37
LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009 AÇÃO MONITÓRIA 4.6. 6ª Etapa: SENTENÇA Apresentados os embargos ao mandado monitório, é óbvio que vai haver uma instrução processual. Vão ser colhidas provas, podem ser ouvidas testemunhas, pode ser feita perícia, se necessário. Quando se apresentam embargos, o procedimento se torna ordinário. Aquele rito especial acaba e o procedimento se passa a ser aquele procedimento ordinário do CPC. Se é ordinário, a ele se aplicam todas as regras do procedimento ordinário. Mas o que é interessante notar sobre a sentença na ação monitória é que para definir o alcance e conteúdo dessa sentença, e mais do que isso, para a gente definir a natureza dessa sentença, você sabe o que de novo eu tenho que falar? Depende da natureza dos embargos! Então, eu vou colocar as duas posições. Como a jurisprudência é duvidosa, a gente passa as duas. Vamos ver as duas situações: Os embargos ao mandado monitório são ação. Vamos considerar esses embargos como ação (minha preferência). Quando você considera que os embargos são ação, o Judiciário julga a monitória ou ele julga os embargos? Se você considerar que os embargos são ação, o que o juiz julga são os embargos porque o julgamento, em tese, da monitória, aconteceu na expedição do MPM. A monitória foi julgada no momento da expedição do mandado de pagamento ou entrega. No julgamento dos embargos, nós substituímos. Lembra que até aqui o juiz fez um juízo de verossimilhança da existência da obrigação com base em probabilidade. Aqui, não. Aqui, o juízo é um juízo de cognição exauriente. Nos embargos ao mandado monitório haverá juízo de certeza. Eu afasto aquela discussão sobre a probabilidade da existência da obrigação e passo a me valer de um juízo de certeza. Eu vou julgar os embargos e dizer: certamente existe ou não existe a obrigação. E não, provavelmente existe ou não existe a obrigação. Quando o juiz julga os embargos ao mandado monitório, ele pode dar dois tipos de julgamento. Vamos supor que, primeiro, ele pode desacolher. Como eu estou considerando que os embargos são ação, eu não digo que ele julgou improcedente a ação, mas que julgou improcedentes os embargos. Se ele julgar improcedentes os embargos ao mandado monitório, significa que a verossimilhança se confirmou, ou seja, automaticamente, julgados improcedentes os embargos, o juiz converte o mandado de pagamento e entrega em título executivo judicial, a execução que se segue a partir do julgamento da improcedência dos embargos, é uma execução de título judicial, com base em título 475-J, do CPC que é algo óbvio. Julgou os embargos? Se ele julga os embargos, ele também fixa, óbvio, sucumbência. Quem perdeu os embargos paga honorários para a outra parte. A grande dúvida 129

08-Ação Monitória.ms Individual

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

4.6. 6ª Etapa: SENTENÇA

Apresentados os embargos ao mandado monitório, é óbvio que vai haver uma instrução processual. Vão ser colhidas provas, podem ser ouvidas testemunhas, pode ser feita perícia, se necessário. Quando se apresentam embargos, o procedimento se torna ordinário. Aquele rito especial acaba e o procedimento se passa a ser aquele procedimento ordinário do CPC. Se é ordinário, a ele se aplicam todas as regras do procedimento ordinário. Mas o que é interessante notar sobre a sentença na ação monitória é que para definir o alcance e conteúdo dessa sentença, e mais do que isso, para a gente definir a natureza dessa sentença, você sabe o que de novo eu tenho que falar? Depende da natureza dos embargos! Então, eu vou colocar as duas posições. Como a jurisprudência é duvidosa, a gente passa as duas. Vamos ver as duas situações:

Os embargos ao mandado monitório são ação. Vamos considerar esses embargos como ação (minha preferência). Quando você considera que os embargos são ação, o Judiciário julga a monitória ou ele julga os embargos? Se você considerar que os embargos são ação, o que o juiz julga são os embargos porque o julgamento, em tese, da monitória, aconteceu na expedição do MPM. A monitória foi julgada no momento da expedição do mandado de pagamento ou entrega. No julgamento dos embargos, nós substituímos. Lembra que até aqui o juiz fez um juízo de verossimilhança da existência da obrigação com base em probabilidade. Aqui, não. Aqui, o juízo é um juízo de cognição exauriente. Nos embargos ao mandado monitório haverá juízo de certeza. Eu afasto aquela discussão sobre a probabilidade da existência da obrigação e passo a me valer de um juízo de certeza. Eu vou julgar os embargos e dizer: certamente existe ou não existe a obrigação. E não, provavelmente existe ou não existe a obrigação.

Quando o juiz julga os embargos ao mandado monitório, ele pode dar dois tipos de julgamento. Vamos supor que, primeiro, ele pode desacolher. Como eu estou considerando que os embargos são ação, eu não digo que ele julgou improcedente a ação, mas que julgou improcedentes os embargos. Se ele julgar improcedentes os embargos ao mandado monitório, significa que a verossimilhança se confirmou, ou seja, automaticamente, julgados improcedentes os embargos, o juiz converte o mandado de pagamento e entrega em título executivo judicial, a execução que se segue a partir do julgamento da improcedência dos embargos, é uma execução de título judicial, com base em título 475-J, do CPC que é algo óbvio. Julgou os embargos? Se ele julga os embargos, ele também fixa, óbvio, sucumbência. Quem perdeu os embargos paga honorários para a outra parte. A grande dúvida que surge é a natureza jurídica dessa sentença. Qual é a natureza jurídica da sentença que julga improcedentes os embargos monitórios? A sentença que falou: os embargos não colam, a verossimilhança se confirmar e o mandado de pagamento e entrega está sendo to rnado título executivo judicial. De acordo com a doutrina uniforme, essa sentença, como toda sentença de improcedência, é declaratória. Declara o quê? Declara que o autor não tem razão.

A segunda opção que tem o juiz é julgar procedentes os embargos. Se ele fez isso, é que o juízo de certeza (não é de verossimilhança) que acolhe os embargos nega a existência da obrigação. E se ele nega a existência da obrigação, ele afasta a verossimilhança que ele constatou no começo do processo. Se ele afasta a verossimilhança, ele nega a existência da obrigação e diz: “aquele vale-padaria

129

Page 2: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

que, num primeiro momento parecia representar o crédito, não representa nada, já que ficou provado no processo que quem pegou os pães, não foi o devedor, mas o seu irmão que não estava autorizado a pegar em nome dele. E outra: ele mora sozinho. Como poderia ter consumido tanto?” aqui, também, por óbvio, terá sucumbência. O embargado, réu dos embargos (autor da monitória) vai ter que pagar honorários. E o principal: qual é a natureza jurídica da sentença que julga procedentes os embargos ao mandado monitório? Você lembra que o juiz fez um juízo de verossimilhança e mandou expedir o mandado de pagamento ou entrega? E que esse mandado, caso o cara não contestasse, virava título executivo? Esse mandado, nesse caso específico, foi embargado. Quando o juiz julga os embargos monitórios, para essa teoria, ele não está julgando a monitória, mas os embargos. A natureza só pode ser desconstitutiva. E por quê? Porque desconstitui o mandado de pagamento ou entrega, forjado num juízo de verossimilhança. O embargo extingue a ordem para entregar ou pagar fundada naquele juízo de verossimilhança, que foi afastada pelo juízo de certeza que diz que não existe a obrigação.

Então, essas são as duas opções quando os embargos monitórios forem ação. Para eu fechar, e aí a gente vê o que acontece se a gente considerar os embargos como defesa, uma última observação sobre algo que não tem resposta na doutrina e na jurisprudência, é altamente controvertido nos manuais. A questão é a seguinte: os embargos foram julgados procedentes. Afastou o juízo de verossimilhança. Posso pegar esse documento escrito que o juiz entendeu que não representa a obrigação e entrar com ação de rito comum, cobrando a mesma obrigação? Repito: acolhidos os embargos do mandado monitório, a parte pode repropor pelo rito comum? Se for lá no começo, quando o juiz faz o recebimento da monitória, o que acontece quando ele olha para o documento escrito e diz: “isso não me inspira verossimilhança”? Ele vai mandar emendar ou indeferir a monitória. Nesse caso, pode repropor pelo rito comum. Se lá no começo não passou pelo juízo de verossimilhança, eu posso pegar esse documento e repropor pelo rito comum porque ele não deixou tocar a monitória.

Agora, aqui, a situação é diferente. Ele entendeu que parecia haver a obrigação e tocou a monitória. Chegou no final, ele acolhe os embargos e fala: “a verossimilhança está afastada.” É possível repropor tudo de novo? Existem duas correntes a respeito do tema:

1ª Corrente: “Diz que como o julgamento da procedência dos embargos ocorre no rito ordinário, haveria negativa de existência da própria obrigação, em juízo definitivo, de modo que a coisa julgada impediria a rediscussão.”

É defendida, entre outros, por um autor paraense, Talagão. Para você entender a posição dele: eu entrei com uma ação monitória por conta da caderneta de padaria. No final, o juiz julgou improcedentes os embargos. Ele já se pronunciou sobre a obrigação completa. Ele atestou a inexistência da obrigação. No próprio julgamento dos embargos, que é pelo rito ordinário, ele já se pronunciou pela obrigação completa. Ele afastou a obrigação. O próprio julgamento dos embargos já faria coisa julgada sobre a existência da obrigação. Eu acho que essa posição é a melhor. Mas há uma segunda posição.

2ª Corrente: “Sustenta que no julgamento de procedência dos embargos, seria lícito ao juiz fazer um novo juízo sobre a verossimilhança do

130

Page 3: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

documento escrito, de modo que se ele simplesmente afastasse a obrigação pela falta de prova escrita idônea, poderia haver repropositura pelo rito comum.”

Para essa posição, que é a que me parece que não é certa, se o juiz verificar que o vale da padaria é unilateral e que ele errou naquele juízo de verossimilhança lá no começo, ele poderia nem ter estendido o mandato de pagamento ou entrega, como ele não se pronunciou sobre o “pagou”, “não pagou”, “comprou o pão”, “não comprou”, a parte poderia repropor. Eu adotaria a primeira posição.

Os embargos quando têm natureza de ação, era isso que eu tinha para falar. Agora, eu tenho que te passar a outra maneira: quando os embargos ao mandado monitório deixam de ter natureza de ação e passam a ter natureza de contestação, ou natureza de defesa.

Se você adotar os embargos como natureza de defesa, posição que o STJ às vezes adota, a coisa mudaria de sentido. Isso porque o juiz não vai julgar os embargos, mas a monitória. Então, o que vai ser julgado é a monitória e, obviamente, esse julgamento, tanto quanto o dos embargos não levam a um juízo de cognição sumária, mas a um juízo de cognição exauriente. O juiz vai julgar a monitória num juízo de cognição exauriente, obviamente, fazendo coisa julgada. A ideia aqui é a de que se o juiz faz uma análise da verossimilhança lá no início, é necessário que quando ele julgue a monitória, ele confirme, se há ou não verossimilhança. Até porque a cognição da verossimilhança é provisória que teria que ser substituída por um juízo de certeza que só se daria num segundo momento: em que o juiz julgasse, por sentença, a ação monitória. Da mesma maneira que os embargos, existem duas possibilidades de o juiz julgar (ele não julga aqui os embargos, mas a monitória):

1ª Opção – Improcedência da monitoria. Essa é a primeira possibilidade. Se ele acolher a tese de que a monitória é improcedente, ele afasta a verossimilhança e, consequentemente, nega a existência da obrigação. Ele fala: “ao final, aquele juízo de verossimilhança sobre a caderneta da padaria não se mostrou comprovado vez que faltaram provas suficientes de que houve o consumo de Paes. consequentemente, julgo improcedente a ação monitória e a pessoa não tem direito a reclamar.

2ª Opção – Agora, ele pode também, dentro dessa mesma ótica, julgar procedente a ação monitória. E se fizer isso, o que ele faz? Da mesma maneira que antes, constitui o mandado de pagamento ou entrega como título executivo judicial e, consequentemente, a partir daqui ele diz: “há verossimilhança da obrigação e, portanto, eu confirmo o juízo provisório antes feito sobre a existência ou inexistência da obrigação.” Procedente a monitória, confirma o mandado de pagamento ou entrega que vira título executivo judicial. Improcedente a monitória, afasta a verossimilhança e nega a existência da obrigação. Basicamente são essas as duas variantes, as duas possibilidades que temos.

Toda sentença de improcedência é declaratória. Se o juiz julga improcedente a monitória, ele declara que o autor não tem direito. Então, seria um juízo declaratório de improcedência da monitória. Agora, se for procedente a monitória, existe uma briga na doutrina violenta porque se for procedente, existe obrigação. Então:

131

Page 4: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

1ª Corrente: A sentença de procedência seria declaratória também, porque ela simplesmente confirmaria o juízo de verossimilhança. Para essa corrente, a sentença de procedência é meramente declaratória porque o mandado de pagamento ou entrega já foi expedido. A sentença aqui só

confirmaria aquele juízo de verossimilhança e, consequentemente, a natureza seria declaratória.

2ª Corrente: A sentença de procedência teria natureza constitutiva. Por que? Porque ele transformaria, constituiria o mandado de pagamento ou entrega em título executivo judicial. A consequência prática é que para essa segunda corrente, nós estaríamos diante de uma sentença de cunho constitutivo.

4.7. 7ª Etapa: RECURSOS

Aqui eu vou te mostrar mais uma vez como a jurisprudência é bagunçada a respeito do tema. Eu separei cinco situações diferentes para a gente decidir qual o recurso cabível nessas cinco situações diferentes. Todas relacionadas ao juízo provisório, aquele da expedição do mandado de pagamento ou entrega, ou ao juízo definitivo (que é o julgamento da monitória ou nos embargos por sentença). Eu quero discutir com vocês as variantes a respeito disso.

1ª Situação: Recurso da decisão que indefere a expedição do MPE – Eu entrei com a monitória com base em documento escrito e o juiz falou que não há verossimilhança. Se não há verossimilhança, não é cabível a monitória. Então, ele indefere a expedição do MPE, consequentemente, também indefere a inicial da monitória. Pacífico: indeferimento da inicial, apelação com fundamento no art. 296, do CPC.

2ª Situação: Decisão do juiz que defere a expedição do MPE – Nessa hipótese, o juiz analisou o documento escrito, fez o juízo de verossimilhança e de probabilidade, e chegou à conclusão de que há indícios da existência do crédito. Portanto, ele determinou a expedição do mandado de pagamento ou entrega para que o réu pague ou entregue a coisa no prazo de 15 dias. Sobre essa questão existem duas posições na doutrina a respeito da recorribilidade.

1ª Corrente: Sustentada pelo Eduardo Talamini. Essa seria uma decisão interlocutória e o recurso cabível seria o agravo de instrumento.

2ª Corrente: Dinamarco e Marcato. Essa corrente (que eu prefiro) diz que essa decisão é irrecorrível. E usam o seguinte fundamento para dizer isso: se o cara não concordar com o mandato de pagamento ou entrega ele sofre algum ônus? Ele vai ter algum bem penhorado? O nome dele vai pro SPC? Não. O que ele faz? Ele embarga e prova a inexistência da obrigação. Ele não sofre ônus algum não concordando com o mandato de pagamento ou entrega porque ele pode embargar e provar a inexistência da obrigação. Para esses autores, essa decisão é irrecorrível porque a defesa não vai ser feita no âmbito recursal. Vai ser feita nos embargos. Não existe nenhum gravame pelo qual ele possa querer mudar imediatamente a decisão provisória. Exatamente por ela ser

132

Page 5: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

provisória, ela pode ser mudada a qualquer tempo e a maneira de fazer isso é através dos embargos ao mandado monitório.

3ª Situação: Da decisão que rejeita liminarmente os embargos ao mandato monitório – Vocês viram na aula passada que o STJ para reconvenção e para prazo em dobro ele adota a teoria de que é contestação. Para ônus da prova, adota que é ação. Imagina a situação de que eu entrei com embargos ao mandato da monitória no 20º dia. Manifestamente intempestivo. O juiz então: “está intempestivo, rejeito liminarmente, converto o mandado de pagamento ou entrega em título judicial.” Pela lógica: se você adotar a teoria de que isso é defesa, o processo prossegue porque o que ele vai julgar é a monitória. Se você adotar a teoria de que os embargos são ação, isso é como se fosse um indeferimento da inicial, consequentemente seria uma sentença. Adivinha qual a posição do STJ? De que é ação. O STJ, em julgamento recente, de maio de 2009. O STJ entendeu que da decisão que defere liminarmente os embargos ao mandato monitório cabe apelação porque se trata de uma sentença. Vejam que complicado: a Súmula 392 diz que cabe reconvenção (defesa) aí vem o próprio STJ e diz que da decisão que indefere liminarmente os embargos cabe apelação. Como resolver isso? Não tem solução. A solução é ficar em cima do muro.

4ª Situação: Da sentença que julga procedentes os embargos ou improcedente a monitória – Em bom português, o que o juiz falou aqui: não existe a obrigação. Ele está acolhendo os embargos, com isso, afasta a obrigação. Da sentença que julga procedentes os embargos ou improcedente a monitória, cabe apelação no duplo efeito por causa do art. 520, do CPC, que diz que quando não houver regra diferente, a apelação tem duplo efeito.

5ª Situação: Recurso da decisão que julga improcedentes os embargos ou procedente a monitoria – É aqui que eu vou provar que a monitória não serve para nada e se eu fosse você, nunca entraria com a monitória. O erro da monitória no Brasil vai residir nesta quinta hipótese de recorribilidade. Nessa hipótese, nós estamos reconhecendo a existência da obrigação, já que está desacolhendo os embargos e julgando procedente a monitória. Se está reconhecendo a existência da obrigação, está fazendo o quê? Convertendo o MPE em título judicial. Qual é o grande problema que temos aqui? Quando o juiz expediu o mandado de pagamento e entrega lá atrás, o réu foi citado e embargou. Quando embargou, automaticamente, suspendeu a eficácia do pagamento e entrega. Na hora que você julga os embargos, tecnicamente, o que você acha que deveria ser feito? Cessa a suspensão do mandado e pagamento e entrega (suspensos por causa dos embargos) e se prossegue para compelir o réu a pagar ou entregar a coisa. Não seria o lógico? Na Itália é assim. Na Itália, julgou os embargos, acabou porque consegue-se o prosseguimento da monitória já convertida em execução de título judicial. O grande problema no Brasil é que o legislador entendeu que da decisão que julga dessa maneira os embargos, cabe apelação no duplo efeito. Sabe o que isso significa? Que eu entrei com a monitória, o réu embargou, suspendeu a eficácia do mandado de pagamento ou entrega, o juiz julgou improcedentes os embargos. A pessoa não se conforma e apela. Quando ela apela, automaticamente, mantém a suspensão dos embargos. Você só vai ter a execução quando julgar a apelação (em 5 anos em média em SP). Então, a monitória no Brasil não funciona por isso, por causa desse efeito suspensivo.

Sabe qual é a diferença entre uma monitória e uma ação de cobrança? O risco do cara pagar na monitória e você ficar sem honorários. Se entrar com ação

133

Page 6: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

de cobrança, o cara contestar e o juiz julgar procedente, ele apela no duplo efeito. Na monitória é o mesmo raciocínio. Ele embarga, julgou improcedentes os embargos, ele apela também no duplo efeito. A monitória é um fracasso no Brasil por causa desse efeito suspensivo. Você quer resolver a monitória? Você quer tornar a monitória eficaz? Olha: é pacífico que é duplo efeito. Quem sustenta o contrário, o Marcato, o Dinamarco, sustenta de lege ferenda, com a intenção de mudar. Mas é pacífico que no regime brasileiro, por causa do art. 520, do CPC, que fala nos embargos à execução, haverá duplo efeito. Por isso, se você tirar o efeito suspensivo da monitória ela fica boa porque aí na hora que julgasse os embargos, a execução já começaria. E deixa a apelação rolar no tribunal. Em primeira instância, a execução provisória ia rolando.

5. QUESTÕES PROCESSUAIS CONTROVERTIDAS

5.1. Natureza jurídica da decisão que determina a expedição do MPE

Quando você discute natureza jurídica de uma decisão, geralmente você discute natureza jurídica de sentença. Se é condenatória, declaratória, constitutiva, executiva ou mandamental. Nesse caso, é algo estranho, porque não há dúvida na doutrina de que isso não é uma sentença, que isso é uma decisão interlocutória. Então, a primeira discussão a ser feita, antes da natureza jurídica é: dá para classificar o provimento interlocutório dentro da classificação declaratória, condenatória, constitutiva, executiva ou mandamental? Se é uma decisão interlocutória dá para fazer isso? Parece que dá. Então, superamos essa preliminar. Quando o juiz reconhece a verossimilhança e manda expedir o mandado de pagamento ou entrega, a decisão que ele profere aí tem que natureza jurídica? Na doutrina, há duas posições a respeito do tema.

1ª Corrente: Para alguns autores, essa decisão que expede o mandado, é condenatória. Essa posição não tem como prevalecer porque se a decisão é condenatória, admite execução e quando o juiz expede o mandado de pagamento ou entrega, ele manda o cara pagar ou entregar, mas sem execução. Mas tem gente que sustenta isso. E a segunda posição é tão ruim quanto a primeira.

2ª Corrente: A natureza da decisão que expede o mandado de pagamento ou entrega é mandamental. As decisões de natureza mandamental tem como principal característica é que são vinculadas a uma ordem. O juiz não está condenando. Ele está mandando. E o descumprimento de uma decisão mandamental já é o quê? Medidas de coerção. O grande problema do descumprimento de decisão mandamental é que a decisão mandamental gera medidas de coerção, tipo: “sob pena de desobediência”, “pague sob pena de multa”. É assim que funciona. A decisão mandamental vem atrelada ao caráter da coercibilidade. Ela tem que ter um mecanismo de coerção. E aí vem a pergunta:

quando o juiz expede o mandado, ele fala: “pague ou entregue porque o documento espelha verossimilhança”. Mas pague ou entregue sob pena do quê? De nada!

Para você ver como as duas posições são horrorosas. Mas são as duas que há na doutrina, na falta de uma categoria melhor para classificar essa decisão que expede o mandado de pagamento ou entrega. E essa, na minha opinião, não é uma classificação possível porque à luz dos institutos que temos, não há nada que

134

Page 7: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

explique adequadamente o fenômeno de expedição do mandado de pagamento ou entrega porque é uma decisão provisória que não pode ser executada. E é uma decisão provisória que, caso não cumprida, não traz consequência absolutamente nenhuma pra quem descumpriu. E a conversão em título executivo não é pena. Não é meio de execução indireta. Isso é natural. Se fosse adotar essa posição, a ação de cobrança também seria mandamental, porque o juiz fala “cite-se”, mas cite-se sob pena do quê? De revelia! Percebeu o raciocínio?

5.2. A monitória nunca se prestará para solucionar crises de certeza, mas apenas de adimplemento

O que eu pretendo que você saiba a respeito dessa afirmação é fundamental. O que é certo a se discutir na monitória é a existência de obrigação. Discussão sobre existência de obrigação é crise de adimplemento. É pague ou não pague. Entregue ou não entregue. Existe ou não existe a obrigação. Crise de certeza não envolve a análise da existência ou inexistência de obrigação. Sabe quais são as crises de certeza? São aquelas solucionadas pelos provimentos declaratórios ou constitutivos. Investigação de paternidade, separação. Aí, não tem o “pagou ou não pagou”. Aqui há crises sobre situações jurídicas e não sobre a existência de obrigação.

A consequência prática dessa firmação é que você nunca na sua vida você vai ver no Brasil uma monitória cujo objeto seja uma sentença declaratória ou constitutiva, exatamente porque ela não se presta a debelar crises de certeza, só de adimplemento.

5.3. Monitória é sempre facultativa

Isso é pacífico. É sempre opção do credor. Por que é facultativa sempre? O credor, se quiser, pode pretender não renunciar honorários. Não tem aquele risco do cara pagar sempre? Então, a monitória é sempre opcional.

5.4. Monitória nos Juizados Especiais

Os Juizados Especiais Cíveis têm previsão na Lei 9.099/95 e os Federais na Lei 10.259/01. Posso entrar com monitória nos juizados? Qual é o problema de entrar com monitória nos juizados? É que o procedimento nos juizados é sumaríssimo. Ele já é, por si só, um procedimento especialíssimo. E a monitória também tem procedimento especialíssimo. Como compatibilizar a monitória com os juizados especiais? A monitória não é muito compatível com esse rito. Existem duas posições na doutrina a respeito do cabimento da monitória nos juizados especiais.

1ª Corrente: É a posição da minha preferência. Eu acho que não cabe monitória nos juizados. E estou bem acompanhado pelo FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais) e tem o FONAJEF (Juizados Especiais Federais), composto por representantes de todos os estados do Brasil que militam nos juizados (juízes e desembargadores) para discutir os problemas dos juizados. Todos os anos eles emitem os enunciados do FONAJE, que são consolidações das interpretações dos juizados de todo o Brasil. São como súmulas,

135

Page 8: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

mas sem caráter vinculante. São só orientações. E o enunciado 08, do FONAJE diz que não cabe nenhum procedimento especial nos juizados especiais.

FONAJE: Enunciado 8 - As ações cíveis sujeitas aos procedimentos especiais não são admissíveis nos Juizados Especiais.

2ª Corrente: Capitaneada pelo Néri. Cabe monitória nos juizados. A única diferença que eles fazem questão de ressalvar é que o primeiro ato no juizado é para marcar audiência de conciliação. O juiz faz o juízo de verossimilhança, determina a expedição do mandado de pagamento ou entrega em

audiência de conciliação. Você expede o mandado, não para o caboclo pagar ou entregar extrajudicialmente, mas ele vai pagar ou entregar, não no prazo de 15 dias, mas na audiência de conciliação. Então, expede o mandado de pagamento ou entrega e marca a audiência de conciliação. Marcando essa audiência, o devedor ali teria que entregar. E se ele não comparece? Converteria o

mandado de pagamento em título executivo judicial. E se ele comparece e não quisesse entregar? Aí ele embargaria.

5.5. Ação monitória contra a Fazenda Pública

Essa discussão está completamente superada. Vamos à Súmula 339, do STJ:

STJ Súmula nº 339 - DJ 30.05.2007 - É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública.

A turma que defendia que não cabia, usava como fundamento o reexame necessário. Eu entro com a monitória. Se a Fazenda não contestar, o que acontece? Vai converter o mandado de pagamento em título. Precisaria, pela doutrina, de reexame necessário porque é sentença condenatória proferida contra o Poder Público. O STJ afastou essa discussão, falando que, nesse caso, a conversão é ex vi legis e, consequentemente, não tem que falar em reexame necessário porque depende de um ato do juiz. A vontade do legislador, aqui, afasta o reexame necessário. Por isso que a súmula 339, do STJ diz que cabe monitória. E aí começa uma execução de título judicial contra a Fazenda? Começa! E como é que isso acontece? Converte o mandado de pagamento ou entrega em título executivo judicial. E o que você faz? Cita a Fazenda para opor embargos no prazo de 30 dias ou, não opostos os embargos, expede-se precatório e você entra na fila. Dá para compatibilizar com execução de título judicial, não muda nada.

5.6. Ação monitória contra a incapaz

Desde que o credor não seja o representante do incapaz (porque se for representante do incapaz, não cabe. Não dá para entrar com ação cobrando seu próprio tutelado e defendê-lo ao mesmo tempo. Nesse caso, é melhor não caber a monitória), cabe ação monitória, mas apenas para fins de pagamento com isenção de custas e honorários e embargos, nunca para conversão ex legis em título judicial.

Eu sou credor, entro contra o incapaz que vem representado por alguém. E quem representa o incapaz tem duas opções: pagar para ter isenção de custas, ou

136

Page 9: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

embargar. Se ele não fizer nada disso, entende-se que não pode converter o mandado de pagamento ou entrega em título executivo judicial. Alguém sugere por quê? O direito do incapaz é indisponível. Teria que atuar o MP, o que quebraria o procedimento da monitória. Por esse motivo, entende-se que, nessa hipótese específica não cabe a conversão automática do mandado de pagamento em título judicial porque além do direito do incapaz ser indisponível, você teria que ter a atuação do MP, algo que é incompatível com o rito da monitória. Isso é o que diz a doutrina a respeito do tema.

5.7. Ação monitória e tutela antecipada

Há compatibilidade entre monitória e tutela antecipada. E por que há compatibilidade? Porque pode ser que a verossimilhança seja tanta, que o juiz não expeça só o mandado de pagamento ou entrega. Mas já mande o cara pagar com força executiva. Eu mostro para o juiz que se ele não pagar agora eu morro de fome, eu sofro um dano irreparável ou de difícil reparação. O juiz pode mandar expedir o mandado de pagamento ou entrega e, ao mesmo tempo, conceder tutela antecipada para determinar o imediato pagamento, pagamento esse que não vai ser feito voluntariamente. Trata-se de uma decisão antecipatória de tutela. Se a pessoa não cumprir, você faz o quê? Executa! Então, há compatibilidade entre a monitória e a tutela antecipada. Eu posso perfeitamente determinar o pagamento imediato sob pena de execução desde que presentes os requisitos do art. 273, do CPC. Apesar de caber, em tese, eu nunca vi nenhuma. Isso é pacífico na doutrina.

Uma bela maneira de acabar com aquele suspensivo da apelação, o que o juiz poderia fazer na hora que julga os embargos ao mandado monitório? Ele dá a tutela antecipada na sentença porque aí a apelação não vai ter efeito suspensivo. O art. 520, VII fala que a apelação da sentença que deu tutela antecipada não tem efeito suspensivo. Seria uma forma legal da gente poder acabar com isso.

5.8. Execução da monitória e impugnação ao cumprimento de sentença – art. 475-L, CPC

Nós vimos e está todo mundo convicto que a monitória, caso o devedor não embargue, converte em título judicial. Caso os embargos sejam julgados improcedentes, converte-se em título extrajudicial. Ou seja, o resultado da monitória, em regra, leva à conversão do MPE em título judicial. A questão é: começou a execução de título judicial e o devedor pode apresentar, para se defender da execução de título judicial, impugnação com base no art. 475-L, do CPC. Se a conversão for por conta do julgamento dos embargos ao mandado de pagamento ou entrega (o juiz, portanto, aceitou a defesa do devedor a respeito), a impugnação na execução só pode versar sobre as matérias do art. 475-L, do CPC. Essa conversão em título judicial se operou. O réu vai ser citado para pagar em 15 dias sob pena de multa. Ele vai poder impugnar a execução? Vai! Mas só no que tange às matérias do art. 475-L, do CPC, porque se trata de título judicial. Isso não tem dúvida. Não precisava nem falar. Mas o que gera dúvida é o seguinte:

E quando a conversão do MPE em título judicial se dá ex vi legis, ou seja, pela inércia o embargado? O cara não embargou, virou título executivo judicial, começa a execução, cumprimento de sentença. Se ele não pagar em 15 dias, o que acontece? Multa. Penhorei um bem. A pergunta é: ele pode se defender na

137

Page 10: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

execução? Pode. Através do quê? De impugnação na execução. É a partir daqui que surge a controvérsia porque:

1ª Corrente: Existe uma primeira posição na doutrina (que é a que eu prefiro) que diz que não tem discussão porque foi uma opção puramente dele não se defender. Ele renunciou a todas as defesas possíveis nos embargos ao mandado monitório. A consequência é que na impugnação dele, só pode alegar o art. 475-L. Ou seja, ele só pode apresentar aquelas defesas que o devedor de qualquer título judicial poderia apresentar.

2ª Corrente: Mas existe uma segunda posição na doutrina (Néri) que diz o seguinte: se não teve alguma discussão sobre a existência do crédito na monitória (não teve porque ele não embargou), então, seria demasiadamente formal que você permitisse que o devedor impugnasse só com base na

matéria do art. 475-L. Apesar de ser impugnação, o devedor pode alegar qualquer matéria que esteja no art. 475, do CPC. É uma impugnação de sentença, mas o assunto que vai ser versado nele é dos embargos à execução de título extrajudicial. É uma maneira interessante de você analisar a questão,

principalmente porque o art. 475 fala que você pode alegar tudo isso, ou seja, qualquer matéria que lhe seja lícito deduzir como matéria de defesa no processo de conhecimento. Ou seja, ou vou poder negar, inclusive, a existência da própria obrigação. Eu vou reabrir toda discussão que deveria ter sido feita nos embargos ao mandado monitório.

Não me parece que tenha sido essa a intenção da legislação brasileira. Eu acho que é só o art. 475-L e ponto! Você teve a chance de se defender nos embargos. Não se defendeu? Problema seu! Não venha querer discutir tudo porque senão, sabe o que vai acontecer? O caboclo não embarga nunca. Ele deixa tocar para discutir tudo na execução e não dá para ser assim.

5.9. Súmula 384

Súmula que saiu em junho de 2009:

STJ Súmula: 384 - Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia.

O DL 911/69 que trata do tema, diz que o credor pode pegar o bem do devedor que não pagou a dívida para vender extrajudicialmente no leilão. Vende no leilão, e abate o valor da dívida que ele tem com você. O cara deve 20 você vende o fusca do cara por 10. Abate 10 da dívida, mas o cara ainda deve 10 mil. O que ele pode fazer? Pegar o contrato, o demonstrativo do débito do 20 e o recibo de venda do carro por dez. Junta todos esses documentos e: monitória contra o devedor. Monitória porque existe uma prova escrita sem eficácia de título executivo que representa adequadamente a obrigação. Eu nunca vi na minha vida uma venda extrajudicial que desse valor maior do que o da dívida.

(Intervalo)

138

Page 11: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

AÇÃO MONITÓRIA

139

Page 12: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUALLei 12.016/09

O mandado de segurança tem um procedimento especial, mas da legislação extravagante. E temos que dar todo destaque do mundo ao mandado de segurança porque no dia 07/08/09 saiu a nova Lei de Mandado de Segurança, que é a Lei 12.016/09. A gente vai trabalhar esse tema com calma.

Como eu faço todo início de tema novo, eu indico bibliografia. Os livros no mercado, os tradicionais estão desatualizados. Quais são? Aquele verde do Hely,mas que não está atualizado. E tem um livro do Cassio Scarpinella Bueno. Este está atualizado. Eu também escrevi com dois colegas (Procuradores do Estado). Esse livro saiu pela Método, com prefácio de Teresa Wambier. No mercado, a gente tem poucos livros atualizados.

1. HISTÓRICO

Vamos fazer uma breve análise histórica porque naquela maldita prova de certo e errado da Cespe cai parte histórica.

O fato é que antes de 1934, não havia no Brasil previsão de cabimento do mandado de segurança. Antes de 1934, vale destacar, a Constituição vigente era a de 1891, a constituição Republicana. Essa Constituição não previu o mandado de segurança. Na época, entendia-se que o habeas corpus servia para a tutela de todos os direitos, mesmo aqueles que não fossem para proteger liberdade de locomoção. Então, antes de 1934, não havia mandado de segurança, mas havia a possibilidade de você usar o habeas corpus para controle de qualquer situação em que o Estado praticasse um ato ilegal. O HC, portanto, fazia as vezes de MS antes de 1934.

Getúlio assumiu em 1930. Em 1934 fez uma nova Constituição. Mandado de Segurança é igual jabuticaba. Só tem no brasil. Ele nasce em 1934, já com essa finalidade que ele tem hoje, de controlar os atos de poder, de Estado. É instrumento tipicamente brasileiro. Hoje, todo mundo sabe que cabe mandado de segurança contra direito líquido e certo. Antigamente falava-se em direito certo e incontestável. Isso durou até 1988: “Direito certo e incontestável.” Se você vir essa referencia numa prova, não se assuste. Era a referencia que se fazia antigamente.

Em 1937, Getúlio fechou o congresso e outorgou a Constituição de 1937. Em 1937 há uma terceira etapa da vida do mandado de segurança. Num momento totalitário, foi suprimido do texto constitucional a previsão do mandado de segurança. Entretanto, o destaque que eu faço nessa terceira etapa é que, apesar de cair fora do texto constitucional, ele continuou existindo. No CPC de 1939 havia previsão do mandado de segurança. Em 1939, o mandado de segurança era legislação especial do CPC e não de legislação extravagante como é hoje. Então,

140

Page 13: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

apesar de o mandado de segurança ter saído da Constituição Federal em 1937, o CPC fazia essa previsão. Ele não deixou de existir. Apenas saiu da Constituição Federal. Continuou a existir por norma constitucional.

A quarta etapa do histórico acontece em 1946, quando se deu o chamado respiro democrático, em que o Brasil viveu um pequeno período de democracia entre Getúlio e o Regime Militar. Em 1946 vem uma nova Constituição que reinsere o MS em nível constitucional, que foi regulamentado pela atual lei revogada. Foi nesse período que surgiram as leis: 1533/51, 4166/62, 4348/64 e 5021/66. Essas quatro leis são leis de mandado de segurança. Todas nasceram à luz da Constituição de 1946. A Lei do Mandado de Segurança revogada fazia várias referências à Constituição e essa Constituição era a de 1946.

1967-1969: Ficou mantido no texto constitucional, o MS. Apenas no papel, evidentemente. Se você entrasse com o MS contra o regime militar, o AI-5 se ocupava dele.

Finalmente, a constituição de 1988, que traz duas novidades:

Art. 5º, LXIX – Substitui-se a expressão direito “certo e incontestável” por “direito líquido e certo.”

LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líqüido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

A segunda novidade é que a CF/88 criou outro instituto que não existe em nenhum outro lugar no mundo, que é o mandado de segurança coletivo: art. 5º, LXX, da CF:

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

O mandado de segurança coletivo não funciona no Brasil.

A última etapa da nossa história veio agora, no dia 07/08/09, quando Lula sancionou a Lei 12.016/09, cujo art. 28 disse que entrou em vigor na data da sua publicação. Eu tenho que falar um pouco sobre ela com vocês, para que vocês entendam o que está por detrás dela. A criação dessa lei partiu de um ato do AGU em 1996. portanto, ela partiu de uma iniciativa do AGU em 1996 (foram treze anos). E Gilmar Mendes era o AGU, que nomeou uma comissão de juristas para participar da elaboração. Todos juristas de peso: Arnold Wald, Carlos Alberto Meneses Direito, Caio Tácito. Eles elaboraram esse anteprojeto de lei com três propósitos claros.

141

Page 14: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

O primeiro propósito principal é a consolidação da disciplina do MS em um único diploma. Eu falei de 4 leis que foram realizadas de 1946 em diante que disciplinaram o MS. Essas quatro leis, de acordo com o art. 29, da nova lei, foram expressamente revogadas:

Art. 29. Revogam-se as Leis nºs 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4 de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3º da Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1º da Lei nº 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei nº 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e o art. 2º da Lei nº 9.259, de 9 de janeiro de 1996.

Na verdade, elas foram incorporadas ao texto da Lei 12.016/09. o primeiro propósito foi esse.

O segundo propósito da comissão foi compatibilizar o tratamento do tema com a Constituição de 1988 (as leis que regulamentavam o tema nasceram sob a égide da Constituição de 1946) e com a jurisprudência construída desde 1951, especialmente súmulas. Você vai ver que um monte de coisa sobre mandado de segurança que estava sumulado, agora está positivado, a exemplo, da Súmula 512, do STF: “não tem honorários advocatícios em MS.” Isso, que era uma súmula, agora está expressamente previsto na nova lei, no seu art. 25:

Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.

O terceiro e último propósito da nova Lei de Mandado de Segurança foi disciplinar o MS originário (aquele que já é impetrado nos tribunais: TJ, TRF, STJ, STF, em segundo grau para cima) e regulamentar o MS coletivo. Em 1988 ele foi criado, mas até 2009 não havia regulamentação. Agora resolveu o problema porque o terceiro propósito era regulamentar o MS originário e o MS coletivo, que nasceu em 1988 e precisou de 20 anos para regulamentar o tema.

Esses são os três propósitos que foram alcançados. Mas essa, na verdade, foi uma leizinha meia-boca que não inovou em praticamente nada e, pior, acabou com o mandado de segurança coletivo. Quando não tinha previsão legal, a gente interpretava. Com a previsão legal que fizeram para o MS, limitaram absurdamente o cabimento do MS coletivo. Não é a toa que partiu da AGU. Ou seja, você sabe quem foi o único beneficiado com essa nova lei? O Poder Público. Com todo o respeito, são juristas de primeira grandeza, mas a lei deixou muito a desejar. Tanta coisa que dava para falar e eles não falaram. Por exemplo, quem é o réu no MS? É a pessoa jurídica ou é a pessoa física da autoridade coatora? Acabaram com essa dúvida? Não. Colocaram os mesmos dispositivos e continuamos com dúvidas na jurisprudência. Em vez de fazerem uma disciplina meticulosa sobre a competência, não previram esse tema tortuoso.

2. PREVISÃO LEGAL E SUMULAR

142

Page 15: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

A norma central do mandado de segurança é o art. 5.º LXXIX e LXX da Constituição e também a Lei 12.016/09.

Além dessas leis centrais, eu tenho duas leis paralelas, que não tratam diretamente do mandado de segurança, mas acabavam fazendo referência a ele. Então, diretamente continuam sendo aplicáveis. É a Lei 8.437/92 e 9.494/97. Quem quer concurso para advocacia pública de modo geral, tem que saber essas leis de trás para frente, de cor e salteado porque são as duas leis que disciplinam o processo civil contra o poder público. São leis paralelas a respeito de mandado de segurança. Não tratam diretamente do tema.

E também o CPC. Aqui a gente vai perder um tempinho, nessa questão do Código de Processo Civil. Mas antes disso, eu chamo ao destaque o art. 24 da nova Le, que repete o art. 19, da lei anterior. A ideia é idêntica. O art. 24 fala o seguinte:

Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Ou seja, tudo o que tem no CPC sobre litisconsórcio, aplica-se ao mandado de segurança. Acontece que esse art. 24 esconde uma discussão por detrás, muito maior do que a própria discussão sobre litisconsórcio, que é a questão da aplicação subsidiária do CPC ao mandado de segurança. É essa dúvida que há: aplicação subsidiária do CPC ao mandado de segurança. É uma discussão interessante.

Num passado não muito distante (inclusive há julgado até hoje nesse sentido), a jurisprudência interpretava esse art. 24 (outrora 19) da seguinte maneira (a anterior é diferente da interpretação atual). Quando esse artigo diz que se aplica ao mandado de segurança as regras sobre litisconsórcio previstas no CPC, a contrario sensu diz que o resto não aplica. Então, a partir do falecido art. 19, hoje, art. 24, grande parte da doutrina e da jurisprudência sustentavam a não aplicação subsidiária do CPC ao MS. Consequência: a Lei do Mandado de Segurança é um microssistema normativo, como é a Lei 9.099, ou seja, todos os problemas têm que ser solucionados à luz da própria lei. Você sabe ao quê essa interpretação levou? Essa interpretação que diz que não cabe aplicação subsidiária do CPC ao MS? Levou à seguinte interpretação: eu tenho uma lista de julgados nesse sentido, inclusive uma decisão do STJ de 2001 (relativamente recente para uma jurisprudência de mais de 70 anos), negando o cabimento de agravo de instrumento no mandado de segurança. Você entrava com mandado de segurança e o juiz indeferia liminar. Todo mundo sabe que de decisão que indefere liminar cabe mandado de segurança porque eles falavam não tem previsão na lei de MS para agravo. E se é assim, eu não posso aplicar o CPC subsidiariamente porque o art. 19 (agora o art. 24) diz que só se aplicam as regras do litisconsórcio. Consequentemente, é dessa época o entendimento absurdo de que da decisão do juiz que indefere a liminar no mandado de segurança, que não cabe agravo, sabe o que cabe? Outro mandado de segurança. Como não cabe agravo, o expediente que você tem que usar nas vias processuais, quando não cabe recurso, é o próprio mandado de segurança. É dessa época, por exemplo, o entendimento de que não cabia no mandado de segurança outras intervenções de terceiro. E por quê? Porque senão tinha previsão na lei do mandado de segurança, consequentemente, não podia aplicar.

143

Page 16: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Acontece que de 200 para cá, embora ainda se achem vários julgados dessa corrente, a jurisprudência do STJ evoluiu profundamente e hoje parece estar pacificado no âmbito do STJ o entendimento pela plena aplicação subsidiária do CPC à Lei do MS. Por exemplo, no STJ diz que cabe agravo de instrumento em mandado de segurança. Da decisão do juiz que indefere a liminar, não cabe mandado de segurança, cabe agravo de instrumento. Aliás, se havia alguma discussão sobre o cabimento do agravo, essa discussão acabou porque hoje tem disposição legal expressa (art. 15, § 3º, da nova lei):

§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

Então, a discussão sobre agravo, acabou. Mas mesmo que não tivesse na lei, a jurisprudência do STJ já teria resolvido.

Outra discussão interessante: outro dispositivo do CPC que aplica por conta da interpretação que aplica o CPC subsidiariamente. Um exemplo é o art. 241. Há alguns artigos do CPC que a gente não dá muito valor para eles, mas eles são muito importantes. O art. 241 fala do início do prazo para a contestação, que diz que começa a correr o prazo da juntada aos autos do mandado de citação (do AR, da precatória). Não tem previsão na LMS de quando começa a correr o prazo para a autoridade coatora começar a prestar informações. Se eu não aplicar o CPC vou usar o quê para usar esse prazo?

Questão da aplicação do art. 515, § 3º, ao MS:

Art. 515, § 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Acrescentado pela L-0010.352-2001)

Na jurisprudência do STJ há julgados nos dois sentidos. O art. 515, § 3º, fala da aplicação da Teoria da Causa Madura. Quando a questão for puramente de direito e não precisar de prova, o tribunal não precisa anular a sentença extintiva ele pode julgar já o mérito. No âmbito do STJ, você encontra julgados que adotam a posição mais antiga dizendo que não aplica porque não tem previsão na lei de mandado de segurança. Mas há julgados dizendo que como se aplica o CPC ao MS, você aplicaria o art. 515, § 3º. Há muita divergência de posição. A Procuradoria/SP coloca uma questão dizendo que não se aplica a Teoria da Causa Madura no recurso ordinário em MS. Mas há vários julgados dizendo que aplica. Não pode colocar uma questão dessa em concurso. Eles tiveram que anular a questão. E é óbvio é que a tendência é pela aplicabilidade, em razão da evolução da disciplina da matéria.

Mas é importante se dizer que cabe aplicação subsidiária do CPC à Lei do MS. Apesar dessa evolução que está acontecendo, ainda restaram alguns entendimentos (ou pelo menos um entendimento) que não tem lógica frente à

144

Page 17: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

aplicabilidade do CPC. Por exemplo, é o entendimento esboçado nas Súmulas 597, do STF e 169/STJ, que falam a mesma coisa:

STF Súmula nº 597 - DJ de 5/1/1977, p. 64 – Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança decidiu, por maioria de votos, a apelação.

Sabe por que o STF editou essa súmula? É porque não tinha previsão de embargos infringentes na LMS. Acontece que a jurisprudência evoluiu e falou que se aplica subsidiariamente. O que deveria acontecer com essa súmula? O cancelamento. Tecnicamente, essa súmula deveria ser cancelada. E por que não vai ser cancelada? Porque a nova lei falou expressamente no art. 25. Antes não tinha previsão, então tinha que caber porque se aplicava subsidiariamente o CPC. Agora tem previsão. E qual é a previsão do art. 25? Que não cabem os embargos infringentes.

STJ Súmula nº 169 - DJ 22.10.1996 - São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.

Se tem um tema que você precisa estudar súmula é mandado de segurança. A leitura da súmula sobre MS já é praticamente um curso sobre MS. Durante a aula, falaremos sobre elas, mas neste momento, eu gostaria de passar quais são.

Súmulas do STJ : 41, 105, 169, 177, 202, 212, 213, 333 e 376.

Súmulas do STF : 101, 266 até 272, 304, 392, 405, 429, 430, 433, 474, 506, 510 até 512, 597, 622 até 632 e 701.

Essas são as súmulas sobre mandado de segurança.

3. CONCEITO

Existe um conceito da doutrina e da lei. E temos que trabalhar com ambos.

Conceito da doutrina (de Kasuo Watanabe): “É o instrumento diferenciado e reforçado de eficácia potenciada que ativa a jurisdição constitucional das liberdades públicas.”

A ideia do professor Kasuo Watanabe é que o mandado de segurança seria uma ferramenta fundamental para que eu ativasse a tutela das garantias constitucionais. Nessa medida em que eu ativo a tutela das garantias constitucionais, o mandado de segurança se destacaria já que a eficácia dele é muito maior do que a dos demais instrumentos colocados pelo sistema.

Conceito legal de mandado de segurança é diferente porque ele decorre expressamente do art. 5.º, LXIX da CF e, por questões didáticas, vamos dissecar esse conceito em vários itens. Depois eu pego item por item e trabalhamos.

145

Page 18: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líqüido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

3.1. Mandado de segurança é uma garantia

Para você ter ideia do que é garantia, Rui Barbosa conseguiu explicar isso. Ele fazia uma distinção entre direitos, deveres e garantias. E isso merece sua atenção.

“Direitos e deveres são dispositivos declaratórios, variando entre eles apenas a sujeição”.

Ou seja, toda vez que a CF enuncia algo, ela faz isso apontando para mim como sujeito passivo ou para mim como sujeito ativo. Se sou o sujeito passivo do enunciado, é dever. Se eu sou o sujeito ativo, é direito.

“Garantias, para Rui Barbosa, seriam os dispositivos assecuratórios, os dispositivos garantidores dos direitos.”

E ele até faz a seguinte observação: inclusive, costumam constar do mesmo dispositivo constitucional. Ele enuncia o direito e já dá a garantia.

Rui Barbosa, para explicar essa sua teoria, dá o seguinte exemplo: a Constituição vem e diz que todos são livres, portanto, é um direito, já que está apontado para mim. Portanto, se for afrontada minha liberdade, eu tenho as seguintes garantais para poder restabelecer ou reparar a liberdade:

Habeas corpus e a Indenização por erro judicial, prevista especificamente para as

hipóteses de crime.

Então, a liberdade seria o direito, o habeas corpus e a ação de indenização por erro judicial, as garantias. Ele fala que a privacidade é um direito (há um dispositivo constitucional que expressamente diz que todos temos direito à vida privada). O sujeito ativo da vida privada sou eu. Mas qual é a gratinai, qual é o instrumento que o Estado me deu para garantir a preservação da minha privacidade? Olhando os dispositivos constitucionais você vai ver que estão lá a inviolabilidade de domicílio, telefônica, de correspondência, etc. Enfim, o que eu quero é que você perceba que os instrumentos garantidores da privacidade correspondem à proteção do domicílio, às comunicações telefônicas e às correspondências.

E o mandado de segurança? É garantia para proteger o quê? Que direito o mandado segurança protege? Aqui, Rui Barbosa, vem com toda técnica que lhe era peculiar para dizer o seguinte: a principal característica de um Estado que se diz de direito é que o próprio Estado elaborador da norma também se sujeita à norma. Diferentemente da época do Estado absolutista, em que o rei fazia e desfazia a lei conforme a sua vontade. A vontade do Estado era a vontade do rei. Aqui, o próprio

146

Page 19: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Estado que fez a norma, também tem que respeitar a própria norma que ele elaborou. Caso o Estado que deveria obedecer a norma, não obedeça, caso o Estado não corresponda à ideia do Estado de direito, a garantia para poder tutelar o Estado e obrigá-lo a seguir a lei é o mandado de segurança. E conclui que para garantir o Estado de direito (direito de todo nós), a garantia é o mandado de segurança.

De acordo com o art. 60, § 4º, IV, da CF, as garantias previstas na CF são cláusulas pétreas. Qual é a consequência prática? No Brasil não dá, nem por emenda, retirar o mandado de segurança do texto constitucional, como fez Getúlio na Constituição de 1937.

3.2. Mandado de segurança é direito individual ou coletivo

Aqui eu não tenho nada para acrescentar, a não ser que no Brasil o mandado de segurança se presta para a defesa, tanto dos interesses individuais, quanto dos coletivos, ou seja, metaindividuais. Tanto dos interesses de um único indivíduo, quanto o de uma coletividade. Vamos conversar sobre mandado de segurança coletivo nas aulas de direitos difusos, mas pela nova lei, o art. 21, § único, o mandado de segurança coletivo só cabe na tutela dos interesses coletivos, individuais homogêneos. Ele deixa de fora os difusos. Eles limitaram o cabimento do mandado de segurança coletivo só aos interesses coletivos e aos interesses individuais homogêneos. Consequentemente, não cabe nos difusos de acordo com a nova lei do MS. Mas as repercussões práticas disso, veremos quando eu falar sobre MS coletivo.

Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:

I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

3.3. Mandado de segurança e direito líquido e certo

Toda vez que você entra com uma ação, essa ação tem um suporte. Esse suporte, nós no Brasil, chamamos de causa de pedir. Toda ação, sem exceção, no Brasil pelo menos, onde adotamos a teoria da substanciação, é composta de dois tipos de suporte:

1º) Suporte de fato – quando eu entro com uma ação, eu narro uma situação de fato, conto para o juiz uma história. Mas, sem prejuízo dessa situação de fato, apresentamos também um:

2º) Suporte de direito – Isso não responde aquilo que a doutrina confusamente chama de causa de pedir próxima e remota. E quem já está estudando isso há mais tempo, sabe que é uma bagunça, porque tem autores

147

Page 20: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

que falam que a próxima é o fato e a remota é o direito. E há autores que falam que a remota é o fato e a próxima é o direito.

Acontece que o MS não seria diferente. Também para o MS eu preciso de um suporte de fato e de direito. A diferença do MS para as demais ações, e a ideia de direito líquido e certo surge a partir disso, é que, quanto ao suporte de fato, tem que haver incontrovérsia. Ou seja, não pode haver dúvida sobre a ocorrência do fato. A inexistência de dúvida sobre o fato só ocorre se nós estivermos diante de uma demonstração cabal pelo autor da ação da ocorrência desse fato. E a única maneira de se demonstrar cabalmente a existência de fato, sem dúvida, é através da prova documental que, de todas as provas existentes no sistema processual é o único tipo de prova que é considerado prova pré-constituída, na medida em que se trata de um evento cuja existência já pode ser documentada antes do ajuizamento da ação. Prova pré-constituída é prova documental, que já existe antes do ajuizamento da ação.

Isso quer dizer que se entro com o MS, eu tenho que provar cabalmente a ocorrência do suporte de fato e essa prova tem que ser feita por prova documental. Isso porque o MS não admite dilação probatória. Significa dizer que não vou poder produzir perícia, não vou poder ouvir testemunha. Não vou poder fazer mais nada, senão apresentar documentos na inicial. Foi uma opção do legislador, a bem da celeridade. Você poderia imaginar o mandado de segurança com prova testemunhal, mas não seria tão rápido. Então, o legislador fez uma opção: quando se tratar de mandado de segurança, só cabe prova documental pré-constituída.

De acordo com a doutrina brasileira, a existência de prova pré-constituída é uma condição especial da ação mandamental. Aliás, condição especial ligada intimamente ao interesse processual. Você se lembra que o interesse processual tem duas vertentes? O interesse processual necessidade e o interesse processual adequação. Quando eu entro com o mandado de segurança sem a prova pré-constituída me falece o interesse processual adequação porque a medida não é adequada, já que eu vou precisar produzir provas. Consequentemente, o que o juiz faz? Extingue o processo. Indefere a inicial por falta de interesse processual adequação. É possível até que você tenha o direito, mas você não tem prova pré-constituída do fato incontroverso, então, não pode se valer do mandado de segurança.

Na minha experiência profissional, eu tenho exemplos de mandados de segurança típicos de indeferimento. Eu indefiro todos. O caboclo entra com mandado de segurança porque tomou multa, dizendo que não dirigiu o carro naquele dia. Eu quero que ele me prove pré-constituidamente que ele não dirigiu o carro naquele dia ou que alguém da família dele não dirigiu o carro naquele dia. Daria para trazer prova pré-constituída? Daria. Ele me prova que o carro dele foi roubado. É casuístico. Eu peguei um caso de um decreto expropriatório para tomar a área de uma pessoa. Ela entrou com mandado de segurança dizendo que se expropriarem, vão um aterro sanitário, vulgo lixão, dizendo que aquilo afetaria o lençol freático, toda água da cidade. Como é que ela vai provar que aquilo vai acontecer? Mandado de segurança? Vale ação popular, ação civil pública. Mandado de segurança, não.

O suporte de fato tem que ser incontroverso. A minha dúvida (e essa é uma dúvida que não existe mais, porque já está resolvido) é se a matéria de direito pode ser controvertida. E essa dúvida sobre a controvérsia da matéria de direito ela

148

Page 21: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

acabou com a Súmula 625, pelo STF. Por que o Supremo editar uma súmula para resolver esse problema? Porque num passado, não muito distante, entrar com mandado de segurança e um mandado de segurança horroroso para julgar é esse para discutir índice de aumento de setor público. O cara entra, dizendo que tem direito a um reajuste de 3,33% e passa por umas cinco leis que foram alterando o vencimento do servidor público. Essas ações são dificílimas de julgar porque você tem que verificar 5 ou 6 leis e a evolução no tratamento do salário do caboclo na legislação. E na legislação municipal, que é mais confuso ainda. A juizada tava fazendo o seguinte: nessas ações que discutiam matéria jurídica complexa, indeferia a inicial dizendo que não há direito líquido e certo porque há controvérsia na matéria. A matéria é intrincada. No mandado de segurança, a controvérsia tem que ser de fato e naqueles casos havia controvérsia de fato. Estava lá: eu sou professor e estava na ativa no período dessas cinco leis. Não há dúvida quanto a isso. Agora, matéria de direito, essa tem que ser enfrentada. Por isso, o STF editou essa súmula, a 625, dizendo que controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança. O direito pode ser controvertido.

Para encerrar o direito líquido e certo, eu tenho três observações:

1ª Observação: Qual é a relação entre ação monitória e mandado de segurança? Eu tenho certeza que isso pode ser perguntado. Ambas são processos documentais. Essa é a relação. Exigem prova documental. É uma relação que passa despercebida por grande parte dos estudiosos do tema.

2ª Observação: Da mesma maneira que a monitória, tem-se entendido que não é possível a documentalização da prova oral para fins de impetração do mandado de segurança. Não dá para pegar três testemunhas, ir lá no cartório de notas e fazer uma escritura declarando que a pessoa no dirigia o carro para que possa entrar com mandado de segurança porque isso seria uma forma de transformar prova oral em documento, burlando a sistemática da lei. E isso não é possível.

3ª Observação: Existe uma única hipótese em que é possível a impetração de mandado de segurança sem a prova documental. E essa hipótese que já existia na anterior lei e continua existindo na atual está no art. 6º, §§ 1º e 2º, da nova Lei de Mandado de Segurança. É a única hipótese que você pode entrar sem a prova documental:

§ 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição.

149

Page 22: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

§ 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação.

A lei não estabelece sanção para o descumprimento, caso a autoridade coatora não junta o documento. Alguém sugere o que o juiz pode fazer? Eu posso aplicar, subsidiariamente, os arts. 355 e seguintes, do CPC, que tratam da exibição de documento. Olha o que diz o art. 259:

Art. 359 - Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do Art. 357; II - se a recusa for havida por ilegítima.

Quer dizer, se eu falo que o documento da prova está com a autoridade coatora, ela não junta, eu presumo que o fato é incontroverso. Eu tenho que aplicar subsidiariamente o CPC, até por falta de recurso. Então, se o documento está com a autoridade coatora, presumo como verdadeiro. E se o documento estiver com terceiro? A lei não fala que pode requerer de terceiro? Olha o que diz o art. 362:

Art. 362 - Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz lhe ordenará que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência.

Você percebeu que é útil a aplicação subsidiária do CPC. Tem que aplicar!

(Intervalo) 3.4. Não amparado por HC ou HD

Tem-se entendido que o mandado de segurança tem caráter residual. E essa ideia parte exatamente do raciocínio de que só cabe mandado de segurança se não houver habeas corpus e habeas data. Até aqui, nenhuma novidade. Sobre o habeas corpus, também não tem dificuldade porque, afinal de contas, se você vai discutir liberdade de locomoção, não tem dúvida, você entra com habeas corpus.

Quanto ao habeas data, você precisa fazer uma diferenciação. E é aí que o bicho pega. O habeas data tem previsão na Lei 9.507/97. O dispositivo que regula o habeas data, que fala especificamente do habeas data é o 7º:

Art. 7º Conceder-se-á habeas data: I - para assegurar o conhecimento de informações

relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

150

Page 23: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

II - para a retificação de dados (PRÓPRIOS), quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

De todos os dispositivos, dá para perceber que o habeas data tutela direito à informação. Mas informação de quem? Informações próprias, informações do impetrante. Fiz questão de grifar as três para te mostrar isso. Se as informações forem próprias, eu quero corrigir minha FAC, eu quero corrigir meus dados que constam do banco de dados do Serasa, que é um banco público. Agora, se a informação não for própria, for de terceiro, não cabe habeas data. Se o caráter do mandado de segurança é residual, não cabendo habeas data, na lógica, caberá mandado de segurança. Eu quero que você perceba, portanto, que o que define o cabimento do mandado de segurança é a residualidade. Se não cabe habeas corpus (liberdade de locomoção), se não cabe habeas data (informações próprias), cabe, consequentemente, mandado de segurança.

Exemplo típico da jurisprudência, inclusive da jurisprudência do STJ é o caso de MS impetrado por prefeitura para obter informação sobre a arrecadação do Estado para fins de repasse do ICMS. O STJ dá esse exemplo. O ICMS que o município recebe depende de quanto o Estado arrecadou. Essa informação é pública. Não é uma informação sobre o município. Não é uma informação no cadastro do Estado sobre o município. Para o município obter essa informação, não é via habeas data, mas mandado de segurança porque a informação não é própria. Cuidado com essa questão.

3.5. Contra ato ilegal e abusivo praticado por autoridade pública ou afim

Eu gostaria, aqui, algumas considerações preliminares. É óbvio que o que você vai atacar pela via do MS é uma conduta, um ato. Essa conduta poder ser:

Conduta omissiva – E o mandado de segurança se presta a atacar a omissão. É mais raro.

Conduta comissiva

O ato, além de ser comissivo ou omissivo, pode ser também:

Ato atual – atos atuais são os que estão ocorrendo. Ato iminente – Atos que estão prestes a ocorrer. Nesse tópico é que

surge a interessante figura do mandado de segurança preventivo (que se presta a evitar a prática do ato). Sabe onde é muito comum mandado de segurança omissivo? Tributário. Como assim? A empresa está na iminência de ser autuada pela receita. O que ela faz, se entende que a autuação é ilícita? Entra com mandado de segurança preventivo, mas esse não é o objeto deste momento. Este momento é para a gente discutir o ato, que pode ser omissivo ou omissivo, atual ou iminente.

151

Page 24: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Para te explicar o cabimento do ato, queria fazer uma sugestão didática. Que tipos de ato você conhece?

Ato administrativo Ato legislativo Ato judicial Ato político ou interna corporis.

Eu quero discutir o cabimento do mandado de segurança contra cada um desses atos. Cabe mandado de segurança contra todos esses atos?

a) Ato administrativo

Eu não tenho dúvida de que o cabimento do mandado de segurança contra ato administrativo é a regra do sistema. O ato administrativo, por si só, já é atacável via mandado de segurança. Esse mandado de segurança foi feito justamente para controlar os atos da administração, os atos do poder estatal. Então, o cabimento do mandado de segurança contra ato administrativo é a regra.

Acontece que aqui, mais importante do que você saber a regra, é você saber a exceção e tem uma exceção no cabimento do mandado de segurança contra ato administrativo. Quer dizer, existe uma hipótese que não cabe. E que hipótese é essa? É a hipótese que vamos analisar em um minuto: art. 5.º, I, da nova Lei de Mandado de Segurança.

Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

Não caberá mandado de segurança contra ato administrativo com duas condições: com efeito suspensivo e sem caução. Está tudo na lei. Não cabe mandado de segurança contra o ato administrativo em recurso administrativo com efeito suspensivo e sem caução. Quer dizer, sem que se tenha que pagar nada para recorrer. Qual a lógica por traz da norma, ao dizer que não cabe mandado de segurança contra ato administrativo que tem efeito com efeito suspensivo e que eu não tenho que pagar nada para entrar com o recurso? A lógica é muito simples: não existe exeqüibilidade do ato. Sim, porque com o recurso administrativo, eu consigo fazer o quê? Suspender os efeitos da decisão e, consequentemente, aquele ato que eu pretendo atacar, não vai me causar gravame. Nesse caso que o ato processual não vai me causar gravame, porque tem efeito suspensivo e eu não preciso pagar nada para entrar com o recurso, se eu entrar com o mandado de segurança, estaremos diante de uma típica hipótese de falta de interesse de agir necessidade porque eu não preciso da medida judicial.

Se tiver que pagar para entrar com recurso (e isso acontece muito em direito ambiental, em que você só pode recorrer se recolher valor de multa e o STF entendeu que é absolutamente inconstitucional essa exigência), mas de qualquer maneira, se tiver que prestar caução para recorrer, o que acontece? Pode entrar com mandado de segurança. Se tiver que pagar para recorrer, é caso de mandado de segurança porque fica claro que deve ser independentemente de caução.

152

Page 25: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Agora quero fazer uma pergunta que merece cautela: é possível a desistência do recurso administrativo com essas características para permitir o cabimento do mandado de segurança? É plenamente possível. Desde que a parte renuncie à defesa administrativa, ela pode impetrar mandado de segurança. Ela pode entrar com uma petição dizendo que renuncia ao prazo para o recurso administrativo ou, simplesmente, deixa exaurir o prazo para o recurso administrativo. Automaticamente, quando acaba o prazo, o ato se torna exequível, aí ela entra com mandado de segurança.

Eu fecho esse assunto, discutindo com você a Súmula 429, do STF, porque essa súmula trata do mandado de segurança contra ato omissivo. E essa súmula diz que a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso de mandado de segurança contra a omissão da autoridade. Por que nossa jurisprudência teve que editar uma súmula dizendo que o recuso administrativo contra o ato omissivo não impede o cabimento do mandado de segurança? Acompanhe: eu entrei com um pedido administrativo de licença. Se o Estado me falar, “não”, o que eu faço? Mandado de segurança, se o recurso administrativo não tiver efeito suspensivo. Mas pode acontecer de o Estado não falar nada ante o pedido de licença. Aí eu vou recorrer. Entrei com recurso administrativo para ele falar e o recurso administrativo, em tese, tem efeito suspensivo. Mas o que é a suspensão do nada? É nada! Então esse ato é exequível! Consequentemente, a Súmula 429 diz que se o ato atacado for ato omissivo, ainda que exista recurso administrativo com efeito suspensivo, eu posso impetrar mandado de segurança. É esse o raciocínio da Súmula 429, do STF.

STF Súmula nº 429 - DJ de 8/7/1964 -A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade.

Eu poderia dizer que isso é uma exceção da exceção. Qual é a regra de cabimento do mandado de segurança contra ato administrativo? Cabe, salvo, quando tiver recurso com efeito suspensivo e sem caução. Mas mesmo que tenha recurso administrativo com efeito suspensivo e sem caução, vai caber o mandado de segurança se o ato for omissivo. Daí ser certo dizer que essa Súmula 429 é a exceção da exceção.

Cuidado com provas de verdadeiro/falso porque ele coloca assim: “contra qualquer ato contra o qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo e sem caução não cabe mandado de segurança.” Errado porque se o ato for omissivo, cabe mandado de segurança.

Só mais um comentário que não tem relevância prática nenhuma, a não ser pelo conhecimento geral. Houve na nova Lei de Mandado de Segurança, uma tentativa do art.5º, de se criar um parágrafo único que falava que quando o ato fosse omissivo você precisava notificar extrajudicialmente a autoridade para que ela se manifestasse em 30 dias para, só depois entrar com mandado de segurança. O Lula, com toda razão, vetou essa palhaçada. Não tem sentido você condicionar o mandado de segurança contra ato omissivo à notificação extrajudicial da autoridade.

153

Page 26: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Para eu fechar essa questão do mandado de segurança contra ato administrativo, antigamente, tinha uma outra exceção, que já não existe mais, até porque os tribunais estavam entendendo que essa exceção era inconstitucional. Falo da questão do cabimento do mandado de segurança contra ato disciplinar. O antigo art. 5.º, III, da Lei 1.533/51, falava que não cabia mandado de segurança contra ato disciplinar. Era óbvio. A lei era de 1951, regime autoritário. Na verdade, não se poderia ter discussões sobre a questão da hierarquia. Fato é que, com a nova lei, entendeu-se, como a jurisprudência já vinha entendendo que esse dispositivo era inconstitucional. O ato disciplinar também tem que ser objeto de controle via mandado de segurança. Por isso, não deixe de anotar que não existe mais essa hipótese de não cabimento de mandado de segurança. Agora, cabe mandado de segurança contra ato disciplinar. A nova lei entende assim e só consolidou o entendimento jurisprudencial dominante. Portanto, a única exceção é o recurso administrativo com efeito suspensivo.

b) Ato legislativo

No ato legislativo a coisa muda de figura. A regra geral é que não cabe mandado de segurança contra ato legislativo. E isso é objeto de uma súmula do Supremo. Que é a Súmula 266. O motivo de não caber é muito óbvio. Na verdade, a lei, por si só é um comando genérico e abstrato e, em princípio, não causa prejuízo a ninguém. A Súmula 266 é muito clara nesse sentido, dizendo que não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

STF Súmula nº 266 - 13/12/1963 - Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

Agora, existem duas exceções de cabimento. Reparem que o raciocínio aqui, é inverso. Lá no ato administrativo, a regra é que cabe e que a exceção é que não cabe. Aqui, a regra é que não cabe e a exceção é que cabe.

1ª Exceção: Lei de efeito concreto – uma lei de efeito concreto é aquela que, por si só, causa prejuízo. A lei de efeito concreto, nada mais é, do que um ato administrativo com roupa de lei. Só que o próprio ato, por si só, permite a exequibilidade. Para você nunca esquecer o que é uma lei de efeito concreto: todas as leis proibitivas são de efeito concreto. Outro exemplo: que fixa tarifa, que extingue cargos, que decreta a expropriação. Todas essas são leis de efeito concreto. Não precisam de nenhum ato posterior para ser exequíveis. E não precisando de ato posterior regulamentar nenhum, a consequência é que cabe mandado de segurança. Aqui em SP, tem a lei do outdoor, determinando o tamanho. Essa é uma lei de efeito concreto. Outro exemplo: a lei que proíbe o fumo. É lei de efeito concreto porque é proibitiva. Lei do rodízio de veículos idem.

Existe uma segunda exceção bem interessante porque é uma exceção só do ponto de vista jurisprudencial. Tem-se entendido que cabe mandado de segurança contra projeto de lei ou emenda com vício no processo legislativo.

2ª Exceção : Projeto de lei ou emenda com vício no processo legislativo – Cabe mandado de segurança contra projeto de lei ou de emenda constitucional com vício no processo legislativo. Se você tem um

154

Page 27: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

quorum, tem um trâmite que, no projeto de lei ou emenda é desrespeitado, caberia mandado de segurança contra ato de legislativo consistente no projeto de lei ou de emenda. Acontece que o STF tem entendido, com razão, que esse mandado de segurança é privativo do parlamentar. O único caboclo que pode entrar com esse mandado de segurança é o parlamentar prejudicado. Sabe por quê? Porque o parlamentar tem direito líquido e certo à regularidade do processo legislativo. A consequência prática é que se ele pode fazer sustentação oral em determinado projeto e o Presidente da Câmara veda que ele o faça e essa lei é aprovada, cabe mandado de segurança contra a lei sob o fundamento de que houve vício no processo legislativo.

Essas são as duas exceções contra as quais cabe mandado de segurança contra ato legislativo.

c) Ato judicial

Para o ato judicial, a regra geral é que não cabe. Onde está escrito que não cabe mandado de segurança contra ato judicial, como regra? Isso está no art. 5.º, II e III, da nova Lei de Mandado de Segurança que nada mais fez do que repetir o teor das Súmulas 267 e 268, do Supremo Tribunal Federal.

Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:

I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

III - de decisão judicial transitada em julgado.

As súmulas falam exatamente a mesma coisa. Lembram que eu falei que um dos objetivos da nova lei foi incorporar o entendimento jurisprudencial?

STF Súmula nº 267 - 13/12/1963 - Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

STF Súmula nº 268 - 13/12/1963 - Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.

Anota ainda uma coisa na regra geral, antes de eu passar para as exceções. Não cabe mandado de segurança contra ato judicial, ainda que a decisão proferida seja inconstitucional. O STF já disse isso várias vezes. Nessa época do controle absoluto da constitucionalidade, em que você pode decretar a inexigibilidade de títulos por inconstitucionalidade, ninguém está dizendo que não é possível rever uma decisão inconstitucional. Mas qual é a maneira de fazer isso? Você pode fazer por rescisória e por embargos ou impugnação. Lembra que tem uma hipótese de inexigibilidade do título, que é a hipótese do art. 475-L, § 1º? Você pode impugnar, embargar a execução e falar que o título é inexigível por falta de correspondência constitucional. Mas em mandado de segurança, não.

155

Page 28: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

O que mais interessa aqui são as exceções. Há duas hipóteses que vai caber mandado de segurança contra ato judicial:

1ª Exceção : Quando não haja recurso previsto nas leis de processo – Ou seja, aqui nessa exceção, o mandado de segurança funcionaria como sucedâneo recursal. Em outros termos, se a lei não prevê recurso e a decisão precisa ser atacada, o que eu faço? Mandado de segurança.

Eu gostaria de dar alguns exemplos práticos, reais, de casos atuais em que não há recurso previsto na lei processual e, consequentemente caberia mandado de segurança.

O primeiro exemplo é o do art. 527, § único, do CPC, que trata do agravo de instrumento. O relator tem algumas opções quando ele recebe o agravo de instrumento, entre elas, está lá o inciso II, que diz o seguinte:

Art. 527 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (Alterado pela L-011.187-2005)

Nessa hipótese, ele pode converter o agravo de instrumento em agravo retido. E mais. Se não converter, o inciso III diz que o relator pode dar ou não dar efeito suspensivo ao agravo de instrumento.

III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;

Acontece que o art. 527, § único, marotamente estabelece o seguinte:

Art. 527. Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II (conversão do instrumento em retido) e III (liminar no agravo) do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. (Alterado pela L-011.187-2005)

Em outras palavras, está dizendo o quê? Que não cabe recurso. Se não cabe recurso, com a palavra o STJ. Sabe o que ele diz? Que da decisão do art. 527, § único, que converte o instrumento em retido ou que defere ou indefere a liminar, como não cabe recurso, cabe mandado de segurança. Então, o exemplo típico de cabimento é esse: quando não cabe agravo, cabe mandado de segurança.

Outro exemplo muito bacana de cabimento de mandado de segurança contra decisão interlocutória exatamente porque não tem previsão legal sobre a recorribilidade são as decisões proferidas nos Juizados Especiais Cíveis, os JEC’s.

156

Page 29: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Vários autores entendem que não cabe agravo de decisão interlocutória no JEC, inclusive o FONAJE. O FONAJE diz que não cabe agravo de instrumento em decisão do JEC. Eles entendem que as decisões dos juizados especiais são irrecorríveis. Consequentemente, se não cabe recurso, cabe mandado de segurança. Aí vem aquela súmula, a Súmula 376, do STJ. Cabe mandado de segurança contra decisão do JEC porque não cabe agravo. E quem julga esse mandado de segurança está na súmula:

STJ Súmula nº 376 - DJe 30/03/2009 -  Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.

Pelo amor de Deus. Essa primeira exceção precisa conter uma ressalva. Essa hipótese de cabimento é só até o trânsito em julgado. Não adianta querer recorrer de decisão porque não tem recurso previsto até ela transitar em julgado. Ou seja, só é cabível o mandado de segurança quando não esteja previsto o recurso em lei processual desde que não tenha havido o trânsito em julgado. Se, por exemplo, passou o prazo para converter o instrumento em retido, não vai caber mandado de segurança.

2ª Exceção : Decisão teratológica – A segunda exceção à regra de que não cabe mandado de segurança contra decisão judicial é o que a doutrina vem chamando de decisão teratológica. Nessa hipótese, pode ser até após o trânsito em julgado (diferentemente da exceção anterior). E o que seria uma decisão teratológica? Teratologia no dicionário é sinônimo de monstruosidade. Decisão teratológica é monstruosa. E a doutrina vem entendendo que quando a decisão for monstruosa, não tiver o mínimo de juridicidade, cabe mandado de segurança.

Vou contar um caso: eu entrei com uma ação de despejo contra você. Você contestou. O cartório errou. Juntou sua contestação em outro processo. O que o juiz fez? Meteu revelia e mandou te despejar. Você não foi intimado da decisão porque não consta que você tem advogado. De repente bateu o oficial de justiça na sua porta. Aí você vai correndo ao cartório e descobre que juntaram sua contestação no processo errado e que já passou o prazo para apelação. É caso de rescisória. Só que até entrar com a rescisória, você vai ficar sem casa. Aí é caso de mandado de segurança. A decisão foi monstruosa, teratológica. Por quê? Eu contestei e o juiz desconsiderou minha contestação por erro do cartório. Isso é raríssimo de acontecer, mas cabe mandado de segurança em face de decisão teratológica.

d) Ato político e interna corporis

O ato político é aquele praticado à luz da soberania nacional. Vou dar um exemplo da moda: extradição. A extradição é um ato político. Outro exemplo: veto do Presidente da República. Declarar guerra é ato político.

E ato interna corporis? É regimento interno. Discussão sobre regimento interno de câmaras e assembléias. Sanções a parlamentares é um ato interna corporis do parlamento que pode aplicar sanções a seus membros. São atos do próprio parlamento, particulares dele.

157

Page 30: 08-Ação Monitória.ms Individual

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 08 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/10/2009

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

A minha pergunta aqui é a seguinte: o Judiciário pode se imiscuir nesses temas e cabe mandado de segurança para atacar ato político e ato interna corporis? O que você acha? A regra geral é que não cabe. Evidente que o Judiciário, até pelo princípio da tripartição dos Poderes, não tem que se meter nisso. Esse é um problema político. Agora, há uma exceção.

Exceção – O Pedro Lessa fala que é possível um controle desses dois atos (político e interna corporis), mas apenas naquilo que transbordar os parâmetros constitucionais.

Por exemplo: o Congresso aplica uma sanção a um deputado. Em tese o Judiciário não tem que se meter nisso. Mas e se não foi garantido o direito de defesa ao deputado? Concorda que o ato é interna corporis? Mas nesse caso específico, como transbordou os limites da constitucionalidade, caberia mandado de segurança para controlar esse ato interna corporis

O Supremo está discutindo se ele pode ou não entrar dentro do ato político na extradição do Cesare Battisti. Se pode ou não rever um ato do Presidente que concedeu asilo a ele.

158