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Modelagem Matemática e as Discussões Técnicas1
Jonson Ney Dias da Silva2
Orientador: Jonei Cerqueira Barbosa3
Programa de Pós – Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências –
UFBA/UEFS4
Resumo
No presente artigo, apresento parte de uma pesquisa que analisa como são produzidas
as discussões técnicas em um ambiente de Modelagem Matemática. Por discussão técnica,
entendo como aquela que se refere à tradução de uma situação-problema com referência na
realidade (dia-a-dia ou das ciências) para a linguagem matemática. O contexto desta
pesquisa foi um grupo de alunos da sala de aula de um professor do Curso de Licenciatura
em Matemática de uma Universidade Pública. Adotando uma abordagem qualitativa, os
1 O presente texto origina-se do projeto de pesquisa “As Discussões Técnicas num Ambiente de Modelagem Matemática”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Processo BOL 1644/2007. 2 Mestrando do Programa de Pós – Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia (UFBA – Salvador/ Ba) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS – Feira de Santana/ Ba); Núcleo de Pesquisa em Modelagem Matemática sediado na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS – Feira de Santana/ Ba). Home: www.uefs.br/nupemm; Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) 3 Professor do Departamento de Ciências Exatas da UEFS e do Programa de Pós – Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia (UFBA – Salvador/ Ba) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS – Feira de Santana/ Ba); Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Modelagem Matemática sediado na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS – Feira de Santana/ Ba). Home: www.uefs.br/nupemm 4 Programa inter-institucional entre a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA)
2
dados foram coletados através da observação, a qual foi registrada através da filmagem.
Em especial, para este artigo, apresento um debate sobre a concepção de discussão técnica,
ilustrando através de um episodio.
Para começar...
Nos estudos, sempre me interessei no desenvolvimento das atividades de
Modelagem Matemática pelos alunos e pude perceber que os diálogos desenvolvidos entre
o professor e os alunos nesse ambiente podem interferir no andamento de uma atividade de
Modelagem5 (ARAÚJO; BARBOSA, 2005).
Barbosa (2007b) reconhece que os discursos produzidos, nos momentos de
interação social entre alunos e alunos e entre estes e o professor, são aspectos fundamentais
para compreender a prática de Modelagem na sala de aula. Porém, é possível perceber que
há lacunas na literatura sobre esse assunto, principalmente, no que se refere aos aspectos
sobre organização e condução das tarefas de Modelagem (ARAÚJO; BARBOSA, 2005).
Acredito que compreender as ações que os participantes desenvolvem no ambiente
de Modelagem tem o objetivo de gerar conceitos teóricos, que reflitam como essas ações
ocorrem ou podem ocorrer (BARBOSA, 2007b). Por isso, considero que as maneiras como
os alunos interpretam uma atividade de Modelagem, é uma questão que demanda mais
pesquisas (ARAÚJO; BARBOSA, 2005). Assim, este um dos propósitos que justifica o
meu projeto de pesquisa, o qual pretende investigar e analisar como são produzidas as
discussões técnicas num ambiente de Modelagem, na tentativa de contribuir com o debate
sobre a utilização da Modelagem na Educação Matemática.
Para esse artigo, deter-me-ei em apresentar o que considero como discussões
técnicas, bem como ilustrar com um episódio de uma atividade de Modelagem
desenvolvida por um grupo de alunos.
O ambiente de Modelagem
5 Para evitar repetições do termo Modelagem Matemática, quando utilizar o termo Modelagem estarei referindo-me a Modelagem Matemática.
3
Barbosa (2001) ressalta que, nas atividades de Modelagem, os alunos podem
compreender como a Matemática é utilizada nas praticas sociais. Este argumento enfatiza a
atuação do aluno na sociedade, analisando o papel da Matemática nos debates sociais. Essa
perspectiva, denominada pelo mesmo de sócio-crítica, de acordo com Kaiser e Sriraman
(2006), destaca como a Modelagem pode oportunizar ao aluno a reflexão sobre a função da
matemática na sociedade, através da análise da natureza dos modelos matemáticos, e o
pensamento crítico sobre o papel da Matemática e dos modelos na sociedade.
Bean (2007) argumenta que o objetivo da Modelagem é a transformação da
realidade6, ou seja, o autor entende que as atividades da comunidade se transformam, de
maneira que sua interação com o mundo seja norteada por conceituações e modelos, os
quais se fundamentam em premissas e hipóteses diferenciadas daquelas que fundamentam
os modelos tradicionais.
Este argumento nos remete à Educação Matemática Crítica, que, segundo Alr∅ e
Skovsmose (2006), preocupa-se com o modo que a Matemática influencia nosso ambiente
cultural, tecnológico e político, ou seja, de que maneira ela pode fundamentar o
desenvolvimento da cidadania e como o individuo pode ser habilidoso através da mesma.
Desta maneira, compreendo a Modelagem, como um ambiente de aprendizagem7, o
qual parte de uma situação/tema e sobre ela decorrem questões, que terão de ser
respondidas através do uso ferramental matemático e da investigação sobre o tema. O que,
segundo Barbosa (2001), desenvolverá as habilidades gerais de exploração, pois os alunos
desenvolvem habilidades de investigação. Para Burak (2004), a Modelagem propícia o
ensino e a pesquisa, pois trabalha com temas diversos, favorecendo a ação investigativa
como forma de conhecer, compreender e atuar em determinada realidade.
Então, posso dizer que a Modelagem trata-se de um ambiente de aprendizagem, no
qual os alunos são convidados a indagar e estimulados a investigar, por meio da
matemática, situações originadas de outras áreas da realidade (BARBOSA, 2003). Deste
conceito, considero que no desenvolvimento das atividades, os alunos se envolvem em
6 Conforme sugerido por Bean (2007), realidade refere-se à nossa interação com o mundo 7 Conforme sugerido por Skovsmose (2000), ambiente de aprendizagem refere-se às condições propiciadas aos alunos para desenvolverem suas ações.
4
várias discussões, já que esse ambiente se desenvolve em contextos sociais repletos de
interações interpessoais. Essas discussões ocorrem nos espaços de interação, os quais
Barbosa (2006), denomina a todo o encontro entre alunos ou entre estes e o professor com
o propósito de discutir os encaminhamentos referentes ao desenvolvimento da atividade de
Modelagem, visando estruturar uma resolução à situação proposta, bem como uma
possível produção de um modelo matemático, que retrate a situação estudada.
Bean (2007) considera modelo como estruturas conceituais cuja aceitação
sociocultural numa comunidade ou sociedade é devida a sua capacidade de direcionar
atividades da comunidade, de forma que essas atividades atendam às necessidades,
interesses e aspirações dos membros da comunidade ou sociedade mais ampla. O autor
ainda diz que a construção de modelos também ocorre, numa “escala menor”, num passo
necessário para a resolução de um problema maior, de forma, que o modelo sirva para
nortear o pensamento e as ações na continuidade da resolução.
Para Biembengut (1999) e Bassanezi (2002), um modelo matemático é um conjunto
de símbolos e relações matemáticas que procura representar, de alguma forma, um
fenômeno em questão ou problema de situação real estudada. Refletindo esses conceitos
posso levantar a seguinte questão: poderíamos dizer então, que um modelo matemático
pode ser considerado apenas como um conjunto de símbolos e relações matemáticas?
Bean (2007) argumenta que os modelos são construídos utilizando uma variedade
de linguagens, além da matemática. Por linguagem, o autor compreende como meios de
expressão e comunicação, ou seja, utilizamos linguagens para nos expressarmos e
comunicarmos.
Remetendo-se aos argumentos de Bean (2007) e por compreender que um modelo
matemático é produzido em contextos sociais repletos de interações interpessoais, onde o
discurso (linguagem) é peça fundamental, considero assim como Barbosa (2007b) que
modelo matemático pode ser qualquer representação matemática da situação pesquisada.
Neste caso, ele considera a representação escrita, ou seja, as idéias que os alunos ou
professor registram no papel, através de objetos matemáticos (símbolos, idéias,
algoritmos). Segundo este autor, para ser um modelo matemático é necessário ser um
discurso escrito que utilize objetos matemáticos de alguma maneira.
5
As discussões formadas pelos alunos na busca da construção de um modelo
matemático, nos espaços de interação, compõem as rotas de Modelagem. Borromeo Ferri
(2006) propõe a noção de rotas de Modelagem para denota as ações dos alunos através dos
processos, nos níveis interno e externo, que os mesmos realizam durante as atividades de
Modelagem. Referindo-se ao nível externo, Barbosa (2007b) considera essas rotas de
Modelagem como de natureza discursiva, focalizando assim os discursos produzidos nesse
ambiente. Fazem parte dessas rotas, segundo o autor:
- as discussões matemáticas que se referem aos conceitos e idéias integralmente
pertencente à disciplina matemática;
- as discussões técnicas que se referem ao processo de matematização da situação em
estudo;
- a s discussões reflexivas que se referem à conexão entre os pressupostos utilizados na
construção do modelo matemático e os resultados, bem como a utilização destes últimos na
sociedade.
A seguir, aprofundarei o estudo sobre as discussões técnicas, já que o objetivo
desse artigo é discutir o conceito das discussões técnicas num ambiente de Modelagem.
As Discussões Técnicas
Nos estudos de Barbosa (2001, 2003, 2006), é relatado que Skovsmose (1990) tem
apresentado a natureza do processo de Modelagem em termos de conhecimento
matemático, técnico e reflexivo. Sobre conhecimento técnico, Skovsmose (1990) apresenta
como o que se refere a como construir e usar um modelo matemático. Envolto por essa
consideração de Skovsmose acerca de conhecimento técnico, Barbosa (2003) conceitua as
discussões técnicas, inicialmente, como as que se referem à construção do modelo
matemático, em particular à transição da situação para a representação matemática.
Nessa definição de Barbosa (2003), os termos “construção” e “transição”, chamam
a atenção. De acordo com Ferreira (2004), o termo “construção” vem do latim
constructione e pode assumir alguns significados dentre eles: ação, efeito, modo ou arte de
construir; maneira como algo é formado; estrutura; o objeto construído, edifício; e
6
matematicamente, esse termo representa: tratado metódico das construções geométricas.
Ainda segundo Ferreira (2004), o termo “transição” surgiu do latim transitione e
representa ato, efeito ou modo de passar lenta e suavemente de um lugar, estado ou assunto
para outro; trajeto; trânsito; passagem. Observo nesse conceito, a preocupação de Barbosa
(2003) com a construção “do modelo”, o qual venha a representar a situação estudada, já
que discussões técnicas se referem à estruturação de um modelo, através da passagem a
situação para a representação matemática.
No conceito apresentado por Barbosa (2007a), a palavra “translação” substitui os
dois termos “construção” e “transição”, definido discussões técnicas como as que se
referem à translação do fenômeno eleito para estudo em termos matemáticos. Em Ferreira
(2004), o termo “translação” origina-se do latim translatione e indica ato ou efeito de
transladar; trasladação; transporte.
Imbuído dessas definições, percebo que o termo translação abarca, ou seja,
compreende tanto o efeito de construção, construir como o de transição, além do que seu
uso não evidencia tanto a produção “do modelo”, mas sim de um estudo, o qual retrate a
situação de alguma maneira. Daí, as discussões técnicas assumem o papel de transporta
uma situação para termos matemáticos.
Já em estudos recentes, como Barbosa (2007b) conceitua as discussões técnicas
como o processo de matematização da situação em estudo. Sendo assim, analisando as
definições de Ferreira (2004) sobre os termos “processo”, o qual indica maneira de operar,
de agir; método. E “matematização” que é reportado pelo autor, como ato ou efeito de
matematizar; aplicação de métodos matemáticos a um domínio do saber. Posso então dizer
que as discussões técnicas envolvem um processo de reduzir, através da matemática, a
situação em estudo.
Depreendendo-se da definição no parágrafo acima, considero as discussões técnicas
como referente à tradução da situação-problema para a linguagem matemática, como
apresentado em Silva (2006). Para Ferreira (2004), o termo “tradução” vem do latim
traductione e representa ato ou efeito de traduzir, ou seja, interpretar, representar,
simbolizar, transladar, explicar; transpor de uma língua ou linguagem para outra. Baseado
nessa definição, assumo o termo “tradução” como ação-processo de transpor de uma
7
linguagem para outra. Considerando, assim, discussões técnicas como essa ação-processo
de transpor da linguagem real (realidade) para a linguagem matemática, ou seja, explicar a
situação através da matemática.
Deixo claro, também, que considero linguagem matemática como àquilo que os
participantes (alunos ou professor) falam ou escrevem por meio de signos ou símbolos ou
sons cujos significados são estabelecidos por convenção, neste caso a matemática. De
forma mais clara, compreendo a linguagem matemática, como o uso da matemática
(objetos matemáticos) articulada (discurso) ou escrita (modelo matemático) como meio de
expressão e de comunicação entre pessoas.
Estudos como o de Christensen, Skovsmose e Yasukawa (2008), apresentam essa
“tradução” como um processo de matematização de transformações matemáticas, as quais
reduzem a situação estudada em descrições matemáticas. Essas transformações, segundo
esses autores, podem conter influências dos seus criadores, pois os mesmos durante o seu
desenvolvimento podem inferir interesses implícitos e explícitos.
Remetendo-se a idéia apresentada pelos autores sobre esse processo de
matematização, focalizando nos discursos produzidos no ambiente de Modelagem,
compreendo que essas transformações matemáticas, a nível de discussões técnicas, por sua
vez também podem sofrer influencias dos seus criadores, pois os mesmos refletem em seus
discursos interesse ou intencionalidades implícitas e explicitas durante todo o
desenvolvimento da atividade.
Isso é visível no estudo de Araújo e Barbosa (2005), o qual foi realizado com um
grupo de alunas da disciplina Cálculo Diferencial e Integral, aonde o grupo conduziu a
atividade de Modelagem por meio de uma estratégia inversa àquela proposta pelo
professor, tomando como ponto de partida da atividade um conteúdo matemático. Pode-se
perceber, no episódio apresentado nesse estudo, a intencionalidade na discussão das alunas
durante a interpretação da situação.
Por isso, compreendo que cada modelo traz, em si, uma estrutura baseada em
diversas experiências, intuições e concepções sobre a situação estudada e também sobre
tópicos matemáticos utilizados, e esta estrutura é influenciada pelas interpretações dos
indivíduos sobre a situação-problema. Isso pode ocorrer, pelo fato dos participantes
8
trabalharem com situações do dia-a-dia ou das ciências, as quais podem, direta ou
indiretamente, exercer influencia durante os pressupostos usados na produção do modelo.
Como argumentam Araújo e Barbosa (2005) nesse mesmo estudo, que o contexto
influencia sobre a forma que os alunos interpretam a tarefa de desenvolver atividades de
Modelagem.
Metodologia
Como meu objeto de análise refere-se aos discursos produzidos por um grupo de
alunos durante o desenvolvimento de uma atividade de Modelagem, a abordagem
qualitativa torna-se a mais adequada, já que segundo Bogdan e Biklen (1994), esta
abordagem tem o interesse de investigar problemas e verificar como eles se manifestam
nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas, por isso a fonte direta de
dados é o ambiente natural.
Para acompanhar o desenvolvimento desta atividade, foi selecionado um grupo para
observação, a qual se deu através do contato direto com os autores envolvidos, ou seja,
ocorreu no ambiente natural onde os discursos dos alunos foram produzidos, sendo estes
registrados através de filmagens. Conforme Adler e Adler (1994), a observação consiste
assim em recolher impressões do mundo circunvizinho através de todas as faculdades
humanas relevantes, ou seja, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do
pesquisador com o fenômeno pesquisado (LÜDKE e ANDRÉ, 1986). Também foi
fotocopiado dos alunos todo material escrito desenvolvido por eles durante a atividade.
Neste estudo, utilizo a observação de natureza não-estruturada, onde, de acordo
com Alves-Mazzotti (1998), os comportamentos a serem observados não são
predeterminados, são observados e relatados da forma como ocorrem, visando descrever e
compreender o que está ocorrendo numa dada situação. Tendo em vista os objetivos da
pesquisa, interesso-me pelas interações verbais realizadas entre os alunos e entre estes e o
professor durante o desenvolvimento de uma atividade de Modelagem.
Contexto do estudo
Os dados que utilizarei para ilustrar o meu estudo, foram coletados na disciplina
Instrumentalização para o Ensino da Matemática (INEM) VI – com foco nos Temas
9
Transversais, numa turma do 6º semestre do curso de Licenciatura em Matemática da
Universidade Estadual de Feira de Santana – Bahia, ministrada pelo orientador deste
artigo. A turma era composta por 15 alunos de diversos semestres.
Essa disciplina visa potencializar os estudantes para a organização de situações
didáticas voltadas para a compreensão da realidade social e dos direitos e
responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. Temas Transversais
busca promover o “encaixe” das disciplinas, e no caso especial da Matemática, tentando
conectá-la a outras disciplinas. Nesse contexto, o ambiente de Modelagem é utilizado, pois
a Matemática é trabalhada para estudar e entender fenômenos de outras disciplinas,
abrindo espaço para a inclusão de saberes extra-escolares, possibilitando a referência a
sistemas de significados construídos na realidade dos alunos.
As aulas aconteciam uma vez por semana com carga horária de 4 horas e eram
divididas em três momentos. No primeiro momento, o professor discutia com os alunos
sobre um tema proposto por ele. Às vezes, o mesmo trazia reportagens e dados sobre o
tema a ser abordado. No segundo momento, os alunos eram convidados a trabalhar uma
determinada questão em grupo, finalizando com a exposição e discussão das conclusões da
atividade, fechando assim o terceiro momento do encontro.
Durante a observação, foram coletados dados em diferentes grupos, tendo em vista
que nessa disciplina, o professor teve a oportunidade de desenvolver atividade de
Modelagem, caso 18 e também um projeto de Modelagem, caso 3. Para esse artigo trago os
dados vindos de uma atividade do projeto de Modelagem caso 3, desenvolvido pelo grupo
formado pelos alunos: Crispiniana, Índio, Mamá, Marcela e Vivian 9. Essa atividade era
dividida em três momentos: o primeiro refere-se aos encontros entre o professor e o grupo
de alunos, o segundo trata-se das conclusões pelos alunos elaboradas e discutidas sem a
presença do professor e o terceiro a exposição pelo grupo dos resultados do estudo ao
restante da turma.
O episódio, a seguir, refere-se a uma atividade desenvolvida pelo professor, na
turma de INEM VI. Para um maior contato com este grupo, visando compreender, através
dos discursos produzidos pelos mesmos, a atividade desenvolvida, houve a necessidade de 8 Para maiores informações acerca dos casos 1 e 3 de Modelagem, ver Barbosa (2003). 9 Pseudônimos adotados pelos integrantes do grupo observado.
10
um contato direto com os alunos através da observação do encontro, para o
desenvolvimento da atividade, realizado por eles. Por esse fato, foi selecionado apenas um
grupo, pois dessa forma pude acompanhar todas as etapas do desenvolvimento da
atividade.
Para esse artigo, destaquei um trecho de um episódio, referente à apresentação dos
resultados encontrados pelo grupo ao professor e a turma, que retrata as discussões técnicas
dos alunos num ambiente de Modelagem.
Episodio: Qual o valor da passagem em 2008?
O episódio, apresentado a seguir, refere-se ao dia de aula, no qual os alunos
apresentaram para o restante da turma o projeto de Modelagem desenvolvido por eles. O
grupo observado decidiu desenvolver um estudo sobre aumento recente na tarifa do ônibus
urbano da cidade de Feira de Santana (Bahia), tendo em vista que esse assunto estava
sendo bastante discutido pela população da cidade, devido o recente aumento do valor da
passagem de R$ 1,70 para R$ 1,85. Então, o grupo se propôs a resolver a seguinte
pergunta: “Qual será o valor da passagem no ano de 2008?” Após reunião com o
professor, tentaram coletar dados e informações no SIT - Sistema Integrante de Transporte
da cidade de Feira de Santana, que é responsável pelo sistema de transporte da cidade para
desenvolver o estudo.
A apresentação foi dividida em dois momentos, no primeiro houve apresentação de
um histórico sobre o desenvolvimento do sistema de transporte na cidade de Feira de
Santana, bem como o motivo que levou o grupo a escolher esse tema. No segundo
momento, após essa discussão inicial, sobre a justificativa e a importância de investigar a
problemática apresentada, o grupo seguiu sua apresentação da possível solução encontrada
por eles para a situação investigada.
O recorte abaixo mostra os discursos dos alunos, enquanto estes socializam suas
conclusões acerca do aumento do valor da passagem do ônibus urbano na cidade de Feira
de Santana com o restante da turma:
(1) Marcela: A gente resolveu assim... Que a mudança foi mais ou menos em fevereiro e março [referindo-se ao ano de 2006] e como aqui a gente só tem até outubro [ainda
11
referindo-se ao ano de 2006], a gente colocou entre fevereiro e março entre setembro e outubro... Esse dois mil... A gente pegou esse e foi somando aqui até o mês de outubro... daí dividiu por oito e achou aquele número ali de vermelho[referindo-se ao slide 1].
Cálculos
2006 - Passageiros
Fevereiro-março →setembro-outubro
2051316 + 2514550 + 2131621 + 2509507 + 2336786 + 2469375 + 2596174 + 2513267 + 2581616 = 21704212
21704212 : 8 = 2713026,5
Na enunciação (1), nota-se que Marcela apresentou os dados, os quais o grupo
considerou para o desenvolvimento da atividade, bem como a estratégia inicial, que
consistiu em achar uma média referente aos meses, os quais eles possuíam que no caso
foram oito meses. Então, eles decidiram achar à média dos oito meses.
(2) Aluna: Mas por que dividiu por oito? (3) Marcela: Na verdade é uma média que a gente achou...entre esses
meses aqui que no caso foram oito meses que a gente pegou... Ai, aqui é a quilometragem... Por que tem dois gráfico ali passageiro e quilometragem [referindo-se aos gráfico do slide 1]... A gente fez a mesma coisa dividiu por oito, que foi a quantidade de meses e achou esse valor.... Ai, aqui 2007 passageiros fez a mesma coisa, dividiu por oito e achou o valor... Calculando a passagem 2008... A gente resolveu fazer uma regra de três composta com o número de passageiros, a quilometragem e o valor da passagem [slide 2]... A gente colocou que o número de passageiros é inversamente proporcional a valor da
Figura 1: Slide 1
12
passagem, não é isso... Pois se eu tenho uma quantidade de passageiros... O valor é aquele se aumenta (passageiros) o valor vai ser aquele mesmo. E a quilometragem é proporcional ao valor da passagem, pois enquanto mais o ônibus roda mais gastos ele tem então o valor da passagem tende a aumentar... Ai aqui aqueles valores que achamos ali, a gente colocou 2006 e 2007... Então qual será?... Por que aqui tem 2006 o aumento foi pra quanto?.. 1,70... e aqui em 2007 qual será pra 2008? Vai ter que se ver ai.
↓Nº de passageiros ↑Quilometragem ↑Valor da passagem2713026,5 1071382,7 R$1,702574700,5 1226928,2 P
Calculando a passagem de 2008
Após o questionamento de uma colega da turma, Marcela, na enunciação (2),
explicou o motivo de o grupo ter considerado apenas oito meses. Em seguida, ela explicou
que o grupo decidiu fazer uma regra de três composta entre número de passageiros,
quilometragem e valor da passagem, afinal de tentar projeta um novo valor da passagem.
Marcela, também deixou claro, a relação existente entre o número de passageiros e a
quilometragem, ambos com o valor da passagem.
(4) Marcela: Daí a gente relacionou de 2 em 2... Quilometragem e o valor da passagem ai achou o primeiro ali... R$ 1,95 aproximadamente [slide 3] e o numero de passageiros com o valor da passagem vai acha outro valor q é possível que é 2,00 [slide 4].
Figura 2: Slide 2
13
Quilometragem V. da passagem1071382,7 R$1,701226928,2 P1
1071382,7P1 = 1,70X1226928,21071382,7P1 = 2085777,9
P1 = 2085777,9/1071382,7P1 = 1,9468093P1 = R$1,95 (aproximadamente)
Relacionando o valor da passagem à quilometragem
↓nºde passageiros ↑V. da passagem27130265/10 R$1,7025747005/10 P2
10/27130265 1,7010/25747005 P2
10/27130265P2 = 1,70X10/257470050,0000003P2 = 0,0000006P2 = 0,0000006/0,0000003P2 = R$2,00
Relacionando o valor da passagem ao nº de passageiros
Nesse momento, pela enunciação (4), Marcela mostrou que o grupo decidiu fazer
uma relação 2 a 2, ou seja, uma relação entre a quilometragem e o valor da passagem e em
seguida esta ultima com o número de passageiro. Dessa forma, o grupo achou um valor em
relação a quantidade de usuários e outro valor referente a relação entre valor e quilômetros
rodados pelo ônibus.
Euforia de todos os alunos com a apresentação dos resultados obtidos pelo grupo.
(5) Índio: Como em qualquer pesquisa sempre é possível uma margem de erro, né?... Você pode até questionar o valor maior do que o que está sendo discutido hoje... Dessa
Figura 3: Slide 3
Figura 4: Slide 4
14
forma, a passagem no ano de 2008 considerando a evolução da quilometragem pode ser de aproximadamente R$1,95, e relacionando ao número de passageiros pode ser de R$2,00. Percebemos que há uma diferença pequena, portanto a passagem no ano de 2008 poderá estar entre R$1,95 e R$2,00. Sabemos que se considerássemos os gastos anuais... Aos quais não tivemos acesso como foi dito por Vivian... Poderíamos ter chegado a um resultado diferente para a passagem em 2008, porém acreditamos que a maneira como calculamos seja uma possibilidade... Considerando os dados que a gente tinha a gente consegui isso ai.
Na enunciação (5), o aluno Índio relatou que os valores encontrados tiveram base
nas informações e nos dados encontrados por eles durante a pesquisa.
Observando esse episódio, posso analisar que as discussões dos alunos decorrem
em torno de estabelecer uma estratégia para encontra o valor de passagem através do
número de usuário do transporte urbano, bem como a quantidade de quilômetro percorrido
pelo ônibus em seu trajeto, além do valor atual da passagem.
A parte em destaque nas enunciações dos alunos, denota-se o que considero como
discussões técnicas, pois nessas partes podemos perceber como eles interpretaram, ou seja,
traduziram a situação estudada em termos matemáticos. Nas enunciações (1) e (3), por
exemplo, vimos que o grupo através do cálculo das médias referente aos dados de oito
meses e aos dados do número de passageiros conseguiu uma base para começa o estudo.
Depois com essas informações, segundo a aluna, o grupo tentou através de uma regra de
três compostas encontra um valor. Daí em seguida, os alunos decidiram fazer duas
relações, como relata a aluna na enunciação (4), uma relacionando o valor da passagem e a
quilometragem do ônibus e outra usando o valor da passagem e o número de usuário, o que
levou o grupo a encontra dois valores.
Considerações finais
Através da ilustração desse trecho de episódio, as discussões estabelecidas pelo
grupo observado tinham o intuito de interpretar a situação proposta. Fazendo o uso de
experiências de conceitos matemáticos, ou seja, uma linguagem matemática para
15
compreender e assim desenvolver a atividade. Essas discussões realizadas pelos mesmos
podem ser denominadas de discussões técnicas, já que os conceitos matemáticos foram
responsáveis pela estruturação da estratégia a ser seguida, seleção de variáveis
responsáveis pela tradução da situação estudada para a linguagem matemática.
Percebe-se também, que a situação do dia-a-dia sobre as quais os alunos estão
trabalhando nesse caso o aumento de tarifa de ônibus, pode ser considerada um tipo
específico de discurso, que será “interpretado” e por que não dizer traduzido por outro
discurso, que nesse caso será a discussão técnica. Compreendo que essas situações, seja
elas do dia-a-dia ou de até mesmo de outras ciências, serão o ponto de referência para o
desenvolvimento e a produção das discussões técnicas e futuramente a estruturação do
modelo, pois as mesmas forneceram um “limite”, ou seja, os pressupostos que serão ou não
permitidos considerar de fato, já que se tratam de situações reais, situações com impressões
de sentido.
Além do que como considero o modelo matemático desenvolvido durante a
atividade um discurso escrito, isso me remete a considerar que o mesmo pode vim a ser
modificado com interferências de outras discussões como as reflexivas, as matemáticas ou
até mesmo as técnicas.
Por exemplo, as discussões reflexivas, que se referem à conexão entre os
pressupostos utilizados na construção do modelo matemático e os resultados, bem como a
utilização destes últimos na sociedade, podem questionar esse modelo, esse discurso
escrito, levando os participantes a reinterpretá-los ou readequá-lo pormenorizadamente
com outra perspectiva, que reflita como os pressupostos utilizados na produção desse
modelo, podem afetar a sociedade. Isso é visto na fala do aluno Índio, ele deixa claro que
os resultados obtidos são vindo dos dados utilizados e que os mesmos podem até serem
questionados, tendo em vista que o valor encontrado pelo grupo foi bem maior que o valor
realmente estipulado pela prefeitura da cidade.
Vimos no extrato apresentado que os alunos desenvolveram as discussões técnicas.
Entretanto outras questões surgem: Como surgem essas discussões? Como elas se
desenvolvem nesse ambiente? Essas perguntas que fazem parte dos objetivos do meu
estudo, o qual visa investigar e analisar como são produzidas as discussões técnicas num
16
ambiente de Modelagem Matemática. Nesta pesquisa pretendo tratar sobre as discussões
técnicas, tentado entender como são realizadas e formadas no ambiente de Modelagem
Matemática.
Próximos Passos
A análise e a interpretação inicial estão sendo feitas de forma interativa com os
dados. A pesquisa está em fase de qualificação. Posteriormente, à análise inicial, voltarei à
atenção para a análise dos dados discutindo com a literatura.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer aos membros do Núcleo de Pesquisas em Modelagem
Matemáticas (NUPEMM) pelas contribuições dadas no processo de revisão deste artigo.
Além disto, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB)
pelo financiamento oferecido ao projeto de pesquisa de onde se originou este artigo.
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