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06 AULAS ESP MAYOMBE 2017 GK · MAYOMBE A obra de Pepetela volta-se principalmente para a experiência pós-colonial angolana, as consequências da colonização portuguesa e as inter-relações

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PEPETELA – BIOGRAFIA

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos,conhecido pelo pseudônimo de Pepetela (apelidoatribuído a ele na frente de guerrilha e que significapestana, em Umbundo), nasceu em Benguela (Angola)em 29 de outubro de 1941.

O escritor fez a liceu em Lubango, ocasião em que,influenciado por um padre esquerdista, tomou ciência darevolução pela qual Angola passava. Em 1960, ingressouno Instituto Superior Técnico em Portugal para estudarengenharia, transferindo-se, logo depois, para o curso deLetras.

Pepetela tornou-se um militante do MPLA(Movimento Popular para a Libertação da Angola) em1963, licenciando-se em sociologia e partindo para aArgélia, onde se empenhou em propagandear a ideologiado MPLA no exterior, ocasião em que escreveu oromance, Muana Puó, publicado apenas em 1978.

Em 1969, o escritor foi chamado a participar na lutapela libertação de Angola e, em Cabinda, foi guerrilheiroe responsável pelo setor de educação. Três anos depois,foi transferido para a Frente Leste de Angola, onde ficouaté o acordo de paz com o governo português, em 1974.

Nesse mesmo ano, Pepetela firmou-se em Luanda,integrando a primeira delegação do MPLA, assumindo ocargo de vice-ministro da educação, passando, também,a dar aulas na Faculdade de Arquitetura de Luanda edesenvolvendo sua carreira literária, que ganhounotoriedade após a independência de seu país.

Pepetela recebeu vários prêmios e homenagens peloconjunto de sua obra, como o Prêmio Camões (Portugal),em 1997; Rosália de Castro do Centro PEN Galiza(Espanha), em 2014, ano em que foi consagradoPersonalidade do Ano na categoria escritor pelosemanário Angolense.

MAYOMBE

A obra de Pepetela volta-se principalmente para aexperiência pós-colonial angolana, as consequências dacolonização portuguesa e as inter-relações entre a culturae a realidade política e econômica de Angola, propondo-se a criar e recriar mitos, solidificando a identidadeangolana.

Em Mayombe, escrito na década de 1970, mas sópublicado em 1980, Pepetela narra as aventuras deguerrilheiros, no interior da floresta localizada emCabinda, em busca da construção de um país livre docolonialismo português, entrecruzando passado epresente por meio de uma diversidade de vozesnarrativas (polifonia), que manifestam as influências domulticulturalismo de Angola.

A floresta Mayombe tem papel especial na narrativa,sendo ela uma personagem que colabora nas atitudes dosguerrilheiros isolados em relação a Luanda, sendometaforicamente o útero de um povo que tentavarenascer após a colonização portuguesa, gestando umnovo homem para Angola.

Ao longo da narrativa de Mayombe, o leitor éconduzido a uma viagem pela história do país, entrandoem contato com medos e angústias das personagens,mimeses do povo angolano, que viu na independência dePortugal a possibilidade da abolição das diferençasétnicas e de se construir uma pátria para os angolanos.

MAYOMBE

AULAS ESPECIAISAS OBRAS DA FUVEST

PORTUGUÊS

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No entanto, os problemas como a disputa pelo poder e otribalismo conduziram a população para uma realidadediferente da desejada pelo movimento de libertação.

No romance, a memória do povo é recriada no planoartístico em que a habilidade do autor desliza pelasdiversas vozes do presente e do passado, denunciando aforça colonialista, a necessidade da ruptura com osistema português e a concretização da estrutura social,política, econômica e cultural do novo país.

Nesse relógio histórico que o romance Mayombeapresenta, o cenário de fome, corrupção e massacreganha voz de denúncia por meio dos personagens que,nomeados por palavras que simbolizam a guerra,representam o povo angolano.

Nas narrativas em 1ª pessoa, as personagens refletemsobre os acontecimentos vividos por elas e suasmotivações pessoais para lutarem pela independência, aolado dos demais guerrilheiros.

Sem Medo, comandante do grupo, e o ComissárioPolítico são as personagens centrais do romance,estabelecendo-se entre eles uma relação semelhante a depai e filho; Teoria, professor de Base, vive o conflito deser mestiço, um “talvez” como ele mesmo diz; Muatâniatambém reflete sobre a mistura de raças e sobre otribalismo, considerando-se membro de apenas uma triboque servia a nova Angola; Milagre relata suasexperiências com a crueldade do sistema colonial emseus momentos mais intensos; Mundo Novo é ointelectual ortodoxo que segue a teoria marxista comodoutrina; Lutamos, o ingênuo do grupo, nãoambicionava o poder e considerava o estudodesnecessário; Ekuikui era o caçador intimidado com osataques dos obuses; Ingratidão do Tuga, guerrilheiroKimbundu, desestabiliza o grupo por causa de um roubo;Vewê, vaidoso e seduzido pelo nepotismo, era umguerrilheiro promissor.

De acordo com o próprio Pepetela:

Mayombe é um livro que foi feito sem projeto.

Esse livro apareceu dum comunicado de guerra.

Nós fizemos uma operação militar e eu era o

responsável por mandar informações, redigir o

comunicado, como tinha passado a operação e

enviar depois para o nosso departamento de

informação, que veiculava no rádio, no jornal.

Eu escrevi aquela operação com que o livro

começa e que é real. Acabei de escrever o

comunicado, uma coisa objetiva, assim fria. E

não foi nada disso que se passou. E continuei o

comunicado, tirei a primeira parte e mandei pra

eles, no departamento de informações e

continuei. Saiu um livro sem saber quem era o

personagem Sem Medo (Entrevista publicada

na Revista Ponto e Vírgula, n. 40, nov.-dez.

2000. Publicação da Secretaria Municipal de

Cultura de Porto Alegre).

SÍNTESE DE MAYOMBE

A MISSÃO

Teoria, o professor, mestiço, ao atravessar o RioLombe escorrega numa pedra, ferindo o joelho. SemMedo sugere-lhe que se recupere enquanto os demaisseguiriam na operação programada, mas Teoria desejaseguir com o grupo para não o desfalcar.

Lutamos revela ao Comandante que Verdadepretendia fuzilar os trabalhadores que estavam naextração da madeira e o Comissário determina quenenhum homem do povo seja morto.

O grupo segue pela floresta e, ao avistarem doisgrupos de trabalhadores, preparam uma emboscada,capturando-os, mas deixando fugir o português com o

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caminhão. No dia seguinte, os pertences dos trabalha -do res são devolvidos, porém falta uma nota de cem es -cudos (dinheiro português na época) do mecânico. Todossão revistados e Ingratidão do Tuga deixa o dinheiro cair.

Os guerrilheiros recomeçam a caminhada. Milagreachava que o Comandante protegia os homens, os quaispertenciam a tribos próximas a dele, desmerecendo osdemais, acreditando que o Comissário estava ao lado doComandante contra o Chefe de Operações.

O Chefe de Operações planeja uma nova emboscadae alguns guerrilheiros, que estavam de vigia, sãoacordados por Sem Medo estimulando-os ao combate.Enquanto aguardavam a aproximação dos soldados e omomento de atacar, o Comandante recordava-se de Lelie de ele tê-la deixado por orgulho.

O exército finalmente aparece e o combate se inicia,fazendo muitas vítimas entre os inimigos. No entanto,Sem Medo ordena a retirada, pois não seria possívelenfrentarem todos os adversários. Retornando o grupotodo à Base, Ingratidão do Tuga é julgado e condenadopor todos os membros, sendo-lhe a punição ofuzilamento, mas sua pena é convertida em seis meses deprisão, alteração que causa descontentamento de algunsmembros.

A BASE

Chegam à Base oito novos integrantes, sendo umdeles Vewê, parente do Comandante, muito jovem etímido. Sem Medo reclama por não terem mandadocomida e o Comandante recusa-se a ir a Dolisie pedir aoprimo André, por não ter um bom relacionamento comele. É escolhido o Comissário para resolver o problemade falta de comida.

Em Dolisie, o Comissário encontra Ondina, suanoiva, e, logo depois, encontra-se com André, que lheoferece dinheiro, cerveja e almoço, o que revolta oComissário porque ele sabia que essas mordomias seriampagas com o dinheiro do movimento.

O Comissário volta à Base com algum mantimento.Sem Medo pergunta por Ondina e percebe que há algumproblema de ordem sexual no relacionamento entre elese que ele só descobriria o caso deitando-se com ela, masOndina não lhe interessava.

Sem Medo e o Comissário conversam e divergemmais uma vez, mas decidem que uma nova operação eranecessária, pois se o povo de Cabinda aderisse aomovimento, o tribalismo se esgotaria, porém, para isso,era necessário o mantimento que o Chefe de Operaçõesbuscaria com André em Dolisie.

ONDINA

A falta de comida e as discussões frequentesinflamavam as brigas tribalistas que eram contornadaspelo Comissário com cautela, a contragosto de MundoNovo que defendia ações mais severas do Comando.

O Chefe de Operações retorna com a notícia de queAndré havia fugido, pois fora pego no mato com Ondina,a qual mandou uma carta para seu noivo, o Comissário,dizendo que partiria de Dolisie. Acirra-se a questãotribalista, uma vez que André era Kikongo e oComissário, Kimbundo. São chamados à cidade oComissário e o Comandante.

Sem Medo conta sua história ao Comissário: Ele viviacom Leli, mas, um dia, ela lhe disse que estava apaixonadapor outro homem e ele compreendeu, deixando-a partir.Quando Leli se fartou do novo amor, ela procurou SemMedo, que, agora acostumando à vida de solteiro eenvolvendo-se com diversas mulheres, ficara com Leli porapenas dois meses. Leli seguiu Sem Medo e, no Congo, elafoi capturada por uma organização e morta por ser mestiça,peso que o Comandante carregará por toda sua vida.

O Comissário conversa com Ondina e ela insiste empartir, o que o faz agarrá-la e relacionar-se sexualmentede uma maneira mais agressiva, satisfazendo-a, mas nãoo suficiente para ela permanecer em Dolisie.

André é enviado a Brazaville para ser julgado. Paraele, os Kibundos teriam preparado uma armadilha paratirá-lo do poder com o apoio de Sem Medo. Um antigomilitante do MPLA informa a Sem Medo que osportugueses colonialistas (Tugas) se estabeleceram emPau-Caído, situação preocupante para a guerrilha.

A SURUCUCU

Sem Medo e Ondina conversam sobre a revolução,casamento, traição, sexo, beijam-se e relacionam-sesexualmente. Ele sugere a Ondina voltar para oComissário, mas ela se recusa, dizendo que Sem Medoseria o homem ideal para ela. A conversa é interrompidacom os gritos de que a Base havia sido atacada.

Trinta homens cruzam a selva do Mayombe eencontram-se com o Chefe de Operações que suspeita datraição de Lutamos. Já nas proximidades da Base, elesdecidem aguardar o amanhecer para atacar. O grupo sedivide para avançarem pelo rio e pela montanhasimultaneamente. Sem Medo e Mundo Novo encontramum mestiço banhando-se no rio e, ao se aproximarempara o apunhalarem, reconhecem ser Teoria que negouter havido um ataque à Base.

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O Comissário esclareceu que uma surucucupreparava o bote para atacar Teoria, mas ele atirou nacobra e o estampido fez Vewê sair em busca de ajudaacreditando ser um ataque. No entanto, havia umaemergência real: atacar Pau-Caído.

A AMOREIRA

Enquanto o Comissário chefiava a operação de Pau-Caído, Sem Medo retornava a Dolisie de onde MundoNovo seria nomeado chefe, escolha que teve apoio deSem Medo, mesmo ambos tendo pensamentos diver -gentes.

Sem Medo e Ondina se relacionam novamente: eladesejando viver com o Comandante no Leste e elesugerindo que ela reatasse com o Comissário. No retornoà Base, Sem Medo é recebido friamente pelo Comissário,e sugere-lhe que tome a frente no ataque a Pau-Caídopara ganhar experiência.

De madrugada, eles se dividem em grupos: umliderado pelo Chefe de Operações e outro, peloComissário. O acampamento dos Tugas é alvejado pelosmorteiros e tiros de bazuca. Os soldados que fugirampelo outro lado, encontram o grupo do Comissário que,para mostrar bravura, adianta-se. Lutamos segue namesma direção do Comissário e é atingido por um tiro nacabeça. Sem Medo, vendo a imprudência do Comissário,ordena ao grupo que avance e é atingido por tiros em seuventre.

Enquanto os guerrilheiros atacam os soldados, oComissário auxilia Sem Medo, que o aconselha a voltarcom Ondina e continuar com sua doutrina. A amoreiragigante começa a soltar de flores brancas sobre o corpode Sem Medo. O Comissário ordena cavarem um túmulopara Sem Medo e Lutamos, um kikongo e um cabinde,que morreram pelo Comissário, que era um kimbundo.

EPÍLOGO

O Narrador Sou Eu, O Comissário Político.

A morte de Sem Medo constituiu para mim amudança de pele dos vinte e cinco anos, a metamorfose.Dolorosa, como toda metamorfose. Só me apercebi doque perdera (talvez o meu reflexo dez anos projectado àfrente), quando o inevitável se deu.

Sem Medo resolveu o seu problema fundamental:para se manter ele próprio, teria de ficar ali, noMayombe. Terá nascido demasiado cedo ou demasiadotarde? Em todo o caso, fora do seu tempo, comoqualquer herói de tragédia.

Eu evoluo e construo uma nova pele. Há os queprecisam de escrever para despir a pele que lhes nãocabe já. Outros mudam de país. Outros de amante.Outros de nome ou de penteado. Eu perdi o amigo.

Do coração do Bié, a mil quilómetros do Mayombe,depois de uma marcha de um mês, rodeado de amigos novos,onde vim ocupar o lugar que ele não ocupou, contemplo opassado e o futuro. E vejo quão irrisória é a existência doindivíduo. É, no entanto, ela que marca o avanço no tempo.

Penso, como ele, que a fronteira entre a verdade e amentira é um caminho no deserto. Os homens dividem-sedos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem ondese encontra esse caminho de areia no meio da areia?Existem, no entanto, e eu sou um deles.

Sem Medo também o sabia. Mas insistia em que eraum caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziamque era um trilho cortando, nítido, o verde do Mayombe.Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do verde.

Tal é o destino de Ogun, o Prometeu africano.

DOLISIE, 1971

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1. A polifonia conceituada por Mikhail Bakhtinconsiste em um texto em que são percebidas diversasvozes e consciências distintas. Em Mayombe dePepetela,I) as vozes de diversos narradores revelam pro -

blemas como o racismo e o tribalismo entre osmembros do grupo.

II) a polifonia permite reconhecer as contradições,ideologias, dúvidas e medos das personagens.

III) destaca-se a polifonia na fala da personagemOndina que manifesta a visão feminina daguerrilha.

Sobre as informações anteriores, pode-se afirmar quea) I e II corretas, apenas.b) II e III corretas, apenas.c) I e III corretas, apenas.d) Todas corretas.e) Todas incorretas.

2. Sobre as personagens de Mayombe é incorretoafirmar quea) Ondina representa a força feminina dominadora

dos instintos masculinos.b) Teoria analisa a questão da mestiçagem e

considera-se um “talvez”.c) Sem Medo age guiado pela própria consciência,

como um conciliador que busca a unidade dogrupo.

d) Mundo Novo adapta a teoria marxista, vinculan -do-a às realidades de Angola.

e) Comissário condiciona seu comportamento naguerrilha ao de Milagre, sendo um o comple men -to do outro nas ações em combate.

3. Em Mayombe, Pepetela registra sua experiência naguerra de Angola, procurando o autor desenvolverperspectivas comoa) Caracterizar o comportamento dos guerrilheiros

pelo afastamento das exigências da revolução epelas atitudes inescrupulosas e interesseiras,como ocorre com a personagem Sem Medo.

b) Denunciar o MPLA, revelando seu carátercolonialista, o que era defendido pela maioriados angolanos, assim como também pelopersonagem Comissário.

c) Revelar a situação política de Angola em opo -sição às tendências conservadoras e igualitáriasdos colonizadores portugueses, que procuravamliderar as guerrilhas.

d) Criar poeticamente a floresta de Mayombe comoum ambiente em que a vegetação ganha traçoshumanos, promovendo-se o processo dezoomorfização do ambiente.

e) Tratar do conflito armado durante meados de1960 e o início da década seguinte, opondo opoder colonial e os movimentos de libertaçãonacionalista.

Exercícios

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1) A personagem Ondina não manifesta a vozfeminina na guerra em Angola.Resposta: A

2) O Comissário tem seu comportamento associadoao da personagem Sem Medo.Resposta: E

3) Pepetela buscou registrar em Mayombe suasexperiências durante a guerra em Angola em quese opunham os ideais dos colonizadores ao gruponacionalista que buscava a definitiva libertaçãode Angola do domínio português.Resposta: E

MAYOMBE

GABARITOAS OBRAS DA FUVEST

PORTUGUÊS

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