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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria Tereza Antonia Cardia Narrativas sobre a experiência de ensinar a escrever um gênero textual: um estudo fenomenológico DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO – SP 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria Tereza Antonia Cardia

Narrativas sobre a experiência

de ensinar a escrever um gênero textual: um estudo fenomenológico

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO – SP 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria Tereza Antonia Cardia

Narrativas sobre a experiência de ensinar a escrever um gênero textual:

um estudo fenomenológico

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO – SP 2011

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação: Psicologia da Educação, sob orientação da Profª Doutora Heloisa Szymanski.

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Banca Examinadora

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Dedicatória

À minha mãe, pelo incentivo e apoio incondicional.

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Agradecimentos

À Heloisa, minha orientadora, pelos ensinamentos, pela dedicação e confiança. Às professoras participantes deste estudo, que concordaram em compartilhar suas experiências. Ao Cenpec, pelo apoio e colaboração. Aos professores, colegas e amigos com quem tenho tido o privilégio de conviver. À Sonia, pela amizade e interlocução. Aos meus filhos, pelo carinho e estímulo. Ao George, pelo companheirismo e permanente incentivo, ajudando a tornar este sonho possível. A todos aqueles que, de diferentes maneiras, têm contribuído para o meu percurso, obrigada!

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Diálogo do desconhecido - Posso dizer tudo? - Pode. - Você compreenderia? - Compreenderia. Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.

Clarice Lispector

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RESUMO

Este trabalho tem o propósito de compreender a experiência de ensinar a escrever

um gênero textual – artigo de opinião – para alunos do Ensino Médio. Para isso,

foram analisados os depoimentos de cinco professoras de Língua Portuguesa de

alunos finalistas em um concurso nacional de textos. Os depoimentos foram

apresentados aos seus organizadores como relatos de prática, escritos. São

narrativas e, como tal, de acordo com Benjamin (1994), estão assentadas na

experiência. Assim, constituem um caminho privilegiado para se acessar, de maneira

indireta, a experiência vivida pelo outro. O método fenomenológico é considerado

especialmente adequado para a investigação de fenômenos subjetivos como a

experiência humana. A análise das narrativas foi feita segundo esse método. Foram

adotados procedimentos descritos por Martins e Bicudo (1989), complementados por

contribuições de Szymanski (2004) para a compreensão do fenômeno estudado.

Partindo da imersão nos textos, chegou-se ao desvelamento de sete constelações

presentes na maioria dos depoimentos analisados. Isso possibilitou à pesquisadora

elaborar a narrativa de cada depoimento. Quando as cinco sínteses foram reunidas,

foi possível reconhecer novas configurações, apresentadas na síntese final. A

discussão dos resultados foi iluminada pelo pensamento de Arendt (2005). Escrever

um relato constituiu uma oportunidade especial para as professoras refletirem sobre

suas práticas. Os depoimentos mostraram que muitos foram os modos de ensinar,

mas todas as professoras se empenharam em garantir que o processo de

aprendizagem se efetivasse. O trabalho realizado pelas professoras teve o objetivo

de aprimoramento da escrita. Também foi assumido por algumas como uma

oportunidade para desenvolver a visão crítica e o compromisso com suas

comunidades. Possibilitou o exercício da multiplicidade de perspectivas, o

fortalecimento do sentimento de pertença e a preocupação com o meio ambiente. A

escrita assim como o gênero artigo de opinião fazem parte do patrimônio cultural a

que os jovens têm direito por serem novos seres humanos. De acordo com Arendt

(2005), ao aproximar os estudantes desse legado para que possam dele fruir e

venham, gradualmente, a assumir a responsabilidade por sua preservação e

renovação, a educação cumpre seu papel.

Palavras-chave: Fenomenologia. Narrativa. Experiência. Ensinar a escrever

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ABSTRACT

This work is aimed at the understanding of the experience of teaching to write a text

genre – the opinion article – to high school students. In order to do so, five

Brazilian-Portuguese language teachers’ statements were analyzed in this study.

These teachers worked with high school students who participated in a national

writing competition and were shortlisted as finalists. The statements were presented

to the organizers as written practice reports. They are narratives and, as such, are

based, on experience, according to Benjamin, (1994). Thus, they constitute a

privileged path to access indirectly the experience lived by others. The

phenomenological method is considered to be especially adequate to investigate

subjective phenomena such as the human experience. The undertaking of the

analysis about the narratives was done following this method. The procedures

described by Martins and Bicudo, (1989), complemented by Szymanski’s, (2004),

contributions were adopted for the understanding of the studied phenomenon. Based

on immersion into the narratives, seven constellations were revealed and found in

most of the statements. This allowed the researcher to elaborate one narrative for

each statement. When the five synthesis were gathered, it was possible to recognize

new configurations presented in the final synthesis. The discussion on data was

enlightened by Arendt’s, (2005), ideas. To write a report was a special opportunity for

the teachers to reflect upon their practice. The statements indicated that there were

many ways to teach, yet all of them were engaged in trying to make the process of

learning truly effective. The work done by the teachers was aimed at the

improvement of written skills. It was also undertaken as an opportunity to develop a

critical view and a commitment to their communities by some of them. It made

possible to exercise the multiplicity of perspectives, the strengthening of the feeling of

belonging and a concern with the environment. Writing, as well as the opinion article

make part of a cultural legacy to which the high school students are entitled because

they are new human beings. According to Arendt, (2005), education fulfills its role by

bringing high school students in touch with this inheritance, so that they can enjoy it

and gradually become responsible for its preservation and renewal.

Key words: Phenomenology. Narrative. Experience. Teaching to write.

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ........................................................................... 9 1.1 UM POUCO SOBRE O MEU CAMINHAR ...................................... 9 1.3 OBJETIVO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................ 12 2 O EDUCADOR E O ENSINAR ....................................................... 16 3 MÉTODO.......................................................................................... 21 3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ......................................... 21 3.1.1 O concurso e os relatos de prática ................................................. 21 3.1.2 Os participantes deste estudo ........................................................ 25 3.2 OS CAMINHOS PARA A COMPREENSÃO .................................. 27 3.2.1 A narrativa ....................................................................................... 27 3.2.2 O olhar fenomenológico .................................................................. 32 3.3 OS DEPOIMENTOS........................................................................ 36 3.3.1 Síntese do depoimento da professora Bruna ................................. 36 3.3.2 Síntese do depoimento da professora Eva ..................................... 37 3.3.3 Síntese do depoimento da professora Flávia .................................. 38 3.3.4 Síntese do depoimento da professora Leila .................................... 40 3.3.5 Síntese do depoimento da professora Silvia ................................... 41 3.4 ANÁLISE ......................................................................................... 41 3.4.1 Descrição dos procedimentos ......................................................... 42 3.4.2 As constelações .............................................................................. 47 3.4.2.1 Constelações e síntese por professor ............................................. 47 3.4.2.2 Síntese final .................................................................................... 68 3.4.2.3 As narrativas ................................................................................... 73 4 DISCUSSÃO ................................................................................... 80 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 86 REFERÊNCIAS ............................................................................... 88 APÊNDICES A - Quadro 1: Número de semifinalistas, finalistas e vencedores

por categoria, estado e região ........................................................

90 B - Informações suplementares sobre a Olimpíada de Língua

Portuguesa Escrevendo o Futuro ...................................................

91 C – Figura 1: Esquema das etapas do programa e número de

envolvidos em 2008 ........................................................................

93 D - Correspondência enviada aos professores ............................... 95 E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................... 96 F - Quadro 2: Número de participantes por etapa .......................... 97 G - Um exemplo dos procedimentos de análise ............................. 98 ANEXOS A - Excertos do Regulamento com referência ao relato de prática 109 B - Orientações para o Relato de prática ........................................ 110 C - Relatos de prática das cinco professoras ................................. 112

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1 - APRESENTAÇÃO

Esta abertura foi destinada a uma apresentação do percurso da pesquisadora

que realizou o presente trabalho, de seu objetivo e de alguns esclarecimentos

iniciais.

1. 1 – UM POUCO SOBRE O MEU CAMINHAR

Nesta breve apresentação, desejo contar ao leitor quais caminhos percorri até

chegar à proposta deste trabalho, tentando identificar as experiências que, ao olhar

para trás, mais fortemente se entrelaçam com o presente estudo sobre relatos de

prática de ensino da escrita de um gênero textual. Começando com a leitura e

escrita, prossigo pelo ensinar e aprender, relatando algumas experiências

profissionais, os primeiros contatos com a fenomenologia, com o pesquisar e, por

fim, como surgiu o desejo de realizar este trabalho.

O prazer da leitura e o gosto pela escrita foram descobertos mais ou menos

ao mesmo tempo. Lembro-me de um diário que ganhei por volta dos dez anos de

idade e da importância que tinha para mim esse espaço de conversa íntima, onde

registrava fatos, impressões, sentimentos e do apego à leitura, com a descoberta

das coleções de livros para a juventude e tantos outros.

Também sinto a curiosidade e o gosto pelo aprender-ensinar, presentes em

minha vida desde os primeiros anos. O processo envolve um misto de disciplina,

esforço, dedicação, ludicidade, prazer, dúvida, satisfação, angústia,

questionamentos...

Por dois anos, trabalhei como professora em escola pública – ensinei inglês

no ginásio (atualmente, ensino fundamental) enquanto ainda era aluna universitária,

no início da década de setenta. Em seguida, atuei por alguns anos como docente

em cursos de graduação em Psicologia, na área de psicodiagnóstico, em três

instituições de ensino superior (em São Paulo, Assis e Campinas). Tinha um gosto

especial pela compreensão das narrativas criadas a partir de imagens, os chamados

instrumentos projetivos, como o Teste de Apercepção Temática.

Posteriormente, no trabalho com educação informal para adolescentes em

organização do terceiro setor, percebi com clareza que, educadores e educandos,

estávamos sempre ensinando e aprendendo uns com os outros.

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Quanto à fenomenologia, tive a oportunidade de uma primeira aproximação

ainda durante a graduação em Psicologia na PUC-SP e me pareceu tão fascinante

quanto complexa. Dentre tantas coisas, aprendi que uma boa pergunta vale mais do

que muitas respostas e a importância do cuidado com o modo de propor as

questões.

Mudei para Campinas e também de caminhos. Dediquei-me à educação de

meus três filhos, vivenciando outros ensinares e aprenderes. Fiz o mestrado em

Psicologia Social na USP e desenvolvi a dissertação1, concluída em 1990, a partir de

uma pesquisa envolvendo observação participante e entrevistas abertas com

adolescentes que viviam em uma instituição. Atuei na área de formação de

adolescentes no terceiro setor em Campinas por mais de dez anos, e em 2002

retornei a São Paulo para trabalhar com pesquisa em uma organização não

governamental, que tem a formação de professores como um dos seus focos de

ação.

Minha relação com o pesquisar tem sido prazerosa, porém intermitente – na

graduação aprendi os fundamentos e participei de algumas pesquisas. Anos mais

tarde, retomei essa atividade ao desenvolver o mestrado e, novamente, interrompi.

Ao realizá-la mais assiduamente, descobri grande afinidade e satisfação em

procedimentos como o cuidado na construção do projeto, o planejamento das

condições para entrar em contato com o fenômeno, o rigor nos registros, o empenho

em olhar resultados obtidos por vários ângulos, procurando deixar minhas crenças e

expectativas de lado e mirar atentamente o que se desvela até compreendê-lo

melhor. Contudo, à medida que me embrenhava nessas atividades, era acometida

por novas inquietações. O desejo de aprender mais a respeito, de conhecer e utilizar

as várias metodologias e recursos existentes na pesquisa em educação e a busca

por certezas (inalcançáveis, bem sei) me impulsionaram para o doutorado.

Em 2007, fui admitida no programa de Psicologia da Educação e durante o

curso reencontrei-me com a fenomenologia. Alguns colegas do doutorado faziam

parte do Grupo de Pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na

Família, Escola e Comunidade, coordenado pela Dra. Heloisa Szymanski. Ler e

discutir seus projetos durante os Seminários de Pesquisa reavivou o meu interesse e

encantamento pela fenomenologia. Esse Grupo, composto por alunos e ex-alunos

1 Parece mas não é: a profissionalização do menor institucionalizado (Universidade de São Paulo, 1990)

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da pós-graduação, em sua maioria orientandos da Dra. Szymanski, desde 1993,

atua institucionalmente (isto é, pela universidade) em uma comunidade de baixa

renda, na zona norte de São Paulo, e tem desenvolvido diversos estudos e

pesquisas, produzido teses e dissertações com base nessa experiência. Senti-me

atraída e me aproximei.

Tinha dúvidas se seria possível realizar uma pesquisa fenomenológica

baseada em documentos escritos por professores, relatando suas experiências de

ensinar a escrever um gênero textual. No início de 2008, consultando a Dra.

Szymanski, descobri que sim e fiquei muito satisfeita em ser aceita como sua

orientanda e como integrante do Grupo.

Restava o desafio de me familiarizar com a fenomenologia o suficiente para

fundamentar o meu trabalho de doutorado. Estava ciente de que teria de me

defrontar com um pensamento que abre novas perspectivas, ora apreendo, ora me

perco, sinto-me por vezes aturdida. Mas, conforme leio, vou descobrindo que a

perplexidade e confusão são comuns aos que se dedicam ao estudo da

fenomenologia (MARTINS, 1984, p. 76). Até mesmo o próprio Heidegger

testemunha essa reação, quando conta que “Apenas lentamente se foi

desvanecendo a perplexidade, dissolvendo-se laboriosamente a confusão, desde

que me foi possibilitado encontrar Husserl pessoalmente, no seu gabinete.” (O meu

caminho na Fenomenologia, p. 8).

A relação ambivalente que mantenho com a fenomenologia ainda me assusta,

mas também atiça minha curiosidade e o desejo de conseguir apreender novos

significados, alargando o olhar. Pressinto haver aí algo precioso, que me convoca a

aprofundar meu conhecimento de fenomenologia. Venho aprendendo a conviver

com o desconforto em reconhecer a realidade como móvel, mutável, fluida,

caleidoscópica, a me abrir para o fenômeno procurando evitar pressuposições e a

buscar clareza a respeito da perspectiva de onde olho e de onde falo – ciente que

minha compreensão é situada, circunstancial e limitada. Encontrei na fenomenologia

o caminho para compreender o fenômeno que desejava estudar: a experiência de

ensinar a escrever.

Há alguns anos participo da equipe responsável pela coordenação técnica de

um programa que realiza, a cada dois anos, um concurso de escrita para alunos da

rede pública. Tive a oportunidade de entrar em contato com os relatos de prática de

professores de alunos semifinalistas e, vislumbrando a riqueza e diversidade das

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narrativas, senti-me provocada a investigar o que contavam a respeito do modo

como ensinaram seus alunos a escrever.

Devido a meu envolvimento com o programa, foi preciso esforço para

desenvolver um olhar estrangeiro – o daquele que, vindo de fora, não acolhe o

rotineiro desapercebidamente, que, ao se deparar com o que todos estão

acostumados, manifesta seus estranhamentos e faz perguntas que ajudam a

desvelar compreensões que permaneciam ocultas.2

Foram muitas idas e vindas, com paciência inesgotável da orientadora e

tolerância do grupo de orientandos, aliadas à perseverança, tentando abandonar o

discurso da organização executora do concurso, para a qual trabalho, desprender-

me da identificação com esta, procurando estabelecer uma nova relação — a do

pesquisador com seu objeto de estudo, no caso, a experiência de ensinar a escrever

um gênero textual. Ainda assim, talvez tenha cometido alguma “escorregadela”.

Também foi preciso superar um período de “embasbacamento” e imobilização

iniciais, que certamente demorou muito mais tempo do que eu poderia imaginar. O

mergulho no trabalho foi entrecortado por indesejáveis, porém inevitáveis períodos

de emersão, causados pelas demandas concorrentes. Por fim, aprender a escrever

o gênero “tese de doutorado”, com muita ajuda da orientadora, com as sugestões da

banca do exame de qualificação, com pistas recolhidas nas defesas e exames de

colegas e, claro, em leituras desse gênero textual.

Encerro aqui esta apresentação, esperando ter dado ao leitor uma noção de

como cheguei ao presente estudo e, na sequência, encontra-se o seu objetivo e

algumas justificativas a respeito das escolhas feitas. Nas próximas partes, abandono

o tom utilizado nessas palavras de abertura, próprio de um depoimento pessoal, ao

qual retorno nas considerações finais.

1.2 – OBJETIVO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Este trabalho tem o propósito de compreender a experiência de ensinar a

escrever um gênero textual, relatada por professores cujos alunos tiveram uma

produção escrita bem avaliada em um concurso de abrangência nacional. Trata-se

de um estudo do que se desvela sobre a experiência de ensinar.

2 Merleau-Ponty (2006, p. 10) afirma que é preciso romper nossa familiaridade com o mundo, para que possamos apreendê-lo como paradoxo.

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Para responder à pergunta – Como foi a experiência de ensinar a escrever

um artigo de opinião? – desenvolveu-se uma investigação qualitativa, com

orientação fenomenológica, baseada em depoimentos de um grupo de professores

que trabalhou o gênero artigo de opinião com alunos do nível de ensino médio para

tomar parte em um concurso de produção textual – a Olimpíada de Língua

Portuguesa Escrevendo o Futuro, edição 2008.

Primeiramente, cabem algumas considerações a respeito do concurso, ou

seja, do contexto em que foram produzidos os depoimentos. É próprio dos

concursos dar visibilidade aos que mais se destacam, premiar os vencedores,

deixando de lado o maior número de participantes, um efeito perverso e não

desejado, em se tratando da educação de jovens e formação de professores.

Contudo, a Olimpíada em questão é um concurso que tem um importante diferencial:

o seu propósito formativo, afirmado desde a carta ao professor3, na abertura do

livreto:

Aparentemente é apenas um concurso de textos, mas, na realidade, a Olimpíada constitui uma estratégia de mobilização que oferece aos professores oportunidade de formação. […] Nessa Olimpíada não estamos em busca de talentos, nosso propósito é contribuir para a melhoria da escrita de todos os alunos das turmas participantes. (p. 5)

Mas reafirmado e confirmado por sua prática, ao oferecer não apenas o material de

apoio – Caderno do Professor: Orientação para a produção de textos ou,

simplesmente, “Caderno” - como também ao realizar formações presenciais e

desenvolver diversas estratégias de formação a distância para professores da rede

pública, como materiais de orientação para o ensino de gêneros textuais, revista Na

Ponta do Lápis com três edições por ano, vídeos educativos, comunidade virtual de

aprendizagem aberta a quaisquer interessados, cursos on-line, desde a criação do

programa em 2002, em caráter contínuo.

Curiosamente, as palavras concurso e concorrer também possuem

significados que parecem se opor. Dentre as acepções de concurso4 encontram-se:

1. ato ou efeito de concorrer, 4. cooperação, ajuda e 5. certame. Do mesmo modo,

concorrer5 possui, entre seus significados, 1. juntar-se para (uma ação comum),

contribuir, cooperar e 2. ter a mesma pretensão de outrem, competir. Ou seja, são

3 GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloisa. Pontos de Vista – Caderno do Professor, orientação para produção de textos. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008, p. 5 e os Cadernos nos outros dois gêneros. 4 FERREIRA, A.B.H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010. 5 Ibid.

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palavras que guardam significados contrários – o de co-laborar e o de disputar algo

desejado simultaneanente. Assim, trata-se de uma Olimpíada que, ao lado de

instituir uma competição, também colabora com a formação dos professores,

procurando cumprir sua finalidade: contribuir para a melhoria do ensino da leitura e

escrita e para a melhoria da escrita de todos os alunos das turmas participantes.

Outro esclarecimento que se faz necessário diz respeito aos recortes

adotados. Dentre os cerca de 500 relatos de prática disponíveis, escritos por

professores dos semifinalistas nas três categorias do concurso (poema, memórias e

artigo de opinião), a pesquisadora optou por voltar sua atenção para os depoimentos

dos professores de alunos selecionados finalistas em artigo de opinião. Os motivos

para essa escolha são apresentados a seguir.

Em se tratando de um concurso de textos, os organizadores buscam

certificar-se com relação à autoria, para não incorrer no engano de premiar

indevidamente. Ora, essa questão também é relevante para as finalidades deste

estudo, pois o que se deseja compreender são as experiências de professores cujos

alunos, efetivamente, escreveram textos bem avaliados. Durante o encontro

regional, os alunos semifinalistas participaram de atividades em que produziram

novos textos. As comissões julgadoras, compostas por especialistas em língua

portuguesa e presididas por docente de universidade, puderam comparar o texto

enviado para participar do concurso com os produzidos no encontro. Os avaliadores

foram orientados a não selecionar para a etapa final nenhuma produção que

apresentasse significativa divergência de qualidade em relação às obtidas

presencialmente. Do ponto de vista dos avaliadores, estava assegurada a autoria

dos textos de alunos finalistas, não restando dúvida a respeito. Assim, a preferência

recaiu sobre os relatos dos professores dos alunos finalistas que, na edição 2008,

eram em número de 150.

Ademais, o artigo de opinião constitui um gênero particularmente

interessante, sobretudo se associado ao tema do concurso: O lugar onde vivo, que

desperta o olhar do aluno, do professor e da escola para a própria realidade,

podendo germinar transformações. O “Caderno” apresenta uma sequência didática

com atividades que visam ao desenvolvimento de conhecimentos e competências

necessárias para a escrita de um artigo de opinião, tais como: a identificação de

questões polêmicas locais, que geram discussão e sobre as quais não há consenso,

a pesquisa e busca de informações, que fundamentam as diferentes opiniões, a

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atenção à diversidade dos argumentos quanto à sua natureza e força, a organização

da defesa de um ponto de vista, assumindo uma posição frente à polêmica, a

contestação de outras posições, antecipando contra-argumentos. Aprender a ouvir

todos, desenvolver a paciência e tolerância com o diferente, aprender a falar, a

organizar e defender ideias, a fazer perguntas e responder questionamentos

também são aprendizados que o estudo desse gênero textual pode propiciar. Daí a

preferência pelo gênero artigo de opinião, que teve 39 finalistas na referida edição.

As produções dos alunos finalistas foram consideradas as mais adequadas

por várias comissões de avaliadores – desde a sala de aula, escola, município,

estado e região, todas solicitadas a adotar os mesmos critérios, divulgados nos

“Cadernos”, no regulamento e em um CD-Rom que orientava a avaliação de textos,

enviado para as comissões julgadoras municipais. A recomendação no regulamento

do concurso era que os avaliadores fossem especialistas em língua portuguesa –

professores da rede pública e pessoas da comunidade reconhecidas pelo domínio

da língua como jornalistas, escritores etc. Assim, pode-se supor que os relatos dos

professores dos alunos finalistas dizem respeito a práticas em cujo contexto foram

produzidos artigos de opinião bem avaliados por diversas comissões julgadoras.

Pretende-se, com a análise dos relatos, conhecer o processo em que as produções

foram realizadas, para compreender a experiência de ensinar desses professores.

Na próxima parte, encontra-se uma pequena apresentação sobre o

pensamento de Hannah Arendt a respeito de educação, que ilumina o sentido deste

trabalho.

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2 – O EDUCADOR E O ENSINAR

A seguir, será feita uma breve apresentação sobre o pensamento de Hannah

Arendt e, em especial, suas reflexões a respeito da educação, baseada em seu

ensaio “A crise na educação” e em alguns artigos e publicações de estudiosos que

ajudam a compreender sua obra. Suas ideias evidenciam o significado do presente

trabalho e orientaram a compreensão do fenômeno estudado.

Hannah Arendt foi uma pensadora que, embora tivesse se doutorado em

Filosofia, não aceitava ser chamada de filósofa. Conforme Duarte ([2008], p. 6-15),

Arendt era determinada e tinha um caráter independente, foi orientanda de Martin

Heidegger e de Karl Jaspers, destacando-se pela inteligência e brilhantismo.

Nascida na Alemanha, em 1906, por ocasião do nazismo migrou para a França e,

em seguida para os Estados Unidos, onde faleceu em 1975. Produziu uma

importante obra, com contribuições significativas para diversas áreas do

conhecimento como Filosofia, História, Política, Direitos Humanos e também para a

Educação. Critelli ([2008], p. 76) salienta que seu pensamento não reconhecia

fronteiras e considerava qualquer ideia passível de contestação. Ela própria gerou

polêmicas e suas proposições não eram facilmente identificadas a outras correntes

de pensamento, sendo considerada de esquerda por quem se posicionava como

sendo de direita e vice-versa. Estabeleceu a interlocução com pensadores que a

precederam no tratamento de questões que a interessavam, podendo,

respeitosamente, discordar.

De acordo com Critelli ([2008], p. 77), Arendt entendia que, por sermos - todos

nós - criaturas pensantes por natureza, ninguém é capaz de ter “um ponto de vista

absoluto e absolutamente verdadeiro” sobre o mundo ou sobre qualquer assunto.

[...] “a verdadeira realidade do mundo está em poder ser visto por todos nós, de

pontos diferentes de percepção. Não há uma só verdade, mas verdades relativas às

épocas, lugares, perspectivas em que se formularam e sustentaram.” Em seus

textos, provoca o leitor a pensar e a fazer dela sua interlocutora.

A multiplicidade de perspectivas e de circunstâncias foram tema de suas

aulas, conforme registra Lafer (2007), com base nas anotações feitas à época em

que foi seu aluno e nos roteiros de cursos por ela ministrados em universidades

norte-americanas, no período entre 1955 e 1968. Nesse texto, Lafer traz reflexões a

respeito da importância que Arendt atribuiu à narrativa e à experiência – tratadas no

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presente trabalho –, por considerá-las caminhos para a compreensão, uma

exigência vital para essa pensadora.

De acordo com Critelli ([2008], p. 81), “A descoberta do sentido das coisas e

dos acontecimentos prepara nossas escolhas e alicerça a autoria da nossa vida”.

Prossegue dizendo que somos todos atores da nossa vida, mas que a autoria requer

pensamento e reflexão, e implica na condição de existência de que cada homem é

um iniciador e, queira ou não, está reiniciando o mundo. Ao compreender isso, o

homem reconhece sua “inexorável responsabilidade pelo mundo” (CRITELLI, [2008],

p. 82).

“A crise na educação”, publicado nos anos 50, embora tenha sido o único

texto que escreveu na área1, constituiu um marco pela centralidade das questões

que aborda e continua despertando interesse. Mas, qual a crise a que se refere

Arendt e o que é crise para ela? Trata-se de uma crise do mundo moderno (isto é,

do século XX), que cultua o novo e o futuro, deixando de valorizar as experiências

dos nossos antepassados. De um mundo no qual o passado deixou de servir como

guia e que tem, no desaparecimento do senso comum, na perda dos significados

compartilhados, o seu sinal mais inequívoco. A crise representa uma oportunidade

para refletir sobre o novo e investigar a essência da questão desnudada (ARENDT,

2005, p. 223). Responder à crise com prejulgamentos é um desperdício da

oportunidade de reflexão por ela criada e contribui para o seu recrudescimento.

Segundo Arendt (2005), a essência da educação é a natalidade – “o fato de

que seres humanos nascem para o mundo” (p. 223). Conforme Francisco ([2008], p.

33), para Arendt, o mundo é a habitação comum, o cenário no qual comparecem as

muitas gerações e que compreende o conjunto de artefatos humanos que

permanecem para além da duração de uma vida. Carvalho ([2008], p. 19) resume a

diferença que Arendt faz entre natalidade e nascimento. Cada pessoa que nasce, diz

ele,

além de um novo ser na vida, é um ser novo no mundo: esse complexo conjunto de tradições históricas e realizações materiais e simbólicas nas quais os novos devem ser iniciados para delas participar e por elas se constituir como um ser novo num mundo preexistente. (p. 19)

A chegada de novos seres no mundo representa a possibilidade de sua

continuidade e também de sua renovação (como foi dito, cada homem é um 1 Arendt havia escrito anteriormente um texto enfocando o cenário escolar (Reflexões sobre Little Rock), considerado como mais voltado para a implantação de políticas do governo norte-americano de combate ao racismo nas escolas (CARVALHO, [2008], p. 17).

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iniciador). Para que isso aconteça, é preciso que os jovens sejam acolhidos e

iniciados nas tradições e no nosso legado cultural. “A educação é o ato de acolher e

iniciar os jovens no mundo, tornando-os aptos a dominar, apreciar e transformar as

tradições públicas, que formam a nossa herança simbólica comum.” (CARVALHO,

[2008], p. 20).

A criança é um ser humano em desenvolvimento, em processo de

transformação, que requer cuidados e proteção das ameaças do mundo. Da mesma

forma, o mundo também requer cuidados para ser preservado de cada nova geração

que chega. Deve ser preservado contra a mortalidade de seus criadores e de seus

habitantes, é preciso que seja continuamente posto em ordem. A questão é educar

de modo que esse contínuo por-em-ordem seja, de fato, possível. A esperança está

nas novas gerações que chegam e por isso mesmo é preciso que os adultos

introduzam os jovens ao mundo preexistente. “Exatamente em benefício daquilo que

é novo e revolucionário em cada criança é que a educação precisa ser

conservadora.” (ARENDT, 2005, p. 243).

Cabe ao professor o duplo e paradoxal papel de “zelar pela durabilidade do

mundo de heranças simbólicas” e “cuidar para que os novos possam se inteirar,

integrar, fruir e, sobretudo, renovar essa herança pública que lhes pertence por

direito, mas cujo acesso só é possível por meio da educação.” (CARVALHO, [2008],

p. 21).

A essência da atividade educacional consiste na preservação de algo que

precisa ser mantido sob abrigo e proteção e, nesse sentido, trata-se de uma

atividade conservadora. Critelli (2006, p. 46) ajuda a compreender essa ideia

quando, discorrendo a respeito da educação, situa como seu alvo o repasse, o

desenvolvimento e a proteção do patrimônio cultural e complementa, dizendo que,

por meio da escola e da mídia, esse patrimônio torna-se comum e lícito.

A criança inicia sua vida na intimidade da família, e a escola é a instituição

que faz a transição do privado para o público; o professor é o profissional que tem a

incumbência de introduzir o mundo para os educandos, procurando torná-lo

compreensível a eles. Essa introdução deve ser feita cuidadosamente, de modo que,

aos poucos, esse novo ser possa fruir do mundo como ele é, mas também de modo

a permitir que o novo se instaure. O relacionamento natural entre adultos e crianças

consiste do ensino e da aprendizagem, e o professor manifesta seu respeito e

acolhimento ao aluno por meio do ensino.

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O professor está diante dos jovens como representante de todos os

habitantes adultos do mundo e deve assumir, coletivamente, a responsabilidade por

um mundo que pode até contestar, mas do qual é parte e que compartilha com os

outros. A sua autoridade advém da responsabilidade que ele assume por esse

mundo perante seus educandos e é seu papel instigar nos jovens o amor pelo

mundo.

Existe uma crise em relação ao passado, que Arendt denomina crise da

tradição, bem como uma crise geral de autoridade nos âmbitos público e privado. O

homem moderno tem expressado sua insatisfação com o mundo, recusando-se a

assumir sua responsabilidade pelo que aí está, frente às novas gerações. Diante das

crises da autoridade e da tradição, está especialmente difícil para o professor

exercer o seu ofício, que envolve atuar como mediador entre o velho e o novo e

requer respeito ao passado.

Arendt (2005) convoca à responsabilidade que, enquanto sociedade humana,

temos perante os novos seres humanos e perante o próprio mundo:

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável se não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo, abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (p. 247)

O amor pelo mundo (“amor mundi”) se expressa, pois, em assumirmos

responsabilidade por ele – por sua conservação e por sua renovação. O “amor ao

mundo” e “um coração compreensivo” são condições necessárias para pensar e

agir, que estão inexoravelmente associados, para Arendt (CRITELLI, [2008], p. 78,

83). O amor pelo mundo “é contribuir para que o conjunto de instituições políticas e

leis que nos foram legados não seja continuamente transformado ao sabor das

circunstâncias e dos interesses privados de alguns.” (DUARTE, [2008], p. 86). Isso

se tornou bastante difícil em uma época marcada pela luta por interesses

particulares em conflito.

A crise da autoridade na educação tem estreita ligação com a crise da

tradição, diz ela (ARENDT, 2005, p. 243). A crise em si não é prejudicial, precisa ser

compreendida, requer reflexão para que se evitem respostas prontas, com juízos

pré-formados – estes, sim, transformam a crise em desastre, aprofundando-a.

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Arendt não oferece soluções, mas questiona, instiga a pensar. Suas

provocações ajudam a reaprender a pensar. Para Critelli ([2008], p. 78), pode ser

essa uma interface com a educação. Suas reflexões foram importantes no contexto

deste estudo, pois ajudaram a pesquisadora a compreender o papel do professor, da

escola e o significado da educação no mundo, além de auxiliarem no processo de

imersão nas narrativas sobre a experiência de ensinar um gênero textual.

A seguir, será apresentado o método da presente pesquisa.

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3. MÉTODO

Este item compõe-se de quatro partes. Inicialmente, encontra-se uma

apresentação sobre o concurso que provocou a experiência de ensinar o gênero

textual artigo de opinião e que incentivou a escrita dos relatos analisados neste

trabalho, bem como sobre os participantes deste estudo. Na segunda parte, são

apresentadas as contribuições que orientaram o olhar da pesquisadora a respeito

de narrativas e do método fenomenológico para conduzir pesquisa. Na terceira

parte, há uma síntese dos depoimentos das professoras e a última é dedicada à

análise destes.

3.1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

A seguir há uma apresentação do contexto em que esses relatos de prática

pedagógica foram produzidos e de como se teve acesso aos mesmos.

3.1.1 – O concurso e os relatos de prática

O concurso é uma das ações que integra um programa criado em 2002, que

tem o objetivo de “colaborar para a melhoria do ensino da leitura e da escrita”1 e é

coordenado por uma organização do terceiro setor (ONG), com o apoio de uma

fundação empresarial. A partir de 2008, passou a contar com a parceria do

Ministério da Educação (MEC) e se transformou em Olimpíada de Língua

Portuguesa Escrevendo o Futuro.

Cada nova edição guarda algumas diferenças em relação às anteriores. Este

estudo focalizou a edição de 2008, quando o concurso oferecia três categorias de

participação, conforme o nível de ensino e ano escolar: poesia e memórias literárias,

para alunos do Ensino Fundamental (5º./6º. anos e 8º./9º. anos, respectivamente);

artigo de opinião, para alunos do Ensino Médio (2º./ 3º. anos).

O professor inscrito no concurso recebeu um material de apoio – um livreto

sobre o ensino da escrita do gênero textual escolhido, denominado Caderno do

Professor: Orientação para a produção de textos, doravante referido como

“Caderno”. Havia três publicações com cerca de 90 páginas cada, que orientavam a

1 Fonte: Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Regulamento e Ficha de inscrição. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008, p. 2

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realização de 12 a 14 oficinas2 de escrita, organizadas em uma seqüência didática.

Ofereciam também os critérios para avaliação das produções dos alunos, textos

complementares do gênero em foco e informações sobre as concepções de ensino,

língua e aprendizagem que fundamentam o material.

Conforme esclarecimento encontrado ao final3 de cada publicação, a

sequência didática proposta está organizada em nove passos, a saber: 1 -

apresentação do projeto de escrita e da situação de produção para a turma; 2 - o

diagnóstico inicial, para avaliar o conhecimento da turma a respeito do gênero a ser

ensinado; 3 - leitura de textos para ampliação de repertório dos alunos; 4 - estudo

das características do gênero; 5 - pesquisa sobre o tema a respeito do qual

pretendem escrever; 6 - produção coletiva do texto orientada pelo professor, com

base no que pesquisaram; 7 - produção individual sobre o tema escolhido; 8 -

revisão do texto, com a ajuda de um roteiro para identificar o que pode ser

aprimorado, seguida da reescrita; 9 - publicação dos textos produzidos, para que

sejam lidos por outras pessoas, e seleção, com a classe, dos que desejam

encaminhar para a comissão julgadora escolar.

O professor era orientado a desenvolver a sequência de atividades com todos

os alunos da classe, e a escola a organizar uma comissão, com a finalidade de

selecionar um único texto por categoria em que estivesse participando, para ser

enviado à comissão municipal. O concurso está organizado em cinco etapas:

escolar, municipal, estadual, regional e nacional. Na etapa estadual, ocorreu a

seleção dos 500 semifinalistas; na etapa regional, dos 150 finalistas e na nacional,

dos 15 vencedores (cinco por categoria).

A importância do registro da prática é salientada na primeira oficina de cada

livreto, onde se encontra a sugestão para que o professor escreva sobre o processo,

contando como desenvolveu as atividades e quais as reações e dificuldades da

2 A denominação “oficina” tem sido usada pelo programa desde a 1a. edição, em 2002. O conjunto de oficinas está organizado segundo uma sequência didática e propõe uma variedade de estratégias de ensino que favoreçam a interação e a troca de conhecimentos entre alunos e professor. Embora a oficina possa conter momentos expositivos conduzidos pelo professor, próprios da aula tradicional, diferencia-se desta por incluir atividades variadas para os alunos realizarem com a mediação do professor. Cada oficina tem objetivos específicos e aborda conteúdos curriculares a serem desenvolvidos com a turma e podem ocupar uma ou mais aulas. De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, oficina é o espaço onde se exerce um ofício ou lugar onde se verificam grandes transformações, remetendo ao espaço de elaboração e criação, no qual, ao exercer o ofício da escrita, os alunos se transformam em pessoas capazes de se expressar no gênero estudado. 3 GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloisa. Pontos de Vista – Caderno do Professor, orientação para produção de textos. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008, p.85-87.

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turma4. O registro é apontado como um caminho para o aperfeiçoamento do trabalho

docente. Ainda na primeira oficina há a informação de que os professores de alunos

semifinalistas seriam solicitados a apresentar um “relato de experiência”, com o qual

concorreriam a prêmios.

No regulamento do concurso (2008), também havia a recomendação de que

os professores registrassem a experiência com o uso do material e a informação

que, na etapa regional, seria solicitado um relato sobre suas práticas com até três

páginas (papel sulfite)5 de extensão. O Anexo A apresenta excertos do regulamento

em que há referência ao relato de prática. Em cada encontro regional, reuniu-se uma

comissão julgadora para ler e selecionar os relatos que melhor retratassem as

práticas6, segundo os critérios: “aspectos próprios do gênero relato; narração de

experiências; reflexão sobre a prática; aspectos gerais de gramática e ortografia;

originalidade no texto”7.

Além disso, foi enviado aos professores dos 500 alunos selecionados como

semifinalistas um documento contendo orientação mais detalhada a respeito do

relato de prática, o qual deveriam levar para um encontro presencial que reuniu

professores e alunos por gênero e região. No Apêndice A encontra-se um quadro

que mostra como os estados foram agrupados para o encontro da etapa regional

nos três gêneros, bem como o número de semifinalistas e finalistas envolvidos em

cada polo na edição de 2008.

Os professores dos semifinalistas foram convidados a produzir um texto para

participar de um concurso que aconteceu concomitantemente à etapa regional.

Estavam, pois, sendo chamados a comparecer com duplo papel: o de quem ensinou

seu aluno a escrever um determinado gênero textual e o de autor de um relato de

prática. Tal como seus alunos, viveram a experiência de aprender ou aprimorar um

novo gênero textual. Ao entregarem seu relato de prática, os professores

demonstraram aceitar e cumprir uma determinação8 dos organizadores do concurso,

os quais podem ter sido percebidos por ele como interessados em sua experiência

por solicitar esse registro.

4 Ibid., p. 13 5 Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Regulamento e Ficha de inscrição. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008, item 4.4.3, p. 8 6 Ibid., item 4.4.3.1, p. 8 7 Ibid., item 7.2, p. 10. 8 Cabe esclarecer que o professor que não entregasse, apenas deixaria de participar do concurso de relatos de prática.

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De acordo com documentos do programa, esse concurso para professores

dos semifinalistas foi instituído para incentivar os registros, tendo em vista sua

relevância como instrumento para reflexão e transformação. O aspecto formativo

dos relatos tem sido ressaltado por autores como Cunha: “Ao mesmo tempo que o

sujeito organiza suas ideias para o relato – quer escrito, quer oral – ele reconstrói

sua experiência de forma reflexiva e, portanto, acaba fazendo uma auto-análise que

lhe cria novas bases de compreensão de sua própria prática.” (CUNHA, 1997).

O documento com orientações para a elaboração do relato de prática (Anexo

B) caracteriza esse gênero como propiciando um momento de reflexão, no qual há

um diálogo entre quem recorda uma experiência vivida e o leitor a quem se destina o

texto. Prossegue salientando que, como se trata de algo que foi vivenciado por

quem escreve, esse gênero textual deveria trazer marcas de autoria (“eu”, “meus

alunos”, “minha sala de aula”, “minha escola”) e revelar sentimentos, sensações e

emoções. Recomenda a inclusão das vozes de outras pessoas como alunos,

coordenador, pais, diretor, autores lidos, que poderiam ser citados direta ou

indiretamente. Sugere, ainda, a utilização de verbos que mesclam o tempo presente

(do momento em que relata) com o passado (quando a experiência foi vivenciada) -

ora no pretérito perfeito, ora no pretérito imperfeito. Orienta que o autor situe o leitor

(quando e onde a situação ocorreu), contando a experiência desde o início e

finalizando com uma reflexão sobre os resultados da prática pedagógica relatada. O

texto com orientações para a elaboração do relato de prática havia sido publicado na

revista periódica do programa9, enviada aos professores inscritos na edição anterior

(2006) e, eventualmente, alguns poderiam ter maior familiaridade com essas

orientações do que outros.

Os relatos foram apresentados como sendo o registro da experiência

vivenciada pelos professores, representando o que os autores julgassem relevante

compartilhar. Ao longo deste trabalho, procurou-se ter sempre presente as

circunstâncias em que foram produzidos (situação de produção) - de maneira não

espontânea, mediante solicitação dos organizadores de dois concursos interligados

(um, para os estudantes, e outro, para os docentes dos estudantes que haviam

chegado à etapa semifinal), por professores que receberam as orientações acima

9 Na Ponta do Lápis, Cenpec, São Paulo, ano III, n. 5, abr. 2007, p. 14-15.

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descritas (e que podem ter ou não dado atenção a elas), para serem lidos por uma

comissão julgadora, com a perspectiva de seleção e premiação.

Uma das primeiras atividades realizada com o grupo de professores nos

encontros presenciais foi uma breve cerimônia para a entrega dos relatos de prática

os quais, em seguida, foram encaminhados à comissão julgadora (uma em cada

regional)10 e, posteriormente, arquivados na organização de terceiro setor que

coordena o programa.

A intenção desta parte foi propiciar alguma familiaridade com o contexto em

que foram obtidos os textos analisados neste estudo. Informações suplementares a

respeito do concurso e um esquema das etapas podem ser consultadas,

respectivamente, nos Apêndices B e C . Na sequência, serão apresentados os

participantes deste estudo e dados sobre as suas escolas e municípios.

3.1.2 – Os participantes deste estudo

A seguir, encontram-se informações sobre como foi feita a seleção dos

participantes deste estudo e alguns dados a respeito das escolas em que o trabalho

foi desenvolvido, dos municípios onde estão localizadas e sobre o grupo de pessoas

cuja experiência de ensinar se procurou compreender.

As informações sobre os professores foram obtidas no banco de dados do

programa e dizem respeito ao ano em que o trabalho foi realizado (2008). As demais

informações foram consultadas junto aos órgãos responsáveis e não foi possível

obter para o mesmo ano (2008), como seria desejável. Os dados do censo

populacional e censo escolar são do ano 2010. A fim de se assegurar o anonimato

dos participantes, os municípios e escolas foram identificados apenas pela região

geográfica em que estão localizados.

Para a realização deste estudo, foi solicitado o acesso aos relatos de prática à

organização que coordena a Olimpíada, assim como aos dados cadastrais

fornecidos pelos professores e diretores das escolas por ocasião da inscrição.

Encontravam-se arquivados 35 relatos de prática dos 39 professores de alunos

finalistas em artigo de opinião (quatro não teriam sido entregues ou se extraviaram),

aos quais foi enviado um pedido de autorização de uso para fins de pesquisa

(Apêndice D) assegurando que teriam a privacidade preservada. Solicitou-se, aos

10 Fontes: relatório anual do programa e pauta dos encontros regionais.

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que estivessem de acordo, que devolvessem o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (Apêndice E)11 assinado tão breve quanto possível.

Das 35 solicitações enviadas, foram obtidas: 23 autorizações, nove não

responderam e três não chegaram a receber a correspondência, que retornou ao

remetente por problemas relativos a endereço. Optou-se por incluir neste estudo um

relato de cada região geográfica do país, visando diversificar as situações em que os

trabalhos foram realizados. Os relatos, agrupados por região, foram selecionados ao

acaso, de modo a se chegar a um participante de cada, num total de cinco.

As práticas relatadas desenvolveram-se em escolas estaduais de ensino

fundamental e médio, exceto uma, que oferecia apenas nível médio. O número de

alunos matriculados em cada nível e o número total encontra-se no quadro abaixo.

Quatro escolas tinham, em 2010, entre 800 e 1.100 alunos matriculados (média de

970) e uma escola tinha número menor - 350 matrículas12. As escolas localizam-se

na zona urbana de municípios com número de habitantes variando de grande porte

a muito pequeno13: no ano 2010, dois municípios tinham mais de 380 mil habitantes

e os demais tinham menos de 20 mil habitantes, sendo um menor do que 10 mil e

outro menor do que 5 mil habitantes14.

Escola estadual localizada em município da região

NE S SE CO N No. de matrículas*

Ensino fundamental

442 529 657 224 0

No. de matrículas* Ensino médio 553 291 477 129 936

No. total de matrículas* 995 820 1134 353 936

Quadro 1 – Número de matrículas das escolas deste estudo *dados finais do Censo Escolar 2010, publicados no Diário Oficial da União no dia 20/12/2010 Fonte: número de matrículas: http://www.dataescolabrasil.inep.gov.br Abreviaturas utilizadas: NE: Nordeste, S: Sul, SE: Sudeste, CO: Centro-oeste, N: Norte.

11 Os procedimentos adotados estão de acordo com a resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Res. nº 196/96 CONEP/CNS/MS) e o Regimento dos Comitês de Ética em Pesquisa da PUC-SP, conforme Anexo x. 12 Os números exatos encontram-se no quadro, estes foram arredondados. 13 Com relação ao número de habitantes, os municípios foram classificados em cinco categorias: até 20.000 habitantes: Pequeno Porte 1; de 20.001 a 50.000 habitantes, Pequeno Porte 2; de 50.001 a 100.000 habitantes, Médio Porte; de 100.001 a 900.000 habitantes, Grande Porte; acima de 900.000 habitantes, Metrópole. (Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2000). 14 A fonte consultada sobre a população foi o Censo 2010: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1

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Segundo informaram por ocasião da inscrição no concurso15, no ano 2008 as

professoras tinham entre 25 e 46 anos de idade (média de 36 anos). Com relação ao

tempo de magistério, duas professoras tinham mais de 10 anos de experiência, duas

entre 5 e 10 anos e uma entre 1 e 5 anos16. Todas concluíram o ensino superior e

quatro informaram ter nível de pós-graduação completo, inclusive a professora com

menor tempo de docência e a mais jovem do grupo (25 anos de idade). Não é

possível saber se referiam-se a pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, visto que

essa especificação não foi solicitada no formulário de inscrição.

A formação e tempo de experiência dos docentes são fatores relevantes a

serem considerados na análise das narrativas, que podem ter contribuído para o

resultado alcançado. A maioria havia cursado pós-graduação e, além dos

conhecimentos adquiridos, possivelmente teve muitas oportunidades para ler,

escrever e ser lido – experiências importantes para quem ensina a escrita.

O Apêndice F apresenta um quadro situando os participantes em relação ao

grupo dos finalistas da Olimpíada e em relação ao total nas diferentes etapas do

concurso. A seguir, serão apresentados os caminhos escolhidos para a

compreensão do fenômeno estudado.

3.2 – OS CAMINHOS PARA A COMPREENSÃO

A seguir, serão levantadas algumas considerações a respeito da

caracterização deste trabalho enquanto estudo sobre depoimentos escritos (os

relatos de prática) e de que modo podem ser tomados para compreender a

experiência vivida.

Na sequência, será apresentado o modo fenomenológico de conduzir uma

pesquisa, que orientará o olhar para os relatos dos professores.

3. 2.1 – A NARRATIVA

O estudo aqui proposto se baseia nas narrativas dos professores a respeito

de sua experiência no ensino da escrita de um gênero textual. De acordo com

Walter Benjamin (1994), a narrativa está assentada na experiência – seja a do

15 Fonte: banco de dados da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. 16 Os intervalos de período de experiência são os solicitados na ficha de inscrição: menos de 1 ano; de 1 a 5 anos; de a 10 anos; mais de 10 anos).

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próprio autor ou de outras pessoas. Os ouvintes ou leitores tomam contato com a

experiência vivida e rememorada pelo narrador, por meio da palavra. Quando o

ouvinte se abre para a experiência relatada, em estado de imersão, deixa-se tocar

mais profundamente. Assim, a narrativa mostra-se como um caminho propício para a

aproximação da experiência.

O autor Larrosa Bondía (2002), apoiado em Benjamin e Heidegger, explora a

palavra experiência, quem é o sujeito da experiência e os saberes dela decorrentes.

Diz ele que a experiência é “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.

Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. A experiência é um

encontro ou relação com algo que se prova, tem um caráter singular, é impossível

de ser repetida e carrega uma dimensão de incerteza, de imprevisibilidade. O sujeito

da experiência é receptivo, aberto, interpelado, “ex-posto”, como diz Bondía,

vulnerável, ao contrário do sujeito incapaz de experiência, a quem nada lhe passa,

firme, forte, autodeterminado, inatingível, de modo que apenas o sujeito da

experiência está aberto à própria transformação. A experiência é como se fosse a

mediação entre a vida humana e o conhecimento, o saber adquirido “ao longo da

vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece.”

Para Benjamin, as narrativas encerram um ensinamento, uma sugestão ou

norma de vida, possuindo uma dimensão utilitária e guardam a capacidade de

suscitar a reflexão no ouvinte ou leitor. As narrativas escritas que menos se

distinguem das histórias anônimas, contadas oralmente, são as melhores e “metade

da arte narrativa está em evitar explicações”, diz ele. A narrativa conserva um

interesse duradouro, em contraposição à notícia, que traz fatos acompanhados de

explicações e só tem interesse enquanto é nova, sendo a difusão de informações e

de notícias responsáveis pelo declínio da arte da narrativa. Larrosa Bondía (2002),

discutindo esse ponto, diz que “a informação não faz outra coisa que cancelar

nossas possibilidades de experiência.”

De acordo com Reis, as narrativas têm sido utilizadas como um caminho para

o conhecimento por diversas disciplinas como a Filosofia, Antropologia, Lingüística,

História e, nas últimas décadas, também tiveram sua importância reconhecida pela

Educação. Nesta área, têm sido usadas para fins de formação, na construção de

conhecimentos e no desenvolvimento de capacidades e atitudes, no

desenvolvimento pessoal e profissional de professores; e para fins de pesquisa,

como objeto de estudo, metodologia de investigação e forma de organização dos

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relatórios de investigação. Podem ser poderosa fonte de inspiração e conhecimento

e estimular a reflexão sobre as vidas dos outros e sobre a própria vida. (REIS,

2008).

Discorrendo a respeito da investigação narrativa, Reis (2008) afirma tratar-se

de uma metodologia qualitativa que “valoriza e explora as dimensões pessoais dos

sujeitos, ou seja, os seus afectos, sentimentos e percursos de vida” e que é a mais

adequada para compreender a complexidade dos processos educativos. Diz ele:

Ao contrário da perspectiva positivista que valoriza a objectividade e pretende reforçá-la através do distanciamento entre investigador e investigado, a investigação narrativa assume-se como subjectiva e valoriza essa mesma subjectividade na tentativa de compreensão da realidade, convidando os investigados a falarem acerca de si próprios, dando-lhes a palavra. Portanto, a investigação narrativa não se limita a uma metodologia de recolha e análise de dados, distanciando-se do paradigma qualitativo tradicional e dos seus critérios habituais de credibilidade e legitimação da construção de conhecimento em educação (validade, generalização e fiabilidade). (REIS, 2008, p. 22-23).

Clandinin e Connelly (1995), pesquisadores canadenses, estudaram por

vários anos as narrativas sobre as práticas de ensinar e perceberam que os

professores “vivem as histórias, contam as histórias sobre o que viveram, recontam

histórias com possíveis alterações e revivem as histórias modificadas. [...] Como

professores, são personagens das próprias histórias de ensino, das quais também

são os autores.”1 (CLANDININ e CONNELLY, 1995, p. 12, tradução nossa). Os

professores se ressentem pela falta de espaços seguros onde possam contar e

recontar suas histórias sobre o ensino.

Dizem Clandinin e Connelly (1995) que contar histórias é um ato reflexivo

que as histórias não são modelos a serem aprendidos, mas que vão sendo

aprofundadas à medida que se conta e responde a mais perguntas despertadas pela

curiosidade dos ouvintes. Os desejos de contar histórias sobre a prática, que

atendem a uma necessidade de compreender suas experiências, os desejos de

relacionamento que o contar e ouvir histórias possibilita e os desejos de repensar2

se entrelaçam.

1 “They live stories, tell stories of those lives, retell stories with changed possibilities, and relive the changed stories. […] As teachers they are characters in their own stories of teaching, which they author.” (CLANDININ e CONNELLY, 1995, p. 12) 2 Os autores nomeiam como “desire to think again” (CLANDININ e CONNELLY, 1995, p. 156).

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De acordo com Reis (2008), embora Clandinin e Connelly3 utilizem narrativa e

história como sinônimos, empregam em contextos diferentes: história, para referir-se

às situações vividas pelos sujeitos e narrativa, para a investigação ou metodologia

de investigação. Para outros autores da área de ciências sociais, diz ele, os termos

são considerados equivalentes. (REIS, 2008, p. 18).

Neste estudo foram analisados documentos que são denominados, no âmbito

do programa da Olimpíada, como relatos de prática. Esses textos constituem

narrativas sobre a experiência dos professores e foram considerados como

depoimentos de vida. Dutra (2002) apresenta uma diferenciação entre depoimento e

história de vida feita por Queiroz (1991)4 por ter um foco voltado para o assunto que

interessa ao investigador e por sua brevidade. Pode ser obtido em uma única

entrevista ou, no caso deste estudo, em um relato de até três páginas.

Cunha (1997), em um artigo no qual apresenta reflexões sobre o uso das

narrativas em pesquisa qualitativa e em formação, afirma: “as apreensões que

constituem as narrativas dos sujeitos são a sua representação da realidade e, como

tal, estão prenhes de significados e reinterpretações. Citando Ferrer5 (1995), diz que

“a narração do conhecimento outorga compreensão da realidade [...] pois o escrito

explica a vida” e as narrativas escritas são importantes porque são mais

disciplinadoras do discurso e porque “a linguagem escrita libera, com maior força

que a oral, a compreensão nas determinações e limites.”

Tratando a respeito da fala e da escrita, Paul Ricoeur (1999) indica que no

discurso se mantém uma relação dialética entre o evento - fala - e o significado,

enquanto na escrita esses elementos estão desvinculados. No texto, é superado o

caráter temporal e efêmero do discurso e o seu sentido é fixado, deslocando-se do

contexto em que foi produzido. Quando o discurso se materializa na escrita, torna

possível a universalização do auditório e ocorre o interessante paradoxo apontado

pelo autor:

Esta universalização do auditório é um dos efeitos mais notáveis da escrita e pode expressar-se em termos de um paradoxo. Porque o discurso está agora ligado a um suporte material, torna-se mais espiritual, no sentido de que é libertado da estreiteza da situação face a face. (RICOEUR, 1999, p. 80)

3 Reis baseou-se na obra CLANDININ, D. J. e CONNELLY, M. (1991). Narrative and story in practice and research. In D. Schön (Ed), The reflective turn: Case studies in and on educational practice. (pp. 258-281). New York: Teachers College Press. 4 QUEIROZ, M.I.P. de (1991). Variações sobre a Técnica de Gravador no registro da informação viva. São Paulo: T. A. Queiróz, apud DUTRA (2002) 5 FERRER CERVERÓ, Virgínia. La crítica como narrativa de las crisis de formación. In: LARROSA, Jorge. Déjame que te cuente. Barcelona: Editorial Laertes, 1995, apud CUNHA (1997).

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Ao manter separadas a intenção do autor e a significação do discurso, o texto

escrito ganha autonomia semântica, deixa de ter um destinatário específico e pode

alcançar, potencialmente, qualquer leitor. Estando aberto a uma infinidade de

leitores o texto escrito admite uma multiplicidade de interpretações, o que provoca a

necessidade da hermenêutica.

[...] o problema da apropriação do sentido do texto se torna tão paradoxal como o da autoria. O direito do leitor e o direito do texto convergem numa importante luta, que gera a dinâmica total da interpretação. A hermenêutica começa onde o diálogo acaba. (RICOEUR, 1999, p. 81)

Em defesa da escrita, Ricoeur argumenta que, na transição da fala para a

escrita, ocorre uma distanciação produtiva que possibilita ao leitor a apropriação de

novos mundos de sentido e a compreensão de si próprio. A leitura – polo

complementar da escrita – envolve a tarefa hermenêutica, de interpretação e

apropriação do sentido do texto, tornando próprio o que é alheio (RICOEUR, 1999, p.

91).

Ao introduzir o leitor à edição portuguesa de Teoria da Interpretação, Isabel

Gomes ressalta o papel da reflexão em Ricoeur, para quem a apropriação de si

mesmo se dá por meio da interpretação de suas obras – atos, objetos e textos - e

que, através das narrativas, o homem compreende o mundo e a si próprio. O texto

escrito veicula experiências e possibilita um alargamento da compreensão do

intérprete. A linguagem surge pela necessidade de o homem comunicar sua

experiência do mundo. Mas como é possível comunicar ao outro algo que é tão

único e intransferível – a experiência vivida? Ricoeur considera que a comunicação

realiza um milagre ao conseguir socializar (tornar pública) – não a experiência – mas

seu sentido e sua significação, possibilitando superar a solidão fundamental do ser

humano. Diz ele:

A minha experiência não pode tornar-se diretamente a vossa experiência. Um acontecimento que pertence a uma corrente de consciência não pode transferir-se como tal para outra corrente de consciência. E, no entanto, se algo passa de mim para vocês, algo se transfere de uma esfera de vida para outra. Este algo não é a experiência enquanto experienciada, mas a sua significação. Eis o milagre. A experiência experienciada, como vivida, permanece privada, mas o seu sentido, a sua significação torna-se pública. A comunicação é, deste modo, a superação da radical não comunicabilidade da experiência vivida enquanto vivida. (RICOEUR, 1999, p. 66)

Cunha (1997) salienta a relação dialética entre a narrativa e a experiência: ao

mesmo tempo em que a experiência produz o discurso, o discurso produz a

experiência. Diz ela que, ao contar suas experiências, as pessoas “vão anunciando

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novas possibilidades, intenções e projetos. Às vezes torna-se até difícil separar o

vivido do que está por viver. Experiência e narrativa se imbricam e se tornam parte

da expressão de vida de um sujeito.”

A seguir, encontra-se uma breve apresentação sobre o método

fenomenológico, elegido para a análise dos depoimentos.

3.2.2 – O OLHAR FENOMENOLÓGICO Nesta parte será apresentado o olhar que orientou a incursão pelas narrativas

dos professores, expondo brevemente o modo fenomenológico de fazer pesquisa ou

de como proceder fenomenologicamente frente a um conjunto de documentos em

que professores relatam suas experiências de ensinar estudantes do ensino médio a

escrever um gênero textual – o artigo de opinião. Cabe lembrar que, da mesma

forma que existem muitas fenomenologias6, existem muitos modos de se fazer

pesquisa fenomenológica7 e neste trabalho, apoiado exclusivamente em

depoimentos escritos pelos professores, foi adotado o procedimento sugerido por

Martins e Bicudo (1989).

A pesquisa, com método fenomenológico, é a mais apropriada para o estudo

de fenômenos subjetivos, sempre que se deseje enfocar a experiência de vida das

pessoas pois, segundo Moreira (2004), esse método acredita que, na experiência

vivida, residem as verdades essenciais acerca da realidade. “É importante a

experiência tal como se apresenta, e não o que possamos pensar, ler ou dizer

acerca dela”, diz o autor (MOREIRA, 2004, p. 108). Esclarece, ainda, que a

experiência não é observável nem quantificável por um observador externo e,

citando Forghieri8, diz que a experiência vivida só pode ser alcançada de maneira

direta pelo próprio sujeito.

De acordo com Martins e Bicudo (1989, p. 36), a pesquisa fenomenológica é

uma modalidade qualitativa em que o pesquisador não formula hipóteses a priori,

mas procura ver o fenômeno como ele se mostra, partindo de descrições ingênuas

6 MOREIRA (2004), citando Lester Embree, editor geral da Encyclopaedia of Phenomenology, de 1996, apresenta “cinco tendências filosóficas dominantes e sucessivas (às vezes superpostas) na Fenomenologia do século XX” (2004, p. 73). 7 O mesmo autor trata sobre a questão de como as palavras método fenomenológico têm sido usadas com diferentes significados. (MOREIRA, 2004, p. 93 e segs.) 8 FORGHIERI, YOLANDA CINTRÃO. Psicologia Fenomenológica, Fundamentos, Métodos e Pesquisas. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1993, apud MOREIRA (2004)

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(naturais, espontâneas, não interpretadas) sobre as experiências vividas pelos

sujeitos participantes para chegar à essência do fenômeno – entendida aqui como o

sentido.

Sentido, para Critelli, é:

[...] mais um rumo que apela, uma solicitação que se faz ouvir, um apelo obstinado que se insinua e persegue. Um fundo silencioso que abre a possibilidade de realização de nosso ser. Ou, em outras palavras, uma destinação em que se abre a possibilidade de se cuidar de ser, dando-se conta de ser numa certa direção e não em outra, por exemplo. (CRITELLI, 2007, p. 146)9

A pessoa que descreve é social, histórica e culturalmente situada – alguém

em um determinado tempo, em certo lugar e em tais circunstâncias - e a

investigação está voltada para aquilo que ela vivenciou, pois é a partir do real por ela

vivido que os significados emergem. O pesquisador com olhar fenomenológico

procura imergir na narrativa e identificar em que se sente provocado, empenha-se

em compreender e refletir, sem se afastar da experiência.

A pesquisa qualitativa trabalha com a ideia de “fenômeno”, que se contrapõe

à de “fato”, na qual se apoia a pesquisa quantitativa. Fenômeno provém do grego –

fainomenon, que significa “aquilo que se mostra” – e refere-se ao que é visível,

àquilo que se torna manifesto; fato é “tudo aquilo que pode se tornar objetivo e

rigorosamente estudado enquanto objeto da Ciência.” (MARTINS e BICUDO, 1989,

p. 21). Tais ideias desenvolveram-se ligadas a concepções filosóficas diversas – fato

associa-se ao empirismo, cartesianismo e positivismo, enquanto fenômeno associa-

se à fenomenologia, que teve em Edmund Husserl o seu precursor.

Em um artigo a respeito do enfoque fenomenológico para o pesquisador em

Educação, Masini (1993) ressalta que a fenomenologia entende que o mundo é o

que se mostra, o que aí está, mas que precisa ser desvelado, pois não é evidente ao

“nosso olhar habitual”. O pesquisador descreve cuidadosamente, faz registros, mas

não se limita a constatar ou comprovar — ele procura compreender o fenômeno e,

por meio da reflexão, busca os sentidos ocultos no aparente, sempre atento à

descrição. A fenomenologia aceita que múltiplas interpretações são possíveis, mas a

descrição bem feita é que oferece material para a interpretação, assegurando uma

melhor compreensão do fenômeno.

Este trabalho, de caráter qualitativo, não visa à explicação causalista dos

fenômenos, mas sua compreensão a partir de descrições que receberão um 9 Itálicos da autora.

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tratamento interpretativo. A expectativa não é a de formular generalizações,

princípios ou leis (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 23), porém a de compreender a

partir do que se mostrou à pesquisadora - manifestações do fenômeno estudado –

podendo-se chegar a um conjunto de significados.

O trabalho inicia interrogando-se o fenômeno – o que é? O que quer dizer?

Como se realiza? – e, respeitando as dúvidas existentes a seu respeito, deve

prosseguir de maneira lenta e cuidadosa, para que possam emergir os sentidos e

significados atribuídos pelos participantes ao alvo da investigação (MARTINS e

BICUDO, 1989, p. 92-4).

Na pesquisa fenomenológica, segundo Martins (1984, p. 79-87), o

investigador procura observar da maneira mais aberta possível a “coisa mesma” e

descrevê-la rigorosamente tal como percebida, evitando “pré-conceitos” e

pressuposições. O inquérito se dirige para aquilo que se apresenta à experiência do

inquiridor como fenômeno, denominado como “a coisa mesma”. É preciso olhar

atentivamente e suspender as crenças, evitando-se conclusões apressadas para

que os fenômenos descritos não sejam hierarquizados como mais reais ou

fundamentais do que outros.

Conforme Critelli (2007), a fenomenologia aceita várias maneiras de se

aproximar e interpretar o real e admite muitos procedimentos para desenvolver a

investigação de um fenômeno. Considera que o conhecimento se dá de acordo com

a perspectiva do interrogante, deixando evidente o caráter provisório, mutável e

relativo da verdade, e que o conhecimento só é possível mediante a aceitação da

fluidez do mundo, a aceitação da insegurança do pensar e do existir. Resumindo, diz

Critelli (2007, p. 15), o modo tradicional de pensamento do Ocidente, denominado

por Heidegger de metafísica, “instaura a possibilidade do conhecimento sobre a

segurança da precisão metodológica do conceito” enquanto “a fenomenologia o

instaura sobre a angústia.”10

Critelli (2007, p. 27) remete a Heidegger para esclarecer que a interrogação (e

não “sua arquitetura instrumental”) é o que constitui a investigação. Diz ela que

investigar é “a ação de levar adiante uma interrogação a respeito de alguma coisa”.

Denomina de “analítica do sentido” uma das possibilidades metodológicas de

conhecimento fundada na fenomenologia, cujo interesse não são as regras de

10 Itálicos da autora.

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procedimento, mas o que se quer saber, paralelamente ao modo da interrogação

(ibid., p.29). O fundamento de toda investigação do real é uma compreensão do que

seja ser e, para a fenomenologia, o ser está em como os entes aparecem – ser e

aparência coincidem. Os entes mostram-se como fenômenos – por-se à luz e

ocultar-se faz parte do modo fenomênico de se mostrar (CRITELLI, 2007, passim).

O aparecer dos entes em seu ser é um movimento fenomênico, que consiste nos entes mostrarem-se e ocultarem-se para um olhar, segundo aquilo que eles são e segundo aquilo que eles não são. Fenômeno é o ente mesmo trazendo-se à luz de uma iluminação. Esta luz, ou iluminação em que, exclusivamente o ente pode se expor é constituída simultaneamente pelo ente mesmo e pelo olhar que se institui como sua clareira (ou seu lugar de aparecimento). (CRITELLI, 2007, p. 73)

A coisa se mostra para um olhar compreensivo e o que ela é não está em si

mesma, mas nessa relação inseparável entre o olhar e a coisa, na “trama de

significados que vão se articulando entre os homens, articulando os homens entre si

e com a própria coisa.” (CRITELLI, 2007, p. 67)

O processo para que os entes se tornem reais é referido como movimento de

realização e envolve diversas etapas que podem ocorrer de maneira simultânea e

não linear. Conforme Critelli (2007), os entes precisam ser desvelados e trazidos à

luz, saindo do ocultamento; além disso, precisam ser revelados pela linguagem, pois

“para o homem, aquilo de que não se fala, simplesmente não existe” (p. 81), o que

reforça a importância dos depoimentos escritos dos professores.

Mais ainda, prossegue a autora, precisam ser testemunhados - vistos e

ouvidos por outras pessoas – para que o revelado se consolide; precisam também

ser veracizados, ou seja, referendados como verdadeiros em relação a algum

critério externo; e, ainda, serem autenticados, isto é, adquirirem consistência por

meio da vivência dos indivíduos.

O foco deste estudo está na compreensão de como se deu a experiência de

ensinar a escrever um gênero textual para esses professores. Ao se deter nas

narrativas, a pesquisadora deixou-se guiar pelo olhar dos docentes, por tudo aquilo

que lhes pareceu relevante destacar, pelo que valoraram em suas experiências e

elegeram deixar registrado.

Trata-se de uma perspectiva de segunda ordem (MARTINS e BICUDO, 1989,

p. 24), em que o pesquisador busca conhecer como as outras pessoas (os

professores) veem o fenômeno (a experiência de ensinar a escrever), em

contraposição à perspectiva de primeira ordem, na qual o pesquisador procura

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descrever aquilo que ele próprio vê. Para Ricoeur (1999, p. 119), os documentos e

signos escritos transmitem as experiências dos outros de maneira indireta, mas não

são fontes menos significativas do que as diretas.

Tendo em vista que as narrativas foram produzidas para serem lidas e

avaliadas por uma comissão julgadora, pode-se considerar a possibilidade da

supressão de informações que o professor não desejava ou receasse fornecer, bem

como o uso de recursos para realçar algo que, a seu ver, poderia ser valorizado

pelos avaliadores. Vale ressaltar que, na perspectiva fenomenológica, isso não

consiste problema, uma vez que o ente jamais se manifesta em sua totalidade –

todo o tempo, enquanto uma faceta se mostra, outras possibilidades do fenômeno

estão ocultas. Conforme esclarece Critelli (2007, p. 80): “A volta para o velamento

que constitui o mostrar-se dos entes, o encobrimento de suas facetas, não é nada

negativo, mas essencial. Uma existência em que o velamento não acontecesse seria

insuportável.”

Cunha (1997) ressalta a importância do pesquisador que trabalha com a

análise de depoimentos compreender que “a narrativa não é a verdade literal dos

fatos mas, antes, é a representação que deles faz o sujeito”, tendo em vista que aí

se somam as interpretações do próprio pesquisador, numa montagem que, para

acontecer de modo efetivo, precisa ser dialógica.

Pretendeu-se nesta parte dar uma visão dos caminhos adotados em busca da

compreensão da experiência de ensinar. A seguir, encontra-se a síntese de cada

depoimento dos professores participantes deste estudo.

3.3 – OS DEPOIMENTOS Apresenta-se, a seguir, a síntese dos depoimentos de cada professora11,

elaborada pela pesquisadora após o trabalho de análise. Os depoimentos originais,

com pequenas alterações (“versão b”), podem ser consultados no Anexo C.

3.3.1 - Síntese do depoimento da professora Bruna

A professora iniciou estabelecendo uma analogia entre o trabalho de

lapidação do ourives e o de formação do professor - a difícil tarefa de transformar

11 A síntese dos depoimentos constitui a “versão h”, explicitada nos procedimentos de análise (item 3.4.1).

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pedra bruta e rara em jóia valiosa.

A professora trabalha com a turma há três anos, desde seu primeiro ano

como profissional e fez uma breve retrospectiva. Relatou os receios, a desconfiança

e as transformações ocorridos nesse período, no qual realizaram atividades bastante

variadas, como a escrita de peças para teatro e poemas, debates, documentários e

desenvolveram uma relação de respeito e admiração, de amizade e confiança.

Reconheceu ter aprendido com seus alunos, tornando-se mais solidária,

compreensiva e empreendedora, bem como ter-lhes ensinado algo.

Acredita que nada deve ser feito somente por obrigação, mas com prazer e

compromisso consigo mesmo e é dessa forma que aceitam participar da Olimpíada.

Solicitou aos alunos que trouxessem textos (livros, jornais, revistas) sobre os

temas trabalhados e sugeriu que pesquisassem na internet. Como a escola não

dispunha de laboratório de informática, por duas vezes deu dinheiro aos grupos para

fazer pesquisa em casa de acesso (lan house); pediu à escola que doasse os

disquetes e imprimisse os arquivos.

Frente à dificuldade dos alunos em aceitar correções nos seus textos, a

professora interrompeu a aula para conversar com a turma e eles perceberam a

importância do outro para ajudar a enxergar os seus erros.

Sente-se orgulhosa pela dedicação e valentia dos seus alunos, que se

transformaram em cidadãos. Ponderou que valeu a pena dedicar seu tempo e

investir recurso próprio para que pesquisassem. Ficou feliz quando o texto de sua

aluna foi selecionado pela comissão escolar.

Enviaram o texto para a comissão municipal no último dia, pois a aluna

precisou faltar em virtude da morte do seu pai. Conversaram a respeito e a

professora se surpreendeu em observar a serenidade e amadurecimento da aluna.

Ficou feliz por ter contribuído para essa transformação com o seu trabalho de

professora, descobrindo e lapidando pedras preciosas, como a aluna semifinalista.

3.3.2 - Síntese do depoimento da professora Eva

Informada pela mídia e pelos gestores educacionais, a professora Eva se

inscreveu na Olimpíada, estudou as orientações (Caderno do Professor) ao recebê-

las e iniciou o trabalho em seguida. Convencida da influência da relação afetiva na

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38

eficácia da aprendizagem, conversou com a turma e estimulou a participação de

todos.

Recomendou aos alunos que, durante as férias, procurassem identificar uma

questão polêmica sobre “o lugar onde vivo” consultando familiares e vizinhos, mas a

maioria não trouxe sugestões. A professora propôs um fato que havia sido bastante

comentado e pediu que conversassem para conhecerem mais a respeito.

Solicitou aos alunos uma produção inicial, leu e fez comentários. Levou textos

para a sala de aula e formulou questões. Percebeu o desinteresse dos alunos e a

descrença em terem alguma chance no concurso e novamente conversou com a

turma, salientando a importância de aprimorarem suas produções textuais e estarem

mais bem preparados.

Prosseguiu conforme a sequência didática proposta no material e notou que

os alunos se entusiasmaram com a discussão de questões sociais. Quando percebia

desinteresse, procurava incentivá-los e voltava a conversar sobre os objetivos da

vida e dos estudos, sobre a aprendizagem.

A professora precisou providenciar cópias por conta própria, visto que a

escola não dispunha de xerocopiadora. Pediu aos alunos que pesquisassem e

lessem artigos de opinião, para se familiarizarem com o gênero, enfatizando a

argumentação e as partes que o compõem. Apresentou os diversos tipos de

argumentos, o uso de elementos articuladores e explorou a argumentação favorável

e contrária em texto do “Caderno”.

Sugeriu aos alunos que, além dos familiares, conversassem com um vereador

para obter mais dados sobre a questão polêmica. Seguiram analisando, escrevendo

e reescrevendo textos. A professora apresentou um roteiro para revisão e ficou à

disposição dos alunos para esclarecer dúvidas.

Sentiu-se satisfeita ao ver os textos selecionados pela comissão escolar, por

terem sido escritos por alunos que se dedicaram. Ressaltou que chegaram à etapa

semifinal, a despeito de serem de uma cidade pequena; contrariando as

expectativas da maioria, saíram vitoriosos.

3.3.3 - Síntese do depoimento da professora Flávia

A professora Flávia já havia se inscrito na Olimpíada quando a supervisora

abordou o assunto, pois seus alunos haviam ouvido falar a respeito dele e insistiram,

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pedindo para participar. Examinou o material ao recebê-lo e ficou entusiasmada com

o detalhamento das oficinas. Contudo, preocupou-se pelo fato de não ser uma prova

com alternativas, envolvendo trabalho com diversos textos e muitas oficinas.

Conversou com a supervisora e ficou satisfeita porque ela lhe deu autonomia

para decidir. Estudou o material e observou que estava de acordo com o planejado.

Apresentou a proposta à turma de maneira empolgada e encontrou receptividade da

maioria, percebendo que o receio era dela.

No contato com os textos, os alunos resistentes identificaram situações

similares às de sua região e passaram a se interessar. Frequentemente, pediam

permissão para tirar cópia de algum texto, a fim de compartilhar com amigos ou

familiares.

Durante as primeiras oficinas, a professora procurou identificar o que os

alunos sabiam sobre o gênero e o que precisavam aprender. Nos debates iniciais,

todos falavam ao mesmo tempo, tentando impor sua opinião, mas gradativamente

tornaram-se mais organizados, o que se refletiu nas produções escritas e nas

atitudes. Apesar da dificuldade, a professora achou preferível tentar conter os alunos

e orientar o debate, do que esforçar-se para que disessem algo.

Trabalharam com os textos recomendados, realizaram pesquisa, organizaram

palestras e entrevistas com autoridades na escola e a professora notou, com

satisfação, que os seus alunos participaram e questionaram.

No decorrer das oficinas, uma aluna percebeu que só se preocupava com o

que dissesse respeito à sua família e mudou de opinião; outra, contou que não

costumava produzir os textos solicitados, pois achava que escrevia mal, mas passou

a escrever, sentindo-se mais confiante. Um aluno avaliou ser importante voltar a

atenção para “O lugar onde vivo” e contou que, ao ler no material sobre crianças e

jovens que participavam dos problemas de seus municípios, mudou de atitude,

interessando-se.

Preocupados com o meio ambiente, os alunos passaram a discutir sobre os

problemas com empolgação e a propor soluções, desenvolvendo visão crítica, gosto

pela leitura e escrita, trabalhando com prazer. Ademais, adquiriram consciência e

responsabilidade social, e descobriram a força que tinham na sociedade. Tanto a

professora como os alunos tiveram o “espírito de luta” despertado.

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3.3.4 - Síntese do depoimento da professora Leila

A professora Leila conhecia o concurso e aguardava notícias, ficando

entusiasmada ao saber que se tornara uma Olimpíada. Trabalhava em uma escola

com equipe pedagógica atuante e integrada, cujas ações se articulavam em torno do

projeto político pedagógico. Para o Ensino Médio, tinham por objetivo consolidar o

conhecimento, a fim de viabilizar a continuidade dos estudos e preparar os alunos

para o exercício da cidadania, sendo a Olimpíada vista como uma aliada.

Há cinco anos lecionava para essa turma e relatou que desenvolveram uma

relação sólida ao passar por dificuldades e sucessos. Enfrentou resistência de

alguns alunos quando propôs a participação na Olimpíada, mas insistiu por acreditar

que a escrita dos gêneros é aprendizado para a vida social.1

Acostumada a utilizar sequências didáticas, notou que a proposta pela

Olimpíada diferia um pouco da sua prática, mas dispõs-se a experimentar,

introduzindo novos textos e fazendo adaptações, a fim de adequar às necessidades

da turma. Orientou os alunos a se organizarem frente à tarefa, sugeriu muita leitura,

pesquisa e debates, chamando a atenção para as características do gênero artigo

de opinião.

Diante da escolha da questão polêmica, ficou indecisa, em conflito, mas

refletiu apoiada em aprendizados anteriores, reviu sua posição e aceitou a ideia dos

alunos. O seu trabalho foi guiado pela observação atenta da turma e pela análise de

suas produções. Procurou sistematizar o aprendizado sobre o gênero, organizando

tópicos na lousa. Sugeriu atividades individuais e grupais, utilizando a leitura em voz

alta, de uns para os outros, como um recurso para o aprimoramento do texto.

Destacou o movimento contínuo da aprendizagem, ciente de que novas perspectivas

se abrem à medida que mais pesquisas são realizadas. Aquilo que parece ser a

produção final, no momento seguinte pode ser renovado.

Reconheceu que a ampliação de seu olhar se deu a partir da visão de sua

aluna, que trouxe outro ponto de vista ao abordar a questão polêmica. A

competência adquirida pela semifinalista resultou, a seu ver, de um esforço coletivo

e registrou a satisfação da turma ao ver seus textos lidos pela comunidade escolar.

1 (parágrafo 5) “... que entendessem a escrita dos gêneros como um aprendizado que permeia toda a vida social.”

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3.3.5 - Síntese do depoimento da professora Silvia

A professora Silvia fazia parte do grupo de cinco professores de Língua

Portuguesa da escola que se reuniram e planejaram o trabalho, de modo a

desenvolver atividades da Olimpíada semanalmente, ocupando todas as aulas. Para

isso, combinaram com os professores de outras disciplinas e organizaram um

calendário de atividades que divulgaram para as turmas.

A professora apresentou aos alunos partes do Regulamento do concurso,

informou sobre a premiação e fixou um calendário em cada sala de aula. Juntos,

definiram as metas: melhoria da escrita e classificação para a etapa final. Alguns

alunos manifestaram a preferência por provas e o desinteresse pela escrita, mas a

professora insistiu na importância de escreverem bem.

Identificando a necessidade de os alunos terem maior contato com o gênero

artigo de opinião, solicitou que trouxessem de casa artigos publicados em jornais e

revistas, para serem lidos e comentados. Assim, trabalharam questões que vinham

sendo discutidas na mídia, tanto relativas ao município, como sobre outros lugares

no país e fora dele.

Seguiu o “Caderno” e planejou atividades para que os alunos se sentissem

seguros no momento de elaboração do texto. Após recolher as produções finais,

solicitou aos alunos um relatório avaliativo, visando comparar os resultados aos

objetivos propostos.

Trechos de avaliações transcritas sugerem que os alunos consideraram as

atividades realizadas interessantes e proveitosas. A professora avaliou que os

objetivos foram alcançados e que os alunos tornaram-se mais confiantes quando

uma colega foi classificada semifinalista.

3.4 – ANÁLISE Este item está organizado em três partes: na primeira, encontram-se os

procedimentos sugeridos para a análise fenomenológica e, em seguida, a descrição

de como a pesquisadora os empregou neste trabalho; na segunda parte, são

apresentadas as constelações que resultaram dos procedimentos de análise e a

síntese final; na terceira, as narrativas da pesquisadora.

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3.4.1 – Descrição dos procedimentos

Esta parte se inicia com algumas considerações a respeito dos documentos

que foram analisados e dos princípios da investigação em fenomenologia. Em

seguida, serão apresentados os procedimentos para a análise fenomenológica

sugeridos por Martins e Bicudo, que orientaram a realização deste estudo, e os

procedimentos adotados pela pesquisadora frente aos depoimentos das

professoras, tendo essas sugestões como referência.

O presente trabalho foi desenvolvido com base em documentos preexistentes,

elaborados por professores que vivenciaram a experiência de ensinar a escrever um

gênero textual para fins de participação em um concurso. Ou seja, a pesquisadora

não manteve contato direto com os sujeitos da pesquisa para a obtenção dos seus

depoimentos e investigação do fenônemo estudado, mas empenhou-se em voltar

um olhar fenomenológico para a análise e compreensão das narrativas

apresentadas por esses professores.

O olhar cuidadoso e meditativo, procurando colocar crenças e julgamentos

em suspensão, é o que caracteriza a postura do pesquisador em fenomenologia.

Para Martins (1984, p. 87), a investigação fenomenológica se fundamenta em três

princípios: “o olhar atentivo para o fenômeno, quando ele se mostra e como se

mostra; o descrever e não explicar os fenômenos; o não se deixar levar pelas

crenças sobre a realidade, mas colocar todos os fenômenos no mesmo horizonte.”

O trabalho de análise foi realizado procurando-se manter a atitude do

pesquisador em fenomenologia e utilizando-se alguns dos procedimentos sugeridos

por Martins e Bicudo (1989, p. 95; 98-104), incluindo contribuições de Szymanski

(2004). De acordo com eles, o pesquisador:

(1) lê o texto com cuidado, procurando fazer uma imersão para ganhar familiaridade

com o material e tentar se colocar no lugar de quem viveu a experiência;

(2) relê o texto tantas vezes quantas necessárias para pôr em evidência partes da

descrição que ajudam a responder suas interrogações, identificando as unidades de

significado – “discriminações espontaneamente percebidas nas descrições dos

sujeitos, quando o pesquisador assume uma atitude psicológica e a certeza de que o

texto é um exemplo do fenômeno pesquisado.” (MARTINS e BICUDO, 1989, p.99).

Conforme Szymanski (2004), as unidades de significado refletem a primeira

compreensão do fenômeno estudado e decorrem das primeiras organizações dos

resultados feitas pelo pesquisador. Diferentes analistas poderão, de acordo com

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suas perspectivas e interrogações, destacar diferentes unidades de significado e

perceber diferentes sentidos no texto.

(3) organiza essas unidades, reagrupando os constitutivos relevantes e transforma

as expressões cotidianas do participante em linguagem psicológica por meio da

reflexão. Mais recentemente, Szymanski (2004) introduz a denominação de

constelação1, que considera preferível à de categorias, pois deixa em aberto que,

num mesmo conjunto de resultados, é possível identificar uma infinidade de

configurações. As unidades de significado que tenham aspectos em comum podem

ser agregadas em constelações e, por meio de sucessivas aglutinações, o

pesquisador pode chegar a constelações centrais, com abrangência gradativamente

maior. Prosseguindo com os procedimentos sugeridos por Martins e Bicudo:

(4) elabora uma síntese, procurando integrar todos os insights possibilitados pelas

unidades de significado, resultando numa descrição consistente do fenômeno, em

que todas estejam consideradas, mesmo que de maneira implícita. De acordo com

Szymanski (2006, p. 85), as constelações centrais fundamentam a elaboração da

síntese que, então, é submetida a uma análise do sentido.

Com relação à leitura, parte essencial do trabalho do pesquisador

fenomenológico, cabe lembrar algumas considerações de Ricoeur (1999), que

adverte para a unilateralidade implícita no ler, dizendo: “O texto enquanto todo e

enquanto totalidade singular pode comparar-se a um objecto que é possível ver a

partir de vários lados, mas nunca de todos os lados ao mesmo tempo.” (ibid., p.

123). Ressalta também que o texto tem o poder de desvelar o mundo e, segundo

ele, “Aquilo de que importa apropriar-se é o sentido do próprio texto, concebido de

um modo dinâmico como a direcção do pensamento aberta pelo texto.” (ibid., p.

136).

Nesse processo de apropriação, resulta uma fusão de horizontes (expressão

de Gadamer, apud Ricoeur, ibid., p. 136): “o horizonte do mundo do leitor funde-se

com o horizonte do mundo do escritor”, alargando a compreensão que o leitor tem

do mundo e de si mesmo.

1 Szymanski (2004) explica a escolha desse termo em analogia às constelações celestiais que, assim

como os fenômenos estudados, apresentam um universo de possibilidades de agrupamento. A constelação diz respeito “não a uma entidade ‘externa’ objetivada, mas à compreensão que temos do que se nos desvela.” A autora elucida, ao citar a informação de que os índios guaranis, olhando para o mesmo céu que o nosso, identificam configurações diversas daquelas por nós conhecidas e empregam referenciais diferentes dos nossos para se orientar pelas estrelas e definir o seu calendário.

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Quando o discurso é fixado sob forma de texto, ganha autonomia e a intenção

do autor já não está ao alcance do leitor. Assim, é necessário conjecturar o sentido

do texto, o qual deve ser avaliado por si próprio. Mal-entendidos são inevitáveis e é

preciso validar as conjecturas que fazemos, confrontando e arbitrando entre as

diversas interpretações a que o texto está aberto (RICOEUR, ibid., p. 121-5). Quanto

mais atenta ao texto for a interpretação, maior será a sua validade.

Na parte 3.1.2 foi explicado o procedimento adotado para a obtenção dos

cinco relatos dos participantes deste estudo, selecionados ao acaso, um por região

geográfica, a partir do grupo de 23 professores que devolveram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido assinado - professores que ensinaram alunos de

Ensino Médio a escrever artigos de opinião sobre o lugar onde viviam classificados

finalistas na edição 2008 da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.

Os relatos de prática selecionados, xerocopiados do original, foram

primeiramente digitados, respeitando-se exatamente o texto entregue pelo professor

(denominado “versão a”). Em seguida, foi feita uma pequena revisão dos textos para

ajustar problemas na digitação ou eventuais enganos. Foram suprimidos nomes

próprios e palavras que possibilitassem qualquer identificação, indicados por

reticências entre colchetes, sendo os nomes de professores substituídos por outros,

fictícios, de modo a garantir o anonimato dos participantes; foi inserida a numeração

dos parágrafos na margem lateral esquerda dos documentos, a fim de facilitar a

referência aos mesmos. Esses textos, assim tratados, foram denominados “versão

b” e estão no Anexo C.

À medida que a análise avançava, foram geradas novas versões, em um total

de dez para cada depoimento. A fim de não estender desnecessariamente este

trabalho, foram incluídas apenas as versões que continham as constelações, uma

síntese das constelações de cada depoimento, a síntese final dos cinco relatos e as

narrativas produzidas pela pesquisadora. No Apêndice G encontra-se um exemplo

das demais versões2 para ilustrar os procedimentos utilizados.

Inicialmente, foi feita a leitura da “versão b” e foram anotadas as primeiras

impressões e comentários da pesquisadora a respeito dos aspectos que chamaram

a sua atenção, por meio da inserção de notas de rodapé. Essa etapa foi realizada

em arquivos digitais o que possibilitou o uso de recursos como a variação nos

2 Com exceção da “versão a”, não apresentada por conter dados de identificação dos participantes.

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caracteres (negrito, itálico, sublinhado e cor da fonte) e grifa-textos para diferenciar o

as referências que o autor fez aos alunos, a si mesmo e a outras pessoas ou

instituições, tais como a diretora, a escola, família, comunidade, constituindo a

“versão c”.

Foram, então, organizados dois tipos de lista com três colunas cada – uma

para a professora, outra para os alunos e a terceira, para a professora e alunos. A

primeira listagem era composta do que a professora contou a respeito de si mesma

(usando o “eu”, na 1ª. pessoa singular), a respeito dos seus alunos (na 3ª. pessoa

singular ou plural) e do que disse a respeito dela junto com os alunos (usando o nós,

na 1ª. pessoa plural). Para uma das professoras (Silvia), foi organizada uma quarta

coluna em função do espaço que destinou à equipe pedagógica de Língua

Portuguesa (usando o “nós” com referência ao grupo docente). A segunda listagem

continha características e disposições afetivas atribuídas a si mesma, aos seus

alunos ou ao grupo – ela com seus alunos. Foi possível perceber que a segunda

listagem de um dos depoimentos – o de Silvia – estava quase em branco. Voltando-

se a ele, observou-se também que essa professora referiu-se apenas uma vez aos

alunos como “meus alunos” (parágrafo 6) , ao contrário das demais.

A separação em colunas foi um recurso criado para facilitar a visualização do

que havia sido associado a cada um e para ajudar a pesquisadora a se manter

atenta ao que se revelou. O documento com as listas foi denominado “versão d” e,

quando impresso3, possibilitou comparar, grosso modo, a extensão das listas, dando

uma ideia de como cada autora distribuiu sua atenção, onde se deteve mais

longamente ou abreviou a exposição.

Comparando-se as listas dos cinco depoimentos, foi possível observar que

duas professoras detiveram-se mais no que dizia respeito a si mesma (Leila e

Bruna), em seguida aos alunos e, um pouco menos, no que se referia à professora e

alunos (nós). As outras três (Eva, Flávia e Silvia) apresentaram maior extensão no

que dizia respeito aos alunos e menor extensão sobre si mesmas; a lista de “nós”

dessas professoras era bem mais curta do que a mesma lista das outras duas (Leila

e Bruna). Ao organizar os depoimentos, algumas frases não se encaixavam em 3 Um recurso bastante útil foi a impressão em folhas coloridas, associando cada cor a uma professora. Embora a maior parte do trabalho analítico tenha sido realizada em arquivo digital, em alguns momentos houve a necessidade de imprimir. Isto ocorreu em especial com as versões: “d” - documento com as listas, para que se pudesse olhar o conjunto, e “g” - com as constelações em separado, para elaboração da síntese das constelações de cada professor, denominada “versão h”, também impressa para facilitar a síntese geral.

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nenhuma das listas e foram deixadas de lado. Era o caso de afirmações a respeito

de terceiros, como um palestrante, por ex., mas no depoimento de Silvia foi

identificado um conjunto de frases que demandou a composição de uma lista que

dizia respeito ao coletivo de professores da escola. Como era a única, só foi possível

fazer a comparação consigo mesma e notou-se que essa listagem era mais extensa

do que o “nós” – professora e alunos.

Cabe esclarecer que as versões “c” e “d” não foram construídas seguindo

critérios rigidamente definidos, nem representam qualquer tentativa de incursão

pelo campo da linguística, com o qual a pesquisadora não tem familiaridade. Foram

consideradas passos intermediários, que contribuíram para a imersão nas

narrativas. Voltando à “versão b” (em arquivo digital), novas leituras foram

realizadas, procurando-se identificar as unidades de significado que se destacavam

ao olhar da pesquisadora, trechos marcados com a ajuda de grifa-textos coloridos. A

mesma cor foi aplicada aos trechos que, ao olhar da pesquisadora, pareciam

guardar proximidade de sentido, podendo, eventualmente, a determinado trecho ser

atribuída mais do que uma cor, ou seja, conforme se reorganizavam as

configurações, alguns trechos participaram de mais de uma constelação. Essa

constituiu a “versão e”.

Em seguida, os trechos grifados da narrativa (unidades de significado) foram

recortados de acordo com as cores, de modo a reunir juntos todos de uma mesma

cor, compondo as constelações (“versão f”). Relendo atentamente cada conjunto, foi

elaborada uma breve descrição do que cada constelação abrangia e um resumo dos

trechos grifados que a compunham. Essa constituiu a “versão g”, incluída no

Apêndice G, e construída com base nas etapas anteriores.

Então, foi elaborada uma síntese de cada depoimento, com vistas a facilitar a

consulta, denominada “versão h” e apresentada no item 3.3. A síntese dos

depoimentos poderia ter sido produzida logo no início, por ocasião das primeiras

leituras, no entanto, naquele momento não foi julgada necessária. Ao ser realizada

após várias etapas de análise, contou com o apoio da compreensão alcançada até

então.

Depois disso, retomou-se a “versão g” para organizar uma síntese das

constelações identificadas em cada depoimento, que constituiu a “versão i”,

tomando-se o cuidado de citar os parágrafos (abreviados como “par.”) de onde

procediam as análises. Ao término, foi organizada uma tabela com os nomes das

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professoras e a lista dos parágrafos, onde se registrou a frequência de cada um (isto

é, procedeu-se à tabulação). Esse procedimento permitiu a identificação do que não

fora citado e facilitou o reexame dos depoimentos. Em seguida, com base no

percurso descrito até aqui, a pesquisadora desenvolveu sua narrativa de cada

depoimento, procurando trazer à luz a experiência contida nos relatos, sendo esta a

“versão j”.

Por fim, foi elaborada uma síntese final, reunindo as cinco sínteses (“versão

i”) e que, por ser coletiva, deixou de ser nomeada como versão. Nesse momento,

ocorreram novas aglutinações, na expressão de Szymanski (2004), ou

reagrupamentos, ampliando a compreensão do fenômeno estudado. Na síntese

geral também foram citados os parágrafos de onde procediam as análises, o que

possibilitou fazer a tabulação do que estava citado, voltando-se a olhar o que não

fora mencionado.

Os procedimentos acima descritos representam uma sequência de passos

que evoluíram de maneira lenta e gradual e foram assumidos pela pesquisadora

com o intuito de assegurar o rigor metodológico próprio das pesquisas,

particularmente em fenomenologia.

A seguir, serão apresentadas as constelações, sínteses e narrativas dos

participantes deste estudo.

3.4.2 – As constelações Nesta parte, encontram-se as constelações e a síntese das constelações

resultantes da análise do depoimento de cada professora. Em seguida, o leitor

encontrará a síntese final, que reúne a análise dos cinco depoimentos.

3.4.2.1 – Constelações e síntese por professor A seguir, serão apresentadas, primeiramente, as constelações que se

configuraram para a pesquisadora durante a análise de cada depoimento e uma

breve descrição sobre o que abrangem. Essa descrição atuou como baliza,

facilitando a decisão sobre incluir ou não determinado trecho em uma constelação. A

descrição tanto limitava, impedindo a inclusão de uma unidade de significado que

não estivesse abarcada por ela, como foi sendo revista à medida que o trabalho

evoluía, de modo a ganhar alguma elasticidade e ampliação da sua abrangência.

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Será apresentada aqui a versão mais recente, a última a que se chegou.

Em seguida, serão apresentadas as constelações identificadas em cada

depoimento, com um resumo dos trechos grifados que a compunham e a síntese

das constelações do depoimento em foco que, conforme a descrição de

procedimentos feita no item 3.4.1, constituem a “versão g” e “versão i”,

respectivamente. Na síntese das constelações, há referência aos parágrafos (par.)

de onde procedem e, quando julgado necessário, foi incluído um trecho do

depoimento a que se refere.

Foram identificadas sete constelações no conjunto de depoimentos analisado,

algumas delas presentes em todos, outras não. As constelações foram as seguintes:

(a) Modo de ensinar – faz referência a todas as ações realizadas e disposições

afetivas presentes ao ensinar a escrita.

(b) Modo de aprender – faz referência a tudo o que envolve a experiência de

aprendizado dos alunos.

(c) Relacionamento professora e alunos – envolve comentários sobre a relação

entre a professora e seus alunos, ações realizadas conjuntamente e

condições de que compartilhem.

(d) Os “outros” – inclui as referências a outras pessoas, grupos ou instituições

com os quais a professora e alunos interagiram (se articularam), ao

desenvolver o trabalho.

(e) Transformações – inclui as mudanças percebidas pela professora tanto em si

mesma, como nos outros, a partir do trabalho de ensinar a escrever um

gênero textual.

(f) Crenças, convicções – trechos em que a professora explicita suas crenças,

fazendo ou não referência a leituras, conhecimentos, experiência e reflexão

sobre a prática.

(g) Os corpos – reúnem menções específicas ao corpo físico da professsora e

/ou alunos, como movimentos corporais.

A seguir, as versões “g” e “i” de cada depoimento, ou seja, as constelações

com um resumo dos trechos que a compõem e a síntese do que as constelações

possibilitaram compreender em cada depoimento. Foram ordenadas

alfabeticamente, de acordo com um nome fictício que lhes foi atribuído pela

pesquisadora, a saber: Bruna, Eva, Flávia, Leila e Silvia.

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Depoimento da professora Bruna

Constelações (versão g)

a) Modo de ensinar

A professora trabalha com a mesma turma há três anos e considera que

desenvolveram relação de admiração, respeito e confiança. Entende o papel do

professor como formador, similar ao do ourives, que lapida a pedra bruta e rara,

transformando em jóia valiosa. Dentre suas ações, encontram-se o planejar,

escrever, ler, discutir, avaliar, corrigir. Atenta aos sentimentos dos seus alunos,

quando percebe dificuldades, interrompe o planejado para conversar com a turma,

ou individualmente, quando necessário. Orienta as atividades dos alunos e procura

viabilizar a pesquisa na internet, inclusive por meio de ajuda financeira aos grupos.

Os sentimentos de medo e insegurança, presentes no início da vida profissional,

foram superados, e sente-se vitoriosa, feliz e orgulhosa. Ensinou, mas também

aprendeu com os alunos, tornando-se mais compreensiva, solidária e

empreendedora.

Observa as transformações nos alunos e sente fazer parte disso (“me dei

conta do que eu havia feito pelos meus alunos” – par. 10).

b) Modo de aprender

São alunos dessa professora há três anos. Inicialmente atentos, desconfiados

e apreensivos, com o tempo passam a confiar e tornam-se amigos da professora,

mostrando-se dedicados e valentes.

Aceitam o desafio de participar da Olimpíada por desejo, não por obrigação,

pesquisam, trazem material para a sala de aula. Ao ver seus erros apontados pela

professora, têm dificuldade em aceitar – ficam tristes ou com raiva, mas,

provocados, conseguem refletir e compreender, reconhecendo a necessidade do

outro para o crescimento próprio.

c) Relacionamento professora e alunos

Estabelecem relação de amizade, confiança, respeito e admiração. Juntos

conversam e refletem a respeito de dificuldades; desenvolvem atividades de escrita,

debate e participação em eventos, compartilhando alegrias e tristezas (“brigamos,

choramos e sorrimos juntos”).

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A professora associa a si mesma atributos desenvolvidos na relação com os

alunos: amiga e confidente, solidária, compreensiva, estudiosa, empreendedora,

competente e vitoriosa.

d) Os “outros”

Menciona a escola, pela falta de laboratório de informática e pelo apoio

prestado ao ceder disquetes e imprimir pesquisas realizadas pelos alunos na casa

de acesso à internet (ou “lan house”). São citados outros professores que fazem a

seleção dos textos a serem enviados à comissão julgadora da próxima etapa do

concurso (municipal). Também é citado o pai da aluna selecionada, que havia

falecido na mesma época.

Conversando com os alunos, consegue fazê-los compreender que, sozinhos,

não vemos nossos erros, mas com a ajuda do “outro”, podemos nos aperfeiçoar.

A sociedade é o espaço de atuação dos cidadãos, e o professor é quem

forma alunos como sujeitos e agentes transformadores.

e) Transformações observadas pela professora:

- em si mesma: quando iniciante, a professora tinha medo do trabalho docente e

sentia-se insegura. Aprendeu muito com os alunos e se transformou em pessoa

mais solidária, mais compreensiva, estudiosa, empreendedora, competente e

vitoriosa.

- nos alunos: ao longo dos três anos que trabalhou com a turma, a professora notou

que deixaram de ser “aborrescentes” e transformaram-se em homens e mulheres

cidadãos atuantes. São como pedra bruta e rara, de valor incalculável, a ser

revelada pelo ourives-professor. Alunos estavam com dificuldade para aceitar

correções em seus textos, mas a professora conversou com a turma e eles

entenderam.

- nos alunos e em si mesma: inicialmente desconfiados e receosos, desenvolveram

relação de respeito, amizade e confiança.

f) Crenças, convicções

O papel do professor em formar cidadãos é difícil, comparável ao do ourives –

tem que descobrir e lapidar pedras brutas e raras, transformando em jóias de valor

incalculável. Acredita que as coisas devem ser feitas não por obrigação, mas com

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prazer e por compromisso consigo mesmo, na qualidade de sujeito transformador

da própria história. Se perceber os alunos insatisfeitos, é preciso interromper as

atividades planejadas para conversar.

Errar faz parte do aprendizado e a dedicação, compromisso, tolerância e

conhecimento são o caminho para a perfeição e sabedoria. Por meio do saber

tornamo-nos agentes na sociedade.

g) Os corpos

Menciona o próprio corpo: mãos que recebem e moldam pedras brutas,

pernas e voz trêmulas como vara de bambu verde, pequenina, com cara de

adolescente; quanto ao corpo dos alunos, cita olhos desconfiados e apreensivos,

quietos, atentos e sorriso discreto.

Síntese das constelações (versão i)

A professora Bruna fala do papel do professor como o daquele que ajuda a

revelar o valor de cada aluno (par. 1) e relata as transformações que observa nela e

em seus alunos, geradas ao longo dos três anos de convívio em que trabalharam

juntos (par. 2). A insegurança e falta de confiança inicial (par. 2, 3) deram lugar à

camaradagem, admiração e respeito recíprocos (par. 4).

Acredita que não devem fazer nada por obrigação, mas por prazer e

compromisso de transformação consigo mesmo e foi assim que aceitaram o desafio

para participar da Olimpíada (par. 6). Considera que o papel do professor é formar

os alunos como sujeitos e agentes transformadores da própria história, cidadãos

atuantes na sociedade (par. 6).

Avalia as produções dos alunos e decide pela necessidade de mais pesquisa

(par. 7), o que parece fundamentar o seu trabalho de ensino da escrita. Encontra um

meio de transpor a limitação de recursos financeiros dos alunos, dispondo-se a doar

mais de uma vez algum dinheiro para que pudessem pesquisar na internet em casa

de acesso - lan house (par. 7, 9). A escola é referida por não possuir laboratório de

informática (par. 7), e também por colaborar com a doação de disquetes e

impressão das pesquisas realizadas pelos alunos (par. 9).

Atenta às reações da turma, percebe tristeza, raiva e insatisfação quando

veem erros apontados por ela (par. 8). Nesse momento, interrompe a programação

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e prioriza a conversa, provocando-os a refletir e a compreender a necessidade do

outro para o crescimento e superação (par. 8). Considerando que estão juntos há

três anos, a dificuldade dos alunos em aceitar as correções causa certa surpresa na

pesquisadora. Será que essa não era uma prática usual da professora?

Observa a si mesma (par. 1) e aos seus alunos, suas expressões não verbais

(par. 8, 10, 12), para orientar o seu trabalho. Utiliza imagens para transmitir suas

percepções: mãos do ourives que lapidam (par. 1, 13), olhares desconfiados e

apreensivos, pernas que tremem “feito vara de bambu verde” (par. 3).

Exprime seus sentimentos e descobertas, deixando os medos e inseguranças

no passado, no início da vida profissional. Aprendeu com os alunos a ser mais

compreensiva, solidária e competente, antecipando a falta que sentirá daqueles de

quem se tornou confidente e com quem mantém relação de amizade (par. 5, 4).

Depoimento da professora Eva

Constelações (versão g)

a) Modo de ensinar

A professora se inscreve e lê todas as orientações do material da Olimpíada

antes de iniciar o trabalho com os alunos, que abrange o explicar e fazer exposições

sobre um assunto; fazer apresentação com uso do quadro negro; providenciar

material para as aulas, lidando com as limitações de recursos da escola (faz cópias

por conta própria); sondar o conhecimento dos alunos, solicitando uma produção

inicial; levantar questionamentos sobre o texto e sobre o tema; fazer recomendações

e dar sugestões; pedir e orientar a realização de tarefas e atividades na sala de aula

e em casa, tais como leituras, pesquisas e entrevistas, para levantamento de

informações e opiniões, debates, escrita e reescrita; ler, corrigir e comentar as

produções dos alunos e esclarecer dúvidas. Empenhada em promover um ensino -

aprendizagem agradável e de qualidade, esforça-se por manter relacionamento

afetivo com os alunos, incentivando-os a prosseguir, para que se tornem pessoas

bem preparadas e desenvolvam o espírito crítico.

b) Modo de aprender

Os alunos pedem explicações à professora, inicialmente não percebem nada

de atrativo ou polêmico no lugar onde vivem e não confiam que teriam chance em

um concurso nacional – acham que isso é para as capitais e não para uma

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“cidadezinha qualquer”, como a deles. Alguns aceitam, outros não, mostram

participação oscilante e animam-se com o debate. Estimulados, vários enfrentam o

desafio e realizam as atividades propostas, que envolvem: ler, grifar texto,

responder a questões, comparar, observar, fazer cópia, pesquisar, buscar dados,

informações e opiniões, debater, opinar, analisar, produzir textos, revisar e

aprimorar.

c) Relacionamento professora e alunos

A professora se preocupa em cuidar da relação com os alunos, procurando

ser compreensiva e afetiva, observa-os e fica atenta às manifestações de interesse,

incentiva-os a participar, tenta conseguir o envolvimento de todos, busca vencer as

recusas, conversa com a turma chamando a atenção para valores como o espírito

crítico e a importância de se tornarem pessoas bem preparadas.

d) Os “outros”

São mencionados o grupo gestor e a Secretaria Municipal de Educação, que

informam sobre a Olimpíada, e os professores da escola por eles informados, bem

como pelos meios de comunicação; o grupo avaliador da escola, que selecionou

textos de alunos que aceitaram o desafio e se dedicaram à pesquisa e produção de

texto; as famílias, a quem a professora sugere que os alunos consultem sobre o

tema para a escrita do texto; o vereador, que dispõe a se encontrar e conversar com

os alunos; moradores, que criticam o lugar onde vivem. As famílias e o vereador

contribuem fornecendo dados, informações e dando opiniões.

e) Transformações observadas pela professora

Solicitados, poucos alunos propõem tema para artigo de opinião e acham que

seu município não oferece nada de atrativo ou polêmico, mostrando resistência à

proposta. A professora sugere um tema, os alunos perguntam aos pais, que se

lembram do fato e podem contribuir com opiniões, então a maioria decide escrever a

respeito. Momentos de pouca participação da turma são superados quando a

professora propõe debates e faz perguntas sobre questões sociais ao explorar um

texto.

À medida que o trabalho evolui, os alunos vão adquirindo os conhecimentos

considerados necessários para a escrita do artigo de opinião: contato com o gênero

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por meio de leituras, os tipos de argumento, elementos articuladores, posições

favoráveis e contrárias, revisão, reescrita e aprimoramento das produções escritas.

f) Crenças, convicções

A professora revela valores e convicções em conversa com seus alunos,

como a necessidade da autoestima para chegar ao sucesso e a importância de se

ter objetivos na vida. Ressalta que, ao aprimorar a produção escrita, eles se tornarão

pessoas mais bem preparadas, o que é mais importante do que ser classificado para

o concurso e que o pensamento crítico se desenvolve por meio da realização de

atividades.

Acredita na influência da relação afetiva entre professor e alunos,

favorecendo a aprendizagem que se dá na escola, e considera que o aluno

“despertado para a aprendizagem” torna-se capaz, vendo na indicação de seu aluno

como semifinalista a confirmação dessa ideia.

Síntese das constelações (versão i)

Ao tomar conhecimento da Olimpíada, a professora Eva teve a iniciativa de se

inscrever e, quando recebeu o material, estudou as orientações e desenvolveu o

trabalho de acordo com elas (par. 1). É possível perceber que deve ter consultado o

Caderno do Professor inclusive para escrever o seu relato, de acordo com a

sequência proposta.

Iniciou o trabalho com as turmas explicando-lhes como seria (par. 2).

Incentivou-os, falando sobre a importância da participação de todos e sobre a

autoestima (par. 2); os seus alunos não acreditavam que teriam chance (par. 9).

Procurou ser compreensiva e manter um relacionamento afetivo com a turma por

acreditar que isso favorece um ensino de qualidade (par. 3) e empenhou-se em

despertá-los para a aprendizagem, foco do seu trabalho (par. 17: “afinal, escola é

para aprendizagem”) (par. 24).

Solicitou uma produção inicial (par. 6), tal como sugerido no material da

Olimpíada, para avaliar o conhecimento da turma, orientou a realização de tarefas

em sala de aula e em casa, como leituras (par. 8, 12, 13, 16), pesquisas (par. 4, 18),

entrevistas (par. 4, 6), debate (par. 10, 11, 14), escrita e reescrita (par. 19, 20, 22).

Facilitou a aprendizagem dos alunos comentando suas produções (par. 6, 22),

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ajudando a evidenciar as características do gênero (par. 13, 14, 15, 16), procurando

esclarecer suas dúvidas (par. 22).

Durante a realização das atividades, os alunos participaram ora interessados,

ora não (par. 9, 12, 17). Observou que se entusiasmaram para debater questões

polêmicas (par. 11) e questões sociais (par. 10), e nos momentos de desinteresse,

procurou incentivá-los, falando sobre objetivos da vida e dos estudos (par. 12), sobre

a importância de se tornarem pessoas bem preparadas1 (par. 9) e com espírito

crítico (par. 17). A participação oscilante da turma e o fato de que nem todos os

alunos se envolveram2 faz supor que essas conversas não tenham sido muito

efetivas. Por outro lado, os que aceitaram o desafio da pesquisa e produção de

textos fizeram avanços (par. 24).

Revelou consideração com os conhecimentos e experiência das famílias ao

estimular os alunos a consultar seus pais e parentes para obter dados e opiniões

sobre polêmicas locais (par. 4, 6, 7, 18). Sugeriu e facilitou o encontro dos alunos

com um vereador para o levantamento de mais informações a respeito da questão

polêmica (par. 18), contribuindo para a ampliação do seu horizonte de compreensão.

A professora relatou ter desenvolvido uma sequência didática bastante

próxima à proposta no material da Olimpíada (par. 6 – conforme as orientações do

“Caderno”, par. 8, 12, 13, 16, 19 – textos do “Caderno”, par. 14 – tipos de

argumentos do “Caderno”, par. 15 – tabela do “Caderno”), fazendo menção à

dificuldade na reprodução das cópias (par. 21 - teve que fazer por conta própria). A

escola foi referida pela sua falta de recursos (par. 21 - não possuía xerocopiadora),

pela ação de divulgar o concurso por meio do grupo gestor (par. 1) e de selecionar

os textos dos mais envolvidos, por meio do grupo avaliador (par. 24). A vitória (par.

25) de ter uma aluna semifinalista na Olimpíada contribuiu para a melhoria da auto-

estima dos que duvidavam dessa possibilidade (par. 24).

Depoimento da professora Flávia

Constelações (versão g)

a) Modo de ensinar 1 Este objetivo encontra-se explicitado na abertura do Caderno, em uma carta da equipe da Olimpíada ao professor, à pg. 5 (“[...] Isso fará do aluno um cidadão mais bem preparado.”) 2 Parágrafo 24: “Os textos classificados pelo grupo avaliador da escola foram dos que se mostraram interessados no desafio da pesquisa e produção de texto, confirmando o fato que, quando o aprendiz é despertado para a aprendizagem, é capaz.” (grifo da pesquisadora)

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A professora, por iniciativa própria, inscreve-se no concurso e busca apoio da

supervisora, que lhe dá a autonomia que desejava. Emociona-se e vibra com as

orientações detalhadas do Caderno do Professor, o qual lê com calma, estuda e

percebe que faz parte do planejamento de Redação, apropriando-se do mesmo.

Preocupa-se com a escassez do tempo disponível, frente ao volume de trabalho a

ser realizado, mas enfrenta o desafio.

Fica apreensiva, com dúvidas sobre como apresentar a proposta aos alunos,

antecipando reações negativas. Conversa com eles empolgada, atenta às diversas

reações, e percebe que a apreensão era dela e não dos alunos. Orienta os debates

e procura “conter” os mais nervosos. Consegue suportar a agitação da turma e suas

limitações para lidar com isso, revelando humor ao rir de cena que considerou

“hilária”.

Solicita e orienta a realização de trabalhos com textos, pesquisas sobre temas

polêmicos, organiza entrevistas e palestras, avalia o trabalho que realiza com os

alunos e a evolução deles. Observa cuidadosamente as manifestações verbais e

não verbais dos alunos, reflete e procura criar condições de escuta atenta. Mobiliza

e traz a comunidade para dentro da escola, promove o debate e dá autonomia aos

alunos para perguntarem e interagirem com especialistas e autoridades. Propõe

atividades que provocam reflexão e compromisso social.

Mostra interesse e prazer em notar as transformações e participação dos

alunos, registra seus comentários, percebe suas necessidades e anseios (a revolta

deles era visível, mas também a empolgação para discutir soluções). Reflete sobre o

seu trabalho e cita algumas dificuldades e conquistas, denotando autoconfiança.

Revela iniciativa e trânsito junto aos alunos, junto à gestão escolar e junto à

comunidade.

b) Modo de aprender

Os alunos manifestam interesse pela Olimpíada fazendo perguntas, insistindo

com a professora. Frente ao novo, alguns demonstram aceitação, outros resistência,

posteriormente superada. Estabelecem relações, desenvolvem o espírito crítico,

refletem a partir de leituras, realizam entrevistas e palestras, comentam. Desejando

compartilhar leituras com familiares e amigos, pedem permissão à professora para

copiar texto.

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57

Diferenciam bem notícia de artigo de opinião, mas têm pouca familiaridade

com jornal e dificuldade para localizar artigos nesse veículo. Defendem suas

opiniões, argumentam com coerência, alguns tentam impor opinião, querem falar,

mas não querem ouvir, falam muitos ao mesmo tempo, nervosos com a

discordância, gesticulam, levantam, saem do seu lugar, mas aos poucos vão

aprendendo a falar e a ouvir.

Manifestam gosto pela leitura e escrita e ao entrar em contato com textos do

material da Olimpíada voltam-se para a preocupação com a comunidade.

Trabalham com os textos recomendados, pesquisam sobre a região, realizam

entrevistas, assistem a palestras, questionam, expressando suas reações e

sentimentos. Ao realizar as atividades, desenvolvem uma reflexão mais voltada para

o social – reconhecem que viviam em um estado de alienação e chocam-se com

atitude do empresário interessado apenas nos seus lucros e não na população.

Ficam preocupados com o meio ambiente e revoltados com a devastação

ambiental, empolgando-se ao discutir e buscar soluções.

c) Relacionamento professora e alunos

Realizam juntos atividades como entrevistas, receber palestrantes e avaliar o

trabalho que possibilitou o desenvolvimento do “espírito de luta” em todos – alunos e

professora.

d) Os “outros”

A professora faz referência à mídia (“estão falando na televisão”). Menciona

“cobranças”, por serem seus alunos do Ensino Médio, não especificando de onde

procedem – se dos pais, dos alunos, da escola, se de todos ou de alguns deles.

Mantém interlocução com a supervisora da escola, que lhe dá incentivo e

autonomia. Provoca a aproximação dos alunos com pessoas da comunidade:

médicos, promotor, professores de Biologia, empresários, extrator de pedras e

pedreiras, que deixam buracos enormes nas serras da região. Por meio da leitura,

seus alunos tomam conhecimento de crianças e jovens preocupados com os

problemas de seus municípios e atuantes nas respectivas comunidades, o que os

inspira a proceder da mesma forma.

e) Transformações observadas pela professora:

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58

- em si mesma: aprende a conter os alunos e a orientar o debate, o que considera

mais fácil do que tentar fazê-los falar; consegue maior participação dos alunos do

que em situações anteriores, em que tinha dificuldade para se expressarem.

- nos alunos: alguns aceitam bem a proposta, outros resistem, mas no contato com

os textos estabelecem paralelos com suas realidades e mudam de ideia; debates

vão se tornando menos desorganizados; alunos mostram atitudes mais seguras nas

aulas; aluna que nunca produzia textos, torna-se mais confiante para escrever; aluno

percebe que estavam fingindo que os problemas não existiam ou não tinham a ver

com eles, ao ler sobre crianças e jovens que atuam nos seus municípios, entende

que tem que fazer o mesmo; aluna que só se preocupava com o que afetasse a si

ou a sua família, passa a se preocupar com o que afeta sua comunidade; alunos

desenvolvem a visão crítica, trabalham com prazer, manifestam o gosto pela leitura

e escrita, a preocupação com o meio ambiente, adquirem consciência e

responsabilidade social, compreendem a força que têm na sociedade. Pode-se dizer

que passam a ter uma nova visão crítica e ampliada de mundo.

- nos alunos e em si mesma: tiveram o seu “espírito de luta” despertado, acreditam

na possibilidade da mudança;

- no empresário: ao observar o efeito de suas palavras nas expressões dos alunos,

mudou a fala.

f) Crenças, convicções

A professora não relata suas convicções, diferentemente de outras, mas sua

narrativa evidencia que reflete a respeito do seu trabalho (ao ver a reação dos

alunos à proposta, percebe que sua apreensão tinha mais a ver consigo mesma do

que com eles), do comportamento dos alunos (interesse em xerocopiar texto para

mostrar à família, sentimentos de revolta, entusiasmo etc) e as transformações (o

processo de aprendizado dos debates, desenvolvimento da visão crítica e do espírito

de luta nos alunos e em si mesma).

g) Os corpos

Há referências aos corpos dos alunos, que expressam revolta, ou nervosismo,

gesticulando agitados, num senta-e-levanta. Quanto a si mesma, destaca o uso da

visão ao citar com riqueza de detalhes cenas que observou como, por ex., que “era

visível a revolta”.

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59

Síntese das constelações (versão i)

Flávia revelou receptividade aos apelos dos alunos e se inscreveu na

Olimpíada antes mesmo que a supervisora falasse a respeito (par. 1). Examinou o

material - Caderno do Professor - com entusiasmo, pois explicava claramente como

trabalhar (par. 2 - “não deixando nenhuma dúvida de como proceder durante as

aulas”), o que lhe traz segurança. Contudo, fica apreensiva ao imaginar a reação

dos alunos frente à quantidade de textos (par. 2 – “punhado de textos”), o que faz

crer que não estão habituados a trabalhar com muitos textos. Preocupa-se com a

escassez do tempo disponível frente ao volume de trabalho a ser realizado, bem

como com as cobranças relativas ao nível de Ensino Médio (par. 3), mas enfrenta o

desafio.

Recebe o incentivo da supervisora, que a autoriza a decidir como quiser.

Satisfeita (par. 4 – “era tudo o que eu queria”), a professora faz uso da autonomia, e

a escola sustenta o apoio, possibilitando a realização de atividades extraclasse,

como palestras e debates com pessoas da comunidade (par. 10). Antes de iniciar o

trabalho, Flávia estuda o Caderno com calma e percebe que faz parte do

planejamento das aulas de redação (par. 4), apropriando-se do conteúdo para

incorporar à sua prática.

Um pouco apreensiva, conversa com a turma e fica agradavelmente surpresa

ao se deparar com a boa receptividade da maioria, supondo que talvez fosse devido

à sua empolgação (par. 5). Cabe lembrar que, apesar dos alunos esperarem prova

“de marcar X”, (par. 2) tinham manifestado interesse desde o início, pois haviam

insistido, pedindo a inscrição (par. 1). Conclui, com franqueza, que a apreensão em

relação ao trabalho com muitos textos era dela, nada tinha a ver com os alunos (par.

4) e vai explicitando suas descobertas ao leitor. Nota que os textos contribuíram

para vencer resistências, quando alunos identificam semelhanças entre o que leem

e o que ocorre em sua região (par. 5), ou quando se entusiasmam com algo lido e

pedem para fazer cópia a fim de compartilhar com amigo ou familiar (par. 6).

Observou cuidadosamente as atitudes e a evolução dos alunos, buscando

identificar suas necessidades e anseios (par. 13 - a revolta deles era visível, mas

também a empolgação para discutir soluções), o que já sabiam e o que precisavam

desenvolver (par. 7, 8). Sempre atenta às manifestações verbais e não verbais, à

movimentação e expressões corporais (par. 9), registrou os comentários (par. 5, 6,

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60

11, 12) que serviram de apoio para a reflexão e, desse modo, planejou e avaliou o

próprio trabalho.

A narrativa enfatiza as disposições afetivas e fala de uma animação

contagiante que circulou de alunos para professora e vice-versa: graças à insistência

dos alunos, desejosos de participar, a professora se inscreveu (par. 1) e logo no

início do trabalho vibrou (par. 2), empolgada (par. 5) com o material; no decorrer das

oficinas, observou a participação entusiasmada (par. 7 a 10) e a empolgação dos

alunos (par. 13). Conseguiu suportar a agitação da turma e sua dificuldade em

conter o nervosismo de alguns durante os debates, enfrentando com humor,

situação que considera preferível àquela quando os alunos não querem se

manifestar, permanecendo desinteressados, em silêncio (par. 9). Revela

autoconfiança ao falar sobre suas dificuldades e limitações.

A professora propôs e orientou a realização de um trabalho diversificado com

leitura de textos (par. 5, 6, 12 – “enquanto eu ia lendo”), pesquisas (par. 10, 11),

entrevistas (par. 10), palestras (par. 10) e debates (par. 7, 8, 9). Trouxe especialistas

e autoridades para dentro da escola (par. 10), mostrando iniciativa e trânsito junto

aos educandos, junto à gestão escolar e junto à comunidade. Promoveu o debate e

deu autonomia aos alunos para perguntar e discutir entre si, com ela e com os

convidados (par. 10). Ao criar tais oportunidades, possibilitou a ampliação das visões

de mundo e provocou transformações. Os alunos mudaram de atitude, tornaram-se

mais seguros (par. 8) e até mesmo o empresário, voltado para seus lucros,

modificou a fala, ao ver a reação dos jovens (par. 10). O pedido de uma avaliação

sobre o que haviam feito propiciou mais uma ocasião de escuta e reflexão sobre o

processo, que a professora ouviu e registrou em seu relato (par. 12).

Por meio dos textos, os alunos tomaram conhecimento da existência de

crianças e jovens preocupados com os problemas de seus municípios e atuantes

nas respectivas comunidades, o que os inspirou a proceder da mesma forma (par.

12). As atividades realizadas ao participar da Olimpíada avivaram o gosto pela

leitura e escrita (par. 14), fortaleceram a segurança para escrever (par. 8, 11) e

provocaram a responsabilidade social (par. 11 – antes só se preocupava com o que

afetasse a ela e sua família), a visão crítica (par. 14), o cuidado com o meio

ambiente e a não aceitação da devastação ambiental (par. 13). Contribuíram para o

desenvolvimento do compromisso com a própria comunidade (par. 11, 12) e para a

superação de um estado de alienação (par. 12 – “fingíamos que o problema não

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61

existia”), fortalecendo o sentimento de pertença. A professora observou, tanto nos

alunos como em si mesma, o despertar de um espírito de luta (par. 14) e o desejo de

encontrar soluções para problemas comuns (par. 13), que indicam a crença na

possibilidade de mudança e a compreensão da força que têm na sociedade.

Depoimento da professora Leila

Constelações (versão g)

a) Modo de ensinar

A professora aguarda notícias sobre o concurso, revelando familiaridade com

edições anteriores, e mostra-se receptiva a novidades. Trabalha com a mesma

turma há 5 anos e juntos enfrentaram muitos desafios, alguns com sucesso, outros

não, mas tiveram suas relações fortalecidas. Por experiência e por conhecimento,

sabe que a resistência de alguns alunos é natural. Introduz a proposta, procurando

estabelecer ligação entre o que estava ensinando aos alunos (“ponte temática”).

Procura analisar o processo e resolver as situações, apoiando-se em conhecimentos

adquiridos. Reflete a respeito, sabe que envolve um movimento de idas e vindas,

planeja para que seja prazeroso. Questiona-se, passa por momentos de conflito e

indecisão, mostra-se capaz de rever sua postura quando convencida pelos alunos.

Tem convicções a respeito do que é importante para o aprendizado: leituras,

escrita, pesquisa, discussões, análise de texto. Acredita que o excesso de

informações pode prejudicar o resultado final e que ouvir o que escreveu lido pelo

outro contribui para o aprimoramento no momento da reescrita. Habituada às

sequências didáticas e ao ensino de gêneros textuais, costuma fazê-lo de modo

diferente ao proposto no material, mas dispõe-se a experimentar algumas

sugestões encontradas no “Caderno” e percebe o estranhamento dos seus alunos.

Planeja e adapta as atividades propostas no Caderno, levando em conta as

condições da classe3.

Leva para as aulas textos presentes no material, bem como outros,

disponibiliza cópias para leitura e pede aos alunos que numerem os textos,

ajudando-os a se organizarem. Procura tirar o maior proveito dessas leituras,

explora os textos, fazendo diversas perguntas para a turma. Usa a lousa para

apresentar os tipos de argumento, os tópicos dos textos e orientar a atenção dos

3 Desse modo exerce sua autoria.

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alunos. Atribui o sucesso de sua aluna, classificada semifinalista, a um esforço

coletivo e reconhece que teve o seu olhar ampliado pelo modo de ver da aluna em

relação à questão polêmica abordada.

b) Modo de aprender

Uns aceitam a proposta (de estudar o gênero para o concurso), gostam;

outros, incrédulos, resistentes, não gostam, mas participam; fazem leituras

individuais e coletivas, leitura silenciosa e uns para os outros, ouvem o que

escreveram na voz do outro e assim conseguem aprimorar suas produções;

aplaudem o texto escrito por aluna participante de edição anterior do concurso;

estudam as características do gênero; pesquisam, buscam informações, discutem,

aprendem a construir argumentos; leem e analisam textos, identificam e grifam

articuladores de discurso; desenvolvem um novo olhar sobre antigas questões; ficam

satisfeitos ao ver seus textos lidos pela comunidade escolar.

c) Relacionamento professora e alunos

A narrativa ressalta o companheirismo existente entre professora e alunos,

deixando a impressão de um trabalho realizado de maneira conjunta, em que

escolhas e decisões foram compartilhadas. A questão polêmica foi definida

coletivamente e demandou um certo tempo, até chegarem a um consenso. A

professora indica a ocorrência de perdas e dissabores ao lado de vitórias e

“sabores”, que contribuíram para fortalecer a relação.

d) Os “outros”

A escola tem desenvolvido e aperfeiçoado seu projeto político pedagógico

desde 2002, e o concurso vem fortalecer os objetivos definidos. A equipe

pedagógica se envolve com a Olimpíada, organizando o trabalho coletivamente, e a

comunidade escolar participa, lendo o que os alunos escrevem.

A professora menciona os organizadores do concurso, fazendo supor

familiaridade com o mesmo. Refere-se à orientação dada por uma formadora da

ONG responsável pela coordenação técnica da Olimpíada, trazendo seus

ensinamentos para analisar a situação.

Faz referência ao contexto mais amplo em que a questão polêmica se insere,

ao citar o governo, nordestinos, ambientalistas e brasileiros em geral.

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e) Transformações observadas pela professora

- em si mesma: não queria trabalhar sobre a questão polêmica que os alunos

propuseram, mas quando eles lhe provaram a importância do tema, aceitou. Mostra-

se receptiva às orientações presentes no material do concurso e modifica a sua

prática, propondo a escrita do texto antes da leitura de vários exemplares do gênero,

como costuma fazer; percebe que teve seu olhar ampliado pelo modo de ver da

aluna.

- nos alunos: apesar da resistência inicial, mesmo os que não gostaram da proposta,

incrédulos, aceitam participar; conseguem desenvolver um novo olhar para a

questão polêmica, voltando a atenção para a responsabilidade social de cada um;

adquirem competência, em decorrência do esforço conjunto; a turma realiza

avanços.

f) Crenças, convicções

A professora externa várias ideias que norteiam sua prática: a escrita dos

gêneros textuais é um aprendizado para a vida; alunos necessitam de informações

para a escrita do artigo de opinião, mas se for em excesso, prejudica; escrever e

ouvir o que escreveu na voz do outro ajuda a aperfeiçoar o domínio do gênero; o

aprendizado é resultado do esforço conjunto de todos; o processo de aprendizado

envolve muitas idas e vindas; o que parece a “produção final”, pode ser modificado

segundo novas perspectivas que se abrem, à medida que se pesquisa.

Síntese das constelações (versão i)

A professora Leila, familiarizada com o concurso, aguardava por mais uma

“temporada” e mostrou-se flexível e receptiva às novidades (par. 1). Habituada ao

uso de sequências didáticas (par. 12) e ensino de gêneros textuais (par. 5, 15),

dispõe-se a experimentar, a proposta do material da Olimpíada, introduzindo

mudanças no seu modo de ensinar (par. 6). Procedeu de maneira seletiva –

escolheu o que trabalhar e incluiu outros recursos, fazendo adequações segundo as

necessidades e interesses dos seus alunos, desse modo exercendo a autoria (par.

6, 18). Bastante atenta aos alunos e a suas produções (par. 12, 13, 18), percebeu o

estranhamento que tiveram frente a algumas mudanças (par. 12) e utilizou as

observações para orientar o seu trabalho.

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A proposta da Olimpíada foi vista como condizente ao projeto político

pedagógico da escola e, junto com a equipe pedagógica, organizou o trabalho (par.

2). Leila cuidou para desenvolver as atividades de maneira integradora, evitando

rupturas. Assim, resolveu começar as oficinas da Olimpíada utilizando um texto que

não fazia parte do material, mas que, a seu ver, garantiria a articulação (par. 7) com

o tema que vinha discutindo com a turma até então: a educação brasileira (par. 7).

Um momento importante - a escolha coletiva da questão polêmica - despertou

dúvidas e conflitos que a professora não hesitou em explicitar (par. 9). Na

expectativa de encontrar uma questão atraente, viu-se diante de um impasse - a

sugestão da turma não lhe parecia adequada. Refletindo à luz de conhecimentos

adquiridos em formações anteriores, demonstrou maleabilidade e abertura à

transformação gerada pelo outro - modificou sua postura, passando a olhar para a

questão polêmica de nova forma (par. 10).

Trabalhava com a mesma turma havia cinco anos (par. 3). No enfrentamento

de desafios - nem sempre bem sucedidos - desenvolveram uma relação de

companheirismo (par. 3). Um detalhe que chamou a atenção da pesquisadora foi o

uso do “X”, no sentido de versus, quando se refere à relação professor e aluno (par.

3). Segundo o Dicionário4, versus emprega-se com a ideia de contra em

competições, principalmente desportivas, para indicação dos oponentes. Seria essa

escolha indicativa da existência de algum antagonismo?

Antecipando que o trabalho envolveria um movimento de idas e vindas,

orientou os alunos a se organizarem frente à tarefa (par. 6). Avançou, tendo a

sequência proposta no material como diretriz e o olhar voltado para os seus alunos

(par. 6) que haviam estudado o gênero anteriormente (par. 4). Assim, foi sugerindo

as atividades – mais leitura (par. 7, 13, 15, 16), pesquisa (par. 16), discussões (par.

7, 10, 14, 17), escrita (par. 11, 18, 19) e fazendo a mediação - orientou a atenção

dos alunos apresentando tópicos na lousa (par. 17) e provocando-os com

questionamentos (par. 14). Os aplausos da turma à leitura de um texto escrito por

aluna vencedora em edição anterior do concurso dão a ideia da atenção e interesse

despertados pela atividade (par. 13).

Parte da turma apresentou resistência inicial à proposta (par. 4), mas a

professora prosseguiu até conseguir o envolvimento da turma (par. 13). Daí em

4 FERREIRA, A.B.H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010.

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diante, avaliou que o trabalho se tornou prazeroso (par. 13). Norteou a prática

guiada por suas convicções a respeito do que é importante para o aprendizado, tais

como: os alunos necessitam de informações para estruturar os argumentos do artigo

de opinião (par. 12), mas o excesso prejudica (par. 15), ouvir o que escreveu na voz

do colega contribui para o aprimoramento por ocasião da reescrita (par. 18). Revelou

sua atenção ao contínuo movimento de melhoria - mesmo o que parece ser a

produção final, no momento seguinte, com mais pesquisas, pode ser transformado

(par. 19).

A professora olhou para si e para seus alunos, avaliou as transformações e

deu créditos aos que, a seu ver, colaboraram para tais resultados. Reconheceu que

teve seu olhar sobre a questão polêmica ampliado pela visão de sua aluna, que

enfocou a responsabilidade social de cada pessoa (par. 19). Além disso, percebeu

que a turma realizou avanços e atribuiu a evolução da aluna semifinalista a um

esforço coletivo e não a uma só pessoa (par. 20). A leitura dos textos pela

comunidade escolar, preconizada no material da Olimpíada, foi promovida, gerando

satisfação nos alunos (par. 20) e, desse modo, a escrita cumpriu o seu papel social.

Depoimento da professora Silvia

Constelações (versão g)

a) Modo de ensinar

A realização do trabalho se dá a partir do planejamento coletivo dos

professores de Língua Portuguesa e de uma negociação entre todos professores da

escola. Tem início com o estabelecimento de metas comuns com os alunos e finaliza

com relatório individual escrito, de cada aluno. Quando julga necessário, relembra a

importância da escrita para incentivar a turma. Atenta às manifestações dos alunos,

define a programação das aulas em função das necessidades identificadas (leituras

e comentários sobre o gênero) a fim de que tenham mais segurança na escrita do

próprio texto. Avalia o seu trabalho e cria condições para que os alunos também o

façam, por escrito, visando verificar se os objetivos foram atingidos.

b) Modo de aprender

Participam da definição dos objetivos do trabalho proposto pela Olimpíada, e

embora alguns apresentem desinteresse inicial, a professora insiste. No início dos

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trabalhos apresentam heterogeneidade quanto ao reconhecimento dos artigos de

opinião e suas características. Realizam diversas leituras, fazem comparações e

análise em grupo, com base nas quais escrevem e reescrevem seus textos.

Solicitados pela professora, elaboram avaliação do processo por escrito, em que

manifestam satisfação por terem atingido os objetivos.

c) Relacionamento professora e alunos

A professora estabelece metas em comum acordo com seus alunos e juntos

desenvolvem as atividades segundo um cronograma focado em leitura e análise de

textos. Diante do desinteresse de alguns deles, insiste na importância de

aprenderem a escrever bem e ao final pede um relatório avaliativo das atividades.

d) Os “outros”

São referidos os professores de Língua Portuguesa da escola (cinco), que se

reúnem, dividem o trabalho e organizam cronograma, bem como os demais

professores, com quem negociam para concentrar todas as aulas de Português em

um único dia da semana. A professora trabalha textos veiculados pela mídia local,

estadual, nacional e internacional, possibilitando que as questões discutidas na

sociedade entrem na sala de aula.

e) Transformações observadas pela professora

Os alunos melhoram a produção da escrita, ficam mais atentos às palavras

que utilizam, passam a confiar mais em seu potencial quando ficam sabendo que

uma colega foi selecionada como semifinalista.

f) Crenças, convicções

A professora considera importante conhecer o município onde vivem e

valoriza o saber escrever bem. Destaca o respeito à coerência, pontuação, cuidado

na escolha das palavras como indicativos do que é escrever bem.

Síntese das constelações (versão i)

O trabalho da professora Silvia se deu a partir do planejamento coletivo dos

professores de Língua Portuguesa (par. 1). Decidiram reservar um dia por semana

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para as atividades da Olimpíada, ocupando todas as aulas e negociaram com os

demais professores da escola uma alteração na grade curricular (par. 4). Tomaram

providências práticas, como a confecção de materiais que iriam utilizar e a

elaboração de um calendário (par. 1), que distribuíram nas salas (par. 3).

Silvia falou com as turmas sobre o regulamento do concurso, a premiação e

definiram metas conjuntamente, que envolviam a melhoria da escrita e a

classificação para a etapa final (par. 3). Suas expectativas denotam confiança na

qualidade do trabalho e sugerem autoestima positiva.

Alguns alunos não demonstraram interesse em participar, pois “achavam

chato” escrever textos, preferiam provas, mas a professora insistiu e, quando julgava

necessário, procurava incentivar a turma, relembrando a importância da escrita (par.

5). Aparentemente, a resistência encontrada não obstaculizou nem ofereceu maiores

dificuldades para a realização dos trabalhos.

Informou ter seguido o “Caderno” (par. 9) por dez semanas (par. 8), mas não

deu detalhes sobre o uso que foi feito, disse apenas que distribuiu os artigos de

opinião que estão no material para leitura e análise em grupo (par. 6). O trabalho foi

focado na produtividade, na avaliação de resultados alcançados em comparação

aos objetivos (par. 11, 13) e parece ter envolvido um componente de competitividade

(par. 3 – é o único relato, dentre os cinco considerados, que menciona a premiação

e a meta de classificação para a fase final).

Além dos textos do “Caderno”, usados no início das atividades (par. 6), a

professora trabalhou textos veiculados pela mídia local, estadual, nacional e

internacional, possibilitando que as questões discutidas na sociedade entrassem na

sala de aula (par. 8). Definiu a programação das aulas em função das necessidades

identificadas, ao observar o desempenho dos alunos (par. 6 – vendo o que diziam os

alunos, decidiu dar mais leituras e comentários sobre o gênero), a fim de que

tivessem maior segurança na escrita do próprio texto. Ao término do trabalho,

recolheu as produções finais e pediu um relatório escrito de cada aluno avaliando o

que realizaram tendo em vista os objetivos (par. 11). Tomou o cuidado de reproduzir,

em seu relato, entre aspas, trechos dos alunos, indicando o nome e ano escolar do

autor (par. 12).

Observou que a classificação da aluna semifinalista contribuiu para

transformar até mesmo alunos que não acreditavam em suas produções, que se

tornaram mais confiantes em seu potencial (par. 14).

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A professora considera importante que os alunos escrevam bem (par. 5) e

conheçam o município onde vivem (par. 9). Pretende oferecer um ensino de

qualidade (par. 13 – escrever cada vez melhor) e parece tomar a classificação no

concurso como indicativo do sucesso desse objetivo. O trabalho foi realizado tendo a

expectativa de que seus alunos aprendessem a escrever bem e explica como é isso:

respeitando a coerência, a pontuação (par. 3) e cuidado na escolha das palavras

(par. 13), o que se verificou com a maioria da turma (par. 14).

Em seu relato, apresentou uma descrição do trabalho realizado a partir de

acordos entre o grupo de professores (par. 4) e as turmas de alunos (par. 3).

Expressou suas intenções ao propor as atividades (par. 6, 7, 10, 11), mas não expôs

suas reflexões nem manifestações de caráter afetivo.

3.4.2.2 – Síntese final

Esta síntese, que tem suas raízes nos próprios depoimentos e procedimentos

de análise, não pretende ser a reunião das sínteses das constelações (“versão i”),

mas complementá-las. Olhando-se para o conjunto do que havia sido desvelado a

partir da análise dos cinco depoimentos, foi possível reorganizar a compreensão em

novas configurações, que serão apresentadas a seguir. Houve um esforço para se

fugir de repetições, mas eventualmente foram inevitáveis. Trechos dos depoimentos

(abreviados ou na íntegra5) foram incluídos ocasionalmente, a fim de ilustração, mas

também para fazer lembrar as vidas e experiências presentes por trás de cada frase.

Muitos foram os modos de ensinar utilizados pelas professoras que tiveram

alunos classificados como finalistas na 1ª. edição da Olimpíada de Língua

Portuguesa. Aparentemente, estavam todas diante da mesma situação: preparar,

com o apoio do “Caderno” enviado pela Olimpíada, alunos do ensino médio para

escrever um artigo de opinião sobre o lugar onde vivem a fim de participar de um

concurso. Contudo, como diz Larrosa Bondía:

Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 27)

5 Quando idênticos, foram apresentados entre aspas.

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Assim, procurou-se pelo singular e próprio de cada professora ao ensinar

seus alunos a escrever artigo de opinião.

O que representou a proposta de participação da Olimpíada para as

professoras? Duas delas apontaram sua adequação aos propósitos da escola – para

uma, condizia com o projeto político pedagógico (Leila), para outra, coincidia com o

planejamento das aulas de redação (Flávia). Mas, além disso, o trabalho realizado

por Flávia constituiu uma oportunidade para o desenvolvimento da visão crítica, do

compromisso com a própria comunidade e para despertar o “espírito de luta”. Duas

professoras salientaram o aspecto de “desafio” que a participação na Olimpíada

representava: Leila e Bruna, sendo que esta e sua turma aceitaram a provocação

com prazer e compromisso, porque era o desejo de todos. Silvia empenhou-se em

ensinar com eficiência e produtividade, avaliando os resultados em função de metas

previamente definidas e acordadas com os alunos. Eva aderiu ao concurso como

uma oportunidade para o aprimoramento da escrita e, a seu ver, representou um

desafio para os alunos que participaram. (Os classificados foram os que se

mostraram interessados no desafio da pesquisa e produção de texto).

Pode-se dizer que o objetivo principal do trabalho para duas foi o ensino da

escrita – Leila considera o aprendizado da escrita fundamental para a vida em

sociedade e Eva entende como necessário para que os jovens se tornem pessoas

bem preparadas. Bruna e Flávia estavam mais voltadas para a formação do aluno

como cidadão atuante na sociedade, com visão crítica e responsabilidade social.

Nestes casos, foi como se o ensino da escrita representasse uma oportunidade para

alcançar um objetivo mais amplo. Silvia deu mais atenção ao caráter de competição

propriamente dita, trabalhando pela melhoria da escrita e pela classificação.

Para nortear o trabalho, além das orientações do material de apoio, as

professoras se valeram da própria observação e avaliação. Mostraram-se atentas

aos alunos, seus comentários, expressões e atitudes, buscando identificar seus

anseios e necessidades, bem como analisaram suas produções, avaliando as

dificuldades e evolução. Os comentários dos alunos, observações e até relatório

escrito também serviram como apoio para a reflexão e avaliação do próprio trabalho.

Flávia e Bruna mostraram-se especialmente atentas à observação dos movimentos

e manifestações não verbais dos alunos e de si mesmas. (“Eles olharam

desconfiados e apreensivos, mal eles sabiam que minhas pernas tremiam feito vara

de bambu verde naquele momento.” – Bruna). Tais observações incluídas em seus

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70

depoimentos possibilitaram ao leitor imaginar as cenas, dando uma ideia viva e

dinâmica sobre o que se passou na sala de aula.

O diálogo esteve presente em todos os depoimentos, de diferentes formas e

em vários momentos, mas dois trabalhos se destacaram nesse aspecto. O de Leila,

desde a escolha coletiva da questão polêmica, fruto de intensa negociação entre

professora e alunos, assim como o de Flávia, com muitos debates, questionamentos

e depoimentos dos próprios alunos dentro da sala de aula, palestras e entrevistas

com diversos convidados, pessoas de fora da escola. Eva recomendou a seus

alunos que conversassem com os familiares, vizinhos e com um vereador a fim de

obter informações sobre a questão polêmica. Silvia e seus alunos definiram juntos,

de comum acordo, as metas que desejavam atingir. Também o diálogo foi o caminho

para enfrentar as situações em que as professoras observaram desinteresse ou

insatisfação (“Dei uma parada nas oficinas e sentamos para conversar”- Bruna).

O relacionamento com os alunos foi referido por Eva, empenhada em

estabelecer “laços afetivos” (sic) porque, a seu ver, favorecem a aprendizagem;

Bruna e Leila, que trabalhavam com a mesma turma há alguns anos e

desenvolveram relação de amizade, admiração, companheirismo e confiança. As

outras duas professoras não entraram em detalhes sobre o seu relacionamento com

os alunos, mas Flávia contou de um trabalho realizado com grande vibração afetiva

(“Não sei se foi a minha empolgação ou não, mas consegui o que queria, receberam

muito bem a proposta de trabalho”; um aluno, ao debater um dos temas, gesticulava

tanto que não suportou ficar sentado, levantou-se de tão nervoso que estava só

porque os colegas não concordavam com ele). Por outro lado, Silvia teve um outro

jeito de narrar e apenas tangencialmente abordou questões de ordem afetiva (alguns

alunos diziam: “Ui, profe! Que chato escrever textos, poderia ser uma prova como

requisito para participar.”).

Três professoras contaram a respeito de suas inseguranças e apreensões e

como foram resolvendo tais situações. Leila teve conflitos e ficou indecisa diante da

escolha da questão polêmica: desejava uma única para toda a turma e a proposta

dos alunos não lhe parecia adequada. Refletindo, recordou as palavras de uma

formadora e conseguiu compreender a motivação dos alunos. Mostrou-se aberta e

flexível ao aceitar sua sugestão. Bruna remeteu ao medo e a insegurança dos

primeiros dias de aula, frente a uma classe desconhecida superados durante seu

processo de aprendizado profissional. (“a voz trêmula e o medo fizeram parte do

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71

meu aprendizado; via naqueles olhos a desconfiança a meu respeito, eu pequenina

e com cara de adolescente”). Flávia ficou apreensiva que o “Caderno” propunha o

uso de muitos textos e que era pouco tempo para tantas oficinas, mas sua

empolgação foi contagiante e os receios cederam espaço à animação e

compromisso - tônicas desse depoimento

Para realizar o trabalho, encontraram algumas dificuldades e contaram

como fizeram para superá-las. Frente às limitações das escolas, como falta de

laboratório de informática ou xerocopiadora, duas professoras (Eva e Bruna)

investiram recursos pessoais para resolver as situações. A escola de Bruna ajudou

doando disquetes e imprimindo as pesquisas dos alunos. Na sala de aula, Flávia

encarou com humor a desorganização dos primeiros debates e sua dificuldade para

conter a exaltação de alguns alunos que, aos poucos, modificaram de atitude e

aprenderam a debater. A maioria (exceto Bruna) enfrentou certa resistência ou

mesmo oposição inicial ou no decorrer do trabalho e procurou conversar. Seguir em

frente, sem desistir, incentivar a turma, esforçando-se por motivar a aprendizagem –

assim reagiram elas. Por outro lado, as atividades como leituras, levantamentos de

opinião, pesquisas em casas de acesso (“lan house”), entrevistas, palestras e

debates contribuíram para motivar a participação. (“Também fiz perguntas referentes

ao texto voltando para questões sociais. Aí a turma se animou opinando.” – Eva)

Por que resistiriam os alunos à proposta e, ou, ao trabalho? Alguns motivos

foram explicitados, como a descrença nas possibilidades de classificação (Leila e

Eva) que pode encobertar a falta de confiança com relação à qualidade da própria

produção escrita e, por decorrência, do ensino. (Os alunos de Eva acharam que

“esse negócio de Olimpíada era coisa para capitais e não para uma cidadezinha

qualquer como a nossa.”) Silvia e Flávia mencionaram a preferência por provas ao

invés de produção textual, que também aponta nessa direção. Eva citou, em

conversa com a turma, falou sobre a necessidade de auto-estima e relatou que seus

alunos sentiam-se em desvantagem em relação aos das capitais1

Por outro lado, o trabalho contou com participação social, envolvendo a

colaboração de pessoas e instituições e promoveu a aproximação entre a escola e a

comunidade. Algumas mencionaram o grupo gestor da escola e a secretaria

municipal de educação que estimularam a participação na Olimpíada, colaboraram

1 Moravam em uma cidade com menos de quatro mil habitantes em 2010.

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no processo seletivo (Eva e Flávia) e deram autonomia na condução do processo

(“conversei com a supervisora da escola, que deixou a decisão em minhas mãos,

era tudo o que eu queria.” - Flávia). As equipes pedagógicas das escolas de Leila e

Silvia colaboraram no planejamento, divisão do trabalho (Leila e Silvia) e confecção

dos materiais (Silvia). Na escola de Silvia, todos os professores se dispuseram a

reorganizar a grade curricular a fim de destinar um dia por semana exclusivamente

para atividades da Olimpíada. As famílias contribuíram fornecendo artigos de

opinião (Silvia), bem como informações e opinião acerca das questões polêmicas –

situação que revelou consideração da professora (Eva) pelo saber dos pais e

familiares. Médicos, promotor, empresários, professores de Biologia (Flávia) e

vereador (Eva) deram entrevistas e palestras sobre as questões polêmicas. O

contato com outros adultos para além dos muros da escola contribuiu para a

ampliação do horizonte de conhecimento e compreensão da questão que estavam

estudando. Por fim, o interesse despertado na comunidade escolar pelos textos

produzidos pelos alunos revelou que a escrita cumpriu o seu papel social (Leila

notou “a satisfação de cada um ao ver os seus artigos lidos por toda a comunidade

escolar”).

Os cinco depoimentos apontaram transformações em si mesmas e nos

alunos. Flávia desenvolveu o seu papel como facilitadora dos debates, que se

tornaram mais organizados, Leila modificou sua prática, incorporando sugestões no

material utilizado de modo a exercer sua autoria e reconheceu ter tido seu olhar

sobre a questão polêmica ampliado a partir da visão da aluna.

A melhoria da produção escrita dos alunos, segurança para escrever, maior

confiança em seu potencial e elevação da auto-estima também foram mudanças

mencionadas por quase todas as professoras (Flávia, Silvia, Eva e Leila). (“Acredito

que o objetivo que eu, juntamente com os alunos delimitamos ao iniciar a Olimpíada

foi alcançado.” - Silvia) Os alunos de Flávia trabalharam com prazer e avigoraram o

gosto pela leitura e escrita e, durante os debates, aprenderam a ouvir o outro e a

argumentar. Provocados a refletir em virtude do descontentamento com as

correções, os alunos de Bruna mudaram de atitude, compreenderam e aceitaram.

As atividades realizadas propiciaram maior responsabilidade social,

desenvolvimento da visão crítica (Leila e Flávia). Ademais, os alunos de Flávia

passaram a se preocupar com o meio ambiente e com o que afetava a comunidade

e descobriram a importância de sua atuação, fortalecendo o sentimento de pertença

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e a cidadania. Leila considerou que o resultado alcançado foi fruto de esforço

coletivo. (“...feliz pelo resultado alcançado, já que a competência adquirida pela

aluna semifinalista foi resultado de todo um esforço conjunto daqueles que fazem

parte do seu dia-a-dia”).

3.4.3 – As narrativas

Nesta parte serão apresentadas as narrativas elaboradas pela pesquisadora e

fundamentadas nos procedimentos de análise e síntese dos depoimentos. Procurou-

se extrair os conselhos que cada professora retiraria de sua experiência e buscou-se

assumir o tom mais artesanal, como Benjamin (1994) descreve, dizendo que o

narrador imprime sua marca na narrativa “como a mão do oleiro na argila do vaso”.

(p. 205)

De acordo com Reis (2008), “A narrativa elaborada pelo investigador pretende

realçar e compreender os elementos singulares que configuram a história e não os

elementos comuns dos casos.” (REIS, 2008, p. 23)

Narrativa: professora Bruna

A professora Bruna mora na região norte e compara o seu trabalho ao do

ourives, que transforma pedras raras em jóias valiosas. Miúda e ainda com cara de

adolescente, Bruna sentiu as pernas tremerem como “vara de bambu verde” no

primeiro dia de aula, três anos antes, junto às mesmas turmas com que participou da

Olimpíada.

De lá para cá, tem observado que tanto ela como os seus alunos aprenderam

uns com os outros e mudaram muito. Desenvolveram uma relação de confiança e

respeito, tornaram-se amigos e ela sente saudades antecipadas, sabendo que estão

para se formar. Mas sente-se orgulhosa por ter contribuído com a transformação

daqueles “aborrescentes” em homens e mulheres cidadãos. Afinal, o papel do

professor é desenvolver a consciência e ajudar na formação dos alunos como

agentes na sociedade!

Bruna acredita que não se deve fazer nada apenas por obrigação, que todas

as coisas devem ser feitas por prazer e compromisso consigo mesmo, cada qual

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sujeito da própria história. Foi assim que ela e a turma aceitaram participar da

Olimpíada - era desejo de todos.

Os alunos precisavam pesquisar sobre os temas para escrever seus textos.

Para isso, pediu-lhes que trouxessem jornais, revistas, livros e fizessem buscas

sobre os temas. Como a escola não possuía laboratório de informática e os alunos

não dispunham de recursos, Bruna resolveu ajudar e deu algum dinheiro para que

os grupos fossem às casas de acesso. A escola também colaborou: doou os

disquetes e, depois, imprimiu as pesquisas.

Os alunos começaram a produzir, mas não gostaram de ver os seus escritos

com as correções e sugestões feitas pela professora. Será que não estavam

habituados a isso? Quando Bruna viu que estavam descontentes, conversou com a

turma e eles compreenderam que precisavam do outro para enxergar os próprios

erros e conseguir melhorar.

Ficou feliz quando os professores da escola selecionaram o texto de uma

aluna que havia acompanhado, pois teve parte nas transformações que observou

nela e nos demais alunos.

Narrativa: professora Eva

A Secretaria de Educação de um município da região centro-oeste divulgou a

Olimpíada e a professora Eva se inscreveu. Quando o material chegou, ela

primeiramente quis estudar as orientações e foi começar o trabalho quase no final

do semestre. Recomendou aos alunos que, durante as férias, procurassem questões

polêmicas sobre o lugar onde viviam e conversassem em casa, pois iriam escrever a

respeito.

No reinício das aulas, poucos haviam trazido alguma sugestão. Diziam que o

lugar onde moravam, uma cidadezinha tão pequena, não tinha nenhum atrativo e

nada de polêmico. Então, Eva propôs uma questão que havia sido bastante

discutida algum tempo atrás: o represamento de um rio da região, e pediu que

levantassem opiniões a esse respeito. O assunto foi lembrado pelos familiares e

quase todos escolheram essa questão.

Para Eva, o principal não era ser classificado no concurso. O foco do seu

trabalho foi despertar o aluno para a aprendizagem e conseguir o aprimoramento da

produção de textos, a fim de que se tornassem pessoas bem preparadas. Ela

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procurou ser compreensiva e manter um relacionamento afetivo com a turma por

acreditar que isso favorece um ensino de qualidade.

Solicitou produções e orientou as atividades, tentando incentivá-los, mas

alguns eram mais resistentes. Quando observava desinteresse, conversava com a

turma, chamando-lhes a atenção para valores como o espírito crítico e os objetivos

na vida; depois, retomava as atividades. Animados, mesmo, ficaram com as

questões sociais. E quando houve o debate? Foi aí que todos participaram! Mas o

trabalho envolvia outras atividades – ler, analisar textos, pesquisar, responder a

questões, comparar, grifar, fazer entrevistas...

Eva precisou fazer cópias por conta própria, para que os alunos tivessem

acesso aos textos do Caderno do Professor, pois a escola não possuia

xerocopiadora. Por sua indicação, um grupo de alunos foi conversar com um

vereador, que forneceu mais dados e informações sobre a questão polêmica. Foram

desenvolvendo os conteúdos das oficinas até chegarem à produção final.

Quando a comissão julgadora da escola selecionou o texto de alunos que

haviam se dedicado e, mais ainda, quando chegaram à semifinal, Eva ficou

satisfeita. Viu confirmada sua crença de que o aluno “despertado para a

aprendizagem” torna-se capaz e pode ser reconhecido, mesmo sendo de uma

“cidadezinha qualquer”.

Narrativa: professora Flávia

Antes mesmo que a supervisora a avisasse sobre o concurso, Flavia já tinha

se inscrito na Olimpíada - os seus alunos haviam insistido muito! Quando viu o

material, ficou muito animada, porque pareceu muito bem explicado - saber ao certo

como proceder nas aulas era agradável para ela. Mas ficou preocupada com o

tempo - eram muitas oficinas! Além disso, preocupou-se também com o que os

alunos diriam de tamanho “punhado de textos”. Cabe aqui a pergunta: será que

estavam acostumados a usar poucos textos? A supervisora deixou Flávia à vontade

para trabalhar como quisesse, e ela achou isso ótimo, era justamente o que

desejava.

Ficou admirada quando contou aos alunos sobre a Olimpíada e eles se

interessaram tanto. Pensou que poderia ser por causa da sua empolgação ao falar

com eles. Nesse momento, é como se tivesse tomado o concurso para si,

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esquecendo que os próprios alunos é que pediram para participar – eles já haviam

aceitado o desafio, agora era com ela!

Claro, havia alguns resistentes (poucos), mas, conforme liam os textos das

oficinas, descobriam semelhanças com o que acontecia na vizinhança e logo se

envolveram também. Flávia percebeu o quanto estavam animados quando pediam

para levar os textos para casa, porque queriam mostrar para as suas famílias.

Prestou muita atenção nos alunos - no que faziam, no que diziam, suas

expressões, atitudes; analisou as produções, o que já haviam aprendido e o que

ainda não sabiam. Refletia, por certo fazia registros, eram muitos detalhes! Olhando

os alunos, descobriu do que precisavam, entendeu o que desejavam e percebeu os

caminhos que, juntos, deveriam trilhar.

Ficou encantada ao descobrir que os alunos trabalharam por prazer - uma

raridade! – e ao ver o interesse e empolgação da turma nos debates. Nas primeiras

vezes, foi complicado: todos queriam falar ao mesmo tempo, impor sua opinião, uma

bagunça! Teve aluno que ficou tão exaltado que era até engraçado. Mas muito

melhor ter que “segurar” uma turma agitada e entusiasmada do que tentar extrair

palavras de alunos mudos e desinteressados. Além disso, aos poucos, eles foram

mudando de atitude, aprendendo a ouvir opinião contrária e a argumentar, a

respeitar os outros.

Flávia falou de suas limitações sem dificuldade; foi contando suas

descobertas e de que modo conseguiu chegar a elas. O trabalho aconteceu num

clima de animação contagiante – não se sabe se foi a professora quem “botou fogo”

nos alunos, ou se foram os alunos a “atiçar” a professora – melhor dizer que se

entusiasmaram uns com os outros!

Quando os alunos leram textos escritos por crianças, discutindo sobre

problemas dos lugares aonde viviam, espantaram-se, como que dizendo: Se criança

pode dar palpites sobre essas coisas, nós, adolescentes, também podemos! Os

alunos descobriram que tinham a ver com os problemas do seu lugar e que também

poderiam participar propondo soluções.

Fizeram pesquisas, entrevistas, assistiram a palestras e debates,

participaram, questionaram... Perceberam que, de repente, até conseguiram alguma

mudança – ao menos na conversa, o que já era alguma coisa. Foi quando esteve na

escola um palestrante que vivia da exploração do meio ambiente, preocupado só

com os seus lucros. Notando o choque e desagrado dos alunos com o que dizia, o

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empresário mudou a conversa e também passou a falar do povo. E assim, os alunos

descobriram a força que tinham!

Flávia foi uma professora atenta à sua classe, que deu crédito às

manifestações dos alunos e levou adiante os seus anseios, procurando uma

diversificação de recursos para ensinar, expandindo o trabalho para além da sala de

aula. Os alunos criaram gosto pela leitura e pela escrita ao mesmo tempo em que

fortaleceram a identificação e o sentimento de pertença para com o lugar onde

viviam; também desenvolveram a visão crítica, a consciência e responsabilidade

social. Esse trabalho propiciou inúmeras transformações, tanto nos alunos como na

professora, e todos tiveram seu “espírito de luta” despertado.

Narrativa: professora Leila

A professora Leila, moradora da região nordeste, estava atenta, aguardando

notícias sobre o concurso de Língua Portuguesa, que já conhecia, e ficou animada

quando soube que havia se tornado uma Olimpíada. Estava habituada a usar

sequências didáticas e a ensinar o gênero artigo de opinião, mas gostava de

novidades e aproveitou várias sugestões do Caderno do Professor.

A equipe pedagógica da escola combinou o trabalho - dividiu as turmas e os

gêneros. Leila ficou com uma classe bem conhecida – era o quinto ano consecutivo

que trabalhava com eles. Haviam estudado artigo de opinião anteriormente e

estavam acostumados ao seu modo de ensinar. Tanto que até estranharam algumas

inovações introduzidas. Sempre “de olho” nas dificuldades, nos comentários e na

produção dos alunos, Leila criou um caminho próprio, utilizando o material da

Olimpíada com autonomia.

Não se surpreendeu com as reações ao conversar com a turma: alguns

gostaram da ideia, outros acharam uma bobagem, sem chance alguma. Mas Leila

foi em frente – tinha certeza de que o mais importante era eles aprenderem a

escrever vários gêneros, isto sim, iria fazer diferença na vida de cada um.

Pela sua prática, sabia que o trabalho teria muitos vaivéns e envolvia várias

atividades – era preciso orientar a turma a se organizar. Estavam trabalhando sobre

o tema “A Educação Brasileira” e ela não queria fazer nenhuma mudança repentina.

Encontrou um artigo de opinião justamente sobre o que estavam discutindo, trouxe

para a primeira aula, e assim começaram o “mergulho” no gênero.

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Puseram-se a ler, debater e discutir. Precisavam escolher uma questão

polêmica sobre o lugar onde viviam que fosse bem interessante e importante. Além

disso, Leila queria encontrar uma única questão para todos. Instigou os alunos a

procurar, mas desanimou-se com a sugestão que veio: “Transposição do Rio São

Francisco” – o que isso tinha a ver com eles? Que impasse! Como resolver?

Começou a pensar e se lembrou das palavras de uma formadora sobre o olhar

viciado pela rotina, impedindo de ver o novo. Então, conseguiu compreender o que

estava interessando aos alunos. Concordou com a turma e, juntos, embarcaram

pelas águas do “Velho Chico”.

Bem que desconfiava e acertou: a leitura do artigo de uma aluna de 11 anos,

vencedora de edição anterior, foi uma injeção de ânimo! Os alunos até aplaudiram e,

daí em diante, o trabalho foi ainda mais gostoso. Leila seguiu observando a turma,

para descobrir do que estavam precisando e direcionar as atividades. Solicitou muita

pesquisa e leitura, explorando os textos com perguntas e ajudando a chamar a

atenção dos alunos para as características do gênero.

Havia muita coisa escrita a respeito da questão escolhida, que vinha sendo

debatida há anos. Leila pediu aos alunos para trazerem tudo o que descobrissem e

orientou-os a organizar os textos cronologicamente, do mais antigo ao mais recente,

para que pudessem ler, analisar e discutir. A professora ajudou a resumir os dados e

destacou tópicos na lousa. Pediu aos alunos que escrevessem e usou a leitura em

voz alta para ajudá-los a perceber onde poderiam melhorar. Contudo, de uma coisa

tinha certeza: quanto mais pesquisassem, mais poderiam aprimorar — o

aprendizado não tem fim!

Leila ficou encantada ao perceber que o seu olhar foi ampliado por uma

aluna, que trouxe um novo ponto de vista ao abordar a questão polêmica – o da

responsabilidade social. Também reconheceu que a competência desenvolvida pela

aluna semifinalista não foi resultado do trabalho de um só, mas fruto de um esforço

coletivo. Por fim, a turma toda ficou satisfeita porque os seus textos foram lidos pela

comunidade escolar.

Narrativa: professora Silvia

Todos os cinco professores de Língua Portuguesa da escola se reuniram para

planejar o trabalho e organizar o material de que iriam precisar. Programaram

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reservar todas as aulas, um dia por semana, para atividades da Olimpíada. Claro

que, para isso acontecer, foi preciso mexer com toda a grade curricular. Por sorte, os

professores das outras matérias concordaram, e a escola toda entrou em um ritmo

diferente, que duraria quase três meses.

Responsável por algumas turmas, Silvia levou para as salas o calendário

especial e contou-lhes sobre o concurso, dizendo que participar os ajudaria a

escrever melhor, o que era muito importante. Falou também a respeito da

premiação, do regulamento e, juntos, combinaram as metas: melhoria da escrita e

classificação para a etapa final! Seria uma meta ambiciosa? Talvez, mas os

professores haviam se organizado para alcançá-la e estavam confiantes.

Alguns alunos não gostaram da ideia de ter que escrever - prefeririam provas.

Silvia, porém, ficou firme, insistiu na importância de aprenderem a escrever bem, o

que, para ela, envolvia respeito à coerência, pontuação, cuidado na escolha das

palavras. Entregou-lhes alguns textos do Caderno do Professor para que lessem e

analisassem. Pelos comentários, viu que precisavam de maior familiaridade com o

gênero. Pediu-lhes que trouxessem de suas casas artigos de opinião publicados em

jornais e revistas e, desse modo, passaram a trabalhar sobre assuntos que

circulavam na mídia nacional e internacional, bem como sobre questões do

município.

As atividades se concentraram na leitura partilhada e comentada, para que os

alunos sentissem mais segurança e pudessem escrever o texto com mais

propriedade. Quando chegou o momento, Silvia pediu que cada um escrevesse o

seu texto individualmente. O trabalho, que semanas antes havia começado com a

distribuição de textos para leitura, terminou com a professora recolhendo as

produções finais e pedindo aos alunos que escrevessem um relatório das atividades

e uma avaliação dos resultados, tendo em vista os objetivos que tinham combinado

no início.

Silvia incluiu a citação de alguns trechos do relatório dos alunos para mostrar

que eles avaliaram bem as atividades. Além dos resultados positivos, foi importante

para eles ter uma colega semifinalista, pois ajudou-os a acreditar mais em seu

potencial. Ela também achou que, com a maioria da turma, o trabalho atingiu os

objetivos definidos inicialmente e foi produtivo - afinal, conseguiram a classificação!

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4. DISCUSSÃO A seguir, serão discutidos os resultados obtidos por meio dos procedimentos

de análise, iluminados pelos autores eleitos para acompanhar este trabalho, cujas

ideias ajudaram a ampliar e aprofundar a compreensão do que foi encontrado.

Foram incluídos trechos dos depoimentos escritos pelos professores como

ilustração.

O caminho escolhido neste estudo, de análise das narrativas à luz do método

fenomenológico, possibilitou compreender a experiência de ensinar vivida por esses

professores. Narrativa e experiência estão profundamente interligadas. Para

Benjamin, a narrativa está assentada na experiência, e é por meio da palavra que o

outro, a quem se dirige o narrador (há sempre um outro, seja ele o ouvinte ou o

leitor), entra em contato com a experiência de quem narra. De acordo com Lafer

(2007), a narrativa e a experiência são, para Arendt, caminhos para a compreensão.

Cunha (1997), que reflete a respeito do uso de narrativas em Educação

assume o pressuposto de que “trabalhar com elas na pesquisa e/ou ensino é partir

para a construção/desconstrução das experiências do professor”. Mais adiante,

ressalta a influência recíproca entre narrativa e experiência, uma produzindo a outra.

O trabalho com narrativas das professoras implica no reconhecimento de

suas experiências como memoráveis e valiosas, merecedoras de reflexão, análise e

compreensão, ficando a salvo do esquecimento.

Primeiramente, deseja-se destacar que os depoimentos analisados revelaram

professores que se dedicaram a ensinar seus alunos e, para isto, prepararam-se,

estudando o “Caderno”, planejando atividades, organizando cronogramas,

providenciando material para as aulas.

“No início do mês de junho recebi o Caderno de orientações e após ler tais orientações comecei o trabalho com os alunos, o qual se deu no dia 21/06/2008.” (Eva) “Quando recebi o material fiquei feliz e juntamente com a equipe pedagógica da escola dividimos as turmas e os gêneros textuais com os respectivos professores.” (Leila) “[...] marcamos uma reunião pedagógica com todos os professores de Língua Portuguesa da nossa escola [...] Foram feitas algumas anotações e confeccionamos e selecionamos o material que possivelmente seria usado nas atividades e no decorrer dos trabalhos nas oficinas. Organizamos um calendário de atividades conforme as aulas dos professores nas turmas.” (Silvia)

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Quando julgaram necessário, envolveram-se pessoalmente, contribuindo com

recursos próprios para superar a limitação das escolas e garantir que o trabalho

ocorresse da melhor maneira possível.

“A escola não tinha ainda instalado o laboratório de informática, portanto, não tínhamos acesso à internet... [...] alguns alunos não tinham dinheiro para ir a uma casa de acesso1, por essa razão decidi dar para cada grupo dois reais para pesquisarem nos dois primeiros dias de oficina. [...] Lendo os textos de cada um percebi que eles precisavam mais de fonte de pesquisa e dei mais cinco reais para cada grupo voltar à casa de acesso para pesquisarem novamente a respeito dos temas.” (Bruna) “Encontrei dificuldades em oferecer-lhes materiais, pois a escola não possui xerocopiadora, então tive que xerocar por conta própria os textos recomendados no Caderno de orientações.” (Eva)

Empenharam-se em observar atentamente os alunos e avaliar suas

produções para direcionar seus passos, de acordo com as necessidades

identificadas. Propuseram atividades variadas, trabalhando com a leitura, análise e

discussão sobre textos, orientaram antecipando dificuldades, fizeram a mediação

ajudando a sistematizar o conhecimento. Para Arendt, ao ensinar, o professor

demonstra respeito e acolhimento pelos seus estudantes, não os abandonando aos

próprios recursos, mas provendo condições para que a aprendizagem, de fato,

ocorrra. Foi isso o que se observou nos depoimentos – professores dedicados a

ensinar seus alunos.

“Vendo que a colocação feita pelos alunos estava bastante diferenciada, decidi que deveria trabalhar bastante com a leitura e análise de artigos já publicados em jornais e revistas pelo fato dos meus alunos terem pouco contato com esse gênero de texto até então.” (Silvia) “Orientei-os que numerassem todo o material que iriam receber, prevendo que seria um trabalho de idas e vindas, ver e rever informações. [...] Procurei direcionar sintetizando as informações e topicalizando-as na lousa para que pudessem ser usadas na construção dos argumentos no futuro. [...] Atentei que em sua maioria traziam a polêmica, tentavam posicionar-se, no entanto, não tinham informações suficientes para estruturarem seus argumentos, havia erros de ortografia entre outros, acredito que este último fato se deu também porque não houve reescrita dos textos.” (Leila) “Após a produção do texto, li e fiz observações orais em cima da escrita acrescentando e, ou, retirando abordagens conforme as orientações do Caderno. [...] As atividades desenvolvidas (...) foram tanto orais quanto escritas: aula expositiva, conversas, diálogos, debates, entrevistas, pesquisa, resolução de questionamentos, bem como escrita e reescrita de textos até chegar ao texto final.” (Eva) “Notei que (...) sabiam argumentar com coerência para defender suas opiniões, também souberam diferenciar bem notícia de artigo de opinião, mas tiveram dificuldade para identificá-lo em jornais, talvez pela falta de intimidade com esse veículo de comunicação. [...] a aluna [...] nos falou que nunca

1 Casas de acesso, também conhecidas por “lan house” (nota da pesquisadora).

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produzia os textos que as professoras pediam, faz pouco tempo que começou, achava que escrevia mal, por isso não gostava. Agora, com as oficinas, está mais confiante.” (Flávia)

Cabe ao professor, tendo como referência o currículo oficial, selecionar os

conteúdos em que irá se deter com seus alunos. Ao focar a escrita, os professores

deste estudo investiram no ensino de uma importante tradição, parte de nosso

legado cultural, desenvolvida e acumulada ao longo de milênios. Estavam

convencidos da importância de que seus alunos soubessem escrever bem, por

muitos motivos, e alguns chegaram a apontar a importância social da escrita.

“(...) frisei também que o mais importante não era ser classificado, mas sim, aprimorar a produção de textos e se tornarem pessoas mais bem preparadas.” (Eva) “(...) falei a respeito da premiação e salientei considerando a participação dos alunos a importância de escrever bem, obedecendo à coerência textual, a pontuação, etc. [...] eu insistia em colocar a importância de escrever bem.” (Silvia) “(...) eu não queria convencê-los a participar das oficinas só porque o artigo de opinião é um gênero geralmente cobrado nos vestibulares, vendo a proposta de forma utilitária ou simplificando-a a ponto de só pensarem no prêmio, mas que entendessem a escrita dos gêneros como um aprendizado que permeia toda a vida social.” (Leila) (grifo nosso) “Com as oficinas também aprenderam (...) o gosto pela leitura e escrita, trabalharam com prazer, o que na maioria das vezes é bem difícil.” (Flávia)

De acordo com Arendt, ao promover a aproximação entre os jovens e o

patrimônio cultural para que possam dele fruir e venham a assumir a sua proteção e

renovação, a educação cumpriu o seu papel.

O gênero textual ensinado foi o artigo de opinião2, que parte de uma questão

polêmica em torno da qual diferentes pontos de vista se confrontam, reunindo cada

qual argumentos favoráveis e contrários. Para escrever um artigo, é preciso

compreender e apresentar as várias posições, fazer ponderações, posicionar-se,

antecipar e rebater possíveis críticas. Aprender a escrever artigos de opinião, a

argumentar e contra-argumentar é uma ocasião para exercitar a multiplicidade de

perspectivas, a fim de descobrir que tudo pode ser olhado sob diferentes pontos de

vista e se dar conta de que, conforme Arendt, ninguém é capaz de ter “um ponto de

2 Segundo o “Caderno”, “O objetivo do artigo de opinião é apresentar uma posição e argumentar, mostrando aos leitores porque devem concordar com o autor; por isso, o tom é de convencimento” (GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloisa. Pontos de Vista – Caderno do Professor, orientação para produção de textos. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008, p. 13.)

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vista absoluto e absolutamente verdadeiro”3. Ler, analisar e discutir os artigos de

opinião, orientados por uma professora que procurou instigar a curiosidade, e

participar dos debates, foram oportunidades para que os alunos percebessem a

diversidade de opiniões e desenvolvessem a visão crítica.

“Levantamos inicialmente as discussões e várias incógnitas surgiram. Seria culpa do governo? Os nordestinos não queriam? Os ambientalistas? Seríamos ou não beneficiados? [...] Mais uma vez analisamos levantando as seguintes questões: o que levou a autora a escrevê-lo? Seu posicionamento? Seus argumentos? As soluções prováveis levantadas por ela? Seu objetivo? E quem seria o público alvo?[...] (...) quando li a produção final (...) verifiquei que ela conseguiu ver não com os olhos acostumados como os meus estavam até então. Um olhar novo (...) não apenas como um sim ou um não, mas como uma questão de responsabilidade social de cada brasileiro (...)” (Leila) “Quanto aos debates, principalmente o primeiro foi meio desorganizado, alguns falaram ao mesmo tempo, outros queriam impor suas opiniões e ficavam nervosos com os colegas, [...] mas foi bom, diria até muito bom [...] pelos resultados apresentados nos textos escritos e também em suas atitudes nas aulas, acho que passaram a se sentir mais seguros. (...) foi, com certeza, mais fácil orientá-los para os próximos debates [...] Com as oficinas também aprenderam a ter uma visão crítica perante os textos jornalísticos (...)” (Flávia)

O tema – O lugar onde vivo – atraiu a atenção para o seu meio e propiciou o

olhar para a própria realidade, provocando, em muitos, o despertar de uma visão

crítica, a preocupação com o meio ambiente e o compromisso com suas

comunidades. Professora e alunos debruçaram-se sobre “O lugar onde vivo” de

modo a ampliar a consciência e superar um estado de alienação e indiferença aos

assuntos comuns, passando a se sentirem implicados com sua realidade e a

perceberem a necessidade de participar, discutir e contribuir com soluções. O

sentimento de pertencer a um mundo que precisa ser cuidado e protegido foi, assim,

avivado.

Conforme Arendt, o amor ao mundo se expressa por assumirmos a

responsabilidade por sua conservação e renovação, e por evitar que as instituições

políticas e as leis sejam modificadas em benefício de interesses privados.4

“[...] percebi que a preocupação do jovem com o meio ambiente é grande, era visível a revolta de muitos deles, quando viam os buracos enormes deixados pelas pedreiras em nossas serras, mas ao mesmo tempo, muita empolgação ao discutir e propor soluções não só para esse problema de nossa região, mas também para outros.” (Flávia) (grifo nosso) Disse um aluno: “ ‘Com esse tema, voltamos a nossa atenção para uma coisa que sabíamos que estava acontecendo, mas fingíamos que o problema não

3 Citada por Critelli, [2008], p. 77. 4 Citado por Duarte ([2008], p. 86)

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existia, ou que não tínhamos nada a ver com ele.’ ” (...) Lendo os textos, diz ele: “ ‘via outras crianças e jovens participando dos problemas de seus municípios percebi que tinha que fazer o mesmo.’ ” (Flávia) “Com as oficinas (...) além de adquirirem consciência e responsabilidade social, compreenderam a força que eles, os jovens, possuem dentro do meio social em que vivem (...)” (Flávia) “(...) quando li a produção final de [...], pois verifiquei que ela conseguiu ver não com os olhos acostumados como os meus estavam até então. Um olhar novo, que viu a questão (...) não apenas como um sim ou um não, mas como uma questão de responsabilidade social de cada brasileiro, algo a ser entendido de forma séria e consciente.” (Leila)

A educação prepara a criança e o jovem para a condição adulta e deve ter um

fim previsível, provavelmente coincidindo com o término do Nível Médio, visto que os

estudos universitários ou profissionalizantes já não têm a finalidade de introduzir o

jovem ao mundo. (ARENDT, 2005, p. 233, 235, 246). Os alunos que participaram

deste estudo estavam cursando o 2º e 3º anos do Ensino Médio, ou seja, estavam

concluindo a fase de educação. Conforme Duarte, estudioso da obra de Arendt, a

educação não pode estar totalmente exposta à esfera pública, nem se fechar

completamente no domínio privado; deve manter “um espaço de independência e

autonomia em relação ao mundo”, para poder cumprir com a difícil tarefa de formar

os novos seres a fim de que se tornem, gradativamente, responsáveis pela

preservação e inovação desse mundo. (DUARTE, [2008], p. 87).

Foi possível observar que a escola, instituição interposta entre o domínio

privado e o público, contribuiu para introduzir os jovens no interesse pelo mundo

público em um contexto protegido. Na sala de aula, a professora tinha condições de

debater as questões e estimular os alunos a refletir. Descobriram que é preciso

cuidar do mundo e protegê-lo das investidas dos ganhos de capital a serviço de

alguns, pois existem interesses comuns às pessoas, que prevalecem aos interesses

particulares.

“Foi interessante e prazeroso notar que os alunos não ficaram passivos, questionaram bastante. Um dos empresários cometeu um ‘vacilo’ que foi muito comentado pelos alunos, a aluna [...] nos disse, em sala ‘Foi o que mais me chocou, durante essa palestra’. O Empresário falou em certo momento, referindo-se ao fechamento das pedreiras ‘E o meu prejuízo? E o meu dinheiro? Quem vai me ressarcir?’ só lembrando-se de falar do povo depois de ver o efeito dessas palavras nas expressões dos alunos.” (Flávia) (grifo nosso) “Uma das alunas, a [...], contou-nos que mudou a sua opinião sobre o assunto depois das pesquisas realizadas, antes só se preocupava com o que afetasse a ela e a sua família.” (Flávia) (grifo nosso)

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Para Arendt, o pensamento e a reflexão são condições para a autoria da

própria vida. Diz Critelli, outra estudiosa de Arendt, que a autoria da vida requer que

o homem seja espectador dos próprios atos e “possa se distinguir de si mesmo,

conversar consigo mesmo como um outro conversaria com ele.” (CRITELLI, [2008],

p. 82). Ao escrever seus depoimentos, as professoras foram convidadas a relembrar

e a narrar o que viveram. Alguns depoimentos analisados destacaram-se por

explicitar as suas reflexões e descobertas bem como de seus alunos, por vezes, por

elas provocados.

“Observando agora esse processo, com certa distância temporal, compreendo que (...)” (Leila) (grifo nosso) Indicando ao leitor que uma descoberta iria se processar: “Só não tínhamos ideia do que iria acontecer, não era apenas uma questão de ser contra ou a favor.” (Leila) “ ‘Como vou apresentar para eles este material, com este ‘punhado’ de textos?’ Sempre me perguntava. [...] Quanto ao fato de como os alunos receberiam a proposta de trabalho das oficinas, percebi que tinha mais a ver comigo do que com eles. [...] Os poucos que resistiram, assim que começaram o contato com os textos, mudaram de idéia, porque começaram a perceber que em quase todos que liam, conseguiam relacionar o tema com alguma situação parecida da nossa região. [...] (...) isso despertou neles (não sei se é bem o termo) um espírito de luta. E para ser bem sincera, em mim também.” (Flávia) (grifo nosso) “(...) os alunos estavam tristes, porque viram as correções e os ajustes feitos por mim nos textos escritos por eles (...) senti que era preciso conversar com a turma (...) falei-lhes que errar faz parte do aprender e compreender o mundo que nos cerca, tudo que fazemos não acertamos pela primeira vez (...) Por um momento nós ficamos em silêncio e este foi quebrado pela fala do [...] que disse: ‘agora entendo o porquê do meu erro, eu pensava que estava sozinho, e sozinho eu não vejo os meus erros, pois eu preciso que o outro observe o que eu faço e me aconselhe a acertar, obrigado.’ Fiquei feliz porque eles compreenderam o que eu quis dizer para eles.” (Bruna) (grifo nosso)

Esses foram os principais aspectos que se desvelaram para a pesquisadora

até o momento. Muito mais poderia ser explorado nos depoimentos, com base nos

autores citados e com o auxílio de outros, expandindo a compreensão, que se

desdobra e multiplica infinitamente. Para encerrar este trabalho, seguem-se algumas

considerações da pesquisadora.

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5. Considerações finais

A pesquisa, muitas vezes, é a elaboração de elementos diversos e difusos da teoria e da experiência, elaboração construída em torno de um fenômeno. Nesse sentido, uma pesquisa concluída é o relato do percurso de um pesquisador ou de um grupo.1 (SCHMIDT, 1990)

Nestas palavras de encerramento, reassumo o tom pessoal da abertura, para

falar de minha experiência no decorrer da realização deste estudo. Creio que o tom

formal, adotado nas partes centrais para cumprir com exigências acadêmicas,

ajudou-me a manter presente os princípios da pesquisa em fenomenologia (citados

no item 3.4.1).

Sinto a necessidade de retomar com o leitor, sem abusar de sua paciência, a

história do ponto em que paramos na apresentação inicial – onde eu contava a

respeito das idas e vindas e das orientações recebidas da banca de qualificação.

Quero registrar que o vaivém continuou. Parece próprio de trabalhos que

envolvem o pensamento (e não seria próprio da vida?) caminhar de maneira

irregular, inconstante, não linear, quando desejaríamos apenas avançar e progredir.

Alguns retrocessos e extravios são inevitáveis, está aí algo com o que temos que

nos conformar. Seria isso “aprender a negociar com a vida” que, segundo ouvi, Joel

Martins recomendava?

Vivi uma alternância entre o sei-e-não-sei por onde ir. Em muitos momentos,

senti-me entrando em espaços mal iluminados (Ai, que medo, cadê a coragem? Ai,

que curiosidade!) e foi preciso caminhar às apalpadelas. De repente, um beco sem

saída... Recomeço a andar e eis uma clareira! — lembrando de Critelli.

Sugestões da banca foram acolhidas como conselhos, no sentido

benjaminiano — possibilidades para a continuação da história, sugeridas por quem

está habituado a se mover na floresta. Gostaria de citar aqui as palavras de um

aluno da professora Bruna, que vêm a calhar: “(...) sozinho eu não vejo os meus

erros, pois eu preciso que o outro observe o que eu faço e me aconselhe a acertar,

obrigado.” Obrigada, digo eu.

1 SCHMIDT, M.L.S. (1990) A experiência de psicólogas na comunicação de massa. Tese de doutorado não-publicada, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, apud DUTRA (2002, p. 372)

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Mas o que era mesmo que estava tão claro para eles? Custei a entender

alguns pontos. Reorganizar o texto era uma operação muito delicada, que receava

empreender sem refletores (luz e reflexão). Foi preciso o empurrão carinhoso da

orientadora e a premência do tempo... que se aproximava rapidamente, enquanto eu

caminhava lentamente (e, como já disse, nem sempre avançando)... Descobri que o

tempo não se apressa, mas também não espera, e, quem sabe de vez em quando,

eu possa correr, se conseguir... Vem de novo o “negociar com a vida”...

Diria que o meu fio de Ariadne foi a fenomenologia – a postura do

pesquisador e os procedimentos metodológicos, que orientam o zelo pelo rigor na

pesquisa, pela ética, pelo respeito ao outro, por si mesmo e pelo mundo. Foi a

âncora que me permitiu voar, presa ao que viveram as professoras. O pensamento

de Arendt também foi inspirador e instigador, ajudou a pensar e a reaprender a

pensar, como diria Critelli.

Demorei a enfrentar o doutorado (passaram-se mais de vinte anos do

mestrado) e tinha uma certeza: deveria trabalhar sobre um tema de que gostasse

muito. Vale o esforço em investigar e compreender algo de interesse menor? Ao

realizar este trabalho, aprofundei meu amor e respeito pelo ofício do professor,

representante do mundo, nos dizeres de Arendt, com a importante tarefa de

apresentá-lo aos jovens. Amor também pelo que aprende, pois reconhece que não

sabe, mas deseja e procura o conhecimento.

Observo que as constelações que se configuraram para mim, que procurei

demonstrar todo o tempo estarem presentes nos depoimentos das professoras,

também têm a ver comigo. Não me refiro apenas ao modo de ensinar, modo de

aprender, que me interessam particularmente. Mas que pensar quando eu mesma,

cheia de dúvidas, em busca de clareiras, detenho-me sobre as dúvidas, apreensões

e dificuldades enfrentadas pelas professoras e suas soluções?

Para finalizar, trago aqui as palavras da professora Leila, que parecem ter

sido escritas para mim: “depois de todas as leituras, discussões de idas e vindas,

chegamos a um ponto que parece ser a produção final, mas que a cada dia pode ser

renovada, segundo as perspectivas novas que se abrem quando pesquisamos.”

Este trabalho termina, mas a caminhante prossegue seu percurso e, certamente, ao

olhar para o que fica para trás, terá novas visões.

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REFERÊNCIAS

AMARAL, Heloisa. Na prática a teoria é outra? Na Ponta do Lápis. São Paulo: ano III, n. 5, p. 14-15, abr. 2007. ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: ______. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, [1954] 2005. BENJAMIN, Walter. O narrador. In: ______. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. A crise na educação como crise da modernidade. Educação - Biblioteca do Professor. São Paulo, n. 4, p. 16-25, [2008]. CLANDININ, D. Jean, CONNELLY, F. Michael. Teachers´ professional knowledge landscapes. New York: Teachers College Press, 1995. CRITELLI, Dulce. A condição humana como valor e princípio para a educação. Cadernos Cenpec. São Paulo, n. 2, p. 43-48, 2006. ______. Analítica do Sentido. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. ______. O ofício de pensar. Educação - Biblioteca do Professor. São Paulo, n. 4, p. 74-83, [2008]. CUNHA, Maria Isabel da. Conta-me agora!: as narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino. Rev. Fac. Educ. São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan./dez. 1997. DUARTE, André. Pensar e agir por amor ao mundo. Educação - Biblioteca do Professor. São Paulo, n. 4, p. 6-15, [2008]. ______. Educação: entre a tradição e a ruptura. Educação - Biblioteca do Professor. São Paulo, n. 4, p. 84-90, [2008]. DUTRA, Elza. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estudos de Psicologia. v. 7, n. 2, p. 371-378, 2002. FRANCISCO, Maria de Fátima Simões. A educação num mundo à deriva. Educação - Biblioteca do Professor. São Paulo, n. 4, p.26-37, [2008]. GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloisa. Pontos de Vista – Caderno do Professor, orientação para produção de textos. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008. GOMES, Isabel. Introdução; Teoria da interpretação: o sentido do texto. In: RICOEUR, Paul. Teoria da interpretação. Porto: Porto, 1999.

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89

LAFER, Celso. Experiência, ação e narrativa: reflexões sobre um curso de Hannah Arendt. Estudos Avançados. São Paulo, v. 21, n. 60, p.289-304, ago. 2007. LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Brasileira de Educação. n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002. MARTINS, Joel. Psicologia da Cognição: como fazer fenomenologia. In: ______. e DICHTCHEKENIAN, M.F.S.F.B. (orgs.) Temas fundamentais de fenomenologia. São Paulo: Moraes, 1984. MARTINS, J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes, 1989. MASINI, Elcie F. Salzano. Algumas noções sobre a fenomenologia para o pesquisador em Educação. Revista da Faculdade de Educação (USP). São Paulo: v. 19, n. 1, p. 71-78, 1993. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Regulamento e Ficha de inscrição. São Paulo: Cenpec/Fundação Itaú Social, Brasília: MEC, 2008. REIS, Pedro Rocha dos. As narrativas na formação de professores e na investigação em educação. Nuances: estudos sobre Educação. v; 15, n. 16, p.17-34, 2008 RICOEUR, Paul. Do texto à acção. Porto: Rés, [1989]. ______. Teoria da interpretação. Porto: Porto, 1999. SZYMANSKI, Heloisa. A prática reflexiva em pesquisas com famílias de baixa renda. In: Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos, 2., 2004, Bauru. Anais eletrônicos... São Paulo: Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativa, 2004. Disponível em: <http://www.sepq.org.br/IIsipeq/anais/pdf/gt1/06.pdf> Acesso em: 5 mar. 2010. ______. Práticas educativas familiares e o sentido da constituição identitária. Paideia. Ribeirão Preto, v. 16, n. 33, p. 81-90, 2006. ______. (org.); ALMEIDA, L. R.; PRANDINI, R.C.A.R. A Entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva. 2. ed. Brasília: Liber Livro, 2008. .

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APÊNDICE A

Fonte: Relatório anual de atividades da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, 2008.

Quadro 1 – Número de semifinalistas, finalistas e vencedores por categoria, estado e região

* Cidade-polo é a que sediou o Encontro Regional, reunindo alunos e professores dos estados abrangidos. Observações: 1. Na cidade-polo de São Paulo reuniram-se alunos semifinalistas em Poesia (26), Memórias literárias (169) e Artigo de Opinião (114) com os respectivos professores, num total de 618 pessoas (309 alunos e 309 professores). 2. A quantidade de vagas para semifinalistas e finalistas foi definida de acordo com o índice de participação de cada estado, ou seja, as vagas foram distribuídas de maneira proporcional ao número de textos recebidos pelos organizadores por gênero e por estado.

Regional Cidade-polo*

Estados abrangidos Categoria

Semifinalistas Finalistas Vencedores

alunos profs. alunos profs. alunos

professores

(Relatos de

Prática)

Norte Belém AC, AM, AP, PA, RO, RR, TO

Poesia

21 11

5

1

Sudeste II

Belo Horizonte ES, MG, RJ 40 9 1

Sul Curitiba PR, RS, SC 42 10 1

Nordeste I Fortaleza CE, MA, PI,

RN 34 9 1

Centro-Oeste Goiania DF, GO, MS,

MT 19 7 1

Nordeste II Recife AL, BA, PB,

PE, SE 35 10 1

Sudeste I

São Paulo

SP 26 5 1

Nacional

AC, AL, AM, AP, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PA, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RS, RO, RR, SC, SE, SP, TO

Memórias literárias 169 49 5 7

Artigo de Opinião 114 39 5 7

TOTAL 500 150 15 21

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APÊNDICE B - Informações suplementares sobre a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro

Em 2008, ocorreu a 1ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLP), fundamentada no Programa Escrevendo o Futuro (PEF), que foi criado com o objetivo de colaborar para a melhoria do ensino da leitura e da escrita nas escolas públicas brasileiras. O PEF, coordenado por uma organização do terceiro setor, com o apoio de uma fundação empresarial, ao estabelecer parceria com o Ministério da Educação (MEC) transformou-se na Olimpíada, incluída como uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação.

Desde 2002 o PEF promovia um concurso de textos com periodicidade bienal e destinado a estudantes do quinto e sexto anos do Ensino Fundamental. Em 2008, a OLP ampliou a participação para alunos de seis anos escolares, incluindo o oitavo e nono anos do Ensino Fundamental, bem como o segundo e terceiro anos do Ensino Médio, organizados em três categorias, conforme o quadro abaixo:

Categoria Gênero Ano escolar Nível de ensino

I Poesia 5º. e 6º. anos Fundamental II Memórias literárias 8º. e 9º. anos Fundamental III Artigo de opinião 2º. e 3º. anos Médio

O concurso, de abrangência nacional, tem contado com participantes em todos os Estados brasileiros e um número crescente de inscrições de uma edição para a outra. Em 2008 inscreveram-se 130.650 professores e 55.570 escolas situados em 5.440 municípios brasileiros.

Para os organizadores do programa, o concurso de escrita constitui um evento mobilizador – um atrativo – que enseja formação do professor pelo envio do material orientador aos inscritos. Outras estratégias de formação a distância utilizadas pelo programa são: elaboração de uma revista periódica (2 a 3 números por ano), enviada aos professores inscritos; vídeos educativos, distribuídos para as escolas inscritas; manutenção de uma comunidade virtual de aprendizagem, aberta a todos os interessados, com artigos, reportagens, fórum de debates, links e cursos on-line.

O tema do concurso foi “O lugar onde vivo” e o material de apoio recomendava que a produção textual fosse embasada em levantamento de dados, informações e opiniões, pesquisas e enquetes sobre o assunto que o educando desejava escrever, em entrevistas com pessoas da comunidade, visitas a lugares e instituições, leitura de jornais e documentos etc. A expectativa dos organizadores era a de que pesquisar e escrever sobre o lugar onde vivem favoreceria o fortalecimento do vínculo dos educandos com sua realidade, o sentimento de pertença e de compromisso com o território.

Para que os alunos pudessem participar da OLP em 2008, era necessário que o professor e diretor da escola se inscrevessem e que o gestor da rede à qual a escola pertence assinasse um termo de adesão. Assim, se a escola era da rede estadual, o Secretário Estadual de Educação deveria assinar o documento; se era da rede municipal, caberia ao Prefeito e/ou o Secretário Municipal de Educação fazê-lo, para a inscrição ser validada.

O programa se desenvolve em etapas e requer a realização de comissões julgadoras no âmbito da escola, município, Estado, região e país. Os encontros regionais reuniram os semifinalistas por gênero durante dois dias em que foram realizadas oficinas e atividades em grupos separados de professores e de alunos, ou todos juntos. Os professores participaram de formação presencial e os educandos receberam orientação para aprimoramento das suas produções, além de escreveram um novo texto, com o qual as comissões julgadoras poderiam se certificar da autoria, mediante a comparação entre diferentes produções escritas.

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O trabalho das comissões julgadoras regionais era realizado simultaneamente aos encontros para selecionar os textos dos estudantes finalistas, e ao término de cada encontro foram apresentados os resultados da seleção, num total de 150 nos três gêneros. Posteriormente, uma comissão julgadora nacional selecionou os 15 vencedores, sendo cinco por gênero, apresentados em um evento que reuniu todos os finalistas em Brasília.

Quanto aos relatos de prática entregues pelos professores de alunos semifinalistas (217 alunos no gênero Poesia; 169, em Memórias literárias; 114, em Artigo de opinião), foram avaliados na etapa regional por comissões julgadoras específicas que selecionaram um por polo e por gênero textual ensinado, num total de 21 professores vencedores em todo o Brasil, divulgados ao término dos encontros regionais. A premiação de relatos de prática e a seleção dos finalistas são processos independentes, podendo ocorrer o fato de o texto escrito pelo aluno de um professor com relato premiado não ser selecionado como finalista e vice-versa. Na 1ª. edição da OLP, dos sete professores com relato premiado (ensino do gênero Artigo de opinião), apenas três tiveram os seus alunos selecionados para a etapa final e nenhum deles chegou a ser vencedor nacional.

No Apêndice C, encontra-se um esquema com as etapas do programa e os números de envolvidos na 1ª. edição. Estão destacadas com moldura azul as atividades realizadas com a participação de alunos e professores, como as oficinas nas escolas. No caso das oficinas regionais e do encontro nacional, que além de professores e alunos, envolvem outros atores, a moldura tem o tracejado azul. As atividades de responsabilidade exclusiva dos organizadores estão com moldura verde e, com moldura preta, as que envolvem a participação de grupos diversos como as comissões julgadoras, que contam com a colaboração de representantes das Secretarias de Educação, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), de educadores, jornalistas, escritores e outros.

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APÊNDICE C – Figura 1: Esquema das etapas do programa e número de envolvidos em 2008

Legenda das molduras da Figura 1 (p. 94):

• azul: atividades que envolvem a participação de alunos e professores; • azul tracejada: atividades que envolvem a participação de alunos e

professores e outros atores; • verde: atividades a cargo dos organizadores; • preta: atividades que envolvem grupos diversos; • preta pontilhada: informações sobre números alcançados na 1ª edição.

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−fev. Divulgação na mídia

Assinatura do Inscrição: Termo de Adesão: professor e diretor SEE, SME (rede pública)

Envio de material educativo p/ professores inscritos OFICINAS com os alunos nas escolas

Comissão Julgadora Escolar: −ago. seleção de 1 texto/gênero

por escola inscrita

Comissão Julgadora Municipal:

−set. seleção de x textos/ gênero em qtdd. proporcional ao no. de escolas que enviam textos válidos

Cadastramento dos textos,

organização dos lotes de textos para avaliadores, definição n°. vagas/UF

Comissão Julgadora Estadual: −out. seleção x textos/gênero em quantidade

proporcional ao n°. de municípios participantes/UF → 500 semifinalistas

Comissão Julgadora Regional: −nov. Oficinas Regionais em 7 cidades-polo com a participação dos 500 semifinalistas

e seus professores: seleção de x textos/gênero/polo → 150 finalistas; seleção de 21 relatos de prática de professores (1/gênero/polo)

Comissão Julgadora Nacional −dez. evento de premiação em Brasília, com a participação

dos 150 finalistas, seus pais, professores e diretores → 15 vencedores (5/gênero)

Nas cidades-polo reuniram-

se de 1 a 27 Estados,

conforme a categoria (ver

Quadro 1 – Apêndice A).

Em 2008: adesão de 4.529

municípios

Em 2008: inscrição de 55.570 escolas públicas e 130. 650 professores

Estimativa de 6 milhões de

alunos participando

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APÊNDICE D - Correspondência enviada aos professores

São Paulo, 01 de junho de 2009

Ao(À) Prof(a). .................................................................... Prezado(a) Professor(a), Sou aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Educação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e faço parte da equipe técnica da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. A direção do Cenpec permitiu que me dirigisse aos professores finalistas da 1ª. edição tendo em vista que pretendo realizar uma pesquisa com base nos relatos de prática pedagógica para a minha tese de doutorado, que tem por objetivo compreender como os professores desenvolveram as práticas de ensino da escrita com alunos que chegaram à etapa finalista de um concurso de textos – a Olimpíada. Assim, estou entrando em contato com você e com outros professores finalistas do gênero Artigo de Opinião a fim de solicitar autorização para analisar os relatos de prática entregues durante o Encontro Regional da Olimpíada realizado em São Paulo, em novembro de 2008. As diversas formas que os professores trabalharam para que seus alunos produzissem textos de reconhecida qualidade poderão contribuir para a melhoria do ensino da escrita de outros professores. Os dados e resultados do estudo serão apresentados de modo a garantir o sigilo e privacidade dos envolvidos - professores, alunos, escolas e comunidades. Quero também ressaltar sua liberdade para decidir se deseja ou não participar desta pesquisa, bem como, assegurar que mesmo tendo aceitado, poderá vir a retirar sua permissão, o que não implicará em qualquer espécie de penalização ou prejuízo para você. Caso esteja de acordo que seu relato de prática faça parte desta pesquisa, peço-lhe que leia com atenção o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” anexo, preencha e assine uma das vias, guardando a outra com você, coloque no envelope selado (anexo), depositando-o em qualquer agência de correio tão breve possível. Com esse documento poderei solicitar à coordenação da Olimpíada permissão para xerocopiar o seu relato e de todos os que autorizarem. Quando o estudo estiver concluído, terei prazer em informar sobre os resultados aos participantes. Se desejar quaisquer esclarecimentos, queira entrar em contato pelo telefone da Olimpíada: 0800-7719310 (ligação gratuita) ou por e-mail: [email protected]. Desde já agradeço sua atenção e agilidade em responder. Atenciosamente, Maria Tereza Antonia Cardia Matrícula PUC-SP n° 07.100.951

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APÊNDICE E - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

AUTORIZO a utilização do meu relato de prática entregue durante o Encontro

Regional à coordenação da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro

em novembro de 2008, em São Paulo (SP), para fins da pesquisa sobre “Relatos de

prática de ensino da escrita”, para a tese de doutorado de Maria Tereza Antonia

Cardia, aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Educação da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Estou ciente que o estudo será divulgado de modo a preservar o sigilo e a

privacidade dos envolvidos (professores, alunos, escolas, comunidades) e que, se

desejar, poderei retirar este consentimento sem sofrer qualquer tipo de penalização

ou prejuízo.

Data: .........../.............../2009.

Local: ................................................................................................................... (município e estado)

Assinatura: ...........................................................................................................

Nome:...................................................................................................................

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Participantes deste estudo: 5 professores

dos alunos finalistas em Artigo de opinião

APÊNDICE F

Etapa Participantes nacional 15 vencedores

(5 PO, 5 ME, 5 AO) selecionados pela Comissão Julgadora Nacional dentre

150 finalistas regional 150 finalistas

(62 PO, 49 ME, 39 AO) selecionados pelas Comissões Julgadoras Regionais dentre

500 semifinalistas estadual 500 semifinalistas

(217 PO, 169 ME, 114 AO) selecionados pelas Comissões Julgadoras Estaduais dentre 13.887 textos enviados pelos municípios

municipal 13.887 selecionados pelas Comissões Julgadoras Municipais dentre

42.821 textos enviados pelas escolas escolar 130.650 professores com cerca de

6 milhões de alunos* de 55.570 escolas públicas localizadas em 4.529 municípios nas 27 UFs

Fonte: banco de dados da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, 2008.

Quadro 2 - Número de participantes por etapa* * A estimativa do número de alunos participantes foi feita a partir do número de professores inscritos em um ou mais gêneros. Abreviaturas utilizadas:

• PO – Poesia • ME – Memórias literárias • AO – Artigo de opinião • UF – Unidade da Federação

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APÊNDICE G – Um exemplo dos procedimentos de análise

A seguir, encontram-se as “versões c, d, e, f” (conforme descritas no item 3.4.1) do depoimento da professora Flávia, incluídas a título de ilustração. As demais versões (exceto a “versão a”, original, omitida para preservar o anonimato) podem ser consultadas em outras partes deste trabalho, a saber: “versão b” - os depoimentos revistos, com dados de identificação suprimidos: Anexo C “versão g” – as constelações: item 3.4.2.1 “versão h” – síntese do relato: item 3.3 “versão i” – síntese das contelações: item 3.4.2.1 “versão j” – narrativa: item 3.4.2.3

Versão c Legenda: Verbos associados ao professor /crenças e convicções do professor/ Sentimentos, qualidades e características associados ao professor Atribuições do professor Verbos associados aos alunos Sentimentos, qualidades e características associados ao aluno Atribuições dos alunos Verbos associados a professor e alunos juntos Sentimentos, qualidades e características associados ao aluno-professora juntos, à relação; “nosso” Atuação da escola e de outros professores Atuação da família, mundo, vida, comunidade Sublinhados: destaques Identificações a serem omitidas ou substituídas

Relato de prática 1 Não me lembro bem da data em que me inscrevi com minhas turmas nas Olimpíadas de Língua Portuguesa, mas quando a supervisora nos falou sobre esse assunto na reuniãoa, já havia me inscritob, pois os meus alunos me perguntavam com freqüênciac “A nossa escola não vai participar das Olimpíadas? Na televisão está falando...” Só que eles estavam pensando que seriam provas, como nas de Matemáticad. 2 No dia em que recebi o Caderno do Professor com as orientações para a produção de textos, fiquei emocionada, vibrei com aquelas oficinas, tudo bem detalhadinho, não deixando nenhuma dúvida de como proceder durante as aulas. Porém, estava bastante apreensiva, não sabia como os alunos iriam receber o trabalho com os textos, como já disse, esperavam provas, e provas “de marcar X”,

a Participação e incentivo do gestor educacional. b A professora demonstra iniciativa e autonomia. Contudo, também mostra que agiu sozinha e, aparentemente, não chamou os colegas. c Revela que seus alunos estavam interessados desde o início. d Provavelmente a professora não conhecia a Olimpíada e também pensava que seriam provas...

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como dizem. “Como vou apresentar para eles este material, com este “punhado” de textos?” Sempre me perguntava.e 3 Além do mais, eram muitas oficinas, o tempo curto, poucas aulas e muitas cobranças, principalmente em se tratando do Ensino Médio 4 Antes de iniciar qualquer trabalho, conversei com a supervisora da escola, que deixou a decisão em minhas mãos, era tudo o que eu queriaf. Assim que li, com calma, o Caderno com as propostas das oficinas percebi que faziam parte do Planejamento das aulas de Redação. Quanto ao fato de como os alunos receberiam a proposta de trabalho das oficinas, percebi que tinha mais a ver comigo do que com elesg. 5 Lembro-me que foi a primeira surpresa boa que tive, entre tantas que vieram depois. Não sei se foi a minha empolgação ou não, mas consegui o que queria, receberam muito bem a proposta de trabalho. Os poucos que resistiramh, assim que começaram o contato com os textos, mudaram de idéia, porque começaram a perceber que em quase todos que liam, conseguiam relacionar o tema com alguma situação parecida da nossa região. Como por exemplo, o texto “Café na Avenida: certo ou errado?” um dos alunosi comentou “Meu vizinho já fez isso na minha rua, só que não era café, mas feijão.” 6 Também era difícil a aula em que não acontecia de um ou outro me pedir: “Posso ir lá embaixo, tirar xérox deste texto? Quero levar para a minha mãe (às vezes irmão, colega...) ler.” 7 Notei durante as primeiras oficinas, que mesmo não sabendo definir bem todas as características do gênero textual artigo de opinião, sabiam argumentar com coerência para defender suas opiniões, também souberam diferenciar bem notícia de artigo de opinião, mas tiveram dificuldade de identificá-lo em jornais, talvez pela falta de intimidade com esse veículo de comunicação. 8 Quanto aos debates, principalmente o primeiro foi meio desorganizado, alguns falaram ao mesmo tempo, outros queriam impor suas opiniões e ficavam nervosos com os colegas, tive dificuldade para contê-los, mas foi bom, diria até muito bom. Opinião confirmada pelos resultados apresentados nos textos escritos e também em suas atitudes nas aulas, acho que passaram a se sentir mais seguros. 9 Lembro-me bem de uma cena, porque chegou a ser hilária, de um dos meus alunos, o [...] debatendo um dos temas dos textos das oficinas, gesticulava tanto, que por fim, não suportou ficar sentado, levantou-se de tão nervoso que estava só porque os colegas não concordavam com ele. Mas foi, com certeza, mais fácil orientá-los para os próximos debates, do que em outras experiências que já tive antes, em que era preciso fazer esforço para retirar algumas palavras deles. 10 Depois do trabalho com os textos recomendados e de muita pesquisa sobre vários temas polêmicos da região e, também de várias entrevistas realizadas com médicos, promotor, empresários, extratores de pedras, etc. que, de alguma forma, estavam envolvidos com o assunto: “fechar ou não as pedreiras?” recebemos no salão da escola para palestrasj: Professores de Biologia e Empresários da cidade. Foi interessante e prazeroso notar que os alunos não ficaram passivos, questionaram bastante. Um dos empresários cometeu um “vacilo” que foi muito

e A professora relata sua reflexão frente a uma situação que considera difícil. f Demonstra autonomia, fica contente em ter liberdade para agir, sabe o que quer fazer. g Mais uma vez, refletindo, modifica seu olhar sobre a realidade. h Menciona a resistência de alguns alunos – nem tudo são flores! i Refere a comentários de alunos que vão fazendo descobertas no percurso. j Desenvolveram atividades extraordinárias, envolvendo a comunidade.

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comentado pelos alunos, a aluna [...] nos disse, em sala “Foi o que mais me chocou, durante essa palestra”. O Empresário falou em certo momento, referindo-se ao fechamento das pedreiras “E o meu prejuízo? E o meu dinheiro? Quem vai me ressarcir?” só lembrando-se de falar do povo depois de ver o efeito dessas palavras nas expressões dos alunos. 11 Uma das alunas, a [...], contou-nos que mudou a sua opinião sobre o assunto depois das pesquisas realizadas, antes só se preocupava com o que afetasse a ela e a sua família. E a aluna [...] nos falou que nunca produzia os textos que as professoras pediam, faz pouco tempo que começou, achava que escrevia mal, por isso não gostava. Agora, com as oficinas, está mais confiante. 12 Recordo, ainda, que em uma das aulas em que estávamos avaliando o nosso trabalho, um dos alunos nos revelou que gostou muito de trabalhar com o tema “O lugar onde vivo”. Ele nos disse:k “Com esse tema, voltamos a nossa atenção para uma coisa que sabíamos que estava acontecendo, mas fingíamos que o problema não existia, ou que não tínhamos nada a ver com ele.” E completou “Enquanto eu ia lendo as oficinas e via outras crianças e jovens participando dos problemas de seus municípios percebi que tinha que fazer o mesmo.l” 13 Através das reações, dos sentimentos expostos e dos trabalhos dos alunos, percebi que a preocupação do jovem com o meio ambiente é grande, era visível a revolta de muitos deles, quando viam os buracos enormes deixados pelas pedreiras em nossas serras, mas ao mesmo tempo, muita empolgação ao discutir e propor soluções não só para esse problema de nossa região, mas também para outros.m 14 Com as oficinas também aprenderam a ter uma visão crítica perante os textos jornalísticos e o gosto pela leitura e escrita, trabalharam com prazer, o que na maioria das vezes é bem difícil. Mas o principal mesmo, é que além de adquirirem consciência e responsabilidade social, compreenderam a força que eles, os jovens, possuem dentro do meio social em que vivem e isso despertou neles (não sei se é bem o termo) um espírito de luta.n E para ser bem sincera, em mim também. Comentários: Os alunos pediam para a professora se inscrever. Professora estuda o material, mas fica apreensiva – não sabe como vai apresentar tantos textos para seus alunos. (§2) Indica movimento reflexivo – primeiramente apreensiva, depois percebe que a preocupação é dela e não dos alunos (§4)

k Relata mudanças e amadurecimento em seus alunos. l Aluno percebe a importância do tema – O lugar onde vivo. m Professora observa seus alunos. n Refere a mudanças importantes – espírito de luta – tanto nos alunos como nela própria.

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Versão d

30.227_Flavia (46 a., sexo F, pós-graduação completa, leciona há mais de 10 anos, região sudeste)

Trechos Associados ao professor Associados ao

professor-aluno Associados aos alunos

Não me lembro/Lembro Realizamos entrevistas Perguntavam Me inscrevi Recebemos pessoas

para palestras Estavam pensando /esperavam

Recebi (o Caderno do Prof)

Avaliamos o nosso trabalho

Como iriam receber (a proposta)

Fiquei emocionada Alguns resistiram Vibrei Começaram o trabalho Estava apreensiva Mudaram de ideia,

mudou opinião Não sabia como (os alunos iriam receber a proposta)/ Não sei

Começaram a perceber

Como já disse/ eu diria Liam Vou apresentar o material para os alunos

Conseguiam relacionar as leituras com sua região

Sempre me perguntava Comentou Conversei com a supervisora da escola

Perguntam - Posso ir?

Eu queria (ter a decisão em minhas mãos)

Pedem - Quero levar

Li com calma o Caderno Não sabendo definir as características

Percebi que fazia parte do planejamento

Sabem argumentar, falam ao mesmo tempo

Percebi que a apreensão quanto à receptividade pelos alunos tinha a ver comigo

Sabem defender opinião, querem impor opinião

Tive boas surpresas Sabem diferenciar notícia de artigo de opinião

Consegui o que queria Não têm intimidade com jornal

Notei que os alunos.../notar que os alunos.../ percebi que o jovem

Tiveram dificuldade em identificar artigo de opinião no jornal

Tive dificuldades para conter os alunos

Passaram a se sentir mais seguros

Orientar os alunos para os debates

Debatendo

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30.227_Flavia (46 a., sexo F, pós-graduação completa, leciona há mais de 10 anos, região sudeste)

Trechos Associados ao professor Associados ao

professor-aluno Associados aos alunos

Tive experiências gesticulava Era preciso fazer esforço para...

não suportou ficar sentado,

retirar algumas palavras dos alunos

levantou-se (de tão nervoso)

Ser sincera não concordavam Questionaram/ não ficaram

passivos Comentaram, disse, contou O que me chocou Realizaram pesquisa Só se preocupava com o

que a afetasse ou à família Dizem, revelou Começou a escrever Achava que escrevia mal Não gostava do que

escrevia Gostou de trabalhar (com o

tema) Voltar a atenção Sabe que acontece, mas

finge que não existe ou que não tem a ver com aquilo

Leu Viu outros participarem Percebeu que tinha que

participar Viam (buracos enormes) discutiam Propor soluções Aprenderam visão crítica Aprenderam o gosto pela

leitura e escrita Trabalharam com prazer Adquiriram consciência e

responsabilidade social Compreenderam a força que

têm tiveram seu espírito de luta

despertado

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30.227_Flávia (46 a., sexo F, pós-graduação completa, leciona há mais de 10 anos, região sudeste)

Sentimentos, emoções, características Associados ao professor Associados ao

professor-aluno Associados aos alunos

Emocionada Espírito de luta Coerência na argumentação

Bastante apreensiva Opiniões Com calma Nervosos Empolgação Mais seguros Dificuldade Não passivos Mais fácil Expressam no rosto que

ficaram chocados Esforço Mais confiante

Interessante atenção Prazeroso Reações Visível Sentimentos expostos Sincera Preocupação com meio

ambiente Espírito de luta Revolta com buracos

deixados pelas pedreiras

Empolgação para discutir e propor soluções

Visão crítica Gosto pela leitura e

escrita Prazer de trabalhar Consciência Responsabilidade social Força no seu meio

social Espírito de luta

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Versão e Legenda do uso de cores: a) Modo de ensinar – faz referência a todas as ações realizadas e disposições afetivas presentes ao ensinar a escrita b) Modo de aprender – faz referência a tudo o que envolve a experiência de aprendizado dos alunos c) Relacionamento professora e alunos – envolve comentários sobre a relação entre a professora e seus alunos, ações realizadas conjuntamente e condições de que compartilhem. d) Os “outros” – inclui as referências a outras pessoas, grupos ou instituições com os quais a professora e alunos interagiram (se articularam) ao desenvolver o trabalho e) transformações observadas pela professora – inclui as mudanças percebidas pela professora tanto em si mesma, como nos outros, a partir do trabalho de ensinar um gênero textual f) crenças, convicções – trechos em que a professora explicita suas crenças,

fazendo ou não referência a leituras, conhecimentos, experiência e reflexão sobre sua prática.

g) Os corpos – reúne menções ao corpo físico da professsora e /ou alunos, como movimentos e expressões corporais

Relato de prática

1 Não me lembro bem da data em que me inscrevi com minhas turmas nas Olimpíadas de Língua Portuguesa, mas quando a supervisora nos falou sobre esse assunto na reunião, já havia me inscrito, pois os meus alunos me perguntavam com freqüência “A nossa escola não vai participar das Olimpíadas? Na televisão está falando...” Só que eles estavam pensando que seriam provas, como nas de Matemática. 2 No dia em que recebi o Caderno do Professor com as orientações para a produção de textos, fiquei emocionada, vibrei com aquelas oficinas, tudo bem detalhadinho, não deixando nenhuma dúvida de como proceder durante as aulas. Porém, estava bastante apreensiva, não sabia como os alunos iriam receber o trabalho com os textos, como já disse, esperavam provas, e provas “de marcar X”, como dizem. “Como vou apresentar para eles este material, com este “punhado” de textos?” Sempre me perguntava. 3 Além do mais, eram muitas oficinas, o tempo curto, poucas aulas e muitas cobranças, principalmente em se tratando do Ensino Médio. 4 Antes de iniciar qualquer trabalho, conversei com a supervisora da escola, que deixou a decisão em minhas mãos, era tudo o que eu queria. Assim que li, com calma, o (...) com as propostas das oficinas percebi que faziam parte do Planejamento das aulas de Redação. Quanto ao fato de como os alunos receberiam a proposta de trabalho das oficinas, percebi que tinha mais a ver comigo do que com eles. 5 Lembro-me que foi a primeira surpresa boa que tive, entre tantas que vieram depois. Não sei se foi a minha empolgação ou não, mas consegui o que queria, receberam muito bem a proposta de trabalho. Os poucos que resistiram, assim que começaram o contato com os textos, mudaram de idéia, porque começaram a perceber que em quase todos que liam, conseguiam relacionar o tema com alguma

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situação parecida da nossa região. Como por exemplo, o texto “Café na Avenida: certo ou errado?” um dos alunos comentou “Meu vizinho já fez isso na minha rua, só que não era café, mas feijão.” 6 Também era difícil a aula em que não acontecia de um ou outro me pedir: “Posso ir lá embaixo, tirar xérox deste texto? Quero levar para a minha mãe (às vezes irmão, colega...) ler.” 7 Notei durante as primeiras oficinas, que mesmo não sabendo definir bem todas as características do gênero textual artigo de opinião, sabiam argumentar com coerência para defender suas opiniões, também souberam diferenciar bem notícia de artigo de opinião, mas tiveram dificuldade de identificá-lo em jornais, talvez pela falta de intimidade com esse veículo de comunicação. 8 Quanto aos debates, principalmente o primeiro foi meio desorganizado, alguns falaram ao mesmo tempo, outros queriam impor suas opiniões e ficavam nervosos com os colegas, tive dificuldade para contê-los, mas foi bom, diria até muito bom. Opinião confirmada pelos resultados apresentados nos textos escritos e também em suas atitudes nas aulas, acho que passaram a se sentir mais seguros. 9 Lembro-me bem de uma cena, porque chegou a ser hilária, de um dos meus alunos, o [...] debatendo um dos temas dos textos das oficinas, gesticulava tanto, que por fim, não suportou ficar sentado, levantou-se de tão nervoso que estava só porque os colegas não concordavam com ele. Mas foi, com certeza, mais fácil orientá-los para os próximos debates, do que em outras experiências que já tive antes, em que era preciso fazer esforço para retirar algumas palavras deles. 10 Depois do trabalho com os textos recomendados e de muita pesquisa sobre vários temas polêmicos da região e, também de várias entrevistas realizadas com médicos, promotor, empresários, extratores de pedras, etc. que de alguma forma estavam envolvidos com o assunto: “fechar ou não as pedreiras?” recebemos no salão da escola para palestras: Professores de Biologia e Empresários da cidade. Foi interessante e prazeroso notar que os alunos não ficaram passivos, questionaram bastante. Um dos empresários cometeu um “vacilo” que foi muito comentado pelos alunos, a aluna [...] nos disse, em sala “Foi o que mais me chocou, durante essa palestra”. O Empresário falou em certo momento, referindo-se ao fechamento das pedreiras “E o meu prejuízo? E o meu dinheiro? Quem vai me ressarcir?” só lembrando-se de falar do povo depois de ver o efeito dessas palavras nas expressões dos alunos. 11 Uma das alunas, a [...], contou-nos que mudou a sua opinião sobre o assunto depois das pesquisas realizadas, antes só se preocupava com o que afetasse a ela e a sua família. E a aluna [...] nos falou que nunca produzia os textos que as professoras pediam, faz pouco tempo que começou, achava que escrevia mal, por isso não gostava. Agora, com as oficinas, está mais confiante. 12 Recordo, ainda, que em uma das aulas em que estávamos avaliando o nosso trabalho, um dos alunos nos revelou que gostou muito de trabalhar com o tema “O lugar onde vivo”. Ele nos disse: “Com esse tema, voltamos a nossa atenção para uma coisa que sabíamos que estava acontecendo, mas fingíamos que o problema não existia, ou que não tínhamos nada a ver com ele.” E completou “Enquanto eu ia lendo as oficinas e via outras crianças e jovens participando dos problemas de seus municípios percebi que tinha que fazer o mesmo.” 13 Através das reações, dos sentimentos expostos e dos trabalhos dos alunos, percebi que a preocupação do jovem com o meio ambiente é grande, era visível a revolta de muitos deles, quando viam os buracos enormes deixados pelas pedreiras

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em nossas serras, mas ao mesmo tempo, muita empolgação ao discutir e propor soluções não só para esse problema de nossa região, mas também para outros. 14 Com as oficinas também aprenderam a ter uma visão crítica perante os textos jornalísticos e o gosto pela leitura e escrita, trabalharam com prazer, o que na maioria das vezes é bem difícil. Mas o principal mesmo, é que além de adquirirem consciência e responsabilidade social, compreenderam a força que eles, os jovens, possuem dentro do meio social em que vivem e isso despertou neles (não sei se é bem o termo) um espírito de luta. E para ser bem sincera, em mim também.

Versão f

Os trechos estão separados por duas barras inclinadas: // Constelações: a) Modo de ensinar Não me lembro bem da data em que me inscrevi com minhas turmas nas Olimpíadas de Língua Portuguesa,// já havia me inscrito,// recebi o Caderno do Professor com as orientações para a produção de textos // fiquei emocionada, vibrei com aquelas oficinas, tudo bem detalhadinho, não deixando nenhuma dúvida de como proceder durante as aulas. // apreensiva, não sabia como os alunos iriam receber o trabalho com os textos, // Como vou apresentar para eles este material, com este “punhado” de textos?” Sempre me perguntava. // conversei com a supervisora da escola // era tudo o que eu queria. // li, com calma, o Caderno com as propostas das oficinas percebi que faziam parte do Planejamento das aulas de Redação. // Lembro-me que foi a primeira surpresa boa que tive, entre tantas que vieram depois. // a minha empolgação // consegui o que queria, // Notei durante as primeiras oficinas, que // tive dificuldade para contê-los, mas foi bom, diria até muito bom. // Lembro-me bem de uma cena, porque chegou a ser hilária, // mais fácil orientá-los para os próximos debates, do que em outras experiências que já tive antes, em que era preciso fazer esforço para retirar algumas palavras deles. // interessante e prazeroso notar // Recordo, ainda, que em uma das aulas em que estávamos avaliando o nosso trabalho, // percebi // era visível // para ser bem sincera b) Modo de aprender meus alunos me perguntavam com freqüência // eles estavam pensando que seriam provas, como nas de Matemática. // esperavam provas, e provas “de marcar X”, como dizem. // receberam muito bem a proposta de trabalho. Os poucos que resistiram, assim que começaram o contato com os textos, // um dos alunos comentou “Meu vizinho já fez isso na minha rua, só que não era café, mas feijão.” // Também era difícil a aula em que não acontecia de um ou outro me pedir: “Posso ir lá embaixo, tirar xérox deste texto? Quero levar para a minha mãe (às vezes irmão, colega...) ler.” // mesmo não sabendo definir bem todas as características do gênero textual artigo de opinião, sabiam argumentar com coerência para defender suas opiniões, também souberam diferenciar bem notícia de artigo de opinião, mas tiveram dificuldade de identificá-lo em jornais, talvez pela falta de intimidade com esse veículo de comunicação.// alguns falaram ao mesmo tempo, outros queriam impor suas opiniões e ficavam nervosos com os colegas // um dos meus alunos, o

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[...] debatendo um dos temas dos textos das oficinas, gesticulava tanto, que por fim, não suportou ficar sentado, levantou-se de tão nervoso que estava só porque os colegas não concordavam com ele. // Depois do trabalho com os textos recomendados e de muita pesquisa sobre vários temas polêmicos da região e, também de várias entrevistas realizadas // alunos não ficaram passivos, questionaram bastante. muito comentado pelos alunos, a aluna [...] nos disse, em sala “Foi o que mais me chocou, durante essa palestra”. // Uma das alunas, a [...], contou-nos // aluna [...] nos falou // um dos alunos nos revelou que gostou muito de trabalhar com o tema “O lugar onde vivo”. Ele nos disse: // reações, dos sentimentos expostos e dos trabalhos dos alunos // a preocupação do jovem com o meio ambiente é grande // revolta de muitos deles, quando viam // muita empolgação ao discutir e propor soluções não só para esse problema de nossa região, mas também para outros. c) Relacionamento professora e alunos recebemos no salão da escola para palestras: // contou-nos // nos falou // estávamos avaliando o nosso trabalho, // nos revelou // nos disse // espírito de luta d) Os “outros” a supervisora nos falou sobre esse assunto na reunião, // muitas cobranças principalmente em se tratando do Ensino Médio // a supervisora da escola, que deixou a decisão em minhas mãos, // médicos, promotor, empresários, extratores de pedras, etc. que, de alguma forma, estavam envolvidos com o assunto: “fechar ou não as pedreiras?” // Professores de Biologia e Empresários da cidade // Um dos empresários cometeu um “vacilo” // Empresário falou em certo momento, referindo-se ao fechamento das pedreiras “E o meu prejuízo? E o meu dinheiro? Quem vai me ressarcir?” // os buracos enormes deixados pelas pedreiras em nossas serras, e) Transformações observadas pela professora: Quanto ao fato de, como os alunos receberiam a proposta de trabalho das oficinas, percebi que tinha mais a ver comigo do que com eles. // mudaram de ideia, porque começaram a perceber que em quase todos que liam, conseguiam relacionar o tema com alguma situação parecida da nossa região. // Quanto aos debates, principalmente o primeiro foi meio desorganizado // resultados apresentados nos textos escritos e também em suas atitudes nas aulas, acho que passaram a se sentir mais seguros. // mais fácil orientá-los para os próximos debates, do que em outras experiências que já tive antes, em que era preciso fazer esforço para retirar algumas palavras deles. // só lembrando-se de falar do povo depois de ver o efeito dessas palavras nas expressões dos alunos. // mudou a sua opinião sobre o assunto depois das pesquisas realizadas, antes só se preocupava com o que afetasse a ela e a sua família. // que nunca produzia os textos que as professoras pediam, faz pouco tempo que começou, achava que escrevia mal, por isso não gostava. Agora com as oficinas, está mais confiante. // Com esse tema, voltamos a nossa atenção para uma coisa que sabíamos que estava acontecendo, mas fingíamos que o problema não existia, ou que não tínhamos nada a ver com ele.” E completou “Enquanto eu ia lendo as oficinas e via outras crianças e jovens participando dos problemas de seus municípios percebi que tinha que fazer o mesmo.” // aprenderam a ter uma visão crítica perante os textos jornalísticos e o gosto pela leitura e escrita, // trabalharam com prazer, o que na maioria das vezes é bem difícil // adquirirem consciência e responsabilidade social, compreenderam a força que eles, os jovens, possuem

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dentro do meio social em que vivem e isso despertou neles (não sei se é bem o termo) um espírito de luta. E, em mim também. f) Os corpos gesticulava tanto // ficar sentado // levantou-se de tão nervoso // efeito dessas palavras nas expressões dos alunos. // era visível a revolta

Trechos não utilizados: 1 mas quando pois os “A nossa escola não vai participar das (...)? Na televisão está falando...” Só que 2 No dia em que, Porém, estava bastante como já disse, “ 3 Além do mais, eram muitas oficinas, o tempo curto, poucas aulas e, 4 Antes de iniciar qualquer trabalho, Assim que 5 Não sei se foi ou não, mas Como por exemplo, o texto “Café na Avenida: certo ou errado? 8 , , Opinião confirmada pelos 9 Mas foi, com certeza, 10 com. Foi que os que foi 11 que a 13 Através das, que, a mas ao mesmo tempo,. Mas o principal mesmo, é que além de 14 Com as oficinas também

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ANEXO A - Excertos do Regulamento com referência ao relato de prática

[...]

4.1.3. Do relato da prática1 Durante as oficinas, os professores deverão registrar sua prática, o que consiste em anotar suas experiências com a realização das oficinas propostas no Caderno de Orientação do Professor: o caminho percorrido, as dificuldades, os acertos, as reflexões. Esse material será solicitado aos professores semifinalistas, conforme item 4.4.3. [...]

4.4.3. Da entrega do relato de prática2 Foi indicado aos professores participantes que registrassem suas práticas durante as oficinas nas escolas, conforme item 4.1.3. Os professores semifinalistas deverão organizar esses registros, em forma de relato, de acordo com as orientações que serão fornecidas pela Olimpíada, na ocasião. O relato deverá ser impresso em até três folhas sulfite, utilizando apenas a frente do papel e entregue nos encontros regionais ao responsável pelo evento.3 Juntamente com o relato de prática, o professor deverá entregar os textos preliminares produzidos pelo aluno semifinalista, conforme item 4.1.1. Não serão aceitos relatos após a realização do Encontro Regional. 4.4.3.1. Da seleção dos relatos de prática Nos encontros regionais, descritos no item 4.4.1. serão selecionados, por uma Comissão Julgadora, até 21 relatos de prática – um de cada categoria e de cada pólo – que, segundo os critérios apresentados no item 7.2, melhor retratarem suas práticas. Esses relatos receberão prêmios, conforme item 5. Essa comissão julgadora será organizada e coordenada pelo Cenpec e composta por profissionais da área de educação. A classificação do relato do professor não tem nenhum vínculo com a classificação do texto do aluno. [...]

5. Premiação [...]

5.3 Etapa Regional (150 classificados)4 [...]

• professor com o melhor relato de prática: um aparelho de DVD.

7.2 Critérios de seleção dos relatos de prática5 Será selecionado pela Comissão Julgadora que será organizada e coordenada pelo Cenpec e composta por profissionais da áres de educação, um relato de prática em cada categoria e em cada pólo de acordo com os seguintes critérios: • aspectos próprios do gênero relato; • narração de experiências; • reflexão sobre a prática; • aspectos gerais de gramática e ortografia; • originalidade no texto. [...]

1 Regulamento e ficha de inscrição - Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, 2008, p. 5 2 Ibid., p. 8 3 Os grifos não constam do regulamento, foram utilizados para destacar alguns itens. 4 Ibid., p. 9 5 Ibid., p. 10

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ANEXO B - Orientações para o relato de prática*

A professora Heloísa Amaral, do Cenpec, dá dicas de como construir um bom relato de prática pedagógica, em que é possível fazer a ponte entre teoria e prática. Muitas vezes se diz que estudos teóricos e práticas pedagógicas não combinam bem. Uma das expressões usadas para afirmar isso é: “Na prática, a teoria é outra coisa.” É evidente que há diferenças entre estudos teóricos e sua aplicação na prática pedagógica, mas é na relação entre teoria e prática que estão as oportunidades de mudança e crescimento de qualidade. Essa relação pode ser concretizada por meio de reuniões pedagógicas e relatos escritos de prática pedagógica. As reuniões pedagógicas são momentos no cotidiano da escola que contribuem para fazer a ponte entre os conhecimentos produzidos pelos pesquisadores em educação e a prática dos professores. Espaço privilegiado para reflexão, elas possibilitam a articulação entre ação, reflexão sobre a ação realizada e nova ação modificada pela reflexão. A escrita de relatos de experiência da prática escolar é vital para o estabelecimento desse elo. Nesses relatos, o professor fala com alguém que precisa compreender sua prática; ao mesmo tempo que a escreve, reflete sobre ela, passa a compreendê-la melhor e a ter condições de aperfeiçoá-la.

Por que escrever relato de prática? Cada situação de comunicação definida que se repete produz gêneros de texto marcados por essa situação. Essa regra serve para todos os tipos de comunicação, mais comuns e mais complexas, orais ou escritas. Os relatos de experiência de prática pedagógica constituem um gênero textual, produzido em uma situação de comunicação recorrente e própria do espaço escolar. Para escrever bons relatos sobre sua experiência em sala de aula, o professor precisa refletir sobre os elementos da situação de comunicação em que seu texto será produzido e observar se, no momento de sua escrita, está considerando esses elementos. Por exemplo, muitas vezes o coordenador pedagógico pede ao professor que faça um relato da prática pedagógica. Essa “conversa por escrito” entre um professor e seu coordenador pedagógico permite falar da aplicação da teoria na sua prática cotidiana ou sobre como essa prática se encaixa no projeto pedagógico da escola.

Relato e relatório são o mesmo gênero? O relato de experiência de prática pedagógica tem características muito próprias, que o diferenciam de outros gêneros. Ele é muito diferente de um relatório. Um relatório precisa parecer neutro, não pode revelar sua autoria. O relato de experiência de prática pedagógica, ao contrário, é um gênero de texto que põe em evidência a autoria de quem o escreveu. As marcas de autoria aparecem no texto todas as vezes que o autor faz referência às experiências muito particulares que somente ele viveu com seus alunos, em sua sala de aula, em sua escola. Ao relatar essa experiência para alguém próximo – o coordenador pedagógico, outros educadores – o professor faz uso de pronomes pessoais e de tratamento, estabelecendo um diálogo com esse leitor. Como o relato fala de situações experimentadas pelo autor, revela as sensações e emoções vividas nessas experiências. Isso é marcado pelo uso de adjetivos que aproximam o leitor dos sentimentos vividos por quem relata. Vale lembrar que a vivência das pessoas nunca é solitária. Assim, o autor do relato também revela em seu texto o diálogo com outros sujeitos envolvidos, relembrando momentos, trazendo para seu texto vozes de outras pessoas: falas dos alunos, do coordenador, dos pais, do diretor da escola, dos palestrantes que ouviu, dos autores que leu.

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O que é preciso saber para escrever um relato de prática?

1. Saber que o gênero textual relato de experiência é um diálogo entre o passado vivido, o presente de quem recorda e os leitores do texto.

2. Refletir sobre as razões que levam à produção desse texto: desejo de registrar suas experiências, como momento de reflexão sobre sua prática, ou necessidade de prestar contas sobre como essa prática se encaixa no projeto pedagógico da escola.

3. Considerar que a experiência - a prática - é o centro do relato.

4. Levar em conta o veículo em que o relato vai circular (no jornal da escola, num texto manuscrito ou impresso pelo próprio autor), e que público leitor vai atingir.

5. Considerar que os leitores estão interessados em saber as particularidades da prática pedagógica e a maneira pela qual essa prática se relaciona com uma teoria e com o projeto da escola.

6. Conscientizar-se de que vai escrever um texto sobre uma experiência vivida que mobilizou seus sentimentos e, de certa forma, transformou sua prática pedagógica.

7. Saber que quem relata qualquer fato, em qualquer situação, necessita da memória, do registro.

8. Lembrar que, ao utilizar memória, um autor sempre faz um jogo do “agora” com o “ontem”, do “aqui” com o “lá”. Por essa razão, aparecem no texto marcas desse jogo, por meio de verbos, dos tempos verbais. Esses verbos são usados, ora no presente (“Eu me lembro...”), ora no pretérito imperfeito (“Diariamente, líamos poemas...”), ora no pretérito perfeito (“Decidi que ia abordar a situação de outro jeito”).

9. Ter sempre em mente que o autor rememora situações vividas com outros sujeitos, trazendo vozes desses sujeitos para seu texto, citando direta ou indiretamente o que eles disseram. O autor pode marcar a introdução direta dessas vozes com dois pontos, aspas ou travessões. Outras vezes, os “verbos de dizer” também podem ser marcas do diálogo que se dá ao longo da experiência, evidenciando a introdução dessas vozes: “ele disse...”, “na hora em que ele falou...”, “o pai da criança contou...”, “a diretora da escola observou...” etc.

10. Observar cuidados comuns que se deve tomar na escrita de qualquer texto: situar o leitor, dando referências de quando e onde a situação relatada ocorreu; garantir coerência ao relato, relatando primeiramente o início da experiência e prosseguindo com fatos que ocorreram na sequência; finalizar com uma reflexão sobre os resultados da prática pedagógica à qual se refere.

*Texto publicado no almanaque Na Ponta do Lápis, ano III, no. 5, p. 14 e 15

- O Relato de prática deverá ser impresso em até três folhas de papel ofício (apenas a

frente) e entregue para a coordenação da Olimpíada na Oficina Regional.

- Será lido por uma comissão julgadora que selecionará 1 Relato por categoria e por polo

(total de 21)

- Os professores cujos Relatos forem selecionados ganharão um aparelho de DVD.

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ANEXO C – Relatos de prática das cinco professoras

Os textos apresentados a seguir são os originais alterados (“versão b”). Foi feita uma breve revisão, numeração dos parágrafos e supressão de palavras que possibilitassem identificação. As palavras omitidas estão indicadas por reticências entre colchetes. Relato de prática da professora Bruna

Ourives1 1 Estudar e formar Homens e Mulheres conscientes de seu papel como sujeitos na sociedade não é uma tarefa muito fácil, funciona como se fôssemos ourives ao lapidar uma jóia cujo valor é incalculável, é esse o papel do professor ao lidar com essa pedra bruta e rara quando ela chega a nossas mãos. 2 É como me sinto hoje com esses meninos da turma [...] e [...], eu os acompanhei desde o 1º. ano do ensino médio, e eles foram meu grande desafio. Era o meu primeiro ano como professora, a voz trêmula e o medo fizeram parte do meu aprendizado; via naqueles olhos a desconfiança a meu respeito, eu pequenina e com cara de adolescente. Lembro-me que a primeira coisa que fiz ao entrar na sala foi dar boa tarde e colocar minha pasta sobre a mesa, os alunos que já estavam sentados ficaram quietos e atentos à minha fala; então me apresentei e escrevi no quadro: Professora: [...] Disciplina: Língua Portuguesa Critérios de avaliação:

Exercícios na sala de aula: 2 pontos, avaliação escrita e seminário: 4 pontos, avaliação final: 4 pontos, total: 10 pontos. 3 Eles olharam desconfiados e apreensivos, mal eles sabiam que minhas pernas tremiam feito vara de bambu verde naquele momento. 4 Os anos se passaram e eu fui percebendo que os meus meninos e meninas não eram mais “aborrescentes”, eram Homens e Mulheres. Fizemos tantas coisas juntos, escrevemos peças teatrais, poemas, redações, debatemos situações polêmicas, fizemos documentários, participamos de vários eventos, brigamos, choramos e sorrimos juntos; acabamos nos tornando amigos; minha relação com eles não é apenas de professora, é de confidente, sim, de confidente, eles confiam em mim. Construí durante esses três anos uma relação de respeito e admiração com eles. 5 Neste ano de 2008 nós vamos nos separar e confesso a vocês que vai ser difícil minha vida sem eles, pois eles me ensinaram a ser mais solidária,

1 Relato apresentado pela professora Bruna (nome fictício), 30 anos, sexo feminino, nível de pós-graduação completo, leciona há mais de 5 e menos do que 10 anos, trabalho realizado na região norte. Texto original editado com omissão de palavras que possibilitassem identificação e numeração dos parágrafos. As palavras omitidas estão indicadas por reticências entre colchetes.

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compreensiva, estudiosa, empreendedora, competente e vitoriosa. Acredito que eu ensinei alguma coisa a eles. 6 Participar das Olimpíadas de Língua Portuguesa foi um de nossos desafios este ano. Sempre acreditei que nada pode ser visto como uma obrigação em nossa vida; tudo deve ser feito com prazer e compromisso, não com o outro, mas com você como sujeito transformador de sua história. Começamos as nossas oficinas com essa idéia, nós íamos construir os textos se esse fosse o nosso desejo, primeiramente marcamos nossas aulas e distribuímos os textos das oficinas. 7 A escola não tinha ainda instalado o laboratório de informática, portanto, não tínhamos acesso à internet, então pedi para cada aluno trazer jornais, livros, revistas, artigos da internet que abordassem os temas trabalhados nos textos das oficinas; alguns alunos não tinham dinheiro para ir a uma casa de acesso2, por essa razão decidi dar para cada grupo dois reais para pesquisarem nos dois primeiros dias de oficina. 8 No sexto dia de produção textual senti que os alunos estavam tristes, porque viram as correções e os ajustes feitos por mim nos textos escritos por eles; alguns ficaram chateados e outros com raiva. Naquele momento senti que era preciso conversar com a turma a respeito da necessidade deles saberem lidar com aquela situação. Dei uma parada nas oficinas e sentamos para conversar, falei-lhes que errar faz parte do aprender e compreender o mundo que nos cerca, tudo que fazemos não acertamos pela primeira vez, pois a dedicação, o compromisso, a tolerância e o conhecimento não nos levam apenas à perfeição, mas à sabedoria de perceber que nós somos formados ao longo de nossas vidas, por isso é que sempre buscamos o saber, para nos transformarmos em Homens e Mulheres agentes na sociedade. Por um momento nós ficamos em silêncio e este foi quebrado pela fala do [...] que disse: “agora entendo o porquê do meu erro, eu pensava que estava sozinho, e sozinho eu não vejo os meus erros, pois eu preciso que o outro observe o que eu faço e me aconselhe a acertar, obrigado.” Fiquei feliz porque eles compreenderam o que eu quis dizer para eles. 9 Lendo os textos de cada um percebi que eles precisavam mais de fonte de pesquisa e dei mais cinco reais para cada grupo voltar à casa de acesso para pesquisarem novamente a respeito dos temas. Eles trouxeram as pesquisas salvas em disquete. Eu pedi para a escola doar os disquetes, já que os meninos não tinham o dinheiro para imprimir as pesquisas. Feita a coleta dos materiais nós os imprimimos na escola. 10 A dedicação e a valentia deles deixaram-me orgulhosa, naquele instante me dei conta do que eu havia feito pelos meus alunos e pensei: não são apenas Homens e Mulheres, são cidadãos. Eles me deram a certeza de que valeu a pena dedicar o meu tempo a eles. Por alguns instantes fiquei olhando para eles escrevendo e sorri sozinha, nesse momento concluí que os meus sete reais haviam se transformado em uma fortuna incalculável. 11 Terminadas as oficinas selecionamos os textos dos três turnos: manhã, tarde e noite. A escolha foi feita pelos professores que selecionaram o texto produzido pela aluna [...] com o título [...]. Confesso a vocês que fiquei muito feliz porque fui a professora que acompanhou essa produção textual. 12 Enviamos o texto para a comissão julgadora no último dia do prazo estabelecido, porque o pai de [...] havia falecido, por essa razão ela faltara dois dias na escola, e nós precisávamos passar o texto dela para a folha oficial das

2 Casas de acesso, também conhecidas por “lan house” (nota da pesquisadora).

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Olimpíadas de Língua Portuguesa, ela só apareceu na escola no último dia do prazo de entrega. Pedi para [...] passar o texto para a folha oficial e o enviamos. Naquele dia, não tive tempo para sentar e conversar com ela a respeito da morte de seu pai; conversamos no outro dia, ela contou que ele havia morrido devido a um câncer de próstata. Eu imaginava encontrá-la triste e abatida devido à morte do pai, no entanto ela se mostrava forte e firme apesar das adversidades que a vida lhe oferecera; lá estava [...] como sempre com aquele jeito sereno e seu sorriso discreto. 13 Depois de refletir sobre todos os fatos que haviam acontecido durante esses três anos fiquei feliz pela mulher em que ela se transformou, sei que fiz parte disso e sei também que certamente todos os meus meninos e meninas se lembrarão de mim um dia, pois todos os dias nós, os ourives, modelamos, lapidamos e descobrimos pedras preciosas como a [...], por esse país chamado Brasil. Relato de prática da professora Eva

Relato de prática3

1 Tomei conhecimento da Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro através dos meios de comunicação e também do grupo gestor que informou aos professores por meio da Secretaria Municipal de Educação. No dia 03 de abril efetuei a inscrição das minhas turmas. No início do mês de junho recebi o Caderno de orientações e após ler tais orientações comecei o trabalho com os alunos, o qual se deu no dia 21/06/2008. 2 Inicialmente, indaguei os alunos a respeito da propaganda veiculada na TV. Todos disseram que haviam visto, mas queriam que explicasse o que era exatamente. Então expus as orientações mínimas contidas no Caderno que me fora enviado, bem como frisei a importância da participação de cada aluno para o processo de conhecimento na produção do texto. E que a auto-estima é necessária para a aquisição do sucesso em tudo o que se faça. 3 Procuro sempre me relacionar de forma compreensiva e afetiva na sala de aula para que o ensino aprendizagem se torne agradável e assim se concretize com maior qualidade. Isso por acreditar que a aprendizagem é mais eficaz quando aluno e professor possuem laços afetivos. 4 Pedi aos alunos que nas férias do mês de julho não se esquecessem do tema proposto pela Olimpíada “O lugar onde vivo” e a categoria na qual o texto seria produzido, pois ao retornar às aulas no mês de agosto daríamos início à escrita do texto e, para isso, necessitariam de um fato polêmico já que a categoria era “Ponto de Vista” do lugar onde vivem. Que buscassem com a família: pais, avós, tios, vizinhos dados de algo que pudessem dissertar sobre tal assunto. 5 No dia 1º. de agosto iniciamos as atividades propostas na oficina de número 1, isso depois de conversarmos sobre o que cada um tinha pesquisado nas férias. Conversamos sobre cada tema e se era ou não polêmico. Poucos trouxeram, alegando “O lugar onde vivo” não ter nada de atrativo, polêmico. Como muitos não

3 Relato apresentado pela professora Eva (nome fictício), 44 anos, sexo feminino, nível de pós-graduação completo, leciona há mais de 10 anos, trabalho realizado na região centro-oeste. Texto original editado com omissão de palavras que possibilitassem identificação e numeração dos parágrafos. As palavras omitidas estão indicadas por reticências entre colchetes.

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sabiam sobre o que escrever, sugeri, nesse momento, um (tema) fato que havia sido muito comentado em nossa região há algum tempo. 6 Daí, então, propus que escrevessem aleatoriamente, cada um sobre o seu tema. Após a produção do texto, li e fiz observações orais em cima da escrita acrescentando e, ou, retirando abordagens conforme as orientações do Caderno. Novamente pedi-lhes que conversassem com os pais a fim de darem opiniões sobre o assunto que havia proposto. 7 Na aula posterior, muitos disseram que seus pais lembravam o fato que mencionei anteriormente. Então, a maioria decidiu escrever sobre o represamento do nosso rio. 8 Na primeira oficina, os alunos leram os textos indicados pelo “Caderno” que eu xeroquei. Depois da leitura, responderam às questões propostas. 9 Nesta primeira etapa percebi os alunos com pouca vontade. Acharam que “esse negócio de Olimpíada era coisa para capitais e não para uma cidadezinha qualquer como a nossa.” Então, incentivei-os esclarecendo com detalhes os objetivos da Olimpíada, que é em nível nacional, justamente para dar oportunidades iguais, até mesmo para alunos de uma “cidadezinha qualquer”. Daí os alunos mostraram menos rejeição em participar, pois frisei também que o mais importante não era ser classificado, mas sim, aprimorar a produção de textos e se tornarem pessoas mais bem preparadas. 10 Pedi-lhes que diferenciassem notícia de artigo de opinião comparando textos xerocados na oficina de número 2. Também fiz perguntas referentes ao texto voltando para questões sociais. Aí a turma se animou opinando. 11 Propus um debate na oficina de número 3 sobre uma questão polêmica escolhida anteriormente. Foi uma atividade proveitosa, porque obtive a participação de todos. 12 Na oficina de número 4 os alunos responderam questionamentos sobre o texto “Maioridade penal” a fim de melhor conhecer a categoria de texto – artigo – e observei que a turma estava pouco participativa. Outra vez, questionei-os sobre os objetivos que o homem tem que ter na vida e, em especial, nos estudos, a fim de incentivá-los. Retornamos à aula e pedi que pesquisassem em jornais e revistas “artigos” para se familiarizarem com esse tipo de texto. 13 Na oficina de número 5 xeroquei o texto “Deficientes, feios e pobres”4 para que os alunos identificassem partes necessárias que deve conter um artigo, sobretudo a argumentação. 14 Expliquei os tipos de argumentos e os alunos copiaram exemplos na oficina de número 6. Então, promovemos diálogos sobre outros exemplos de questões polêmicas. 15 Na oficina de número 7, copiaram a tabela dos elementos articuladores (usos e expressões) para que pudessem pesquisar e, assim, facilitar a escrita argumentativa do texto. 16 Na oitava oficina, a proposta era que percebessem que um artigo de opinião costuma trazer posições favoráveis ou contrárias. Para isso leram o texto “Futura gestão dos recursos hídricos”. Em seguida, fiz perguntas às quais os alunos responderam grifando no texto a posição (a favor ou contra). 17 Nesta etapa observei boa aceitação dos alunos, mas como sempre, alguns se recusaram a participar. Então conversei com eles enfatizando a

4 Publicado no material da Olimpíada – Pontos de vista, Caderno do Professor, pg. 69 (nota da pesquisadora).

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importância do pensamento crítico e que ele é desenvolvido com atividades. Afinal, escola é para aprendizagem. 18 Na oficina de número 9 foi momento para pesquisarem. Sugeri, além do que trouxeram da família, uma fonte que conhecia. Então, previamente um grupo de alunos conversou com um vereador da cidade que se propôs a passar-lhes os dados que tinha. Marcaram um encontro. E assim, alunos e vereador se encontraram para que coletassem dados sobre a polêmica em questão “Represamento do rio [...]”. 19 Na décima oficina, analisaram e reescreveram um artigo produzido por um aluno (do Caderno de orientações), observando os itens fundamentais num artigo de opinião. 20 Na oficina de número 11, produziram um novo texto usando dados da pesquisa feita anteriormente. Alguns exemplos do “articulista” foram relembrados para melhor escreverem. 21 Encontrei dificuldades em oferecer-lhes materiais, pois a escola não possui xerocopiadora, então tive que xerocar por conta própria os textos recomendados no Caderno de orientações. 22 Na reta final, escrevi no quadro o roteiro da p. 62 a fim de revisarem o texto já escrito e assim melhorá-lo. Na penúltima aula atendi os alunos lendo seus escritos para correções e para sanar possíveis dúvidas. Na última aula de atividades da Olimpíada, cada aluno passou o texto a limpo (versão definitiva). 23 As atividades desenvolvidas nesta Olimpíada de Língua Portuguesa foram tanto orais quanto escritas: aula expositiva, conversas, diálogos, debates, entrevistas, pesquisa, resolução de questionamentos, bem como escrita e reescrita de textos até chegar ao texto final. 24 Os textos classificados pelo grupo avaliador da escola foram dos que se mostraram interessados no desafio da pesquisa e produção de texto, confirmando o fato que, quando o aprendiz é despertado para a aprendizagem, é capaz. Afinal, ninguém do “lugar onde vivo” ([...]) pensou que um aluno de uma “cidadezinha qualquer”, que muitas vezes é criticada por seus moradores (lugar onde nada acontece; neste fim de mundo) chegasse a semifinalista desta Olimpíada. 25 Ufa! Que vitória! Relato de prática da professora Flávia

Relato de prática5 1 Não me lembro bem da data em que me inscrevi com minhas turmas nas Olimpíadas de Língua Portuguesa, mas quando a supervisora nos falou sobre esse assunto na reunião, já havia me inscrito, pois os meus alunos me perguntavam com freqüência “A nossa escola não vai participar das Olimpíadas? Na televisão está falando...” Só que eles estavam pensando que seriam provas, como nas de Matemática.

5 Relato apresentado pela professora Flávia (nome fictício), 46 anos, sexo feminino, nível de pós-graduação completo, leciona há mais de 10 anos, trabalho realizado na região sudeste. Texto original editado com omissão de palavras que possibilitassem identificação e numeração dos parágrafos. As palavras omitidas estão indicadas por reticências entre colchetes.

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2 No dia em que recebi o Caderno do Professor6 com as orientações para a produção de textos, fiquei emocionada, vibrei com aquelas oficinas7, tudo bem detalhadinho, não deixando nenhuma dúvida de como proceder durante as aulas. Porém, estava bastante apreensiva, não sabia como os alunos iriam receber o trabalho com os textos, como já disse, esperavam provas, e provas “de marcar X”, como dizem. “Como vou apresentar para eles este material, com este “punhado” de textos?” Sempre me perguntava. 3 Além do mais, eram muitas oficinas, o tempo curto, poucas aulas e muitas cobranças, principalmente em se tratando do Ensino Médio. 4 Antes de iniciar qualquer trabalho, conversei com a supervisora da escola, que deixou a decisão em minhas mãos, era tudo o que eu queria. Assim que li, com calma, o Caderno com as propostas das oficinas percebi que faziam parte do Planejamento das aulas de Redação. Quanto ao fato de como os alunos receberiam a proposta de trabalho das oficinas, percebi que tinha mais a ver comigo do que com eles. 5 Lembro-me que foi a primeira surpresa boa que tive, entre tantas que vieram depois. Não sei se foi a minha empolgação ou não, mas consegui o que queria, receberam muito bem a proposta de trabalho. Os poucos que resistiram, assim que começaram o contato com os textos, mudaram de idéia, porque começaram a perceber que em quase todos que liam, conseguiam relacionar o tema com alguma situação parecida da nossa região. Como por exemplo, o texto “Café na Avenida: certo ou errado?” um dos alunos comentou “Meu vizinho já fez isso na minha rua, só que não era café, mas feijão.” 6 Também era difícil a aula em que não acontecia de um ou outro me pedir: “Posso ir lá embaixo, tirar xérox deste texto? Quero levar para a minha mãe (às vezes irmão, colega...) ler.” 7 Notei durante as primeiras Oficinas, que mesmo não sabendo definir bem todas as características do gênero textual artigo de opinião, sabiam argumentar com coerência para defender suas opiniões, também souberam diferenciar bem notícia de artigo de opinião, mas tiveram dificuldade para identificá-lo em jornais, talvez pela falta de intimidade com esse veículo de comunicação. 8 Quanto aos debates, principalmente o primeiro foi meio desorganizado, alguns falaram ao mesmo tempo, outros queriam impor suas opiniões e ficavam nervosos com os colegas, tive dificuldade para contê-los, mas foi bom, diria até muito bom. Opinião confirmada pelos resultados apresentados nos textos escritos e também em suas atitudes nas aulas, acho que passaram a se sentir mais seguros. 9 Lembro-me bem de uma cena, porque chegou a ser hilária, de um dos meus alunos, o [...] debatendo um dos temas dos textos das Oficinas, gesticulava tanto, que por fim, não suportou ficar sentado, levantou-se de tão nervoso que estava só porque os colegas não concordavam com ele. Mas foi, com certeza, mais fácil orientá-los para os próximos debates, do que em outras experiências que já tive antes, em que era preciso fazer esforço para retirar algumas palavras deles. 10 Depois do trabalho com os textos recomendados e de muita pesquisa sobre vários temas polêmicos da região e, também de várias entrevistas realizadas com médicos, promotor, empresários, extratores de pedras, etc. que, de alguma forma, estavam envolvidos com o assunto: “fechar ou não as pedreiras?” recebemos no

6 Material pedagógico com orientações para o ensino do gênero enviado ao professor pelos organizadores do concurso (nossa nota). 7 O material apresenta um conjunto de 12 oficinas organizadas em uma sequência didática. Cada oficina pode demorar uma ou mais aulas para ser desenvolvida.

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salão da escola para palestras: Professores de Biologia e Empresários da cidade. Foi interessante e prazeroso notar que os alunos não ficaram passivos, questionaram bastante. Um dos empresários cometeu um “vacilo” que foi muito comentado pelos alunos, a aluna [...] nos disse, em sala “Foi o que mais me chocou, durante essa palestra”. O Empresário falou em certo momento, referindo-se ao fechamento das pedreiras “E o meu prejuízo? E o meu dinheiro? Quem vai me ressarcir?” só lembrando-se de falar do povo depois de ver o efeito dessas palavras nas expressões dos alunos. 11 Uma das alunas, a [...], contou-nos que mudou a sua opinião sobre o assunto depois das pesquisas realizadas, antes só se preocupava com o que afetasse a ela e a sua família. E a aluna [...] nos falou que nunca produzia os textos que as professoras pediam, faz pouco tempo que começou, achava que escrevia mal, por isso não gostava. Agora, com as oficinas, está mais confiante. 12 Recordo, ainda, que em uma das aulas em que estávamos avaliando o nosso trabalho, um dos alunos nos revelou que gostou muito de trabalhar com o tema “O lugar onde vivo”. Ele nos disse: “Com esse tema, voltamos a nossa atenção para uma coisa que sabíamos que estava acontecendo, mas fingíamos que o problema não existia, ou que não tínhamos nada a ver com ele.” E completou “Enquanto eu ia lendo as oficinas e via outras crianças e jovens participando dos problemas de seus municípios percebi que tinha que fazer o mesmo.” 13 Através das reações, dos sentimentos expostos e dos trabalhos dos alunos, percebi que a preocupação do jovem com o meio ambiente é grande, era visível a revolta de muitos deles, quando viam os buracos enormes deixados pelas pedreiras em nossas serras, mas ao mesmo tempo, muita empolgação ao discutir e propor soluções não só para esse problema de nossa região, mas também para outros. 14 Com as oficinas também aprenderam a ter uma visão crítica perante os textos jornalísticos e o gosto pela leitura e escrita, trabalharam com prazer, o que na maioria das vezes é bem difícil. Mas o principal mesmo, é que além de adquirirem consciência e responsabilidade social, compreenderam a força que eles, os jovens, possuem dentro do meio social em que vivem e isso despertou neles (não sei se é bem o termo) um espírito de luta. E para ser bem sincera, em mim também. Relato de prática da professora Leila

Relato de Experiência de Prática Pedagógica8 1 Esperei ansiosamente por mais uma temporada do concurso Escrevendo o Futuro, sabia que chegaria a nossa escola alguma novidade da parte da organização do evento. No entanto, me surpreendi com a proposta, agora revestida de Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa, já sabia da existência da Olimpíada Brasileira de Matemática, mas uma Olimpíada de Língua Portuguesa foi um desafio mais que surpreendente.

8 Relato apresentado pela professora Leila (nome fictício), 34 anos, sexo feminino, nível superior completo, leciona há mais de 5 e menos do que 10 anos, trabalho realizado na região nordeste. Texto original editado com omissão de palavras que possibilitassem identificação e numeração dos parágrafos. As palavras omitidas estão indicadas por reticências entre colchetes.

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2 Nossa escola articula as ações de cada professor em sala de aula com o seu Projeto Político Pedagógico que vem se desenvolvendo e se aperfeiçoando desde 2002, segundo o qual um dos objetivos para o Ensino Médio é consolidar e aprofundar conhecimentos, possibilitando o prosseguimento de estudos preparando o educando para o exercício da cidadania, o que afirma e consolida as Olimpíadas Brasileiras de Língua Portuguesa como mais um aliado no processo ensino-aprendizagem, somando forças e multiplicando caminhos para nossa comunidade escolar. 3 Quando recebi o material fiquei feliz e juntamente com a equipe pedagógica da escola dividimos as turmas e os gêneros textuais com os respectivos professores. Fiquei com o 2º. ano do turno tarde, composto de 45 alunos. Vale salientar, que nessa turma, leciono desde 2004, fato que nos torna companheiros dos sabores e dissabores, com desafios que em muitos casos fomos vitoriosos e em outros não, mas mesmo as perdas durante esse período só nos serviram para solidificar a relação professor X aluno. São alunos vizinhos, parentes, gente que vi nascer, pessoas que são capazes de grandes realizações. 4 Desta forma apresentei a proposta da Olimpíada, grande parte da turma aceitou, outra não. Os que aceitaram, acredito, viram na proposta mais uma oportunidade de desenvolver o gênero visto por eles em anos anteriores e os que não gostaram demonstraram certa incredulidade diante das etapas e do que esperavam enquanto resultados finais. Não sei se esperavam em princípio, apenas ganhar um concurso ou aprender algo, no entanto, também participaram. Todavia, como professora e diante da experiência, sei que essa resistência é bem natural, a máxima freudiana já nos revela que ao aprendiz cabe resistir ao saber e à responsabilidade e conosco não poderia ser diferente. 5 Observando agora esse processo, com certa distância temporal, compreendo que eu não queria convencê-los a participar das oficinas só porque o artigo de opinião é um gênero geralmente cobrado nos vestibulares, vendo a proposta de forma utilitária ou simplificando-a a ponto de só pensarem no prêmio, mas que entendessem a escrita dos gêneros como um aprendizado que permeia toda a vida social. 6 Orientei-os que numerassem todo o material que iriam receber, prevendo que seria um trabalho de idas e vindas, ver e rever informações. Ressalto aqui, que nem todas as oficinas foram seguidas segundo as orientações da seqüência proposta pelo concurso, alguns textos foram trabalhados mediante a minha escolha e diante das circunstâncias didáticas já encontradas na turma, como também outros surgiram diante das pesquisas que os alunos fizeram em alguns momentos. 7 Na primeira oficina levei para a sala de aula o artigo de opinião “Naufrágio Curricular” de Claudio de Moura Castro publicado na revista Veja, 1753 de 20/05/02, pág. 22. Tinha o objetivo de fazer ponte temática com o que vínhamos trabalhando até então, que era “a educação brasileira”. Desenvolvi com eles, a partir de leituras individuais e em grupos, a discussão sobre a situação de comunicação, a questão polêmica discutida ali, os pontos em que eles discordavam ou concordavam, o tipo de portador textual daquele artigo, como também todas as características prototípicas do artigo. 8 Na segunda oficina levei o artigo “Violência sim”9, de Antonio Ermírio de Moraes, para que lessem silenciosamente, depois pedi que alguns alunos compartilhassem a leitura para que seus colegas ouvissem. Logo em seguida às

9 Refere-se ao artigo Violência não, educação sim, reproduzido no material da Olimpíada – Pontos de vista, Caderno do Professor, à pg. 18 (nota da pesquisadora).

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discussões, pedi que circulassem e grifassem os articuladores de discurso já conhecidos por eles e que apontassem a relação que a notícia tinha com o artigo. Sempre apontando a relação que Antônio Ermírio teve com a notícia, frisando a importância dessa informatividade presente nas entrelinhas e que, no futuro, em outras oficinas, eles teriam a necessidade de articular com esse propósito, visando o objeto do debate, como também o conflito durante a construção do artigo de opinião. 9 Na terceira oficina, já suscitamos a questão polêmica que iríamos escolher. Nesse momento entrei em conflito, me questionava — o que atrairia a atenção daquela turma? O que seria importante? Lembro que nessa época, diante da indecisão, vieram a mim as palavras de uma formadora do Cenpec10, quando ali na capital, [...], nos orientava que muitas vezes, por estarmos acostumados ao dia-a-dia, com as mesmas imagens, lugares, e cercados pela rotina, não conseguimos ver nada de interessante, foi exatamente nesses lençóis que me encontrei. No princípio eu não quis aceitar a proposta da turma que queria que trabalhássemos a transposição do Rio São Francisco, no entanto, eu particularmente não via novidade alguma, considerava um tema já há muito discutido e que presumia estar longe do “lugar onde vivemos”, mas eles me provaram que era de suma importância para todos nós e em específico para o [...]11. 10 Percebi que eles queriam compreender o porquê de tanta polêmica e a causa da demora dessa transposição. Levantamos inicialmente as discussões e várias incógnitas surgiram. Seria culpa do governo? Os nordestinos não queriam? Os ambientalistas? Seríamos ou não beneficiados? Seguimos desta forma com as nossas pesquisas pelas águas do Velho Chico. 11 Dividi a turma em dois grupos, os que iriam argumentar contra e os que estavam a favor da transposição. Fui assim, levada a pedir que eles escrevessem o primeiro artigo de opinião que tinha como título: “Transposição do Rio São Francisco: sim ou não?” Só não tínhamos ideia do que iria acontecer, não era apenas uma questão de ser contra ou a favor. 12 Foi interessante observar que no primeiro momento eles estranharam a proposta já que sempre quando vou seguir alguma seqüência didática levo-os primeiro a ler muito, textos que são do mesmo gênero ou que são ligados de alguma forma com o gênero estudado. Também, observei que apesar de já ter trabalhado o artigo de opinião com eles em anos anteriores, ainda não tinham entendido as características prototípicas do gênero. Atentei que em sua maioria traziam a polêmica, tentavam posicionar-se, no entanto, não tinham informações suficientes para estruturarem seus argumentos, havia erros de ortografia entre outros, acredito que este último fato se deu também porque não houve reescrita dos textos. 13 Na quarta oficina, levei o artigo: “Doce Içara com sabor amargo”12 de Joice Zilli da Silva, aluna de 11 anos de Santa Catarina, por considerar que ficariam interessados diante da grande divulgação dada pela mídia e logo vi que acertei, alguns alunos aplaudiram a leitura desse artigo abrindo assim um caminho prazeroso durante todo o processo. 14 Mais uma vez analisamos levantando as seguintes questões: o que levou a autora a escrevê-lo? Seu posicionamento? Seus argumentos? As soluções prováveis levantadas por ela? Seu objetivo? E quem seria o público alvo?

10 Organização do terceiro setor (ONG) responsável pela coordenação do concurso (nota da pesquisadora). 11 Natural do município de onde escreve a autora (nota da pesquisadora). 12 Publicado no material da Olimpíada – Pontos de vista, Caderno do Professor, pg. 81 (nota da pesquisadora).

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15 Na quinta oficina, desenvolvemos a compreensão de como construir e defender argumentos, voltei ao artigo da primeira oficina “Naufrágio Curricular” e “Doce Içara com sabor amargo” da quarta oficina, copiei na lousa os tipos de argumentos defendidos por ambos. Preferi assim voltar apenas a esses dois textos, porque considero desnecessário trazer outros textos, já que a turma tem um histórico favorável diante das leituras diárias desse gênero. Vejo assim, diante de pesquisas que fiz, como também na prática do dia-a-dia que o excesso de informação altera a textualidade desse gênero prejudicando o resultado final. Apenas deixei disponíveis em cópias os outros textos da seqüência que não foram trabalhados em sala para leituras diárias. 16 Na sexta oficina, retornamos para a nossa decisão de entendermos a transposição do Rio São Francisco, levei para aula a entrevista do Ministro do Meio Ambiente Gustavo Krause (1998), publicada na Folha de Pernambuco em 28/05/1998. Pedi que pesquisassem e trouxessem para a sala outros artigos e notícias seguindo sempre uma ordem temporal da data do primeiro texto até os dias atuais. 17 Na sétima oficina, diante da entrevista que eles leram e analisaram e das pesquisas que fizeram sobre a transposição, começamos as discussões. Procurei direcionar sintetizando as informações e topicalizando-as na lousa para que pudessem ser usadas na construção dos argumentos no futuro. 18 Na oitava oficina, que fiz diferente do proposto, engraçado que o difícil de seguir seqüências didáticas é que geralmente eu as modifico diante das circunstâncias que vão surgindo. Em minhas aulas de produção textual eles lêem um para o outro os seus textos ou lêem de algum colega para toda a turma. E diante dessa prática de escrita e leitura, do ouvir o que escreveu na voz do outro, ocorre o aperfeiçoamento e o domínio do gênero em um primeiro momento individual e no segundo coletivo de toda a turma. 19 Na nona oficina, depois de todas as leituras, discussões de idas e vindas chegamos a um ponto que parece ser a produção final, mas que a cada dia pode ser renovada segundo as perspectivas novas que se abrem quando pesquisamos. Foi assim que me senti quando li a produção final de [...], pois verifiquei que ela conseguiu ver não com os olhos acostumados como os meus estavam até então. Um olhar novo, que viu a questão da transposição do Rio São Francisco não apenas como um sim ou um não, mas como uma questão de responsabilidade social de cada brasileiro, algo a ser entendido de forma séria e consciente. 20 Assim, encerro esse Relato de Experiência de Prática Pedagógica feliz pelo resultado alcançado, já que a competência adquirida pela aluna semifinalista foi resultado de todo um esforço conjunto daqueles que fazem parte do seu dia-a-dia, como também foi importante ver o resultado de todo o processo com os avanços da turma e a satisfação de cada um ao ver os seus artigos lidos por toda a comunidade escolar.

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Relato de prática da professora Silvia

Relatório das atividades da Olimpíada da Língua Portuguesa [...]13, 14

1 Primeiramente, marcamos uma reunião pedagógica com todos os professores de Língua Portuguesa da nossa escola para discutirmos o início das atividades da Olimpíada. Foram feitas algumas anotações e confeccionamos e selecionamos o material que possivelmente seria usado nas atividades e no decorrer dos trabalhos nas oficinas. Organizamos um calendário de atividades conforme as aulas dos professores nas turmas. 2 Na nossa escola somos cinco professores que trabalham com língua portuguesa e cada um procurou adaptar as atividades buscando a melhor forma para realizar as oficinas de acordo com as categorias15 em que suas turmas se enquadravam. 3 Eu iniciei as atividades da Olimpíada no dia 28 de maio /2008. Primeiro procurei explicar para os alunos como aconteceria. Elenquei em todas as turmas algumas partes do Regulamento, falei a respeito da premiação e salientei considerando a participação dos alunos a importância de escrever bem, obedecendo à coerência textual, a pontuação, etc. Estabelecemos em comum acordo com os alunos quais seriam as metas que gostaríamos de alcançar além de tentar se classificar para a fase final. Anexei em cada turma um calendário que ajudaria os alunos a não esquecer o dia da próxima atividade da olimpíada. 4 Iniciei neste dia a Olimpíada da Língua Portuguesa “Escrevendo o futuro” com as turmas do Ensino Médio vespertino e noturno. Vale lembrar que combinamos em aplicar as atividades das oficinas uma vez por semana e ocuparíamos todas as aulas do dia escolhido em comum acordo com os demais professores da escola que ministram outras disciplinas. 5 Eu lembro que quando explicava como iria acontecer a Olimpíada, alguns alunos não demonstravam muito interesse num primeiro momento. Alguns diziam “Ui, profe! Que chato escrever textos, poderia ser uma prova como requisito para participar.” Porém eu insistia em colocar a importância de escrever bem. 6 Iniciei distribuindo alguns artigos que estavam no Caderno do Professor16. Solicitei para que eles fizessem grupos e iniciassem a leitura. Após a realização da leitura pedi para que comentassem sobre a leitura, elencassem o que acharam de diferença entre os textos lidos nas aulas anteriores. Alguns colocaram que eram textos que tratavam de uma “polêmica”, outros diziam serem textos iguais aos outros. Vendo que a colocação feita pelos alunos estava bastante diferenciada, decidi que deveria trabalhar bastante com a leitura e análise de artigos já publicados em jornais e revistas pelo fato dos meus alunos terem pouco contato com esse gênero de texto até então. 7 E assim foi a cada dia que trabalhávamos a Olimpíada todos tinham como tarefa trazer um artigo de casa para que na aula pudéssemos partilhar as diversas

13 Nome da escola, município e UF (nota da pesquisadora). 14 Relato apresentado pela professora Silvia (nome fictício), 25 anos, sexo feminino, nível de pós-graduação completo, leciona de 1 a 5 anos, trabalho realizado na região sul. Texto original editado com omissão de palavras que possibilitassem identificação e numeração dos parágrafos. As palavras omitidas estão indicadas por reticências entre colchetes. 15 A professora está se referindo às categorias do concurso: poema, para 5° e 6° EF; memórias literárias, 8° e 9° EF; artigo de opinião, para 2° e 3° EM (nota da pesquisadora). 16 Material enviado pela Olimpíada ao professor inscrito na 1ª. edição (nota da pesquisadora).

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leituras e diversos assuntos. Tal atividade permitiu que compartilhássemos outras leituras, comentários e que por fim todos pudessem escrever e reescrever com mais propriedade. 8 Passadas dez semanas foram trabalhados os mais variados textos e assuntos que estavam sendo veiculados pela mídia naquele momento (caso Isabela Nardoni em São Paulo / Usina de carvão que explodiu em Santa Catarina / Envolvimento do jogador Ronaldo com travestis no Rio de Janeiro / Caso do pai que mantinha a família em cativeiro na Áustria / Terremoto na China). Foram trabalhados outros assuntos locais do município de [...] como desenvolvimento econômico do município, trabalho infantil, dificuldades no trânsito da cidade, colocação de faixa de pedestres e lombadas em frente à escola. 9 Decidi que todas as aulas seriam trabalhadas seguindo o Caderno do Professor - sempre salientei a importância de conhecer bem o município em que vivemos e sempre, ao final de cada aula, pontuávamos algumas questões. 10 Essa atividade eu idealizei pensando no momento final em que cada aluno escreveria seu artigo de opinião relacionado ao tema proposto na Olimpíada. Dessa forma todos sentiram segurança ao elaborar o texto. 11 Ao final da Olimpíada, depois de recolher as produções finais, solicitei aos alunos que fizessem um relatório comentando sobre o que acharam das atividades e da Olimpíada. Com a elaboração dos relatórios eu tinha como intuito avaliar qual fora o resultado em relação aos objetivos propostos na realização das atividades. 12 Vejamos algumas colocações dos alunos: “Penso que as dicas de redação que recebi para construir meu artigo de opinião, sem dúvida me ajudarão agora e futuramente, já que para construirmos uma redação de vestibular, por exemplo, é necessária uma boa argumentação. Assim, a Olimpíada de Língua Portuguesa me ensinou a desenvolver melhores argumentos.” [...]. “As atividades realizadas em sala de aula foram indispensáveis não só para a produção do artigo como também para um conhecimento mais amplo sobre produção de texto” [...]. “O objetivo da realização da Olimpíada de Língua Portuguesa para mim foi uma experiência muito boa, assim como para os demais alunos, pois aprendemos coisas novas. As oficinas realizadas foram, cada dia, mais interessantes e despertavam cada vez mais o interesse de todos” [...]. 13 Acredito que o objetivo que eu, juntamente com os alunos delimitamos ao iniciar a Olimpíada foi alcançado. Escrever cada vez melhor, se preocupando com cada palavra que colocamos no texto e fazer com que o aluno observasse de uma forma diferente a escrita de seu texto. 14 Penso eu que isso realmente se concretizou com a grande maioria de nossos alunos que participaram das oficinas e até aqueles alunos que não acreditavam nas suas produções passaram a pensar diferentemente quando viram o resultado dos trabalhos e a classificação da nossa aluna [...] para a fase Regional.