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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012 Estudos de recepção no Brasil: 1 panorama da última década 2 . Nilda Jacks 3 Valquiria Michela John 4 Lourdes Ana Pereira Silva 5 Resumo: Este artigo apresenta o panorama dos estudos de recepção desenvolvidos no âmbito discente dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação brasileiros ao longo da última década. Para tanto, foram mapeados os estudos empíricos que levam em conta as relações entre o sujeito e os meios de comunicação, o que inclui trabalhos não necessariamente nomeados como de recepção por seus autores ou nem considerados por uma classificação stricto sensu. Tal corpus foi analisado a partir das categorias norteadoras da pesquisa: abordagem teórico- metodológica, tema, objeto de estudo, técnicas, públicos e meios estudados. Aqui estão apresentados os resultados gerais desse mapeamento, com a classificação em três grandes abordagens: sociocultural, sociodiscursiva e comportamental e seus desdobramentos. Os resultados apontam para o lento crescimento dos estudos na área, para a manutenção do panorama encontrado na década anterior e para os desafios dos estudos ciberculturais no que se refere ao processo da recepção. Palavras-Chave: Estudos de recepção. Teorias da comunicação. Pesquisa empírica 1. Introdução 1 Apresentado no Grupo de Trabalho Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos do XXI Encontro da Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012. 2 Agradecemos a colaboração da bolsista de Iniciação Científica Taira Cardoso. 3 Professora do PPGCOM/UFRGS, pesquisadora do CNPq. Email: [email protected] 4 Doutoranda do PPGCOM/UFRGS, professora de Jornalismo/ Universidade do Vale do Itajaí, membro do grupo de pesquisa Monitor de Mídia, email: [email protected] 5 Doutoranda do PPGCOM/UFRGS, email: [email protected]. www.compos.org.br 1

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XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012

Estudos de recepção no Brasil:1 panorama da última década2.Nilda Jacks 3

Valquiria Michela John4

Lourdes Ana Pereira Silva5

Resumo: Este artigo apresenta o panorama dos estudos de recepção desenvolvidos no âmbito discente dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação brasileiros ao longo da última década. Para tanto, foram mapeados os estudos empíricos que levam em conta as relações entre o sujeito e os meios de comunicação, o que inclui trabalhos não necessariamente nomeados como de recepção por seus autores ou nem considerados por uma classificação stricto sensu. Tal corpus foi analisado a partir das categorias norteadoras da pesquisa: abordagem teórico-metodológica, tema, objeto de estudo, técnicas, públicos e meios estudados. Aqui estão apresentados os resultados gerais desse mapeamento, com a classificação em três grandes abordagens: sociocultural, sociodiscursiva e comportamental e seus desdobramentos. Os resultados apontam para o lento crescimento dos estudos na área, para a manutenção do panorama encontrado na década anterior e para os desafios dos estudos ciberculturais no que se refere ao processo da recepção.

Palavras-Chave: Estudos de recepção. Teorias da comunicação. Pesquisa empírica

1. Introdução

O interesse pelas práticas da recepção no âmbito acadêmico brasileiro deu seus primeiros

passos na década de 1970. Este interesse, no entanto, inicia por outros campos – sociologia e

antropologia, principalmente − de forma dispersa, esporádica e, acima de tudo,

individualizada. Podemos afirmar, porém, que na área da comunicação “[...] a década de

1970 é um marco divisor, pois é nessa época que são implantados os primeiros cursos de pós-

graduação, implementando a produção científica e acadêmica” (JACKS e ESCOSTEGUY,

2005, p. 81). Somente na década de 1980, entretanto, com a ampliação dos Programas de

Pós-Graduação no país, a pesquisa de recepção começaria a sua efetiva ascensão. Estas

discussões eram insipientes como aponta Lopes (1999, p. 123) ao afirmar que nesse período

eram “[...] marcadas por um forte esquema dualista: ou se privilegiava exclusivamente os

modos de reelaboração /resistência/ refuncionalização dos conteúdos culturais das classes 1 Apresentado no Grupo de Trabalho Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos do XXI Encontro da Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012.2 Agradecemos a colaboração da bolsista de Iniciação Científica Taira Cardoso.3 Professora do PPGCOM/UFRGS, pesquisadora do CNPq. Email: [email protected] 4 Doutoranda do PPGCOM/UFRGS, professora de Jornalismo/ Universidade do Vale do Itajaí, membro do grupo de pesquisa Monitor de Mídia, email: [email protected] Doutoranda do PPGCOM/UFRGS, email: [email protected].

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populares ou se tomava esses conteúdos como completamente moldados pela ação ideológica

das classes dominantes, via meios de comunicação de massa”. De modo bastante lento, esse

panorama vai se modificando até a incorporação dos trabalhos de Jesús Martín-Barbero, bem

como as contribuições de Néstor García Canclini e Guillermo Orozco Gómez (JACKS e

ESCOSTEGUY, 2005; JACKS, et. al, 2011).

Mesmo assim, em um estudo relacionado à década de 1990 (JACKS, MENEZES e

PIEDRAS, 2008), aponta para um panorama ainda frágil, uma vez que das 1769 teses e

dissertações (CAPPARELLI; STUMPF, 1998; 2001) defendidas nos 11 Programas de Pós-

Graduação em Comunicação então existentes, apenas 45 trataram da recepção dos meios de

comunicação.

Tal como a pesquisa sobre a década de 1990, os trabalhos discentes produzidos nos

Programas de Pós Graduação (PPGs) em Comunicação e defendidas entre 2000 e 2009

constituem o foco de análise deste artigo, e esta escolha se deve ao entendimento de que ao

fazer a análise desta produção “[...] estamos contemplando também, mesmo que

indiretamente, o trabalho dos orientadores e o papel das instituições a que pertencem na

consolidação do campo” (JACKS, MENEZES e PIEDRAS, 2008, p. 15).

Nesse período, foram defendidas mais de cinco mil pesquisas6 nos 40 PPGs em Comunicação

atualmente existentes, das quais 2097 são estudos empíricos de recepção, entendidos como

aqueles que tomam em consideração os sujeitos envolvidos nos processos de comunicação

estudados, o que inclui nessa delimitação, “situações em que os próprios membros da

audiência inscrevem suas ‘vozes’ nos meios de comunicação (cartas, e-mails, telefonemas

etc.), assumindo uma posição de interagente” (JACKS et al, 2011, p.84-85).8

6 http://www.capes.br. Acesso em 14/01/2012. 7 Desse total, apenas 49 foram desenvolvidas no nível de doutorado, o que destacamos como uma das conseqüências nos resultados encontrados e que serão discutidos ao longo do texto. A explicação, em parte, pode ser dada pelo número de Programas de Pós Graduação com doutorado: apenas 15.8 Os trabalhos que tratam da recepção de modo apenas teórico ou presumindo o receptor não fazem parte do corpus, assim como os que consideram o sujeito, mas são de cunho mercadológico, totalizando 264.

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Este corpus foi categorizado em três grandes abordagens9: sociocultural, sociodiscursiva e

comportamental, seguindo os pressupostos da pesquisa anterior (JACKS, MENEZES e

PIEDRAS, 2008)10 com algumas alterações decorrentes da opção por trabalhar apenas com

pesquisas empíricas11.

3.1 Abordagem sociocultural12: práticas e relatos da audiência

Estudos com abordagem sociocultural são aqueles que enfatizam uma “visão ampla e

complexa do processo de recepção dos produtos midiáticos, levando em consideração

múltiplas relações sociais e culturais. Mais do que o estudo do fenômeno de recepção em si,

estes trabalhos pretendem problematizar e pesquisar, do ponto de vista teórico ou empírico,

sua inserção social e cultural” (ESCOSTEGUY, 2004, p. 135). No corpus aqui analisado,

foram classificados nesta abordagem não apenas os trabalhos que cumprem efetivamente o

propósito de ir “dos meios às audiências” (MARTIN-BARBERO, 2003), observando e

ouvindo seus relatos sobre o processo da recepção, mas também aqueles estudos que se

concentraram apenas nas falas dos sujeitos sobre suas práticas, ou seja, sem observação

propriamente dita. Entretanto, os trabalhos aqui apresentados não aparecem com esta

subdivisão, sendo apenas destacada no subtítulo como forma de sinalizar suas peculiaridades.

Esta abordagem contemplou mais da metade dos trabalhos analisados, num total de 112

pesquisas13, o que mantém o panorama encontrado na década de 1990 (JACKS, MENEZES E

PIEDRAS, 2008), que inclui o que diz respeito aos meios mais estudados: televisão (66

trabalhos), rádio (14 trabalhos), sugerindo a sequência de uma tradição iniciada nas décadas

9 Entendidas “como o modo de tratar o objeto, a visão do pesquisador sobre o assunto, isto é, seu ponto de vista teórico e a maneira ou método de enfocar, ou de interpretar o fenômeno” (ESCOSTEGUY, 2004, p.135).10 A qual partiu da proposição de Escosteguy (2004) que havia analisado o mesmo corpus, identificando abordagens ‘Sociocultural’, ‘Comportamental’ e ‘Outras’. 11 Substituição da abordagem OUTRAS pela SOCIODISCURSIVA para contemplar as pesquisas que analisam os discursos dos sujeitos a partir de enfoques teórico-metodológicos que se dedicam à análise dos discursos sociais, quer da mídia, quer dos receptores, que constituíam a maior parte da categoria denominada OUTRAS. Essa nova abordagem contempla as diferentes noções conceituais ligadas ao discurso com ênfase nas proposições de Bakhtin (1992), Foucault (1994), Fairclough (2001) e Moscovici (2003). 12 Antecedentes históricos dessa abordagem podem ser encontrados no capítulo 1 do livro “Meios e Audiências” (JACKS, MENEZES E PIEDRAS, 2008). 13 Em JACKS et. al. (2010; 2011) será encontrado outro somatório devido à recategorização do corpus.

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anteriores não apenas no Brasil, mas também na América Latina, de estudar a assim chamada

“mídia popular”.14

GRÁFICO 1 – Abordagem sociocultural x meios estudadosFONTE – Dados da pesquisa

Com esta abordagem, em toda a década, a internet só foi contemplada em sete pesquisas,

somada a uma que trata também do cinema, explorando o processo de convergência15. A

internet foi o segundo meio mais estudado na abordagem comportamental, como veremos

adiante, entretanto, ainda aparece de forma bastante tímida na abordagem sociocultural,

considerada como aquela que mais efetivamente realiza o que chamamos de estudos de

recepção, uma vez que [...] não é um processo redutível ao psicológico e ao cotidiano, apesar de ancorar-se nessas esferas, mas é profundamente cultural e política. Isto é, os processos de recepção devem ser vistos como parte integrante das práticas culturais que articulam processos tanto subjetivos como objetivos, tanto micro (ambiente imediato controlado pelo sujeito) como macro (estrutura social que escapa a esse controle) (LOPES, BORELLI e RESENDE, 2002, p. 32).

Como o meio mais pesquisado nesta abordagem é a televisão, naturalmente os gêneros mais

estudados estariam relacionados a este meio, como podemos observar no gráfico 2.

14 No sentido de maior alcance. 15 O cinema representa uma lacuna nesta abordagem, estudado em apenas 4 trabalhos, sendo mais contemplado na abordagem comportamental, como veremos adiante.

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GRÁFICO 2 – Abordagem sociocultural x gêneros estudadosFONTE – Dados da pesquisa

Assim, o gênero mais explorado para entender os processos de recepção televisiva é a

telenovela16 (19 trabalhos), que continua sendo o mais estudado desde a década de 1990, isto

porque o gênero jornalístico/informativo (23 trabalhos), novidade em relação à década

passada, diz respeito a todos os meios17. Podemos ainda perceber que no somatório dos

gêneros, o entretenimento18 supera significativamente os demais na preferência dos

pesquisadores, totalizando 48 trabalhos.

No que se refere ao público priorizado, conforme podemos observar no gráfico 3, destaca-se

o jovem (19 trabalhos), seguido pelo adulto (18 trabalhos), sendo que em 12 trabalhos o foco

recai sobre esses dois públicos em conjunto, totalizando 49 dos 112 de abordagem

sociocultural. Com esta contabilidade, o terceiro grupo mais escolhido como audiência é o de

mulheres, em 12 trabalhos, além de 11 que enfocam no que denominamos grupos

específicos19 e 9 que trabalham com grupos étnicos.

16 Para detalhes ver: “Recepção de telenovela: a pesquisa brasileira ao nascer do século XXI” (Jacks e Silva, 2008); “Novas implicações nos estudos de recepção de telenovela (Jacks e Silva, 2009) e “Estudos de recepção de telenovela: um olhar sobre a produção acadêmica brasileira na primeira década do século XXI” (Jacks, Silva e John, 2010).17 Exclusivamente relacionado à televisão são 14 trabalhos.18 Considerando ficção, humorístico, musical, auditório, série, soap opera, telenovela e variedades.19 Tratando, por exemplo, de adolescentes chineses, agricultores, produtores rurais, fãs de determinado gênero ou programa, leitores de certa revista ou jornal, professores e estudantes universitários, etc.

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GRÁFICO 3 – Abordagem sociocultural x públicos enfatizadosFONTE – Dados da pesquisa

As temáticas são bastante diversificadas, com destaque para o estudo das “identidades” em

suas diversas variantes. No gráfico 4, podemos perceber que a soma dos trabalhos que

abordam algum tipo de identidade totaliza 30, correspondendo ao tema mais estudado na

última década, o que também mantém os resultados da década de 1990 (JACKS, MENEZES

E PIEDRAS, 2008). Neste caso, a segunda temática é a da produção de sentido (18

trabalhos), seguida por consumo (9) e midiatização (6). As outras temáticas estão mais

diluídas e a maioria delas traz articulação com outros elementos ou noções, como por

exemplo, memória e identidade ou imaginário e consumo cultural, sendo por nós priorizado o

foco principal da análise.

GRÁFICO 4 – Abordagem sociocultural x temas enfatizadosFONTE – Dados da pesquisa

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Para a realização desses estudos prevalece a opção pelo método qualitativo, adotado em 102

dos 112 trabalhos. Os outros 10 conciliam os métodos quantitativo e qualitativo, opção com

tendência ao crescimento, pois como lembra MINAYO (1998) o conjunto de dados destas

naturezas não se opõe e podem se complementar, quando a realidade abrangida solicitar o uso

dos dois tipos. Como afimam Minayo e Sanches (1993)

[...] se a relação entre quantitativo e qualitativo, entre objetividade e subjetividade não se reduz a um continuum, ela não pode ser pensada como oposição contraditória. Pelo contrário, é de se desejar que as relações sociais possam ser analisadas em seus aspectos mais “ecológicos” e “concretos” e aprofundadas em seus significados mais essenciais. Assim, o estudo quantitativo pode gerar questões para serem aprofundadas qualitativamente, e vice-versa (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 247).

Neste contexto metodológico, no que se refere às técnicas empregadas, há diversidade de

opções, mas prevalece o uso da entrevista (88 trabalhos), como podemos perceber no gráfico

5, seguida pelo uso de questionário (36), discussão em grupo e observação participante (27

cada), o que remeteu à subdivisão desta abordagem em a) relatos e b) práticas de recepção.

GRÁFICO 5 – Abordagem sociocultural x técnicas utilizadasFONTE – Dados da pesquisa

Destacamos que o uso da entrevista em profundidade constituiu um fator esperado na

abordagem sociocultural, tanto para captar os relatos sobre a recepção quanto para

complementar a observação das práticas, uma vez que concordamos com Vilela (2006):

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Em primeiro lugar, sua eleição sustenta-se na proximidade deste tipo de entrevista na prática discursiva cotidiana. A entrevista em profundidade promove uma atividade narrativa que funciona de forma similar a narrativa diária. Em segundo lugar, a análise da produção narrativa em situação de entrevista permite o acesso à urdidura de significações que circulam na cotidianidade produzidas na recepção (...) (VILELA, 2006, p. 47).20

Quanto ao respaldo teórico utilizado nesta abordagem, os autores da chamada “teoria latino-

americana” ainda estão fortemente presentes. Este panorama se confirma com o destaque

dado a Jesús Martín-Barbero, Néstor García Canclini e Guillermo Orozco Gómez, citados,

respectivamente, em 60, 26 e 30 trabalhos, sendo que em muitos deles aparecem articulados.

Portanto, o dado que mais chama a atenção no gráfico 6, é quantidade de autores que

aparecem em menor frequencia, muitos deles tendo sido citados por um único trabalho. Isso,

por um lado, aponta para a diversidade de olhares e para a natureza interdisciplinar da área,

muito pautada pela temática do estudo. Por outro, para a falta de outras tradições teóricas e de

sincronia entre os estudos que vêm sendo realizados no país.

GRÁFICO 6– Abordagem sociocultural x autores utilizadosFONTE – Dados da pesquisa

Outro dado que chama a atenção, não apenas nesta abordagem mas em todo o conjunto de

trabalhos, é a pouca utilização e, portanto, visibilidade, dos autores brasileiros com

consagrada atuação nesta área. A mais citada é Maria Immacolata Lopes e, mesmo assim, em

apenas 9 trabalhos, apesar de sua relevância para o campo e vasta produção na área.21 Se na

década de 1990 era natural que prevalecessem os autores supra citados, esperávamos que 20 Grifos da própria autora.

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nesta as pesquisas e reflexões dos autores brasileiros, que se formaram na esteira teórica dos

autores pioneiros, fossem mais utilizados, uma vez que já há um corpo teório-empírico

desenvolvido.

3.2 Abordagem sociodiscursiva22: os discursos da audiência

Esta abordagem totaliza 39 trabalhos. A exemplo da abordagem sociocultural, aqui também

se destaca os trabalhos que têm como objeto a televisão (15 trabalhos). Os demais trabalhos

em conjunto priorizam os meios impressos (revista, 7; jornal, 4; cartazes/folheto/catálogo, 2),

como aponta o gráfico 7.

GRÁFICO 7 – Abordagem sociodiscursiva x meios analisadosFONTE – Dados da pesquisa

Uma diferença significativa em relação à abordagem sociocultural – e à década anterior -

aparece, entretanto, quando verificamos os gêneros analisados. Aqui o destaque fica para o

conteúdo jornalístico, contemplado em 19 das 39 pesquisas, mais da metade, portanto. Os

21 Particularmente nos estudos que enfocam as bases epistemológicas e metodológicas da Comunicação e nas pesquisas sobre telenovela.22 Define os estudos que abordam teórico-metodologicamente os discursos dos sujeitos sobre suas práticas de recepção e a relação destas com os conteúdos midiáticos. Tratados na ancoragem de um contexto social, estas falas dão materialidade às representações dos sujeitos a respeito de suas relações com os meios e seus conteúdos.

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demais gêneros estão representados de forma bastante similar, como podemos perceber no

gráfico a seguir.

GRÁFICO 8 – Abordagem sociodiscursiva x gênero estudadoFONTE – Dados da pesquisa

Também em comum com a abordagem sociocultural está a opção pelo público adulto como

sujeitos dos estudos, num total de 10 trabalhos, seguido por 8 que discutem a recepção entre

jovens e adultos em conjunto, como podemos ver no gráfico 9.

GRÁFICO 9– Abordagem sociodiscursiva x público estudadoFONTE – Dados da pesquisa

O que chama a atenção nesta categoria é a quantidade de trabalhos com público não

especificado, num total de 7, terceiro colocado neste ítem. Isso ocorre, na maioria dos casos,

em trabalhos que vão ao sujeito de forma “indireta”, ou seja, através de cartas de leitores ou

posts em blogs, redes sociais e outros conteúdos da internet.

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O gráfico 10 sinaliza que, ao contrário da abordagem anterior, aqui não se destaca o estudo

das identidades, pois são temáticas mais relacionadas à participação do leitor (5), relação

entre emissão-recepção de um determinado veículo (5) e representações sociais (4 trabalhos).

A temática mais estudada, entretanto, é a produção de sentido, que mantém uma relação

intrínseca com as teorias do discurso e com a semiótica, vertentes teóricas priorizadas nos

trabalhos desta abordagem.

GRÁFICO 10 – Abordagem sociodiscursiva x temas enfatizadosFONTE – Dados da pesquisa

Evidentemente o método mais empregado é o qualitativo, utilizado em 28 das 39 pesquisas,

sendo que as demais combinam estratégias quali-quanti. Para realizar os estudos, conforme

observamos no gráfico 11, a técnica de coleta mais empregada é a entrevista (17 pesquisas), o

que era esperado uma vez que se trata de pesquisas que priorizam os discursos dos sujeitos,

chamando a atenção, entretanto, a utilização do questionário (15 estudos). Destacamos este

aspecto uma vez que, ao menos em se tratando das teorias ligadas ao discurso, faz-se

necessário dar voz ao sujeito para que as representações emirjam (MOSCOVICI, 2003), o

que parece bastante problemático em questionários, que tratam muito mais a freqüência dos

discursos/opiniões do que as falas dos sujeitos propriamente ditas. 15 pesquisas optam pela

análise de conteúdo e/ou discurso (AC/AD), técnicas diretamente relacionadas à abordagem,

assim como a discussão em grupos, utilizada em 8 pesquisas, estas sim, priorizando as falas

dos sujeitos.

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GRÁFICO 11 – Abordagem sociodiscursiva x técnicas empregadasFONTE – Dados da pesquisa

No gráfico 12 podemos observar que a questão dos autores, em termos gerais, sofre pouca

alteração em relação à abordagem anterior.

GRÁFICO 12 – Abordagem sociodiscursiva x autores citadosFONTE – Dados da pesquisa

Continua o fato da maioria dos autores terem sido citados em apenas um trabalho (55 deles)

e Jesús Martín-Barbero aparecer como o mais citado (9 trabalhos), quase sempre tentando

uma articulação com os teóricos do discurso. As diferenças ficam para os demais autores,

aqui notadamente o aparecimento daqueles ligados às teorias do discurso, caso de Bakhtin e

Foucault (4 trabalhos). Outra diferença está no autor brasileiro mais citado, embora confirme

o panorama de baixa visibilidade de nossos próprios pesquisadores. Nesta abordagem se

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destaca Lúcia Santaella (PUC/SP), ligada à semiótica, e Eni Orlandi (Unicamp/SP), ligada à

análise do discurso, como podemos visualizar no gráfico a seguir.

Abordagem Comportamental23: efeitos sobre as audiências

Esta abordagem é aquela que está relacionada às primeiras pesquisas que levaram em conta a

audiência, seguindo a tradição da escola funcionalista de entender os “efeitos” da mídia sobre

os sujeitos. De natureza mais psicológica, pensada em termos do processo “estímulo-

resposta” pode ser considerada como a gênese dos estudos de recepção, principalmente no

continente americano (JACKS E ESCOSTEGUY, 2005). São estudos que levam em conta as

relações entre os conteúdos midiáticos e os sujeitos a partir da lógica da produção, buscando

detectar as influências e impactos gerados, em alguns casos mesmo que o referencial teórico-

metodológico apresentado seja de abordagem sociodiscursiva ou sociocultural.

Dos 209 trabalhos que compõem o corpus, 58 se inscrevem nesta abordagem, sendo, portanto

a segunda em número de trabalhos, mas ainda assim distante do predomínio da abordagem

sociocultural (112), aspecto que consideramos positivo uma vez que esta abordagem não

contempla dimensões significativas do processo de recepção. Por isto, chama a atenção que é

justamente nesta abordagem que se concentram os trabalhos relacionados à internet, uma das

carências que apontamos no estudo da relação com este meio, nesta década.

Diferentemente das abordagens sociocultural e sociodiscursiva, aqui o meio mais estudado

não foi a televisão, ao contrário, esta aparece como um dos menos analisados. O de maior

23 Identificados como “os estudos dos diferentes impactos derivados dos meios, isto é, o produto midiático é considerado um estímulo que provoca diversas reações nos públicos. Aí encontram-se aqueles estudos de formação de opinião, efeitos cognitivos, usos e gratificações, e outras investigações de caráter psicológico que reduzem o produto midiático ao juízo do público. (ESCOSTEGUY, 2004, p. 135). Para uma introdução à tradição e o desenvolvimento desta abordagem ver: capítulo 2 do livro “Meios e Audiências” (JACKS, MENEZES E PIEDRAS, 2008).

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destaque foi a revista24, analisada em 24 dos 58 trabalhos desta abordagem, conforme aponta

o gráfico 13:

GRÁFICO 13 – Abordagem comportamental x meios estudadosFONTE – Dados da pesquisa

Outra diferença é quanto ao meio internet, aqui o segundo mais estudado, com 15 trabalhos,

além de outros dois que o relacionam à televisão (tratando da convergência) e um ao meio

jornal. Este número mais elevado de trabalhos sobre internet nos leva a sugerir uma

“subcategoria” denominada “cibercomportamental”, numa tentativa de preservar a

especificidade deste objeto de estudo em emergência.

O gráfico 14 aponta outra peculiaridade desta abordagem, a questão dos gêneros estudados,

melhor dizendo, a falta deles, já que 17 trabalhos não analisam (ao menos não apontam ao

longo de todo o trabalho) nenhum gênero, o meio é tomado como um todo.

24 É importante destacarmos que, em termos de acesso, a revista é um meio mais perene, enquanto o conteúdo televisivo é imediato, precisa ser acompanhado no momento mesmo de sua exibição e/ou gravado, o que gera um dispêndio financeiro e de tempo por parte do pesquisador. As revistas estão, em sua maioria, disponíveis integralmente na internet e mesmo em sua versão impressa têm a durabilidade mínima em banca de pelo menos uma semana, o que facilita seu uso e possivelmente possa ser uma explicação para ter sido a principal opção dos pesquisadores nesta abordagem que se concentram mais no que dizem os receptores sobre os bens midiáticos, os efeitos destes sobre seu cotidiano e não observam as próprias práticas.

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GRÁFICO 14 – Abordagem comportamental x gênero estudadoFONTE – Dados da pesquisa

Com 13 trabalhos, o principal gênero efetivamente estudado, tal como na abordagem

sociodiscursiva, é o jornalístico/informativo, seguido pela publicidade/propaganda (11

trabalhos), gênero este praticamente invisível nas outras duas abordagens, o que parece

apontar para uma tradição ainda ligada aos primeiros estudos de propaganda

eleitoral/governamental realizados pela Escola Americana na primeira metade do século

passado (Wolf, 2003), cuja tradição de estudos estava, inicialmente, mais ligada a uma

preocupação com o mercado.

Os estudos de internet encontram-se bastante focados no jornalismo, ainda discutem pouco,

em termos de recepção, as demais produções disponíveis na web, até mesmo as mídias

sociais ainda são pouco estudadas, embora as análises voltadas ao jornalismo, parecem ainda

muito filiadas à tradição dos “efeitos”. Aparentemente a informação ainda está sendo pensada

em termos de “impactos” sobre o sujeito, sugerindo uma certa visão de passividade em

relação ao consumidor dessa informação, curiosamente, mesmo quando se trata do conteúdo

da web.

Outro destaque é a baixa visibilidade de estudos de telenovela, o que consideramos um ponto

positivo, pois parece apontar para uma efetiva incorporação do vies sociocultural no estudo

deste gênero.

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Quanto ao público estudado, aqui também há diferenças com relação às outras abordagens.

Embora o público adulto também seja destaque (10 trabalhos), fica atrás do que nomeamos

de grupos específicos, contemplados em 14 trabalhos. O público jovem também é o foco

desta abordagem e foram analisados exclusivamente em sete trabalhos e em outros oito em

conjunto com o público adulto. Assim, foram 18 trabalhos com foco no público adulto e 15

no público jovem, levando o “grupos específicos”, neste caso, para a terceira posição, como

podemos visualizar melhor no gráfico 15.

GRÁFICO 15 – Abordagem comportamental x públicos estudadosFONTE – Dados da pesquisa

Os temas abordados foram bastante diversificados, porém, com destaque para as temáticas

ligadas à internet, cuja soma25 totalizou 12 trabalhos, conforme podemos observar no gráfico

a seguir:

25 Interatividade, participação, jornalismo digital e uso da internet de modo geral.

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GRÁFICO 16 – Abordagem comportamental x temas priorizadosFONTE – Dados da pesquisa

Uma das principais diferenças desta abordagem em relação às anteriores é o não predomínio

do método qualitativo: 22 usaram a combinação de métodos e 16 são de caráter

eminentemente quantitativo, restando 20 trabalhos qualitativos. Como afirmamos

anteriormente, não há relação de superioridade entre método quanti e qualitativo, nem

dicotomia ou oposição, pelo contrário, entendemos que a co-relação entre eles e o uso de

ambos, quando necessário, são bem vindos e muitas vezes indispensáveis, de modo a

estabelecer relações entre aspectos mais sócio-antropológicos (de longo alcance),

relacionados às práticas dos sujeitos e os usos e consumos dos conteúdos midiáticos.

Chamamos a atenção, porém, para o uso exclusivo do método quantitativo em 16 trabalhos.

Embora em alguma medida possamos estabelecer inferências sobre a recepção a partir de

indicadores quantitativos, tal como fazem os estudos dos institutos de pesquisa de opinião,

esses dados em geral não nos permitem um mergulho no cotidiano, no espaço das mediações

sociais e culturais (MARTIN-BARBERO, 2003), nas quais a recepção do conteúdo midiático

se insere. Deste modo, o uso desse método vai nos propiciar um panorama geral do contexto,

mas não a efetiva “recepção”.

Para a realização dessas pesquisas foi priorizado o questionário como técnica de coleta dos

dados em 38 das 58 pesquisas desta abordagem o que reforça a característica quantitativa

apontada. Em 24 trabalhos foi adotada a entrevista, além de 10 estudos que fizeram uso da

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discussão em grupo, sendo o grupo de discussão utilizado em apenas três trabalhos, além de

outros 6 com uso da análise de conteúdo e/ou discurso. A utilização das demais técnicas pode

ser observada no gráfico abaixo.

GRÁFICO 17 – Abordagem comportamental x técnicas adotadasFONTE – Dados da pesquisa

O panorama em relação aos autores consultados permanece o mesmo das abordagens

anteriores no sentido de que a maioria dos autores aparece uma única vez e o destaque para

Jesús Martín-Barbero como o mais citado (7), mesmo em estudos comportamentais.

Também se mantém a baixa visibilidade de autores nacionais, os quais se modificam em

relação às outras duas abordagens. Aqui o destaque vai para André Lemos (UFBA)

reconhecido pesquisador da cibercultura no Brasil. Os demais resultados podem ser

vislumbrados no gráfico a seguir:

GRÁFICO 18 – Abordagem comportamental x autores mais citadosFONTE – Dados da pesquisa

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Considerações Finais

Apesar do crescimento em termos absolutos os estudos de recepção desenvolvidos em

pesquisas de mestrado e doutorado apenas mantiveram a proporcionalidade ao número de

Programas de Pós- Graduação na área. Na década de 1990, os 45 trabalhos encontrados

referiam-se à produção de 11 Programas, ao passo que entre 2000 e 2009, os 209 trabalhos

dizem respeito a 40 Programas (JACKS et. al, 2011, p.93)26.

Destacamos inicialmente que o conjunto de trabalhos referente às três abordagens tem em

comum o fato de continuarem a explorar o que já havia sido feito na década anterior, ou seja,

articular as proposições dos autores já consagrados no campo, notadamente, Jesús Martín-

Barbero, Guillermo Orozco Gómez e Néstor García Canclini, sem incorporarem às suas

discussões os pares brasileiros, apesar da ampla e significativa produção já realizada por estes

pesquisadores, aspecto que “[...] não se estende aos estudos na web, uma vez que estão

inaugurando o enfrentamento da problemática ao entrarem em pauta nos últimos dez anos.

Esse ingresso, contudo, é lento e ainda pouco expressivo [...]” (JACKS et. al, 2011, p. 93).

Entre os problemas de natureza metodológica, destacamos o tratamento dos públicos, pois em

todas as abordagens, a maioria dos trabalhos não evidencia os critérios adotados e há casos,

inclusive, em que nenhum critério foi explicitado para a constituição do grupo analisado.

Entre esses casos, para fim de exemplificação, está a escolha de mulheres para o estudo de

um programa de auditório ou de públicos genéricos, como o “adulto”, para pensar questões

étnicas, de gênero, classe, entre outros fatores, como faixa etária, o que aponta para algumas

das principais fragilidades em muitos dos trabalhos analisados.

Tomando como exemplo a questão de gênero, raramente problematizados nesses estudos,

mesmo quando a definição do público se deu a partir desse recorte, podemos reafirmar a

problemática apontada por Escosteguy, quem identifica que “dentro das universidades

brasileiras, os vínculos entre a pesquisa de comunicação e os estudos de gênero são ainda

pouco explorados” (ESCOSTEGUY, 2008, p. 14).27

26 Índices: média de 4,09 trabalhos no total dos Programas na década de 1990 e 5,22 na década seguinte.27 Ela constatou que os primeiros estudos a problematizarem a comunicação a partir da recepção com a questão de gênero foram realizados apenas em 1998, ressalvando que apesar de mais da metade dos estudos da década de 1990 destacarem as mulheres como informantes, estes não articulam a problemática das relações de gênero,

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As questões técnicas também aparecem como problemáticas, uma vez que raramente são

discutidos os instrumentos de pesquisa ou conjunto deles à luz do problema. As técnicas

muito menos aparecem teorizadas como construtoras de dados e de sentido que são, uma vez

que surgem como uma solução automática para coletar os dados, como se eles estivessem à

disposição do pesquisador, esperando para serem colhidos. Exemplos mais significativos são

o uso da entrevista – em suas diversas formas – sem a compreensão de que se trata de um

diálogo entre entrevistado e entrevistador, portanto uma construção intersubjetiva, e o uso

desqualificado da discussão em grupo, nomeado como discussão de grupo, sem o

entendimento de que em ambos os casos tratam-se de um discurso social construído

coletivamente no ato da pesquisa. Em geral todas as técnicas e instrumentos aparecem sem a

devida compreensão teórica e não raro usadas sem definição de critérios para sua escolha.

Portanto, entre os aspectos mais problemáticos está a necessidade do amadurecimento

teórico-metodológico nos estudos de recepção, motivado, possivelmente, como já apontado,

pelo fato de a maioria desses estudos serem realizados no âmbito do mestrado “[...] quando o

pesquisador em formação, ainda não tem o estofo para arcar com problemática tão complexa,

além do pouco tempo para desenvolver a pesquisa” (JACKS, et. al, 2011, p. 94). Não se trata

de maneira nenhuma de desqualificar a experiência inicial do pesquisador em formação, o

mestrando, mas de apontar os limites desta etapa para enfrentamento de processos e práticas

que envolvem todo o circuito da comunicação. Em caso desta opção, o mais recomendado é

articular o trabalho com experiências já realizadas no campo, em estratégia de

complementação ou contraste, como forma evitar mais um estudo de caso sem consequências

para o conhecimento empírico e teórico da área.

Em todo o caso, embora pouco visíveis nos gráficos e dados de ordem quantitativos aqui

apresentados, entre as principais limitações dos estudos analisados identificamos a falta de

diálogo entre a fundamentação teórica, as escolhas metodológicas e o tratamento dos dados

empíricos. Em geral, encontramos um grande “divórcio” entre a parte teórica e a análise dos

sendo em geral trabalhadas unicamente a partir da distinção por sexo. Este aspecto ainda não foi analisado nesta pesquisa, portanto não podemos fazer afirmações mais precisas a esse respeito.

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dados, além da falta de coerência e de explicitação dos procedimentos adotados, o que inclui

a já comentada escolha das técnicas, e da falta da chamada “triangulação” (FLICK, 2009).

Para o enfrentamento desta questão faz-se necessário um comprometimento e posicionamento

institucional, ou seja, evidenciar

[...] o papel dos Programas de Pós-Graduação tanto no maior estímulo a pesquisas no nível de doutorado e na formação de equipes multidisciplinares, quanto no investimento mais denso na formação metodológica de seus discentes. Do ponto de vista institucional ainda, apesar das novas tecnologias da comunicação e da informação, nem sempre há conhecimento, avaliação e divulgação acerca dos impactos das pesquisas de recepção para o desenvolvimento social e do próprio campo (JACKS, et. al, 2011, p. 94).

Com a análise dos trabalhos e a constatação da baixa incidência de estudos sobre internet,

destacada apenas na abordagem comportamental, enfatizamos como um dos aspectos

fundamentais o fato de que os estudos sobre a web ainda não praticam o adentramento ao

cotidiano dos usuários e têm como principal característica, negativa a nosso ver,

estabelecerem-se ainda como estudos marcadamente descritivos e/ou quantitativos.

Entendemos que os estudos sobre internet realizados no início da última década tivessem esta

característica, uma vez que se tratava de uma nova problemática e de uma nova realidade

sociocultural, e que, portanto, as bases teórico-metodológicas ainda estavam se constituindo.

Porém, encontramos trabalhos com essas mesmas características ao final da década, o que

aponta a não incorporação das teorias da recepção nos estudos relacionados à web, como

também dos próprios avanços das assim chamadas teorias da cibercultura, que já superaram o

aspecto descritivo natural ao início de seu desenvolvimento. Ressaltamos, por fim, que a

superação deste tipo de estudo

[...] inclui o enfrentamento dos processos de interação, que não implica somente a web, mas todos os meios que estão se adequando a sua lógica, seguindo o processo de convergência midiática. Ainda quando a interação é apenas uma possibilidade, as práticas de recepção podem estar sendo transformadas, o que implica na reconfiguração dos estudos como um todo, em termos teórico, metodológico, temático, político, etc (JACKS et al, 2011, p. 94).

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Para finalizar este texto, mas não o debate, uma das questões centrais relacionadas aos

estudos de recepção diz respeito à própria nomenclatura28. O termo recepção, para alguns

autores, é considerado restritivo e incapaz de dar conta da complexidade do processo,

principalmente no que se refere ao processo de produção/circulação/consumo dos conteúdos

da internet. Este desafio teórico-conceitual não é fruto da década aqui analisada, ao contrário,

permeia as discussões ao longo de toda a trajetória dos estudos que levam em conta as

audiências (JACKS E ESCOSTEGUY, 2005), mas hoje ele se torna inadiável pela urgência

no enfrentamento da nova realidade socio-comunicacional.

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28 Ver: Jacks e Escosteguy (2005) e os textos de Jesús Martin-Barbero, Guillermo Orozco Gómez, Valerio Fuenzalida e Maria Immacolata Lopes, presentes na obra “Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro” (JACKS, VILLARROEL E FERRANTE, 2011)

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