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Filofia no mundo trabalho e ética

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  • FILOSOFIA, TICA E O

    MUNDO DO TRABALHO

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO

    TRABALHO1 Edio - 2007

  • Sociedade Mantenedora de Educao Superior da Bahia S/C Ltda.Gervsio Meneses de Oliveira

    Presidente

    William OliveiraVice-Presidente

    Samuel SoaresSuperintendente Administrativo e Financeiro

    Germano TabacofSuperintendente de Ensino, Pesquisa e Extenso

    Pedro Daltro Gusmo da SilvaSuperintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadmico

    Faculdade de Tecnologia e Cincias - Educao a DistnciaReinaldo de Oliveira Borba

    Diretor Geral

    Marcelo NeryDiretor Acadmico

    Roberto Frederico MerhyDiretor de Desenvolvimento e Inovaes

    Mrio FragaDiretor Comercial

    Jean Carlo NeroneDiretor de Tecnologia

    Andr PortnoiDiretor Administrativo e Financeiro

    Ronaldo CostaGerente Acadmico

    Jane FreireGerente de Ensino

    Luis Carlos Nogueira AbbehusenGerente de Suporte Tecnolgico

    Romulo Augusto MerhyCoord. de Softwares e Sistemas

    Osmane ChavesCoord. de Telecomunicaes e Hardware

    Joo JacomelCoord. de Produo de Material Didtico

    EquipeAntonio Frana Filho, Anglica de Ftima Jorge, Alexandre Ribeiro, Bruno Benn, Cefas Gomes,

    Cluder Frederico, Danilo Barros, Francisco Frana Jnior, Herminio Filho, Israel Dantas,John Casais, Lucas do Vale, Mrcio Serafim, Mariucha Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval da Fonseca

    ImagensCorbis/Image100/Imagemsource

    Produo AcadmicaJane Freire

    Gerente de Ensino

    Ana Paula AmorimSuperviso

    Ana Paula Matos / Maria Valeska DamsioCoordenao de Curso

    Adriano Araujo, Naurelice Maia de MeloVivian Paula Ribeiro

    Autoria

    Produo TcnicaJoo JacomelCoordenao

    Carlos Magno Brito / Marcio Magno Reviso de Texto

    Francisco Frana de Sousa Junior Editorao

    Francisco Frana de Sousa JuniorIlustraes

    copyright FTC EADTodos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98.

    proibida a reproduo total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorizao prvia, por escrito, da FTC EAD - Faculdade de Tecnologia e Cincias - Educao a Distncia.

    www.ead.ftc.br

    SOMESB

    FTC - EAD

    MATERIAL DIDTICOMATERIAL DIDTICO

  • SUMRIO

    POSTURA FILOSFICA E TICA: OSER PROFISSIONAL NO CONTEXTO CONTEMPORNEO _______________________________ 7

    FILOSOFIA E TICA: CONCEITOS CLSSICOS, QUESTES ATUAIS ______ 7

    SIGNIFICAO DE FILOSOFIA E ATITUDE FILOSFICA ____________________________ 7

    A ATUALIDADE DE SCRATES, PLATO E ARISTTELES ____________________________12

    CONCEPES TICAS _______________________________________________________15

    VALORES E VIRTUDE NA ORGANIZAO ________________________________________20

    ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________23

    TRABALHO E PESSOA ENQUANTO EXISTNCIA RELACIONAL/ POTENCIAL ______________________________________________________24

    SIGNIFICAO DO TERMO TRABALHO E SUAS IMPLICAES _______________________24

    TRABALHO, ALIENAO E IDEOLOGIA _________________________________________29

    PESSOA RELACIONAL E POTENCIAL ____________________________________________40

    COMPETNCIA E PROFISSO _________________________________________________43

    ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________45

    MUNDO DO TRABALHO: PERSPECTIVAS TICAS E DESAFIOS _46

    PERSPECTIVAS TICAS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ___________46

    PRINCIPAIS ASPECTOS E CONTRADIES DO CAMPO TICO _________________________46

    PRESSUPOSTOS OBJETIVOS DA TICA __________________________________________49

    PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS DA TICA _________________________________________53

    PRINCPIOS TICOS E TOMADA DE DECISES _____________________________________54

    ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________58

  • SUMRIO

    TRABALHO COMO POSSIBILIDADE PARA DESENVOLVIMENTO HUMANO ________________________________________________________59

    A SUSTENTABILIDADE E SEUS CRITRIOS ________________________________________59

    CIENCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ___________________________________61

    DO PLURALISMO DE INTERESSES SOCIAIS A PRTICA DO DILOGO ___________________65

    TICA E RESPONSABILIDADE SOLIDRIA ________________________________________66

    ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________69

    GLOSSRIO _____________________________________________________________71

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS __________________________________________72

  • Prezado(a) Estudante.

    com satisfao que a equipe da disciplina Filosofia, tica e o Mundo do Trabalho convida voc para dialogar sobre conceitos indispensveis nossa constante formao na qualidade de pessoa relacional e potencial, prezando por posturas reflexivas, crticas, criativas e ticas no mundo do trabalho e nas demais instncias sociais. O Material Didtico Impresso desta disciplina consta de quatro temas, elaborados por nossa equipe conforme descrio abaixo:

    Filosofia e tica: conceitos clssicos, questes atuais (Tema 01); Perspectivas ticas e dig-nidade da pessoa humana (Tema 03): autoria da prof Vivian Paula Ribeiro.

    Trabalho e pessoa enquanto existncia relacional/potencial (Tema 02): autoria da prof Naurelice Maia de Melo.

    Trabalho como possibilidade para desenvolvimento humano (Tema 04): autoria do prof Adriano Arajo.

    Buscando que voc possa compreender os fundamentos e critrios da postura filosfica, correlacionando-os ao mundo do trabalho e s perspectivas ticas no mbito organizacio-nal e social, trataremos dos sentidos atribudos Filosofia, ao trabalho, ideologia, tica, responsabilidade solidria e social, sustentabilidade, dentre outros conceitos que favorecem a edificao do nosso prprio ser e, conseqentemente, do nosso ser aca-dmico/profissional.

    A nossa disciplina ser realizada mediante estudos e questionamentos como os elenca-dos abaixo:

    Voc conhece a origem latina do termo trabalho?

    J realizou releituras sobre ditos populares tais como Querer poder, Manda quem pode, obedece quem tem juzo?

    O que dizer do termo sbio? Comumente, sbio aquele que detm conhecimentos. Entretanto, analisando a origem do termo, podemos compreender que o sbio no detm o conhecimento, no h entre o sbio e a verdade uma relao de posse, mas de busca...

    Atendendo parcialmente ao primeiro questionamento aqui proposto, a ttulo de curiosi-dade... Voc sabia que a origem latina do termo trabalho corresponde a um instrumento de tortura, conhecido por tripalium?

    Questionamentos assim convidam novas inquietaes e favorecem a compreenso real e significativa do nosso entorno social. Neste sentido, a nossa equipe revela a felicidade de contar com voc, na qualidade de agente transformador, dedicado ao estudo, pesquisa, interveno social, uma vez que, estando em uma graduao j revela o quanto est dis-posto conquista de saberes e a aplicao destes para um mundo mais justo, mais tico, mais humano. Como bem sugere Gonzaguinha...

    a gente quer valer o nosso amor, a gente quer valer nosso suor, a gente quer valer o nosso humor, a gente quer do bom e do melhor [...]. A gente quer ter muita sade, a gente quer viver a liberdade, a gente quer viver felicidade. [...]! A gente quer viver pleno direito, a gente quer viver todo respeito, a gente quer viver uma nao, a gente quer ser um cidado.

    Com a alegria e disposio desse fragmento da msica (Gonzaguinha), iniciamos a nossa disciplina e, ao mesmo instante, parabenizamos a voc por essa nova conquista e nos colocamos em parceria e amizade rumo constante construo de saberes, conhecimentos e atitudes.

    Afetuosamente.Prof Adriano Arajo

    Prof Naurelice Maia de MeloProf Vvian Paula Ribeiro

    Apresentao da DisciplinaApresentao da Disciplina

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 7

    POSTURA FILOSFICA E TICA: O SER PROFISSIONAL NO CONTEXTO CONTEMPORNEO

    FILOSOFIA E TICA: CONCEITOS CLSSICOS, QUESTES ATUAIS

    SIGNIFICAO DE FILOSOFIA E ATITUDE FILOSFICA

    SIGNIFICADO DA PALAVRA FILOSOFIA

    Voc j questionou o signifi cado da palavra Filosofi a? De origem grega, a palavra Filosofi a com-posta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva de philia, que signifi ca amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sbio. Filosofi a signifi ca, portan-to, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filsofo, ento, aquele que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber e assim deseja saber.

    O termo Filosofi a, conseqentemente, lembra um estado de esprito, o da pessoa que ama, isto , deseja o conhecimento, o estima, procura e respeita. Assim, com o auxlio da etimologia, podemos ver que a Filosofi a no puro logos, pura razo: ela a procura amorosa da verdade.

    A Filosofi a exige que ns retiremos de nossas relaes mais ordinrias uma refl exo criteriosa sobre as mesmas; um modo de pensar que persegue o ser humano em seu exerccio de compreenso do mundo onde ocorrem essas relaes, possibilitando ao crtica, criativa e transformadora sobre a realidade.

    A Filosofia a procura da verdade, no a sua posse, porque fa-zer Filosofia estar a caminho; as perguntas em Filosofia so mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta. (JASPERRS, 1997).

    g pa verdade.

    Voc sabia?Voc sabia?Pitgoras de Samos (um dos filsofos pr-so-

    crticos, que viveu no sc.VI a.C.) foi a primei-ra pessoa a fazer uso da palavra Filosofia (philos-sophia). Pitgoras teria afirma-do que a sabedoria plena e comple-ta pertence aos deuses, mas que os homens podem desej-la ou am-la, tornando-se filsofos.

    Autora: Vivian Paula Ribeiro

  • FTC EAD FTC8

    Por isso no devemos nos restringir a receb-la passivamente como um produto, mas sermos ca-pazes, cada um de ns, de nos aproximarmos da Filosofi a como processo, ou seja, como refl exo crtica e autnoma a respeito da realidade vivida.

    ATITUDE FILOSFICA

    Diante do que tratamos acerca do signifi cado da palavra Filosofi a, podemos presumir ou arriscar qual seria a atitude genuna do Filsofo? E o fi losofar?

    Aranha e Martins (1996) elucidam que se a Filosofi a compreende uma abordagem fundamental-mente terica, isso no signifi ca que ela esteja margem do mundo, nem que constitua um corpo de en-sinamentos ou saberes acabados, com o contedo determinado, onde no haja fl exibilidade e seja avesso a qualquer tipo de mudana. A Filosofi a supe uma constante disponibilidade para a indagao. Por isso, segundo Plato, a primeira virtude do fi lsofo encontrar-se suscetvel para surpreender-se diante do que comum vida. Essa a condio para problematizar; o que marca a Filosofi a no como aquela que detm a verdade, mas como aquela que subsiste em sua contnua busca. Ou seja, se o fi lsofo capaz de admirar-se com o bvio e questionar as verdades dadas, ele recebe a dvida como despertadora desse processo abstracional.

    Ante o exposto, podemos presumir que atitude fi losfi ca o refl etir sobre a realidade, na busca de desvelar os signifi cados mais profundos e assim descobrir o que est por trs daquilo que se mostra primeira vista. Contudo, imprescindvel distinguirmos entre o rigor da refl exo fi losfi ca e a refl exo que expressamos comumente, de maneira desorganizada e no sistemtica.

    Estamos todos prontos para este refl etir? O que voc diria se lhe confessssemos que este rigor fi losfi co no um mrito de alguns privilegiados? Muito pelo contrrio, estamos todos sendo constan-temente convidados e desafi ados a superar as adversidades que se apresentam nas dimenses pessoal, profi ssional e moral, exigindo, enquanto estudantes e/ou profi ssionais, uma habilidade refl exiva mais elaborada e precisa, com respeito s idiossincrasias e exercitando o poder de crtica. Que rigor seria este

    seno aquele refl etir distinto que a Filosofi a prope?

    Que isto Refl etir, portanto? Um bom incio nos relacionarmos com a idia que fundamentou a criao da palavra, originria do latim

    refl ectere, que expressa um voltar atrs, pr em questo o que j conhecido. Refl etir , por conseguinte, retomar o pensamento, ressignifi cando-o. Ou seja, o prprio pensamento torna-se objeto de nossa anlise. Lorieri (2002, p.37) defende a necessidade de que as pessoas exercitem continuamente o poder de refl exo, conquistando a capacidade de retomar seus pensamentos para os pensarem de novo, tendo em vista aprimorar o que j esto pensando[...]. Em uma realidade como a nossa, na qual tudo convite ao imediatismo, h que haver convites que levem ao hbito da refl exo.

    Por que importante signifi car o ato de refl etir? So vrias as possibi-lidades de resposta para essa questo; vamos mencionar duas:

    Porque o ato de refl etir proporciona a cada um de ns condies para a autonomia, contribuin-do para o exerccio de crtica e responsabilidade perante o contexto social. Visite o Ambiente Virtual de Aprendizagem (Tema 01) da nossa disciplina e, a esse respeito, veja a animao pensamento.

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 9

    Porque a refl exo fi losfi ca insurge no instante em que o pensar posto em causa, quando ele (pensamento) deita seu olhar sobre ele mesmo. Assim como nos relacionamos com nossa imagem no espelho, em que nos encontramos aqui e l ao mesmo tempo, ela vai at o espelho e retorna refl ete; um processo semelhante ocorre com o pensamento fi losfi co: donde um dilogo estabelecido mediante o relacionar-se consigo mesmo.

    Aranha e Martins (2004) fazem timo uso do modo pelo qual Dermeval Saviani caracteriza a refl e-xo fi losfi ca (radical, rigorosa e de conjunto). Veja transcrio a seguir:

    Radical: a palavra latina radix, radicis, signifi ca raiz e, no sentido fi gurado, fundamento, base. Portanto, a Filosofi a radical no no sentido corriqueiro de ser infl exvel (nesse caso seria a antifi losofi a!), mas na medida em que busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos de pensar e do agir. Por exemplo, a fi losofi a das cincias examina os pressupostos do saber cientfi co, do mesmo modo que, diante da deciso de um vereador em aprovar determinado projeto, a fi losofi a poltica investiga as razes (os princpios polticos) que orientam a sua ao.

    Rigorosa: enquanto a fi losofi a de vida no leva as concluses at as ltimas conseqncias, nem sempre examinando os fundamentos delas, o fi lsofo deve dispor de um mtodo claramente explicitado a fi m de proceder com rigor. Assim os fi lsofos inovam nos seus caminhos de refl e-xo [...]. So inmeros os mtodos fi losfi cos em que se apiam os fi lsofos para desenvolver um pensamento rigoroso, fundamentado a partir de argumentao, coerente em suas diversas partes e portanto sistemtico.

    De conjunto: a fi losofi a globalizante, porque examina os problemas sob a perspectiva de conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si. Neste sentido a fi losofi a visa ao todo, tota-lidade. Mais ainda, o objeto da fi losofi a tudo, porque nada escapa a seu interesse. Da sua funo de interdisciplinaridade, ao estabelecer o elo entre as diversas formas de saber e agir humanos.

    (ARANHA; MARTINS, 2004, p.89-90)

    Caractersticas da Refl exo Filosfi ca, conforme Dermeval Saviani

    A refl exo fi losfi ca e a atitude fi losfi ca esto fundamentalmente interligadas. A primeira foi j elucidada e devidamente caracterizada. A segunda, conforme Chaui (2003), composta pelo aspecto negativo e pelo aspecto positivo.

    Chaui (2003) esclarece que o aspecto negativo da atitude fi losfi ca consiste em no aceitar as afi r-maes prontas sem antes compreend-las, por exemplo as afi rmaes do senso comum; remete nega-o dos pr-conceitos, bem como dos julgamentos prvios ao entendimento efetivo de dada realidade. O aspecto positivo corresponde iniciativa de, uma vez negando pr-conceitos e pr-juzos, indagar sobre o sentido e signifi cado da realidade, construindo posturas propositivas.

    FILOSOFIA E FILOSOFIAS

    No se pode pensar em nenhum ser humano que no seja tambm filsofo, que no pense, precisamente porque pensar prprio do ser humano como tal.

    (GRAMSCI apud ARANHA, MARTINS, 2003)

  • FTC EAD FTC10

    Voc j percebeu que ns, que somos seres sensveis e racionais, nos encontramos continuamente atribuindo sentido s coisas? Em nosso cotidiano, quando refl etimos espontaneamente podemos por costume chamar isto de uma fi losofi a de vida. Entretanto no podemos confundir esta fi losofi a de vida com a refl exo do fi lsofo que, como veremos, tem suas exigncias de rigor que o senso comum no preenche. Com isto, podemos discernir entre os usos da palavra fi losofi a, por exemplo, para designar um modo de ser, e a Filosofi a como rea do saber.

    Iglesias (apud REZENDE, 2002) esclarece que podemos nos referir fi losofi a de vida, fi lo-sofi a de um determinado time de futebol, fi losofi a de uma empresa especfi ca e, nesses casos, temos o campo das fi losofi as que corresponde a um modo de pensar, um modo de ser que no necessaria-mente sistematizado. Como rea do saber, Iglesias comenta que se perguntssemos a dez matemticos o que a Matemtica, as dez respostas seriam, se no idnticas, prximas; se perguntssemos a dez fsicos o que a Fsica, as respostas tambm seriam semelhantes entre eles; contudo, se perguntssemos a dez fi lsofos o que a Filosofi a, ora... Teramos respostas diferenciadas e no seria de assustar que at fossem contraditrias. Essa situao se deve ao fato de que perguntar o que a Matemtica no uma questo matemtica; perguntar o que a Fsica, no uma questo da fsica; entretanto perguntar o que a Filo-sofi a j um questionamento fi losfi co.

    Portanto, a refl exo fi losfi ca no pura e simplesmente a nomeao dos acontecimentos, outros-sim permite imprimir-lhes um novo sentido. Torna-se imperativo a todo e qualquer profi ssional o cultivo dessa postura refl exiva, questionadora, investigativa.

    A QUESTO DA UTILIDADE

    Dentre as situaes que marcam a nossa poca constam a velocidade de acesso s informaes, a inverso de valores, a presena de processos ideolgicos de dominao social, conforme voc estudar no Tema 2 da nossa disciplina, promovendo relaes de trabalho, consumo e lazer alienadas. Deste modo a refl exo fi losfi ca passa a incomodar, pois fundamenta posturas investigativas sobre a realidade e tende a ser vista como um saber intil, pois no tem fi nalidade prtica. Ser que a refl exo fi losfi ca mesmo intil? Qual a referncia para utilidade? Seria a lgica da posse e do poder em detrimento dos reais valores que contribuem para a formao da pessoa. Afi nal, a Filosofi a til ou intil? Para responder a essa questo convido a Dama da Filosofi a Brasileira. Veja quadro que segue:

    O senso comum de nossa sociedade considera til o que d prestgio, poder, fama e riqueza. Julga o til pelos resultados visveis das coisas e das aes, identifi cando utilidade e a famosa expresso levar van-tagem em tudo. Desse ponto de vista, a Filosofi a inteiramente intil e defende o direito de ser intil.

    No poderamos, porm, defi nir o til de outra maneira? Plato defi nia a Filosofi a como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefcio dos seres humanos. Descartes dizia que a Filosofi a o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcanar para o uso da vida, a conservao da sade e a inveno das tcnicas e das artes. Kant afi rmou que a Filosofi a o conhecimento que a razo adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como fi nalidade a felicidade humana. Marx declarou que a Filosofi a havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhec-lo para transform-lo, transformao que traria justia, abundn-cia e felicidade para todos. Merleau-Ponty escreveu que a Filosofi a um despertar para ver e mudar nosso mundo. Espinosa afi rmou que a Filosofi a um caminho rduo e difcil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.

    Qual seria, ento, a utilidade da Filosofi a?

    Intil? til?

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 11

    A Filosofi a possibilita a constante avaliao dos fundamentos dos atos humanos e dos fi ns a que eles se destinam; rene o pensamento fragmentado da cincia moderna e reconstri na sua unidade; retoma a ao completa no tempo e procura compreend-la. Neste sentido, qual a impor-tncia da Filosofi a para voc?

    Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for til; se no se deixar guiar pela submisso s idias dominantes e aos poderes estabelecidos for til; se buscar compre-ender a signifi cao do mundo, da cultura, da histria for til; se conhecer o sentido das criaes humanas nas artes, nas cincias e na poltica for til; se dar a cada um de ns e nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas aes numa prtica que deseja a liberdade e a feli-cidade para todos for til, ento podemos dizer que a Filosofi a o mais til de todos os saberes de que os seres humanos so capazes.

    (CHAUI, Marilena. Convite Filosofi a. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 set 2007)

    E qual ser a real necessidade da Filosofi a em nosso viver? Est no fato de que, por meio da refl e-xo, a Filosofi a nos permite ter mais de uma dimenso, alm da que dada pelo agir imediato, no qual o indivduo prtico se encontra imerso.

    Para refletir...

    Portanto, a Filosofi a a possibilidade da transcendncia humana, ou seja, a capacidade de superar a situao dada e no-escolhida. Pela transcendncia, a pessoa surge como ser de projeto, capaz de ser livre e de construir o seu destino. O distanciamento justamente o que provoca a nossa aproximao maior com a vida. A Filosofi a recupera o processo perdido na averso ao progresso das coisas feitas, impedindo assim a estagnao.

    O ato investigativo da Filosofi a no fi ca desatento tica e poltica. O fi losofar continuamente se coloca frente a frente com o poder, assim nos assegura o historiador da Filosofi a Franois Chtelet:

    Desde que h Estado da cidade grega s burocracias contem-porneas, a idia de verdade sempre se voltou, finalmente, para o lado dos poderes (ou foi recuperada por ele, como testemunha, por exemplo, a evoluo do pensamento francs do sculo XVIII ao sculo XIX). Por conseguinte, a contribuio especfica da Filo-sofia que se coloca ao servio da liberdade, de todas as liberdades, a de minar, pelas anlises que ela opera e pelas aes que desen-cadeia, as instituies repressivas e simplificadoras: quer se trate da cincia, do ensino, da traduo, da pesquisa, da medicina, da famlia, da polcia, do fato carcerrio, dos sistemas burocrticos, o que importa fazer aparecer a mscara, desloc-la, arranc-la...

    (CHTELET apud ARANHA, MARTINS, 2003, p.91)

  • FTC EAD FTC12

    E a Filosofi a neste sentido exige coragem. Filosofar no um exerccio exclusivamente intelectual: descobrir a verdade ter a coragem de confrontar-se com as formas estancadas das foras que tentam manter o aparente, ento aceitar o desafi o da mudana e deste modo ter a sabedoria para transformar. Atentando para a etimologia do vocbulo grego correspondente verdade (a-ltheia, a lethe-ein, des-nudar), vemos que a verdade consiste em expor aquilo que est escondido. Eis a vocao do fi lsofo: o desvelamento do que est encoberto pelo costume, pelo convencional, pelo poder.

    Alguns diro que sempre houve e haver aqueles pensadores bajuladores do poder, prximos dos que esto a servio da manuteno do status quo e que emprestam suas vozes e argumentos para defen-der os que abusam de sua autoridade. Mas, a estamos diante das fraquezas do ser humano, seja por estar sujeito a enganar-se, seja por sucumbir ao temor ou ao desejo de prestigio e glria.

    A ATUALIDADE DE SCRATES, PLATO E ARISTTELES

    SCRATES

    Imagino que voc deve estar se perguntando quem de fato foi Scrates e que importncia, afi nal de contas, tem este fi lsofo e quais foram as suas contribuies na formao do ser humano, da sociedade e do mundo.

    Pois bem, mesmo sem nada ter escrito Scrates foi uma das fi guras de maior importncia e talvez a mais polmica e enigmtica da Filosofi a ocidental. Nascido em Atenas, em 469 a.C, sua Filosofi a, seus ensinamentos e sua vida nos so transmitidos por seus discpulos, principalmen te por intermdio dos Dilogos de Plato. Isso nos traz, novamen te, muita difi culdade em precisar o sentido de sua Filosofi a, tanto que podemos falar de vrios Scrates: o Scrates histrico, que teria realmente existido; o Scrates platnico, personagem dos Dilogos de Plato; o Scrates personagem de Aristfanes, etc.

    Conhece-te a ti mesmo e Quanto mais sei, mais percebo que nada sei so, geralmente, as mais bem conhecidas mximas usadas por Scrates em seu processo de fazer surgir do seu interlocutor a ador-mecida instncia mais aprimorada do conceito.

    A defesa de Scrates, um dos Dilo gos escritos por Plato, um dos documentos fi losfi cos, po-ticos, sociolgicos, psicolgicos e jurdicos mais belos e importantes de que temos registro em todos os tempos. Trata-se da reproduo de sua defesa em seu julgamento, na Assemblia ateniense, por corrom-per a juventude com seu pensamento, introduzir novas divindades e no venerar os deuses da cidade, que fi ndou por conden-lo morte. Morre aps tomar um clice de cicuta na frente de seus discpulos. Chama-nos ateno a quietude que Scrates demonstra em todo o processo. Aps a defesa e a votao, Scrates conduz suas palavras contra os que o declararam culpado:

    [...] talvez imagineis, senhores, que me perdi por falta de discursos com que vos poderia convencer, se na minha opinio se devesse tudo fazer e dizer para escapar justia. Engano! Perdi-me por falta, no de discursos, mas de atrevimento e descaro, por me recusar a proferir o que mais gostais de ouvir, lamentos e gemidos, fazendo e dizendo uma multi-do de coisas que declaro indignas como costumais ouvir dos outros. Ora, se antes achei que o perigo no justificava nenhuma indignidade, tampouco

    fasepnmladon

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 13

    me pesa agora da maneira por que me defendi; ao contrrio, mui-to mais folgo em morrer aps a defesa que fiz, do que folgaria em viver aps faz-Ia daquele outro modo. Quer no tribunal, quer na guerra, no devo eu, no deve ningum lanar mo de todo e qualquer re curso para escapar a morrer. Com efeito, eviden-te que, nas batalhas, muitas vezes se pode escapar morte arro-jando as armas e suplicando piedade aos persegui dores; em cada perigo, tem muitos outros meios de escapar morte quem ou sar tudo fazer e dizer. No se tenha por difcil escapar morte, porque muito mais difcil escapar maldade; ela corre mais ligeira que a morte. Neste mo mento, fomos apanhados, eu, que sou um velho vagaroso, pela mais lenta das duas, e os meus acusadores, geis e velozes, pela mais ligeira, a malvadez. Ago ra, vamos partir; eu, condenado por vs morte; eles, condenados pela verda de a seu pecado e a seu crime. Eu aceito a pena imposta; eles igualmente. Por certo, tinha de ser assim e penso que no houve excesso.

    (Plato apud ARANHA; Martins, 2003, p.92).

    Scrates posiciona-se contra os sofi stas, buscando valores ab solutos por meio de uma forma de dialogicidade. O processo de questionamento a que expe seus interlocutores, em seus dilo gos fi losfi -cos, denominado maiutica, e talvez seja sua maior herana para a Filosofi a. Ao contrrio dos sofi stas, utiliza-se de um mtodo pelo qual no se prope a ensinar, no entanto apenas aprender, formulando indagaes pertinentes das prprias respostas encontradas por seus discpulos. Podemos dizer que a lin-guagem torna-se um fundamento to importante quanto a tica e a lgica em seu pensamento.

    PLATO

    Plato (428-347 a.C.) nasceu em Atenas. Em 387 a.C. funda sua famosa Academia, que pode ser en-carada como a primeira universidade da histria da humanidade.

    Clebre discpulo de Scrates, considerado o maior responsvel pela disseminao dos seus ensinamentos. Os Dilogos platnicos so riqussimos exerccios de metalingua-gem - as prprias idias e palavras so tomadas como objetos do fi losofar. A linguagem passa a ser um dos assuntos centrais do discurso fi losfi co. Realizou, analogamente, o esforo de conectar as mais di-versas elaboraes fi losfi cas que lhe precederam, cujo mago de suas teorias residia na apreciao da realidade externa ao indivduo, com a perspectiva que seu mestre naquele momento oferecia, qual seja, examinar aquele que aprecia o cosmos.

    Filosofi a e dialtica a se identifi cam, como processo, na busca da verdade. A dialtica a atividade que intermedia o processo pelo qual as contradies das opinies e das crenas so superadas, objeti-vando alcanar o incondicionado, a idia em seu estado de plena pureza (sem a corrupo dos apetites humanos).

    Uma tcnica um saber especializado capaz de concretizar algo que existia apenas potencialmente numa coisa qualquer. A dialtica , por sua vez, a tcnica perfeita da alma, comparvel medicina para o corpo. A medicina a tcnica que concretiza a possibilidade de sade para um corpo doente; a dialtica, a tcnica que concretiza a possibilidade do conhecimento verdadeiro para a alma ignorante. A tchne concretiza a dynamis (potencialidade) da alma, que o co nhecimento; a dialtica, a tchne que atualiza o

    7 -

    os exerccios de metalingua

  • FTC EAD FTC14

    que era apenas possibilidade. Destarte a dialtica difere da retrica, pois em vez de violentar a alma opera para que esta se realize plenamente.

    Assim como em Scrates, a maiutica o mtodo fi losfi co por excelncia. com Plato que os dilogos tornam-se verdadeiramente gnero literrio. Eles se constituem uma trama, numa exuberncia de formas, discursos continuados e mitos trgico-cmicos, funcionando como smbolos coletivos, e a dialogicidade o seu centro.

    Com efeito, o universo cientfi co, tcnico e administrativo que o nosso surge como a prtica, a realizao desse princpio de racionalidade de que a Filosofi a nascente, com Plato, havia determinado a signifi cao e o estatuto. A Filosofi a assim defi nida, na medida em que determinou o que e o que deve ser a razo como critrio e como juiz, constitui o fundamento da civilizao da qual hoje participamos. Tudo se passa como se tivesse sido dado a Plato elaborar a lgica da razo e nossa civilizao industrial organizar-lhe a prtica.

    Muitos dos valores questionados por Plato e retomados por toda a tradio fi losfi ca durante os sculos que se seguiram, passam a ser agora novamente colocados em questo por meio de outras per-guntas, outros mtodos, outras perspectivas e outras expectativas.

    ARISTTELES

    Aristteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, no norte da Grcia, e era fi lho de um mdico. Com 17 anos foi para Atenas estudar na Academia de Plato, permanecendo l por quase 20 anos. Depois de abandonar a cidade, retorna a Atenas, aos 49 anos, onde funda sua prpria escola fi losfi ca o Liceu.

    Uma das curiosidades do pensamento de Aristteles sua paixo pelas classifi caes. Animais, vegetais, minerais, virtudes, paixes, faculdades psicolgicas e intelectuais, nada escapa sua vontade de classifi car e, por conseqncia, descobrir leis entre os objetos classifi cados. Assistimos pela primeira vez na Filosofi a a ambio enciclopdica de agrupar a totalidade dos saberes. Sua obra aborda todos os cam-pos do conhecimento, catalogando sempre o mximo de informaes e opinies j existentes sobre os mais diversos assuntos. O objeto de sua Filosofi a no apenas o ser humano, mas o universo, at mesmo em seus processos naturais. Da o porqu de uma fsica, uma geografi a, uma astronomia, uma medicina e uma biologia aristotlicas. Com Aristteles, Filosofi a e cincia natural se reencontram. A metafsica, a lgica, a psicologia, a teoria do conhecimento, a linguagem, a teoria literria, a retrica, a tica e a poltica so tambm essenciais em seu pensamento.

    A realidade, para Aristteles, assim como as idias (no sendo ape nas produes da mente huma-na), apesar da existncia real no preexistiriam ao seu obje to. Dito de outra forma, as idias no existiriam antes da experincia, diferentemente como pensava Plato. As idias teriam sua origem na prpria expe-rincia, e a terceira faculdade, a imaginao, serviria de ponte entre a sensibili dade e a razo: distinguir forma de matria seria, ento, um exerccio in telectual; da a importncia da lgica ao estu dar as leis do pensamento.

    Podemos dizer que Aristteles o fundador da lgica for mal como cincia. Para o Estagirita, a lgica no podia ser includa em nenhuma cincia, pois no possua objeto de investigao defi nido, caracterizando-se como um ins trumento que serviria a todas as cincias. Por isso, no estudaria nenhum contedo especfi co, mas apenas do raciocnio. O estudo das cincias deveria comear pela lgica.

    Cabe dizer que Aristteles introduz, tambm, outra interessante distino: de um lado a poiesis, arte ou tcnica, como a agricultura, a navegao, a pintura, a escultura, a arquitetura, a tecelagem, o arte-sanato, a poesia; a retrica, etc., ou seja, aes que tm como fi m a produo de uma obra; de outro lado a prxis, ou aes que tm um fi m em si mesmas, como a tica, a poltica e a economia. A poltica seria, dentre essas aes, a mais nobre. O indivduo e o Estado so, em Aristteles assim como em Plato, pen-sados como inseparveis um do outro.

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 15

    A cincia, ou episteme, por sua vez, no se caracterizaria como ao, mas como conhecimento; cincia e Filosofi a no eram, tampouco, pensadas separadamente. Para Aristteles, assim como para toda a Antigidade e ainda pelos vrios sculos seguintes, os temas das cincias modernas estavam en-globados pela Filosofi a natural. O fi lsofo e o cientista eram em geral a mesma pessoa; a Filosofi a e a cincia possuam uma unidade que comeava a se desfazer, pouco a pou co, at se romper por completo na modernidade.

    CONCEPES TICAS

    Voc j questionou se existe diferena entre tica e moral?! Etimologicamente, as duas palavras possuem origens distintas e signifi cados idnticos. Moral vem

    do latim mores, que quer dizer costume, conduta, modo de agir; enquanto tica vem do grego ethos e, do mesmo modo, quer dizer costume, modo de agir. Essa identidade existente entre elas marca a tendncia de serem tratadas como a mesma coisa, embora do estreito vnculo que as une, elas so diferentes.

    Poder-se-ia dizer que a moral normatiza e direciona a prtica das pessoas, por referir-se s situaes particulares e quotidianas, no chegando superao desse nvel, e a tica, tornando-se examinadora da moral, teoriza acerca das condutas, estudando as concepes que do suporte moral. So, pois, dois caminhos diferentes que resultam em status tambm diferentes; o primeiro, de objeto, e o segundo, de cincia. Donde deduzimos que a tica a cincia da moral.

    Cada sociedade, cada cultura cria valores morais diferentes, correspondentes a suas condies his-tricas e sociais e a seus interesses e necessidades. Portanto, por conta da articulao histrica e pela forma como cada sociedade v os valores, compreensvel que existem diferentes concepes ticas, articuladas ao tempo e ao espao.

    A tica uma forma de ser e modo de agir, no de maneira me-cnica, mas como fruto da reflexo em consonncia com a cultura e a filosofia da organizao. (PASSOS, 2006, p. 66)

    Procuraremos expor sucintamente as concepes ticas consideradas mais importantes, sem ne-nhuma pretenso de esgotar o assunto; nosso propsito lanar um olhar para que possamos compreen-der a historicidade dos valores e nos apropriarmos de elementos necessrios s refl exes.

    As concepes ticas variam, a depender das condies histri-co-sociais e da forma de interpretao da realidade hegemnica.

    CONCEPES TICAS NA GRCIA ANTIGA

    Algumas circunstncias como a democracia escravocrata e a democratizao da vida poltica com o advento da polis, oportunizaram aos fi lsofos a condio propcia para a refl exo acerca do ser, das questes morais e sociais, na antiga Grcia.

    Os assuntos de ordem pblica encontravam-se subordinados ao poder de argumentao, da palavra e do discurso, tornando-se imprescindveis, em detrimento da qualidade social e econmica dos indivdu-os, nessa nova forma de organizao social e poltica, a democracia.

  • FTC EAD FTC16

    Scrates perscrutou minuciosamente a democracia grega, dedicando-se investigao da verdade, compreendida como a absolutizao do conceito, apta a gerir as relaes dos sujeitos, em todas as suas dimenses. De tal modo, o fi lsofo grego empenhou-se em estabelecer um mtodo que auxiliasse os indivduos a reconhecer o crtico estado em manter-se alheio realidade, qual seja, vocs se lembram? esta mesma, a Maiutica.

    O cerne da tica socrtica a felicidade suprema, ou seja, atravs de conceitos que possam ser institudos como lei universal objetivando alcanar o bem supremo. O contato com esse bem supremo propicia o polimento da alma, determinando a propagao do bem. Nesta concepo tica, a felicidade a virtude natural conseqente da boa conduta, de conquistar a impertubabilidade do esprito e consagrar-se ao conhecimento e verdade.

    A arte moral no a arte de viver bem tendo em vista alcanar a felicidade, e sim a arte de ser feliz porque se vive bem.

    Para refletir...

    Para Scrates, e posteriormente para Plato, submeter luz da razo a moral estabelecida no meramente uma atitude convencional, e sim, uma postura deliberada que pretende solucionar as querelas apontando as falsas virtudes.

    Para Plato, tudo o que conhecemos como existente, at mesmo os conceitos, esto em nossa mente. Da mesma forma que ele subordina o mundo sensvel ao das idias, tambm o faz com o bem moral ao supramoral. Nesse processo, preciso que as virtudes sejam praticadas. Como sua teoria tica relaciona-se com a poltica, a razo (virtude da prudncia) corresponderia aos governantes (fi lsofos), a fortaleza (virtude da vontade) aos guerreiros e a temperana (virtude do apetite) aos artesos. Sua moral, assim como a de Scrates e como ser a de Aristteles, eudemonista (felicidade).

    A tica de Aristteles era fi nalista no sentido de visar a um fi m, a saber, que o ser humano pudesse alcanar a felicidade, considerada a aspirao da vida humana. Entendia a moral como um conjunto de qualidades que defi nia a forma de viver e de conviver das pessoas, uma espcie de segunda natureza que guiaria o ser humano para a felicidade, que era composta de vrios bens, dentre eles: a sabedoria, a virtude e o prazer. A sabedoria era considerada o bem de maior valor, por se identifi car com a contemplao.

    O bem moral consistia em agir de forma equilibrada e sob a orientao da razo. O meio-termo, o ponto justo levaria felicidade, a uma vida boa e bela, no como privilgio individual e sim coletivo, pois considerava que o bem individual no poderia estar em desacordo com o bem social. A orientao era viver em conformidade com a razo e com as virtudes do cidado, de onde viriam o discernimento e o autocontrole, que fariam a assimetria entre desejos e habilidades.

    Em sua Filosofi a, Epicuro entendia que a vida humana podia ser afetada pelo prazer ou pela dor, sendo o primeiro sua inclinao natural, de modo que a dor deveria ser evitada. Para ele, o prazer seria o fi m e o comeo de uma vida bem aventurada, o primeiro dos bens naturais. O prazer, identifi cado com a ausncia do sofrimento e da dor, seria a prpria felicidade. E o pice desse tipo de prazer a conquista da imperturbabilidade de esprito (ataraxia). Mas ela s chega pelo discernimento da diversidade dos de-sejos, pois nem todos devem ser atendidos.

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 17

    Uma vida feliz impossvel sem a sabedoria, a honestidade e a justia, e estas, por sua vez, so inseparveis de uma vida feliz. Aquele que no vive nem honesta, nem sbia, nem justamente, no pode viver feliz.

    O mais importante seria garantir ao indivduo o mximo de prazer. Prazer no como fruio dos sentidos, e sim como ausncia de sofrimento fsico e moral. Para isso, at algumas virtudes sociais deveriam ser cultivadas, tais como a amizade, a doura e a magnanimidade. Assim, fazia-se necessrio que os desejos fossem controlados, a fi m de no ultrapassarem os naturais. Ser prudente quanto aos prazeres e aos instintos constituiria em caminho seguro verdadeira felicidade.

    A tica epicurista orienta para a necessidade de haver limites, a fi m de garantir a serenidade e uma vida feliz e sem atropelos, e para se construir uma esttica da existncia.

    O Estoicismo , acima de tudo, uma tica cuja orientao central consiste em viver conforme a na-tureza, o que signifi ca dizer, de acordo com a virtude. Os esticos no fi zeram distino entre a virtude e o bem. Para eles, a virtude basta-se por si mesma, desejvel em si porque no tenderia a um fi m exterior. Portanto, a virtude moral o que h de mais importante: o fi m supremo da vida humana a virtude, s ela verdadeiramente boa.

    Logo, em que consiste a virtude? Ela conhecimento racional. Ser virtuoso ser senhor de si, capaz de viver de acordo com a sua natureza. O mais importante viver conforme a razo, tendo consci-ncia do seu destino e de sua funo no universo, sem deixar-se dominar pelas paixes nem pelas coisas do mundo exterior - essa a posio do sbio.

    Mediante o prvio conhecimento do ser, ou seja, da razo, o indivduo apreende a perfeio, forjando uma postura e compre-enso de si mesmo e da realidade que o cerca. As idias de ser e de bem moral equiparam-se, atribuindo um sentido prtica moral.

    CONCEPES TICAS NO MEDIEVO

    Na Idade Mdia a conjuntura moral modifi cou-se, ingressou no lugar da autonegao, a modstia e acondicionamento para obedecer, entusiasmado pelo Cristianismo, uma vez que os seres humanos eram entendidos como a imagem e a semelhana de Deus. O que os reunia era a autoridade de Deus, determi-nada como a procedncia e o embasamento da lei moral, a mesma transcorrendo de verdades reveladas que necessitam ser reverenciadas e seguidas a fi m de que o ser humano tivesse a possibilidade de atingir a salvao.

    Diferentemente da Idade Antiga, passam a existir virtudes morais dentre as quais a f, a esperana, a caridade e a idia de igualdade entre os seres humanos pela qualidade de fi lhos de Deus.

    A sujeio da tica a preceitos religiosos elucubrava a dependncia que da Filosofi a conviver em relao Teologia. As capitais teorias morais ampliadas nesse momento ratifi cam essa tendncia.

    Para refletir!

  • FTC EAD FTC18

    Em Santo Agostinho sugeriu o restabelecimento da razo, que acreditava estar em decadncia, pelo meio da f, uma vez que considerava impossvel ao intelecto humano levar verdade, imutvel e eterna. Desse modo, a nica direo aceitvel equivaleria a Deus e a f. A moral fazia parte do domnio divino, sendo suas normas e seus valores criaes livres de Deus. Assim, os valores morais s teriam sentido por sua relao com a vontade de Deus, e o bem s seria bem diante da mesma condio.

    Toms de Aquino alicerou sua concepo moral, igualmente, em um fi m ltimo, em uma verdade transcendente, em Deus. Assim, por meio da contemplao de Deus e dos seus atributos, estava sujeito a felicidade humana.

    Os cdigos de moral, no Medievo, tinham como propriedade um contedo sacro, comprometendo-se em dar esperana de bom futuro e progresso aos indivduos, somente alcanado num plano metafsico.

    CONCEPES TICAS NA MODERNIDADE

    A economia, a poltica e os assuntos sociais refl etem um momento intelectual que favorece uma tica na Modernidade centrada no antropocentrismo, cuja compreenso entende o ser humano como fundamento de si mesmo e fi m ltimo; ele se acha no mago da cincia, da poltica, da arte e da moral.

    Como, por exemplo, Immanuel Kant, fi lsofo alemo e um dos maiores expoentes de sua poca, inquiriu incisivamente o conceito de felicidade, posto em prtica desde os antigos gregos, pretenso que consistia atingir uma fi nalidade; assim sendo, indicou com preciso que a conscincia do prprio ser humano que forja e assenta a lei moral. Ora, o que isto signifi ca? Signifi ca dizer que a lei moral uma condio primeira da prpria estrutura cognitiva humana, ou seja, todo valor resulta da sua conscincia, e no se faz aparecer fora dela. E mais, a lei que o fi lsofo alemo se refere uma moral de razo reta e do dever genuno, orientada pelo cumprimento do dever pelo dever o intento de perseguir a lei moral em detrimento de todo e qualquer benefcio ou proveito que advenha desta ao.

    Edifi cou, desse modo, uma moral que se realiza sem interveno de foras ou agentes externos (autnoma) e que detm um carter universal. Em outras palavras, como ele ilustra:

    Age de tal maneira que sua conduta possa ser elevada a uma lei suprema.

    CONCEPES TICAS NA CONTEMPORANEIDADE

    Karl Marx insurge num perodo caracterizado pelo franco progresso cientfi co e a promoo do indivduo como ser humano concreto. Declarou ser o sujeito um ser histrico e social, hbil e apto a interferir no mundo que o rodeia; entende-se, igualmente, no apenas o mundo fsico, mas, seus pressu-postos valorativos.

    Instituindo uma estreita conexo entre a realidade das relaes produtivas e a realidade conceitu-al, Marx observou que aqueles que detm os meios de produo prescrevem os valores morais a serem acatados (sendo a moral um corpo de preceitos que alinham todas as dimenses das relaes humanas, possuindo fl exibilidade para adequar-se s condies sociais singulares).

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 19

    As relaes que os indivduos mantm com o mundo alteram-se continuamente, pois elas seguem o fluxo das transformaes his-trico-sociais e, principalmente, econmicas. Com isso, no quere-mos dizer que as formas de produo ou a histria so as nicas responsveis pelo destino dos seres humanos. Ao contrrio, existe uma relao dialtica entre elas e as idias humanas, sendo esses os maiores protagonistas da histria. Assim, a moral transforma-se em um conjunto de normas construdas a partir do prprio pro-cesso e desenvolvimento das sociedades, tornando-se temporais e espaciais.

    (PASSOS, 2006, p. 43)

    O empreendimento marxista assenta-se no valor de expor os artifcios especializados daqueles que detm os meios de produo, e os mecanismos de poder a eles articulados, com o intento de alertar a populao, como Scrates e Plato o fi zeram anteriormente, sobre o risco que viver alienado, ou seja, transferir para outrem o domnio do seu juzo, principalmente queles que detm os modos de como produzir.

    Marx incentiva no apenas a conscientizao da populao, mas ainda fomentou a insurreio do proletariado contra os burgueses e seus modos valorativos.

    Friedrich Nietzsche, outro fi lsofo alemo, procedeu contra o Estado legitimado pela tradio fi losfi ca propondo uma reavaliao estrutural dos valores que motivavam as relaes entre os sujeitos. Que valores seriam esses, afi nal? O ncleo da discusso nietzscheana reconhecer a origem dos valores morais e, em decorrncia disto, dar-se conta da implicao do por que especfi cos valores so incentiva-dos e outros no. Desta atitude decorre a autonomia dos indivduos .

    Ao lanar luz a discusso sobre a valorizao de atos morais singulares, como por exemplo a pro-moo deliberada de negar a vontade de querer mais dos sujeitos em detrimento de uma vida comedida, negando a si prprios; a proposta do fi lsofo , sobretudo, conduzir as pessoas para um estado de cons-cincia no qual, ainda que elas sigam os valores morais estabelecidos, elas assumam isto para si mesmas claramente. O caminho, para Nietzsche, a realizao de uma sociedade autrquica, ou seja,em que os indivduos norteiam suas prprias vidas, sustentam seu prprio peso.

    Num mundo onde no existem profundidades e, sim, aparncia somente, o nico caminho para a verdade so o til e o necessrio, o que determinar a moral; esta adaptando-se ao contexto dirigido, assistindo o conviver bem entre os seres humanos. O absoluto s existe, por conseguinte, mediante o particular real e concreto.

    Jean-Paul Sartre outro expoente do entendimento fi losfi co contemporneo. Para o fi lsofo fran-cs a existncia molda a essncia o sujeito que forja a sua realidade, e no uma existncia sobrenatural a ele. O indivduo tudo o que escolhe ser, o resultado do seu projeto, por ser naturalmente dotado do direito de escolher o seu destino e a sua vida logo, sendo o nico responsvel.

    Como a experincia concreta que confere ao mundo valor, a tica sartreana fundamenta-se na liberdade como fi m primeiro e ltimo e valor absoluto. O ser humano livre para escolher; sendo assim, liberto de toda submisso a parmetros condicionantes, ele norteia seu ato moral particular, desprezando toda resignao, tendo como fi m reestruturar sua vida.

  • FTC EAD FTC20

    Conceito de Aristteles: O hbito segundo o qual, com constante e perfeita vontade, se d a cada qual o seu direito ou o que lhe pertence. Sendo um hbito ela adquirida pela pessoa com exerccios e prtica na vida em geral, e, no caso que estamos estudando, na empresa em particular.

    Para Marculino Camargo (2005, p. 43) desta conceituao surgem perguntas bsicas para a concre-tizao da justia: O que do outro ou o que lhe pertence? Qual a medida ou o critrio para dar ao outro algo? Como estabelecer a igualdade para satisfazer as exigncias deste dar?

    Jornada de trabalho, contratos salariais, frias, descanso, obrigaes assumidas, deveres e direitos dos regulamentos internos so considerados os modos mais rudimentares, prximos e aparentes para a execuo dos acordos legais da sociedade. No entanto, seria imperativo que a todos houvesse a facilidade do conhecimento destas normas e requisies, sempre que possvel, e fossem debatidas.

    Quem comete uma injustia sempre mais infeliz que o injustiado. Ser que a verdadeira infelici dade no est no sofrimento de uma injustia, mas sim em quem comete a injustia ?

    Para refletir...

    Na ausncia de todo e qualquer valor objetivamente fundado e de qualquer preceito de uma lei moral universal agora que j no h ningum para dar ordens, cada indivduo particular que compete criar ou inventar em cada caso os valores que orientam sua conduta.

    (MARITAIN apud PASSOS, 2006, p. 45)

    A Contemporaneidade exprime um ser humano concreto num mundo histrico. Assim sen-do, a tica refl ete uma ao em direo oposta ao formalismo das teorias modernas.

    VALORES E VIRTUDE NA ORGANIZAO

    Justia. Honestidade. Liberdade. Responsabilidade. Respeito. Confi ana. Disciplina. Solidariedade. Ufa! Inicialmente gostaramos de deixar bem claro a imperiosa necessidade de debruarmos atenciosa e laboriosamente sobre estes valores e virtudes, que permeiam o nosso viver, principalmente em nossas re-laes de trabalho; especialmente por observamos que a tica no meio social refl ete uma tica individual. Deste modo, no a empresa que faz a pessoa tica, mas esta que, possuindo foras ticas interna mente, cristaliza-as em comportamentos, favorecendo a criao de um ambiente tico. Assim, todos estes valores no se impem por leis ou cdigos, mas podem e at de vem ser estimulados com refl exes constantes na empre sa, especialmente a partir de situaes confl itantes.

    Que tal nos relacionarmos diretamente com a descrio de cada um desses valores e virtudes?

    A JUSTIA

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 21

    Camargo (2005) compreende alguns direitos fundamentais vida e assim diz encontra na delicade-za da conscincia a me de todas as virtudes:

    A forma mais profunda encontra-se na delicadeza da conscincia em promover os direitos fundamentais do ser humano vida, liberdade, segurana, verdade, felicidade, honra, digni-dade, etc., ultrapassando mesmo as medidas estabelecidas pela sociedade.

    (CAMARGO, 2005, p.44)

    Em uma empresa o ser humano justo se preocupa no apenas com seu bem-estar, mas igualmente com seu entorno, dedicando ateno tanto s questes interpessoais quanto socioambientais.

    A HONESTIDADE

    A honestidade pressupe clareza de inteno, pela qual o ser humano pode conquistar a justa me-dida para os seus atos. Neste sentido podemos compreender a honestidade como :

    O respeito aos bens alheios, sejam pblicos ou privados. A hones-tidade a conseqncia mais imediata da justia; a qualidade ou o atributo ligado inteireza, honradez, pureza e decncia; portanto, um apreo, considerao ou estima pelas aes boas; um sentimento da prpria dignidade com o brio e a coragem dos deveres cumpridos alimentados por um ideal moral.

    (MARCLUNO 2005, P.45)

    A LIBERDADE

    Com a possibilidade de ser compreendida, a liberdade, num sentido simplesmente fsico, a capa-cidade de fazer ou deixar de fazer algo em um aspecto moral como possibilidade de eleger os melhores caminhos para uma adequada realizao como pessoa. A liberdade no simplesmente um eximir-se de coisas (como horrio, esforo, relacionamentos, etc.), mas caminhar para coisas (como horrio, esforo, relacionamentos, etc.), ela pode ser concebida, desta maneira, como a superao de um processo indivi-dualista donde (CAMARGO, 2005) utiliza-se do exemplo a minha liberdade termina onde comea a do outro. A liberdade uma construo coletiva; deve existir uma rede de relaes de engendramento em que um se preocupa com a realizao do outro como ser humano.

    A RESPONSABILIDADE

    Ser responsvel responder concretamente pelos seus atos, assumindo as conseqncias de suas escolhas, mesmo com difi culdades e sacrifcios; o responsvel cumpre suas obrigaes no porque o chefe est vigiando ou pode ser punido, mas porque descobriu um valor naquilo que est fazendo tanto para si como para os outros.

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    A responsabilidade faz a pessoa perceber que, uma vez que ela escolheu algo, ela se limitou, mas nesta limitao que est sua realizao; a responsabilidade a construo da liberdade, ela tem como base a coragem, a lealdade, a transparncia. Na sua dinmica, impe cuidados e vigilncia.

    O responsvel no somente cumpre ordens como um autmato, mas procura saber o que faz, por que faz e como faz; assim, numa empresa, no existem aqueles que pensam e aqueles que executam, mas todos so seres pensantes e executores; nesta perspectiva, a pessoa deixa de ser um mero tarefeiro de atividades burocrticas, pois exercita a auto-percepo bem como busca prezar pelos valores humanos e pelas metas a serem atingidas.

    O RESPEITO

    O que o respeito nos impe de imediato a necessidade de estarmos atentos ao outro como ser humano, com seus processos e idiossincrasias, percebendo as riquezas e os valores de cada um; deve-se partir da realidade de como o outro para se entabular um relacionamento e uma convivncia digna; sa-ber admirar o que diferente na diversidade das pessoas para atingir a igualdade fundamental; o respeito impe a. aceitao de cada idiossincrasia pessoal, evitando a massifi cao e a coisifi cao. (CAMARGO, 2005) entende por respeito o empenho em reconhecer em si mesmo e nos outros uma dignidade qual se refere um dever de salvaguardar.

    A CONFIANA

    A confi ana espelha humildade em que cada um reconhece os prprios limites que so ultrapassa-dos pelas potencializaes do outro; revela o indivduo que, em vez de construir muros, constri pontes com os outros custa de gastar tempo, ouvir, tolerar, ajudar e ser ajudado. Isto importante na relao entre colegas, entre chefes e subalternos, entre fornecedores e clientes, etc.

    Enfi m, a confi ana uma atitude que aceita a lealdade, a sinceridade, a franqueza, a integridade, a bondade, a pureza, o altrusmo, a magnanimidade e a benevolncia como valores existentes no ser huma-no, inclusive durante uma atividade profi ssional.

    A DISCIPLINA

    Sendo a disciplina a maneira pela qual as pessoas de um grupo se conformam de acordo com as normas j postas, ela tem uma duas extenses: a da comunidade social, porque tem ressonncias no conjunto humano que constitui uma empresa; de outro lado individual, porque interessa a cada pessoa como parte de um todo. Na relao entre autoridade e sditos ela fomenta o respeito mtuo entre ambos, objetivando manter a todos satisfeitos enquanto ensina e orienta a cada um no desempenho eficiente de suas tarefas. Desta forma, ela faz parte das regras do jogo de uma convivncia humana, encaixando-se nas exigncias da justia para se conseguir o objetivo comum na empresa. (CAMARGO, 2005).

    Para Camargo (2005, p. 53) a disciplina um processo dinmico, que alimentado por duas fon-tes. Em um modo, a fonte externa, que provm da prpria organizao, enquanto estabelece normas claras, fornece instrues a respeito das mesmas, estabelece procedimentos de verifi cao do compor-tamento e de medidas a serem tomadas; destarte, a disciplina no deve ser acolhida por si mesma, mas como um meio para que sejam logrados valores ascendentes, que no caso da empresa seriam a efi ccia no trabalho, a alegria em render e produzir, a concordncia de vida entre seres humanos.

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 23

    A SOLIDARIEDADE

    Solidariedade, etimologicamente, signifi ca dar a quem est s; portanto, ela implica uma inter-relao ou uma interdependncia. Conforme Camargo (2005) a solidariedade , ento, uma assistncia recproca. Ela brota da percepo de que o mal do outro que est s no pertence s a ele, mas coletivi-dade, e esta deve combat-Io; uma alteridade que supera o egosmo. Aqui voc deve estar se perguntan-do por que conhecer este valores e virtudes. A ns importa muito saber, compreender e executar, afi nal, eis que j percebemos quo complicado o caos em que nos encontramos e, neste sentido, a ns fi cou a incumbncia de vivermos uma vida cada vez melhor. E vamos em frente!

    Considerando a Filosofi a como procura e no como posse da verdade, as perguntas em Fi-1. losofi a so mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta. Neste sentido, elabore uma redao sobre o signifi cado de Filosofi a, contemplando a questo da utilidade e associando essas refl exes ao mundo do trabalho.

    Em suas relaes de trabalho, o ser humano necessita conceber e realizar valores e virtudes es-2. senciais, concernentes ao seu ambiente de trabalho. Neste sentido, construa uma sntese exemplifi cando aqueles valores e virtudes

    onsiderando a Filosofia como procura e no como posse da verdade as perguntas em Fi

    Atividade Complementar

  • FTC EAD FTC24

    Realize uma pesquisa sobre as contribuies de Scrates, Plato e Aristteles para a Filosofi a, 3. para a tica e para a Cincia. Em seguida, elabore um comentrio sobre a atualidade desses pensadores.

    Cada sociedade, cada cultura cria valores morais diferentes, correspondentes a suas condies 4. histricas e sociais e a seus interesses e necessidades. Portanto, por conta da articulao histrica e pela forma como cada sociedade v os valores, compreensvel que existam diferentes concepes ticas, articuladas ao tempo e ao espao. Neste sentido, comente cada uma destas concepes aqui citadas.

    De acordo com seu entendimento e os nossos primeiros contedos estudados, explicite em que 5. medida esta disciplina, Filosofi a, tica e Mundo do Trabalho, pode auxiliar em sua formao acadmica e profi ssional.

    TRABALHO E PESSOA ENQUANTO EXISTNCIA RELACIONAL/POTENCIAL

    SIGNIFICAO DO TERMO TRABALHO E SUAS IMPLICAES

    Por que problematizar um termo to utilizado e conhecido por todos? Por que lanar o olhar sobre a expresso trabalho buscando os sentidos que so atribu-dos a ele, uma vez que se trata de um termo comumente conhecido?

    Ser que o trabalhador sabe, de fato, o signifi cado do seu ato (trabalhar)? Ser que aqueles e aquelas que se dedicam compreenso refl exiva, crtica e criativa da realidade social poderiam dispensar o estudo sobre o signifi cado do trabalho e suas mltiplas implicaes?

    Autora: Naurelice Maia de Melo

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 25

    TRABALHO: PERSPECTIVA GREGA E LATINA

    No primeiro tema deste material didtico voc teve a oportunidade de compreender a transio das narrativas mticas busca racional de entendimento da realidade, conhecendo alguns aspectos da Anti-guidade Grega. As referncias aos pensadores originrios, ou pr-socrticos, j favorecem a percepo de que aqueles dedicados ao pensar no eram os mesmos dedicados ao trabalho.

    O sentido do trabalho, na Grcia Antiga, esteve correlato a ponos, compreendido como pe-nalidade e esforo, ao qual, posteriormente, ser associada a perspectiva latina do termo trabalho. No mesmo ambiente da Grcia Antiga tivemos tambm outro modo de signifi car trabalho, completamente distinto de ponos, pois corresponde a rgon ou criao.

    Como possvel que no mesmo instante histrico e no mesmo espao tenhamos dois sentidos to contraditrios para o termo trabalho? De que modo essa contradio est manifesta no modo pelo qual vivemos hoje?

    rgon e Ponos ou... Manda quem pode, obedece quem tem juzo

    Na Antiguidade Grega o trabalho, na condio de ponos, era uma atividade prpria ao escravo, no devendo o cidado realiz-lo. O trabalho manual era compreendido como atividade inferior. Aqueles que faziam parte da cidadania e, portanto, das refl exes capazes de decidir o destino da polis (cidade-estado) deveriam ter tempo livre para pensar, para criar (rgon), cabendo aos escravos todo e qualquer tipo de atividade braal.

    Aqui podemos perceber uma distino social entre os sentidos do trabalho na qualidade de rgon e ponos, sendo este desprezado. Por exemplo, para Aristteles a ao pode ser confi gurada como livre e como ao fabricante de artefatos, mediante a tcnica. Ao livre, para Aristteles, a atividade digna aos homens; j a ao fabricante aquela destinada aos escravos.

    No Tema 01 da nossa disciplina voc estudou sobre Scrates, Plato e Aristteles e percebeu que esses pensadores esto no contexto da Grcia Antiga, marco da democracia. Atenas, cidade-estado gre-ga, chega a ganhar o apelido de bero da democracia; inegvel a importncia do legado grego para a fi losofi a, a tica, a poltica, a arte, dentre outras reas. tambm indispensvel ressaltar que a democracia ocorria apenas entre os membros da cidadania. possvel questionar: qual a novidade desta afi rmao? Se demos corresponde a povo e kratos a poder, ento todos tinham acesso ao poder... Poder nas mos do povo!. Esta uma mxima dos regimes democrticos. No era desta forma que a polis grega exercia o regime democrtico, pois mulheres, crianas, estrangeiros, escravos e prisioneiros de guerra se-quer podiam sonhar em fazer parte da cidadania. A esse respeito, veja a citao e a tira a seguir...

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    Na Grcia dos sculos de ouro apenas uma exgua minoria era composta de cidados com plenos direitos, que se dedicavam poltica, filosofia, ginstica e poesia, vivendo materialmente nas costas da maioria escravos, mulheres e metecos a quem cabiam todas as atividades de ordem material e de servio.

    (DE MASI, 2006, p.80)

    Deste modo, o processo originrio da democracia era excludente, uma vez que apresentava restri-es populao (poucos indivduos integravam a cidadania). Conforme j mencionado, importante compreender que, mesmo excludente, era o incio de uma forma de poder que possibilitava aos cidados a escolha sobre os rumos da cidade, sendo inegvel a importncia da Grcia Antiga para os diversos as-

    pectos que constituem a sociedade.

    Participe do nosso Frum! Hoje possvel afi rmar que toda populao brasileira

    tem direito de exercer a cidadania, uma vez que nosso regi-me poltico democrtico. Mas todas as pessoas esto em igual situa-

    o para o exerccio da democracia?

    Considerando que na Grcia Antiga apenas homens (livres) tinham o direito de exercer a cidadania, a eles era negado o trabalho na qualidade de ponos, sendo permitido o trabalho enquanto rgon.

    rgon

    O trabalho, na qualidade de rgon, corresponde criao. O ato de criar, de pensar, de realizar as prprias habilidades humanas. Mariana Cruz, no texto Prudncia, ao e virtude (veja fragmento no quadro que segue), tece comentrios sobre o trabalho/rgon como via de realizao humana, chamando a ateno para a distino entre rgon e areth. O primeiro corresponde tarefa que cada ser humano (cidado) tem a realizar, tal como pensar sobre os destinos da polis; a areth (virtude) corresponde rea-lizao e excelncia no desempenho da referida tarefa.

    A tarefa a ser realizada pelo homem (rgon), a sua ocupao pr-pria, diz respeito ao empenho que ele deve ter na tarefa de realizar o que ele . Notemos que rgon no pode ser visto como a essn-cia do homem, pois a essncia algo esttico, perfeito, imutvel, e o rgon algo a se realizar, o que requer um grande esforo. No podemos confundir areth com rgon. [...] Diferentemente deste rgon, a areth no uma tarefa, a areth a excelncia no exerccio de uma atividade. Aquele que tem areth um virtuoso naquilo que faz, como um virtuoso na arte de pintar, que faz com que seus quadros expressem algo de sublime. Apesar do esforo do pintor, de seu empenho, ele apenas cumpriu o que deveria ser por ele realizado, porm cumpriu de maneira excelente, da ele ser considerado um virtuoso naquilo que faz.

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    Todo homem tem o rgon, isto , uma tarefa a ser realizada. Mas isso no quer dizer que ela seja necessariamente realizada. A are-th a atualizao do rgon.

    CRUZ, Mariana. Prudncia, ao e virtude.

    Disponvel em: . Acesso em: 02 set 2007.

    Portanto, virtuoso tambm aquele que trabalha na qualidade de rgon e associa a seu empenho refl exivo e criativo a excelncia da virtude. Entretanto, aquele que trabalha, na qualidade de ponos, no o mesmo que desenvolve atividades refl exivas e criativas sobre a cidade e sobre as relaes sociais.

    Ponos

    No contexto da Antiguidade Grega, o trabalho ponos estava associado aos escravos, compreen-didos por Aristteles como aqueles que s tm a oferecer a fora fsica, sendo, por natureza, condenados escravido. No captulo IV do Livro Primeiro de sua obra Poltica, Aristteles prope questionamen-tos sobre os escravos e sobre as virtudes, chegando concluso de que as virtudes esto tanto para os homens livres quanto para os servos, mas que a uns cabe ordenar e a outros obedecer. Vejamos, com as palavras do prprio pensador, como essas situaes (a natureza do escravo/servo e a excluso perante o exerccio da cidadania) se confi guram.

    Exigir virtude de um e no a exigir de, no outro seria absurdo. Se ao que obedece faltam [...] virtudes, como ser capaz de obedecer bem? Se aquele que manda no sbrio nem justo, como saber mandar? Viciado e vadio, no cumprir qualquer de seus deveres. evidente, portanto, que ambos devem possuir virtudes, aten-dendo-se, contudo, a essa diferena que a natureza colocou nos seres feitos para a obedincia. E isto de pronto nos leva alma. Tem ela duas partes: uma, a que ordena, outra a que atende e suas qualidades so bem diferentes. Esta harmonia acha-se de modo evidente nos seres, e assim a natureza destinou parte deles a mandar e parte a obedecer. [...] O homem livre manda no escra-vo de modo diverso daquele do marido na mulher, do pai no filho. [...] O escravo inteiramente destitudo da faculdade de querer; a mulher possui-a, porm fraca; a do filho no completa.

    (ARISTTELES, 2002, p.33)

    Afi nal, qual a correlao entre os saberes aqui elucidados, o trabalho e as relaes atuais? Se esses assuntos parecem estar afastados do que hoje vivenciamos, podemos lanar o olhar sobre o ideolgico dito popular: Manda quem pode, obedece quem tem juzo. Nesta perspectiva, importa questionar: QUEM PODE?!

    Para o contexto da democracia ateniense, o cidado tinha poder de deciso, podia votar, participar de reunies polticas, bem como de debates e discursos na gora (local pblico praas - no qual cidados se encontravam para decidir os destinos da cidade, era tambm utilizado para espetculos teatrais, trocas comerciais, etc.). A resposta ao questionamento quem pode?, neste caso, remete ao homem livre com condies para o exerccio da cidadania e, para este, o trabalho poderia, de fato, ocasionar realizao.

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    Com o passar do tempo, o sentido de trabalho como ponos foi imposto sobre o sentido de traba-lho na qualidade de criao, de rgon, como possvel verifi car mediante a origem latina para o termo trabalho.

    Trabalho: perspectiva latina

    A origem latina da expresso trabalho remete ao termo tripalium. Afi nal, por que possvel apro-ximar os sentidos de tripalium e de ponos?

    Recordando que ponos corresponde a punio, o que dizer de um instrumento feito por trs hastes de madeira com pontas aguadas, por vezes com pontas de ferro, utilizado, dentre outros fi ns, para sacri-fi car animais e torturar pessoas? Esse instrumento conhecido por tripalium, sendo este o termo latino que etimologicamente d origem palavra trabalho.

    No contexto histrico da Contra-Reforma, com a adoo de medidas como a revitalizao do Tribunal do Santo Ofcio, o tripalium foi aos poucos substitudo por outros instrumentos de tortura. Entretanto, o sentido da palavra no deixou de existir!

    Sobre a permanncia do sentido de tortura ao ato de trabalhar, veja quadro que segue.

    Vo-se os objetos, ficam as palavras: por volta do sc. 12, o ter-mo j tinha ingressado nas lnguas romnicas - traball, traballo e trabalho (Port.), travail (Fr.), trebajo, trabajo (Esp.), travaglio (It.). Embora na Frana rural, at hoje, travail ainda sirva para designar uma variante do tripalium - uma estrutura de madeira destinada a imobilizar o cavalo para trocar ferraduras ou efetuar pequenas intervenes cirrgicas-, em todas essas lnguas o termo entrou como substantivo abstrato, significando tormento, agonia, sofri-mento.

    MORENO, Cludio. Trabalho.

    Disponvel em: . Acesso em: 02 set 2007.

    Assim compreendido, o ato de trabalhar est cada vez mais distante da realizao do prprio ser humano, se aproximando dos processos de alienao, dominao e excluso social, conforme sugere a composio Pedro Pedreiro, de Chico Buarque. Veja abaixo um fragmento da cano:

    Esperando o sol

    Esperando o trem

    Esperando o aumento

    Desde o ano passado

    Para o ms que vem [...]

    Pedro pedreiro penseiro esperando o trem

    Manh, parece, carece de esperar tambm

    Para o bem de quem tem bem

    De quem no tem vintm

    Pedro pedreiro fi ca assim pensando

    Assim pensando o tempo passa

    E a gente vai fi cando pra trs

    Esperando, esperando, esperando

    Fonte: http://www.fl ickr.com/photos/joao/128390879/in/set-72057594094188145/

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 29

    Observao: para ver a animao com o fragmento que voc acabou de ler, por gentileza, acesse, no Ambiente Virtual de Aprendizagem, o Tema 02 da nossa disciplina.

    Deste modo, entre o ato de trabalhar e a realizao humana se confi gura um gigantesco abismo! As implicaes dos sentidos do trabalho esto manifestas no modo pelo qual hoje construmos a realidade social. Importa questionar:

    - Para quem, como e por que o trabalho assume o sentido de criao (rgon)?

    - Para quem, como e por que o trabalho corresponde punio e/ou tortura (ponos/tripalium)?

    - Se manda quem pode e obedece quem tem juzo, quem manda e a quem atribuda a obe-dincia involuntria na contemporaneidade?!

    - Por que frases como o trabalho dignifi ca o homem servem a mltiplos interesses?

    Questes como as propostas neste tema no se esgotam, ao contrrio, convidam a novas refl exes e inquietaes perante a realidade. Objetivando conquistar subsdios s refl exes sobre essas indagaes, vamos dedicar ateno interface entre trabalho, ideologia e alienao.

    TRABALHO, ALIENAO E IDEOLOGIA

    TRABALHOToda atividade humana voltada para a transformao da natureza com o objetivo de

    satisfazer uma necessidade.

    (SANDRONI, 2006, p.849)

    Atividade que altera o estado natural dos materiais para melhorar sua utilidade.

    (BRAVERMANN apud LOPPES, 2003, p.117)

    Denominamos trabalho a ao transformadora (material ou intelectual) do homem realizada na natureza e na sociedade em que vive.

    (ARAJO, p.149)

    O trabalho a ao transformadora dirigida por fi nalidades conscientes.

    (ARANHA, 2006, p.75)

    O quadro que voc acabou de ver apresentou alguns conceitos de trabalho. Importa notar que o ato de transformar um trao presente, direta ou indiretamente, em todos eles. Essa transformao, em alguns contextos, promove realizao humana e, em outros, remete explorao e alienao...

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    TRABALHO E REALIZAO: RELAO HARMONIOSA OU CONFLITANTE?

    Na comunidade primitiva o trabalho era realizado de forma solidria. O sustento da comunidade era proveniente do trabalho de todos e no do trabalho de alguns para favorecer outros, bem como os instrumentos de trabalho, ainda rudimentares e feitos com pedra e pedaos de madeira, eram comparti-lhados tendo em vista a subsistncia da prpria comunidade. Conforme Cunha (2001, p. 14) na comu-nidade primitiva [...] o trabalho de todos e de cada um era trabalho para todos.

    Pelo trabalho ocorria a produo da cultura humana, distinguindo a atividade humana da atividade animal, uma vez que a atividade animal est pautada em leis biolgicas e corresponde adaptao natu-reza, ao passo em que a atividade humana transforma a natureza.

    O trabalho, neste contexto, remete realizao do ser humano, produo da cultura, ao exerccio da liberdade de transformar a natureza e criar alternativas e instrumentos para a sobrevivncia, criando, portanto, modos de ser e estar no mundo e em conjunto com o outro, de tal forma que, sem a relao com o outro, sem o sentido de comunidade, o ser humano difi cilmente se torna pessoa. Ora! Mas o ser humano no nasce pessoa? Sim, mas a cultura e a relao social so elementos decisivos para o processo de humanizao. Por exemplo, h o caso real de duas meninas (Amala e Kamala) que foram criadas por lobos e no desenvolveram a fala, nem a postura humana, caminham como lobos, se alimentavam como lobos, se expressavam como lobos. Para saber mais sobre essa curiosa histria das Meninas Lobo aces-se o Tema 02 da nossa disciplina no AVA.

    A situao das meninas lobo evidencia, dentre outras questes, a importncia da cultura, das relaes e do trabalho, enquanto atividade humana e humanizadora, para o processo de produo da realidade social.

    O trabalho promove realizao, pois transforma a natureza, intencionalmente, a fi m de satisfazer necessidades humanas; ao mesmo instante, contribui nossa formao enquanto pessoa, pois estabele-cemos relaes com outro, interaes com o meio, bem como conquistamos formas diferenciadas de percepo da nossa realidade.

    Alm de transformar a natureza, humanizando-a, [...] o trabalho transforma o prprio homem. [...] Pelo trabalho o homem se au-toproduz: desenvolve habilidades e imaginao; aprende a co-nhecer as foras da natureza e a desafi-las; conhece as prprias foras e limitaes, relaciona-se com os companheiros e vive os afetos de toda relao; impe-se uma disciplina. O homem no permanece o mesmo, pois o trabalho altera a viso que ele tem do mundo e de si mesmo.

    (ARANHA; MARTINS, 1996, p.98)

    A realizao humana no um ponto de chegada que, uma vez conquistado, esgota-se em si mes-mo; ao contrrio, consiste em incessante busca que impulsiona o ser humano transformao do seu entorno e da natureza. Trabalho e realizao so (deveriam ser) indivisveis! Conforme Arajo et al (1996, p. 149) na ao transformadora que o homem encontra momentos de satisfao, de realizao de seus projetos, mesmo que, concomitantemente, esteja gerando novas ansiedades.

    Trabalho e realizao so instncias interdependentes no processo de humanizao. Entretanto, as condies de trabalho nas organizaes sociais posteriores s comunidades primitivas apresentam fatos

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 31

    [...] Ser que construir as imensas pirmides egpcias era projeto das centenas de escravos ou era vontade do poderoso fara? Do mesmo modo, de quem era o projeto de construo do Palcio de Versalhes, na Frana?

    Mas ser que esses trabalhadores no encontraram alguma satisfao pessoal na constru-o desses monumentos? Se considerarmos que alguns tipos de trabalhos podem ser criativos, a resposta sim. Por exemplo, o arteso que esculpiu a lpide do tmulo de Jlio Csar deve ter encontrado uma grande realizao no trabalho que fez. Mas que satisfao poderia ter encontrado o escravo que carregou as pedras do tmulo e nada mais sentiu do que a dor da explorao fsica?

    (ARAJO et al, 1996. p. 150)

    que negam a necessria integrao entre trabalho e realizao humana. Deste modo, o trabalho afastado da concepo de rgon e se constitui como sacrifcio.

    O que pensar sobre o trabalho que apresenta traos de tortura e excluso, quando deveria ser sinnimo de ao criativa e transformadora? Sob quais condies se estabelece o distanciamento entre trabalho e realizao, tornando alheia a satisfao no prprio ato de trabalhar?

    Para Refletir...

    Trabalho, compreendido na qualidade de criao e/ou satisfao, promove realizao, bem como se constitui em via de liberdade, pois se torna requisito para superar os determinismos, uma vez que se coloca alm do que est posto pela natureza, transformando-a. Por esta razo, conforme Aranha e Mar-tins (1996, p.9) a liberdade no uma coisa que dada ao homem, mas o resultado da sua ao transfor-madora sobre o mundo, sobre seus projetos. Compreendendo a referida ao transformadora como trabalho, este, sem dvida, se aproxima de realizao e, portanto, de liberdade. Entretanto, essa no a nica signifi cao para o termo trabalho, ao contrrio, est prximo tambm de tortura e punio.

    Correlato tortura, punio, explorao... O trabalho se afasta da realizao e compromete at mesmo a liberdade. Nesta condio, a harmonia entre o processo de humanizao e a transformao da natureza invalidada, e cede espao para a confl itante relao entre trabalho e realizao.

    No contexto da contemporaneidade preciso superar essa relao confl itante entre trabalho e realizao. Dentre as possibilidades de superao do referido confl ito consta a busca de posicionamen-tos refl exivos, crticos e criativos perante a realidade, prezando por condutas responsveis e socialmente engajadas, tanto no ambiente organizacional quanto nos demais mbitos da vida.

    Os homens humanizam-se, trabalhando juntos para fazer do mundo sempre mais, a mediao de conscincias que se coe-xistenciam em liberdade. Aos que constroem juntos o mundo humano, compete assumirem a responsabilidade de dar-lhe a

    direo. Dizer a sua palavra equivale a assumir consciente-mente, como trabalhador, a funo de sujeito de sua hist-ria , em colaborao com os demais trabalhadores o povo.

    (FIORI, 1994, p. 04)

    Fonte: http://www.gettyimages.com.br

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    Principais obrigaes dos servos na sociedade medieval:

    Corvia: dias de trabalho semanal gratuito dos servos no manso senhorial; a produo era do senhor feudal.

    Talha: diviso da produo servil no manso servil.

    Banalidades: taxas pagas pelos servos pela utilizao das instalaes do feudo (celeiro, moi-nho, forno).

    Capitao: imposto pago por cada servo individualmente.

    Tosto de Pedro: imposto pago para manter a capela.

    Mas a construo da realidade, efetivamente, ocorre em cooperao? Ou a satisfao que deveria ser conquistada com o trabalho tornada alheia ao prprio trabalhador? Para que possamos atender a essa questo indispensvel compreender o processo de alienao, sem perder de vista que a ao para a liberdade, conforme proposto por Fiori (1994), no exclui o outro, ao contrrio, edifi ca valores de coo-perao, responsabilidade e compromisso poltico. Seria uma forma de resgatar da Antiguidade Grega a concepo de trabalho na qualidade de rgon, oferecendo subsdios para a formao crtica do cidado e a tomada de decises, mas, desta vez, sem limitar o acesso cidadania.

    ALIENAO E IDEOLOGIA: VIAS DE EXPLORAO E DOMINAO

    Na Idade Mdia, tendo por referncia a Europa Ocidental, grande parcela da populao estava socialmente organizada mediante a economia de subsistncia, os trabalhadores no tinham poderes pol-ticos, a eles era permitido o domnio sobre o saber tcnico necessrio sobrevivncia, como a realizao de atividades agrcolas ou artesanais.

    Na sociedade feudal do medievo o trabalho se confi gura como servido. O servo est preso terra, portanto o processo de dominao e poder tem entre seus fundamentos a propriedade fundiria e as relaes de produo. O trabalho se estabelece tambm sobre os fundamentos de uma sociedade es-tamental, caracterizada pela ausncia de mobilidade social. O modo de produo esteve pautado na total explorao do trabalho servil.

    Dentre as razes que mantinham a ordem e a acomodao entre os trabalhadores, consta a atri-buio de papis sociais para cada grupo ou estamento do mundo feudal, completamente legitimada pelo poder da Igreja e por recursos ideolgicos de dominao social. Conforme Dorigo e Vicentino (2001, p.118) a Igreja defendia que cada membro da sociedade tinha funes a cumprir em sua passa-gem pela terra [...]. Era funo do servo trabalhar, do clrigo rezar e do nobre proteger militarmente a sociedade.

    Uma observao atenta sobre a fi gura ao lado revela que o trabalhador est completamente excludo do dilogo. Deste modo torna alheio a outro o direito de pensar, pois a ele (servo/trabalhador) caberia apenas executar as tarefas para a subsistncia da sociedade medieval.

    Fonte: http://www.ufl ib.ufl .edu/hss/medieval/

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    CURIOSIDADE

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 33

    Mo-morta: imposto pago para transferir o lote de um servo falecido para seus herdeiros.

    Formariage: taxa paga para se casar.

    Albergagem: alojamento e produtos para os senhores em viagem.

    O Feudalismo: obrigaes servis. Dispponvel em: . Acesso em 03 set 2007.

    A forma de organizar o conjunto das relaes sociais, econmicas, polticas e culturais em prol da subsistncia era essencialmente agrcola. essa poca houve o aperfeioamento de algumas tcnicas de trabalho, foram inovaes simples, mas signifi cativas, como por exemplo o uso de arado de ferro no lugar do arado de madeira. Mas, qual a diferena? Como o arado de ferro era mais pesado, por onde passava deixava cavas mais adequadas ao cultivo, garantido maior quantidade e qualidade dos produtos agrcolas.

    Importa salientar que o trabalho manual, arte mecnica (ars mechanica) era visto, tanto na Antigui-dade quanto na Idade Mdia, como atividade ou arte inferior prpria a escravos e/ou servos. a partir da Idade Moderna que essa situao comea a ser modifi cada, pois maior valor atribudo ao trabalho mecnico, devido conquista de poder por parte da burguesia e s modifi caes sobre o modo de pro-duo. Pois, enquanto no perodo medieval as relaes eram essencialmente agrcolas, fatores como o crescimento demogrfi co, o renascimento urbano e a reabertura do Mar Mediterrneo contriburam para a derrocada do sistema feudal, fazendo emergir valores burgueses e, junto a esses, uma nova concepo de trabalho, correlata ampliao dos mercados, ao comrcio e ao acmulo de capital.

    Neste tema voc j estudou sobre os sentidos atribudos ao trabalho e suas principais implicaes, passando pela Antiguidade Grega, pelo perodo medieval e pela Idade Moderna, percebendo as consi-deraes gerais que possibilitam compreender os signifi cados do ato de trabalhar ao longo da histria. Vamos, ento, dedicar maior ateno Idade Moderna, notando as relaes de trabalho que se estabe-leceram em torno do modo de produo capitalista, percebendo os processos de alienao e a funo exercida pela ideologia nesse contexto.

    Tambm neste tema voc leu sobre a perspectiva latina do termo trabalho e sua correlao tortu-ra, aproximando ponos e tripalium, conforme proposto por Lopes.

    Etimologicamente, o trabalho traz uma conotao negativa, cujo contedo e organizao, alm de suplantar a idia de maldio e punio, compe-se de um comportamento que pressupe a sujei-o do corpo por um processo mudo, invisvel e que alienante.

    (LOPES, 2003, p.29)

    Qual o signifi cado mesmo de alienao e de que modo ela est presente no mundo do trabalho? De que modo os processos de alienao so legitimados? Ser que so facilmente notados pela populao?

    Trabalho e Alienao

    O termo alienao um velho conhecido nosso. Frases como aquela pessoa alienada, os bens do devedor foram alienados ou preciso lutar contra a alienao so comumente repetidas. Ser que nelas o conceito de alienao utilizado corretamente?

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    A origem latina da palavra alienao corresponde a alienare, alienus. Ou tornar de outro o que lhe pertence, tornar alheio. Portanto, ainda que as trs frases tratem de situaes distintas, cada uma delas usa corretamente o sentido de alienao. Na primeira frase, a alienao vista como ausncia de refl exo e crtica sobre as condies sociais. A segunda frase se refere ao termo alienado no mbito do Direito, quando os bens/propriedades so, por alguma razo, transferidos para terceiros. A terceira frase, embora geral, faz um apelo para a superao da viso ingnua, acrtica da realidade.

    No mundo do trabalho, principalmente no contexto da modernidade, o processo de alienao cria uma gigantesca lacuna entre trabalho e realizao. Pois o trabalhador torna alheio o real resultado do seu empenho. Com a derrocada do sistema feudal e o advento da sociedade capitalista (Idade Moderna) o trabalho deixa de ser compreendido enquanto servido, cedendo lugar para o trabalhador livre e separado (alheio) da propriedade sobre os meios de produo. Portanto, o sistema capitalista de produo aponta para duas modalidades de seres humanos livres. Por um lado, a existncia do trabalhador livre e assalaria-do; por outro lado, o proprietrio dos meios de produo.

    Se proprietrio dos meios de produo ou trabalhador assalariado, as duas categorias so compos-tas por homens livres. Conforme Arajo et al (1996, p. 153) a novidade em relao aos modelos ante-riores de sociedade que, ao conceder a liberdade para todos os indivduos, a sociedade estabeleceu uma espcie de contrato social, em que fi cavam defi nidos os direitos e deveres de cada parte.

    Dorigo e Vicentino (2001) afi rmam que a Revoluo Comercial dos sculos XVI e XVII intensifi -cou o desenvolvimento capitalista que esteve, at essa poca, associado circulao de mercadorias; ini-ciando, na segunda metade do sculo XVIII, na Inglaterra, a mecanizao industrial, desviando a acumu-lao de capitais da atividade comercial para o setor de produo, acarretando modifi caes signifi cativas de ordem econmica e social rumo slida implantao do modo de produo capitalista.

    Um dos grandes dramas do processo da Revoluo Industrial foi a alienao do trabalhador em relao sua atividade. Ao contrrio do arteso da Antiguidade ou da Idade Mdia, o operrio moderno perdeu o controle do conjunto da produo. Passou a ser responsvel por apenas uma parte do ciclo produtivo de uma mercadoria, ignorando os procedimentos tcnicos envolvidos. Alm disso, recebendo salrio em troca de atividade mecnica realizada, o operrio alienava o fruto de seu trabalho ao capitalista.

    (DORIGO; VICENTINO, 2001, p.331)

    Para refletir...

    Para a manuteno da sociedade industrial preciso que a produo ocorra em qualidade cada vez melhor e quantidade cada vez maior. No incio do sculo XX a linha de montagem impulsionou ainda mais o modo de produo capitalista. Implantada por Henry Ford (1886-1947) em indstria automobils-tica e com o arcabouo terico de Frederick Taylor (1856-1915), a linha de montagem se tornou um mar-co tanto do avano capitalista quanto da distino entre classes (proletrio/burgus). Para saber mais so-bre fordismo e taylorismo acesse o Tema 2 da nossa disciplina no Ambiente Virtual da Aprendizagem.

    A produo em quantidade cada vez maior, em tempo cada vez menor, instituiu a necessidade de um perfi l de trabalhador absolutamente disciplinado e adaptado rotina. Desse modo a inovao tec-nolgica, que poderia estar associada liberdade pois permitiria mais tempo livre para criar, passa a se estabelecer como via de explorao.

  • FILOSOFIA, TICA E O MUNDO DO TRABALHO 35

    Fonte: http://www.gettyimages.com.br

    Voc conhece a Voc conhece a

    expresso tempo til?expresso tempo til?

    O conceito de tempo til impe que o bom trabalhador, tico e moral, aquele que atende ao tempo da produo. Desta forma, as relaes se tornam cada vez mais alienadas.

    As principais formas de alienao esto presentes no trabalho, no consumo e no lazer. Aspectos como o distanciamento entre o trabalhador e os meios de produo, a lgica do mercado e do capital e os processos ideolgicos de dominao social esto implcitos tambm no campo da relao social e pessoal.

    Relao social e pessoal alienada

    Nosso cotidiano evidencia a relao social alienada de modo quase gritante. A indiferena entre as pessoas, principalmente em centros de grande ocupao urbana, a ausncia de solidariedade e compro-misso com o outro, a artifi cialidade