadorias nacionais e estrangeiras, importando e comercializando produtos de

outras regiões do país e de outros países.

A Zona Franca de Manaus, faz saber que, a sua área abrange os limites totais

de dez mil quilômetros quadrados, que inclui a cidade de Manaus, capital do Estado, e

áreas adjacentes.

Delimitação territorial da Zona Franca de Manaus (Manaus e região) - (10.000Km2)Fonte: http://www.blogdosarafa.com.br/wp content/uploads/2015/03/LIMITES- 2.png. Acesso em 09 JAN 17.

Condicionando a concentração populacional na área urbana de Manaus como

um fato histórico-demográfico que antecede o estabelecimento da Zona Franca.

Contudo, como se sabe, quando se estimula o crescimento econômico de uma área

urbana, o processo de deslocamento de população que aflui de áreas estagnadas

para a área em desenvolvimento tende também a acelerar-se. Examinando a situação

da microrregião do Médio Amazonas, na qual Manaus está localizada, pode-se ter

uma ideia do estágio de desenvolvimento em que se encontrava esta microrregião na

12

época da implantação da Zona Franca, ao comparar a estimativa populacional em

1968 do município de Manaus, que era de 237.317 habitantes. Enquanto que o

número total de habitantes de toda a microrregião do Médio Amazonas era de 525.917

habitantes. Ou seja, como se pode observar, o município de Manaus era o mais

populoso, apesar de ocupar o quinto lugar em termos de tamanho em território (14.150

Km2), ao comparar-se às áreas dos 44 municípios existentes em todo o estado do

Amazonas, durante a década de 1960. A peculiaridade desse município, entretanto,

residia no fato de ser o único nesta microrregião cuja população urbana sobrepujava, e

ainda supera, a rural, até os dias atuais. A desproporção entre a população urbana

(232.998 habitantes) e a rural (4.319 habitantes), indica a existência de fluxos

migratórios rural-urbano um tanto relevantes. (COSTA, et al, p. 219-220)

Estendendo parcialmente os benefícios do modelo (ZFM), ao longo dos anos,

para uma área superior a 8,5 milhões de quilômetros quadrados, contemplando

grande parte ou a totalidade da Amazônia Ocidental. A qual engloba os estados do

Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima (Decreto Lei nº 356/1968) – e as cidades de

Macapá e Santana, no estado do Amapá (Lei nº 8.397/1991).

Sendo, a Amazônia Ocidental, detentora de quase 43% de extensão territorial

da Amazônia Legal, comportando aproximadamente 57% das florestas da região,

torna-se a parte mais preservada da Amazônia, além de ser um estoque de

biodiversidade sem precedentes.

Muitas espécies dessa região já são conhecidas no mundo, como a borracha

natural, a castanha, o guaraná, o açaí e o cupuaçu. Outras espécies, destinadas

principalmente ao uso alimentício e medicinal e para produção de combustíveis, estão

em fase de desenvolvimento. Para isso, tem no Instituto Nacional de Pesquisa da

Amazônia – INPA, e no Centro de Biotecnologia da Amazônia – CBA9, com suas

respectivas sedes localizadas no município de Manaus (AM), como um dos principais

centros de pesquisa da biodiversidade Amazônica. Os recursos minerais também são

abundantes na região e estão representados por grandes reservas de óleo e gás de

9 Instalado em um complexo com área construída de 12 mil metros quadrados e estruturado principalmente a partir de investimentos feitos pela SUFRAMA, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) tem por objetivo criar alternativas econômicas mediante a inovação tecnológica para o melhor aproveitamento econômico e social da biodiversidade amazônica de forma sustentável.

13

petróleo10; cassiterita; calcário; silvinita11; fósforo12; caulim; argila; nióbio13; tântalo; e

agregados para construção civil (brita, areia e granito, entre outros).

Com tantas possibilidades proporcionadas por seus potenciais, para quem

queira investir tem à disposição um leque de oportunidades que vão desde o

agronegócio e o beneficiamento de matérias-primas regionais à biotecnologia e o Polo

Industrial de Manaus - PIM. Havendo uma gama de produtos com viabilidade

econômica comprovada por estudos científicos à espera de investimentos nos Estados

e nas Áreas de Livre Comércio (ALCs)14.

Delimitação da Amazônia Ocidental: Sede da SUFRAMA, ALCs e Coordenações Regionais. Fonte: SUFRAMA

Assim, o estado do Amazonas, a maior unidade federativa em área física,

estima-se que atualmente estejam preservados 98% da Floresta primária, o que é

10 A partir do gás extraído da província petrolífera de Urucu, no município de Coari (AM), se produz a amônia.11 Mineral de onde se extrai o potássio. Cujos os dois grandes depósitos desse minério estão concentrados nos municípios de Nova Olinda do Norte (Calha do rio Madeira) e Itacoatiara (Calha do rio Amazonas), ambos localizados no estado do Amazonas. 12 Reservas concentradas no município de Apuí (AM), no sul do estado. 13 98% das reservas mundial, encontram-se em território brasileiro, localizada no Alto rio Negro, região conhecida como "cabeça do cachorro”, “morro dos seis lagos”, município de São Gabriel da Cachoeira (AM).14 As Áreas de Livre Comércio foram criadas para promover o desenvolvimento das cidades de fronteiras internacionais localizadas na Amazônia Ocidental e em Macapá e Santana, com o intuito de integrá-las ao restante do país, oferecendo benefícios fiscais semelhantes aos da Zona Franca de Manaus no aspecto comercial, como incentivos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Os objetivos principais das ALCs são a melhoria na fiscalização de entrada e saída de mercadorias, o fortalecimento do setor comercial, a abertura de novas empresas e a geração de empregos. Atualmente, as Áreas de Livre Comércio contempladas no perímetro do modelo Zona Franca de Manaus são as seguintes: Boa Vista e Bonfim, no Estado de Roraima; Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia; Brasiléia, com extensão a Epitaciolândia, e Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre; Tabatinga, no Estado do Amazonas; e Macapá e Santana, no Estado do Amapá.

14

possível graças à contribuição histórica do Polo Industrial de Manaus (PIM)/Distrito

Industrial de Manaus (DIM), como também, motivado pelo precário estado de

conservação da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). Além de dificultar

o acesso, é a única via terrestre ligando o estado do Amazonas ao restante do país.

Sem esquecer, naturalmente, da BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR), a

qual possibilita a ligação transfronteriça entre a Região Norte do Brasil e os países

setentrionais da América do Sul (Venezuela, República da Guiana e Suriname). Como

também, podendo dar acesso ao Caribe, à América Central, via Colômbia e Panamá.

Por extensão, dando passagem aos países da América do Norte. As quais foram

concebidas nos anos de 1970, por ocasião da implementação das políticas de

integração nacional durante os governos do regime militar, implantado a partir de

1964. Além é claro, do modal aéreo.

Sendo que, historicamente, é a via fluvial seu principal meio de acesso às mais

distantes localidades de toda a região e fora dela. O transporte e a navegação fluvial

possibilitaram e possibilitam, a ligação e a comunicação intra-regional e com o

restante do país, através de Belém (PA), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Cruzeiro

do Sul (AC), como também, com os países vizinhos que compõem a PanAmazônia.

Nesse aspecto cabe enfatizar que, a Amazônia brasileira tem em sua matriz de

mobilidade concentrada no modal aquaviário, primordialmente. Pois, a bacia

Amazônica sendo a maior rede hidrográfica do mundo, possui uma área superior a 7

milhões de Km2, correspondendo a aproximadamente 4 milhões de Km2 de toda a

área territorial brasileira. O grande número e a extensão de rios navegáveis,

favoreceram o surgimento de uma vasta frota de pequenas embarcações que

propiciaram o desenvolvimento de toda a região e a comunicação e sustentação das

comunidades mais afastadas dos grandes centros. Levando-se em conta a escassez

de estradas na área e os elevados custos de sua manutenção, em função do rigoroso

regime pluviométrico. Podendo considerar que a navegação interior permitiu ao país

manter o caráter nacional mesmo nas áreas mais longínquas de seu território.

Portanto, o transporte fluvial é considerado o modal mais apropriado e utilizado na

região, sendo vital não apenas para o deslocamento de passageiros, mas também,

para o abastecimento e escoamento de mercadorias de toda a região.

Ao analisar os potenciais segmentos que estão se desenvolvendo na

microrregião do Médio Amazonas, nos faz mister compreender o foco e os reflexos

das políticas públicas do Governo Federal implementadas no período de 2003 a 2014,

em relação ao desenvolvimento econômico de modo estrutural e conjuntural,

visualizando aspectos relevantes como metas e programas, baseadas em ações que

podem se resumir à seguinte frase: “inovar e investir para sustentar o crescimento”, e

15

sua inserção num novo plano de integração nacional e desenvolvimento regional. Ao

contrastar que, após os anos de 1970, a Amazônia brasileira deixou de ser prioridade

nas políticas públicas de Estado, causando uma nova fase de estagnação e atraso

para o seu desenvolvimento econômico e social15. O que, conjunturalmente, tal

sazonalidade não é nenhum precedente em relação à região.

Paradoxalmente, nos países em desenvolvimento predominam sistemas com

grandes empresas, que excluem os pequenos das políticas oficiais, apesar de se

constituírem um bom contingente a serem responsáveis por considerável parcela da

produção. Nesse contexto, fica evidente a importância de se estimular mecanismos de

desenvolvimento sustentável na Amazônia em pequenos sistemas produtivos, com

efetiva participação dos micros e pequenos empreendedores no processo de

produção.

Ou seja, o foco da discussão de desenvolvimento territorial passou a destacar

a importância dos atores locais, construindo um projeto capaz de gerar sinergias

positivas para o espaço em que atuam, de forma articulada às políticas públicas

implantadas pelos Estados nacionais. Cada vez mais passam a ser incentivadas

experiências de desenvolvimento territorial, buscando replicar as experiências

europeias. Esta perspectiva chegou à América Latina e, no âmbito do Brasil, esse

debate avançou bastante ao longo dos anos 1990, a ponto de as políticas públicas

começarem a ser geradas considerando-se esse arcabouço teórico, especialmente no

Governo Lula (PT).

Dessa forma, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA),

através da Coordenação de Estudos Econômicos e Empresariais (COGEC), ao

realizar a análise do perfil, desempenho e potencial da atividade naval do Polo

Industrial de Manaus (PIM), observou que o Polo Naval, segmento dentro da Zona

Franca de Manaus, se constitui, atualmente, num dos mais – senão a mais –

promissora cadeia produtiva intrinsicamente relacionada às condições socioculturais,

econômicas e históricas da região.

Haja vista que, a crescente competitividade mundial no setor da construção

naval tem exigido de cada país, seja ele emergente ou não, aumento do nível de

especialização, administração estratégica da sua cadeia produtiva, regularização das

condições da mão-de-obra empregada e ampliação do nicho de mercado dos seus

produtos, cuja restrição ao nicho do transporte de passageiros e de carga, integra a

tradição, mas não pode ser o único foco na atualidade. Logo, as variáveis endógenas

e exógenas relacionadas ao desenvolvimento das atividades do setor da construção

15 Ministério do Interior – SUDAM, II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDA): Detalhamento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) (1975-1979) (Belém 1975), p. 12.

16

naval e da indústria náutica no Brasil, atuantes na década de 2000 a 2009, deveriam

ser alteradas em alguns aspectos, pois, de acordo com o Sindicato Nacional da

Indústria da Construção e Reparação Naval (SINAVAL), à época:

“Confirmava que o Brasil estava construindo capacidade produtiva capaz de

atender à demanda no período considerado e estimada de 28 sondas de perfuração,

150 navios petroleiros, 200 navios de apoio offshore e 150 plataformas de produção.

Os empregos diretos gerados, superiores a 46 mil em 2009, devem aumentar para 60

mil, em 2014. Os empregos indiretos aumentarão de mais de 180 mil, em 2009, para

240 mil, em 2014, considerando-se a média de 04 empregos na indústria fornecedora

para cada emprego gerado em estaleiros. A rede de fornecedores de produtos e

serviços cresce com a regra do conteúdo local, que aumenta de 60% para 70% os

fornecimentos de empresas instaladas no País. O SINAVAL participa, junto a

instituições e sindicatos dos trabalhadores, para o aperfeiçoamento das condições de

trabalho nos estaleiros, para a integração das redes de tecnologia e o diálogo com

autoridades para tornar esse esforço um benefício real e sustentável para a sociedade

brasileira”.16

De maneira que, os valores projetados nos cálculos a partir dos dados do

SINAVAL, relativos à década de 2000-2009, poderiam ser alterados para maior,

considerando-se que as informações constantes da citação, cuja origem é do próprio

Sindicato, confirmar-se-á se o cenário econômico fosse propício a essa dinâmica no

setor da construção naval na atual conjuntura político-econômica a que passa o país.

Assim, o setor da indústria naval do Brasil requereria investimentos e administração

estratégica para transformar as potencialidades em resultados efetivos, única forma de

ocupar posição de destaque no cenário mundial da construção naval e indústria de

náutica. Nesse contexto, a construção de um Polo Naval em Manaus se constitui em

uma oportunidade ímpar e deve ser estrategicamente articulada, de forma a contribuir

com a construção de toda a história naval brasileira, desde os seus primórdios. Mesmo

que o contexto para o setor, nos dias de hoje, não seja favorável, diante de uma

política econômica recessiva preconizada por um conjunto de medidas inibidoras

implementadas pelo atual “governo” central.

No interior do contexto político e econômico brasileiro recente, começou a

haver uma série de ações de políticas públicas na direção de políticas territoriais.

Algumas delas se dirigiram a apoios para a consolidação e o desenvolvimento de

arranjos produtivos locais, partindo da perspectiva apontada pelos estudos empíricos e

teóricos envolvendo o debate de distritos industriais, clusters, a exemplo de

experiências mencionadas. Para além dessas políticas, as ações no Brasil tomaram

16 http://www.sinaval.org.br/docs/sinaval-Cenario2010-1Trimestre.pdf, acesso em 12 JAN 17.

17

um escopo mais amplo e as políticas territoriais passaram a incorporar a perspectiva

de combater a pobreza em espaços deprimidos do país, considerando-se este tipo de

concepção, diante do baixo dinamismo econômico, segundo a tipologia das

desigualdades regionais constantes da Política Nacional de Desenvolvimento Regional

(PNDR), do Ministério da Integração Nacional (MI), na era dos Governos Lula,

principalmente, e Dilma (PT).

A partir desse debate reporto-me a elaboração do Plano de Desenvolvimento

Preliminar (PDP) realizado pelo Núcleo Estadual de Arranjos Produtivos Locais no

Estado do Amazonas (NEAPL/AM), seguindo as proposições do Ministério de

Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior (MDIC) , apresentando durante a

Oficina de Orientação à Instalação de Núcleos Estaduais de Apoio aos Arranjos

Produtivos Locais – Região Norte, em Fevereiro de 2007, para que os APL’s

adicionados para o período de 2008-2010, dentre eles o APL da Construção Naval, fossem validados junto ao Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos

Locais (GTP APL), que somados ao grupo dos APL’s priorizados, totalizassem 10

(dez) APL’s no Amazonas.

A partida para a elaboração do respectivo Plano de Desenvolvimento

Preliminar (PDP), foi dada na Iª Reunião Geral do Fórum de APL’s, em Abril de 2008,

onde foram encaminhados os seguintes assuntos: validação dos municípios;

metodologia; licenciamento ambiental; legislação especial; subsídios; programa de

crédito; associativismo/cooperativismo e levantamento de mercado.

Definindo-se que, as organizações envolvidas no processo deveriam informar

as providências realizadas, fornecendo indicativos de ações, estratégias e parcerias

institucionais que viriam culminar na implementação de atividades, a partir da alocação

de recursos, com o fim de promover a redução das desigualdades inter-regionais e a

inclusão social, gerando ocupação produtiva e melhora no nível de renda. Realizado

em Maio de 2008, a IIª Reunião Geral do Fórum de APL’s, em que se definiram os

municípios e a agenda de visitas aos APL’s. E em reunião específica (Junho de 2008),

para o APL da Construção Naval, foram apresentadas as etapas para a

operacionalização do PDP, onde foram discutidos a sua denominação (APL),

problemas com a legislação, entre outros interesses referentes ao setor.

A partir da inclusão do APL da Construção Naval, como prioritário pelo

Governo do Estado do Amazonas, em parceria institucional com outros atores, entre

eles a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), a governança vinha

se empenhando na construção do PDP, em consonância com a metodologia do

GTP/APL/MDIC, cuja coordenação ficou sob a responsabilidade do Núcleo Estadual

dos Arranjos Produtivos Locais (NEAPL/SEPLAN/DDR). Sendo o mesmo (PDP),

18

quando apresentado, como produto de estudos, análises, observações e

recomendações colhidas juntos aos membros do Grupo de Trabalho, que

desenvolveram ao longo de vários anos, experiências na gestão, no suporte técnico ou

diagnóstico socioeconômico do setor da construção naval no Estado do Amazonas.

De forma que, podemos caracterizar a indústria naval no Estado do Amazonas,

como a maior indústria autônoma do setor no planeta. Só no Amazonas são mais de

300 (trezentos) estaleiros – sendo em sua maioria de pequeno porte - espalhados por

todos os municípios daquele Estado Federativo. (COGEC/SUFRAMA, Dez 2010;

SINDINAVAL, 2010)

Segundo o Sindicato de Reparo e Construção Naval do Amazonas

(SINDINAVAL), a frota da região gira em torno de 5.000 (cinco mil) embarcações.

Sendo que cerca de 90% são feitos de madeira, seguindo as mesmas características

gerais. Também segundo aquela entidade representativa, 95 % do abastecimento dos

municípios amazonenses, incluindo toda sorte de produtos, são feitas por via fluvial. O

mesmo valendo para o transporte de passageiros entre os municípios e Estados

Federativos da Região Norte. De acordo com os dados fornecidos pelo SINDINAVAL,

os estaleiros de reparos ocupam 20% da orla fluvial de Manaus, sendo um dos

maiores polos de conserto do Estado.

Existem basicamente 02 (dois) tipos de empreendimentos no setor, os

estaleiros de construção e os de reparo. Ambos podem ser encontrados em qualquer

município da região. Geralmente, são pequenos negócios que passam de pai para

filho, assim como as técnicas de construção e reparo.

Ressalto, porém, que as embarcações de madeira não são produzidas em

estaleiros, mas por artesãos que, historicamente, fizeram e continuam fazendo as

embarcações de madeira, mantendo a tradição e a cultura herdadas de seus

antepassados indígenas com as técnicas adquiridas quando da chegada do

conquistador europeu por aquelas águas. Onde, ao longo dessa trajetória a

construção naval no Amazonas, também teve sua história. A princípio, os ribeirinhos

sempre utilizaram os troncos, as canoas, as “montarias” e as “igarités” – embarcações

típicas da região construídas e muito utilizadas pelos povos tradicionais locais -, para

se deslocarem, haja visto as características singulares da abundância hidrográfica na

Amazônia, sendo a via fluvial o principal meio de comunicação entre as localidades.

Os portugueses ao entenderem essas habilidades, e com a ajuda dos ribeirinhos,

incentivaram a criação de pequenos estaleiros às margens dos rios, que além de

fazerem reparos nas embarcações, provisionavam com lenha os vapores que

navegavam por aquelas paragens.

19

O Estado do Amazonas, inserido na maior bacia hidrográfica do planeta, dos

quais dezessete rios afluentes do rio Amazonas, são dependentes da navegação

interior. De seus rios, lagos e igarapés, os ribeirinhos fazem deles, uma via de acesso

para o translado entre as comunidades. Os rios amazonenses são, praticamente,

navegáveis durante todo o ano. Exceções para os rios Negro, Alto Madeira, Urubu,

Aripuanã, Branco e Uaupés, que são obstruídos pelas formações em degraus, o que

não impede a navegação ordinária, salvo as corredeiras do Alto Madeira e a cachoeira

das Andorinhas no rio Aripuanã.

Contudo, tal tecnologia estaria se perdendo pela substituição de matéria-prima.

Os poucos construtores que poderiam ser caracterizados como estaleiros migraram

para outros materiais, como o aço. A tendência de substituição de insumo é,

possivelmente, irreversível, dada a questão crítica das exigências em segurança e,

principalmente, a ambiental, da classificação visando a validação dos projetos,

segundo as atuais normas impostas pelo mercado e do financiamento quando se trata

de embarcações de madeira.

Com relação a situação atual em que se encontra a APL da Construção Naval

no Amazonas, prevalecem 03 (três) vertentes no setor, com a seguinte configuração:

a) Fabricação doméstica – os ribeirinhos constroem suas próprias embarcações em

madeira, encontrados em todas localidades da região. As embarcações atendem as

suas necessidades básicas, atingindo pequenas distâncias; b) Estaleiros de Reparos e de Construção de Pequenas Embarcações – considerado a maior indústria naval

autônoma do mundo, onde a maioria se utiliza da madeira. Sendo a maioria informais,

tendo capacidade produtiva para atender ao transporte de passageiros e cargas da

região. Trazem conhecimento de seus ancestrais, mas já introduziram novas

tecnologias como o “casco duplo”, etc; e c) Estaleiros de Construção de Pequenas, Médias e Grandes Embarcações – capazes de atender tanto o mercado regional,

nacional e internacional; são minoria, mas formais. Possuem tradição, tendo em vista

o mais antigo estaleiro em atividade em Manaus, o Estaleiro São João; pois atendem

as exigências das Sociedades Classificadoras.

E quanto ao seu mercado, pode ser descrito da seguinte forma: a) Mercado Local – na região amazônica, principais clientes são os armadores de embarcações

de passageiros, de pequenas cargas e as mistas; os governos do Estado e dos

Municípios; b) Mercado Nacional – principais clientes são os operadores que

transportam cargas ao/do Polo Industrial de Manaus. Além de organizações não-

governamentais, as Forças Armadas, etc; e c) Mercado Internacional – clientes

particulares de padrão socioeconômico elevado com interesse em iates e lanchas em

madeira e alumínio, ONG’s, empresas multinacionais, etc.

20

Nesse sentido, cada vez mais a cooperação é condição necessária para a

sobrevivência e o desenvolvimento dos pequenos e médios negócios, com o auxílio de

mecanismos de coordenação e intermediação dos múltiplos interesses e objetivos

envolvidos. O programa de APL’s no Estado do Amazonas envolve a colaboração

mútua entre instituições do poder público e atores do setor privado, tendo como

propósito comum, desenvolver estratégias e ações que possibilitem a consolidação e o

fortalecimento de potenciais segmentos econômicos, por meio da cooperação entre os

atores locais, identificados a partir de seu envolvimento no setor correspondente, em

especial a pesquisa técnico-científica para a melhoria dos processos produtivos.

Nesse caso, a governança acontecerá a partir da formação do Polo Naval, que

deverá ser contemplado com a participação dos seguintes elementos envolvidos:

estaleiros; principais fornecedores de insumos, nesse caso, podemos citar: a compra

de aço em larga escala a preços mais competitivos; criação de padronização de

embarcações mais seguras; na busca de alternativas em substituição de madeiras

nobres, na construção das embarcações; e melhoria na capacitação da mão-de-obra,

visando maior desempenho produtivo dos estaleiros; armadores; embarcações;

operadores logísticos; Institutos de pesquisa; Universidades e Instituições

governamentais (Federal, Estadual e Municipal). Pois a implantação de um Polo Naval

seria de grande importância para o Polo Industrial de Manaus (PIM), em face do seu

alto potencial em geração de renda e de empregos, por ser uma atividade industrial

pouco agressiva em termos ambientais, sem falar na oportunidade mercadológica com

a construção de novos estaleiros para atender parte significativa das demandas de

construção, manutenção e reparo de navios e plataformas de petróleo.

E para a concretização do mesmo (Polo Naval), fez-se as necessárias

discussões e debates sobre a mais conveniente localização da instalação e

desenvolvimento desse empreendimento, sendo escolhido e designado a região entre

o lagos do “Puraquequara” e do “Jatuarana” (ver imagem de satélite), distante

aproximadamente 25 Km da área de tombamento do Encontro das Águas (rios Negro

e Solimões), de onde se origina o grande Rio Amazonas, de responsabilidade do

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Definindo-se seus

limites sem o comprometer, por constatar-se que, a região em questão, proposta pelo

SINDINAVAL, além de encontrar-se fora desses limites, é a mais apta a receber o

Polo Naval de Manaus, como um empreendimento estratégico proposto no interior do

Plano de Desenvolvimento Sustentável e Integrado da Região Metropolitana de

Manaus. Como também, por estar abrangida no interior dos limites territorial da Zona

Franca de Manaus, podendo disfrutar dos benefícios fiscais e incentivos creditícios

para a sua implantação.

21

Local previsto para a construção do Polo Naval em Manaus. Fonte: Google Earth, com a adaptação feita pelo COGEC/SUFRAMA/2010

Em contrapartida, a intenção de implantar o Polo Naval na localidade

pretendida não foi considerada, em estudos técnicos, os possíveis impactos

ambientais e sociais, ao ser instalado no lugar intencionado. Uma vez que, não houve

a devida consulta prévia, livre e informada às 05 (cinco) comunidades ribeirinhas que

seriam afetadas pelo empreendimento, conforme previsto na Convenção nº 169, da

Organização Internacional do Trabalho (OIT), como destacado na ação pública

impetrado pelo Ministério Público Federal no Amazonas, autor da ação. Ao enfatizar a

ausência de consulta prévia, livre e de consentimento claro das comunidades

tradicionais envolvidas no processo de desapropriação, tornando a implantação ilegal

e ilegítima. Em consequência, a decisão da Justiça Federal, destaca o

descumprimento de artigos da Constituição, por parte do Governo do Estado, que

tratam da proteção de comunidades tradicionais e de documentos internacionais,

como a Convenção 169/OIT, a Convenção da Diversidade Biológica e a Declaração

Universal sobre a Diversidade Cultural.

Mesmo assim, o Governo do Estado recorreu ao TRF-1, sendo-lhe negado

após a Justiça Federal no Amazonas ter concedido decisão liminar a pedido do MPF-

AM, em maio de 2014, determinando a suspensão dos efeitos do decreto (Decreto

Estadual nº 32.875/2012), que declara de utilidade pública a designação da área para

implantação do Polo Naval de Manaus. A Justiça determinou ainda a suspensão

imediata de todas as medidas referentes ao projeto de implantação do Polo em tela,

22

enquanto não for realizada consulta prévia, livre e informada às comunidades

tradicionais ribeirinhas que vivem na região.17

Pois a ação apontou que não havia no processo administrativo qualquer

previsão de participação das comunidades ou mesmo considerações acerca dos

impactos que o empreendimento causará a elas, como também, ao meio ambiente.

Onde as situações de conflito a que são expostas estas comunidades são

momentos singulares que permitiram a sua mobilização e a sua organização política,

pautada na manutenção de modos de vida pré-existentes às situações de

enfrentamento, seja com órgãos públicos ou de interesses privado, na qual a relação

com os territórios que ocupam é fundamental, moldando a própria identidade desses

grupos sociais.

A autodenominação como ribeirinho podia não fazer qualquer sentido até o

momento em que se estabeleceram os conflitos e a atuação estatal passou a

inviabilizar as práticas do cotidiano. A partir de então, a reivindicação da identidade

ganhou relevo e funcionou como elemento aglutinador dessas comunidades. Quando

passaram a ser tratados como cidadãs e cidadãos de segunda categoria, a serem

varridos por conta de ambiciosas empreitadas ou empreendimentos de efetividade

duvidosa, tais grupos se apegaram a uma noção de sentido permanente – “ribeirinhos”

– e, valendo-se das portas que o ordenamento jurídico pós-1988 abriu, aliaram-se a

parceiros e não abdicaram da reivindicação por respeito e consideração. (ALMEIDA,

2011)

Como bem avalia Almeida, 2008, na construção da identidade por meio de

embates, como decorrência dos conflitos na luta pela terra, a territorialização e a

tradicionalidade foram além do aspecto histórico, sendo fruto da combinação de vários

fatores, que envolveram a capacidade de mobilização em torno de uma política de

identidade e os espaços de enfrentamento para reivindicar direitos junto ao Estado,

sendo que a definição de uma fisionomia étnica e autodefinição coletiva

acompanharam as formas de organização desses ribeirinhos na luta por direitos.

Ao evocar à legislação abarcada pela Constituição de 1988, pela Convenção nº

169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Convenção da Diversidade

17 A consulta é um procedimento de participação exclusiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais, cuja realização é de responsabilidade dos governos, cobrindo todas as despesas do processo. Todas as medidas que afetem comunidades tradicionais devem ser submetidas à consulta prévia, que precisa ser realizada desde as primeiras etapas de planejamento, antes da tomada das decisões. O processo de consulta deve incluir reuniões preparatórias, quando será aprovado o Plano de Consulta, que deverá detalhar as regras do processo, o local, a forma de decisão, as datas; reuniões informativas, quando o governo repassará todas as informações às comunidades; discussão interna do assunto pelas comunidades, sem a presença do governo; negociação, quando as comunidades dirão se concordam ou não com a proposta, podendo apresentar sugestões; e decisão final, com indicação da posição dos comunitários.

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Biológica e outras leis, representou um aceno a essas comunidades e a possibilidade

de não assentir com visões unilaterais de mundo nem com a hierarquia quanto aos

modos de vida. Onde o Ministério Público Federal (MPF), como agente do Poder

Público, contribuiu para a luta dessas comunidades ao firmar-se a sua identidade

como componente da estrutura social na qual está inserida.

c. CONSIDERAÇÕES FINAISAo concluir, cabe ressaltar no que concerne à necessidade de um polo naval

na localidade e seus impactos sobre os Planos Diretores de Manaus e de sua Região

Metropolitana, ambos tendo como estratégias a potencialização de Manaus e região

como centro articulador da dinâmica econômica da Amazônia Ocidental. Sendo

estratégico no sentido de apoiar às políticas públicas dando suporte a atividade

portuária de modo a favorecer a criação de um setor dinâmico e de apoio a outras

atividades econômicas, priorizando a melhoria da infraestrutura portuária. Em face

disso, julga-se condição preponderante a configuração, estruturação e implantação do

DISTRITO NAVAL (na área pré-estabelecida pelo governo do estado, conforme

decreto estadual), pleiteado pelo Sindicato de Reparos e Construção Naval do

Amazonas (SINDINAVAL), e compreendido pela Superintendência da Zona Franca de

Manaus (SUFRAMA), como indispensável ao fomento do segmento, como também na

contribuição no desenvolvimento e produção de conhecimentos sobre a região, nas

atividades que favoreçam a complementaridade entre diversos setores da economia e

amplie a oferta de trabalho e geração de renda. Contribuindo com melhores

perspectivas sociais no que tange às novas oportunidades de superação diante de

tantas desigualdades. E com isso, criar condições favoráveis para que esse

empreendimento seja substituidor de importações.

Mas, por sua vez, a criação desse empreendimento descontextualizado da

realidade social em que vivem a séculos as populações tradicionais não ouvidas, esta

propiciando de forma conflituosa um laboratório para as ciências humanas, na medida

em que se produz um cenário de lutas sociais por uma justiça cartográfica na

Amazônia. No ponto, o surgimento de cartografias com denominações como nova

cartografia social, cartografias participativas, cartografias da ação ou contra-

mapeamentos, distinguem-se pela representação de aspectos da realidade pouco

valorizados nas representações espaciais cartográficas hegemônicas - aspectos

transformados em “não existências”, como afirma Santos, 2010. No caso, equivale a

dizer que, para a cartografia imposta pelo Estado para o Polo Naval, é como se as

populações tradicionais afetadas simplesmente não existissem.

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Lembrando que, atualmente, a Amazônia brasileira vem sofrendo por volta de

14 (quatorze) modalidades de conflitos sociais, relacionados com os seguintes temas:

1) Recursos hídricos; 2) Queimada e/ou incêndios provocados; 3) Pesca e/ou caça

predatórias; 4) Extração predatória de recursos naturais; 5) Desmatamento; 6)

Garimpo; 7) Pecuária; 8) Monocultivo; 9) Extração de madeira; 10) Grandes projetos,

especialmente hidrelétricos; 11) Regularização fundiária; 12) Ordenamento territorial;

13) Violência física declarada; e 14) Falta de moradia em áreas urbanas,

principalmente. E com a criação do Polo Naval de Manaus, um 15º conflito social está

posto: a transformação compulsória de integrantes de populações tradicionais em

“operários da floresta”!

Como bem retrata Araújo Junior (2013), o tratamento conferido à essas

Comunidades remete às limitações do sistema político democrático liberal clássico e

as suas incapacidades em lidar com uma sociedade multicultural. A concepção de que

existem seres genéricos, desenraizados, desvinculados de seu tempo e de seu

espaço e dotados de direitos iguais, representou a universalização do indivíduo

burguês18 – branco, proprietário, heterossexual -, um ser concreto historicamente

situado e dotado de vantagens que a sua posição de classe conferia para impor

determinadas visões de mundo, não se conferindo a mesma condição a outros

sujeitos.

O que ainda não foi possível identificar nesse contexto, é a quem irão servir

esses futuros “operários da floresta”. Serviriam eles aos chineses que pretendem

explorar caulim?! Serviriam aos donos de estaleiros?! Talvez num procedimento

processual jurídico possa nos revelar. Ou talvez a resposta venha daqui a vinte anos,

após os cientistas sociais e antropólogos decodificarem as novas cartografias sociais.

De uma forma ou de outra, não pode a justiça baseada na ética, nos princípios morais

e legais, ficar inerte e dar o beneplácito para esse quadro incerto e sombrio, onde o

principal prejuízo está relacionado ao desaparecimento da identidade social da

Amazônia, da cultura de suas populações tradicionais, da harmonia desses povos com

a floresta e os ciclos da natureza.

Importante observar que até mesmo quando foi criada a Zona Franca de

Manaus, as autoridades tiveram mais cuidado e responsabilidade. Sabe-se que a

política de incentivos fiscais para o desenvolvimento da Amazônia começou com a

criação da ZFM, pela Lei nº 3.173/57, porém o projeto para desenvolver a região norte

18 Marx sintetiza a questão de forma precisa: “Na sua realidade mais imediata, na sociedade burguesa, o homem é um ente profano. Nesta, onde constitui para si mesmo e para outros um indivíduo real, ele é um fenômeno inverídico. No Estado, em contrapartida, no qual o homem equivale a um ente "genérico, ele é o membro imaginário de uma soberania fictícia, tendo sido privado de sua vida individual real e preenchido com uma universalidade irreal”.

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foi idealizado anos antes por Getúlio Vargas nos anos 30. Note-se que entre a

idealização do projeto e o começo de sua execução transcorreram mais de 27 (vinte)

anos. E mesmo assim, ainda existem graves problemas a solucionar.

d. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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