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O Paradoxo como vivencia de uma visão sistêmica O Paradoxo como vivencia de uma visão sistêmica Por Renata Reginato Toda vivência humana pode ser expressa em termos de paradoxo: o plugue elétrico que entra na tomada tem dois pinos, cada um acessando uma carga: a positiva e a negativa. Dessa oposição vem o proveito da corrente elétrica.O dia apenas é compreensível em contraste com a noite.O masculino apenas é relevante em contraste com o feminino .A atividade apenas tem significado em relação ao repouso; o paladar é uma questão de contrastes .O para cima apenas é possível na presença do para baixo.O que seria do norte sem o sul? Onde estaria eu sem você? Onde a alegria não está limitada pela sobriedade? Por alguma razão incompreensível rejeitamos frequentemente essa natureza paradoxal da realidade e num momento de tolice, achamos que podemos funcionar fora dela. No mesmo instante em que o fazemos,traduzimos o paradoxo em oposição.Quando o lazer é arrancado do trabalho,ambos ficam danificados.O sofrimento pessoal começa quando nos crucificamos entre estes dois opostos.Ao tentar abraçar um sem pagar tributo pelo outro,degradamos o paradoxo transformando- o em contradição.Entretanto,os dois pares de opostos devem ser igualmente honrados.Suportar a nossa própria perplexidade é o primeiro passo para a cura.Então a dor da contradição se transforma no mistério do paradoxo.Odiamos o paradoxo pois é muito doloroso chegar lá,mas, como é a vivencia muito direta de uma realidade além do quadro comum de referencia , fornece alguns dos maiores insights.Ele nos força além de nós mesmos e destrói adaptações ingênuas e inadequadas .A maior parte do tempo sustentamos dois pontos de vista antagônicos e evitamos o confronto. Esta é a realidade de muitas vidas modernas. Num dia comum temos incontáveis exemplos dessa opinião dividida: “ preciso ir ao trabalho, mas não tenho vontade”; “ não gosto do meu vizinho,mas preciso ser educado com ele”; “ eu deveria perder peso mas gosto muito de certos alimentos”; “meu orçamento está apertado mas…” Estas são as contradições com as quais vivemos constantemente.Essas ilusões,porém, devem ser desfeitas,por mais doloroso que isso possa ser. Não podemos simplesmente apagar um lado da balança, mas podemos mudar a maneira de olhar para o problema. Quando aceitamos estes elementos opostos e suportamos a colisão deles em plena consciência, abraçamos o paradoxo. A capacidade para acolher o paradoxo é a medida da inteligência espiritual e o sinal mais certo de 1

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O Paradoxo como vivencia de uma visão sistêmica

O Paradoxo como vivencia de uma visão sistêmicaPor Renata Reginato

Toda vivência humana pode ser expressa em termos de paradoxo: o plugue elétrico que entra na tomada tem dois pinos, cada um acessando uma carga: a positiva e a negativa. Dessa oposição vem o proveito da corrente elétrica.O dia apenas é compreensível em contraste com a noite.O masculino apenas é relevante em contraste com o feminino .A atividade apenas tem significado em relação ao repouso; o paladar é uma questão de contrastes .O para cima apenas é possível na presença do para baixo.O que seria do norte sem o sul?Onde estaria eu sem você? Onde a alegria não está limitada pela sobriedade?Por alguma razão incompreensível rejeitamos frequentemente essa natureza paradoxal da realidade e num momento de tolice, achamos que podemos funcionar fora dela. No mesmo instante em que o fazemos,traduzimos o paradoxo em oposição.Quando o lazer é arrancado do trabalho,ambos ficam danificados.O sofrimento pessoal começa quando nos crucificamos entre estes dois opostos.Ao tentar abraçar um sem pagar tributo pelo outro,degradamos o paradoxo transformando-o em contradição.Entretanto,os dois pares de opostos devem ser igualmente honrados.Suportar a nossa própria perplexidade é o primeiro passo para a cura.Então a dor da contradição se transforma no mistério do paradoxo.Odiamos o paradoxo pois é muito doloroso chegar lá,mas, como é a vivencia muito direta de uma realidade além do quadro comum de referencia , fornece alguns dos maiores insights.Ele nos força além de nós mesmos e destrói adaptações ingênuas e inadequadas .A maior parte do tempo sustentamos dois pontos de vista antagônicos e evitamos o confronto. Esta é a realidade de muitas vidas modernas. Num dia comum temos incontáveis exemplos dessa opinião dividida: “ preciso ir ao trabalho, mas não tenho vontade”; “ não gosto do meu vizinho,mas preciso ser educado com ele”; “ eu deveria perder peso mas gosto muito de certos alimentos”; “meu orçamento está apertado mas…” Estas são as contradições com as quais vivemos constantemente.Essas ilusões,porém, devem ser desfeitas,por mais doloroso que isso possa ser.

Não podemos simplesmente apagar um lado da balança, mas podemos mudar a maneira de olhar para o problema. Quando aceitamos estes elementos opostos e suportamos a colisão deles em plena consciência, abraçamos o paradoxo. A capacidade para acolher o paradoxo é a medida da inteligência espiritual e o sinal mais certo de inteligência emocional ampliada.Avançar da contradição (sempre uma briga) para o paradoxo (sempre sagrado) é dar um salto de conscientização. Este salto nos leva através do caos da meia idade, algumas vezes, e nos dá uma perspectiva que ilumina o resto da vida. A consciência mental confunde, muitas vezes ;a consciência emocional desperta, e a vida volta a ser vida.Faz-se necessário recorrer ao melhor recurso que o ser humano possui: o sentir .O sentir é a pessoa ,é o original .O pensar, se não for bem conduzido,pode significar um xérox,apenas informação sem dados emocionais.Viver a experiência do paradoxo é permitir-se sentir.É um exercício valioso listar as oposições que enfrentamos depois tentar restituí-las ao reino do paradoxo. Podemos começar com estes dois conjuntos de valores: as atitudes práticas cotidianas, com as quais quase todos concordam e a prática cristã que nos é apresentada:- Valores práticos – Ganhar é bom; receber está do lado positivo da balança; comer é a própria vida; a ação faz com que as coisas sejam feitas; ganhar

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dinheiro é a insígnia da responsabilidade; possuir é ser um pilar da comunidade e uma pessoa sólida; propriedade é segurança; estar ocupado é uma virtude. Deus ajuda a quem trabalha; o sexo é a pedra angular da nossa vida; ser determinado é ser produtivo e confiável; a liberdade é a mola mestra da nossa forma de governo; a escolha é sacra santa para pessoas livres; poder significa eficiência; a consciência concentrada é o melhor antídoto para a semiconsciencia sonhadora dos povos primitivos; clareza é importante; todos sabem que mais é melhor.Essas virtudes são valores incontestáveis em nossa cultura ocidental, bases da nossa sociedade que geraram suas melhores obras. Mas e a outra lista, a dos valores cristãos? Quase todos os domingos ouvimos sobre eles e são a melodia de fundo de nossa cultura cristã.Do púlpito nos dizem que é melhor dar do que receber, vende tudo que tens e dê aos pobres; jejuar é obter virtude espiritual; dê a outra face; abençoados são os pobres de espírito pois verão a face de Deus.Eles nada possuíam pois tudo pertencia à comunidade; é mais fácil, um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus ;o celibato é o estado mais elevado e é prescrito para o sacerdote e para o monge, que são modelos da nossa cultura cristã.Dizem-nos também: não julgueis ;levai todas as questões à autoridade; o livre arbítrio deve ser deixado para os vossos superiores; a obediência é a maior virtude;onde houver poder não há amor;êxtase é o direito de nascença de todo cristão;regozijar-se com o vinho de Cristo é o objetivo da vida.Quanta contradição! No entanto cada um de nós vive sua própria contradição aderindo conscientemente, ou não, às virtudes cristãs.

Paradoxo: a chave para uma visão sistêmica da personalidade

Segundo Carl Gustav Jung, a dinâmica de nossa personalidade é composta por: persona é o que gostaríamos de ser e como gostaríamos que o mundo nos visse. É a vestimenta psicológica, mediadora entre nosso verdadeiro eu e o nosso ambiente,pois apresenta uma imagem às pessoas com as quais nos encontramos.O ego é o que somos e conhecemos conscientemente.A sombra é a parte de nós que não vemos nem conhecemos.Ela contém todas as nossas facetas, as quais tentamos esconder ou negar;os aspectos sombrios que julgamos não serem aceitáveis para a família ,para os amigos e, mais importante , para nós mesmos.O lado sombrio está calcado profundamente em nossa consciência, escondido de nós e dos outros.A mensagem transmitida desse local oculto é simples: há alguma coisa errada comigo. Um sentimento de não suficiência. Não sou bom o bastante. Sou inadequado. Não estou bem.Não sou atraente. Não mereço ser bem sucedido. Não tenho valor.Muitos de nós acreditamos nestas mensagens.Cremos que, se olharmos bem de perto o que jaz nas profundezas do nosso ser , acharemos alguma coisa horrível. Evitamos nos aprofundar com medo de descobrir alguém com quem não consigamos conviver. Temos medo de nós mesmos. Diversas pessoas estão de tal forma inconscientes desse medo que só conseguem vislumbrá-lo quando refletido.Nós o projetamos no mundo ,na família, em nossos colaboradores,nos amigos e em estranhos.O medo está arraigado tão profundamente que a única maneira de lidar com ele é escondê-lo ou negá-lo.Nós nos tornamos grandes impostores que enganam a si mesmos e aos outros. Aí vem a sensação de sentir-se um engodo. Somos tão bons nisso, que realmente esquecemos que estamos usando máscaras para esconder nossas personalidades autenticas.Acreditamos que somos as pessoas que vemos no espelho ou que somos nosso corpo e nossa mente.Mesmo depois de anos observando nossos relacionamentos,carreiras, dietas, e sonhos fracassarem,continuamos a abafar essas mensagens internas perturbadoras.Dizemos a nós mesmos que estamos bem e que as coisas vão

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melhorar.Colocamos vendas nos olhos e abafadores nos ouvidos para poder manter vivas as historias que criamos.Em vez de tentar suprimir nossa sombra, precisamos revelar reconhecer e assumir as coisas que mais tememos encarar sobre nós mesmos. Ao empregar a palavra “reconhecer”,podemos pensar em ter um conhecimento de que uma determinada característica pertence à nós mesmos.A sombra é que detém as pistas.Ela também possui o segredo da mudança real de comportamento.Nossas sombras são detentoras da essência daquilo que somos; guardam nossos bens mais preciosos.Ao encarar esses aspectos de nós mesmos, ficamos livres para viver nossa gloriosa totalidade: o lado bom e o lado mau, a escuridão e a luz.Ao assumir tudo o que somos,alcançamos a liberdade para decidir o que fazer neste mundo.Enquanto continuamos a esconder,mascarar e projetar o que está em nosso interior,não teremos liberdade de ser nem de escolher.Nossas sombras existem para nos ensinar, guiar e abençoar com nosso eu completo. São fontes que devem ser expostas e exploradas. Os sentimentos que abafamos estão ansiosos para se integrar a nós mesmos. Eles são prejudiciais apenas quando reprimidos; podem surgir de repente nas ocasiões menos oportunas, e seus botes repentinos vão nos incapacitar nas áreas mais importantes de nossas vidas.Quando abordamos de forma consciente os aspectos sombrios de nossa personalidade, paralelamente examinamos um aspecto muito poderoso do nosso sistema emocional, que é quase que universalmente evitada e abafada: a sombra. E assim, entramos no reino do paradoxo.O paradoxo, e a compreensão dele, é um poço artesiano com significado, do qual precisamos com urgência em nosso mundo moderno. Todos os grandes mitos fornecem instruções sobre esse assunto e nos lembram de que o tesouro será encontrado num lugar menos provável e menos popular.Pode alguma preciosidade estar enterrada em nosso próprio quintal?Tendo em vista nossa vida interior, pode vir algo bom da nossa própria sombra? Estranhamente pode vir o que há de melhor desse paradeiro esquecido. Costumamos ir os extremos para evitar esse paradoxo doloroso, criando doenças psicossomáticas, por exemplo; mas na rejeição apenas acabamos nos confinando à inútil experiência da contradição. A contradição traz consigo a carga esmagadora da falta de significado. Podemos suportar qualquer dor emocional ou física, se ela tiver significado. A falta de significado porém é insuportável .Enquanto a contradição é estéril e destrutiva , o paradoxo é criativo;é abraçar com vigor a realidade .Enquanto a contradição é estática e improdutiva,o paradoxo abre espaço para a graça e o mistério.

Toda pessoa nasce com um sistema emocional saudável. Ao nascer, nos amamos e nos aceitamos, sem fazer julgamentos sobre quais são nossas partes boas e quais as ruins. Ocupamos a integridade do nosso ser, vivendo o momento e expressando livremente o nosso eu. Á medida que crescemos, começamos a aprender com as pessoas à nossa volta. Elas nos dizem como agir ,quando comer,quando dormir, e começamos a fazer distinções. Aprendemos quais são os comportamentos que nos garantem aceitação e quais os que provocam rejeição. Aprendemos esta dinâmica, ao conseguir uma resposta imediata ou quando nossos apelos não são atendidos; da mesma forma que passamos a confiar nas pessoas que nos rodeiam ou a odiá-las. Aprendemos o que é consistente e aquilo que é contraditório;quais as características aceitáveis em nosso meio e as que não o são.Tudo isso nos desvia da possibilidade de viver o momento e impede que nos expressemos livremente.E assim iniciamos o processo de fabricar a sombra.No processo cultural classificamos nossas características dadas por Deus em características aceitáveis pela sociedade e outras que temos de deixar de

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lado Mas as características rejeitadas e inaceitáveis não vão embora; apenas vão se acumulando nos cantos escuros de nossa personalidade.Depois de ficarem escondidas por muito tempo assumem vida própria – a vida sombria.A sombra é aquilo que não entrou adequadamente na consciência, é a parte desprezada do nosso ser.O processo de nos tornarmos civilizados, ou seja, sair do cérebro reptiliano e entrarmos no sistema límbico e neocortex; é a conquista mais brilhante da humanidade, consiste em estirpar as características perigosas ao funcionamento uniforme de nossas idéias. Qualquer pessoa que não passe por este processo, continua um ser “ primitivo”, e não cabe numa sociedade culta.A cultura nos toma a simplicidade humana, mas nos dá em troca, um poder mais complexo e sofisticado.É útil imaginar a personalidade como uma balança ou uma gangorra. O processo de aculturação tem em nossas vidas a função de classificar nossas características dadas por Deus, colocando as aceitáveis do lado direito da gangorra e as não aceitáveis do lado esquerdo.É lei que nenhuma característica possa ser descartada; só pode ser transferida para um ponto diferente da gangorra.Uma pessoa culta é aquela cujas características desejáveis são visíveis do lado direito ( o lado correto) e as proibidas ficam ocultas do lado esquerdo.Todas as nossas características devem aparecer em algum lugar deste inventário.Nada pode ser omitido e nem excluído.Prevalece uma lei natural terrível a quais poucas pessoas entendem e que a nossa cultura prefere ignorar quase que completamente – ou seja, a gangorra deve ficar equilibrada se quisermos nos manter equilibrado. Se exagerarmos em colocar características do lado direito, estas devem ser contrabalançadas por um peso igual do lado esquerdo.O contrário é igualmente verdadeiro.Se transgredirmos a lei, a gangorra salta para o ar e perdemos o equilíbrio.É assim que as pessoas saltam para o comportamento oposto ao costumeiro. O alcoólatra que de repente se torna fanático em sua temperança ou o conservador que de repente joga aos ventos toda a cautela deu um salto desses. Eles apenas substituíram um lado de sua gangorra pelo outro e não conseguiram nada que durasse.A gangorra também pode quebrar no meio e ficar sobrecarregada. Temos então um colapso ou um surto.Na gíria existem termos preciosos para descrever essas vivencias ( “saiu da casinha”, “despirocou”, “surtou” etc. …).Devemos manter intacto o equilíbrio ,embora isso costume exigir um grande dispêndio de energia.A psique mantém seu equilíbrio com a mesma precisão que o corpo equilibra a temperatura, a proporção de ácido e base, a pressão sanguínea e as muitas outras polaridades sutis; esta é a auto regulação energética da psique.Esses equilíbrios físicos nos são óbvios mas raramente reconhecemos seus paralelos psicológicos .Uma gravura medieval nos passa essa informação de forma muito vívida: uma árvore do conhecimento estilizada carregada de frutos dourados brota próximo do umbigo de Adão. Ele parece um pouco sonolento como se não entendesse bem o que está ocorrendo.Duas mulheres estão em pé ao lado da árvore.A Virgem Maria está do lado esquerdo,vestida de freira,colhendo os frutos da árvore e entregando-os a uma longa fila de penitentes para salvação deles.Eva,nua , está em pé do lado direito, colhendo os mesmos frutos, entregando-os para uma fila comprida de pessoas para a perdição delas .Eis um comentário vívido sobre uma única árvore que dá um produto dual.Que árvore estranha! Sempre que colhemos com uma mão o fruto da criatividade da árvore dourada, a outra colhe o fruto da destruição. A nossa resistência a ter este vislumbre é muito forte. Adoraríamos ter criatividade sem destruição; isso não é possível.

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Atualmente há uma demanda nociva em nossa cultura no sentido de que as pessoas mantenham-se na bondade ou na santidade o tempo todo; ou seja, em viver a maior parte de tempo possível, no lado direito da gangorra, o lado bom da gangorra. Essa caricatura da pessoa boa é a imagem de uma pessoa toda certa que transferiu tudo para o lado perfeito da personalidade.Esta condição seria totalmente instável e imediatamente um lado da gangorra saltaria para cima.O equilíbrio seria rompido e a vida se tornaria impossível.É óbvio que podemos ser generosos (lado direito), mas isso só pode ser feito e mantido na medida em que se equilibra com o lado esquerdo, ou seja, acolhendo que somos egoísta e mesquinho também.Podemos manter longe da sociedade nosso lado escuro, caso contrário, ninguém nos agüentaria; mas jamais devemos escondê-lo de nós mesmos. A verdadeira eficiência pessoal consiste em ficar no centro da gangorra e produzir apenas aquele que pode contrabalançar o oposto. Isto está longe, é claro, da visão sentimentalista de bondade que tem sido estabelecida como nosso ideal (lado esquerdo).

Quanto mais sofisticada a nossa personalidade consciente, tanto mais sombra constrói do outro lado. Fazer luz é fazer sombra;uma não pode existir sem a outra. É como um iceberg existe uma pequena parte visível na superfície (ego) e toda uma imensidão abaixo, nas profundezas do mar (sombra). Possuir a própria sombra, tomar contato e acolher estes aspectos sombrios é alcançar um lugar de poder e conforto dentro de nós mesmos; é criar um centro interior – é encontrar a pequena medida da paz que todos buscamos; impossível de alcançar de outra maneira. Falhar nisso é falhar com nosso eu essencial; é perder o propósito da vida.Falar de eu essencial é falar de plenitude – abraçar de todo o coração,a nossa própria humanidade, não uma humanidade unilateral que não possui a vitalidade nem a pulsação genuína da vida.

Será que isso significa que tenho de ser tão destrutivo quanto criativo, tão escuro quanto sou luz?Sim, mas tenho algum controle de como pagarei este preço escuro. Por exemplo, o inconsciente (parte da nossa mente) não consegue distinguir um.Ato “real” de um ato simbólico. Isso significa que podemos aspirar à beleza e à bondade e pagar pelas trevas de uma maneira simbólica, fazendo a compensação do lado esquerdo da balança, utilizando técnicas de meditação, técnicas de visualização. A alternativa é ampliar a inteligência emocional.Transferir a nossa energia da oposição para o paradoxo é um salto muito grande na evolução. Entregar-se à oposição é ser triturado em pedaços pela insolubilidade dos problemas e dos acontecimentos da vida. A maioria das pessoas gasta sua energia vital sustentando esta guerra interna. Basta presenciar qualquer conversa franca entre amigos para ouvir um recital de todas as coisas que estão dando errado para eles. Hoje em dia uma enorme quantidade de energia é desperdiçada pelas pessoas que vão contra sua própria situação. A oposição é algo parecido com um curto circuito ou também com uma hemorragia, por onde a energia se esvai. Transformar a oposição em paradoxo é permitir que ambos os lados de uma questão, os dois opostos, existam com igual dignidade e valor.

O Paradoxo do Amor e do Poder

Provavelmente o par de opostos que mais oferece conflito para conciliar é amor e poder. O nosso mundo moderno é rasgado em tiras por essa dicotomia e encontramos mais fracassos que sucessos na tentativa de reconciliá-los.

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Não é possível viver uma vida humana sem esses dois elementos. O poder sem amor torna-se brutal; o amor sem poder torna-se insípido e fraco. Dar a cada um desses elementos o que lhe cabe e suportar a tensão paradoxal, é a tarefa mais nobre de todas. É muito fácil abraçar um à custa do outro;mas isso impede a síntese, que é a única resposta verdadeira .O fracasso convida a uma quebra; o paradoxo oferece uma unicidade suficientemente forte para suportar os conflitos.

O fanatismo, por exemplo, é sempre sinal de que estamos adotando um dos elementos do par de opostos em detrimento do outro. A grande energia do fanatismo advém de um esforço frenético em manter com rédeas curtas a metade da verdade enquanto a outra assume o controle. Isso sempre resulta numa personalidade frágil e insegura. Esse tipo de justiça depende de “estar certo”. Talvez queiramos ouvir o que o outro está dizendo, mas ficamos temerosos quando o equilíbrio do puder começa a mudar.Começamos este texto discutindo a sombra e bem que podemos fazer a pergunta: “O que o paradoxo tem a ver com a sombra?”. Tem tudo a ver com a sombra, pois não pode haver paradoxo – esse lugar sublime da reconciliação – enquanto não possuirmos a nossa própria sombra e a elevarmos a um lugar de dignidade e valor. Possuir a própria sombra é preparar o solo para uma visão de mundo mais holística (sistêmica). As escrituras e muitas histórias nos contam que encontramos a matéria prima da beatitude nos lugares mais comuns. É nos conflitos e tensões do dia a dia que achamos à pérola valiosa. A ninguém faltam essas experiências. Uma vez alguém disse que Shakespeare podia erguer o telhado de qualquer casa e encontrar um drama imortal. Erga o telhado de qualquer vida humana e encontrará os paradoxos que são preparação para uma visão sistêmica da existência. Uma visão daquilo que é maior do que o pessoal. Do conflito ao paradoxo,do paradoxo à revelação. Quem já não passou a maior parte do seu tempo deliberando se deve fazer a tarefa disciplinada ou vadiar um pouco mais sonhando em “nenhum lugar?” Nenhuma das duas alternativas é sagrada, o lugar sagrado ou de conforto, fica exatamente no paradoxo entre as duas.

Na medida em encontramos o maior medo de uma pessoa e é aí que ela vai se desenvolver em seguida. O ego é moldado como o metal, entre o martelo e a bigorna. Isso é para os corajosos e não é fácil encontrar uma natureza moral ou ética forte o bastante para o processo. O heroísmo poderia ser redefinido em nossa época como a capacidade de agüentar o paradoxo. Dar passagem ao paradoxo dentro de nós mesmos, consentirem a ele é consentir à aceitação que é maior que o ego. A vivencia de conforto fica exatamente neste ponto de insolubilidade no qual achamos que não podemos mais prosseguir. Isso é um convite para aquilo que é maior do que o próprio eu. A inteligência emocional ampliada depende de nossa capacidade de equilibrar a necessidade do ego de fazer com nossa capacidade inata de ser. Esta conciliação pode nos proporcionar a felicidade e a pequena medida da paz que tanto buscamos

Renata Maria Reginato

Psic – CRP08/6370

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