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1 Introdução
The forces of nature, social and political dynamics, scientific discovery, and technological innovation largely determine the future. However, as human capacity has evolved, our choices increasingly shape the future.
Jerome C. Glenn1
Quer o saibamos quer não, a maioria de nós já está empenhada ou em resistir à nova civilização... ou em criá-la.
Alvin Toffler2
Fazer previsões sobre o futuro tem sido uma preocupação da humanidade
ao longo de sua história. A religião, a magia e a observação da natureza foram
as primeiras ferramentas utilizadas pelos povos antigos para adivinhar o que o
futuro os reservava.
Peter Schwartz3 conta que, no antigo Egito, os faraós baseavam a
prosperidade das colheitas nas previsões provenientes da observação e leitura
que os sacerdotes faziam do rio Nilo. A inundação de sua bacia significava
plantio e colheita no verão sem chuvas, cuja previsão era possível pela
observação da cor da água do rio. Águas claras significavam que o Nilo Branco,
que vinha dos pântanos sudaneses, traria uma cheia moderada e tardia,
produzindo uma colheita reduzida. Águas escuras significavam que o Nilo Azul
se juntaria ao Nilo Branco, produzindo a irrigação e fertilização dos campos e
uma colheita farta. Mas se a correnteza trouxesse uma água marrom,
proveniente dos planaltos etíopes, os sacerdotes sabiam que as enchentes
seriam prematuras e catastróficas. Para o faraó, essa informação antecipada era
importante para que ele pudesse se prevenir e usar as reservas de seu estoque
de grãos. Como Schwartz assinala, o faraó saberia também “quão prósperos
seriam os fazendeiros de seu reino e como poderia aumentar os impostos.
Dessa forma, ele também poderia permitir-se conquistar novos territórios”4.
Schwartz comenta que os sacerdotes do Nilo foram os primeiros prospectores do
futuro, pois observavam e tentavam interpretar os sinais emitidos pela natureza e
suas consequências. Pela observação da cor da água do Nilo e não pela
adivinhação, os sacerdotes identificavam a forma como se daria o equilíbrio do
nível das águas. Essa informação permitia que os sacerdotes construíssem o
1 GLENN, 2009, p.1 (As forças da natureza, a dinâmica social e política, as descobertas científicas
e as inovações tecnológicas são grandes determinantes do futuro. Contudo, como a capacidade humana evoluiu, nossas escolhas cada vez mais modelam o futuro.) Tradução nossa. 2 TOFFLER, 1980, p.20
3 SCHWARTZ, 2006, p.91
4 Ibidem.
17
cenário com antecipação suficiente para que o faraó se prevenisse
estrategicamente.
Trazendo para os dias atuais, a curiosidade sobre o futuro permanece,
assim como o sentido estratégico dos objetivos dos faraós. Saindo da
adivinhação, passando pela previsão e chegando à prospecção, um longo
caminho foi percorrido, técnicas desenvolvidas e métodos adotados. As técnicas
se sofisticaram, o campo de observação se ampliou e a urgência proveniente do
grau de incerteza gerado pela velocidade das mudanças só faz aumentar. Neste
sentido, buscar uma visão antecipatória do futuro não é apenas um fator de
curiosidade, mas quase uma imposição dos novos tempos. Segundo Gilles
Lipovetsky5, prever, projetar e prevenir são as conjugações que norteiam o
nosso tempo hipermoderno, tempo em que os excessos e extremos estão na
base de todos os hipers6 e übers7 que empregamos para nos referir às coisas e
situações de nosso dia-a-dia.
Os estudos do futuro têm como um de seus principais objetivos auxiliar as
empresas a compreender seus mercados, identificar oportunidades, construir
estratégias, inovar e se preparar antecipadamente para possíveis mudanças.
Como observa Jerome C. Glenn8,
As historians are supposed to tell us what happened and journalists to tell us what is happening, futurists tell us what could happen and help us to think about what we might want to become. Futurists do not know what will happen. They do not claim to prophesy. However, they do claim to know more about a range of possible and desirable futures and how these futures might evolve.
No entanto, verifica-se que os estudos do futuro têm sido mais utilizados
em empresas de grande porte. No Brasil, segundo Buarque (1988) apud Marcial
e Grumbach9, as primeiras empresas a adotarem técnicas de construção de
cenários foram o BNDES, a Eletrobrás, a Petrobrás e a Eletronorte, em meados
da década de 80.
5 LIPOVETSKY, 2004, p.73.
6 AURÉLIO, 1975. Do grego hypér, o prefixo denota “posição superior”, “além” e “excesso”.
7 Segundo o Urban Dictionary, o termo alemão über significa acima, sobre, o que está além. Em
inglês é traduzido como above, mas também usado como top. No início da década de 1980, o termo foi adotado pela banda punk californiana Dead Kennedys e disseminado posteriormente entre os surfistas e teenagers. Também pode substituir os termos really e very. Na moda, o termo é empregado para definir tudo o que é “mais que o máximo”. Gisele Bündchen é considerada o exemplo de uma über model. 8 GLENN, 2009, p.4 (Como é suposto aos historiadores nos dizerem o que aconteceu e aos
jornalistas nos dizerem o que está acontecendo, os futuristas nos dizem o que pode acontecer e nos ajudam a pensar sobre o que gostaríamos que acontecesse. Os futuristas não sabem o que irá acontecer. Eles não têm a pretensão de profetizar. Contudo, eles pretendem conhecer mais sobre um conjunto de futuros possíveis e desejáveis e como esses futuros poderiam evoluir.) Tradução nossa. 9 MARCIAL e GRUMBACH, 2008, p.31.
18
A pesquisa realizada por Wright e Pereira10 sobre a prática de construção de
cenários dentro do planejamento estratégico em empresas brasileiras ilustra o
assunto. No levantamento realizado, os pesquisadores obtiveram um retorno de
49 empresas, algumas dentre elas no ranking das 500 melhores, citadas pela
Revista Exame, como São Paulo Alpargatas, Ford, IBM e Motorola. Segundo
Wright e Pereira, 84% das empresas pesquisadas realizavam algum tipo de
planejamento, independentemente da ferramenta utilizada. Dessa amostragem,
16% das empresas não realizavam planejamento algum, tendo como justificativa
sua própria falta de estrutura ou a falta de estabilidade do setor. Sobre o uso de
cenários, a pesquisa demonstrou “que grande parte das empresas está
adotando a análise de cenários e verificando a importância de considerar os
fatores de incerteza durante o processo”11. Porém, 27% das empresas
consultadas resistem ao uso de cenários, alegando, novamente, falta de
estrutura para o planejamento. Wright e Pereira ressaltam que as empresas que
se consideram mais inovadoras utilizam as técnicas de cenários na busca por
vantagens competitivas. Para essas empresas, o planejamento através de
cenários melhora seu posicionamento diante da concorrência do ponto de vista
da inovação. Cabe, no entanto, lembrar que as empresas pesquisadas são de
médio e grande porte, possuindo, portanto, estrutura para investir em pesquisa e
planejamento.
Para as micro e pequenas empresas (MPE‟s), no entanto, os investimentos
em pesquisas e estratégias são muito mais restritos e difíceis, embora elas
tenham uma importância fundamental na economia do país. Koteski12 observa
que embora as micro e pequenas empresas sejam “um dos principais pilares de
sustentação da economia brasileira, quer pela sua enorme capacidade geradora
de empregos, quer pelo infindável número de estabelecimentos
desconcentrados geograficamente”, elas ainda não recebem por parte do
governo um tratamento compatível com sua importância econômica e social.
Segundo Barbieri13, “de cada 50 empresas instaladas no Brasil, 49 são MPE´s,
porém, esse alto número não reflete uma posição de sucesso no mercado”.
Barbieri chama a atenção, ainda, para os dados do SEBRAE que indicam que
50% das MPE‟s encerram suas atividades antes de completar cinco anos.
10
WRIGHT e PEREIRA, 2004. 11
Ibidem. 12
KOTESKI, 2004, p.16. 13
BARBIERI, 2008.
19
Para entender o universo das MPE‟s, é necessário saber de que forma as
empresas se enquadram nessas categorias. Segundo o SEBRAE14, a
classificação dessas empresas é importante para que elas possam usufruir dos
benefícios e incentivos previstos nas legislações. Em 1999, foi criado o Estatuto
da Micro e Pequena Empresa, delimitando critérios de conceituação dessas
empresas segundo sua receita bruta anual. Em 31 de março de 2004, pelo
Decreto nº 5.028/2004, esses valores foram reajustados e os critérios passaram
a ser:
Microempresa: receita bruta anual igual ou inferior a R$ 433.755,14
(quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e cinquenta e cinco reais e
quatorze centavos);
Empresa de Pequeno Porte: receita bruta anual superior a R$ 433.755,14
e igual ou inferior a R$ 2.133.222,00 (dois milhões, cento e trinta e três mil,
duzentos e vinte e dois reais).
Para o levantamento da presença da micro e pequena empresa na
economia brasileira, o SEBRAE considera ainda o número de funcionários,
conforme o seguinte critério:
Microempresa: na indústria e construção, até 19 funcionários; no comércio
e serviços, até 9 funcionários.
Pequena empresa: na indústria e construção, de 20 a 99 funcionários; no
comércio e serviços, de 10 a 49 funcionários.
Gabriel15 observa que esse conceito extraído da legislação pode dar a
impressão de que as micro e pequenas empresas estão ligadas à atividade
empresarial com menor potencial econômico. Porém, segundo ele, as MPE‟s são
um “mecanismo constitucional de distribuição de renda e redução de
desigualdades sociais e regionais”, um “celeiro potencial de geração de
oportunidades, empregos e renda”. Dessa forma, entende-se que essas
empresas não podem ficar à margem das pesquisas, identificação de
oportunidades e visões estratégicas alcançadas através da prospecção de
cenários.
Em seu mais recente livro, A Riqueza Revolucionária, Alvin Toffler16 fala
sobre o futuro da riqueza, cujo foco está se deslocando das questões monetárias
14
SEBRAE, Critérios e Conceitos para Classificação de Empresas. 15
GABRIEL, 2009. 16
TOFFLER, 2007, p.146
20
e financeiras para iluminar os novos fundamentos que delinearão a riqueza no
futuro. Essas mudanças evidenciam o abalo que o atual sistema econômico vem
sofrendo e seu provável deslocamento para outro sistema de riqueza, chamado
por ele de revolucionário. Como fundamentos relacionados a essas mudanças,
Toffler sugere que a relação dos indivíduos com o tempo, o espaço e o
conhecimento exercerão um papel importante na sociedade, transformando a
visão de mundo e redesenhando o mapa do poder mundial.
Como bem intangível, o conhecimento não se encaixa nas categorias
econômicas existentes. Enquanto os bens tangíveis podem ser avaliados
quando comparados a outros, Toffler observa que “os bens da informação e do
conhecimento não têm valor fixo e determinado”. E, segundo as novas
tendências, os aspectos intangíveis associados aos bens tangíveis estão se
multiplicando rapidamente.
Relacionando as pesquisas sobre o futuro à geração de conhecimento,
cabe ressaltar que o valor dessas pesquisas não é descobrir alguma coisa
efetivamente nova, como acontece no campo das ciências, mas produzir
percepções e insights para esse corpo de conhecimento.
O universo dos estudos do futuro é complexo, envolvendo tanto
conhecimento tácito como explícito, cruzando informações, fazendo associações
e criando modelos mentais sobre futuros possíveis. As associações são
importantes para encaixar e ordenar todas as possibilidades, rumos, eventos,
reviravoltas, avanços e surpresas inerentes ao futuro. John Naisbitt17 comenta
que “os gênios costumam se basear em detalhes que muitas pessoas
conseguem ver, mas que não são capazes de associar”.
Dentre as mudanças acenadas por esse novo padrão mental, cabe
considerar que os estudos do futuro podem gerar, como subproduto, um
processo de aprendizado para o pessoal envolvido nas pesquisas e construção
de cenários dentro da empresa, incluindo aí a equipe de design.
Outro ponto importante a ser considerado diz respeito não à pesquisa de
tendências propriamente dita, mas ao termo tendências, tão utilizado pelo design
e pela moda e, até certo ponto, desgastado pela mídia. A abrangência da
aplicação das tendências é imensa, o que nem sempre é reconhecido. Como já
foi observado,
As pesquisas de tendências estão presentes no desenvolvimento de uma infinidade de produtos e serviços de vários segmentos, como arquitetura,
17
NAISBITT, 2007, p.62.
21
decoração de interiores, automóveis, eletrodomésticos, roupas, calçados, produtos de beleza, perfumes, alimentos, web-design, programação visual, publicidade e, naturalmente, as joias. Ajustadas às especificidades de cada produto, as tendências atuam como orientadoras na configuração desses produtos e
serviços.18
Porém, pode se encontrar discursos apregoando que as tendências não
existem mais, que é um erro usar o termo tendências ou que elas já não são
seguidas. O grande erro no emprego do termo, no entanto, é a relação que se
faz de tendência com as tendências de moda, relacionando-as ao que já está
consumado nas vitrinas. Mas se considerarmos que o termo significa aquilo que
ainda não é, mas que tem possibilidades de vir a ser, ou seja, tende para, as
tendências estão sempre numa fase anterior à criação do produto e, neste
sentido, ainda não chegaram às vitrinas. Ao apontar para o que virá a seguir ou
para o próximo gosto, “as tendências sinalizam uma periódica convergência de
escolhas que saem do individual para o coletivo”19.
Matathia e Salzman20 explicam as tendências comparando-as com o ciclo
de vida humano:
Pense nas tendências como humanas: elas têm um ciclo de vida. Isto é, são semeadas ou fertilizadas, germinam, crescem, amadurecem, envelhecem e um dia morrem. Algumas tendências são reencarnadas uma década ou mais depois, muitas vezes de forma um pouco diferente.
Para Gilles Fouchard21,
La tendance se construit par le croisement des intuitions, des idées, des lectures, des recontres, des styles de vie, des savoir-faire et des produits insolites ou simplement “nouveaux” dénichés sur la planète. Elle est le fruit d‟un processus intuitif et itératif.
Sobre a negação das tendências, o jornalista de moda Lula Rodrigues tece
o seguinte comentário:
Para ser uma indústria, a moda tem que vender, e para isso ela precisa formatar padrões que serão seguidos. As roupas serão confeccionadas, os tecidos, os pigmentos e as cores têm que emplacar, a roda da fortuna tem que girar. As pessoas têm que comprar roupa, as peças têm que acabar, as pessoas têm que renovar, comprando, muitas vezes, coisas que não precisam. É todo um ciclo que estabelece tendências. Acho incrível alguns estilistas dizerem que não seguem
18
CAMPOS, 2007, p.98. 19
CAMPOS, 2007, p.19. 20
MATATHIA e SALZMAN, 2004, p.10. 21
FOUCHARD, 2004, P.57 (A tendência se constrói pelo cruzamento de intuições, ideias, leituras, encontros, estilos de vida, habilidades e produtos insólitos, ou simplesmente novos, encontrados no planeta. Ela é o fruto de um processo intuitivo e interativo.) Tradução nossa.
22
tendências. A partir do momento que um estilista compra tecidos numa Première Vision, ou no Paraná, ou em Friburgo ou em Sergipe, esses tecidos são feitos com um determinado objetivo, que é vender. Não adianta dizer que não segue tendências, elas são necessárias para que a moda seja uma indústria, para que possamos estar aqui fazendo um blog, um site, vendendo nosso conteúdo e ganhando dinheiro com isso. Estar na moda, ser blog e site de moda é uma tendência, não tem como escapar.
22
Nesta pesquisa, o termo tendência foi adotado partindo de sua definição
como uma “linguagem que traduz visualmente as manifestações de uma
sociedade”23, considerando o caráter antecipatório dessas manifestações. As
tendências seriam, entre outros, sinais indicativos de comportamentos, valores,
necessidades e desejos futuros da sociedade.
Mesmo entendendo que, dentro desta perspectiva, as tendências são
ferramentas importantes para o desenvolvimento de produtos, não se pode
deixar de reconhecer que essa prática ainda não foi totalmente incorporada ao
processo de design. Como observa Avendaño24,
A complexidade e velocidade da comunicação, da profusão das imagens deixam o profissional de design [...] sem a capacidade de deter-se a observar o que acontece ao redor. É uma condição que confunde, que evita enxergar o longe e o perto, sem dar-se o observar e o contemplar.
Este é um ponto importante a ser considerado, pois, segundo Avendaño,
os bons designers são aqueles que “sabem ler a vida, sabem construir o rosto
que tem o espaço”25. O rosto, aqui, referindo-se aos atos dos habitantes desse
espaço transformados em forma espacial e objetual. Ou seja, o designer observa
o ambiente dos consumidores, seus gostos, desejos e estilos de vida, e
desenvolve produtos que possam atender às suas demandas.
Vale ressaltar que, enquanto a pesquisa de tendências de moda trabalha
com informações de curto prazo, cujos resultados visam o lançamento de
produtos para a próxima coleção, os estudos do futuro fazem prospecções de
longo alcance, visando a construção de cenários, a identificação de
oportunidades e a tomada de decisões estratégicas diante das mudanças e
surpresas que têm grande probabilidade de acontecer. Sobre a prospecção de
cenários futuros, percebe-se, a partir de observação, o quanto essa metodologia
ainda é pouco conhecida dentro de pequenas e médias empresas em geral e,
mais especificamente, nas indústrias joalheiras, foco principal desta tese. Esta
22
RODRIGUES, 2010. 23
CAMPOS, 2007, p.16. 24
AVENDAÑO, 2010. 25
Ibidem.
23
observação está baseada em pesquisas, consultorias e entrevistas realizadas
com os principais fabricantes do setor joalheiro, cujo conteúdo será tratado no
Capítulo 7.
Sobre o futuro, muitos foram os que fizeram afirmações e apostas que não
se concretizaram. Schoemaker26 cita alguns exemplos: em 1895, o matemático e
físico britânico Lorde Kelvin afirmou que máquinas voadoras mais pesadas que o
ar seriam impossíveis. Em 1906, Santos Dumont realizou o primeiro voo com o
14bis. Em 2 de agosto de 1968, uma matéria da Business Week dizia que “com
mais de 50 marcas de carros estrangeiras comercializadas nos EUA, a indústria
automobilística do Japão provavelmente não irá conquistar uma parcela
expressiva do mercado americano”. Em 2005, os carros japoneses, como
Honda, Toyota e Nissan, já dominavam um terço do mercado americano. Sobre
os computadores, Thomas J. Watson, presidente da IBM, afirmou em 1943 que
no mercado mundial só havia espaço para cinco computadores. Em 2008, de
acordo com a Forrester Research27, o número de PCs instalados no mundo já
havia ultrapassado 1 bilhão de unidades. Em 4 de dezembro de 1941, o ministro
da marinha americana Frank Knox afirmou que “não importa o que aconteça, a
marinha americana não vai ser pega cochilando”. No dia seguinte, houve o
ataque japonês de Pearl Harbor. Os exemplos servem para demonstrar que
quem se propõe a fazer estudos do futuro não faz previsões nem adivinhações
isoladas. O resultado dos estudos do futuro é construído pela análise de sinais
detectáveis em vários campos, como o econômico, político, social, cultural,
ambiental, científico, tecnológico, comportamental e religioso, e das possíveis
conexões e influências que cada um desses sinais exerce sobre os outros. Os
estudos do futuro são probabilidades, alternativas possíveis, porém passíveis de
alterações ao longo do percurso.
26
SCHOEMAKER, 1995, p.26. 27
A Forrester Research é uma empresa de tecnologia e pesquisa de mercado, que oferece consultoria sobre os impactos da tecnologia nos negócios e nos consumidores. Tem escritórios em Cambridge, Foster City e Washington D.C, nos EUA e, na Europa, em Amsterdam, Frankfurt, London e Paris.
24
1.1 Problema
There is a fundamental tension between thinking and doing: thinking impedes progress in doing, and doing obstructs thinking.
John M. Carroll28
Sobre a tensão entre o pensar e o fazer sugerida por Carroll na frase
acima, considere-se aqui este pensar como a fase de geração de conhecimento
através da pesquisa no processo de design. Sobre este fazer, considere-se a
atividade de projeto de design, que envolve a concepção, a produção e a
entrega. Ao estabelecer a distinção sugerida entre os dois, pode-se então
entender a existência de uma distância ou possível impedimento entre uma
atividade e outra. Para Peter L. Phillips29, por exemplo, as pesquisas de
tendências são “realizadas pelo pessoal de marketing e de pesquisa e
desenvolvimento, podendo incluir outros especialistas, como estatísticos e
antropólogos”. Embora Phillips concorde que essas informações sejam
importantes para o desenvolvimento de novos produtos, para ele os designers
apenas recebem o relatório com um prazo de quatro semanas antes do início do
projeto. Como se fosse necessário estabelecer um grupo que pode parar para
pensar e fazer pesquisas e outro que não tem tempo para se afastar do
processo de criação e execução. Dentro dessa perspectiva, a equipe de design
não costuma participar das pesquisas e não se envolve diretamente com os
estudos do ambiente, atual e futuro, onde o novo produto irá atuar. Embora não
se deva generalizar, essa tem sido a visão de muitas empresas que possuem
uma equipe de design em sua estrutura (não estão considerados aqui os
escritórios de design que possuem equipe multidisciplinar). Dessa forma, fica
visível a dificuldade em se entender a participação e o nível de atuação de todos
os profissionais envolvidos neste processo.
Através da experiência adquirida pela pesquisadora em consultorias em
fábricas de joias e aplicação de workshops na área30, pode-se dizer que uma
grande parcela do setor joalheiro ainda compreende e/ou consome as
informações sobre tendências de moda e design apenas como diretrizes para as
formas, cores e estilos que estarão em evidência em determinada estação. Esta
28
CARROLL, John. M. 1999, p.2 (Existe uma tensão fundamental entre o pensar e o fazer: o pensar impede o progresso do fazer, e o fazer obstrui o pensar.) Tradução nossa. 29
PHILLIPS, 2008, p.149. 30
Pesquisa e elaboração dos Cadernos de Tendências do IBGM de 2000 a 2007; workshops, palestras e cursos de desenvolvimento de coleção de joias e tendências em Belém/PA, São José do Rio Preto/SP, São Paulo/SP, Limeira/SP, Cuiabá/MT, Goiânia/GO, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS, Guaporé/RS, Belo Horizonte/MG; consultoria em design/trends em fábricas do eixo Rio/SP.
25
é uma aplicação bastante imediata e restrita para os estudos sobre tendências,
provenientes de alguns cadernos e bureaux31 de estilo que apontam temas de
inspiração, tonalidades, dimensões e shapes32 em alta. Na joalheria, as
referências sugerem as cores dos metais e novos formatos de lapidações de
gemas. Neste sentido, observa-se que o aproveitamento das informações iniciais
coletadas pelos pesquisadores, que englobam comportamento, cultura,
economia e política, fica comprometido e seu conteúdo, até certo ponto,
subutilizado. Partindo do pressuposto de que a maioria dos empresários da
indústria de joias já reconheça, mesmo que especulativamente, a importância da
adequação de seu produto às mudanças das necessidades e desejos de seu
consumidor, vê-se, no entanto, que muitos deles o fazem em descompasso com
a velocidade dessas mudanças e com as necessidades de sua própria empresa.
O setor joalheiro – englobando aqui fabricantes, varejistas e fornecedores
de matéria prima – encontra-se diante de um desafio, em que grandes
mudanças no mundo acenam com a abertura de novos caminhos e é importante
que esses trajetos sejam percorridos com o máximo de segurança possível.
Estrategicamente falando, se por um lado o Design ainda não foi
totalmente entendido e incorporado pelas empresas joalheiras no Brasil, a
construção de visões de futuro, por outro, é praticamente desconhecida para
essas empresas e profissionais. Para o entendimento do Design em toda a sua
abrangência, assim como para a implementação de novas tecnologias e a
adoção de estudos do futuro, é necessário uma mudança de cultura dentro das
empresas. E como assinala um artigo no HSM Management, “nenhuma
mudança cultural acontece sem que as pessoas aprendam a se comportar e
pensar de uma nova maneira”33.
O consultor Julio César da Silva34, que coordenou a implantação do projeto
AMAGOLD BRASIL – Americas Gold Manufactures Association –, teve a
oportunidade de observar, através de programas de treinamentos e projetos
conjuntos com o SEBRAE e entidades de classe do setor, mais de 200
empresas em todo o território nacional, entre os anos de 1996 e 2000. Segundo
ele,
As novas exigências de mercado e o contraste da particularidade na informalidade total das empresas joalheiras, principalmente quanto a informações, fazem-nas defrontar com lacunas importantes na capacitação dos seus empreendedores e
31
Escritórios de pesquisa de tendências e consultoria. 32
O termo é muito usado na moda para se referir à forma das roupas. 33
JULIO e SALIBI NETO (org.) Reportagem Especial: Como acelerar a mudança. 2001, p.65. 34
SILVA, Julio César. No artigo: A necessidade de um novo desenho do setor joalheiro. 2009.
26
gestores em relação a outros setores, e aos objetivos estratégicos necessários a manutenção das empresas no futuro.
Neste sentido, segundo Silva, existem gaps35 de conhecimento nas
empresas joalheiras, tanto nas bem sucedidas como naquelas que se encontram
em desvantagem, o que acaba levando ao reaproveitamento de fórmulas antigas
que “não se adaptam às novas exigências mercadológicas”. Em muitos casos, é
visível a falta de foco e visão estratégica das empresas, “causada em parte pe la
total ausência de dados ou pela inexperiência em lidar com os mesmos”.
Em artigo publicado no jornal O Globo, em outubro de 2006, a jornalista
Regina Alvarez36 salienta que os “investimentos em tecnologia, inovação e
design criaram ilhas de prosperidade” nas indústrias brasileiras. No mesmo
artigo, o então presidente da Apex Brasil37, Juan Quirós, observa que o setor
joalheiro investiu em design para conquistar novos mercados no exterior,
alcançando no primeiro semestre de 2006 uma alta de 48% em relação a 2005.
Para ele, o design foi o responsável por este crescimento.
Hoje, a quebra de paradigmas no design de joias é amplamente
reconhecida, assim como a urgência na adoção das novas formas de criar e
fazer joias, ou seja, inovar. Com relação às tecnologias, observamos que elas
têm sido responsáveis, em grande parte, pela maioria das mudanças na
concepção das joias. A prototipagem 3D38, a eletroformação39, a solda e o corte
a laser40, por exemplo, deram ao design de joias um novo fôlego, ampliando as
possibilidades de suas configurações. O que antes não podia ser executado pela
limitação das ferramentas e soluções técnicas, hoje se torna exequível pelo
domínio da tecnologia.
No entanto, todas as considerações acima falam de um terreno
relativamente novo para a joalheria brasileira, onde o Design e sua metodologia
ainda não foram inteiramente absorvidos. Um dos problemas observado está na
35
MICHAELIS. O termo gap é aqui empregado como brecha, lacuna. 36
ALVAREZ, 2006, p.16 37
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos 38
Tecnologia que possibilita a produção de modelos e protótipos a partir de um sólido 3D gerado no sistema CAD. Pode ser por remoção ou por adição de material. Ex: estereolitografia, fresagem, sinterização seletiva, laser 3D etc. 39
Processo de eletrodeposição, que consiste em envolver um modelo de cera com alguma solução metálica que conduz eletricidade. Por um processo eletrolítico, as partículas de ouro dissolvidas num líquido são atraídas para a superfície do modelo. Através de um furo, a cera que está no interior da peça é retirada. Por serem ocas, as joias produzidas por eletroformação podem ser muito leves apesar de apresentar um grande volume. 40
O laser é usado na ourivesaria em três atividades distintas: no corte, na gravura e na solda. Na soldagem, o laser une duas partes de metal através de um feixe de luz. A grande vantagem é que a solda a laser não esquenta o metal, permitindo várias situações de soldagem, antes consideradas impossíveis. O corte a laser é um processo que ocorre através de um potente feixe de luz (energia luminosa concentrada) que altera a composição molecular de uma superfície, produzindo o corte perfeito.
27
visão sobre o Design dentro das empresas de joias, visão que muitas vezes
compartimenta as responsabilidades, entendendo o Design apenas do ponto de
vista da criação do produto e inviabilizando a comunicação e a troca de
experiências entre os diferentes setores (produção, marketing, financeiro,
vendas). A dinâmica de um design total, cuja metodologia atua desde a fase
anterior à concepção do produto – o front end41, onde estariam as pesquisas,
seja de comportamento, mercado, tendências –, até a venda e pós-venda, não
foi inteiramente absorvida por grande parte dos empresários joalheiros. Esta
observação é fruto da experiência em dez anos de consultorias feitas pela
pesquisadora com designers e fabricantes de joias no Brasil, envolvendo
projetos no Rio Grande do Sul (Porto Alegre e Guaporé), Rio de Janeiro, São
Paulo (S. José do Rio Preto e Limeira), Mato Grosso (Cuiabá) e Pará (Belém).
Outro problema seria a falta de formação em Design de muitos
profissionais de criação de joias, o que dificulta a adoção de uma metodologia de
Design que o incorpore ao planejamento da empresa. O surgimento de cursos
regulares em Design de Joias (graduação e pós-graduação) é muito recente e,
neste sentido, é importante ressaltar o pioneirismo da PUC-Rio ao lançar, há dez
anos, a primeira Especialização em Design de Joias da América do Sul.
No início deste item, observou-se que, segundo Phillips42, o Design ainda
não incorporou de forma sistemática a prospecção de cenários futuros como
parte do processo, embora o método já venha sendo adotado em algumas
universidades e escritórios de design (o tema será discutido no Capítulo 5).
Enfatizando essa abordagem, Bernd Löbach43 comenta que o designer industrial
precisa ser visto como um ente criativo que tenha domínio não somente sobre a
configuração dos produtos, mas que também saiba descobrir e atender as
necessidades e desejos da sociedade através de objetos que façam sentido. Ou
seja, que englobe tanto o pensar como o fazer.
Por último, cabe voltar à Wright e Pereira44, citados na Introdução desta
Tese, que constataram a presença de prospecção de cenários futuros em
empresas brasileiras de médio e grande porte, do ponto de vista de um
planejamento estratégico. Por outro lado, observou-se que micro e pequenas
empresas, que é o foco deste trabalho, não possuem estrutura para investir em
pesquisa e planejamento.
Dentro desse quadro, pergunta-se:
41
O assunto será discutido no Capítulo 4. 42
PHILLIPS, 2008, p. 149. 43
LÖBACH, 1998, p.203. 44
WRIGHT e PEREIRA, 2004.
28
O que pode ser feito para integrar os estudos do futuro (prospecção de
cenários futuros) ao Design visando a inovação e geração de
conhecimento?
Considerando o Design como um pensar estratégico e os estudos do
futuro como uma área de conhecimento complementar, como realizar o
cruzamento dessas duas atividades?
Qual seria a especificidade da pesquisa que o Design poderia realizar com
relação às visões de futuro para a identificação de oportunidades e
geração de produtos inovadores?
De que forma o Design pode contribuir para a construção estratégica de
cenários futuros em micro e pequenas empresas e, mais especificamente,
em empresas de joias?
1.2 Hipóteses
Segundo Magalhães45, as mudanças no contexto do negócio e a crescente
necessidade de inovação do produto ampliam a importância do processo de
especificação de produtos.
...os métodos formais não são suficientes para a geração de especificações que favoreçam a eficácia do projeto e sim um conjunto de ações organizacionais integradas, que nem sempre ocorrem circunscritas ao projeto de produto.
Neste sentido, o design estratégico sugere uma observação e
entendimento tanto do ambiente interno como externo à empresa, a fim de
construir um panorama capaz de alimentar este novo briefing de especificação
de produtos. Diante disso, considera-se que:
A aplicação das técnicas de prospecção e construção de cenários futuros,
com sua adequação ao processo de design, alimenta as práticas do
Design estratégico, possibilitando a identificação de oportunidades e a
geração de conhecimento para a inovação.
As técnicas de construção de cenários futuros, com adequações, podem
ser adotadas como prática em micro e pequenas empresas, no design em
geral e mais especificamente de design de joias.
45
MAGALHÃES, 2003, p.5.
29
1.3 Objetivos
O objetivo geral desta pesquisa é a adequação das técnicas de
prospecção e construção de cenários futuros ao Design, considerando seu valor
estratégico, principalmente para micro e pequenas empresas, visando a
identificação de oportunidades de projeto e geração de conhecimento para
inovação.
Objetivos específicos
Para isso, a pesquisa pretende:
Partindo, principalmente, dos métodos de prospecção e construção de
cenários futuros desenvolvidos por Michel Godet, Peter Schwartz e Raul
Grumbach, sugerir uma adequação de suas técnicas ao processo de
design, considerando sua implementação em uma equipe multidisciplinar,
incluindo a equipe de design;
verificar a participação do Design na prospecção e construção de visões
de futuro;
adequar as técnicas de construção de cenários futuros à realidade de
projeto em micro e pequenas empresas;
levantar o cenário atual das empresas fabricantes de joias no eixo Rio/São
Paulo/Minas Gerais, tanto na forma como elas se posicionam face às
mudanças futuras, como na aplicação de um design estratégico;
aplicar as técnicas de construção de cenários futuros a uma empresa
fabricante de jóias na cidade de São José do Rio Preto/SP, para a geração
de cenários aplicados ao Design.
1.4 Metodologia
O bom resultado da pesquisa depende da sensibilidade, intuição e experiência do pesquisador.
Miriam Goldenberg46
Tendo em vista a delimitação do campo trabalhado e os objetivos desta
pesquisa, foi realizada, inicialmente, uma revisão bibliográfica especializada,
abordando temas como Design, Inovação, Mudanças e Estratégia, Joias,
Tendências e Cenários Futuros. Considerando que os estudos do futuro partem
46
GOLDENBERG, 2001, p.53.
30
de uma observação multidisciplinar, o marco teórico para esta pesquisa é
composto por referências em diversos campos (design, inovação, marketing,
administração, sociologia, joalheria, antropologia do consumo) cujas citações
foram incorporadas ao texto.
Pesquisa teórica
Para a análise das técnicas de prospecção e construção de cenários
futuros e sua adequação à realidade de projeto em micro e pequenas empresas,
foram revisados conceitos sobre mudanças e estratégias: Toffler (1980, 2006 e
2007), Prahalad (2005), Kotler (1999 e 2010), Drucker (1992, 2002 e 2006),
Bauman (1998 e 2001), Lipovetsky (1987, 2004 e 2005), Lévy (1996 e 1999)
cujas referências estão presentes nos Capítulos 1 e 2; inovação: Hall (1994 e
2001), Hasenclever (1998 e 2002), Manual de Oslo (2005), Revoredo (2007),
Urban e Hauser (1980), Tigre (2006), Zogbi (2008), cujas referências foram
discutidas no Capítulo 3; tendências e cenários futuros: Campos (2007); Carroll
(2009), Estudos do CGEE, Fahey e Randall (1998), Glenn (1994 e 2009), Godet
(2004 e 2006), Matathia e Salzman (2004), Naisbitt (1999 e 2007), Schwartz
(2003 e 2006), Van Notten (2004), Marcial e Grumbach (2005 e 2008), com
referências presentes nos Capítulos 1 e 6.
Para verificar a participação do Design na prospecção e construção de
visões de futuro foram revisados conceitos sobre Design baseados nos autores:
Mozota (2003), Pugh (1990), Bruce e Cooper (1997), Cooper e Press (1994),
com referências presentes no Capítulo 5.
O levantamento do cenário atual das empresas fabricantes de joias no eixo
Rio/São Paulo/Minas Gerais foi realizado a partir de dados disponibilizados pelo
IBGM - Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos e pela AJORIO –
Associação de Joalheiros do Estado do Rio de Janeiro, e através de uma
pesquisa qualitativa em forma de entrevista semi-estruturada realizada com
especialistas do setor, descritas em seguida, cujos dados foram incorporados
aos Capítulos 7 e 8.
Para o teste de aplicação das técnicas de construção de cenários futuros
foi realizado um workshop numa empresa fabricante de jóias na cidade de São
José do Rio Preto, descrito no Capítulo 8.
31
Pesquisa qualitativa
A pesquisa focou, principalmente, o aspecto qualitativo, por considerar,
segundo Flick47, as diversas perspectivas dos participantes envolvidos
(designers e empresários) sobre o objeto estudado, através de seus
conhecimentos e práticas, e permitir a “comunicação do pesquisador em campo
como parte explícita da produção de conhecimento, em vez de simplesmente
encará-la como uma variável a interferir no processo”, possibilitando, ainda,
diversas abordagens teóricas.
A entrevista semi-estruturada foi escolhida por permitir perguntas abertas e
fechadas. Como sugere Flick, a entrevista semi-estruturada leva os
entrevistados tanto a suposições explícitas e imediatas, com respostas
espontâneas, como a complementação com suposições implícitas. Segundo
Laville e Dionne48, a entrevista semi-estruturada permite, também, que o
entrevistador formule algumas questões no decorrer de sua aplicação, podendo
inclusive alterar a ordem das perguntas, embora correndo o risco de uma perda
de uniformidade nas perguntas e respostas.
A entrevista com especialistas é definida por Meuser e Nagel, apud Flick49,
como uma entrevista cujo interesse não está no entrevistado enquanto pessoa
(como na entrevista biográfica), mas por ser um especialista em determinado
campo de atividade; ele não é integrado ao estudo como caso único, mas
representando um grupo.
A pesquisa foi realizada através de entrevista semi-estruturada (Anexo 1)
com especialistas em nove empresas do eixo Rio de Janeiro / São Paulo / Minas
Gerais e uma mídia do setor, aqui definidos entre empresários,
empresários/designers e diretores de criação (Quadro 1). A seleção das empresas
foi pautada por sua representatividade no mercado joalheiro interno e externo e
por possuírem uma reserva complexa de conhecimento sobre alguns dos tópicos
estudados. Os especialistas foram entrevistados individualmente, uma vez, e as
entrevistas foram gravadas em áudio na íntegra, com o consentimento verbal
dos entrevistados. Dois entrevistados responderam por e-mail. Além das nove
empresas, uma mídia especializada – site JoiaBr – foi entrevistada.
47
FLICK, 2009, p.25. 48
LAVILLE e DIONNE, 1999. 49
FLICK, Op.cit., p.158.
32
Aplicação das técnicas de prospecção e construção de cenários
Primeiramente, as técnicas de prospecção e construção de cenários foram
aplicadas como pré-teste ao grupo de pesquisadores do Núcleo de Cenários
Futuros da PUC-Rio, para verificação da fluência e adequação das técnicas e
etapas propostas ao seu uso no Design, descrito no Capítulo 8.
Após a realização dos ajustes necessários verificados, as técnicas de
construção de cenários foram aplicadas através de um workshop, em uma
empresa fabricante de joias do Polo Joalheiro de São José do Rio Preto/SP,
quando foram testadas as tabelas, matrizes, análise e comparação dos dados
coletados e, por último, a construção dos cenários (ver Capítulo 8).
1.5 Justificativa
Em cada um de nós existe um “armazém” invisível e atulhado, cheio de conhecimento e de seus precursores – os dados e informações.
Alvin Toffler50
O design de joias no Brasil está em franca expansão, ganhando
reconhecimento e conquistando prêmios nacionais e internacionais. A grande
visibilidade alcançada pelo design de joias brasileiro alterou de forma bastante
expressiva a forma como ele era visto pelo público estrangeiro. Para Angela
50
TOFFLER, 2007, p.150.
Empresa Local Entrevistado/Cargo
ART’G Estado do Rio de Janeiro Empresária e diretora de criação
CR BRÜNER Estado de São Paulo Diretor de criação
BRÜNER Estado de São Paulo Diretor
DANIELLE Estado de São Paulo Presidente
DENOIR Estado de São Paulo Presidente
MARCIA MÓR Estado do Rio de Janeiro Empresária e designer
MANOEL BERNARDES
Estado de Minas Gerais Diretor de criação
SEVEN Estado de São Paulo Presidente
VIANNA Estado de Minas Gerais Diretor
Site JoiaBr Estado de Minas Gerais Jornalista responsável
Quadro 1: Relação das empresas e especialistas entrevistados
33
Andrade51, diretora da AJORIO, dessa avaliação externa o design brasileiro saiu
vitorioso. “Em poucos anos, passamos de copiadores a criadores e estamos
sendo reconhecidos mundialmente, pelo design diferenciado, legitimamente
made in Brazil”.
Porém, a importância de sua atuação dentro das empresas ainda aparece,
em sua maioria, compartimentada, ficando restrita mais especificamente às
áreas de criação e produção. O desenvolvimento de produto tem muitas
especificidades de projeto e sua metodologia tem uma abordagem
interdisciplinar, envolvendo o marketing, as ciências sociais, as artes e as
tecnologias. Como observa Baxter52,
os melhores designers do futuro serão multifuncionais e se sentirão à vontade discutindo pesquisa de mercado, fazendo um rendering a cores de um novo produto ou selecionando o tipo de material que deve ser usado no produto.
Observa-se que no Brasil, de modo geral, as empresas joalheiras não se
preparam estrategicamente para o futuro, pela identificação de novas
oportunidades e espaços competitivos. A pesquisa de tendências aplicada ao
design de joias tem sido utilizada de forma mais sistemática há apenas dez
anos, e o termo inovação é empregado para comunicar, principalmente, a
aquisição de tecnologia (compra de máquinas de prototipagem rápida e solda a
laser). O impasse criado entre a necessidade de mudança e o imperativo da
permanência tem sido a realidade observada entre os fabricantes de joias,
questão discutida no Capítulo 7. Se por um lado identifica-se um mercado em
transformação, com o desenvolvimento de produtos com o uso de tecnologia de
ponta, de outro, observa-se um movimento inverso, através de investimentos
garantidos em joias mais tradicionais, tanto pelo fabricante como pelo
consumidor. No meio dessa oposição, as empresas joalheiras reconhecem a
necessidade urgente de vencer a concorrência de seus produtos substitutos, que
englobam tanto os produtos similares como também os produtos que acenam
com outras possibilidades de satisfação e desviam o consumidor do investimento
em joias. Como produtos substitutos às joias, os exemplos vão de bijuterias de
luxo, relógios, gadgets eletrônicos como celulares, iPhone e iPad à viagens e
51
ANDRADE, Angela Carvalho de, 2002, p.46. 52
BAXTER, 1998, p.3.
34
cirurgias estéticas. A ameaça de produtos substitutos é uma das cinco forças
competitivas definidas por Michael Porter53.
A velocidade das mudanças tende a levar o mercado e,
consequentemente, as empresas, à busca por estratégias antecipatórias
relativas à identificação de oportunidades e inovação. Dixon54 comenta que para
grandes empresas “o tempo decorrido entre uma decisão da diretoria e a
mobilização da empresa como um todo numa nova direção” é o problema que
dificulta a rápida movimentação.
É necessário um planejamento que considere múltiplos cenários, com planos traçados para diversas opções e com algum investimento em cada uma. O custo extra é compensado pela lucratividade adicional trazida pelo fato de conseguir se mover mais depressa que os demais.
55
Partindo desse entendimento, considera-se que a adoção da técnica de
prospecção e construção de cenários futuros dá subsídios importantes não só à
empresa de forma geral, mas especificamente ao processo de design para o
desenvolvimento de novos produtos, tendo como foco a competitividade e a
inovação.
1.6 Estrutura do Trabalho
Para responder às questões levantadas e cumprir com os objetivos acima
propostos, este trabalho foi organizado em oito capítulos, tendo como base o
Design e a prospecção de cenários futuros. O pano de fundo para o cenário
atual é composto por questões relativas às mudanças e possibilidades
estratégicas de identificação de oportunidades e inovação, o que aponta para a
necessidade de ações antecipatórias para eventos futuros. O recorte desta tese
é o setor joalheiro brasileiro e o design de joias, onde a pesquisa foi aplicada,
através de um workshop para aplicação do método de construção de cenários
futuros proposto.
O Capítulo 2 – “Mudanças: transformações em alta velocidade” – tem
como objetivo descrever o processo de aceleração das transformações
vivenciadas pela contemporaneidade e da imperativa necessidade de ajustes à
essas transformações impostas à sociedade e às empresas de um modo geral.
53
PORTER, 1998. As outras forças são: a rivalidade entre os concorrentes, a ameaça de entrada de novas empresas, o poder de barganha dos fornecedores e o poder de barganha dos clientes/consumidores. 54
DIXON, 2007, p.25 55
Ibidem.
35
Como fundamentação teórica, utilizou-se o conceito de pós-modernidade
de Hall (2001) e Jameson (2002), hipermodernidade de Lipovetsky (2004),
modernidade líquida de Bauman (2001), aspectos das mudanças baseados na
análise de Naisbitt (2007), a visão de mudança, velocidade e dessincronização
do tempo de Toffler (2007), assim como as teorias de Baudrillard (2001) sobre o
aleatório, o caos e a transformação do real através de sua virtualização.
O Capítulo 3 – “Planejando-se para as mudanças” – o capítulo trata das
possibilidades estratégicas das empresas considerando a visão antecipatória do
futuro e a identificação de oportunidades em face às mudanças discutidas no
capítulo anterior. Os conceitos adotados sobre análise e classificação das
empresas considerando suas possibilidades estratégicas foram desenvolvidos
por Tigre (2006), Kotler (1999), Urban e Hauser (1980), Marsial e Grumbach
(2008), Kim e Mauborgne (2005), Prahalad e Ramaswamy (2005), Boone e Kurtz
(2006).
O Capítulo 4 – “Inovação: a busca pela diferenciação” – aborda aspectos e
definições sobre inovação, considerando sua gestão e direcionamentos
estratégicos. Também são discutidas questões relativas à definição de empresa
inovadora e seu posicionamento face aos riscos e incertezas inerentes à
inovação. A pesquisa foi baseada nos estudos do Manual de Oslo (2005), Hall
(1994), Tigre (2006), Hasenclever e Cassiolato (1998 e 2002), Zogbi (2008).
O Capítulo 5 –“Design: pensando e fazendo o futuro” – aborda uma nova
visão do Design do ponto de vista estratégico, englobando as fases anteriores
ao projeto (o front end) até a divulgação, distribuição e pós-venda. Sobre o
assunto, a pesquisa baseou-se nos seguintes autores: Magalhães (2003), Pugh
(1990), Löbach (1998), Mozota (2003), Bruce e Bessant (2002), Cooper e Press
(1994), Brown (2010), Meroni (2008).
O Capítulo 6 – “Futuro: a prospecção de cenários” – trata dos estudos do
futuro através das técnicas de prospecção e construção de cenários,
apresentando definições dos fatores chaves empregados em sua estruturação.
Os estudos sobre prospecção e construção de cenários foram baseados nos
seguintes autores: Schwartz (2003 e 2006), Godet (2004 e 2006), Fahey &
Randall (1998), Glenn, Toffler, Naisbitt, Carroll, Marcial & Grumbach.
O Capítulo 7 – “Joias: novos paradigmas para novos tempos” – faz uma
apresentação do cenário atual da indústria de joias no Brasil, considerando suas
ações estratégicas no que se refere à inovação, design e visão de futuro. Este
cenário foi o ponto de partida para a aplicação das técnicas de cenários
propostas, apresentada no capítulo 6. Sobre o setor joalheiro, adotou-se,
36
principalmente, as informações fornecidas pelo IBGM (Instituto de Gemas e
Metais Preciosos), AJORIO (Associação de Jóias e Relógios do Rio de Janeiro),
entrevistas e observação in situ.
O Capítulo 8 – “Cenários: o que o futuro nos reserva?” – apresenta uma
proposta de técnicas de construção de cenários a serem utilizadas pelas
empresas (principalmente micro e pequenas empresas) e sua equipe de design
no front-end do projeto, cuja aplicação foi pré-testada na PUC-Rio e validada
através de um workshop realizado em uma empresa fabricante de joias em São
José do Rio Preto/SP, com a apresentação dos cenários desenvolvidos.
O Capítulo 9 – “Considerações Finais” – faz uma análise dos resultados
referentes aos objetivos propostos nesta pesquisa e possíveis desdobramentos.
Figura 1: Estrutura da tese