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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ricardo Rodrigo Marino Tozo
A inserção dos tratados internacionais de direitos humanos na Constituição
brasileira: uma perspectiva sobre a proteção da dignidade da pessoa humana
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2014
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ricardo Rodrigo Marino Tozo
A inserção dos tratados internacionais de direitos humanos na Constituição
brasileira: uma perspectiva sobre a proteção da dignidade da pessoa humana
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação do Prof. Doutor Antônio Marcio da Cunha Guimarães.
SÃO PAULO
2014
2
Banca Examinadora
____________________________
____________________________
____________________________
3
Com amor, à minha avó, Maria Genzini
Marino. Sustentáculo da família.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus familiares, em especial, aos meus pais, Alfredo e Imacolada, à
minha irmã, Gabrielle, ao meu tio, Caetano, e aos meus avós (in memoriam), Nicola,
Ângelo e Hilda, esteio dos meus valores, e por sonharem comigo a realização de
mais esta etapa. Sem essa força o resultado não seria obtido.
Agradeço aos meus amigos, por todas as palavras de incentivo e pelas ponderações
feitas ao longo desta jornada, em especial, ao meu irmão, Robinson Aparecido da
Silva.
Agradeço ao Prof. Dr. Antônio Márcio da Cunha Guimarães, pela amizade, paciência
e brilhante orientação deste trabalho.
Aos amigos e professores, Dr. Clayton Vinicius Pegoraro e Dra. Denise Poiani
Delboni, pelo incentivo irrestrito.
E, finalmente, agradeço a todos os professores e colegas da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, que colaboraram intensamente para o meu crescimento
acadêmico.
5
RESUMO
O estudo em apreço visa delinear a trajetória e a construção dos direitos humanos
para a consequente necessidade de materializá-los em tratados internacionais de
direitos humanos. A partir de um plano jurídico internacional solidificado em tratados,
o trabalho busca avaliar as teorias de recepção e a jurisdicionalização no
ordenamento jurídico brasileiro sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa
humana.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Tratados Internacionais de Direitos
Humanos. Constituição Federal. Dignidade da Pessoa Humana.
6
ABSTRACT
The present study aims to delineate the trajectory and the construction of Human
Rights for the consequent need to materialize them in International Human Rights
Treaties. From an international legal perspective solidified in the Treaties, the work
seeks to evaluate the theories of reception and jurisdictionalization the Brazilian legal
system, from the viewpoint of the principle of human dignity.
KEYWORDS: Human rights. International human rights treaties. Federal
Constitution. Dignity of the Human Person.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 09
1 AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS.................................. 11
1.1 Terminologia.............................................................................................. 13
1.2 Breves antecedentes históricos sobre a proteção dos direitos
humanos........................................................................................................... 16
1.2.1 Concepção dos direitos humanos na Antiguidade............................. 16
1.2.2 A Idade Média e os direitos humanos................................................. 19
1.2.3 Os direitos humanos e as mudanças políticas e sociais na
modernidade................................................................................................ 20
1.2.3.1 A contribuição inglesa............................................................. 21
1.2.3.2 Revolução Americana............................................................. 23
1.2.3.3 Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão...................................................................................... 24
1.3 A propulsão dos direitos humanos no início do século XX.................. 25
1.3.1 Constituição Mexicana de 1917.......................................................... 26
1.3.2 Revolução Russa................................................................................ 27
1.3.3 Constituição de Weimar...................................................................... 28
1.3.4 Organização Internacional do Trabalho.............................................. 29
1.4 A Afirmação dos direitos humanos no pós-Segunda Guerra
Mundial........................................................................................................ 29
2 OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E AS
TEORIAS ACERCA DO RELACIONAMENTO ENTRE DIREITO
INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO.......................................................... 32
2.1 Tratados Internacionais como fonte do direito internacional............... 34
2.1.1 As diferenças entre os tratados comuns e os tratados de direitos
humanos...................................................................................................... 36
2.2 Valoração dos tratados internacionais de direitos humanos................ 37
2.3 As teorias do monismo e do dualismo.................................................... 39
2.3.1 Teoria monista..................................................................................... 40
2.3.1.1 Monismo com prevalência no direito interno.......................... 41
8
2.3.1.2 Monismo com prevalência no direito internacional................. 43
2.3.2 Teoria dualista..................................................................................... 45
2.3.3 Posicionamento brasileiro................................................................... 46
3 A INSERÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
NO BRASIL........................................................................................................ 48
3.1 Tratados internacionais e sua processualística no direito brasileiro.. 49
3.2 Incorporação e hierarquia dos tratados internacionais de
direitos humanos no ordenamento interno................................................... 52
3.2.1 Tratados de direitos humanos com natureza de lei ordinária............. 53
3.2.2 Tratados de direitos humanos com natureza supralegal x
constitucional................................................................................................ 54
3.2.3 Tratados de direitos humanos com natureza supraconstitucional...... 59
3.3 Solução de antinomia: uma perspectiva da dignidade da pessoa
humana e sua relação com a aplicação dos tratados de direitos
humanos........................................................................................................... 61
CONCLUSÃO....................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 70
9
INTRODUÇÃO
O estudo dos direitos humanos é, sem dúvida, amplo e inesgotável.
Desafiadora é a investigação quando se trata de contextualizar esse mote sob o
olhar da proteção do princípio da norma mais favorável ao ser humano, seja na sua
individualidade e/ou coletividade.
Faz-se importante resgatar, mesmo que num breve enfoque histórico-
filosófico-político, o entendimento acerca da construção dos direitos humanos e a
sua intensa evolução para a consequente materialização e aplicação.
Busca-se, neste estudo, analisar os tratados internacionais de direitos
humanos envolvendo a incorporação e a hierarquia destes frente ao ordenamento
jurídico brasileiro, sob a tentativa de entendê-los ou, minimamente, demonstrá-los,
com fundamento pro homine em última análise.
Observar-se-á que os direitos humanos não surgiram repentinamente ou
foram simplesmente impostos pelo Estado-Instituição, mas coube ao homem, com a
consecução daquilo que se aspirou, através de batalhas e inesgotáveis
perseguições, lograr e desenvolver um legado protetivo em prol dos menos
privilegiados1.
Sem dúvida nenhuma as conquistas dos seres humanos ao longo da história
são convite ao aprofundamento do tema. O direito ao trabalho livre, os direitos
sociais, culturais, econômicos e políticos são conquistas da humanidade. O princípio
da dignidade é elemento intrínseco ao ser humano, contudo não se trata apenas de
um princípio, mas de um postulado supremo e universal.
Assim, a partir da análise histórica, pretende-se demonstrar a intenção
humana em consolidar os seus direitos e fazê-los aplicáveis num contexto global e
preciso.
1 Ferrajoli disserta que todos os direitos humanos e fundamentais foram estabelecidos, tanto em
normativas internacionais quanto nas constituições, como o resultado de lutas e revoluções em prol de uma conquista contra a opressão e discriminação de uma situação de injustiça social que se tomava quase como natural, tendo como foco de lutas a liberdade dos trabalhadores e das mulheres. FERRAJOLI, Luigi. Sobre los derechos fundamentales. In: CARBONELL, M. (Org.). Teoria del neoconstitucionalismo. Madrid: Trotta, 2007. p. 82-97.
10
Na Antiguidade, passando pela Era Cristã, a Idade Média e a Moderna, a
matéria direitos humanos se fez presente. Por óbvio, não se tinha o conhecimento e
a interação que existe hoje, muito menos o respeito ao contraditório e à ampla
defesa, ou simplesmente o direito de contrapor uma ideia, porém, pôde-se constatar
que por diversas vezes a semente dos direitos humanos foi plantada.
Consequentemente, no início do século XX, com as constituições sociais e,
posteriormente, com o término da Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos
ganharam força e proliferação, e puderam se expandir ao mundo de maneira mais
uniforme.
Em um segundo momento, serão estudadas as teorias de relacionamentos
entre o direito internacional e o direito interno. Fato que o direito internacional surge
da necessidade de estabelecer o consenso entre os diversos ordenamentos
jurídicos existentes e de sugerir o fim dos conflitos entre Estados, por outro lado, as
teorias de inserção de tratados e a prevalência do direito interno ou internacional
acabam gerando conflitos jurídicos e econômicos.
Posteriormente, abordar-se-á a processualística brasileira de absorção,
incorporação e hierarquização dos tratados internacionais de direitos humanos.
Neste momento, traremos nossa concepção acerca do tema com fundamento na
doutrina e jurisprudência.
Já na última parte desta pesquisa, nucleou-se o tema na visão do princípio da
dignidade da pessoa humana, na resolução de antinomias com base no princípio
protetivo, sendo o ser humano, e não o Estado, o fim de si mesmo.
Neste estudo foram utilizados os métodos descritivo e exploratório, com base
em pesquisas bibliográfica e histórica, utilizando por vezes o método dedutivo e
outras o indutivo, principalmente nas críticas e reflexões acerca dos textos
doutrinários.
11
1 AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
Indubitavelmente, a expressão “direitos humanos” chega ao século XXI com
grande força e vitalidade, sendo largamente utilizada em manifestações da
sociedade para se pleitear direitos. Apesar disso, em razão do uso descomunal e
por vezes indiscriminado, ela acaba por incorrer em certa vagueza e imprecisão2.
Pretende-se noticiar nas próximas linhas, no entanto, a caminhada histórica
para a construção dos “direitos humanos” e sua imersão no direito positivo.
A satisfação, o anseio, a vontade, o aviltamento, a exploração, a violência, a
exclusão social e a miséria sempre fizeram parte das relações entre seres humanos.
A dignidade da pessoa humana se impõe na perspectiva de relativização das
diferenças, buscando constantemente igualdade e liberdade.
O conceito desse instituto ganhou a sua formulação clássica em Kant, que
defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmo, e não
como um meio. Tal princípio ficou assim postulado:
No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.3
Comparato4 assevera que tudo gira em torno do homem e sua eminente posição no mundo e, ao final, ele se questiona: Mas em que consiste a dignidade humana?
A resposta a essa perquirição foi dada, sucessivamente, no campo da
religião, da filosofia e da ciência.
2 GUERRA, Sidney. Direitos humanos: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 31.
3 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução
Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 65. 4 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8. ed. São Paulo:
Saraiva: 2013.
12
A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com
a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição se deu com a criação do mundo
por um Deus único e transcendente5.
Na Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, encontra-se considerável número de
confirmações do monoteísmo. São usualmente atribuídas a Deus qualidades
como Onipotência, Onipresença e Onisciência, ou seja, o “Novo Tempo Cristão”
contribui para uma passagem da crença de vários deuses (politeísmo) para uma
visão mais centrada, com enfoque na criação e multiplicação humana sob o aspecto
de um Deus que nos criou à sua similaridade.
É nesse sentido que a criatura humana passa a ocupar uma posição
eminente na ordem da criação. Em Gênesis6, Deus disse: “Façamos o homem à
nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar,
sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os
pequenos animais que se movem pelo chão”.
O destaque do ser humano necessariamente passa por questões ligadas à
sua proteção e à forma de relacionar-se. Nesse contexto, o Prof. Barrientos-Parra7
menciona o estudo elaborado pelo jurista francês, Weil8, que descreve a passagem
de Mishná9:
o homem foi criado só, para ensinar que todo aquele que atente contra a vida de um só homem comete um ato tão grave como se houvesse destruído todo o gênero humano, ao passo que aquele que mantém a vida de um só homem tem mérito tão grande como se tivesse salvo o gênero humano inteiro.
Mais tarde, com a afirmação da natureza essencialmente racional do ser
humano, insere-se uma nova justificativa para a sua posição no mundo. A filosofia
ocidental se apresenta com o seguinte questionamento: O que é o homem?
5 COMPARATO, 2013, p. 13.
6 GÊNESIS 1,26. BÍBLIA Português. Gênesis 1:26. Disponível em:
<http://bibliaportugues.com/genesis/1-26.htm>. Acesso em: 30 ago. 2014. 7 BARRIENTOS-PARRA. Jorge David. Alguns fundamentos bíblicos na formação histórica dos
direitos humanos. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 100. 8 WEIL, Prosper. O direito internacional no pensamento judaico. Tradução Marina Kawall
Nóbrega. São Paulo: Perspectiva, 1985. 9 É uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira grande redação na forma escrita da
tradição oral judaica. A Mishná não reclama ser o desenvolvimento de novas leis, mas meramente a recolecção de tradições existentes.
13
A sabedoria grega expressou-se com vigor. Na verdade, a sua simples
formulação já postula a singularidade eminente deste ser, capaz de tomar a si
mesmo como objeto de reflexão10.
Por sua vez, a justificativa científica da dignidade da pessoa humana
sobreveio com a descoberta do processo de evolução dos seres vivos, embora a
primeira explicação do fenômeno, na obra de Charles Darwin11, rejeitasse todo o
finalismo, como se a natureza houvesse feito várias tentativas frustradas, antes de
encontrar, por mero acaso, a boa via de solução para a origem da espécie
humana12.
Importante salientar que o homem torna-se consciente de si mesmo e das
suas limitações na era axial, entre o ano de 800 a.C e o ano de 200 a.C. É a partir
desse período que o Homem que conhecemos “nasceu”13.
Comparato acrescenta que é nesse período que o ser humano passa a ser
dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça,
religião ou costumes sociais.
Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da
pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela
são inerentes14.
1.1 Terminologia
Para Silva15, a ampliação e a transformação dos direitos fundamentais do homem
são as grandes responsáveis pela dificuldade de obter-se um conceito sintético e preciso
a respeito dessa espécie, até porque os direitos humanos fundamentais, em sua
concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes,
10
COMPARATO, 2013, p. 15. 11
Foi um naturalista britânico que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual. 12
COMPARATO, op. cit., p. 16. 13
JASPERS, Karl Theodor. VomUrsprungundZiel der Geschichte (Desde a origem e o fim da história). München: Piper Verlag, 1949. 14
COMPARATO, op. cit., p. 24. 15
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. rev. atual. até a Emenda Constitucional n. 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 175.
14
desde a conjugação de pensamentos filosófico-jurídicos até as ideias surgidas com o
cristianismo e com o direito natural.
Sarlet16 aponta para o fim da heterogeneidade, e ausência de consenso no
tocante à esfera conceitual e terminológica, rechaçando a utilização, ao menos como
termos genéricos, das expressões: direitos fundamentais, direitos humanos
fundamentais, liberdades públicas, direitos sociais e direitos subjetivos públicos.
Já Pagliarini17, sob uma perspectiva mais crítica, assevera que
a confusão terminológica está intimamente ligada à vontade egoística de autores que, ao perceber que um chamou tal coisa com a expressão X, para deste se diferenciar então inventa a expressão Y que, ao final e ao cabo, quer dizer exatamente a mesma coisa que X.
Bobbio18 afirma que a doutrina dos direitos humanos nasceu na filosofia
jusnaturalista, segundo a qual um conjunto de valores e de pretensões humanas não
decorre de uma ordem jurídica oriunda do Estado.
Por outro lado, em sua Teoria da Norma Jurídica, Bobbio19 salienta que:
é doutrina recorrente para os jusnaturalistas que os homens, antes de entrar no estado civil (dirigido pelo direito positivo), tivessem vivido no estado de natureza, cuja característica fundamental é de ser regido apenas pelas leis naturais, pois, conforme doutrina aceita, o estado de natureza é impossível e dele é necessário sair (segundo Locke e Hobbes se trata de um cálculo utilitário, segundo Kant, de um dever moral) para fundar o Estado. Isso deve ser interpretado no sentido de que o direito natural não cumpre a função de direito positivo, já que, se chamamos de “direito” o direito positivo, não podemos considerar “direito” da mesma maneira o direito natural. Kant, perfeitamente consciente dessa distinção, chamou o direito natural de “provisório” para distingui-lo do direito positivo, que chamou de “peremptório”, dando isso a entender que somente o direito positivo era direito no sentido que está impregnado na palavra.
Para Campos:
16
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 28. 17
PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. Teoria geral e crítica do direito constitucional e internacional dos direitos humanos. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho, DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 43. 18
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 68. 19
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução Ariani Bueno Sudatti e Fernando Pavan Baptista; apresentação de AlaôrCaffé Alves. 5. ed. rev. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 59.
15
os direitos humanos passam a ser considerados realmente “direitos” uma vez incorporados ao direito positivo, mas antes disso são considerados “direitos morais”, ou seja, exigências éticas que a filosofia dos direitos humanos concederia ao termo “direitos”.20
Entrementes, não cabe, por ora, o aprofundamento das concepções das
correntes filosóficas acerca do direito natural e direito positivo, muito embora seja
novamente mencionado adiante, mas tão somente noticiar referida passagem para
que se atribua importância à definição a seguir sugerida.
Aliás, muito importante enaltecer e deixar claro que as passagens históricas a
seguir abordadas impõem os alicerces para a construção dos direitos humanos, ou
seja, não são os direitos humanos “propriamente ditos” ou positivados, mas apenas
indícios de que as práticas utilizadas durante aqueles períodos levaram a
humanidade a regulamentar o direito.
Destarte, assevera-se que o termo direitos humanos é um dos mais usados
na cultura jurídica e política atual, fundamentalmente pelos cientistas e filósofos que
estudam o homem, o Estado e o Direito. A utilização da terminologia direitos
humanos advém da importância de sua função reguladora.
Para o fim do presente trabalho, será adotada a definição trazida por
Pagliarini21:
Direitos humanos são as normas jurídicas contidas em regras, princípios e costumes, escritos ou não – mas que tenham sido positivados pelo Estado ou pela Comunidade Política Internacional – que salvaguardam o indivíduo e a coletividade em face da atuação do próprio Estado, da própria Comunidade Jurídica Internacional e até dos particulares. Querem dizer exatamente o mesmo que as expressões Direitos Fundamentais, Direitos do Homem e Direitos Humanos Fundamentais.
Sendo assim, ao menos para o que se apresenta, ler-se-á direitos humanos,
quando for utilizada a terminologia direitos fundamentais ou direitos sociais.
Condescendemos que os direitos humanos devem ser positivados, num
contexto interno ou internacional, pois, somente assim, a ordem de igualdade,
20
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 2006. p. 80. 21
PAGLIARINI, 2012, p. 44.
16
liberdade, democracia e dignidade da pessoa humana terão parâmetros para a sua
real efetividade.
1.2 Breves antecedentes históricos sobre a proteção dos direitos humanos
Preliminarmente, importante tecer que não serão abordados, especificamente,
todos os fatores que influenciaram na construção da visão contemporânea dos
direitos humanos, tendo em vista o escopo do presente trabalho. Todavia, porém,
passar-se-á pelos períodos mais comentados na doutrina que trata sobre o tema.
Como prenunciado, os direitos humanos são fruto de grande evolução
histórica. Foram inúmeras mobilizações e mutações sofridas ao longo do tempo.
A percepção da necessidade de proteção de alguns direitos inerentes ao ser
humano fez com que a sociedade agisse em prol de um bem comum. Esse bem,
inclusive, deveria nortear todos os demais dentro de um ordenamento.
Emergiu, assim, a dignidade da pessoa humana.
É a partir das transformações que será visto a seguir que referido princípio
ganha relevo, por certo fundado nas transformações sociais e nas exigências de
uma sociedade que clamou por tal proteção.
1.2.1 Concepção dos direitos humanos na Antiguidade
Ao longo dos séculos a humanidade se deparou com inúmeras atrocidades:
guerras, conflitos, abusos de poder e políticas desiguais, são alguns dos exemplos
clássicos.
A primeira manifestação de limitação do poder político, no entanto, deu-se no
século X a.C., quando se instituiu o reino de Israel.
O Rei Davi22 estabeleceu pela primeira vez na história política da humanidade
a figura do rei-sacerdote, ou seja, o monarca não se proclama deus nem se declara
legislador, mas se apresenta, antes, como delegado do Deus único, que é o
22
É reconhecido como o maior rei de Israel. David viveu por volta de 1000 a.C. Foi um rei popular e o personagem do Antigo Testamento que mais vezes é mencionado na Bíblia.
17
responsável supremo pela execução da lei divina. Surgia, portanto, o embrião
daquilo que, muitos séculos depois, passou a ser designado como o Estado de
Direito, ou seja, uma organização política em que os governantes não criam o direito
para justificar o seu poder, mas submetem-se aos princípios e normas editados por
uma autoridade superior23.
Klingen24 assevera que os povos da Antiguidade descobriram que o ser
humano tem gravado em sua própria natureza a racionalidade de se organizar de
diversas maneiras, seja em códigos ou referências. O Código de Hamurábi25e o
Código de Manu26, como formas jurídicas elementares, mesmo não produzindo os
efeitos jurídicos necessários para a atualidade, deixaram as primeiras expressões de
defesa da dignidade e dos direitos da pessoa humana.
A Grécia também lançou bases para o reconhecimento dos direitos humanos.
A primeira colaboração se deu ao colocar a pessoa como centro da questão
filosófica, ou seja, passou-se de uma explicação mitológica da realidade para uma
explicação antropocentrista, possibilitando aos pensadores refletirem sobre a vida
humana27.
Surgia a ideia de um direito natural superior ao direito positivo, qual seja o da
distinção entre lei particular, como aquela que cada povo dá a si mesmo, e a lei
comum, que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e o que é
injusto pela própria natureza humana. Tal distinção foi preconizada pelo filósofo
grego Aristóteles, e tem como exemplo a peça Antígona, na qual se invocavam leis
imutáveis contra a lei particular.28
23
COMPARATO, 2013, p. 53. 24
KLINGEN, GermánDoig. Direitos humanos e ensinamento social. São Paulo: Loyola, 1994. p. 38. 25
Representa o conjunto de leis escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia. Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurábi, aproximadamente em 1700 a.C.. Foi encontrado por uma expedição francesa em 1901 na região da antiga Mesopotâmia correspondente à cidade de Susa, atual Irã. 26
Inscrito em sânscrito, constitui-se na legislação do mundo indiano e estabelece o sistema de castas na sociedade hindu. 27
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003. p. 21. 28
LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 35.
18
Não obstante, os estoicos29 também colaboraram com o reconhecimento de
direitos inerentes à própria condição humana ao defenderem uma liberdade interior
inalienável, que é a do pensamento, que se encontra em todas as pessoas. Essa
ideia foi continuada por Cícero30, em Roma, anos mais tarde31.
Já na era Cristã32, a grande influência revolucionária foi exercida por Jesus
Cristo com a doutrina do amor ao próximo. Primeiro pela liberdade individual, uma
vez que ninguém poderia exigir ser amado pela força: o amor exige a vontade
plenamente livre. Segundo porque o amor gera igualdade entre os homens. Em
síntese, o amor nos iguala33.
Aliás, Jesus Cristo tratou as mulheres como seres humanos responsáveis,
reconhecendo o seu valor, permitindo-lhes ouvir os seus ensinamentos e, inclusive,
associando-as ao seu ministério, o que destoava radicalmente dos costumes do seu
tempo34.
Certo afirmar que, com o surgimento do cristianismo, as bases para os
reconhecimentos dos direitos humanos ganharam força, principalmente ao limitar o
poder político, através da distinção entre o que é de “César” e o que é de “Deus”,
bem como o fato da salvação através de Jesus Cristo ser possível a todas as
pessoas de todos os povos.
Segundo Jorge Miranda35:
É com o cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem e sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os homens e mulheres são chamados à salvação através de Jesus,
29
Os estoicos ensinavam que as emoções destrutivas resultam de erros de julgamento, e que um sábio, ou pessoa com “perfeição moral e intelectual”, não sofreria dessas emoções. 30
Cícero é normalmente visto como sendo uma das mentes mais versáteis da Roma antiga. Foi ele quem apresentou aos romanos as escolas da filosofia grega e criou um vocabulário filosófico em latim, distinguindo-se como um linguista, tradutor, e filósofo. Um orador impressionante e um advogado de sucesso. 31
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998. p. 12. 32
AnnoDomini (termo em latim que significa: “ano do Senhor”), também apresentado na sua forma abreviada A.D., é uma expressão utilizada para marcar os anos seguintes ao ano 1 do calendário mais comumentemente utilizado no Ocidente, designado como “Era Cristã” ou, ainda, como “Era Comum” (esta última designação é a preferida por quem tenta evitar referências religiosas). 33
BARRIENTOS-PARRA, 2012, p. 110. 34
Ibidem, p. 113. 35
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 17.
19
que, por eles, verteu o Seu sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social pode destruir.
Importante salientar, contudo, que, embora a Antiguidade tenha prestado
inúmeras contribuições ao reconhecimento de direitos relativos à pessoa humana,
durante esse período, práticas como a escravidão, diferenciação por sexo ou classe
social sempre foram comuns.
Faz-se primoroso, todavia, elevar esse período, já que os direitos humanos
não nascem como uma revelação, mas são vagarosamente postos a fim de se
limitar a intransigência da própria espécie.
1.2.2 A Idade Média e os direitos humanos
A sociedade medieval foi caracterizada pela descentralização política,
influenciada pelo cristianismo e pelo feudalismo.
Trata-se do início do movimento para instituição de limites ao poder dos
governantes. Foi o primeiro passo em direção ao amparo generalizado da ideia de
que havia direitos comuns a todos os indivíduos, qualquer que fosse o estamento36
social (clero, nobreza ou povo). O clero, com a função de oração e pregação, os
nobres com o objetivo de vigiar e proteger e o povo com a obrigação de trabalhar
para o sustento de todos37.
Na segunda metade da Idade Média, iniciou-se o movimento de expansão de
documentos escritos reconhecendo direitos a determinadas comunidades, nunca a
todas as pessoas, principalmente através de forais ou cartas de franquia38.
Dentre esses documentos, a Magna Carta, outorgada por João Sem-Terra no
século XII, é a de maior destaque.
36
Constitui uma forma de estratificação social com camadas mais fechadas do que classes sociais, e mais abertas do que as castas, ou seja, possui maior mobilidade social que no sistema de castas, e menor mobilidade social do que no sistema de classes sociais. É um tipo de estratificação ainda presente em algumas sociedades. Nessas sociedades, do presente ou do passado, o indivíduo desde o nascimento está obrigado a seguir um estilo de vida predeterminado, reconhecido por lei e geralmente ligado ao conceito de honra, embora exista alguma mobilidade social. 37
GUERRA, 2013, p. 47. 38
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 11.
20
A inovação trazida pela Carta foi que o documento existiria
independentemente do consentimento do monarca, ou seja, o poder dos
governantes passou a ser limitado39.
Além disso, o documento instituiu alguns direitos, como, por exemplo, a
liberdade eclesial, a não existência de impostos, sem anuências dos contribuintes, a
propriedade privada, a liberdade de locomoção.
Após esse período, a Europa conheceu uma verdadeira “crise de
consciência”, ressurgindo um grande sentimento de liberdade. O terreno estava
preparado para o advento da Reforma, cujo princípio fundamental foi a liberdade de
consciência, de Rousseau, do Enciclopedismo e da Revolução Francesa.40
1.2.3 Os direitos humanos e as mudanças políticas e sociais na modernidade
A descentralização política, o predomínio da Igreja Católica e o feudalismo,
que caracterizaram a Idade Média, deixam progressivamente de existir, dando
ensejo à criação de uma nova sociedade.
O Estado passa a ser concebido como uma criação do homem, viabilizando a
ideia do contratualismo e deslocando o poder absoluto outorgado ao monarca, de
forma irreversível e inquestionável, para um poder outorgado pelo cidadão em favor
do governante; com esse deslocamento, fica aberto o caminho para a afirmação da
pessoa humana como “valor-fonte” do direito.41
Essa mudança é decorrente de fatores como o desenvolvimento do comércio,
o surgimento da burguesia, as mudanças políticas e científicas, o início da liberdade
religiosa e o senso de igualdade, além das construções sociais oriundas das
relações de trabalho.
Ainda não se pode falar em garantias e direitos universais, muito embora
tenha existido um grande avanço nesse período, mas pode-se cravar que essas
mudanças foram significativas para uma futura positivação dos direitos humanos.
39
COMPARATO, 2013, p. 53. 40
GUERRA, 2013, p. 48. 41
SANTOS, Alberto Silva. A internacionalização dos direitos humanos e o sistema interamericano de proteção. Belo Horizonte: Arraes, 2012. p. 7.
21
A seguir, serão analisados três marcos históricos que corroboraram com esse
avanço.
1.2.3.1 A contribuição inglesa
A Revolução Gloriosa de 1688 culminou com o acerto de contas entre a
aristocracia e a burguesia inglesa.
Anos antes, podem ser citadas algumas passagens importantes que
asseguraram garantias institucionais e respeito à vida, como a Petition of Right, de
1628, pela qual, representantes da aristocracia, burguesia e da Igreja requereram ao
rei que não fossem baixados tributos sem autorização do Parlamento nem aplicadas
penas de morte ou de mutilação sem o devido processo legal42.
Outro ponto importante que culminou na Revolução Gloriosa foi a
regulamentação do Habeas Corpus. Na realidade, essa medida já existia desde a
Magna Carta em caso de prisão arbitrária, mas foi em 1679 que ganhou importância
histórica.
Isso porque constituiu no fato de que essa garantia judicial, criada para
proteger a liberdade de locomoção, tornou-se a matriz de todas as que vieram a ser
criadas posteriormente para a proteção de outras liberdades fundamentais43.
As tensões com a monarquia continuavam, até que, em 1688, foi assinado o
Bill of Rights (Declaração de Direitos), que reiterou os direitos individuais e firmou a
supremacia institucional de um Parlamento bicameral na Inglaterra.
Implementou-se, assim, a liberdade de imprensa; a livre iniciativa econômica
desvencilhou-se de restrições anteriores e logo se desenvolveram outras reformas
que permitiram à acumulação privada de lucro erigir-se em meta dominante das
políticas governamentais44.
Com o avanço dessas medidas, em poucas décadas, a Inglaterra se tornou a
maior potência mundial. Liberdade econômica, de locomoção e social resultaram na
42
TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2011. p. 82. 43
COMPARATO, 2013, p. 101. 44
TRINDADE, J. D. de L., 2011, p. 83.
22
Revolução Industrial, um grande marco histórico da conquista burguesa e, anos
mais tarde, da classe operária.
Quer dizer, a luta da aristocracia com a burguesia, primando por liberdade em
desfavor da Monarquia, gerou a liberdade política, econômica e comercial.
Aproveitando-se disso, a classe burguesa institucionalizou o trabalho assalariado:
sob fortíssima disciplina, pressão, exploração do trabalho infantil e jornadas
degradantes.
Os trabalhadores, por sua vez, reivindicaram direitos sociais que foram
conquistados aos poucos e nas décadas que se seguiram. Aliás, as lutas de classe
foram fundamentalmente importantes e imprescindíveis para a construção do
princípio da dignidade da pessoa humana. Foi através dessas lutas, inclusive, que
as Constituições Sociais do século XX foram implementadas em alguns países,
como se observará adiante.
Destarte, assim como no decorrer dos séculos anteriores, pode-se reafirmar
que os direitos humanos não foram postos do dia para a noite, mas foram
construídos através de batalhas, revoluções e lutas da sociedade menos favorecida.
Fato que a dignidade da pessoa humana careceu de não compostura para que a
construção pudesse ser sólida e permanente.
1.2.3.2 Revolução Americana
A Revolução Americana e a Francesa resultaram em declarações e
constituições altamente significativas para a histórica da humanidade e, ainda mais,
asseguraram a liberdade, a igualdade e a fraternidade, além de disciplinar com
louvor os sufrágios de garantias e direitos fundamentais inerentes à democracia.
Entrementes, faz-se importante salientar que a “Declaração de Direitos” na
Inglaterra impôs a todos os súditos uma religião oficial, desrespeitando a liberdade
religiosa. Assim, muitos ingleses, temerosos pela perseguição contra aqueles que
23
não comungavam da religião oficial acabaram fugindo para a colônia americana em
busca de um novo estilo de vida45.
A sociedade colonial nos Estados Unidos tornava-se mais complexa e se
interessava cada vez mais pela vida política. Muito embora leais ao rei, os colonos
buscavam naturalmente certo grau de autonomia.
Foi aí que, em 1773, na cidade de Boston, um grupo de 300 pessoas lançou
ao mar caixas contendo chá, em protesto aos impostos instituídos pela Coroa
britânica sobre produtos nativos. No ano seguinte, um exército comum foi criado
entre as colônias a fim de demonstrar que o respeito à metrópole estava cada vez
mais frágil46.
Já no ano de 1776, com a Declaração de Independência Norte-Americana, foi
inaugurada uma nova etapa para a proteção do indivíduo, pois trata-se do primeiro
documento a afirmar princípios democráticos na história política moderna47.
Significou o primeiro documento de natureza política a reconhecer a
soberania popular, a existência de direitos que se aplicam a todas as pessoas, sem
que haja distinção de sexo, cor ou qualquer outra manifestação social.
Após a independência, os Estados Unidos dispuseram sua Constituição
Federal (1787), mas sem fazer menção específica aos direitos humanos. Contudo, 4
anos mais tarde, em 1791, através de 10 emendas, consagraram a liberdade, a
inviolabilidade do domicílio, a segurança, o devido processo legal, a
proporcionalidade da pena, constitucionalizando, assim, os direitos inerentes à
pessoa humana48.
Resta evidente que a Independência Norte-Americana, seja pela profundidade
das transformações sociais e políticas que provocaram o país de origem (Inglaterra),
seja pelas dramáticas e imediatas consequências internacionais, acabara por
45
RUBIO, Valle Labrada. Introduccion a la teoria de los derechos humanos: fundamento, historia, declaracion universal de 10 de diciembre de 1948. Madrid: Civitas, 1998. p. 82. 46
TRINDADE, J. D. de L., 2011, p. 83. 47
QUINTANA, Fernando. Declaração de independência de 1776 dos Estados Unidos da América: o republicanismo. In: GUERRA, Sidney. Direitos humanos: uma abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2007. v. 3, p. 1. 48
RUBIO, 1998, p. 83.
24
suscitar na Revolução Francesa de 1789 e sua Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão49.
1.2.3.3 Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
A Revolução Francesa foi um período de intensa agitação política e social,
que teve um impacto duradouro na história do país e, mais amplamente, em todo
o continente europeu. A monarquia absolutista que tinha governado a nação durante
séculos entrou em colapso em apenas três anos. A sociedade francesa passou por
uma transformação épica, quando privilégios feudais, aristocráticos e religiosos
evaporaram-se sob um ataque sustentado de grupos políticos radicais de esquerda,
das massas nas ruas e de camponeses na região rural do país.
Inspirada nos ideários de liberdade, igualdade e fraternidade, a Revolução
Francesa serviu para desencadear um novo sentimento entre os cidadãos.
O escritor Zola, em Germinal50, descreve a transformação social e a fé
popular na modificação do mundo nesse período. No romance, constata-se uma das
primeiras lutas do movimento operário moderno e as influências na construção dos
direitos sociais.
A França passava por uma atmosfera exaltada e que clamava por mudanças
significativas tanto política como econômica e social. Assim, em 26 de agosto de
1789, surge a mais importante e famosa declaração de direitos fundamentais, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual foi marcada pela
universalidade dos direitos consagrados.
Comparato51 assevera:
A Revolução Francesa desencadeou a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, como a humanidade jamais experimentara até então. Na tríade famosa, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário. A liberdade, para os homens de 1789, consistia justamente na supressão de todas as peias sociais ligadas à
49
TRINDADE, J. D. de L., 2011, p. 103. 50
ZOLA, Émile. Germinal. Tradução, adaptação e apêndice Silvana Salerno. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 51
COMPARATO, 2013, p. 141.
25
existência de estamentos ou corporações de ofícios. E a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios.
A consagração do artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão destacou a trajetória dos direitos fundamentais, de modo que não há
praticamente constituições que não tenham dedicado espaço aos direitos ou
liberdade fundamentais.
Aliás, o artigo que encabeça a Declaração é enfático: “Os homens nascem e
são livres e iguais em direitos”52. Destarte, os direitos fundamentais granjeiam
importância, mas tão somente décadas depois é que houve de fato a real
internacionalização dos direitos humanos em escala global, conforme será
observado a seguir.
1.3 A propulsão dos direitos humanos no início do século XX
O novo século ganha relevo na medida em que aqueles que não aceitavam
mais permanecer à margem da sociedade tomam a frente de inúmeras batalhas e
entraves. Com o intuito de progredir na construção de direitos, milhões de pessoas
clamam por transformações sociais, ainda mais pelo fato de terem vivido as
atrocidades da Primeira Grande Guerra (1914-1918)53.
Muito embora tenham ocorrido mudanças significativas na medicina e no
campo tecnológico, o século XX foi mesmo marcado pela transformação da relação
entre os Estados e dos Estados com a sociedade através de fatores integrativos e
da mundialização em prol da normatização dos direitos humanos.
Isso de fato incidiu em decorrência da matança de milhões de seres humanos
nas duas Grandes Guerras Mundiais, e a consequente comunhão (seja política, seja
econômica, seja cultural) dos Estados em Organizações Internacionais. É dessa
integração que o patamar mínimo de direitos pode ser concretizado e respeitado.
Por óbvio, por um lado, não há como relacionar todos os acordos bilaterais ou
multilaterais que foram introduzidos na sistemática internacional que ensejaram na
52
ONU. Disponível em: <http://www.onu.org.br/pauta/documentos/>. Acesso em: 30 ago. 2014. 53
TRINDADE, J. D. de L., 2011, p. 153.
26
construção de direitos humanos, por outro lado, insta enaltecer o papel das Cartas
mexicana e alemã, como se observará adiante, além da Revolução Russa e da
Organização Internacional do Trabalho.
1.3.1 Constituição Mexicana de 1917
A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos
trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades
individuais e os direitos políticos. Como menciona Comparato54, a importância desse
precedente histórico deve ser salientada, pois na Europa a consciência de que os
direitos humanos têm também uma dimensão social só veio a se afirmar após a
Grande Guerra de 1914-1918.
A fonte ideológica da Constituição mexicana, promulgada em 5 de fevereiro
de 1917, foi a doutrina anarcossindicalista, que se difundiu no final do século XIX em
toda a Europa, mas principalmente na Rússia e na Itália. Um grupo de jovens
intelectuais contrários à ditadura de Porfirio Diaz55 criou um grupo clandestino que,
em 1906, realizou um manifesto de ampla repercussão, no qual se apresentaram as
propostas que viriam a ser as linhas-mestras do texto constitucional de 1917:
proibição de reeleição do Presidente da República (Porfirio Diaz havia governado
mediante reeleições sucessivas, de 1876 a 1911), garantias para as liberdades
individuais e políticas (sistematicamente negadas a todos os opositores do
presidente-ditador), quebra do poderio da Igreja Católica, expansão do sistema de
educação pública, reforma agrária e proteção do trabalho assalariado.
A transformação desse ideário em normas constitucionais, no entanto,
produziu um efeito político exatamente contrário ao objetivo visado. Pela primeira
vez, na movimentada história do México, criou-se uma sólida estrutura estatal,
independente da figura do chefe de Estado, ainda que a Constituição o tenha dotado
de poderes incomensuravelmente maiores do que o texto constitucional norte-
americano atribuiu ao presidente da república.
54
COMPARATO, 2013, p. 190. 55
José de La Cruz Porfirio Díaz Moryfoi um militar e político mexicano, Presidente da República em três períodos políticos.
27
A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos
trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades
individuais e os direitos políticos. A importância desse precedente histórico deve ser
salientada, pois na Europa a consciência de que os direitos humanos têm também
uma dimensão social só veio a se firmar após a Grande Guerra de 1914-1918.
No mais, o que importa, na verdade, é o fato de que a Constituição mexicana
foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, própria do sistema
capitalista, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à
lei da oferta e da procura no mercado. A Constituição mexicana estabeleceu,
firmemente, o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre
trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a
responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo
geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito.
Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do trabalho e, portanto,
da pessoa humana, cuja justificação se procurava fazer, abusivamente, sob a
invocação da liberdade de contratar.
1.3.2 Revolução Russa
Entre a Constituição mexicana e a Weimarer Verfassung, eclode a Revolução
Russa, um acontecimento decisivo na evolução da humanidade do século XX. O III
Congresso Pan-Russo dos Sovietes, de Deputados Operários, Soldados e
Camponeses, reunido em Moscou, adotou a Declaração dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado. Nesse documento são afirmadas e levadas às suas
consequências, agora com apoio da doutrina marxista, várias medidas constantes
da Constituição mexicana, tanto no campo socioeconômico quanto no político.
Diferentemente da França de 1789, em que a revolução fora principalmente
política, na Rússia os operários queriam mais, pois sua opressão, sob o capitalismo,
era tanto política como econômica e social56.
56
TRINDADE, J. D. de L., 2011, p. 157.
28
Insta esclarecer que, na Rússia, em meio à sociedade comunista, cujas
linhas-mestras foram esboçadas em O Manifesto Comunista57, só os trabalhadores
têm direitos e só eles constituem o povo, titular da soberania política.
Sem dúvida, na Constituição mexicana de 1917 não se fazem as exclusões
sociais próprias do marxismo: o povo mexicano não é reduzido unicamente à classe
trabalhadora.
Não obstante, certamente, mesmo que de forma indireta, a Revolução Russa
foi propulsora de direitos sociais que mais tarde se consagrariam na sociedade
como direitos humanos fundamentais.
1.3.3 Constituição de Weimar
A Constituição de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da Carta mexicana,
e todas as Convenções aprovadas pela então recém-criada Organização
Internacional do Trabalho, que regulamentou matérias de ordem social e trabalhista,
como a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a proteção da maternidade,
a idade mínima de admissão de empregados nas fábricas e o trabalho noturno dos
menores na indústria.
Dallari, em seu manual de Teoria Geral do Estado, afirma a grande influência
da Constituição de Weimar para o constitucionalismo moderno, “sobretudo pela
ênfase dada aos direitos fundamentais”58 na consagração dos direitos sociais.
Ademais, o Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido
delineados pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã
de 1919 uma melhor estruturação. E tal qual como a Constituição mexicana, os
direitos trabalhistas e previdenciários ganharam o status de direitos fundamentais.
57
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Tradução Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. (Ed. Especial – Saraiva de bolso). 58
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 49.
29
1.3.4 Organização Internacional do Trabalho
O principal conceito que motivou a criação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) foi a concorrência desleal entre os países, decorrente da não
observância, por alguns, de normas mínimas de proteção ao trabalho. A ideia inicial,
tal como na Constituição de Weimar, era uniformizar, na medida do possível, as leis
protetivas do trabalho humano entre todos os Estados.
Após a Segunda Guerra, a Organização das Nações Unidas (ONU) substituiu
a Liga das Nações, mas a OIT sobreviveu. Com a globalização intensificada e o
avanço tecnológico, cada vez mais se tornaram necessárias normas que pudessem
reduzir ou eliminar a concorrência desleal, bem como humanizar as relações de
trabalho existentes em nosso planeta59.
Fato é que as relações trabalhistas têm papel fundamental na construção dos
direitos humanos. A adequação setorial e o atendimento probo da classe operária
reluzem em fundações basilares de dignidade. Direitos de igualdade, de liberdade e
de livre associação são exemplos disso.
Pois bem, com essas bases sólidas a sociedade internacional se prepara para
tomar corpo e resistência em prol da normatização dos direitos humanos em escala
global.
1.4 A Afirmação dos direitos humanos no pós-Segunda Guerra Mundial
O totalitarismo perpetrado pelo regime nazista na Alemanha na primeira
metade do século XX, após a Primeira Guerra Mundial, propagou a ideia do ser
humano supérfluo, descartável. O regime estava em consonância com o sistema
legal alemão, portanto, dentro da normalidade, comum, correto60.
Destaca-se que, até esse período, os direitos humanos não haviam se
expandido pelo mundo, ou seja, não haviam sofrido um processo de
internacionalização que pudesse, de fato, ser positivado e enraizado nas
constituições por todo o planeta.
59
GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2011. p. 11. 60
SANTOS, 2012, p. 20.
30
Muito embora, ainda, houvesse pouca expansão da internacionalização dos
direitos humanos, importante novamente mencionar o surgimento da Liga das
Nações e da OIT, que imprimiram limitações à autonomia dos Estados.
Como menciona Piovesan61, “aos poucos, emerge a ideia de que o indivíduo
não é apenas objeto, mas também sujeito de Direito Internacional”.
Não obstante, a Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar global que
durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo — incluindo
todas as grandes potências. Em estado de “guerra total”, os principais envolvidos
dedicaram toda sua capacidade econômica, industrial e científica a serviço dos
esforços de guerra, deixando de lado a distinção entre recursos civis e militares.
Ocorreram grandes violações de direitos humanos na Segunda Guerra
Mundial. Matança em massa e perseguições são alguns dos exemplos das
atrocidades cometidas nesse período.
A partir de então, o tema direitos humanos passaa ser um ponto
extremamente relevante e de interesse geral da comunidade internacional, e não
mais somente do Estado.
Com o final da Segunda Guerra, a comunidade internacional, barbarizada
com a morte de aproximadamente 70 milhões de pessoas, atentou para a
necessidade da promoção a nível global de uma cultura de enunciação e tutela dos
direitos humanos62.
Dessa feita, surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
cuja principal característica é a indivisibilidade que trata dos direitos relacionados ao
homem como um todo.
Assevera-se que o processo de internacionalização dos direitos humanos
possui uma base dual, tendo em vista a restrição da soberania estatal, considerando
que é justamente o Estado que passa a ser um dos principais violadores de direitos
61
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 103. 62
SANTOS, op. cit., p. 26.
31
humanos, e pela concepção universal acerca desses direitos que deveriam ser
estendidos a todos63.
Dessa forma, qualquer violação dos direitos humanos não é mais concebida
como questão interna (Estado), haja vista a preocupação no âmbito da comunidade
internacional com o direito de todos os cidadãos do mundo.
Nessa esteira, com o início de uma nova ordem internacional protetiva dos
direitos humanos, nasce a Carta das Nações Unidas e, posteriormente, inúmeras
declarações de preservação dos direitos dos povos e da humanidade, sob vários
aspectos.
Assim, inicia-se em escala global a construção de um sistema normativo
internacional visando garantir a proteção dos direitos humanos e de limitar o poder
do Estado.
Haberle propõe uma democratização da interpretação constitucional, ou seja,
clama para que as constituições sejam interpretadas abertamente, primando pela
interligação do direito internacional dos direitos humanos com o ordenamento
interno. Dessa maneira, imperaria a adoção de uma hermenêutica constitucional
adequada à sociedade pluralista ou à chamada sociedade aberta64.
Certo afirmar que o caminho percorrido pela afirmação que se desejou ter dos
direitos humanos foi longo e ainda não acabou.
Novamente, os direitos humanos não são direitos postos, revelados. São
conquistas alicerçadas, construídas em base sólida. A sua positivação é uma
conquista imensurável.
Assim, nos próximos capítulos, rediscutir-se-á a temática da dignidade da
pessoa humana como foco central da preservação de direitos. E, em seguida,
passar-se-á, com foco especial na celebração dos tratados internacionais de direitos
humanos, às teorias de recepção e como a Constituição brasileira está preparada
(se é que está) para garantir a máxima efetividade em termos de direitos humanos.
63
FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos humanos: teoria e práxis na cultura da tolerância. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 58. 64
HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 9-10.
32
2 OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E AS TEORIAS
ACERCA DO RELACIONAMENTO ENTRE DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO
INTERNO
O direito internacional dos direitos humanos nasce com a promulgação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Desde então, o mundo
assiste a um progressivo desenvolvimento de diversos instrumentos e uma ampla
gama de tratados internacionais que vem compor um sistema internacional de
proteção aos direitos humanos.
Destarte, o direito internacional brota da necessidade de estabelecer o
consenso entre os diversos ordenamentos jurídicos existentes no mundo e de pôr
fim nos conflitos normativos entre Estados. Diante dessa premissa, e com a
necessidade de os Estados se relacionarem, surge o que se chama de tratados
internacionais. Nessa perspectiva, insta descrever a natureza jurídica dos tratados
antes de iniciar a discussão acerca da sua internalização no ordenamento interno.
Como bem salienta Mazzuoli, “a expressão tratado é uma expressão-gênero,
que alberga dentro de si diferentes nomenclaturas”65.
Explica Henkin66, ao se referir aos tratados:
São acordos celebrados entre sujeitos de Direito Internacional, que são regulados pelo Direito Internacional. Além do termo “tratado”, diversas outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais. As mais comuns são Convenção, Pacto, Protocolo, Carta, Convênio, como também Tratado ou Acordo Internacional. Alguns termos são usados para denotar solenidade (por exemplo, Pacto ou Carta) ou a natureza suplementar do acordo (Protocolo).
Contudo, genericamente, a doutrina utiliza a nomenclatura “tratado”, tendo
como base a Convenção de Viena de 196967, que dispõe em seu artigo 1º: “Tratado
significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo
65
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito dos tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 50. 66
HENKIN, Louis apud PIOVESAN, 2012, p. 59. 67
BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 30 ago. 2014.
33
Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.
Assim, todo acordo internacional, bilateral ou multilateral, e de especial relevo
político, seria denominado tratado por englobar diferentes nuances advindas desse
tipo de negociação.
O direito internacional e o direito interno podem gerar inúmeras discussões
doutrinárias, seja pelo estudo da hierarquia entre direito internacional e o direito
interno estatal, seja pelas práticas de soluções de conflitos, porventura existentes,
entre normas advindas dessa relação, ou seja, pela colisão de princípios e a
consequente utilização da ponderação de valores em face da proteção da dignidade
da pessoa humana.
Com o intuito de solucionar tais questões, foram lançadas, portanto, em linhas
gerais, as teorias que versam sobre a inserção dos tratados internacionais frente ao
ordenamento interno, bem como a positivação, a autonomia e a importância do
direito internacional dos direitos humanos no contexto Jurídico.
Não se pode deixar de olvidar as palavras de Mazzuoli, ao salientar a
importância da Conferência de Viena para um modelo de pós-modernidade ao
direito internacional público, destacando cinco pontos fundamentais:
(i) a reafirmação dos propósitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e de que a universalidade dos direitos humanos é imune a dúvidas; (ii) a complementação do princípio da universalidade com os princípios da individualidade, interdependência e interrelacionariedade; (iii) o reconhecimento da superioridade da visão universalista em relação à visão relativista, entendendo-se que as particularidades nacionais e regionais, bem como os diversos contextos históricos e culturais de um país devem ser levados em consideração, mas sem prejudicar a proteção dos direitos humanos; (iv) a reiteração de que os conceitos de democracia e desenvolvimento devem andar juntos e se complementarem mutuamente; e, (v) a reafirmação de que o desenvolvimento é sim um direito, que tem como destinatário final o ser humano.68
68
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 26.
34
É exatamente enraizado nessas características que serão permeados os
assuntos que serão discutidos adiante, com o enfoque especial na proteção da
dignidade da pessoa humana na relação entre os tratados internacionais de direitos
humanos e a Constituição brasileira.
2.1 Tratados internacionais como fonte do direito internacional
Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo
de vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional. O direito de firmar
tratados deixou de ser atributo exclusivo dos Estados, para também ser exercido
pelas demais pessoas internacionais, sobretudo as organizações internacionais69.
Conforme introito, a terminologia ‘tratado’ abarca qualquer acordo regido pelo
direito internacional, ou seja, tratado é expressão genérica dada à manifestação de
vontades de pessoas de direito internacional para expressar interesse em contratar
algo para aproveitamento internacional ou interno, seja no campo jurídico,
econômico, social, político ou, sobretudo, na esfera de direitos humanos
fundamentais.
A Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, assinada em 1969,
internacionalmente em vigor desde 1980, e, no Brasil, ratificada e incorporada em
200970, é uma das importantes normas do direito internacional. Nela, as regras
costumeiras sobre a matéria foram codificadas em documento quase perfeito. A
primazia do costume como fonte do direito internacional e a consequente codificação
acaba por refletir adequadamente o que já era aceito como expressão da
juridicidade, no plano internacional. Essa codificação exprimiria o que
consuetudinariamente já era considerado legalmente válido71.
Como se sabe, o direito internacional público tem por princípio vigente o livre
consentimento. Referido princípio norteia as relações entre Estados e expressa, de
fato, o desejo dos negociadores no plano internacional.
69
ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E.; CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.158. 70
BRASIL. Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009. 71
CACHAPUZ DE MEDEIROS, A. P. O poder de celebrar tratados. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1995. Cap. 3, p. 190.
35
O elemento volitivo com repercussão no plano jurídico-internacional não gera
direitos e obrigações por si só. Necessário que a vontade dos agentes internacionais
seja postulada em documento internacional válido que traga condições contratuais e
responsabilidades no plano interno e, principalmente, na esfera internacional.
Como explica Ferraz Junior, fonte de direito é a expressão metafórica
utilizada para descrever os modos de formação das normas jurídicas, ou seja, sua
entrada no sistema do ordenamento. Esclarece, ainda, que a própria palavra fonte
remete-nos imediatamente à imagem de “água jorrando da terra”, conforme provém
do significado do vocábulo fons em latim, apontando para a origem de algo, sendo o
ponto de partida no caso do direito72.
O ponto de partida na ordem internacional é a vontade dos negociadores em
colocar em prática os seus anseios e, para tanto, codificar em cláusulas válidas os
seus interesses, para que possa gerar obrigações recíprocas e perpetrar direitos, se
assim entenderem.
Entrementes, cumpre dimanar que o tema da ciência jurídica é a própria
norma jurídica. Como salienta Muller, essa concepção está ultrapassada se marcada
com o estigma de simples abstrações. Explica que: “A premissa de um dos erros
mais fundamentais do positivismo na ciência jurídica, a compreensão e o tratamento
da norma jurídica como algo que repousa em si e preexiste, é a separação da norma
dos fatos, do direito e da realidade”73.
Destarte, ao trazer o conceito para o caso brasileiro, vislumbra-se que os
tratados internacionais não devem ser concebidos a partir de abstrações
desarrazoadas da normatividade. A norma e o fato devem comungar em um mesmo
sentido para ser manifestado como fonte de um direito.
Isto é, a simples manifestação da vontade e a sua positivação sem princípios
fundantes excluem o tratado como fonte e, consequentemente, não geram a norma
pela qual as obrigações e os direitos deveriam vincular as partes.
72
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. , 3. reimp. São Paulo: Atlas, 2011. p. 194. 73
MULLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. Tradução Peter Naumann, Eurides Avance de Souza. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 19.
36
Em prosseguimento, tem-se que os tratados internacionais são fontes de
direito internacional e ganham importância na medida em que regulam situações
comerciais, políticas, econômicas ou sociais, entre Estados, organismos
internacionais e blocos comunitários.
Como fixação e escopo do presente estudo, limitar-se-á a distinguir os
tratados comuns dos tratados de direitos humanos, para que esse possa ser
utilizado como plano de fundo das teorias de inserção que se professarão, bem
como para que haja conclusão lógica no conjunto organizativo do trabalho.
2.1.1 As diferenças entre os tratados comuns e os tratados de direitos humanos
De proêmio, cumpre ressaltar que os tratados internacionais ditos como
comuns ocupam posição totalmente inversa àquela ocupada pelos tratados
internacionais de direitos humanos, sejam pelo conteúdo, abrangência, eficácia,
sejam pela forma de absorção – introdução – no sistema jurídico dos países
receptores-aplicadores dos direitos demandados.
Os tratados internacionais comuns tratam, sobretudo, de questões atinentes
ao comércio internacional, aduaneiro, telecomunicações, sistema cambial, mercado
alfandegário, aparelhamento monetário e financeiro, relações bancárias, entre outros
inúmeros campos relacionados.
Caparroz, ao destacar a importância do tema, assevera que desde os
primórdios da civilização a sociedade teve a ideia natural de que o comércio seria
capaz de produzir benefícios mútuos e que o universo de necessidades existente em
cada ser humano proporcionou a expansão comercial e a procura de bens. O autor
complementa: “O ser humano é, por definição, referencial, vale dizer, baseamo-nos
pelo o que os outros são, fazem ou possuem e, no mais das vezes, o que mais
queremos é exatamente aquilo que não temos”74.
A novel doutrina não versa sobre esses tratados com a relevância que lhes
são peculiares, data maxima venia às posições contrárias, mas os tratados
internacionais que envolvem matérias denominadas comuns são extremamente
74
CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional esquematizado. Coordenador Pedro Lenza. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 25.
37
responsáveis por toda a regulação comercial existente entre praticamente todos os
países do mundo.
Não obstante, deixar-se-á de abordar o tema estritamente por questão de
escolha, sem, contudo, desmerecer a importância e a polêmica que giram sobre o
assunto.
Os tratados de direitos humanos, por sua vez, têm como característica
principal a abordagem de temas relacionados ao tratamento universal entre seres
humanos, além de salvaguardar o indivíduo e a coletividade em face da atuação do
próprio Estado.
Destarte, os tratados internacionais de direitos humanos buscam estabelecer
a ordem, a igualdade, a liberdade, a democracia e, em última e principal análise, a
dignidade da pessoa humana.
2.2 Valoração dos tratados internacionais de direitos humanos
Preliminarmente, antes de se adentrar nas teorias que cientificam a inserção
dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento interno, necessário
tecer alguns comentários acerca da valoração das normas de direitos humanos num
contexto global.
Nas palavras de Soares75, citado por Guimarães em sua obra sobre tratados,
ressalta que os direitos humanos já estão plenamente consagrados como sendo um
dos princípios gerais do direito internacional.
Os direitos humanos são inerentes à pessoa humana, na medida em que não
são meras concessões da sociedade política, mas nascem com o homem, fazem
parte da própria natureza humana e da dignidade que lhe é intrínseca. São direitos
fundamentais, porque sem eles o homem não é capaz de existir e de se
desenvolver; e, universais, porque são exigíveis de qualquer autoridade política em
qualquer lugar.
75
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 93.
38
O direito é próprio da pessoa (jusnaturalismo)76, mas também necessita de
normatização para que decorra a sua aplicação, responsabilidade e sanção. Sem
essas características o direito não se positiva. Fica apenas no campo da abstração.
Cumpre ressaltar que não nos filiamos à corrente contrária à teoria do
jusnaturalismo tampouco do juspositivismo. Validar uma teoria em detrimento de
outra acabaria com a construção jurídica bem como com a mutabilidade do direito,
posto que as relações humanas estão em constante transformação.
Dessa forma, o direito posto é primordial para que as regras possam ser
aplicadas e exigíveis, mas não se deve esvaziar da naturalidade do direito. Isso,
pois, para que uma nova construção do direito se positive primordial, também, a
visão da ordem natural proposta. A concepção de direito e da ciência jurídica deve
prevalecer diante de teorias que afastam a aplicabilidade da norma, mas que
também a abstraia por completo dentro de um sistema em constante mutação.
Pensa-se que o Estado Democrático de Direito é nutrido de diretrizes de
justicialização de direitos humanos com fundação na dignidade da pessoa humana,
a partir de bases principiológicas do direito natural, que podem ser postas,
sobrepostas e não postas.
Nesse sentido, nas palavras de Guimarães77, “a proteção da dignidade do
homem ou qualquer outro preceito fundamental de proteção aos direitos humanos
deve se sobrepor à qualquer construção normativa. A norma que protege os direitos
humanos é a verdadeira norma fundamental”.
Ao entender o direito natural e alinhá-lo com a visão positivista, tem-se a ideia
adequada do valor dos direitos humanos e combinada com a necessidade de
colocá-los à sociedade global, com o intuito de que se produzam efeitos de proteção
e validade, em todos os sentidos.
76
Corrente do direito natural. Teoria que procura fundamentar o direito a partir da razão prática, a partir do que é natural ao homem. O jusnaturalismo é uma corrente jusfilosófica que crê na existência de um conjunto de valores éticos universais inerentes ao homem, decorrendo, destarte, da própria natureza humana, sendo superior bem como anterior ao direito positivo, o que se contrapõe aos ideais do juspositivismo. O suntuoso pensador italiano Norberto Bobbio observa no jusnaturalismo o início de uma fase da história mundial fundada sobre o ideal de liberdade e que advoga a junção entre liberalismo e democracia no Estado de Direito, como um antídoto contra a febre neoliberal do Estado mínimo. 77
GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Tratados internacionais. São Paulo: Aduaneiras, 2009. p. 123.
39
Portanto, os tratados internacionais de direitos humanos foram erigidos com
base na dignidade da pessoa humana, posto ter sido essa a consequência dos
direitos humanos em sentido amplo. É com esse ideal que serão analisadas as
teorias de inserção dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico
interno.
2.3 As teorias do monismo e do dualismo
São duas vertentes de análise principal para se estudar a relação entre o
direito internacional e o direito interno: o dualismo e o monismo.
Segundo Husek, “o Direto Interno é elaborado pela vontade soberana do
Estado, e o Direito Internacional na acomodação dessas vontades; além do que, a
ordem interna obedece a um sistema de subordinação, e a internacional, de
coordenação”78.
De prelúdio, cumpre ressaltar que o dualismo sugere que o direito
internacional e o direito interno são noções diferentes, pois estão respectivamente
fundamentados em duas ordens: a interna e a externa.
Por outro lado, o monismo pressupõe que o direito internacional e o direito
interno são elementos de uma única ordem jurídica e, por isso, haveria uma norma
hierarquicamente superior conduzindo esse único ordenamento. Essa teoria, ainda,
expõe duas posições: a primeira que defende a primazia do direito interno, e, a
segunda, que defende a primazia do direito internacional.
A análise da incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao
direito interno brasileiro, bem como a sua posição hierárquica, passa
necessariamente pelo estudo das teorias acerca da relação entre o direito
internacional e o direito interno.
Não se pode negar que o dualismo e o monismo trazem à luz acadêmica uma
discussão que tem como pressuposto a importância do direito instituído
internacionalmente frente ao ordenamento jurídico interno, in casu, o brasileiro.
78
HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 55.
40
Essas relações foram estudadas inicialmente por Henrich Triepel, Dionisio
Anzilotti e Hans Kelsen.
Adotando a posição de Monteiro79, não se trata, essa análise, de mera
discussão teórica, nem está a discussão superada. Trata-se, sim, de fundamento
doutrinário que, em última análise, determina a posição hierárquica dos tratados
internacionais, dentre os quais os de direitos humanos, no plano das fontes
normativas.
Uma análise dessas hipóteses cumpre auxiliar na busca de um entendimento
do conflito potencial entre fontes internacionais, especialmente, entre o tratado
internacional e a ordem jurídica interna. Tanto é assim que os juristas que estudam o
tema partem da análise da dicotomia dualismo x monismo.
Tratar-se-ão as teorias em três grupos, quais sejam: o monismo com
prevalência no direito interno, o monismo com prevalência no direito internacional e
a teoria dualista.
2.3.1 Teoria monista
A doutrina monista, em oposição à concepção dualista, sustenta a existência
de uma única ordem jurídica. Para os monistas, o direito internacional e o direito
interno são dois ramos do direito que compõem um só sistema jurídico.
Inicialmente concebido por Hans Kelsen, tem como fundamento teórico a
existência de uma única fonte jurídica internacional, decorrente da incompatibilidade
de diversas fontes soberanas estatais concomitantes80.
Para essa teoria, o direito internacional é aplicado na ordem jurídica dos
Estados independentemente da sua transformação em norma interna. Para a
doutrina monista, basta que o tratado seja assinado e ratificado no plano
79
MONTEIRO, Marco Antonio Corrêa. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 23. 80
Ibidem, p. 33.
41
internacional para que o Estado assuma o compromisso jurídico, sendo
desnecessária a edição de um novo diploma normativo81.
O monismo apresenta uma celeuma que não está presente na doutrina
dualista, posto que, em caso de conflito, deve-se decidir qual ordem jurídica
prevalece, a interna ou a internacional, diferentemente do que será visto mais
adiante quando se estudará a corrente dualista.
Sendo assim, a doutrina monista sofre uma divisão importante: há
doutrinadores que entendem que, em caso de conflito, deverá prevalecer a ordem
jurídica nacional de cada Estado – monismo com prevalência do direito interno; outra
corrente doutrinária, por sua vez, estabelece a primazia da ordem internacional em
detrimento do direito interno – monismo com prevalência do direito internacional ou
monismo internacionalista82.
2.3.1.1 Monismo com prevalência no direito interno
A doutrina monista com primazia no direito interno surge com a Revolução
Francesa para explicar o relacionamento entre o direito internacional e o direito
interno.
Como salienta Galindo, a base filosófica que sustenta a proeminência do
direito estatal sobre o direito internacional é encontrada em Spinoza e Hegel. É
nessas doutrinas que se encontra a explicação do surgimento da ideia de monismo
com prevalência do direito interno, assim como a influência do estatismo acentuado
no direito internacional dos séculos XIX e XX, o que, inclusive, levaria à negação da
juridicidade do direito internacional83.
81
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 300. 82
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 355-383. 83
GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados internacionais de direitos humanos e Constituição brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 15.
42
Segundo essa concepção, o direito internacional retira a sua obrigatoriedade
do direito interno, sendo que a Constituição do Estado determinaria o grau
hierárquico a ser atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras84.
Para o monismo com prevalência no direito interno, o exercício da soberania
ganha força, uma vez que as normas de direito internacional não apresentariam
certa limitação do poder estatal, haja vista que somente a Constituição (ou o
regramento) de cada Estado poderia conceder a validade ou a permissão das
normas internacionais85.
Dessa forma, os causídicos do monismo com predomínio do direito interno
fundamentam sua posição em dois pontos: (i) a competência para concluir tratados
internacionais é determinada pela Constituição de cada Estado e,
consequentemente, a obrigatoriedade do direito internacional emana de uma norma
interna; e (ii) a inexistência, no plano internacional, de uma autoridade que obrigue
os Estados a cumprirem os compromissos internacionais, o que leva cada Estado a
estar livre para determinar suas obrigações externas86.
Corrobora Galindo87, no que se refere ao centralismo estatal e sua pretensa
autossuficiência, em três pontos, a saber: (i) a impossibilidade da existência de
sujeitos outros que não o Estado no direito internacional; (ii) a elevação da fonte que
sintetiza com mais clareza a vontade estatal, o tratado, a um grau mais alto; e (iii) a
possibilidade de o direito internacional servir como ente legitimador de determinada
política externa, em possível detrimento dos interesses de outros Estados ou mesmo
de uma comunidade internacional.
A teoria monista com primado do direito interno é bastante criticada
principalmente pelo fato de reduzir o direito internacional a um direito estatal. Dessa
feita, conforme Kelsen, o direito para essa corrente, considerar-se-ia o direito
internacional um verdadeiro direito estatal externo88.
84
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 5. 85
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 543. 86
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 2. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 71. 87
GALINDO, 2002. 88
KELSEN, 2006, p. 355-383.
43
2.3.1.2 Monismo com prevalência no direito internacional
A corrente monista com prevalência no direito internacional foi desenvolvida
principalmente pela Escola de Viena em contraposição ao modelo sugerido por
Triepel. Hans Kelsen foi o principal precursor desse modelo.
O monismo com supedâneo no direito internacional fez permitir que os
Estados sobrepusessem seus interesses em cumprimento ao direito internacional,
colocando em xeque a própria existência desse direito89.
Essa teoria expressa a prevalência da ordem internacional sobre as normas
de direito interno, ou seja, representa uma ordem jurídica hierarquicamente superior.
Pontes de Miranda apresenta o direito internacional como um elemento maior que
abrangeria o elemento menor, o Estado90.
Os defensores dessa teoria versam que, na hipótese de conflito entre normas,
o regramento internacionalmente prevaleceria sobre o primado interno. Afirma-se,
ainda, a não existência de duas ordens jurídicas, mas tão somente uma com
prevalência da norma internacional sobre a interna.
Dessa forma, as regras estatais contrárias ao direito internacional são
anuláveis, desde que haja previsão no ordenamento interno que assim dispõe91.
De todo o exposto, seguindo o raciocínio de Monteiro92, pode ser extraído três
consequências da adoção desse modelo:
(i) é perfeitamente possível um ato normativo do direito internacional ser aplicado no âmbito interno estatal, ademais, o direito internacional, em regra, deve ser aplicado obrigatoriamente pelos Estados; (ii) como os âmbitos de validade das normas estatais e internacionais podem coincidir, pode haver conflito entre uma norma e outra de direito interno e direito internacional; e (iii) em caso de um Estado, por meio de seu ordenamento interno, violar o direito internacional, cabe a este, por seus órgãos, sancionar o Estado infrator.
89
GALINDO, 2002, p. 40. 90
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 96. 91
KELSEN, 2006, p. 355-383. 92
MONTEIRO, 2011, p. 37.
44
Assim, a existência de normas internas contrárias ao direito internacional
poderia, inclusive, resultar na responsabilização internacional do Estado. De toda
forma, o primado do direito internacional sobre o direito interno é visto como uma
condição de existência do próprio direito internacional, conforme se observará nas
posições dos precursores dessa teoria.
O autor Monteiro, ao citar Hans Kelsen, assevera que o Estado não é algo
distinto do Direito; na verdade, o Estado é um ordenamento normativo, escalonado e
hierarquizado93. E continua, os elementos que caracterizam o Estado, conforme a
doutrina tradicional, nada mais são do que aspectos territorial e pessoal de validade
dessas normas jurídicas (território e povo), somados à força coercitiva, capaz de
tomar essas normas eficazes. O Estado não é senão a personificação do
ordenamento jurídico.
A celeuma não é de observação, mas de interpretação de certos
acontecimentos: pode-se permitir tanto na hipótese do Estado como uma ordem
suprema, soberana, como se pode partir da existência de uma ordem superior ao
Estado, o direito internacional94.
O sistema piramidal proposto por Kelsen teria, em seu cume, uma norma
superior que traria fundamento de validade para todas as demais normas de um
determinado ordenamento. Nesse caso, faz-se necessário encontrar uma norma
fundamental que será a fonte última de onde emanará o Direito, ela poderia ser
encontrada tanto no direito interno como no direito internacional95.
Portanto, para Kelsen, a única teoria que conseguiria explicar o
relacionamento do direito internacional com o ordenamento interno, sem atentar
contra a lógica, seria o monismo. Por razões políticas, ele prefere o monismo com
prevalência no direito internacional, posto que, segundo sua visão, a visão objetivista
e não centrada no Estado contribui para o pacifismo, em contraposição ao
subjetivismo, que tende ao imperialismo.
93
MONTEIRO, 2011, p. 33. 94
Ibidem, p. 33. 95
GALINDO, 2002, p. 44.
45
Outro jurista defendeu a prevalência do direito internacional: Alfred Verdross.
Contudo, porém, diferentemente de Kelsen, concentrou todos os seus esforços no
direito internacional96.
Para Verdross, conforme dispõe Galindo, o monismo com prevalência no
direito internacional é dividido em radical e moderado. A diferença entre os dois
consiste no fato de que o monismo moderado reconhece a possibilidade de conflitos
entre o direito internacional e o direito interno, não tendo tais conflitos caráter
definitivo, encontrando sua solução na unidade do sistema jurídico97.
Nessa esteira, reconhece o autor que o direito internacional exerce uma
superioridade sobre as disposições constitucionais de um Estado, tornando este
obrigado pelas normas de direito internacional.
2.3.2 Teoria dualista
Concebido inicialmente por Heinrich Triepel, na Alemanha e, posteriormente,
por Dionisio Anzilotti, na Itália, a teoria dualista parte de um fundamento para
identificar as relações entre direito interno e o direito internacional.
Esse modelo foi essencialmente mais criticado, principalmente no que se
refere à prevalência do direito internacional frente ao direito interno. Ademais, o
dualismo foi uma teoria essencialmente vinculada ao seu tempo, na medida em que
tentava explicar o facilmente contestável isolamento do direito internacional nos
primórdios do século XX98.
Como explica Guimarães, a teoria dualista consiste, em breves
considerações, no pressuposto da existência de dois ordenamentos jurídicos
totalmente distintos, que têm origens em fontes diversas e âmbito de aplicação e
validade igualmente diferenciados99.
96
GALINDO, 2002, p. 52. 97
Ibidem, p. 52. 98
Ibidem, p. 23. 99
GUIMARÃES, 2009, p. 87.
46
Assim, o direito internacional e o direito interno representam dois sistemas
diferentes e independentes, já que apresentam diferentes relações, sendo que o
único sujeito de direito na ordem internacional é o próprio Estado, e na ordem
interna, apenas o homem.
Apresentando os dois ordenamentos jurídicos diferentes esferas de atuação,
não poderia, segundo os dualistas, haver nenhum tipo de conflito entre os dois e
nem o que se falar de supremacia de um sobre o outro.
Referido modelo obriga que o direito internacional passe por um processo de
adoção e transformação pelo direito interno para que se torne eficaz no
ordenamento jurídico de determinado Estado. Dessa forma, não existiria, sob
qualquer aspecto, a possibilidade de um conflito entre uma norma internacional e
uma norma de direito interno, sendo certo que a lei interna de cada Estado
prevaleceria sobre uma norma de direito internacional.
Segundo Mazzuoli, existe ainda uma corrente dualista considerada moderada.
Para essa doutrina não é necessária a edição de uma lei interna para que um
tratado internacional passe a ter repercussão no ordenamento interno de um Estado,
bastaria apenas um ato formal de internalização, seja por um decreto ou um
regulamento100.
Portanto, grosso modo, a teoria dualista pressupõe que qualquer situação de
aplicação de norma internacional apenas seria resolvida pelo direito nacional e sua
soberania.
2.3.3 Posicionamento brasileiro
Salienta-se que o posicionamento majoritário da doutrina, quase em sua
unanimidade jurisprudencial, no âmbito internacional, defende o monismo com
primazia do direito internacional sobre o direito interno.
Num contexto global, por um lado, alguns Estados dispõem expressamente
em suas Constituições as regras sobre as formas de relacionamento entre o direito
internacional e o direito interno. Por outro lado, não há unanimidade, daqueles que
100
MAZZUOLI, 2007, p. 61.
47
dispõem internamente, acerca da primazia do direito internacional sobre o direito
interno.
A Alemanha e a Itália, em suas Constituições, adotam dispositivos que
conferem a prevalência das normas de direito internacional; outros países, no
entanto, também adotam a cláusula de adoção das regras de direito internacional,
mas não estabelecem a sua primazia; e, por fim, alguns outros Estados estabelecem
a primazia do direito internacional apenas no que diz respeito aos tratados
internacionais que versam sobre direitos humanos.
Não obstante, há, ainda, países que não asseveram em suas Cartas Políticas
as relações entre o direito internacional e o direito interno. É exatamente o caso
brasileiro.
Não há na Constituição de 1988 nenhum dispositivo que determina
expressamente a posição adotada pelo ordenamento jurídico interno. No Brasil, as
relações existentes entre o direito internacional e o direito interno, como a forma de
incorporação das normas de direito internacional, a hierarquia e a forma de
resolução dos conflitos, são observadas, sobretudo, pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.
A doutrina brasileira, ainda que timidamente, também se posiciona acerca dos
desmembramentos constantes nas relações entre o direito interno e o direito
internacional dos direitos humanos, conforme se estudará no capítulo seguinte.
48
3 A INSERÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
NO BRASIL
O objetivo deste capítulo é analisar o papel dos tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos em face da realidade constitucional brasileira, sua
contextualização no ordenamento jurídico e sua compatibilização com o Poder
Constituinte, sempre sob o viés e análise da proteção da dignidade da pessoa
humana.
Os tratados internacionais de direitos humanos passaram a integralizar o
ordenamento jurídico interno com maior frequência. A abertura constitucional vem
ocupando espaço no estudo do Direito nos últimos 25 anos, tornando-se
indispensável o conhecimento acerca do controle de constitucionalidade e do
controle de convencionalidade realizados pelo Supremo Tribunal Federal.
Não obstante, vários foram os fatores que contribuíram para que os Estados
pudessem celebrar acordos bilaterais e/ou multilaterais, ou simplesmente comporem
uma organização internacional, que pudesse celebrar (fazer às vezes do Estado) na
consecução de direitos inerentes à coletividade.
Como estudado anteriormente, o caminho histórico que permeou o que os
direitos humanos são hoje foi longo. Muitas batalhas e o não reconhecimento de
direitos individuais e transindividuais foi fundamental na construção de um “direito
superior”.
As mudanças na sociedade contemporânea também ganham seu relevo, na
medida em que a globalização e o conhecimento do que ocorre em diferentes
pontos do planeta impulsionam os representantes dos Estados a adotarem medidas
semelhantes para a concretização de direitos em seus respectivos ordenamentos.
A soberania nacional começa a ser relativizada, não ao ponto de um país
permitir a autoridade de outro Estado em seu território, mas para que a ideia de
vivência e as relações possam ser compartilhadas.
É com esse axioma de mundo em mente que se passará ao estudo dos
pontos a seguir. De fato, é inquietante desvendar a processualística brasileira em
49
adotar um tratado internacional de direitos humanos e validá-lo na sistemática
interna.
Como os tratados de direitos humanos são absorvidos pelo Brasil? Existe
abertura Constitucional? Como será resolvida a colisão de princípios? Esses são
alguns dos questionamentos que devemos nos permitir toda vez que nos
depararmos com o estudo do tema.
Pois bem, distante de exaurir o assunto, passa-se à análise.
3.1 Tratados internacionais e sua processualística no direito brasileiro
Foi visto que o estudo dos tratados tem por objeto disciplinar a conclusão, por
escrito, de acordos de vontade entre pessoas internacionais dispondo sobre direitos
e obrigações recíprocas.
Tem-se, portanto, que os tratados internacionais abrangem princípios e
normas positivadas que têm como origem a negociação entre os Estados. Para que
produza efeito, primordial o exame da processualística de integralização dos
tratados no plano interno e a valoração frente aos dispositivos constitucionais
existentes.
No Brasil, são dois os processos de celebração de tratados: o primeiro,
solene e, o segundo, abreviado. Uma vez que o segundo refere-se aos acordos
executivos, os quais não compõem o objeto do presente estudo, deixar-se-á de
abordá-los, para que o primeiro processo, dessa forma, seja vislumbrado de maneira
abarcante, posto ser o procedimento integrativo propriamente tido como completo.
Destarte, com base nos fundamentos, princípios e objetivos existentes na
Constituição Federal do Brasil, passa-se à análise dos dispositivos que dizem
respeito aos procedimentos de celebração e de incorporação dos tratados de
direitos humanos no ordenamento interno, com especial atenção ao artigo 5º, §3º,
da Constituição, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Assim, passadas as premissas, abordar-se-ão adiante, os atos praticados na
celebração solene de internalização dos tratados internacionais de direitos humanos
50
no ordenamento jurídico interno, quais sejam: (i) negociação; (ii) assinatura; (iii)
mensagem ao Congresso; (iv) aprovação parlamentar; (v) ratificação; e (vi)
promulgação.
Como ensina Monteiro, o procedimento de celebração de um tratado
internacional de direitos humanos estende-se do início de suas tratativas, que pode
se dar de diferentes maneiras, como, por exemplo, a troca de notas diplomáticas,
até a sua efetiva ratificação101.
Insta ressaltar que, na hipótese de o Brasil não participar ativamente na
negociação e/ou celebração de um tratado de direitos humanos, pode-se vincular a
ele a partir de um procedimento denominado adesão.
Assim, o procedimento de incorporação somente existirá a partir do ato de
ratificação, ou seja, após a ratificação (vinculação do Estado brasileiro) ao tratado é
que este será incorporado no ordenamento interno.
A negociação antecede qualquer tratativa de celebração de um tratado. Em
vista disso, como ressalta Guimarães102:
A contratação de um Tratado Internacional pelos países interessados ocorre por meio de um longo processo de negociação entre as partes envolvidas até que se cheguem aos objetivos pretendidos, como acontece em qualquer outro tipo de negociação entre contratantes.
Assim, tem-se que a negociação é a fase inicial do processo de integração de
um tratado. Normalmente, numa ordem constitucional, é o Chefe de Estado que
negocia os termos que serão dispostos num acordo. Todavia, outros elementos do
Poder Executivo também passaram a negociar em nome do Estado, como o Ministro
do Exterior, e demais ministros, conforme a matéria objeto do tratado (Artigo 84 da
Constituição Federal).
A posteriori, conforme dispõe o artigo 11 da Convenção de Viena, “o
consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela
assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação,
aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado”.
101
MONTEIRO, 2011, p. 110. 102
GUIMARÃES, 2009, p. 59.
51
Isto é, a assinatura de um tratado marca o encerramento das negociações,
acarretando a sua imutabilidade, mas, ainda, sem que o Estado esteja vinculado
juridicamente. Referida assinatura produz aos Estados o compromisso de o acordo
ser levado à apreciação dos órgãos internos. Insta salientar que a assinatura de um
tratado pode vincular o Estado na hipótese de o mesmo ser de caráter executivo,
mas não de direitos humanos.
Após os dois atos acima descritos, quais sejam a negociação e assinatura, o
tratado será apreciado internamente pelos órgãos do Estado. Referido ato chama-se
“mensagem ao Congresso Nacional”.
Dessa feita, o tratado internacional de direitos humanos, após ser assinado
pelo Chefe do Poder Executivo, será levado à apreciação do Congresso Nacional.
Em atenção ao disposto no artigo 64, caput, da Constituição, o tratado será
analisado, primeiramente, pela Câmara dos Deputados, para, posteriormente, ser
apreciado pelo Senado Federal.
Conforme se depreende do disposto no §3º, do artigo 5º, da Constituição,
para que um tratado internacional que verse sobre direitos humanos e para que
possua força de Emenda Constitucional, deve passar por cada casa do Congresso e
aprovação em dois turnos por três quintos dos respectivos membros.
Importante salientar que, muito embora o artigo 49, I, da Constituição,
assevere que o Congresso resolverá definitivamente sobre tratados, é pacífico o
entendimento que cabe ao Presidente da República ratificar tratados de direitos
humanos, por força do artigo 84, VII e VIII e do artigo 5º, §3º, da Carta Política.
Assim, aprovado o tratado internacional de direitos humanos, por meio de
decreto legislativo emanado pelo Congresso Nacional, estará o Presidente da
República autorizado a ratificar o documento. Na hipótese de ratificação, o Estado
brasileiro estará vinculado internacionalmente ao disposto no acordo.
Finalmente, após ser ratificado o tratado pelo Presidente da República, o
mesmo será promulgado em Diário Oficial.
52
3.2 Incorporação e hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos
no ordenamento interno
A prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, a inserção da
dignidade da pessoa humana como fundamento da República e o imenso catálogo
de direitos fundamentais na Constituição de 1988 constituem marcos no processo de
redemocratização do país e traduzem o reconhecimento da existência de limites e
condicionamentos à noção de soberania estatal103.
Rompe-se, portanto, com a ideia de soberania absoluta do Estado para uma
concepção mais flexibilizada, colocando o cidadão como referência do ordenamento
jurídico.
A ratificação de inúmeros tratados de direitos humanos pelo Brasil após a
promulgação da Constituição de 1988 confirma o compromisso com essa visão
humanizante. Vale afirmar, contudo, que o tema da incorporação e hierarquia dos
tratados de direitos humanos no ordenamento brasileiro sempre foi alvo de grandes
controvérsias.
O debate originou-se da redação do artigo 5º, § 2º, da Constituição, de que os
direitos expressos na Constituição também abrangem os constantes dos tratados
internacionais. A discussão ganhou força com a chegada da Emenda Constitucional
n° 45/04, que trata acerca da forma de incorporação dos tratados internacionais de
direitos humanos no direito brasileiro.
O embate assumiu novos contornos, que alcançam desde a discussão em
torno do regime jurídico dos tratados anteriores à EC 45 até problemas vinculados
ao processo de incorporação e aspectos atinentes à hierarquia dos tratados
incorporados pelo rito das emendas constitucionais, de modo especial, no que diz
respeito à possibilidade de os órgãos do Poder Judiciário estarem aptos a realizar o
103
EMERIQUE, Lilian Balmant; GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, ed. esp., p. 1-34, abr./maio 2008. Disponível em: <www.planalto.gov.br/revistajuridica>. Acesso em: 15 ago. 2014.
53
controle da compatibilidade da normativa interna brasileira com os tratados
internacionais de direitos humanos104.
Por ora, analisar-se-ão tão somente as teorias acerca da posição hierárquica
dos tratados de direitos humanos no Brasil.
Quatro linhas se apresentam. São elas:
a) a corrente que afirma que as convenções internacionais têm natureza de
lei ordinária;
b) a teoria que estabelece que os tratados de direitos humanos têm caráter
supralegal;
c) a teoria que reconhece natureza constitucional dos tratados
internacionais de direitos humanos; e
d) a corrente que estabelece que os tratados de direitos humanos possuem
caráter supraconstitucional.
Incide-se, portanto, à análise de cada uma das teorias de hierarquização
para, em seguida, observar o impacto dos tratados internacionais de direitos
humanos na ordem interna brasileira e seu desígnio em relação ao seu caráter
protetivo, com significância ao princípio da dignidade da pessoa humana ou
prevalência do princípio pro homine.
3.2.1 Tratados de direitos humanos com natureza de lei ordinária
Essa teoria confere aos tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos, como quaisquer outros instrumentos internacionais, a equivalência à lei
ordinária, ou seja, sem o condão de confrontar, tampouco complementar as regras
da Constituição sobre tais direitos.
Seu substrato jurisprudencial emanou do julgamento do Supremo Tribunal
Federal (STF) por intermédio do Recurso Extraordinário nº 80.004/SE de 1977.
104
SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre as relações entre a Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais de direitos humanos na perspectiva do assim chamado controle de convencionalidade. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Controle de convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 89.
54
Interpretou-se que o ato normativo internacional – no caso a Convenção de
Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – poderia ser
alterada por lei nacional.
Referido posicionamento firmou que o conflito entre atos normativos de direito
interno e direto internacional deveriam ser resolvidos pela mesma regra geral
utilizada para solucionar antinomias de leis de mesmo grau hierárquico, qual seja lei
posterior derroga lei anterior.
Após a promulgação da Carta de 1988, o Supremo apreciou novamente a
matéria, agora em 1995, nos autos do Habeas Corpus nº 72.131/RJ, onde se
discutia a prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária em garantia.
Na oportunidade, a Suprema Corte reafirmou entendimento de que diplomas
normativos de caráter internacional penetram no ordenamento jurídico interno no
nível de legislação ordinária.
Com essa decisão, o STF frustrou aqueles que esperavam um
posicionamento em consonância com as garantias e preceitos insculpidos na nova
Carta Constitucional, porém, entretanto, reafirmou que os diplomas normativos de
natureza internacional ingressam no ordenamento jurídico pátrio com o mesmo
status de legislação ordinária, bem como que os possíveis conflitos envolvendo a
norma interna e internacional deveriam ser resolvidos de acordo com a regra geral:
lex posteriori derrogat legi priori (lei posterior derroga lei anterior).
Não obstante, com o passar dos anos, esse posicionamento tornou-se
superado e, a nosso ver, corretamente, pois impossibilitava a concretização efetiva
dos direitos humanos orados em nível internacional com aplicação interna.
3.2.2 Tratados de direitos humanos com natureza supralegal x constitucional
Como visto, o Direito vem lidando com um processo de internacionalização. O
direito constitucional se destaca por sofrer maior influência nessa mudança. Esse
fenômeno se dá pelo fato de as normas jurídicas que regulam as atividades dos
cidadãos não serem mais produzidas unicamente no Brasil, mas também pelo direito
internacional.
55
O processo de internacionalização ganhou destaque com a criação de
inúmeros blocos econômicos, como, por exemplo, o Mercosul e a União Europeia.
A Constituição de 1988 traz em seu bojo elementos que caracterizavam as
mudanças que o país necessitava diante do contexto histórico em que vivia. Tratou-
se de dar uma resposta às expectativas de todos os brasileiros frente ao regime
militar, que perdurou por mais de duas décadas.
Assim, sob um novo processo de redemocratização, via-se a necessidade de
‘devolver’ ao povo todos os direitos que haviam sido retirados durante o processo
ditatorial. Dentre outras mudanças, os direitos fundamentais passam a receber
tratamento nunca antes visto, tanto no que diz respeito ao catálogo desses direitos
como também ao status jurídico conferido.
A grande inovação, sobretudo, é a regra que dispõe sobre a aplicabilidade
imediata dos direitos fundamentais. É consenso no meio acadêmico que essa norma
concedeu um grau de importância completamente diferenciado aos direitos
fundamentais em comparação às demais disposições contidas no texto Magno.
Destarte, outra característica significativa é a ampliação do rol de direitos e
garantias fundamentais em harmonia com os pactos internacionais sobre direitos
humanos, objeto do presente estudo.
Não oponente essas disposições preliminares, é cediço que o entendimento
de que os tratados internacionais de direitos humanos não possuíam caráter legal já
havia sido levantado em 29 de março de 2000, no HC nº 79.785/RJ, pelo Ministro
Sepúlveda Pertence.
Porém, somente anos mais tarde é que o Supremo Tribunal Federal decidiu
que os tratados de direitos humanos não poderiam se equiparar à legislação
ordinária. Continuar com referida disposição seria subestimar o seu valor especial no
contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.
O novo posicionamento partiu da decisão tomada pelo Supremo Tribunal
Federal no Recurso Extraordinário n. 466.343105, em que se discutiu a legitimidade
105
PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas.
56
da prisão civil do depositário infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José
da Costa Rica).
Necessário considerar que esse julgado elevou o direito internacional dos
direitos humanos a um patamar superior, dando-lhe a condição de direito que
permite o controle de legitimidade da lei ordinária.
Importante asseverar, também, que essa decisão apontou divergência entre
os ministros: a posição que restou majoritária, comandada por Gilmar Mendes,
atribuiu aos tratados internacionais de direito humanos um status normativo
supralegal, enquanto a posição vencida, liderada por Celso de Mello, conferiu-lhe
estatura constitucional.
A valoração dos direitos humanos, bem com a sua internacionalização,
obrigou a jurisprudência e a doutrina a mudar o discurso, como bem enfatiza
Cançado Trindade106: “a tendência constitucional contemporânea de dispensar um
tratamento especial aos tratados de direitos humanos é, pois, sintomática de uma
escala de valores na qual o ser humano passa a ocupar posição central”.
Se conferisse aos tratados internacionais de direitos humanos o status de
direito ordinário, não só legitimaria o Estado signatário a descumprir unilateralmente
acordo internacional, como ainda afrontaria a ideia de Estado constitucional
cooperativo e inviabilizaria a tutela dos direitos humanos em nível supranacional107.
Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito (RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09). 106
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 515. 107
Registre-se passagem do voto do Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário n. 466.343: “É preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada. Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um ‘Estado Constitucional Cooperativo’, identificado pelo Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que se disponibiliza como referência para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais. Para Häberle, ainda que, numa perspectiva internacional, muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenação e de simples ordenamento para a coexistência pacífica (ou seja, de mera delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais), no campo do direito constitucional nacional, tal
57
Ao lado dessas posições, surgiu, também, a que sustenta a
supraconstitucionalidade dos tratados de direitos humanos, a qual será analisada
em seguida.
Não oponente, frise-se que o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal,
consagrou a importância dos tratados internacionais em que o Brasil é parte. As
conquistas do direito internacional em favor da proteção do ser humano projetou no
direito constitucional a busca incessante da proteção da dignidade, impregnando,
assim, a valoração do princípio pro homine.
Com a entrada do §3º ao artigo 5º da CF (EC 45/04), bem como com o
julgamento de 2008, em que se reconheceu novo patamar aos tratados de direitos
humanos, a jurisprudência brasileira rompeu com um paradigma e propiciou a
entrada de parâmetros protetivos internacionais no âmbito doméstico bem como o
advento do controle de convencionalidade108.
Nos termos do § 3º do artigo 5º da CF: “Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Com efeito, mesmo com a inserção do referido dispositivo constitucional, não
houve até o presente momento pacificação em relação à matéria. Assim é que os
direitos provenientes de tratados de direitos humanos, ao serem incorporados ao
ordenamento jurídico interno brasileiro, devem continuar com a natureza de direitos
materialmente constitucionais salvo, e a partir da previsão estampada no parágrafo
3º do artigo 5º, se forem observados os requisitos previstos no referido inciso que
deverão adotar a classificação de direitos formalmente constitucionais.
fenômeno, por si só, pode induzir ao menos a tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o externo, gerando uma concepção que faz prevalecer o direito comunitário sobre o direito interno. Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à concepção de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos, é preciso reconhecer os aspectos sociológico-econômico e ideal-moral como os mais evidentes. E no que se refere ao aspecto ideal-moral, não se pode deixar de considerar a proteção aos direitos humanos como a fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitucional, a exigir dos atores da vida sócio-política do Estado uma contribuição positiva para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que protegem a cooperação internacional amistosa como princípio vetor das relações entre os Estados Nacionais e a proteção dos direitos humanos como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa humana” (Voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05.06.09). 108
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 66.
58
A tese da constitucionalidade dos tratados repousa sobre o §2º do art. 5º da
Constituição. A lógica é a de que essa norma recepciona os direitos consagrados
nos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo país.109
Ao afirmar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem
os direitos dos tratados internacionais de que o Brasil é parte, o §2º do art. 5º estaria
conferindo-lhes o status de norma formal e materialmente constitucional. O §2º do
art. 5º, constituindo uma cláusula aberta, admitiria o ingresso dos tratados
internacionais de direitos humanos na mesma condição hierárquica das normas
constitucionais e não com outro status normativo.110
Nesse sentido, os tratados internacionais de direitos humanos aprovados em
conformidade aos ditames do §3º do art. 5o da Constituição Federal são equivalentes
às emendas constitucionais; os demais tratados internacionais de direitos humanos
subscritos pelo Brasil constituem direito supralegal.
Vale dizer, portanto, que: “com o advento do §3º do artigo 5º surgem duas
categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os
materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais”.111
Assim, os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil antes da
entrada da EC 45/2004 são formal e materialmente constitucionais e aqueles
ratificados após são materialmente constitucionais, salvo se passarem pelo processo
109
Piovesan entende que os §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição Federal incorporam os tratados internacionais de direitos humanos no universo dos direitos fundamentais constitucionalmente tutelados: “Quanto à incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, observa-se que, em geral, as Constituições latino-americanas conferem a estes instrumentos uma hierarquia especial e privilegiada, distinguindo-os dos tratados tradicionais. Neste sentido, merecem destaque o art. 75, 22 da Constituição Argentina, que expressamente atribui hierarquia constitucional aos mais relevantes tratados de proteção de direitos humanos e o art. 5.º, §§ 2.º e 3.º, da CF brasileira que incorpora estes tratados no universo de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. As Constituições latino-americanas estabelecem cláusulas constitucionais abertas, que permitem a integração entre a ordem constitucional e a ordem internacional, especialmente no campo dos direitos humanos, ampliando e expandindo o bloco de constitucionalidade. Ao processo de constitucionalização do Direito Internacional conjuga-se o processo de internacionalização do Direito Constitucional”. PIOVESAN, Flávia. Força integradora e catalizadora do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: desafios para a pavimentação de um constitucionalismo regional. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 25, p. 327, 2009. 110
TRINDADE, A. A. C., 2003; LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais. São Paulo: Manole, 2005. p. 15; ss; PIOVESAN, 2012, p. 51; ss; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, v. 889, p. 105-147, 2009. 111
PIOVESAN, op. cit., p. 68.
59
de incorporação previsto no § 3º do artigo 5º, quando também passarão a ter status
de formalidade constitucional.
Flávia Piovesan e Antônio Augusto Cançado Trindade entendem que os
tratados internacionais que versam sobre direitos humanos são recepcionados no
ordenamento jurídico brasileiro com força de normas constitucionais.
No mais, certo que, se o tratado internacional de direitos humanos fosse
equiparado à lei ordinária, obviamente não haveria como pensar em alçá-lo ao
patamar de parâmetro de controle de convencionalidade, muito menos garantir que
os direitos humanos consagrados na esfera internacional pudessem ter validade e
eficácia.
Filiamo-nos a essa corrente, por entender que a Constituição Federal
brasileira pode conter disposição mais benéfica que um determinado tratado
internacional de direitos humanos. Por esse motivo, a tese que defende a
supraconstitucionalidade, por mais que haja um universo surpreendentemente
numeroso de princípios protetivos, pode, uma vez ou outra, esbarrar em direito
interno suficientemente mais amplo no que concerne à proteção da dignidade da
pessoa humana do que aquele dispositivo constante no texto internacional.
3.2.3 Tratados de direitos humanos com natureza supraconstitucional
A proposição que se apresenta tem como precursor Celso Albuquerque Mello
que defende as normas internacionais em relação às normas de direito interno.
De acordo com o doutrinador, os tratados internacionais de direitos humanos
possuem preponderância mesmo se confrontados com o texto constitucional112.
Isso significa que nem mesmo a emenda constitucional suprimiria a normativa
internacional subscrita pelo Estado quando a matéria correspondesse aos direitos
humanos.
112
MELLO, Celso de Albuquerque. O § 2º do art. 5º da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 25-26.
60
Entrementes, Mello apresenta suas exposições aproveitando-se, sobretudo,
do estudo do direito numa perspectiva de natureza política, enfatizando que, mesmo
no exercício do Poder Constituinte, este estaria subordinado ao direito internacional.
Lembra que o Estado não existe sem um contexto internacional. Não há
Estado isolado. A própria noção de Estado depende da existência de uma sociedade
internacional.
Guimarães também é defensor dessa corrente e fundamenta-se no direito
holandês que expressamente estatui valor supraconstitucional às normas
internacionais.
E continua: “é o jus cogens do direito internacional, no qual um universo de
princípios se apresenta uma força especial obrigatória a todos os seus
destinatários”.113
É a própria ordem internacional que determina as competências do Estado
diante do cenário mundial. Referida corrente defende, inclusive, que o Estado que
consagra a supremacia do direito interno está em dissonância com a principiologia
do direito internacional público.
Assim, quando o critério nacional consagra a supremacia do direito
internacional sobre a ordem interna, não importando se um mandamento
constitucional ou lei ordinária, clara está a sua compatibilidade como direito
internacional público, eis que, conforme a Convenção de Viena sobre Direito dos
Tratados de 1969, as disposições internas de um Estado não podem ser usadas por
ele como justificativa para o inadimplemento de uma obrigação fundada em tratado.
Embora a teoria preconizada por Celso Albuquerque Mello seja interessante,
fica difícil defender a tese em razão de algumas situações que se manifestam na
Constituição brasileira, como, por exemplo, a observância dos princípios da
supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico.
Assim sendo, como conclui Lilian Emerique e Sidney Guerra, caso houvesse
a aplicação preponderante da tese defendida por Celso Mello ter-se-ia uma limitação
inclusive de verificar o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais114.
113
GUIMARÃES, 2009, p. 140.
61
3.3 Solução de antinomia: uma perspectiva da dignidade da pessoa humana e
sua relação com a aplicação dos tratados de direitos humanos
O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual
inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, e tal constitui
o princípio máximo do estado democrático de direito.
Insculpido no artigo 1º, III, do Texto Constitucional, é um dos pilares
estruturais fundamentais da organização do Estado brasileiro. A dignidade da
pessoa humana se apresenta com elevado valor e se agrega aos direitos
fundamentais. O constitucionalista Bulos salienta o alto valor atribuído a esse
princípio na Carta Magna brasileira ao afirmar que “a dignidade da pessoa humana é
o valor supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e
garantias fundamentais do homem”115.
Trata-se, portanto, de um conceito adequável à realidade e à modernização
da sociedade, posto estar em harmonização e evolução com as tendências
modernas das necessidades do ser humano. Sarlet destaca:
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.116
Guerra também ressalta a importância do princípio, nas seguintes palavras:
A constitucionalização da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro denota a importância que o princípio assume no âmbito nacional. Dentre suas diversas funções, destacam-se: (i) reconhecer a pessoa como fundamente e fim do Estado; (ii) contribuir para a garantia da unidade da Constituição; (iii) impor limites à atuação do poder público e à atuação dos cidadãos; (iv) promover os direitos fundamentais; (v) condicionar a atividade do
114
GUIMARÃES, 2009. 115
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50. 116
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.
62
intérprete; e (vi) contribuir para a caracterização do mínimo existencial.117
A partir dessa premissa, pode-se concluir que o Estado existe em função do
homem, e este nunca poderá ser simples meio para o Estado. É desse pressuposto
que se justificam as demais funções que o princípio abrange. A dignidade é atributo
que deve ser preservado e garantido a toda e qualquer pessoa, sem qualquer tipo
de discriminação, por possuir conotação universal118.
Posto isso, relevante analisar o impacto jurídico dos tratados internacionais de
direitos humanos no âmbito interno, já considerando a nossa posição acerca da
hierarquia constitucional dos tratados, qual seja, o de equipará-los ao texto
insculpido na Carta Magna.
São três as situações apresentadas. O tratado poderá conter:
1) direito coincidente com o disposto na Constituição;
2) direito que integre, amplie e complemente o disposto na Constituição; e
3) disposição contrária ao texto constitucional.
As duas primeiras hipóteses não geram maiores preocupações ao operador
do direito, diferentemente da terceira, que ocupa destaque na doutrina examinada.
A premissa imposta por essa vertente suscita dúvida acerca de como
solucionar a controvérsia existente entre o direito internacional e o direito interno.
Boa parte da doutrina sustenta a tese de Bobbio119 para a solução de
antinomias, a qual aponta três critérios: o hierárquico, o cronológico e o critério da
especialidade.
Não se pode olvidar que tais critérios servem para resolver boa parte dos
problemas antinômicos quando se está diante de um mesmo ordenamento jurídico e
cujas fontes em conflito emanam da mesma autoridade.
117
GUERRA, 2013, p. 182. 118
Ibidem, p. 183. 119
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução Maria Celeste Leite Cordeiro dos Santos. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 91.
63
Porém, no campo dos Direitos Humanos a lógica pura e simples da
supremacia poderia perder espaço quando uma norma de direito interno
assegurasse de forma mais eficiente determinado direito fundamental120.
Ademais, alguns estudiosos sustentam a aplicação do princípio da
proporcionalidade e a noção de ponderação disseminada por Alexy, que assevera
que os conflitos entre regras se resolvem dentro da dimensão da validez, mas a
colisão de princípios fundamentais vai além desta para abarcar a dimensão do peso
e da ponderação dos valores a partir do beneficiamento no caso concreto121.
O objetivo de Alexy não é alcançar exatamente uma homogeneização de
cada ordem jurídica fundamental, mas, na verdade, é o de descobrir as estruturas
dogmáticas e revelar os princípios e valores que se escondem atrás das
codificações e da jurisprudência.
Afirma-se que a existência de direitos fundamentais (ou principiológico)
colidentes resultará em duas posições amplamente possíveis e cabíveis. Mazzuoli
defende em sua obra que, na doutrina de Alexy, quando houver o sopesamento de
princípios colidentes, um deverá ser excluído em benefício do outro.
Certo, no entanto, que a teoria proposta por Alexy almeja resposta a essas
indagações com pretensão de cientificidade. Para isso, teoriza que os direitos
fundamentais possuem caráter de princípios e, portanto, eles podem eventualmente
colidirem, carecendo de uma solução ponderada em favor de um deles.
Diante disso, considera-se que regras e princípios são normas, uma vez que
ambos dizem o que deve ser. Os princípios, como as regras, são fundamentos para
os casos concretos.
Outra corrente se apresenta: segundo Mazzuoli, (resgatando estudo de Erik
Jayme e Claudia Lima Marques) aponta o diálogo das fontes para a resolução de
antinomias, ou seja, não haveria a exclusão de uma regra ou de um princípio para a
aplicação do direito fundamental, mas sim um diálogo entre essas fontes fundantes.
120
GALINDO, 2002, p. 283. 121
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 163.
64
Dessa forma, a solução dar-se-ia pela comunicação (diálogo) entre o direito
internacional e o direito interno.
Entendemos que a corrente defendida por Mazzuoli possui maior alcance,
efetividade e projeção protetiva dos direitos humanos, pois não exclui o texto, mas
complementa e se comunica com a finalidade de buscar a maior efetividade
possível.
Insta esclarecer que na hipótese de eventual conflito entre o direito
internacional de proteção dos direitos humanos e o direito interno, levar-se-á em
consideração a sistemática integrativa de direitos, independentemente da teoria
defendida (monista ou dualista) para que se dê efetividade e se observe o princípio
da dignidade da pessoa humana (pro homine) sempre em última análise.
No mais, o controle de validade das leis, em sua abordagem tradicional, adota
por paradigma a compatibilidade entre a norma legal e o texto constitucional, tema
estudado no âmbito da teoria do controle de constitucionalidade, dentro do Direito
Constitucional.
Trata-se da aferição da compatibilidade entre o ato normativo e os limites
formais e materiais impostos pela norma fundamental do ordenamento jurídico, sem
o que a lei, mesmo que vigente, reputa-se inválida por vício de inconstitucionalidade.
O controle de convencionalidade, por sua vez, somente ganhou destaque a
partir do julgamento do caso “Almonacid Arellano e outros x Governo do Chile” na
Corte Interamericana, em 2006.
Dessa decisão, merece destaque a afirmação constante no Considerando
124, que assevera: “o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle de
convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos
concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.
Assim, o controle de convencionalidade, nos termos da formulação da Corte
Interamericana, adotou por modelo a compatibilidade entre a norma legal nacional e
as obrigações concernentes à proteção dos direitos humanos que um país se
obrigou a respeitar por meio de tratados ou convenções internacionais.
65
No Brasil, o tema é estudado por Mazzuoli122. O autor conceitua o controle de
convencionalidade como uma forma de compatibilização entre as normas de direito
interno e os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no
país, ou seja, trata-se, de um controle de validade das normas nacionais, tendo por
parâmetro não o texto constitucional, mas os compromissos internacionais
assumidos em matéria de proteção aos direitos humanos.
Cumpre ressaltar que, embora os direitos humanos muitas vezes também
possuam proteção constitucional, a convencionalidade é uma espécie diferente de
controle, para além da constitucionalidade das leis.
Isso porque o paradigma de proteção, em cada caso, é distinto, em razão do
caráter complementar do direito internacional e do princípio pro homine, pelo qual as
convenções sobre o tema têm aplicação quando a proteção do Estado nacional é
insuficiente ou conflitante e, ainda assim, no que forem mais benéficas à proteção
individual.
Portanto, o controle que compõe o tema deste estudo não se aplica quando a
norma for incompatível com a Constituição, por si só, o que configuraria caso de
inconstitucionalidade.
De fato, uma lei somente será inconvencional quando, apesar de válida
perante o texto constitucional, incutir em vício de invalidade por ser incompatível
com os compromissos internacionais do país no que diz respeito à proteção de
direitos humanos.
Deve-se observar que esse controle possui caráter complementar em relação
à própria Constituição, uma vez que a proteção aos direitos humanos é fundamento
do Estado Constitucional de Direito.
Assim, um país, quando firma compromisso visando à proteção da pessoa
humana, nada mais faz do que reforçar essa proteção ao indivíduo, de modo a
sempre garantir a aplicação da norma mais benéfica.
Destarte, o controle de convencionalidade é espécie de controle de validade
de normas, complementar ao controle de constitucionalidade, pelo qual se verifica a
122
MAZZUOLI, 2010.
66
adequação entre a legislação nacional e os compromissos internacionais assumidos
pelo país perante a comunidade internacional para proteção dos direitos humanos.
A teoria do controle de convencionalidade é uma realidade no âmbito da
jurisprudência da Corte Interamericana de direitos, para quem a aferição da
compatibilidade entre o ordenamento jurídico nacional e os tratados internacionais
sobre direitos humanos é uma obrigação não só do governo, mas de todo o Estado,
inclusive do próprio Poder Judiciário123.
Observa-se a existência de duas modalidades de controle jurisdicional de
convencionalidade, quais sejam: o difuso (caso concreto) e o concentrado (caso
abstrato).
Por serem os tratados internacionais sobre direitos humanos considerados
pressupostos de validade das normas infraconstitucionais tanto para a jurisprudência
da Corte Interamericana quanto do STF, também se mostra possível a realização do
controle preventivo de convencionalidade, nos mesmos moldes do controle
preventivo de constitucionalidade, que diz respeito à fase de tramitação dos projetos
de lei, por meio das comissões parlamentares ou mesmo mediante veto
presidencial124.
Trata-se da própria natureza do controle de convencionalidade, que diz
respeito à garantia e proteção da pessoa humana.
Nesse sentido, quando da realização do controle, especialmente na sua
aplicação aos casos concretos, deve-se considerar não somente o texto literal do
tratado, mas buscar a verdadeira efetivação da proteção aos direitos humanos, que
constitui a finalidade última do sistema de proteção (e do próprio Estado de Direito).
Deve-se cuidar para que não haja uma “nacionalização do controle de
convencionalidade”, o que implicaria em fazer uma leitura do tratado à luz da
legislação infraconstitucional.
123
LEITE, Marcos Thadeu. Controle de convencionalidade: os direitos humanos como parâmetro de validade das leis. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3.635, 14 jun. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24711>. Acesso em: 31 ago. 2014. 124
LEITE, 2013.
67
Isso, pois, ao controlar o respeito às obrigações de direitos humanos,
especificamente na modalidade judicial, o intérprete do texto do tratado internacional
não pode retirá-lo do contexto em que foi produzido, devendo levar em
consideração, portanto, todo o corpo normativo que forma a convenção.
Desta forma, importa dizer que o parâmetro de controle da convencionalidade
não se limita ao texto da convenção, mas engloba todo o corpo que se pode
denominar “bloco de convencionalidade”, integrado por todos os tratados de direitos
humanos que compõem o sistema jurídico interno.
Nesse sentido, portanto, verifica-se que a chave da questão está na própria
sistemática pela qual se realiza o controle, com base no princípio pro homine, uma
vez que o sistema internacional de garantias se combina ao sistema constitucional
de proteção aos direitos humanos, complementando-se de forma a se extrair um
corpo normativo de proteção máxima aos direitos humanos.
68
CONCLUSÃO
Os direitos humanos são universais. Positivá-los em tratados internacionais e
inseri-los nos ordenamentos jurídicos dos Estados possibilita e projeta maior eficácia
à proteção da dignidade da pessoa humana.
Como bem norteia Piovesan125, tem-se a emergência da quebra do
paradigma kelseniano, piramidal, hermético, autorreferencial e endógeno (state
approach–lente ex parte principe), para a aproximação de uma nova cultura jurídica
de direitos humanos e a crescente abertura do Direito, sob um prisma que abarca
como conceitos estruturais e fundantes a soberania popular (human rights approach
– lente ex parte populi).126
Consolidar o entendimento de que os tratados internacionais de direitos
humanos possuem caráter constitucional é figura que se apresenta como
necessidade institucional.
Por isso, dentre as hipóteses apresentadas durante este trabalho, a que mais
se coaduna com os anseios do processo histórico dos direitos humanos e com a
nova teoria neoconstitucional do direito é aquela que atribui aos tratados
internacionais de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, o status de norma
constitucional.
Referimo-nos, portanto, a uma nova concepção de direito, que tem na
Constituição e nos tratados de direitos humanos o norte interpretativo do
ordenamento jurídico.
A partir desse entendimento, tem-se que o impacto dos tratados
internacionais no direito interno possui pujança jurídica complementar e integrativa,
ora adicionando novos direitos, ora dando maior eficácia, ora suspendendo preceitos
que sejam menos favoráveis.
125
PIOVESAN, 2013, p. 116. 126
Cf. PIOVESAN, Flávia ao citar as expressões (lente ex parte principe/populi) utilizadas por BOBBIO, 2004.
69
Os direitos humanos são destinados e titularizados por todos os seres
humanos, sem exceção, e sem a perspectiva de tempo e espaço. São direitos
inalienáveis, indivisíveis, imprescritíveis e absolutos.
Dentro dessa perspectiva, o controle de convencionalidade será praticado
toda vez que houver a necessidade de se adaptar ou confrontar os atos ou leis
internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.
Em suma, com a classificação hierárquica constitucional de um tratado de
direitos humanos e, a partir dos efeitos do impacto desse tratado no direito interno,
tem-se que observar a compatibilidade do direito doméstico com os tratados
internacionais assumidos pelo país, sob a ótica do neoconstitucionalismo, com base
no princípio da dignidade humana e da valoração do homem em sua plenitude
universal.
70
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