01 - A PRÁTICA DA ACUPUNTURA NO PROCESSO CONSTRUTIVO DA IDENTIDADE (2011).pdf

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  • CENTRO CIENTFICO CULTURAL BRASILEIRO DE FISIOTERAPIA MARIA DA CONCEIO DOS SANTOS MELO

    MARIA CRISTINA CEPAS LOBO

    A PRTICA DA ACUPUNTURA NO PROCESSO CONSTRUTIVO DA IDENTIDADE

    UM ESTUDO INICIAL

    SO PAULO 2011

  • MARIA DA CONCEIO DOS SANTOS MELO MARIA CRISTINA CEPAS LOBO

    CURSO DE ACUPUNTURA

    A PRTICA DA ACUPUNTURA NO PROCESSO CONSTRUTIVO DA IDENTIDADE

    UM ESTUDO INICIAL

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Centro Cientifico Cultural Brasileiro de Fisioterapia, como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Especializao em Acupuntura. Orientadora: Prof Marlene Ceballos

    SO PAULO 2011

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Melo, Maria da Conceio dos Santos A Prtica da Acupuntura no Processo Construtivo da Identidade -

    um estudo inicial / Maria da Conceio dos Santos Melo, Maria Cristina Cepas Lobo. -- So Paulo: 2011.

    45f ; il. ; 30 cm.

    Trabalho de Concluso de Curso (Ps graduao) Centro Cientfico Cultural Brasileiro de Fisioterapia (CBF) / Curso de Especializao em Acupuntura; So Paulo: 2011.

    Orientadora: Prof Marlene Ceballos

    1. Acupuntura 2. Construo da Identidade 3. Prtica Terpeutica 4.Medicina Tradicional Chinesa I. Ttulo

  • MARIA DA CONCEIO DOS SANTOS MELO MARIA CRISTINA CEPAS LOBO

    A PRTICA DA ACUPUNTURA NO PROCESSO CONSTRUTIVO DA IDENTIDADE UM ESTUDO INICIAL

    MONOGRAFIA APRESENTADA O CENTRO CIENTFICO CULTURAL BRASILEIRO DE FISIOTERAPIA COMO EXIGENCIA DO CURSO DE

    ESPECIALIZAO DE ACUPUNTURA

    Presidente: Nome: ______________________________________________________________ Titulao_____________________________________________________________ Instituio:___________________________________________________________ Assinatura:___________________________________________________________

    Orientadora: Marlene Ceballos Titulao: Fisioterapeuta e Prof Especialista em Acupuntura Instituio:___________________________________________________________ Assinatura:___________________________________________________________

    NOTA FINAL:______________________

    Biblioteca Bibliotecario: Assinatura:_______________________________________Data:_____/_____/___

    So Paulo,_______de_________________de2011.

  • RESUMO

    Melo, MCS, Lobo, MCC. A prtica da acupuntura no processo construtivo da identidade um estudo inicial. 2011. 45f. Trabalho de Concluso de Curso (TCC) Centro Cientfico Cultural Brasileiro de Fisioterapia (CBF), So Paulo, 2011.

    Este trabalho realizou um estudo inicial sobre a efetividade da prtica da acupuntura frente ao processo de construo da identidade de adultos, com idades compreendidas entre 40 e 55 anos, usurios do ambulatrio de acupuntura das escolas CBF e Ceata, na regio de Pinheiros, bem como atendidos em consultrios particulares h pelo menos um ano. Utilizou-se a conceituao de construo de identidade como um fenmeno relacional, dinmico, energtico e dialtico, alm de conceitos que subsidiam a prtica teraputica da acupuntura e que so a base terica, cientfica e filosfica da Medicina Chinesa. Buscou-se demonstrar que a ao da acupuntura enquanto processo de tratamento torna-se continente para o processo construtivo da identidade, pois atinge e atua em todos os nveis do organismo humano: mental/fsico e espiritual (conscincia), apesar de sua ao ser no mbito energtico. Como metodologia, fez-se uso da pesquisa emprica por amostragem (seis adultos) atravs de entrevistas em abril de 2011. Com as anlises das entrevistas, percebeu-se a significncia positiva da ao da acupuntura na evoluo do bem estar fsico dos entrevistados, no processo de alterao do estado de tomada de conscincia e/ou na criao de um elo com seu mundo interno. Todos esses processos percebidos so, em ultima anlise, a transformao da identidade ou como Ciampa denomina: Metamorfose, mesmo que para alguns essa percepo seja muito sutil e para outros muito mais significativa e mais profunda.

    Palavras-chave: Acupuntura. Construo da Identidade. Prtica Teraputica. Medicina Tradicional Chinesa.

  • ABSTRACT

    Melo, MCS, Lobo, MCC. The practice of acupuncture in the constructive process of identity an inicial study. 2011. 45f. Trabalho de Concluso de Curso (TCC) Centro Cientfico Cultural Brasileiro de Fisioterapia (CBF), So Paulo, 2011.

    This work conducted an initial study on the effectiveness of acupuncture practice for the process of identity construction of adults, these ones between 40 and 55 years, and followed as outpatient for at least one year in the acupuncture ambulatory from CBF and Ceata schools, in the Pinheiros area, or in private offices as well. It was used the concept of identity construction as a relational, dynamic, energetic and dialectic phenomenon, in addition to concepts that underlie the practice of acupuncture therapy and which are the theoretical, scientific and philosophical base of Chinese medicine. It was sought to demonstrate that the action of acupuncture as a treatment process becomes the base for the constructive process of identity, because it reaches and works at all levels of the human body: mental/physical and spiritual (consciousness), although its action is in the energy sector. Methodology: it was made an empirical research by sampling (6 adults) performing interviews in April 2011. Analyzing the interviews, it was realized the significance of the positive action of acupuncture in the evolution of physical well-being of the interviewees in the process of changing the state of awareness and/or creating a link with their inner world. All these realized processes are ultimately the transformation of identity or as called by Ciampa: Metamorphosis, even though to some ones this perception is very subtle and to others, much more significant and deeper.

    Key-words: Acupuncture. Identity Construction. Therapeutical Practice. Chinese Traditional Medicine.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 6 2 CAPTULO 1: CONCEPO DE HOMEM SEGUNDO A VISO DA MEDICINA CHINESA 11 3 CAPTULO 2: OS ALICERCES DA MEDICINA CHINESA 13 3.1 CHI 13 3.2 YIN e YANG 15 3.3 OS CINCO ELEMENTOS 17 3.3.1 Ciclo de Gerao ou Ciclo Shen 19 3.3.2 Ciclo de Dominncia ou Ciclo Ke 20 4 CAPTULO 3: ACUPUNTURA TCNICA TERAPUTICA MILENAR DA MEDICINA CHINESA 22 4.1 PONTOS SHU ANTIGOS 24 5 CAPTULO 4: SHEN COMO CONCEITO DE IDENTIDADE 27 6 CAPTULO 5: CONSTRUO DA IDENTIDADE 32 7 CAPTULO 6: PERCEPES, REFLEXES E ANLISE 37 8 CONSIDERAES FINAIS 42 REFERNCIAS 45

  • 1 INTRODUO

    Vivemos em uma sociedade capitalista e somos avassalados por ela. O Ser no tem espao e no estimulado a aflorar, somente o Ter valorizado.

    O capitalismo uma estrutura perversa que promove muita pobreza para muitos e muita riqueza para poucos. uma estrutura que escraviza e que vai criando, atravs das necessidades que ela impe, um embotamento dos sentimentos e da percepo de si mesmo como algum que tem uma essncia que o define e no, simplesmente, um personagem ou representao de si mesmo. Esta sociedade transforma o relacionamento entre os indivduos, que ficam cada vez mais distantes de si, do seu interior e das necessidades bsicas do ser humano: afeto, amor, aconchego, proteo e de sentir-se parte de algo mais essencial do que simplesmente uma pea de uma mquina que precisa estar sempre funcionando, no importando a que preo.

    A nossa ligao com ns mesmos e com a Natureza e a nossa capacidade de nos percebermos vai se distanciando dia a dia e nos transformando em seres humanos muito distantes daqueles que foram criados a partir de um momento de exploso energtica entre nossos pais. A naturalidade, a espontaneidade e a nossa essncia, esprito/mente/corpo, vo sendo suplantadas por meras aes de personagens que representamos. Em geral, no sabemos definir quem de fato somos. Quem o nosso real EU. O mergulho no nosso interior e a subida superfcie, trazendo algo transformado, mal so percebidos por ns mesmos e, s vezes, pelos outros. A identidade vai se construindo e se transformando no decorrer de nossa vida; ela sofre as influncias do meio em que vivemos, e, neste sentido, o Ocidental, por buscar sua identidade fora, acaba se distanciando de sua essncia e se transformando em algum que a cultura e a sociedade definem que deve ser.

    A mente humana est cada dia mais prodigiosa, novos conhecimentos, novas descobertas, produo e desenvolvimento de tecnologias mais e mais sofisticadas, mas o emocional, o sutil, o rarefeito e a emoo esto se tornando distantes. As relaes esto mais fragilizadas e banalizadas. As pessoas tm mais medo e confiam menos no outro. O ser humano se utiliza de carapaas para se proteger e, com isso, vai se afastando de si mesmo, isolando-se e se desequilibrando orgnica e mentalmente. A relao com a Natureza predatria. A mente est turva, o

  • esprito est desalojado e o corpo est padecendo. O desequilbrio das energias que circulam pelo nosso corpo/mente/esprito est se mostrando a cada dia mais constante nas atitudes do ser humano. A exacerbao da agressividade, da violncia fsica e mental, o isolamento, o pnico, os processos depressivos... so constantes e reais.

    No conceito da Medicina Chinesa, a energia Yang e a energia Yin esto muito desequilibradas. O Shen est perdendo sua morada e sua base. Os ciclos da Natureza esto se alterando, a harmonia est se desfazendo e o homem, como elemento dela, poder perecer.

    Refletindo sobre esse contexto social e sobre a forma como ns estamos conduzindo nossa vida, nossa relao com o Universo e com o nosso prprio processo de construo, percebemos que com o aprendizado e a prtica obtidos nesses dois anos e meio durante o Curso de Acupuntura (conceitos da Medicina Tradicional Chinesa, os cinco espritos, etc...), cientes de que a construo da identidade um processo dinmico e a partir tanto das nossas prprias experincias profissionais e pessoais quanto de uma viso de mundo, agora, mais abrangente, que buscamos desenvolver o tema sobre a efetividade da prtica da acupuntura no processo construtivo da identidade. Trabalhamos com adultos com idades compreendidas entre 40 e 55 anos, atendidos por profissionais acupunturistas particulares, alm de usurios atendidos no Ambulatrio de Acupuntura, localizado na Rua Joo Moura, Pinheiros. Utilizamos como mtodo de pesquisa emprico, uma pequena amostragem de entrevistas com essas pessoas acima citadas.

    No decorrer deste trabalho, o captulo 1 aponta a diferena de concepo de homem e de mundo entre orientais e ocidentais, utilizando os conceitos da Medicina Chinesa como parmetros. Pontua a concepo de Tao, a viso de deuses e demnios que dominava a Medicina Chinesa em pocas milenares e os avanos filosficos e medicinais que hoje coadunam a tradio e a modernidade no entendimento das causas das doenas e do seu tratamento.

    No captulo 2, buscamos discorrer um pouco sobre os conceitos que so os alicerces para o entendimento do ser humano, sua constituio e seu dinamismo. Conceitos fundamentais como a teoria sobre as energias Yin e Yang a partir de uma diviso e unicidade do Tao, O conceito de Chi como a energia vital que percorre todo o nosso corpo/mente/esprito, a energia Jing do rim, onde esto nossas reservas essenciais e ancestrais, e os Cinco Elementos que compem a cadeia de

  • construo, relao e dinamicidade da energia do Universo e da Natureza com o elemento Homem.

    No captulo 3, explanamos sobre a acupuntura como tcnica teraputica de tratamento, discorrendo rapidamente sobre alguns dados histricos, tendo em vista que h pouco contedo escrito sobre a sua histria. Falamos sobre o conceito da tcnica da acupuntura, do conceito de meridiano enquanto via de andana do Chi e citamos os pontos mais significativos dentro do processo de tratamento. Sabemos que o tratamento, bem como o nmero de pontos e de tcnicas, muito mais extenso do que aqui apontamos, mas o nosso objetivo no discorrer sobre esse assunto e sim demonstrar, ao longo do trabalho, que ela um instrumento, ou melhor, uma ferramenta eficaz e eficiente no s no que tange a tratar dores e doenas, mas, principalmente, na atuao no processo de desenvolvimento da identidade humana. Discorremos um pouco mais sobre os pontos Shu Antigos por consider-los fundamentais na arte de inserir agulhas e na prtica e conceito da Medicina Chinesa e pontuamos a diferena entre a tcnica de inserir agulhas e a arte de inserir agulhas que o terapeuta deve desenvolver.

    No captulo 4, procuramos mostrar o conceito de Shen e, a partir deste, a conceituao dos espritos, tendo como premissa que eles, em termos energticos, so os construtores da nossa identidade. A partir das funes de cada esprito e de todos em um nico que o Shen, entendemos a importncia da essncia (energia) rarefeita do nosso ser e como ela vai se transformando tambm em matria slida. Esses conceitos filosficos, que so a base para a viso de homem no oriente, so fundamentais para percebermos a complexidade do ser humano, mas tambm a sua simplicidade, e com isso subvertermos o nosso conceito ocidental de viso de mundo e de homem. No entanto, no queremos dizer com isso que o conhecimento e prtica da medicina ocidental devam ser descartados, mas sim que devemos desenvolver a sensibilidade e a nossa inteligncia para ampliarmos nossos horizontes e conceitos, na maioria das vezes, cristalizados e lineares, e usarmos, a partir desse conceito simblico e prtico da Medicina Tradicional Chinesa, toda a tecnologia e conhecimento que temos a favor do desenvolvimento e sade do ser humano e da Natureza.

    O captulo 5 expe os fundamentos tericos dos autores nos quais nos subsidiamos: Ciampa, Moreno e Rojas-Bermudez, alm de nossas consideraes.

  • Nesse captulo, apresentamos o conceito de construo de identidade como um processo dinmico, a partir de conceitos filosficos e psicolgicos dos autores.

    Segundo Ciampa (2007), a construo da identidade exibe vrias dimenses vivenciais e concretas e a possibilidade da permanncia esttica num determinado momento, ou personagem, ou o avano dessa construo a partir das condies que o indivduo tiver, tanto no mbito interno como no mbito externo, ou do meio em que vive.

    Entendemos como condies necessrias a possibilidade do sujeito refletir sobre sua existncia e sua essncia, sobre a sua histria e trajetria de vida, sobre as possibilidades de viver numa sociedade capitalista, mas no ser imobilizado por ela ou por si mesmo, e ir em busca de instrumentos dentro de si para superar as dificuldades e encontrar seu espao enquanto humano, podendo vivenciar sua igualdade e sua diferena sem , no entanto, transformar-se num ser adaptado, moldado e robotizado pelas definies e expectativas de papis e condutas predeterminadas pela sociedade. Importante tambm buscar dentro de si sua essncia enquanto um elemento da Natureza e estreitar relaes com seus espritos, alterando, assim, o seu estar no Mundo. Sabemos tambm que as relaes com o meio so fundamentais na construo da identidade. A percepo de si como sujeito, a posio social que ocupa e sua famlia, o ser membro de uma espcie, a espcie humana, o local onde vive e as condies socioeconmicas, as relaes de poder que determinam sua condio de dominador ou dominado, as perspectivas e as expectativas de futuro, se no houver um equilbrio interno, iro determinar que sujeito e que vida eleger ou poder viver.

    Para que a identidade seja metamorfose e, portanto, seja vida, necessrio que o indivduo seja capaz de desenvolver um processo de construo de representao de si mesmo, atravs da criao de personagens que criam relao entre o seu Eu, seus outros Eus e o meio social em que vive e atua. O ser humano para existir precisa ser ato, ser Vida.

    Segundo Moreno (1983), o homem j nasce dotado de criatividade, espontaneidade e sensibilidade que no so acompanhadas por tendncias destrutivas, mas que podem ser perturbadas por sistemas constrangedores.

    Se transpusermos esse conceito para a atualidade, podemos considerar que a estrutura social um deformador da natureza humana intrnseca.

  • Segundo Rojas-Bermudez (1980), a partir da constituio inicial do Eu, cria-se como que uma membrana protetora, o si mesmo, e ento passamos a atuar a partir de papis sociais que so prolongamentos desse Eu e que vo se constituir atravs de papis complementares.

    O captulo 6 expe a anlise das entrevistas realizadas, anlise subsidiada nos conceitos expressos nos captulos 4 e 5.

    As consideraes finais contemplam a anlise do tema proposto, alm de mostrar a complementaridade, a inter-relao e a unicidade dos conceitos chineses e psicolgicos ocidentais sobre o processo construtivo da identidade. Contm algumas reflexes pessoais, considerando que este trabalho um estudo inicial e pretende despertar e aprofundar a nossa reflexo como profissionais acupunturistas, tendo como base a viso conceitual da Medicina Chinesa e a nossa prtica de fato. Mostram tambm a necessidade de nos questionarmos frente a nossa ao com as pessoas que nos procuram e percebermos, efetivamente, o que elas vo buscar e o que podemos ou queremos oferecer como tratamento, e ainda o nosso desejo e empenho em nos desenvolvermos internamente para estarmos em equilbrio e sintonia com nossos espritos e a nossa sensibilidade como humanos e profissionais.

  • 2 Captulo 1 CONCEPO DE HOMEM SEGUNDO A VISO DA MEDICINA CHINESA

    Para que possamos entender o processo de tratamento utilizado pela medicina chinesa, temos que apreender sua viso de mundo e de ser humano. Diferentemente do ocidental, o oriental concebe o ser humano como um elemento pertencente Natureza, uma estrutura integral que sofre as influncias naturais, atravs das suas estaes e aes energticas. um ser concebido como um sistema nico, integral, ou seja: corpo, mente e alma compem um todo, e esse todo sofre aes externas que desequilibram o interno.

    O oriental pensa simbolicamente, de forma circular e abrangente; no limita sua ao ou seu pensamento simplesmente lgica. Busca a compreenso dos mundos interno e externo e sua correlao e interao.

    O pensamento simblico capaz de ampliar nossos limites e tocar o infinito, criando, assim, uma amplitude na prtica cotidiana nos mais variados aspectos e direes, enquanto que somente o pensamento lgico, muitas vezes, atrofia o nosso olhar e a nossa prtica.

    A Medicina Ocidental concebe o ser humano como um sistema orgnico completo (fsico e mental), mas atua tendo como foco central o fracionamento do mesmo. Busca aperfeioamento e profundidade, atravs das partes, das especializaes, perdendo, quase sempre, o foco da integralidade e harmonia do todo. Em contrapartida, a Medicina Chinesa atua sempre no todo, e o reequilbrio e a harmonizao deste atuaro na diversidade de sistemas do nosso organismo.

    A Filosofia e a Medicina Chinesa, atravs da observao das manifestaes dos fenmenos do Universo (Chi do Cu e Chi da Terra) e sua inter-relao com os seres humanos, consideraram que a unio dessas energias originou a energia do ser humano.

    A prtica da Medicina Chinesa e seus conceitos so milenares; remetem-se a eras antes de Cristo. Atravs dos sculos e de suas dinastias, a prtica mdica foi se aprimorando, tornando-se mais embasada filosfica e cientificamente. A documentao dessa prtica e seus alicerces filosficos comearam a ser desenvolvidos na era da Dinastia Zhou, que permaneceu de 1207 a.C. a 221 a.C. Anteriormente a esse perodo histrico, a concepo de doena tinha um cunho

  • demonaco. As doenas ou suas manifestaes eram atribudas a entidades perversas da Natureza e, portanto, somente aes mticas conseguiriam aplacar a fria dos demnios e trazer a sade de volta pessoa.

    Sem cindir definitivamente com as prticas e conceitos tradicionais, buscando cada vez mais o embasamento filosfico e cientfico, a Medicina Chinesa se alicera em trs grandes pilares: Taosmo, Budismo e Confucionismo. Eles passam a embasar a noo de que o prprio homem o responsvel pela sua sade. Suas aes que vo determinar a qualidade de sua vida e das doenas que delas advierem. A Medicina Chinesa une a tradio modernidade, a prtica fsica para o bem estar do corpo prtica da meditao, buscando a preservao da sade e o equilbrio geral das energias positivas do organismo.

    O Tao produz e completa os 10000 seres. No nada alm da troca entre o yin e o yang e a luminosa radiao dos espritos (Shen Ming). Para estar vivo, o ser humano precisa da combinao do yin e do yang qi, a unio das Essncias (Jing) do pai e da me. As duas Essncias se combinam; a forma fsica e os espritos so, portanto, completados, unindo o qi do Cu e da Terra e gerando a Humanidade (LARRE E ROCHAT DE LA VALLE, 1995).

  • 3 Captulo 2 - OS ALICERCES DA MEDICINA CHINESA

    O homem o resultado do Qi do cu e do Qi da terra. A Unio do Qi do cu e do Qi da terra chamada de Ser Humano (MACIOCIA, 2007, p.36, cita o livro Questes Simples, (Su Wen), cap. 25).

    Qi a raiz do Ser Humano (MACIOCIA, 2007, p.36, cita o livro Clssico das Dificuldades (Nan Jing).

    A Medicina Chinesa entende que a funo do corpo e da mente o resultado da interao de determinadas substncias vitais. Elas se manifestam em vrios nveis de substancialidades, podendo ser mais materiais e/ou mais rarefeitas.

    Chi (Energia Vital) Jing (Essncia) Xue (Sangue) Jing Ye (Fludos Corpreos) Shen (Mente/Esprito)

    Na Filosofia e Medicina Chinesa, o corpo e a mente no so vistos como um mecanismo, mesmo sendo complexo, mas sim como uma fonte ou centro de Chi (energia) em suas vrias manifestaes, interagindo entre si para formar um organismo. O corpo e a mente so entendidos como formas dessa energia, e todas as demais substncias so tambm manifestaes desta, porm em variados graus de materialidade e imaterialidade, como por exemplo: a materialidade dos lquidos ou fludos corpreos e a total imaterialidade da mente ou psiquismo.

    3.1 Chi

    Chi uma energia que se manifesta simultaneamente sobre o fsico e o esprito. um estado constante de fluxos em estados variveis de agregao. Quanto mais condensado, mais se transforma e se acumula em forma fsica. Ele a unio do concreto ou slido com o no slido (gelo e vapor). Chi a base para as manifestaes infinitas da vida do Universo (reinos: mineral, vegetal e animal, e dentro deste encontra-se o Homem).

  • Zhang Zai (1020-1077 d.C.) foi o filsofo que mais ampliou o conceito de Chi. Ele concebeu que o Grande Vazio no era um mero vazio, mas sim Chi em seu estado contnuo. Afirmou que a agregao extrema do Chi originou a forma real, ou seja, substncia material ou Xing.

    Xun Kuan (c.313-238 a.C.) disse: gua e Fogo tm Chi, mas no tm vida; plantas e rvores tm vida, mas no o conhecimento; pssaros e animais possuem conhecimento, mas no tm idia do que correto.

    O filsofo Taoista Lie Zi (300 a.C.) aponta que: Os mais puros e os (elementos) mais leves tendem a subir, como o cu; os (elementos) mais grosseiros e mais pesados tendem a descer, como a terra.

    O Chi a energia que circula nos meridianos (caminhos da energia), a chama da vida. Ele est dentro e fora de ns. uma energia circulante que est no meio ambiente e entre as pessoas, portanto, esta viso insere o indivduo como parte do sistema e do meio em que vive, fazendo com que seja marcado pelo meio ambiente e o marque. O Chi proporciona a formao da estrutura psquica, por ser o homem o resultado de impresses energticas ao longo da vida (amor, vazio, ateno, etc...). Circula sempre em duas direes: partcula e onda; psique e soma; causa doenas e adoece; propicia a cura e se reequilibra sozinho.

    O Chi divide-se em vrios tipos de energia, sendo Jing a principal. Jing: energia essencial. como um fluido derivado de um processo de

    refinamento ou destilao, extrado de uma base mais dura. Ela transforma-se lenta e gradualmente no decorrer da vida. uma energia muito importante para a vida; deve ser cuidada e guardada como um bem muito precioso. Devemos cuidar dela com muito afeto, carinho e desvelo.

    Essa energia se subdivide em duas partes: Jing pr-celestial: energia inata (energia ancestral); Jing ps-celestial: energia do Cu Posterior (energia do ar e dos

    alimentos). A partir das energias pr-celestial e ps-celestial h a criao da energia

    essencial do Rim. Essa energia como a Seiva da Vida; ela responsvel pelo desenvolvimento geral do organismo, reproduo, concepo, maturao sexual e envelhecimento. Essa energia gasta ao longo da vida. A Medicina Chinesa a compara chama de uma vela que se mantm acesa e vai ao longo do tempo sendo consumida lentamente. Esta energia fundamental na qualidade da sade da

  • pessoa e deve ser preservada ao mximo atravs do equilbrio no viver (horas de trabalho, alimentao, descanso, etc...). A energia essencial do Rim a base para os Trs Tesouros- Jing (energia essencial), Chi (energia vital) e Shen (Mente/Esprito).

    Como a energia Chi circula por todo o corpo fsico e mental, ela se movimenta e se distribui atuando em diversas funes de proteo e combate a doenas, buscando manter a homeostase do organismo.

    Funo de transformao (alimentos e fluidos em partes pura (Yang) e impura (Yin);

    Funo de transporte (transporta as vrias substncias que foram transformadas para dentro e fora das vrias estruturas do corpo);

    Funo de manuteno (manuteno dos fluidos e sangue dentro dos seus lugares);

    Funo de subida (assegura que as estruturas do corpo sejam mantidas em seus prprios lugares);

    Funo de proteo (proteo da invaso de fatores patognicos externos);

    Funo de aquecimento (papel essencial ao organismo, pois todos os processos fisiolgicos precisam de calor). Mantm a Vida.

    3.2 Yin e Yang

    Quando pensamos no conceito de Yin e Yang, imediatamente devemos nos reportar ao conhecimento da filosofia Taoista, fundada por Lao Zi. Este mestre/filsofo concebeu como conceito fundamental de sua teoria o conceito de Tao; ele mais apreendido intuitivamente do que cientificamente, e podemos entend-lo como sendo o Caminho. O sentido do viver, o estilo de vida. Ele o caminho fsico e espiritual, a totalidade, o caminho da espontaneidade/naturalidade de todas as coisas. o Absoluto que, por diviso, gerou o Yin e o Yang e a partir dessa diviso ocorreu a existncia de todas as coisas no Universo.

    Em termos histricos, vamos encontrar referncia sobre o Yin e o Yang no Livro das Mutaes (Yi Jing) datado de 700 a.C. Eles tm representao atravs do

  • simbolismo dos ideogramas, de linhas contnuas e linhas interrompidas. A combinao dessas linhas em pares forma diagramas, a adio de mais uma linha a estes, com combinao variada, forma trigramas, e as vrias combinaes dos trigramas formam os hexagramas. A filosofia chinesa acredita que esses smbolos simbolizem todos os fenmenos possveis do Universo e, portanto, mostram como todos os fenmenos dependem de dois polos energticos: Yin e Yang.

    Os conceitos de Yin e Yang so considerados fundamentais para a teoria da Medicina Chinesa, e, juntamente com o conceito de Chi, vm baseando e permeando a filosofia h sculos, diferenciando-se de qualquer conceito ocidental. Para a filosofia chinesa, Yin e Yang significam movimentos/qualidades opostas, porm totalmente complementares. Um contm o outro, e a semente de um encontra-se no seio do corpo do outro. A energia Yin contm a energia Yang e vice-versa. Um no pode existir sem o outro. Um consome o outro e vice-versa (fogo e lenha). Para o oriental, o Yang significa e est associado ao movimento, o Yin tranquilidade. O Yin e o Yang vm definir a diferenciao; sem essas duas energias simplesmente no haveria a diversidade. Mas elas existem num ciclo dinmico e vivo.

    O Yin e o Yang se complementam e se opem como o Sol e a Lua; o Dia e a Noite; o Cu e a Terra; a Vida e a Morte. Portanto, geram um movimento cclico, sendo assim uma expresso da dualidade do tempo. Eles podem ser considerados dois estgios no processo de mudana e transformao de tudo no Universo quando pensamos em diferentes estgios de densidade da matria.

    A polaridade de opostos e a sua complementaridade transformam-nos na fora motriz de toda a vida no Universo. A Vida no pode viver sem um e sem o outro. De forma dinmica ocorrem a interao, a complementao e a oposio. A vida no se d de forma esttica; o corpo e a mente do indivduo existem porque esto em movimento energtico, as relaes so dinmicas e dependem das pessoas, ningum existe sozinho. Para existir, o ser humano precisa de uma condio de movimento e aconchego; no movimento existe a calma e no aconchego existe o movimento (espermatozide (Yang) e tero (Yin)). Na Natureza ocorre o mesmo: tudo se complementa, interage e se ope. Nisto est a beleza do existir, seja Natureza ou Homem. Ambos precisam de cuidados, de carinho, de ao e de descanso. Um pertence, contm e est contido de uma certa forma no outro. A espontaneidade do Universo demonstra isso. O processo criativo deriva desses

  • movimentos, mas tudo depende do processo de equilbrio e de haver as condies que favoream a criao de algo. Muitas vezes, mesmo em condies adversas, encontra-se o movimento ideal para reverter uma situao e transform-la em possvel. A dinamicidade dessas energias o que provoca a possibilidade da harmonizao do todo. Se um preponderar sobre o outro haver o desequilbrio.

    No h duas coisas sob o Cu que no tenham a relao mtua do self e do outro. Ambos, o self e o outro, igualmente desejam agir para si, desse modo opondo um ao outro to fortemente quanto Leste e Oeste. Por outro lado, o self e o outro tm ao mesmo tempo a relao mtua de lbios e dentes... ento, a ao do outro em seu prprio lado ajuda, ao mesmo tempo, o self. Assim, reciprocamente contrrios, eles so incapazes de negao mtua (MACIOCIA, 2007, p.3, cita no Chuang Zi).

    3.3 Os Cinco Elementos

    Os Cinco Elementos um conceito da Filosofia e Medicina Chinesas que representa simbolicamente cinco elementos que contm movimentos energticos diferenciados, porm dinmicos. Eles representam as qualidades fundamentais de toda a matria existente no Universo. Cada elemento simboliza uma fase de um processo de transformao contnua, cclica, e tem uma Natureza especfica, ou seja, sua prpria qualidade de Chi. Os Cinco Elementos relacionam-se simbolicamente aos Elementos da Natureza: Madeira, Terra, Fogo, Metal e gua. Cada um deles est diretamente relacionado a um rgo e a uma vscera, desempenha um papel diferente e tem uma expresso especfica. A inter-relao entre rgos/vsceras e os elementos expressa muito mais do que simplesmente os efeitos fsicos da energia, mas, principalmente, suas funes na mente e no esprito. Podem ser considerados como qualidades da Natureza e todos esto interligados, gerando uma cadeia que responsvel pela gerao e transformao da Vida na Terra.

    gua a qualidade da Natureza que descrevemos como saturada e descendente. Fogo a qualidade que descrevemos como ardente e com tendncia a ascender. Madeira a qualidade que permite superfcies curvas ou margens retas. Metal a qualidade que consegue seguir a forma de um molde e, ento, se torna dura. Terra a qualidade que permite o plantio, o crescimento e a colheita (HICKS; HICKS; MOLE, 2007, p.5, citam Shu Ching, sc.IV a.C. citado em Needham, 1956, p.243).

  • Figura1 Os cincos elementos

    Para a Medicina Chinesa, o conceito de Cinco Elementos uma forma de se correlacionar a energia csmica com a Natureza, uma vez que eles servem, substancialmente, para se compreender a contnua e inevitvel sucesso das estaes.

    Os Cinco Elementos no ficam submetidos apenas aos elementos da Natureza; ampliam-se no seu conceito, abarcando outras qualidades tais como: sabores, cores, as estaes climticas e o clima, direes, nmeros, planetas, animais, rgos e vsceras, tecidos, sons, etc. Relacionam-se s funes psquicas do organismo, bem como s funes do corpo. Afetam as pessoas, portanto caber ao acupunturista desenvolver a habilidade de perceber as vrias manifestaes desses elementos dentro delas. Em geral, atravs da manifestao das emoes humanas que possvel perceber a qualidade do Chi existente em cada elemento.

    Essa teoria concebe sua atuao a partir de parmetros cclicos, ou seja: cada elemento se inter-relaciona e interdepende do outro. Todos os cinco elementos existem e tm seu dinamismo dentro de cada um deles, criando uma cadeia de gerao e dominncia. Para que haja equilbrio no Organismo e na Natureza, esses ciclos devem viver e se movimentar em harmonia. Qualquer alterao na sintonia destes, resulta em desequilbrio e, provavelmente, em doena ou desestruturao do equilbrio do Chi.

    Dentre as relaes que se estabelecem, as mais significativas e que vo ser fundamentais para o entendimento das causas ou da raiz dos desequilbrios de Chi so as estabelecidas atravs dos Ciclos de Gerao ou Nutrio, ciclo Sheng, e de Dominncia ou Controle, ciclo Ke.

  • No mistrio da Natureza, nem a promoo de crescimento (Sheng) e nem a de controle (Ke) so dispensveis. Sem a promoo de crescimento, no haveria desenvolvimento; sem controle, o crescimento excessivo resultaria em prejuzo (LING SHU; LIU, 1988, p.53).

    3.3.1 Ciclo de Gerao ou Ciclo Sheng

    Figura 2 Ciclo de Gerao

    Representa o ciclo do tempo, da formao da vida e de novos elementos. Ele demonstra a dualidade dinmica das relaes energticas, do movimento das energias Yin e Yang e do livre circular da energia Chi. Ao mesmo tempo que o elemento gera, gerado, alimenta e alimentado. me e filho.

    O ciclo de gerao nos mostra o papel de prover e alimentar e o papel de receber, mas tambm o movimento dinmico que se repete: quem hoje recebe, amanh ser o prximo a prover e alimentar. O elemento gua gera o elemento Madeira, que gera o elemento Fogo, que gera o elemento Terra, que gera o elemento Metal, que gera o Elemento gua.

    O ciclo Sheng fundamental, pois pode-se perceber o desequilbrio de Chi em um elemento e efetuar a sua harmonizao, atravs da ao em outro elemento que se relaciona com ele.

    Nesse ciclo no existe a inverso da gerao, tudo segue um curso harmnico. A Natureza convive em todo o seu esplendor gerando vida, oferecendo alimento, oxignio, gua e tudo que necessrio para se viver com sade e harmonia. A energia tambm tem seu curso perfeito; as atitudes do ser humano que alteram esse equilbrio. O ciclo de gerao um ciclo de crescimento e harmonia. H uma dependncia invarivel dos filhos sobre os pais e uma direo

  • dos pais para os filhos. Assim o Tao do Cu (HICKS; HICKS; MOLE, 2007, p.9, citam Tung Chung-shu, 135 a.C., citado em Needham, 1956, p.249).

    3.3.2 Ciclo de Dominncia ou Ciclo Ke

    Figura 3 Ciclo de Dominncia

    Representa o ciclo do controle, do limite que vem para impedir um crescimento individual dos elementos de forma descontrolada. Ele se estabelece para ser um mecanismo de regulao energtica. Esse controle necessrio para que um elemento no venha a agredir o outro. Caso esse controle falhe, a doena e o desequilbrio surgiro.

    Nesse ciclo, podemos pensar em pai, ou av, que, simbolicamente, representa o impor o limite, e em filho ou neto. Esse ciclo tem o limite como parmetro para controlar o descontrole, mas age, principalmente, para manter a harmonia e garantir a sade do organismo. O limite necessrio para a preservao da vida e para que haja crescimento.

    Uma vez excessivo, o Chi no apenas age sobre o que deve agir, mas tambm se contrape sobre aquilo que no deveria. Sendo insuficiente, o Chi no s neutralizado por aquilo que age sobre ele, mas tambm neutralizado por aquilo sobre o qual deveria agir (HICKS; HICKS; MOLE, 2007, p.10, citam o Tratado sobre as Cinco Fases de Circuito no Su Wen; Liu, 1988, p.56).

    Ambos os ciclos so fundamentais na existncia, quer da Natureza quer do ser humano, pois so interdependentes e complementares; atuam em funes

  • diferentes, mas exercem papis fundamentais no equilbrio energtico do organismo. So mecanismos de autorregulao do homem.

  • 4 Captulo 3 - ACUPUNTURA TCNICA TERAPUTICA MILENAR DA MEDICINA CHINESA

    A prtica da acupuntura se mistura com o prprio conceito filosfico da Medicina Chinesa. Eles so praticamente indissociveis. A cultura chinesa tem a mais antiga tradio da linguagem escrita, que data de 3100 a.C.. Isto favoreceu a passagem do conhecimento adquirido pela prtica, sem as deturpaes que, normalmente, ocorrem quando o conhecimento transmitido somente de forma oral. A partir da observao dos elementos da Natureza e de achados, ainda na era pr- histrica e idade antiga (animais, plantas, pedras, madeira), o homem chins descobriu que existiam formas de alvio das dores. Percebeu que os animais aliviavam suas dores ou seus desconfortos atravs de estimulo, instintivo, em locais de seu corpo. Provavelmente, o homem primitivo exercia essa mesma prtica.

    Em runas chinesas da era pr- histrica, datada de 10000 a 4000 a.C., atravs de escavao, foram encontradas pedras pontiagudas, s quais deram o nome de Pedras Bian. Estas eram utilizadas na China Antiga para tratamento de dores, atravs de estmulo em pontos do corpo que se encontravam doloridos. Esses pontos foram denominados pontos Ashi.

    Na era da Dinastia Chinesa Shang, que existiu em 1000 a.C., j se utilizavam agulhas de bronze para estimular esses mesmos pontos. Com a continuidade da prtica e da observao dos resultados obtidos nas pessoas e a ao e estudo de filsofos e praticantes da Medicina Chinesa, a acupuntura, aliada a conceitos amplos de bem estar (meditao, alimentao, prtica de exerccios fsicos), foi ganhando cada vez mais espao e propiciando o aprofundamento do conhecimento terico.

    A acupuntura expandiu sua ao e conhecimento em outros pases do Oriente e foi, cada vez mais, se tornando uma prtica efetiva, tendo, em 702 d.C., sido criada no Japo, em Nara, a primeira Escola Mdica Imperial, onde era ensinada.

    Na China, os pilares filosficos, Taosmo, Budismo e Confucionismo, foram se alternando durante os perodos das dinastias e, em cada uma delas, houve avanos e retrocessos em relao ao estudo e prtica da acupuntura. Na dinastia Yuan, que data de 1264 a 1368, perodo em que a China teve domnio dos mongis liderados por Gengis-Khan, a acupuntura se desenvolveu significativamente, assim como o

  • estudo do Confucionismo. Em 1341, o mdico Hua Shuo publica um texto onde descreve 303 pontos existentes no nosso corpo, pontos relacionados aos j conhecidos e denominados 12 Meridianos, que haviam sido definidos como os caminhos energticos do organismo e que se relacionavam diretamente, na rea fisiolgica, com os rgos e vsceras do corpo, alm de 51 pontos em 2 Meridianos Extraordinrios.

    Atravs de estudos e da observao da Natureza e seus efeitos sobre o homem, os praticantes de acupuntura foram descobrindo que existiam percursos energticos no corpo que estavam diretamente ligados aos rgos internos do organismo; quando apalpados ou estimulados, geravam determinadas reaes ou maior sensibilidade em certos locais e, portanto, percebia-se uma transformao, um efeito mais significativo. A esses percursos foram dados os nomes de meridianos.

    A partir desse conhecimento, os acupunturistas dividiram o corpo em reas para melhor tratarem as pessoas e terem um efeito mais efetivo no tratamento. Esses trajetos e seus pontos se inter-relacionam e neles percorrem vrios tipos de energia. Quando estimulados, causam alterao no trnsito das energias, reequilibrando-as e aos rgos correspondentes. Os meridianos no so estruturas estticas, mas, assim como o conceito de Chi, interagem, se opem, se complementam. Essas relaes so os norteadores para se executar o diagnstico e tratamento dos desequilbrios energticos em todos os mbitos (emocional, espiritual, mental e fsico) do organismo humano.

    Desde ento, a acupuntura teve seus trajetos delimitados, seu sentido definido, alm da definio e conceituao das funes energticas dos pontos, os chamados acupontos. O trajeto se dava do tronco para as mos, das mos para a cabea, da cabea para os ps e dos ps para o tronco.

    Na poca das dinastias, o tratamento dos nobres no podia ser realizado utilizando-se todas as regies corporais, porque no era permitida a exposio do corpo, principalmente das mulheres da nobreza. O tratamento se dava das mos at o cotovelo e dos ps at os joelhos; regies do corpo passveis de exposio. Esses pontos, onde eram realizadas as estimulaes, atravs da insero das agulhas, passaram a ser chamados de pontos Shu antigos. Eles levam a concepo de pontos de transporte, ou seja, so pontos que contm a manifestao energtica dos cinco movimentos do corpo. Atravs deles ocorre a verdadeira comunicao entre o interno e o externo do corpo. Os rgos e vsceras (Zang Fu) se comunicam

  • e interagem. Cada trajeto energtico ou meridiano est ligado a um rgo e uma vscera, e cada um desses possui uma enormidade de acupontos com funes energticas definidas. Os pontos Shu antigos so considerados pontos de acupuntura muito importantes no tratamento dada a sua capacidade energtica. Como cada um possui uma funo especfica, os cinco constroem um sistema que concebe os meridianos circulando basicamente nos membros superiores e inferiores de forma bilateral. Eles so simbolicamente comparados aos aspectos da Natureza, ao de movimento da gua e da terra.

    O mestre, atravs da observao do rio, percebeu que o movimento da energia em nosso corpo poderia corresponder a ele. Ele nasce em um local definido, mas no sabe o caminho a trilhar. S medida que vai escoando sua gua, sua forma comea a se definir e ele passa a tomar uma direo. Quando essa gua se junta s guas das chuvas, cria um novo volume e produz reas de grande quantidade. s vezes, at ficam represadas, formando lagos. Logo essas reas transbordam, alargam-se e formam veios que criam novas correntes. Suas bordas vo se definindo, suas guas vo aumentando de volume e se aprofundando at que se encontram com o mar.

    4.1 Pontos Shu Antigos

    1 ponto - Thing ou nascente: local onde a energia (Chi) brota e inicia-se o seu trajeto energtico, mas ainda se encontra superficial. Pode ocorrer a troca de polaridade energtica (Yin/Yang). Ele promove a circulao energtica para o corpo todo;

    2 ponto - Yong ou manancial: local onde a carga energtica muito forte e se movimenta como um redemoinho de gua para que o Chi se expresse. Ele se torna mais rpido;

    3 ponto - Iu ou riacho: o Chi ganha fora e se alarga, unindo-se ao Chi da energia defensiva (Wei Chi). Esse o ponto de transporte da energia. Em conexo com a energia defensiva, impede a entrada da energia perversa;

    4 ponto - King ou rio: nesse ponto a energia Chi se torna mais forte, mais ampla. Atravs dele, h a condio da energia nutridora, que se encontra nos meridianos, nutrir todas as estruturas do organismo tais como: msculos, tendes,

  • pele etc... Ele se conecta aos afluentes de outros meridianos e se aprofunda indo em busca do 5 ponto;

    5 ponto Ho: equipara-se ao mar lento, profundo e imenso. Ele penetra o Chi para as profundezas do nosso corpo.

    A Acupuntura trabalha utilizando-se dos vrios meridianos que percorrem o nosso corpo e seus pontos energticos. Temos doze meridianos principais, meridianos colaterais; meridianos tendino-musculares; meridianos distintos e meridianos maravilhosos ou vasos maravilhosos.

    Os canais unitrios que trabalham com as energias de superfcie e profundidade se utilizam dos pontos Shu antigos (Yong/Iu) para a distribuio da energia.

    H tambm os canais de conexo ou Pontos Lo. So canais secundrios, mas tm sua origem no ponto Lo dos canais principais. H ainda pontos emergenciais, pontos de Alarme ou pontos Mo; pontos Fonte, onde h uma reserva de energia; pontos Shu dorsais ou de assentimento, que se localizam na parte posterior do organismo e tm como funo tratar dores crnicas bem como tratar a rea emocional, liberando as emoes e a mente; pontos extras e vrios outros que foram sendo descobertos a partir da prtica cotidiana da Medicina Chinesa.

    Existem regies do nosso corpo que so consideradas microssistemas, que representam o corpo como um todo e que tambm podem sofrer a ao da acupuntura:

    Auriculos ou auriculoterapia; Quiropuntura (tratamento realizado nas mos).

    A prtica da acupuntura busca se utilizar desses pontos e dos microssistemas, aps a construo de um diagnstico em que foram avaliados aspectos de qualidade da energia, os cinco elementos e demais conceitos da Medicina Chinesa, para a efetivao do reequilbrio da energia geral do organismo, bem como o equilbrio das energias espirituais. Para tanto, utilizam-se agulhas que so introduzidas nos locais onde se localizam os pontos, buscando a movimentao e a regulao da energia (Chi). Alm das agulhas, existem mtodos que foram desenvolvidos ao longo dos anos e que tm o mesmo objetivo. Porm, o agulhamento ainda a prtica mais tradicional e a mais utilizada pelos acupunturistas. Se voc quer curar a doena, no h nada to bom quanto a

  • agulha! Sua percia est no mistrio do seu funcionamento nosso trabalho expe seus princpios sagrados ( DA CHENG; BERTSCHINGER,1991, p.81).

    Esta prtica Milenar concebe em seu uso o desenvolvimento tanto da prtica como da arte de inserir as agulhas. A primeira exige conhecimento e habilidade tcnica (tonificar, sedar, posicionar as agulhas, localizar os pontos, etc...), e a segunda, o desenvolvimento da capacidade do acupunturista de se desenvolver internamente e se conectar com o seu paciente, buscando tratar e curar todos os nveis do organismo: corpo, mente e esprito. As duas habilidades devem compor o profissional acupunturista que deseja manipular agulhas (e/ou os demais instrumentos utilizados pela Medicina Chinesa).

  • 5 Captulo 4 - O SHEN COMO CONCEITO DE IDENTIDADE

    Figura 4 Tao

    Trinta raios convergem para o meio de uma roda, Mas o buraco em que vai entrar o eixo, o que a torna til. Molda-se o barro para fazer um vaso, Mas o espao dentro dele que o torna til. Fazem-se portas e janelas para um quarto, Mas so os buracos que as tornam teis. Por isso, a vantagem do que est l assenta exclusivamente na utilidade do que no est l (Tao Te Ching, cap. 11).

    Fazendo um paralelo com o conceito de Identidade apresentado neste trabalho, no Captulo 5, a Medicina Chinesa nos apresenta o seu conceito, atravs da definio do que significa o SHEN para ela.

    A Medicina Chinesa nasceu a partir do conceito filosfico Taosta. Tao o caminho, a direo, uma filosofia a ser vivida e seguida, um caminho individual e ntimo. Para ela, a unicidade do indivduo no est somente na mente e no corpo, mas tambm nos aspectos sutis da espiritualidade humana.

    No conceito da Medicina Chinesa, Shen o esprito vivo que mora no corpo e rege suas funes, permitindo que a vitalidade corporal se expresse, para que se possa experimentar a interao com o mundo e com ns mesmos. Shen a mente. o esprito. a conscincia, mas no s a conscincia que reside na mente e sim a conscincia que reside em cada pequena parte do nosso corpo. a conscincia de quem somos e de nossas potencialidades. a energia viva, circulante, mas sutil, rarefeita. Shen o princpio criador e organizador. formado no momento do encontro do vulo com o espermatozide, quando as duas energias se fundem (Jing Chi do pai e da me) e um novo ser floresce no mundo. Uma nova conscincia. A energia essencial, ou Jing dos pais, ser a sua nova essncia. Essa essncia a

  • base da vida de cada ser humano; atravs dela que o feto se desenvolver, unindo, portanto, corpo, mente e esprito.

    O Shen responsvel pela concepo, a passagem do imaterial para o material (esprito imaterial para a matria e corpo). Apesar de o Shen ser criado pela unio energtica dos pais, ele mantm um movimento que seu, individual, e coordena sua prpria concepo. Inicia-se nesse momento, mas vai se transformando ao longo da vida. A cada nova experincia, transforma-se, deixando de ser o que era e se tornando algo novo. Conecta o ser humano ao todo, ao coletivo e a si mesmo, atravs dos sentidos, e propicia a capacidade que temos de transformar a nossa realidade e a nossa vida. ele que influencia a nossa forma corporal, a nossa personalidade, a capacidade de lidarmos com o meio e com as adversidades, o nosso carter. D-nos a caracterstica da individualidade. No h um ser humano idntico ao outro. Somos nicos. Nossa natureza intrnseca viver com naturalidade, autenticidade e espontaneidade. energia dinmica que movimenta a energia vital do nosso todo e que se encontra na essncia do nosso Corao. Ele expresso atravs de nossas emoes. Usufruir de tudo o que a vida nos propicia Shen, como por exemplo: ver o pr do Sol, ouvir a melodia de uma sonata de Bach, desenvolver a percepo espiritual e a religiosidade. Para a Medicina Chinesa, Shen, no cu, o obscuro; no homem, o Tao; na terra, o que atribui a forma, o que faz com que as realizaes se concretizem. Ele o insondvel do Yin e do Yang.

    Segundo o Dr. Jean Marc Eyssalet, em seu livro Dans LOcean ds Saveurs, LIntention Du Corps, Shen :

    No tempo: O organizador de cada um de nossos instantes vividos e o detentor da durao do nosso tempo de vida;

    No espao: O formador e transformador de todas as formas, da forma individual do nosso corpo e do nosso psiquismo, do como percebemos e testemunhamos as outras pessoas e as coisas do mundo.

    Apesar dos chineses terem designado como sua morada o Corao, ele no est num lugar fixo, percorre todos os espaos do nosso corpo, da mesma forma que o sangue percorre os vasos. O Shen muito mais do que um mero esprito do Corao, ele o responsvel por todos os aspectos: mental, espiritual e emocional de todos os rgos do ser humano. Para os chineses, o Corao o rgo que funciona como receptculo para as funes ativas da conscincia. Ele tem a

  • capacidade de se desmembrar em outras dimenses energticas sem, no entanto, perder sua unidade. Todas elas pertencem a uma mesma estrutura psquica e espiritual. Cada uma delas possui caractersticas que as definem e as identificam, mas continuam sendo Shen. Shen o esprito, a mente, a conscincia. Por tudo isso, ele considerado no somente um esprito, mas sim vrios, apesar de ser indivisvel. Ter os espritos (de Shen) o esplendor da vida. Perder os espritos (Shi Hen) a aniquilao (HICKS; HICKS; MOLE, 2007, p.15, citam Su Wen, cap.13; Larre e Roht de La Valle, 1995).

    Ele o nosso poder vital. No pode ser simplesmente detectado e expresso pelos nossos sentidos, mas sim pelo nosso corao. Este deve estar lmpido e aberto para que os Shens possam ser revelados. O Shen liga-se ao fogo, claridade e faz a conexo com o alto. A idia essencial de Shen que ele o prprio ser em sua plenitude. Ele a existncia da formao da vida humana. sua essncia. nossa base.

    Ele se subdivide em cinco dimenses energticas ou cinco diferentes espritos que interagem entre si e se responsabilizam por diferentes aspectos da constituio do ser humano. Cada um est ligado a um determinado rgo Yin.

    Suas dimenses so:

    Figura 5 Os cinco espritos

    Hun ou alma etrea. o esprito que vem habitar o nosso corpo no momento da concepo. responsvel pelo relacionamento do ser com

  • o mundo e pelo livre fluxo da energia. a dimenso social do homem. Est ligado ao rgo Fgado. Permite ao ser humano a capacidade de ir e vir, de dentro para fora e de fora para dentro. Cabe a ele a responsabilidade de dar a conotao emocional s experincias fsicas. Ele une o pensamento intuio, ao inconsciente. D-nos o discernimento espiritual e a capacidade de realizar os nossos sonhos. Pode ser o que consideramos a alma do ser humano e perdurar aps a nossa morte. eterno;

    Po ou alma corporal. Est relacionado aos reflexos, aos sentidos, aos instintos e nossa relao com o ar atravs da respirao. o esprito responsvel pela formao da individualidade do ser humano, da constituio do seu Eu. Liga-se ao rgo Pulmo. a parte do esprito inseparvel do corpo, responsvel por todo o sistema motor, pela autopreservao da vida. substncia e estrutura e deixar de existir quando o corpo perecer finalmente;

    Yi ou direo do pensamento. o responsvel pela manifestao objetiva de nossos pensamentos e idias no mundo. Proporciona a compreenso. como nos reconhecemos a ns mesmos, nossa imagem corporal e nossas memrias corporais. Est relacionado ao rgo Bao. responsvel pela nossa capacidade de julgar, de abstrair, de memorizar. o nosso arcabouo intuitivo, o aspecto mental que simboliza o centro do Shen;

    Zhi ou fora de viver. Relaciona-se nossa capacidade de realizar nossas aspiraes, de dar sentido nossa vida e de enraizar o nosso Shen. a nossa capacidade de adaptao e transformao da realidade. Liga-se ao rgo Rim. a vontade que no pode ser controlada, o impulso e o que nos anima e nos faz seguir adiante, mesmo que no tenhamos a conscincia, muitas vezes, disso.

    O ser humano precisa desse todo para ser um inteiro. Uns no podem existir sem os outros. Todos se completam e se tornam o todo. Todos so um s.

    A identidade tem muitas facetas; somos nicos, mas com uma caracterstica pessoal que nos diferencia no universo de seres humanos. A identidade o Shen. O todo e as partes; o fora e o dentro; a matria e o imaterial; a essncia, a sutileza e a concretude; a profundidade e a superfcie. O lago a nossa prpria imagem

  • refletida, mostrando no seu sombreamento o mais suave e delicado do nosso ser ou o mais escondido no recndito do nosso corao. Ela afetada por nossas emoes e, por conseguinte, cada um dos nossos espritos tambm o ser, e as manifestaes externa e interna denunciaro, ou melhor, revelaro como estamos.

    A nossa identidade pode ser comparada a uma rvore, uma vez que cria suas razes, desenvolve-se, tem momentos de estabilidade e instabilidade, de fora e fragilidade, de florescimento e de transformao que pode perdurar por toda uma vida.

  • 6 CAPTULO 5 - CONSTRUO DA IDENTIDADE

    A construo da Identidade do Ser Humano inicia-se no momento da concepo, quando passam a ser desenvolvidas as caractersticas fsicas. Sero os primeiros determinantes da identidade a ser construda.

    Esse perodo inicial do desenvolvimento, fase embrionria, poder ser considerado um princpio de relao em que o vnculo existente a ligao umbilical e nutridora com a me. A criana vai tomando forma, crescendo, se fortalecendo para conseguir, no tempo adequado, sair do espao de aconchego e proteo para o risco do desconhecido. O nascimento, como define o autor psicodramtico Jacob Levi Moreno, o primeiro ato espontneo do indivduo. No h mais espao para o desenvolvimento fetal, portanto, faz-se necessrio produzir movimento, mesmo que seja compartilhado com a me. A me, segundo a teoria psicodramtica, atua como um Ego auxiliar, e o feto como Protagonista. A atitude ativa o primeiro indcio no processo construtivo da identidade. O resultado desse processo a conquista de um espao, a individualizao. O mundo social o que Moreno define como Matriz de Identidade; o lugar onde a criana se insere e se estabelece a configurao social das relaes do indivduo desde o nascimento, o tomo social.

    O momento do nascimento um marco para a criana porque ela precisa fazer um movimento seu, individual, para vir ao mundo. um marco para a famlia e para a sociedade; ambas tero que acolh-la, cuidar dela, proteg-la e educ-la, respeitando a individualidade desse novo ser que ocupar um espao na sociedade.

    O processo de desenvolvimento, a partir desse momento, parece ganhar velocidade. No incio s existe o EU. Tudo volta sua extenso, faz parte de si e existe porque ela existe. Com o avanar da idade, as relaes sociais vo se ampliando para alm da figura da me. Surgem outras figuras como referncias: pai, avs, avs, tios, amigos da famlia, amigos da escola, professora, etc... Com cada um deles a criana ir estabelecer um tipo de relao que influenciar no processo construtivo da identidade. A qualidade dessas relaes e do afeto nelas contido ser um determinante bastante significativo para o fortalecimento dessa construo. Atributos como a imagem corporal, quem so os pais, onde mora, de onde vem so atributos formadores da identidade, o que individualiza.

  • Uma primeira marca de nossa identidade o nome. Algum nos nomeia, mas com o passar dos anos ele se torna incorporado, passa a ser a nossa representao, a nossa marca. Nosso nome como se funde em ns. Pense em si mesmo com outro nome: h um sentimento de estranheza; no nos reconhecemos (CIAMPA, 2007, p.131). O nome em si no a identidade, mas sua representao simblica. O nome nos revela ao mundo como diferentes e iguais. Na famlia, o prenome nos torna diferentes, mas o sobrenome nos identifica como pertencentes a um grupo determinado. Localiza-nos numa sociedade. Portanto, a identidade vai sendo permeada pela correlao entre o igual e o diferente.

    Nos primeiros anos de vida esse grupo familiar ao qual pertencemos nos mostra as primeiras referncias de relaes, de afeto, de modelos de figuras parentais, de segurana emocional. Nele buscamos o arrimo para vencer os desafios e os medos. Nele desejamos o aconchego de um colo quente e afetuoso. Nele buscamos o continente para testar nossos limites e nos diferenciarmos. Nele queremos a aceitao, a partir das relaes familiares, e comeamos a ter uma imagem de ns e do mundo. O homem isolado, s, uma abstrao, no existe (ROJAS-BERMUDEZ, 1980, p.22).

    A percepo que teremos de ns est intrinsecamente ligada imagem que a famlia e a sociedade nos revelam, nos emitem. A identidade, a partir desse momento, passa a adotar outras formas de se expressar, de predicaes, ou seja, formas expressas atravs de personagens que so definidas pelo seu papel, pela sua atividade.

    Rojas-Bermudez (1980), atravs da Teoria Geral dos Papis, nos aponta conceito semelhante quando diz que a partir da constituio inicial do nosso EU cria-se como que uma membrana protetora, o si mesmo, e ento passamos a atuar a partir de papis sociais que so prolongamentos desse Eu e que vo se constituir atravs de papis complementares. (Ex: papel de filho, papel que o complementa: pai e vice-versa).

    O mesmo, como limite psicolgico da personalidade, tem uma funo protetora e, neste sentido, est intimamente relacionado com os mecanismos de defesa. Ao nvel fsico, corresponde ao espao pericorporal que cada indivduo necessita para sentir-se vontade. [...] A sensao de desagrado que se experimenta quando uma pessoa adentra o terreno pessoal, corresponde em nvel psicolgico ao momento em que o papel, ou podemos dizer personagem, de outro indivduo se pe em contato com o

  • si mesmo, o que ocorre quando no se conta com um papel complementar para estabelecer um vnculo (ROJAS -BERMUDEZ, 1980, p.98).

    Figura 6 Representao grfica da concepo do Eu e dos papis sociais e complementares

    1. Limite do si mesmo. 2. Eu. 3. Papel. 4. Papel pouco desenvolvido. 5. Papel complementar. 6. Relao papel complementar si mesmo. 7. Vnculo. 8. Objeto intermedirio. 9. Pseudopapel. 10. Inter-relao de papis. 11. Expanso do si mesmo em estados de alarme. 12. Contrao do si mesmo em situaes especiais de aquecimento. 13. Contexto que mantm o pseudopapel.

    Esses papis, ou como sugere CIAMPA (2007), personagens, s existem na medida em que existe um espao para a sua atuao e um outro personagem que lhe d significado. Muitos personagens que constituem nossa identidade acabam sendo definidos atravs de conceitos pr-determinados socialmente, com caractersticas estticas. Se o personagem se define pelo seu predicado, ou seja, por sua atividade, podemos perceber que o individuo no um ser isolado e sim um ser em relao. A identidade um processo constante de transformao. O fazer e o ser fazem parte dessa construo, portanto, para ser h que pensar, ter conscincia, criando uma unidade, o sujeito.

    Ao estudar um ser humano, deve ficar claro que se est estudando uma formao material determinada. Ao estudar a identidade de algum se estuda uma determinada formao material, na sua atividade, com sua conscincia, no como coisas justapostas, mas presena de todas em cada uma delas, como uma unidade (CIAMPA, 2007, p.150).

  • Com essas afirmaes, podemos compreender que o autor est definindo a identidade como algo objetivo no seu processo construtivo e no somente como algo que se realiza de forma subjetiva.

    A construo da identidade permeada pela estrutura social e pela histria de vida do individuo. Todo ser humano tem uma histria vivida e que ir determinando sua relao com o mundo e consigo mesmo.

    Numa sociedade capitalista o sujeito no existe como centro dela. Ele parte complementar; o sujeito principal o capital. Essa sociedade define alguns dos personagens que compem a identidade do homem, quer seja trabalhador ou capitalista. O homem no se constitui como verdadeiro sujeito, como essncia, mas sim como representao.

    Apresento-me como o representante de mim mesmo. Como me represento? Desempenhando papis, assumindo papis (decorrentes de minhas posies). Com isso, oculto outras partes de mim no contidas na minha identidade pressuposta e re-posta; caso contrrio no sou o representante de mim (CIAMPA, 2007, p.176).

    Quando o autor aponta a questo da representao, suscita uma questo fundamental para a reflexo sobre a extenso da ao cotidiana do trabalho profissional. Se buscarmos a transformao verdadeira da identidade, a metamorfose constante, temos que ultrapassar a representao como um papel definido e esttico e acessar aspectos que navegam em ns em reas mais profundas do nosso psiquismo (no subconsciente e no inconsciente). Temos que trazer tona nossa espontaneidade, nossa criatividade. Temos que trazer conscincia, pois somente a partir dela poderemos entrar em contato com os demais Eus e nos transformarmos em sujeitos de fato, em vida. A constante transformao consciente nos leva vivncia do si mesmo, da nossa essncia.

    Atravs da citao do autor Stanislavsk (1983), em sua obra A Construo da Personagem, podemos perceber a dimenso da anlise anterior. O autor fala de atores criadores:

    que deixam um rastro de impresses maravilhosamente belas, estticas, harmoniosas, delicadas, de formas inteiramente sustidas e perfeitamente acabadas. Isso criatividade verdadeira, vem de dentro, de emoes humanas, no teatrais [...]. A no h lugar para raciocnios e anlises. No pode haver nenhuma dvida quanto ao fato de que esta qualquer coisa inesperada ergueu-se do fundo manancial da natureza orgnica. O prprio

  • ator avassalado e cativado por ela. transportado a um ponto que ultrapassa a sua conscincia (STANISLAVSK, 1983 apud CIAMPA, 2007, p.193).

    Mesmo se reportando a atores de fato e no s personagens de nossa identidade, essa citao nos revela o quanto o desenvolvimento de cada um de ns necessita transpor os limites da prpria representao e do esperado pela sociedade, mergulhando num processo interno e externo vivo, dinmico e que nos leva a descobrir outros personagens e outros significados para a nossa vida e no meros modelos predefinidos e esperados com os quais, s vezes, nos acostumamos de tal forma que no vislumbramos possibilidade de mudana, de transformao.

    Ao pensarmos a construo da identidade como um processo dinmico entre o dentro e o fora, o inconsciente e o consciente, entre os inmeros personagens que podemos construir, entendemos esse processo como algo concreto, que se revela no espao real, mas que se metamorfoseia constantemente, a partir da ao do prprio homem, desde que lhe sejam possibilitadas as condies necessrias para isso. Se essas condies no se derem, no forem postas, corre-se o risco de uma cristalizao da identidade em papis estticos, na mesmice das relaes e na morte simblica ou real da existncia humana. A estrutura de uma sociedade em que o capital define o ser pode nos levar a esse perigo. A espontaneidade e a criatividade so incentivadas em algumas situaes, mas de forma direcionada, a servio do prprio desenvolvimento do capital, portanto tolhida na sua essncia. O ato espontneo deve estar a servio da identidade do ser, levando-o a outros estgios de conscincia, vivncia e qualidade das relaes. Enfim, da perspectiva de ser, existir enquanto espcime humano, ser social e indivduo.

  • 7 Captulo 6: PERCEPES, REFLEXES E ANLISE

    Este captulo procurar desenvolver um processo de anlise do contedo das entrevistas realizadas, atravs de trechos das mesmas, procurando identificar as transformaes percebidas, ou no, pelos prprios adultos, no aspecto fsico, mental e espiritual (conscincia) aps o incio de seu tratamento com a acupuntura.

    Esta anlise ser subsidiada nos conceitos tericos contidos neste trabalho e em nossa prpria experincia profissional.

    Objetivando identificar a percepo que cada adulto tinha de si mesmo antes de buscar a acupuntura como forma de tratamento, solicitamos que se descrevesse e que explicitasse se percebera alguma transformao.

    [...] Em 2008 estava num processo de trabalho com uma carga muito grande. Eu trabalhava na funerria. Tinha que lidar com a minha equipe de trabalho e com pessoas que eu nunca tinha visto na minha vida, que eram a famlia da pessoa que havia falecido e com o prprio falecido. [...] Ento, toda essa carga emocional foi ficando pesada demais pra mim. Eu no dormia, no me alimentava, minha famlia foi deixada de lado. Praticamente eu no vi o crescimento da minha segunda filha, [...] no tinha descanso, no tinha nada. Da comeou tudo: enxaqueca, dores no corpo, estafa. Eu no tinha tolerncia, eu no tinha mais nada.[...].

    Nesse trecho da entrevista de M.E., feminina, 52 anos, pode-se destacar que a identidade assumida por ela era a da personagem trabalhadora incansvel. No pensava na sua vida alm do trabalho, seu pensamento era praticamente um no pensar, sua existncia s era sentida pelo trabalho. Era a escrava da vida que no era vida. Sua vida existia praticamente isolada das relaes sociais e familiares. Era um viver quase sem sentido, portanto quase uma abstrao.

    Se analisarmos esse mesmo trecho luz do conceito de espritos da Medicina Chinesa, podemos entender que o equilbrio do seu Shen, bem como o de suas outras dimenses, estava seriamente prejudicado, uma vez que M.E. se distanciava de si mesma. Seu esprito Hun (alma etrea) perdeu seu equilbrio, sua mente ficou obscurecida por um pensamento esttico que impedia o livre fluxo da energia, turvava seus sentidos, esgotando seu Jing e passando a afetar sua energia espiritual Po (alma corprea).

  • [...] A alopatia pra mim era um coisa muito longe. Eu sempre achei uma coisa muito agressiva, dependendo da medicao que voc toma. O que eles iam me dar? Uma coisa para eu dormir, para me sossegar, para me dar uma parada. Eu no queria isso. Queria continuar viva, lidando com tudo isso, mas Viva.

    Nesse trecho pode-se identificar um incio de conscincia em relao ao que estava se tornando sua vida. Inicia-se um processo de transformao no seu pensamento. Quer estar viva mentalmente e sentir. Atua atravs do seu esprito Zhi (fora de viver) e busca seguir adiante.

    [...] Comecei a acupuntura nesse ano, 2008. [...] Fui indo e fui buscando e fui sentindo que as coisas foram realmente melhorando. O fsico foi melhorando, o emocional foi melhorando e a eu comecei a conseguir me controlar, a dizer no, na medida certa, aprendendo a delegar, que era meu problema. Ento fui aprendendo a me soltar, a acreditar nas pessoas, no achar que eu era a nica, eu tinha uma equipe e tinha que confiar. [...] Comecei a ter um pouco mais de pacincia. Fui vendo a minha famlia, fui descobrindo-os novamente. Consegui estar mais junto. Ento, tudo isso me ajudou e ajuda at hoje. Qualquer coisa que eu tenha a acupuntura que me alivia. [...] A aplicao das agulhas e muita terapia de conversa dos profissionais que estavam comigo me ajudou muito. [...] A acupuntura, alm da busca de um alvio para as dores fsicas, d algo que te mostra aquilo que voc est fazendo de errado no seu mbito emocional, espiritual mesmo..., uma reeducao.

    Como a construo da identidade um processo dinmico e a energia tambm, M.E. nos mostra a sua trajetria de transformao ao aprender a ser outra. Como que sai de si e torna-se outra, exterioriza-se na realidade. O subjetivo torna-se objetivo, e a recproca tambm. Aprender e ser, ento, o mesmo (CIAMPA, 2007, p.145). Com o tratamento teraputico da acupuntura e dos profissionais que a atendiam, deixa de ser a trabalhadora incansvel, a escrava de si mesma e busca um novo personagem. Vai tomando conscincia de sua existncia e deixa de ser predicado (atividade) para transformar-se em verbo (ao).

    [...] Sou uma pessoa diferente, sou muito mais tranquila. [...] Eu acredito naquilo que estou buscando, a cabea tudo. A acupuntura uma alternativa. [...] Para mim uma maravilha. Fiquei com equilbrio emocional. E eu consegui tudo isso.

    No trecho acima ocorre a conscincia plena de sua transformao. Sou uma pessoa diferente. A identidade-metamorfose, porque tem a possibilidade de se

  • transformar, de buscar novas formas de ser, assumir novos personagens. Morrer e Viver vida, ser matria e imaterial. ser corpo/mente e esprito. realizar com a ajuda de uma prtica milenar, a acupuntura, com a inteno do profissional que a pratica e a do prprio paciente uma viagem ao seu interior, s camadas mais profundas do seu ser e emergir diferente, mais forte, mais equilibrado.

    [...] Procurei a acupuntura, nada que partiu de mim. Como minha esposa estava fazendo o curso e me falava sempre das coisas boas que se conseguia atravs de um tratamento de acupuntura, resolvi experimentar, e, nesse um ano e meio, eu senti muita coisa interessante, muita evoluo em algumas coisas. [...] O fato que me d um bem estar o tratamento [...], no largo por conta disso, no porque eu tenha ido atrs do tratamento ou porque estava me sentindo com algum problema, precisando resolver algum problema, nada disso.

    Na sua apresentao, A.P.F., masculino, 43 anos, demonstra que se encontra num estgio de passividade: nada que partiu de mim. como se estivesse sendo levado e no assumindo sua ao. Percebe um bem estar, mas no se liga s emoes. Mantm um distanciamento de si e, portanto, de sua identidade. Nega a necessidade de mudana, mas, ainda assim, mantm o movimento, mesmo colocando-o praticamente fora da sua vontade.

    [...] Por alguns momentos voc limpa da tua cabea os problemas e sai zerado de l; realmente essa sensao de bem estar que eu tenho. [...] Se eu estivesse num processo de tratamento h trs ou quatro anos, eu talvez pudesse perceber uma mudana grande do que eu era e do que eu passei a ser. Talvez no seja tempo suficiente pra uma mudana radical. [...] Talvez voc perceba a diferena na hora em que voc parar. [...] Talvez no uma mudana de comportamento, mas um bem estar. Voc enxerga o problema menor do que parecia anteriormente, mas uma coisa gradativa; s vezes, quase que imperceptvel.

    Na exposio acima, coloca-se fora. No se percebe como sujeito de sua transformao. A condio para ela ocorrer est fora, no dentro de si. Sua capacidade de promover a ao de ida para dentro e para fora e de dar significado as suas experincias ou sensaes fsicas encontra-se em desequilbrio. Seu esprito Hun est fragilizado. Apesar dessa passividade como sujeito, aponta o benefcio que o tratamento com a acupuntura vem lhe fazendo e demonstra essa importncia no seu processo quando menciona: Se fosse uma consulta dentria, eu dava um jeito de desmarcar, mas a acupuntura eu no deixo de ir.

  • Quando a pessoa cria um movimento, mesmo que no percebido por ela como significativo, cria uma transformao, pois se transformar algo inevitvel para o ser humano, mesmo para aqueles que evitam a evidncia de determinadas mudanas e acreditam que continuam a ser uma espcie de cpia do que no so mais ou do que foram. [...] o trabalho da re-posio que sustenta a mesmice (CIAMPA, 2008, p.165). uma identidade que precisa ser permanentemente re-posta at que encontre um caminho. Mantm a energia fragilizada e estagnada e os seus espritos (Shen, Po, Hun, Zhi e Yi ) em constante desequilbrio.

    [...] No meu jeito de ser, eu acho que mudei muito sim, no posso s creditar na acupuntura, porque estou fazendo um monte de coisas. Frequento a Seara (instituio esprita), comecei a fazer Reiki, academia.

    Nesse trecho da entrevista, R.P.F., masculino, 41 anos, aponta a conscincia de sua transformao. A ajuda vem de fora, mas o movimento interno, seu.

    [...] Na sesso de acupuntura, ela fala que quando ela pega o meu pulso uma coisa que est vendo e outra que est sentindo, porque estou sempre brincando, rindo, mas estou quase tendo um enfarte.

    H a dualidade presente do externo com o interno. Como a pessoa se apresenta, em contraposio com a apresentao de sua energia interna. um e outro, ambos num s.

    [...] Procurei a acupuntura para estabilizar um pouco o meu problema de presso arterial. [...] Descobri que ela trata outras doenas e distrbios mesmo. [...] Em relao presso, felizmente, ela j est estabilizada, muito por causa da acupuntura, as dores nas costas tambm ajudou, mas o meu problema mais crnico. [...] Voc sente que o organismo comea a limpar, a trabalhar alguns rgos. Percebi uma coisa muito interessante, que ela trabalha tambm, percebi isso em uma ou duas sesses, a parte emocional.

    V., masculino, 40 anos, nos apresenta a sua busca pela mudana, mesmo que na dimenso corporal, e acaba se surpreendendo com os efeitos para alm desta. Efeito na dimenso das emoes.

    [...] Estou trabalhando tantas coisas que acho que podem me auxiliar ao mesmo tempo e que causaram uma profunda modificao na minha forma de lidar com as pessoas. A acupuntura, com certeza, uma das coisas que me ajudaram. [...] Se fizer uma comparao, eu posso dizer que o que eu mais gosto de ir na acupuntura. Voc vai sentindo uma energia, uma tranquilidade.

  • Apesar de V. estar num processo de transformao de sua identidade, ainda a responsabilidade da ao de transformao est mais no exterior (meio) do que dentro de si. Amplia sua percepo do instrumento teraputico que est sendo mais significativo para si, a partir da dimenso energtica de seu organismo.

    [...] A procura pela acupuntura e outras terapias alternativas se deram por dois motivos: ter ficado numa situao de estagnao por muito tempo, num relacionamento longo e as coisas no acontecerem. Hoje, o relacionamento acabou, faz dois anos, e nesse relacionamento eram coisas que eu tinha como misso. [...] Insisti muito tempo numa coisa que no acontecia, prestar anos de concurso pblico e ver que o tempo estava passando e os meus projetos, meus sonhos, meus objetivos de vida no estavam se concretizando. uma fantasia, um ideal, mas que no mbito de relacionamento e profissional voc v que isso desmorona. Tudo isso aliado a um despertar, que a conscincia de que alguma coisa estava errada, estava estagnada, mas sem saber como sair dessa situao, como fazer isso se modificar. [...] E a veio, j h um tempo, esse despertar da espiritualidade que eu chamo [...] sentindo necessidade de cuidar um pouco disso, e uma hora veio mesmo uma necessidade, sob pena de entrar duas vezes em depresso. [...] Tinha que mexer nesse lado espiritual, para que os outros segmentos da vida andassem tambm: o afetivo, o profissional, o financeiro. [...] Ento, foi um despertar mesmo para a necessidade dessa espiritualidade, aliada a uma condio de vida que no estava legal, foi o que fez eclodir. [...] Apesar de ser uma transformao paulatina, degrau por degrau, aos poucos ela vem, a transformao vem.

    Nessa etapa da entrevista, V. nos mostra a exploso da conscincia de que sua vida no era vida. Era quase morte, da mente e do esprito. Era quase o aniquilamento do esprito Zhi (fora de viver, sentido da vida). Mostra-nos a capacidade de perceber o processo de transformao interno e de voltar a conectar-se consigo mesmo, transformar a realidade. Deixar de ser o que era e ser algo novo. Deixar a identidade pressuposta e caminhar para a metamorfose. Tornar-se outro, passar pelo processo de morte-e-vida. Aponta a busca pelo esprito vivo que mora no corpo, Shen.

    [...] Para a pessoa ter uma mudana, aquela que fica sedimentada, tem que mudar uma srie de comportamentos. A acupuntura, com certeza, uma ferramenta para isso.

  • 8 CONSIDERAES FINAIS

    Quando cruzamos os conceitos de espritos da Filosofia e Medicina Chinesa e o conceito de identidade da Psicologia Ocidental, compreendemos que ambos so praticamente um s.

    Os cinco espritos Shen, Po, Hun,Yi e Zhi seriam a base energtica de nossa identidade, tendo dimenses de energias mais rarefeitas e energias que se transformam em expresses mais concretas. Eles dariam a base para o nosso desenvolvimento enquanto seres humanos em relao com o meio ambiente.

    O conceito de identidade, no qual estamos nos pautando para este trabalho, concebe a mesma como sendo um processo dinmico, uma determinada formao material, na sua atividade, com sua conscincia (CIAMPA, 2007, p.151), no como coisas que se justapem, mas que se completam formando o ser sujeito.

    Avaliando esses dois conceitos, percebemos que o primeiro d a base dinmica para que a identidade possa ser construda de forma concreta e tambm de forma simblica. Cada uma das dimenses de cada esprito se concretizar atravs das histrias de vida construdas pelas pessoas e se exteriorizar atravs de seus feitos.

    A identidade do ser humano comea a existir no exato momento da concepo, ou seja, comea a existir o esprito Shen, que o princpio criador e organizador, a energia viva, uma nova conscincia, uma nova essncia. A partir desse momento, inicia--se o processo de desenvolvimento do feto, ou melhor, de um novo ser em toda sua plenitude: corpo/mente e esprito. Passa de um encontro entre vulo e espermatozide para se transformar em algum com individualidade, com movimento prprio e que se desenvolver, permanentemente, ao longo de sua vida e de sua histria diante de um mundo social.

    Portanto, no podemos entender o ser humano simplesmente como algum que existe de forma esttica, mas sim como algum que deve se tornar verbo, ao, conscincia, metamorfose. Algum que deve mergulhar no seu interior e no seu exterior, nas profundezas do psiquismo, para poder se desenvolver e viver plenamente, buscando ou conseguindo o equilbrio entre as varias energias que compem o seu ser e deixando, assim, de ser apenas a representao de um papel

  • ou personagem definido e esttico, sendo sujeito de fato e se transformando em vida.

    A partir desse entendimento e dessa viso de identidade que buscamos neste trabalho apreender como a prtica da acupuntura interfere e tem efetividade no processo de sua construo.

    Para avaliarmos essa questo, utilizamo-nos de uma pequena amostragem de adultos (homens e mulheres) com idades compreendidas entre 40 e 55 anos para as entrevistas, considerando que, em nmeros absolutos, pode parecer pouco significativo, mas em nmeros relativos demonstrou ser suficiente para subsidiar nossas concluses.

    Pudemos compreender e apreender, atravs do contato e das entrevistas com essas pessoas, que o processo de construo da identidade no se d totalmente de forma consciente. A conscincia, ou podemos dizer, sua percepo, est muito mais ligada parte corporal do que de fato ao processo interno de desenvolvimento de suas estruturas mentais/espirituais. Em geral, sua conscincia atua no reconhecimento e sensao da dor, mas sem perceber a causa, ou que ela apenas um sintoma de um desequilbrio mais profundo do seu Eu. Ao mesmo tempo, pudemos notar que algumas delas esto adquirindo a conscincia desse processo de transformao sem, no entanto, identificarem-no como uma transformao de sua identidade.

    Quando analisamos os contedos das entrevistas luz das teorias e conceitos postos neste trabalho e da efetividade da ao da acupuntura como instrumento teraputico que objetiva a busca do equilbrio energtico, em todas as dimenses do ser, e a busca de conscincia no processo de construo da identidade, podemos perceber e at arriscar a dizer de forma mais enftica que ela um instrumento magnfico para que o indivduo vivencie sensaes e transformaes concretas que podero lev-lo a adquirir conscincia de si mesmo e de seus desequilbrios e a iniciar ou acelerar um processo de metamorfose que o levar a ser, de fato, sujeito, ao metamorfose, vida.

    Outra considerao que entendemos ser extremamente importante pontuarmos a necessidade de que o profissional que realiza a prtica da acupuntura, quer seja num ambulatrio, quer seja em um consultrio particular, tenha essa percepo do processo de unicidade do ser enquanto psiquismo/esprito/conscincia/fragilidades e fortalezas, sejam fsicas ou emocionais,

  • e da necessidade de criao de um vinculo afetivo com seu paciente. Essa viso, aliada a sua prpria busca de desenvolvimento enquanto pessoa, e o desejo de realmente criar condies para que a pessoa possa optar pela sua transformao faro da acupuntura um instrumento transformador da qualidade de vida e do seu estgio de conscincia e no s um mero instrumento teraputico de aliviar ou eliminar as dores do corpo.

  • REFERNCIAS

    CIAMPA, A.C. A Estria do Severino e a Histria da Severina (Um Ensaio de Psicologia Social). So Paulo: Brasiliense, 2007.

    CAMPIGLIA, H. Psique e Medicina Tradicional Chinesa. 2 ed. So Paulo: Roca, 2010.

    HICKS, A.; HICKS, J.; MOLE, P. Acupuntura Constitucional dos Cinco Elementos. So Paulo: Roca, 2007.

    MACIOCIA, G. Os Fundamentos da Medicina Chinesa: um texto abrangente para acupunturistas e fitoterapeutas. 2 ed. So Paulo: Roca, 2007.

    ROJAS, B.J. Introduo ao Psicodrama. So Paulo: Mestre Jou, 1980.

    WANG,B. (Dinastia Jang) Princpios de Medicina Interna do Imperador Amarelo. Traduo Jos Ricardo Amaral de Souza Cruz. Revisor tcnico Olivier-Michel Niepeeron. So Paulo: cone, 2001.