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    ABEC ASSOCIAO BAIANA DE EDUCAO E CULTURACEPPEV CENTRODE PS-GRADUAO E PESQUISA DAFUNDAO VISCONDE DE CAIRU

    MARIA HELENA RIBEIRO COSTA

    AS CAUSAS DA EVASO ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO NUMAUNIDADE DE ENSINO DA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR

    Monografia apresentada ao Curso deEspecializao da Associao Baiana deEducao e Cultura-ABEC, como requisito obteno do ttulo de especialista comconcentrao em Docncia do Ensino Superior.

    Salvador2004

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    Dedico este trabalho aos meus alunosda Educao de Jovens e Adultos, daEscola Municipal Barbosa Romeo, por

    tudo que me oportunizaram e poracreditarem que a Educao ainda ocaminho para uma vida melhor.

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    Ningum educa ningum, ningum educa a si

    mesmo, os homens se educam entre si,mediatizados pelo mundo.Paulo Freire

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus, por me permitir a vida.

    Aos meus pais, por me iniciarem no mundo letrado.

    Aos meus filhos, pela oportunidade do amor incondicional.

    Ao ser humano Beto, meu marido-companheiro, por sua compreenso e pacincia.

    minha orientadora, por sua disponibilidade e dedicao.

    Aos professores, amigos e colegas do curso de especializao.

    A todos que contriburam para a minha formao pessoal e profissional.

    Agradeo, especialmente, minha amiga francesa, Juliana Clermont, pelos ricos einspiradores dilogos.

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    SUMRIO

    RESUMO 6

    1. INTRODUO 7

    2. A EVASO ESCOLAR: SUAS DIVERSAS FACES E IMPLICAES 13

    2.1 A evaso escolar e o interacionismo de Vygotsky 15

    2.2 Evaso e repetncia: fracasso escolar 18

    2.3 Evaso escolar e afetividade 23

    2.4 A formao do professor contribui para diminuir a evaso 28

    3. AS CAUSAS DA EVASO ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO NUMA

    UNIDADE DE ENSINO DA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR 37

    3.1 Contextualizao da Unidade de Ensino 38

    3.2 Perfil dos respondentes 42

    3.3 As causas da evaso 46

    4. CONSIDERAES FINAIS 53

    4.1 Como utilizar as novas tecnologias para incluir e combater evaso 57

    REFERNCIAS 64

    APNDICE 67

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    RESUMO

    Esta pesquisa teve o propsito de identificar os fatores que contribuem para aevaso numa escola municipal da cidade de Salvador. A temtica que norteou estapesquisa o resultado das inquietaes e angstias surgidas na vivncia comodocente, nas sries iniciais do Ensino Fundamental de uma UE de Salvador, pelosobjetivos no atingidos na prtica pedaggica, devido evaso, gerando anecessidade de compreender os motivos que levam tantos alunos a abandonarem aescola. Pretendeu-se, tambm, verificar se as taxas de evaso so representativasface ao nmero de alunos matriculados e, levantar aspectos que possibilitem reduziressa evaso naquela UE. O acesso escola tem sido facilitado propiciando oatendimento demanda, o mais prximo possvel da residncia do aluno, com umcrescimento significativo da matrcula, mas preocupante o nmero de evadidos. Na

    escola pesquisada existem, atualmente, cerca de 950 alunos matriculados. Entre2000 e 2003, a matrcula anual girou em torno de 850 a 900 alunos e a evaso,entre 149 a 185 alunos. No incio de cada ano, so matriculados 40 a 50 alunos porclasse, e logo que se iniciam as aulas, a freqncia comea a diminuir. Comoprofessores de uma escola voltada para o atendimento de uma comunidade pobre,percebe-se o conflito: a vontade ou necessidade de estudar X todas as outrasnecessidades e problemas inerentes aos menos favorecidos. A evaso no umproblema apenas daquela escola. Contudo, o fato de a UE tentar atender scarncias dos alunos, de forma holstica, ou seja, no aspecto cognitivo, afetivo,moral, social, dentre outros, parece ser insuficiente. Espera-se que a compreensodessa micro realidade possa servir de base ao desenvolvimento de novos estudos,

    contribuindo, assim, para a reduo da evaso em todas as UEs. Considerando aabrangncia do assunto e o quanto j vem sendo discutido, pretende-se fazer umrecorte dos aspectos psicossociais, buscando dados referentes aos motivos daevaso escolar, relacionando-os com algumas variveis, como: formao doprofessor, novas tecnologias, afetividade, necessidade de o aluno trabalhar,mtodos de ensino, participao da famlia, gravidez, drogas, violncia, subemprego,e, assim, compreender o porqu dos alunos deixarem a escola. O trabalho tomoucomo ponto de partida uma pesquisa bibliogrfica e documental, que teve comofonte livros, jornais, revistas, sites. Dentre os muitos autores que tratam dessaquesto, buscou-se, principalmente, as contribuies de tericos como: MoacirGadotti, Vygotsky, Wallon e Paulo Freire. Tambm, foi feita uma pesquisa de campo

    na escola, para saber dos alunos, que fatores contribuem para a evaso. Foiaplicado um questionrio, de carter confidencial, a 30 respondentes, medida queos ex-alunos foram encontrados. O trabalho foi bem recebido pela comunidade. Oresultado apontou a necessidade que os alunos tm de trabalhar e os filhos como osmotivos mais marcantes da evaso escolar naquela UE. Esta pesquisa pode serconsiderada relevante na medida em que abordou causas e conseqncias daevaso escolar, fornecendo uma melhor compreenso sobre o assunto. A anlisedos resultados foi feita dentro da abordagem qualitativa considerando os dadoscoletados.

    Palavras-chave: Evaso Escolar; Pesquisa; Escola Municipal; Alunos; Professores.

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    INTRODUO

    Eu sei muito pouco. Mas, tenho a meu favor o que no sei epor ser um campo virgemest livre de preconceitos. Tudo o

    que sei a minha parte maior e melhor: a minhalargueza. com ela que eu compreenderia

    tudo. Tudo que eu no sei queconstitui a minha verdade.

    (Clarice Lispector)

    A temtica que norteou esta pesquisa o resultado das inquietaes e angstias

    surgidas na vivncia como docente, nas sries iniciais do Ensino Fundamental de

    uma escola pblica municipal de Salvador, capital do estado da Bahia. Isto, porque a

    insatisfao pelos objetivos no atingidos na prtica pedaggica, devido evaso,

    gerou a necessidade de compreender os motivos que levam tantos alunos a

    abandonarem a escola.

    De acordo com o relatrio de 2003, da Secretaria Municipal da Educao e Cultura

    (SMEC), a rede pblica municipal de ensino de Salvador conta com 317 (trezentos e

    dezessete) unidades escolares, atendendo cerca de 146.900 alunos, em 4.852

    classes, com 4.168 professores, sendo 3.319 efetivos do Municpio, 257 substitutos

    e 592 do Estado, decorrentes do processo de municipalizao do Ensino

    Fundamental, alm de diretores, vice-diretores e especialistas em Educao. O

    acesso escola tem sido facilitado propiciando o atendimento demanda, o mais

    prximo possvel da residncia do aluno, com um crescimento de 162,18% da

    matrcula no perodo compreendido entre 1996 e 2003.

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    Os dados divulgados pela SMEC acerca do crescimento do nmero de matriculados

    animador, mas isso no elimina a preocupao dos educadores no que diz

    respeito evaso. Na escola pesquisada existem, atualmente, cerca de 950 alunos

    matriculados. No perodo compreendido entre 2000 e 2003, a matrcula anual girou

    em torno de 850 a 900 alunos e a evaso, entre 149 e 185 alunos, o que representa

    uma evaso de 19% dos matriculados, conforme dados da prpria escola.

    No contexto deste trabalho, entende-se por evaso escolar o fato de o educando,

    uma vez matriculado, deixar de freqentar a escola, independente dos motivos.

    Docentes da rede municipal de ensino de Salvador, h 5 anos, tm percebido que o

    nmero de matriculados no incio de cada ano de 40 a 50 alunos por classe, e que

    logo que se iniciam as aulas, a freqncia comea a sofrer reduo: alunos que

    nunca comparecem, outros que freqentam uma ou duas vezes por semana, e

    outros que, assim que obtm o nmero da matrcula para que possam fazer a

    carteira de passe escolar (smartcard), deixam de ir escola. Os motivos que os

    levam a este comportamento so os mais diversos, e esse trabalho monogrfico

    teve como eixo central a sua identificao.

    Percebe-se naquela escola, que voltada para o atendimento de uma comunidade

    pobre1, o conflito que cerca os educandos: por um lado, a vontade ou necessidade

    de estudar, por outro, todas as necessidades e problemas inerentes aos menos

    favorecidos.

    1Conforme dados da Revista Veja, 13 maio 1999, adquiridos por esta do IBGE/1999, faz parte da classe pobre

    vigias, serventes de pedreiros, ambulantes e outros trabalhadores sem qualificao, e que tm renda de at doissalrios mnimos, disponvel no sitehttp://www.geocities.com/Paris/Rue/5045/CLASSES.HTM

    http://www.geocities.com/Paris/Rue/5045/CLASSES.HTMhttp://www.geocities.com/Paris/Rue/5045/CLASSES.HTMhttp://www.geocities.com/Paris/Rue/5045/CLASSES.HTMhttp://www.geocities.com/Paris/Rue/5045/CLASSES.HTM
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    A evaso no um problema apenas daquela escola. Na cidade de Salvador o

    ndice de evaso atinge 14% dos alunos matriculados, conforme Relatrio/2003, da

    SMEC. Contudo, o que causa descontentamento nos profissionais de educao o

    fato de se ter comprovao das aes desenvolvidas pela Unidade de Ensino , na

    tentativa de atender s carncias dos alunos, de forma holstica, ou seja, no

    aspecto cognitivo, afetivo, moral, social, dentre outros.

    Todavia, existe o problema das inmeras dificuldades enfrentadas pelos alunos que

    permeia o processo de escolarizao deles, tornando-os refns da ignorncia,

    mantendo-os como analfabetos. Para Libneo, citado por Gadotti (1994, p.12):

    A pedagogia liberal sustenta a idia de que a escola tem funo depreparar os indivduos para o desempenho de papis sociais, de acordocom as aptides individuais. Para isso, os indivduos precisam aprender aadaptar-se aos valores e s normas vigentes na sociedade de classes,atravs do desenvolvimento da cultura individual (...) A nfase no aspectocultural esconde a realidade das diferenas de classes, pois, emboradifunda a idia de igualdade de oportunidades, no leva em conta adesigualdade de condies.

    O paradoxo existente entre o que difundido e a realidade dos alunos se concretiza

    ao se analisar a forma desinteressada como a educao pblica conduzida.

    Buscando elucidar esse processo que promove a evaso, a questo sobre a qual

    este trabalho se debruou foi a busca dos fatores que contribuem para a evaso

    escolar num ambiente onde a preocupao com o aprendizado dos alunos e alunas

    prioritrio. A escolha da UE onde foi desenvolvido o estudo de caso obedeceu a

    trs motivos principais: identificar os fatores que contribuem para a evaso nessa

    escola; verificar se as taxas de evaso so representativas face ao nmero de

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    alunos ali matriculados; levantar aspectos que possibilitem reduzir a evaso naquela

    entidade de ensino, uma vez que, todos os segmentos engajados no movimento de

    uma educao que prepare o educando para exercer a cidadania acredita que: a

    participao da famlia contribui para a reduo da evaso escolar; mtodos de

    ensino voltados para a realidade do aluno contribui para a permanncia dele na

    escola; a formao continuada de professores auxilia a freqncia escolar.

    Espera-se que a compreenso dessa micro realidade possa servir de base ao

    desenvolvimento de novos estudos, contribuindo, assim, para a reduo da evaso

    em todas as Unidades de Ensino.

    A preocupao com a evaso justifica-se pois, quaisquer que sejam os motivos, os

    alunos e alunas perdem a oportunidade de interagir com outras pessoas num

    ambiente letrado, deixando de construir o prprio conhecimento e impedidos de

    buscarem e adquirirem habilidades leitoras e escritoras, permanecendo, assim, sob

    a opresso da ignorncia. Para Paulo Freire (1987, p.34):

    Os oprimidos, que introjetam a sombra dos opressores e seguem suaspautas, temem a liberdade, na medida em que esta, implicando a expulsodesta sombra, exigiria deles que preenchessem o vazio deixado pela

    expulso com outro contedo o de sua autonomia. O de suaresponsabilidade, sem o que no seriam livres. A liberdade, que umaconquista, e no uma doao, exige uma permanente busca. Buscapermanente que s existe no ato responsvel de quem a faz. Ningum temliberdade para ser livre: pelo contrrio, luta por ela precisamente porque noa tem. No tambm a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qualinclusive eles se alienam. No idia que se faa mito. condioindispensvel ao movimento de busca em que esto inscritos os homenscomo seres inconclusos.

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    A inconcluso dos seres humanos um fato, porm essa no se deve estender aos

    nveis da absoluta incapacidade leitora e escritora, situao que favorecida pela

    evaso escolar.

    Considerando a abrangncia do assunto e o quanto j vem sendo discutido,

    pretendeu-se fazer um recorte dos aspectos psicossociais, buscando dados

    referentes aos motivos da evaso escolar, relacionando-os com algumas variveis,

    como: a formao do professor, a necessidade que o aluno tem de trabalhar,

    mtodos de ensino, participao da famlia, gravidez, drogas, violncia, subemprego,

    e, assim, compreender quais, dentre esses fatores desempenham papel significativo

    na evaso constatada na UE pesquisada.

    O trabalho tomou como ponto de partida uma pesquisa bibliogrfica e documental,

    que teve como fonte livros, jornais, revistas, sites. Dentre os muitos autores que

    tratam dessa questo, buscou-se, principalmente, as contribuies de tericos como:

    Moacir Gadotti, Vygotsky, Wallon e Paulo Freire. Tambm, foi feita uma pesquisa de

    campo na UE, numa tentativa de identificar, a partir da tica do educando, que

    fatores contribuem para a evaso. Para isso, aplicou-se um questionrio, com

    garantia de confidencialidade, a 30 respondentes, escolhidos dentre os alunos queabandonaram a escola desde sua fundao. O critrio de escolha foi a facilidade de

    acesso aos respondentes, pois a grande maioria no pode ser localizada.

    Em decorrncia das desigualdades sociais e do desinteresse dos governantes no

    que concerne educao, os educandos, por necessidade de sobrevivncia, vivem

    margem da escola, submissos, oprimidos.

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    Para os docentes, esta pesquisa foi relevante na medida em que abordou causas e

    conseqncias da evaso escolar, fornecendo uma melhor compreenso sobre o

    assunto, buscando sugestes que possam auxiliar, quando no possvel na

    resoluo, mas na tentativa de minimizar o problema.

    Em funo de melhor entendimento, este trabalho est dividido captulos, conforme

    foi desenvolvido. Aps esta introduo, segue o segundo captulo, que trata da

    evaso com suas diversas faces e implicaes. Nele so abordados o

    interacionismo de Vygotsky, a repetncia, o fracasso escolar, a importncia da

    afetividade na luta contra a evaso e, a formao do professor como elemento que

    contribui para reduo da evaso escolar. O terceiro captulo centrado em um

    estudo de caso numa unidade de ensino da rede municipal de Salvador, em que se

    contextualiza a escola, traa-se um perfil dos respondentes e as causas da evaso,

    segundo a pesquisa. O quarto captulo traz as consideraes finais, apontando as

    novas tecnologias como meio de incluso e de combate a evaso escolar.

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    2. A EVASO ESCOLAR: SUAS DIVERSAS FACES E IMPLICAES

    A existncia, porque humana, no pode ser muda, silenciosa, nem tampoucopode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras,com que os homens transformam o mundo. Existir,

    humanamente, pronunciaro mundo, modific-lo.O mundo pronunciado, por sua vez, se voltaproblematizado aos sujeitos pronunciantes,

    a exigir deles novo pronunciar.

    (Paulo Freire)

    Partindo-se do pressuposto que minimizando algumas necessidades dos alunos,

    estes se manteriam frequentando as aulas, a escola pesquisada, desde sua

    fundao, tem na sua prtica aes como: formao continuada de seus

    professores, atividades em laboratrio de informtica, educao fsica, inclusive para

    o noturno, atividades de artes, atividades de reforo para aqueles que ainda no

    conseguem ler e escrever, independente da srie em que estejam.

    Apesar de todo investimento da escola em estudo, o papel do professor deve ser

    analisado freqentemente e revisto com profundidade frente s aceleradas

    mudanas e contrastes marcantes. Tambm, necessrio rever a atuao da

    escola, para que todo o desejo de se fazer um bom trabalho no fique no discurso,

    na utopia. De igual modo, devem ser analisados os anseios dos alunos, que por

    muitas razes, tm uma autoestima baixa.

    Sendo a evaso escolar um problema preocupante, a quem, realmente, interessa

    que alunos e alunas freqentem a escola e se tornem letrados? Os programas 2para

    combater o analfabetismo, a exemplo do Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    2Informaes retiradas da Revista Veja, edio 1825, de 22 de outubro de 2003.

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    (MOBRAL/ 1967-1985), Fundao Nacional de Educao de Jovens e Adultos

    (1985-1990), Programa Nacional de Alfabetizao e Cidadania (1990-1992),

    Alfabetizao Solidria (1997-2002), Brasil Alfabetizado (2003), o Ciclo de Estudos

    Bsicos (CEB), o Programa de Educao Bsica (PEB), a Educao de Jovens e

    Adultos (EJA) e tantos outros, no apresentam resultados satisfatrios, uma vez que

    na prtica o que os docentes constatam que os alunos e alunas egressos desses

    programas tornam-se, em sua grande maioria, analfabetos funcionais. Por outro

    lado, aqueles que esto realmente comprometidos com a educao, pouco podem

    fazer, pois seus poderes so limitados regncia de classe e pequenas aes

    isoladas.

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    2.1 A evaso escolar e o interacionismo de Vygotsky

    O que a criana pode fazer hoje com o auxlio dos adultos poder faz-loamanh por si s. A rea de desenvolvimento potencial permite-nos,

    pois, determinar os futuros passos da criana e a dinmica do seudesenvolvimento e examinar no s o que o desenvolvimento

    j produziu, mas tambm o que produzir noprocesso de maturao.

    (Vygotsky)

    Na concepo interacionista de Vygotsky, o homem aprende na interao com o

    outro. E comea-se esta seo com uma interrogao: como aprender a ler e

    escrever, interagindo com o ambiente escolar, se o aluno tem sua vida permeada

    por dificuldades que o impedem de freqentar a escola? Ou ainda, se por quaisquer

    que sejam os motivos, uma vez matriculados, evadem peridica ou definitivamente?

    Estudar um ato social, portanto prprio do ser humano. Da a necessidade de estar

    no ambiente escolar, interagindo com outras pessoas, tendo a oportunidade de ter

    contato com um mundo cultural. Para Vygotsky (1998, p.41):

    As funes psicolgicas superiores, que so caractersticas do ser humano,por um lado, esto ancoradas nas caractersticas biolgicas da espciehumana e, por outro lado, so desenvolvidas ao longo de sua histria social. o grupo social que fornece o material (signos e instrumentos) quepossibilita o desenvolvimento das atividades psicolgicas. Isso significa quese deve analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior dosindivduos a partir da interao destes com a realidade. Para que oindivduo se constitua como pessoa, fundamental que ele se insira numdeterminado ambiente cultural. As mudanas que ocorrem nele, ao longo deseu desenvolvimento, esto ligadas interao dele com a cultura e aHistria da sociedade da qual faz parte. Por isso, o aprendizado envolvesempre a interao com outros indivduos e a interferncia direta ou indiretadeles.

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    necessrio que o aprendente seja cercado por condies que favoream sua ida e

    freqncia na escola. Por outro lado, pela injusta realidade social a qual exposto, e

    que ficou constatado na pesquisa, acredita-se que o abandono da escola histrico,

    e desde os mais remotos tempos, de qualquer maneira est vinculado persistente

    luta pela sobrevivncia, tanto por parte dos alunos, como tambm, por parte de seus

    responsveis.

    A escola a porta para a libertao da ignorncia. Ento, pergunta-se: o que faz

    uma pessoa, cheia de entusiasmo, sonhos, que vislumbra a possibilidade de

    socializao e de crescimento pessoal, deixar a escola para trs e permanecer no

    reduzido mundo do analfabetismo? pesaroso imaginar que essa evaso, s vezes,

    acontea de forma que passa de gerao a gerao. Dentro de algumas famlias

    esse processo se d sem muita preocupao com um futuro melhor, menos sombrio.

    Ento, torna-se a perguntar: por quaisquer que sejam as necessidades, ao deixarem

    o ambiente escolar, as pessoas esto evadindo ou sendo expulsas? Porque, mesmo

    fazendo a opo por deixar um ambiente, onde a interao com todo um meio

    letrado lhe proporcionaria a aquisio e a construo de conhecimento, no se

    traduz em evaso simplesmente, mas, sim, numa forma de expulso escolar.

    A evaso ou expulso escolar maior no ensino noturno, que sempre foi tratado

    como algo a que no precisa se dar muita importncia. De modo geral, professores

    que atuam nesse segmento, quando comprometidos com o que fazem, reclamam do

    descaso que h em relao aos alunos que estudam noite. Na UE pesquisada, a

    equipe de professores do noturno, vem tentado fazer com que, realmente, haja a

    interao, no s entre os alunos, mas com a escola como um todo, a fim de

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    qualificar o ensino, para que haja, de fato, aprendizagem, atraindo a ateno de

    todos aqueles que buscam naquela escola, a possibilidade de tornarem concretas

    suas perspectivas de uma vida melhor.

    Na concepo construtivista de Vygotsky (1998, p. 104), o socioconstrutivismo ou

    sociointeracionismo se sintetiza no seguinte:

    Todo conhecimento construdo socialmente, no mbito das relaeshumanas. O desenvolvimento da inteligncia produto da convivnciasocial impregnada de cultura. Na ausncia do outro, o homem no seconstri homem. A linguagem interna caracteriza a individualidade. oprincipal instrumento de intermediao do conhecimento entre os sereshumanos. A linguagem tem relao direta com o desenvolvimentopsicolgico.

    Logo, se os alunos e alunas abandonam a escola esto, desse jeito, deixam de se

    relacionar socialmente, perdendo a oportunidade da convivncia culta e, portanto,

    ceifados de construir o prprio conhecimento

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    2.2 Evaso e repetncia: fracasso escolar

    Ningum liberta ningum,ningum se liberta sozinho:

    os homens se libertam em comunho.

    (Paulo Freire)

    Combater o analfabetismo, a evaso escolar, a repetncia e a baixa qualidade da

    educao exige compromisso, competncia e vontade, principalmente, da parte dos

    governantes.

    H um consenso por parte de todos os segmentos da sociedade, de que mudana

    social no se faz sem educao. Mas, educao real, transformadora, que inclua o

    sujeito na sociedade e o torne capaz de exercer a cidadania, e no aquela

    representada apenas por nmeros, para atender s necessidades polticas que

    buscam recursos financeiros no exterior.

    Evaso escolar e repetncia esto interligadas: se evadem, existe a possibilidade de

    voltar e repetir a srie na qual parou, se repetem, ficam propensos a se cansar,

    terminam desistindo e evadem. Nesse ponto, entra um terceiro elemento que pode

    contribuir para a mudana desse quadro: aulas mais atraentes, mais significativas,

    mais prximas da realidade dos alunos. Caso contrrio, estar estabelecido o

    fracasso escolar.

    O fracasso escolar um problema histrico da realidade educacional brasileira,

    caracterizando-se pelas repetncias sucessivas e pela evaso escolar de crianas,

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    adolescentes e adultos sem terem completado as oito sries do Ensino

    Fundamental.

    Dentre os problemas do sistema educacional brasileiro, em qualquer esfera,

    nacional, estadual ou municipal, o fracasso escolar um dos mais estudados e

    discutidos por professores, pedagogos, profissionais da educao. Porm, o que

    ocorre muitas vezes a busca pelos culpados de tal fracasso e, a partir da,

    percebe-se um jogo onde ora se culpa o aluno, ora a famlia, ora uma determinada

    classe social, ora todo um sistema econmico, poltico e social. O que se observa

    que ningum assume a responsabilidade, mas se delega o fracasso a algum ou a

    alguma coisa. Mas ser que existe mesmo um culpado para a no-aprendizagem?

    Se a aprendizagem acontece em um vnculo, se ela um processo que ocorre entre

    subjetividades, nunca uma nica pessoa pode ser culpada. Pode-se dizer que h

    uma culpa em conjunto.

    A sociedade do xito educa e domestica. Seus valores e mitos relativos

    aprendizagem muitas vezes levam ao fracasso. Em nosso sistema educacional, o

    conhecimento considerado contedo, uma informao a ser transmitida.

    A famlia, por sua vez, tambm responsvel pela aprendizagem da criana, j que

    os pais so os primeiros ensinantes. Existem as famlias possibilitadoras de

    aprendizagem, e quando se fala nelas tem-se uma tendncia a excluir as famlias de

    classes menos favorecidas, j que estas no podem fornecer uma qualidade de vida

    satisfatria, uma alimentao adequada, acesso a diversas formas de cultura, como

    cinema, teatro, cursos, computador, viagens, festas.

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    Tambm contribuem para o fracasso escolar a prpria instituio educativa que

    muitas vezes no leva em considerao a viso de mundo do aprendente. As

    discrepncias entre o desempenho fora e dentro da escola so significativas. Ou

    seja, muitas vezes os profissionais da educao no conseguem transpor o

    conhecimento ensinado para a realidade do aprendente. O dilogo do educador

    deve alcanar o nvel do educando, tornando-os prximos um do outro; deve ser um

    dilogo de sensibilizao, de conquista, de doao, uma vez que nem sempre o

    educando encontra esse ambiente em casa ou na famlia. Para Gadotti (1994, p.27),

    citando Paulo Freire:

    A dificuldade de praticar o dilogo est na prpria estrutura social, fechadae opressora, que leva o educando a considerar-se (interprojetando aopresso, hospedando-a) ignorante absoluto e natural [...] O dilogo uma relao horizontal, oposta ao elitismo. Nutre-se de amor, humildade,esperana, f e confiana. Na relao dialgica-educadora parte-se sempreda realidade do educando, dos conhecimentos e da experincia dele, paraconstruir a partir da o conhecimento novo, uma cultura vinculada aos seus

    interesses e no cultura das elites.

    Educadores mais sensveis j conseguem interpretar e absorver este discurso de

    Paulo Freire, observando, assim, como sua prtica pedaggica se torna muito mais

    produtiva.

    Para enfrentamento do problema da evaso, vrias redes municipais e estaduais

    vm implantando programas de classes de acelerao de aprendizagem, destinados

    a crianas, jovens e adultos com dficitidade/srie. O Ministrio da Educao criou

    uma poltica nacional de Acelerao de Aprendizagem que tem sido seguida,

    inclusive pela Secretaria de Educao do municpio de Salvador. Portanto, a UE

    pesquisada est inserida nesse programa. Mas necessrio que se esteja atento

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    para essas medidas de acelerao como forma de resolver a questo do fracasso

    escolar. Em verdade, essa realidade exige que se pratique polticas que promovam

    a reorganizao dos sistemas de ensino e das escolas.

    Uma das solues que se encontrou para o problema da repetncia, presente em

    algumas redes de ensino, inclusive na capital baiana, a promoo automtica,

    alternativa polmica que vem sendo muito questionada na rea educacional.

    Acredita-se no estar a a resoluo para o problema. No promovendo

    automaticamente que se far com que o aluno aprenda ou permanea frequentando

    a escola. Durante a pesquisa, verificou-se a reprovao dessa prtica, pelos alunos

    que foram promovidos de uma srie para outra, sem as competncias leitoras e

    escritoras, mas que conseguiram, ao longo de suas vidas, desenvolver um

    pensamento crtico capaz de entender que esse processo no os levar a atingir

    seus objetivos.

    Sabe-se que no s nas questes internas da escola que est o fracasso escolar;

    que a evaso e a repetncia no so os viles desse problema, a enorme

    desigualdade social est na origem dele.

    Uma vaga na escola o primeiro passo para o no-fracasso, mas concluir as oito

    sries do Ensino Fundamental no significa ter alcanado o sucesso escolar. E o

    maior indicativo disso a falta de habilidades bsicas, por parte dos alunos: ler,

    escrever e resolver operaes matemticas simples. Nesse contexto, h alunos que

    j passaram pela alfabetizao, ou cursaram at a quarta srie, ou concluram o

    Ensino Fundamental, que no conseguem ler com fluncia, ter compreenso do que

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    leem, escrever ortograficamente correto, ou, ainda, ler o que escrevem,

    caracterizando, desta forma, o que se chama de analfabeto funcional.

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    2.3 Evaso escolar e afetividade

    ...a constituio biolgica da criana ao nascer no ser alei nica do seu futuro destino. Os seus efeitos podem

    ser amplamente transformados pelas circunstnciassociais da sua existncia, onde a escolha

    individual no est presente.

    (Henri Wallon)

    No mbito escolar, profissionais da educao tm discutido sobre a pedagogia em

    consonncia com a prtica afetiva. Grande parte dos educadores, em sua prtica

    educativa, se convence de que a escola responsvel por uma formao holstica

    dos alunos, formao essa que inclui no s a questo pedaggica, mas tambm a

    psicolgica e a afetiva. o que na prtica pedaggica se chama de formao

    integral.

    O homem, entendido como um ser holstico, vem sendo objeto de ateno de

    diversos segmentos cientficos, a exemplo da Psicologia Transpessoal. Nesse

    sentido, em seu livro A Psicologia Transpessoal, Mrcia Tabone (1999, p.151) afirma

    que:

    A viso holstica, progressivamente, tem se expandido, influenciando emvrias disciplinas cientficas, sendo que no campo da orientao psicolgicaa abordagem transpessoal pioneira... A percepo do universo como umtodo harmonioso e indivisvel o enfoque central do paradigma holstico e,como evidencia a teoria hologrfica, cada parte constitutiva do universocontm informaes sobre todo o universo e, portanto, alteraes naspartes que afetam todo o universo. Dentro dessa perspectiva, na psicologiatranspessoal o homem visto como um sistema ou totalidade cuja estruturaespecfica emerge da interao de nveis de conscinciafsico, emocional,mental, existencial e espiritual , interligados e interdependentes. Essaconcepo substitui o modelo de homem fragmentado e reducionistabaseado na orientao mecanicista do paradigma newtoniano/cartesiano.

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    Um dos grandes desafios das escolas atualmente oferecer uma formao slida

    para os estudantes sem, contudo, esquecer a formao humanstica. Essa formao

    vai desde a valorizao dos conhecimentos prvios com os quais os alunos chegam

    escola, passando pelo trabalho de valores humanos, para ento, passar o

    contedo educacional. Deve-se desenvolver trabalhos que envolvam o aluno no seu

    todo, sendo ele agente no processo da construo do conhecimento, e que esse

    processo seja significativo para ele, ou seja, prximo de sua realidade. Esto

    envolvidas nisso atividades que permitem a formao do cidado, a exemplo da arte

    e da cultura.

    Em se tratando de afetividade como fator que pode contribuir para a reduo ou o

    aumento da evaso escolar, dependendo, para tanto, de sua existncia ou no, a

    famlia a grande e primordial parceira da escola. Para Ana Cristina Oliveira 3,

    diretora do Colgio Estadual Raymundo Gouveia:

    Apesar de a famlia ser de extrema importncia para formao do aluno,infelizmente, hoje ela no mais a clula mater. Passando a no ter maisesta diviso e ficando mais sob a responsabilidade da escola a educao demaneira geral. A famlia no est mais assumindo o seu papel, uma vez queos pais no tm mais tempo de ficar com seus filhos. Ou eles esto naescola regular ou em cursos extraclasse como capoeira, natao, bal,enfim, so atividades complementares que realmente acrescentam muitopara o aluno, mas no quando isto acontece porque os pais no tm como

    lhes dar ateno. So crianas que esto sempre sob a responsabilidade deoutras pessoas. Inclusive, at a qualidade de vida deste aluno fica por contada escola. Entre papis que a escola tem que desenvolver, no apenascomo complemento mais desenvolver com afinco, esto os temastransversais que tratam da sexualidade, DSTs, gravidez na adolescncia,namoro, amizade e tolerncia. Agora, continuo ressaltando que a escolano substitui a famlia, ela continua sendo a parte mais importante naformao do indivduo.

    3Entrevistada da Folha Dirigida/Suplemento do Professor.

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    Sendo a famlia o seio acolhedor primeiro e mais importante na vida de uma pessoa,

    quando esta falha no seu papel de proteo, de orientao, de integrao,

    fatalmente o indivduo passar a uma existncia desamparada. Fala-se em indivduo

    porque no apenas as crianas sentem as consequncias causadas pela ausncia

    familiar, e que, por essa razo, podem perder o prazer de ir escola e em

    consequncia, evadir. Na Educao de Jovens de Adultos (EJA), encontram-se

    muitos alunos com histricos, s vezes, muito recentes, de desajustes familiares que

    comprometem o seu desempenho escolar. Verificou-se nesse segmento, que a

    maior conseqncia dos problemas familiares baixa autoestima. Este sentimento

    de inferioridade provoca uma srie de outros sentimentos (vergonha, medo,

    comparaes entre idades) que impedem que esses alunos avancem em suas

    conquistas dentro da escola. Diante de tal situao, necessrio que o professor

    esteja atento, seja perceptivo, sensvel s diferenas, s caractersticas individuais

    de cada aluno. Em princpio, parece difcil abarcar esse universo to complexo,

    contudo, com a convivncia, o professor comprometido aprender a lidar com as

    peculiaridades dos alunos, ajudando-os, inclusive, a superar suas dificuldades

    pessoais. Quanto a esta questo, Dbora Bove4, gerente pedaggica do Centro

    Educacional Vitria Rgia, comenta:

    Grandes so os desafios. O professor deve conhecer cada aluno e no over apenas como um nmero na caderneta. O professor tambm deve saberde que forma se d a aprendizagem em cada aluno. E, se necessrio,abordar o mesmo assunto de vrias maneiras considerando que uma salade aula possui 40 alunos e cada um aprende de uma maneira. A escoladeve saber em que momento precisa interferir. O professor, dentro de umaviso humanista, deve deslocar o foco um pouco do contedo e vislumbrarcomo este aluno ser inserido no mercado de trabalho. Inclusive, muitasvezes, tm alunos com timas notas e, no entanto tm dificuldades deenfrentar o mercado de trabalho. Ento, o professor, ao estar dando suaaula, no deve se deter apenas no contedo, mas se voltar tambm para o

    aluno, conversando com ele, sobre seu futuro, por exemplo.

    4Pedagoga entrevistada pela Folha Dirigida/Suplemento do Professor.

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    Todo ser humano tem carncia de socializao e esta carncia est vinculada

    afetividade. Por isso, a conversa, a ateno que o professor dispensa ao seu aluno

    promove uma aproximao que pode garantir a frequncia dele na escola,

    impedindo-o de evadir.

    A afetividade um tema central na obra de Henri Wallon. A posio de Wallon a

    respeito da importncia da afetividade para o desenvolvimento da criana bem

    definida. Em sua opinio, ela tem papel imprescindvel no processo de

    desenvolvimento da personalidade e esta, por sua vez, se constitui sob a alternncia

    dos domnios funcionais.

    Aliadas aos problemas que os alunos enfrentam e que os obrigam a abandonar a

    escola esto os sentimentos desenvolvidos por eles em sala de aula e em relao

    ao seu professor. Esses sentimentos podem ser determinantes para seu sucesso ou

    fracasso escolar. Ana Rita Silva Almeida (2003, meio eletrnico) citando Wallon,

    explicita:

    A afetividade um domnio funcional, cujo desenvolvimento dependenteda ao de dois fatores: o orgnico e o social. Entre esses dois fatoresexiste uma relao estreita tanto que as condies medocres de um podem

    ser superadas pelas condies mais favorveis do outro. Essa relaorecproca impede qualquer tipo de determinismo no desenvolvimentohumano... A afetividade deve ser distinguida de suas manifestaes,diferenciando-se do sentimento, da paixo, da emoo. A afetividade umcampo mais amplo, j que inclui esses ltimos, bem como as primeirasmanifestaes de tonalidades afetivas basicamente orgnicas... Aafetividade, com esse sentido abrangente, est sempre relacionada aosestados de bem-estar e mal-estar do indivduo.

    Como Vygotsky, com o sociointeracionismo, Wallon tambm acreditava que o

    crescimento do homem se d atravs da interao, da ajuda mtua, da troca.

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    E, Ana Rita Silva Almeida (2003, meio eletrnico), ainda citando Wallon comenta:

    A importncia das relaes humanas para o crescimento do homem estescrita na prpria histria da humanidade. O meio social umacircunstncia necessria para a modelagem do indivduo. Sem ele acivilizao no existiria, pois foi graas agregao dos grupos que ahumanidade pde construir os seus valores, os seus papis, a prpriasociedade. no cruzamento da psicognese com a histria que acontece arelao estreita entre as relaes humanas e a constituio da pessoa,destacando o meio fsico e humano como um par essencial do orgnico naconstituio do individuo. Sem ele no haveria evoluo, pois o aparatoorgnico no capaz de construir a obra completa que a naturezahumana, que pensa, sente e se movimenta no mundo material.

    E, com esse pensamento de construo conjunta, de relaes interpessoais, que

    todos os segmentos sociais, no apenas a escola, devem se voltar em direo ao

    combate evaso escolar, pois, assim, estar se construindo uma nova escola, uma

    nova sociedade, um novo pas.

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    2.4 A formao do professor contribui para diminuir a evaso

    escolar

    O (des)prazer de ensinar e aprender.A educao como descoberta da alegria de viver:

    amar, acordar, libertar e agir.

    (Moacir Gadotti)

    A eficincia da ao docente depende no s da conscincia crtica da realidade, mastambm do instrumental terico que o professor recebe durante o processo de sua

    formao, que no cessa nunca. E esse instrumento terico, fundamentadonos vrios campos do conhecimento [...] que constitui a base dosaber-fazer pedaggico. O professor-educador se forma a partir

    de uma base slida de conhecimento da prtica refletida,da conscincia crtica da realidade e do papel

    da escola dentro desse contexto.

    (Nicolau e Mauro)

    Foi tratada no captulo anterior, a importncia da afetividade na escola, na

    construo do conhecimento. Contudo, h outro item muito discutido pelos

    profissionais de educao: a formao do professor. Esta tem grande participao

    na permanncia dos alunos em sala de aula. Pois, o professor que cuida de se

    manter atualizado, que estuda sempre, que pesquisador, que procura se inserir no

    mundo das tecnologias, por certo vai estar melhor instrumentalizado para oferecer

    aos seus alunos aulas atraentes, dinmicas, versteis, extraindo desses alunos

    atitudes e comportamentos que os levem a conquistar seu lugar na escola,

    descobrindo o desejo e o interesse em freqentar as aulas. No que diz respeito

    formao do professor, Paulo Freire (2000, p.25) cita:

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    Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem formado forma-se eforma ao ser formado. nesse sentido que ensinar no transferirconhecimentos, contedos, nem formar a ao pela qual um sujeitocriadord forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.

    interessante que o educador perceba o ato de ensinar como algo que reverte em

    seu prprio benefcio, pois medida que ele estuda, busca aprender para ensinar,

    ele est acrescentando saberes sua formao; que perceba o ensinar como um

    ato de mediao no processo de aquisio do conhecimento do educando.

    Entende-se que para tais prticas o professor tem que ter vocao. Essa vocao

    far aflorar o amor pelo que se prope a fazer, o que, alis, indispensvel prtica

    educativa.

    Gadotti (1994, p.48), citando Rubens Alves, diz que este para fundamentar a suateoria da educao, parte da anlise da sociedade capitalista contempornea,

    fundada nos princpios da eficincia e do lucro, onde as pessoas perdem a sua

    identidade, engolidas que so pela funo.

    E, Gadotti (1994, p.48) prossegue citando Rubens Alves:

    [...] profisses e vocaes so como plantas. Vicejam e florescem emnichos ecolgicos, naquele conjunto precrio de situaes que as tornampossveis e quem sabe? necessrias. Destrudo esse habitat, a vida vaise encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo da terra, atsumir. Essa a sociedade que prefere os eucaliptos aos jequitibs. Oseucaliptos so essa raa sem-vergonha que cresce depressa, parasubstituir as velhas rvores seculares que ningum viu nascer nem plantou.Para certos gostos, fica at muito bonito: todos enfileirados, em permanenteposio de sentido, preparados para o corte.

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    Gadotti (1994, p.48), diz que atravs de metforas como essa que Rubens Alves

    procura mostrar a necessidade da formao de um educador comprometido consigo

    e com o aluno, capaz de superar a burocratizao e a uniformizao a que

    submetido.

    O professor que no procura constantemente se munir de ferramentas capazes de

    estimular em seus alunos o prazer de aprender, de ver na escola um ambiente de

    alegrias, no um lugar enfadonho, alm de estar contribuindo de forma substancial

    com a evaso escolar, pode estar correndo o risco de ser facilmente substitudo por

    um outro professor que mostre um desempenho prazeroso em ensinar.

    No contexto deste trabalho, ensinar entendido como mediar o processo de

    aprendizagem. Esse deve ser, portanto, o papel do professormediador.

    Continuando a ressaltar as valiosas contribuies de Rubens Alves, Gadotti (1994,

    p. 49), cita:

    assim que se distingue, metodologicamente, o professor e o educador,advertindo-os de que na realidade, na prtica, eles se encontram juntos,mesclados no profissional da educao. O professor seria essa rvorefacilmente substituvel, que coloca a funo acima da pessoa, submisso aopapel social da profisso. Esses professores seriam seres gerenciados,administrados e controlados pelos interesses do sistema. A sigla lecionadano faz diferena, pois de qualquer forma o professor trabalha seminteresse e sem prazer, apenas para obter o salrio e usufruir dele. comparar o professor ao remador que est sempre remando para frente ecada vez com mais vigor, mas sem se questionar para que direo. J oeducador tem amor e paixo pelo que faz. Leva em conta as caractersticasprprias e individuais de cada aluno, as suas paixes, esperanas, conflitos(dele prprio e do aluno).

    O professor deve desenvolver competncias reflexivas sobre sua prtica educativa,

    num movimento de ao-reflexo-ao. Ele deve entender que em uma educao

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    interacionista no h espao para a caixa a ser preenchida. Ou seja, o aluno como

    mero receptor, e ele, o professor, o detentor do saber que saber? que pensa

    possuir. J no h mais lugar para a educao bancria, to criticada por Paulo

    Freire (2000, p.24), que diz que, para o professor praticar a Pedagogia da

    Autonomia, deve dominar alguns saberes necessrios pratica educativa, pois,

    [...] preciso, sobretudo, e a j vai um destes saberes indispensveis, queo formando, desde o princpio mesmo de sua experincia formadora,assumindo-se como sujeito tambm da produo do saber, se convenadefinitivamente de que ensinar no transferir conhecimento, mas criar aspossibilidades para a sua produo ou a sua construo. Se, na experinciade minha formao, que deve ser permanente, comeo por aceitar que oformador o sujeito em relao a quem me considero objeto, que ele osujeito que me formae eu, o objetopor ele formado, me considero como umpaciente que recebe os conhecimentos-contedos-acumulados pelo sujeitoque sabe e que so a mim transferidos.

    Pode-se verificar, durante a execuo deste trabalho, que na UE pesquisada existe

    a ao reflexiva sobre a prtica, que analisa a relao Teoria/Prtica. Pode-se ter

    acesso aos dirios de bordo, onde os professores fazem registros sobre o que lhes

    ocorre internamente (alegrias nas conquistas em sala de aula, angstias, frustraes

    por objetivos no alcanados etc), como tambm a parte prtica de suas aulas. E,

    nesta ao-reflexo-ao constante, os professores daquela UE tm conseguido,

    efetivamente, alfabetizar, educar e diminuir o ndice de evaso da escola.

    Da reflexo podem surgir aes significativas que proporcionem aos educandos

    avanar em seu processo de aquisio do conhecimento. A respeito da prtica

    reflexiva, Philippe Perrenoud (2002, p. 43) escreveu:

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    Sem dvida, cada pessoa reflete de modo espontneo sobre sua prtica;porm, se esse questionamento no for metdico nem regular, no vaiconduzir necessariamente a tomadas de conscincia nem a mudanas.Todo professor iniciante reflete para garantir sua sobrevivncia. Umprofessor reflexivo no pra de refletir a partir do momento em que

    consegue sobreviver na sala de aula, no momento em que consegueentender melhor sua tarefa e em que sua angstia diminui. Ele continuaprogredindo em sua profisso mesmo quando no passa por dificuldades enem por situaes de crise, por prazer ou porque no o pode evitar, pois areflexo transformou-se em uma forma de identidade e de satisfaoprofissionais. Ele conquista mtodos e ferramentas conceituais baseadosem diversos saberes e , se for possvel, conquista-os mediante interaocom outros profissionais. Essa reflexo constri novos conhecimentos, osquais, com certeza, so reinvestidos na ao. Um profissional reflexivo nose limita ao que aprendeu no perodo de formao inicial, nem ao quedescobriu em seus primeiros anos de prtica. Ele reexaminaconstantemente seus objetivos, seus procedimentos, suas evidncias eseus saberes. Ele ingressa em um ciclo permanente de aperfeioamento, j

    que teoriza sua prpria prtica, seja consigo mesmo, seja com uma equipepedaggica.

    Verificou-se, tambm, na UE pesquisada que, alm de registrar suas aulas em seus

    dirios de bordo, os professores tm um momento de encontro sob a direo de uma

    coordenadora, para discutirem os registros; tambm uma prtica daquela escola,

    enquanto investimento na prtica formativa dos professores, a observao de aulas,

    filmagens, para posteriormente, discutirem e buscar melhorar a prtica. Esses

    professores tm 20 horas em sala de aula e 20 horas para planejamento e muitas

    leituras, como base de sustentao de suas aulas. um fazer e refazer constante,

    em busca da melhoria da qualidade no ato de ensinar.

    Nesse processo de aprender para ensinar, os professores vo convertendo seus

    erros em acertos, tudo em benefcio dos alunos, com o objetivo de mant-los sempre

    freqentando essa escola, que prima, sobretudo, pela qualidade. Em verdade, todos

    tm um resultado positivo, uma vez que, na busca do saber para ensinar, os

    professores adquirem maiores competncias docentes. Paulo Freire (2000, p.25,26)

    diz:

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    No h docncia sem discncia. Quem ensina aprende ao ensinar e quemaprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a algum...Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmenteque, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possvelensinar. que o processo de aprender, em que historicamente descobrimos

    que era possvel ensinar como tarefa no apenas embutida no aprender,mas perfilada em si, com relao a aprender, um processo que podedeflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torn-lo mais emais criador.

    E, pensa-se que ao estimular a curiosidade do aluno e sabendo-se valer dela, o

    professor estar de posse de uma significativa ferramenta para mant-lo

    frequentando a escola, impedindo-o, assim, de evadir-se.

    Ensinar exige muitas habilidades e competncias, e Paulo Freire (2000, p.7,8,9) as

    enumera de forma clara, e em sntese cita-se:

    Ensinar exige rigorosidade metdica, pesquisa, respeito aos saberes doseducandos, criticidade, esttica e tica, a corporeificao das palavras peloexemplo; exige risco, aceitao do novo e rejeio a qualquer forma dediscriminao, reconhecimento e assuno da identidade cultural. Ensinarexige conscincia do inacabamento, o reconhecimento de ser condicionado,respeito autonomia do ser do educando, bom senso, humildade, tolernciae luta em defesa dos direitos dos educadores, apreenso da realidade,alegria e esperana, convico de que a mudana possvel, curiosidade.Ensinar uma especificidade humana. Ensinar exige segurana,competncia profissional e generosidade, comprometimento, compreenderque a educao uma forma de interveno no mundo; exige tomadaconsciente de decises, saber escutar, reconhecer que a educao ideolgica; exige disponibilidade para o dilogo e querer bem aos

    educandos.

    Portanto, educar no tarefa fcil, so muitas as exigncias, a despeito dos

    benefcios financeiros, que no so to significativos quanto misso proposta.

    Dever abraar essa misso de educador, aquele que realmente esteja disposto a

    doar-se como pessoa responsvel pela formao do outro. Entende-se que no h

    educao sem doao, sem amor, e isso faz parte da formao do professor.

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    A Rede Municipal de Ensino de Salvador tem se mostrado sensvel quanto

    questo formativa do seu corpo docente. Em entrevista ao jornal Folha Dirigida, a

    Secretria Municipal de Educao reafirma a importncia da figura do professor

    como personagem principal em qualquer poltica educacional que pretenda ter oferta

    de qualidade. Ela fala da busca constante pela qualificao:

    Nessa caminhada de competncia que ns queremos seguir, a cada dia ns

    queremos que os professores sejam melhor preparados para uma prticapedaggica mais eficiente, para que eles entendam melhor os alunos. Paraisso tudo o investimento tem que ser grande. Para ns que trabalhamos emeducao e estamos hoje em um rgo central, numa secretaria como a deSalvador, importante que os professores sejam os principais parceiros daeducao. No adianta ter a parceria da sociedade se l na sala de aula oprofessor no entende o seu trabalho como importante, no entende a suaprtica como resgate da educao que precisa ser resgatada. Por mais quea gente se esforce, por mais que se empenhe, se no tivermos a parceriado professor, no teremos xito neste trabalho. Felizmente, a cada dia, ummaior nmero de professores est entendendo a importncia do seutrabalho, para que ele tenha o resultado que a gente espera.

    Todos envolvidos com a educao falam em melhor preparao do professor.

    Naturalmente, que se espera dele a retribuio, em forma de melhor desempenho

    em sala de aula, para que os alunos possam encontrar sentido em estudar, em

    buscar realizar seus sonhos e, com isso, evidentemente, resolver a situao que

    motivo da maior preocupao no meio educacional: a evaso. Mas, como tem sido

    essa melhor preparao do professor? A secretria de Educao de Salvador

    explica:

    Ns estamos oferecendo cursos de graduao para quem j est na rede,onde ns temos uma turma de 100 (cem) professores na UNEB, 200(duzentos) professores na Faculdade Jorge Amado, e em 2004 teremostambm professores na Ruy Barbosa e na UFBA para que, no prximo ano,

    no encerramento da nossa gesto, tenhamos todos os professores comlicenciatura plena. Isso uma meta ambiciosssima, mas que ns vamosatingir com certeza. A gente entende que, quanto maior o nvel de

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    escolaridade do professor, ele estar melhor preparado para a prtica. Nomomento em que ns estamos qualificando nossa rede, ns no temosmais o direito de colocar, em Salvador, pessoas que no tenham em suaescolaridade o nvel superior. Seno vai ser uma bola de neve, no vamosconcluir uma etapa de trabalho. Na nossa rede hoje, ns temos 400

    professores que no tm o curso superior, excluindo aqueles que esto emprocesso de aposentadoria e que no querem mais o curso superior, e elespodem ser perfeitamente credenciados em 2004. Por isso que no justoque coloquemos novamente professores que vo demandar do sistemamais investimento. Ns pagamos uma bolsa integral para o professor,pagamos integral o salrio dele para 40 horas, liberamos ele de 20 horaspara estudar e pagamos um adicional para a pessoa que vai ficar no lugardele nessas 20 horas. um investimento muito alto.

    Estas declaraes foram e podero ser constatadas na escola pesquisada. Isso

    deixa evidente a preocupao em resolver as questes da evaso, da repetncia e

    conseqentemente, do analfabetismo, pois todo o investimento direcionado ao

    aluno, enquanto sujeito da educao. A secretria de Educao acrescenta:

    preciso que o professor se valorize como profissional da educao. Ele

    no pode ser apenas um funcionrio pblico que est ali apenas paracumprir uma tarefa, nem trabalhar com seres humanos como se fossemmquinas. O processo de municipalizao tambm ajuda a reverter essequadro da educao porque, se universaliza o ensino, o estado noconsegue abarcar todas as escolas [...] As leis de educao so timas, aliteratura de educao magnfica, todo mundo fala muito bem sobreeducao, agora fazer e acontecer em sala de aula. A est acomplexidade, porque envolve um grande nmero de pessoas, das maisdiversas procedncias, na maioria dos casos no temos o apoio dasfamlias. A famlia fundamental nessa parceria. Educao dever detodos, esse o nosso slogan. preciso que todos se envolvam nisso.

    Apesar de todo investimento na formao de professor, por parte da Secretaria

    Municipal de Educao, e dos apelos s famlias dos alunos e alunas, ainda

    grande a desajuste entre o slogan da Secretaria e a realidade nas escolas

    municipais. Em geral, no caso dos professores, no h uma conscincia, por parte

    deles, do seu papel de educador, do grande poder que tm de transformar asociedade. Quanto famlia, a grande aliada da educao, nem sempre

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    desempenha suas reais funes na vida dos alunos e alunas, isso quando no so

    literalmente ausentes.

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    3. AS CAUSAS DA EVASO ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO

    NUMA UNIDADE DE ENSINO DA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR

    Professora,Aqui nesta escola estouQuerendo um pouco aprenderPr na vida um lugar conquistar

    [...]Saiba, eu no queria na rua morarQueria apenas poder estudarMas nunca achei oportunidadeQueria ter famlia e livrosVestir e calarTer comida na mesa, amor e amarSentir, assim, a felicidade.

    Maria Helena Ribeiro Costa

    O grave problema da evaso deixa muito preocupados e com um sentimento de

    impotncia, todos aqueles que fazem uma educao voltada para a insero do ser

    no contexto social. Contudo, a sociedade tem que se mobilizar, pois permanecer na

    inrcia diante de tal problema, compactuar com a opresso em que a populao

    no alfabetizada j vive. Nesse sentido, Paulo Freire (1987, p. 131) afirma que isto

    significa deixar-se cair num dos mitos da ideologia opressora, o da absolutizao da

    ignorncia, que implica a existncia de algum que a decreta a algum.

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    3.1Contextualizao da Unidade de Ensino5

    ...com rgua e compasso,meu caminho nesta vida eu mesmo trao.

    (Gilberto Gil)

    A escola est situada no bairro de So Cristvo, na cidade de Salvador, estado da

    Bahia. O Ato de criao consta do Dirio Oficial do Municpio (DOM) do dia 13 de

    outubro de 1999.

    A referida escola funciona em parceria com uma Organizao No-Governamental

    (ONG), sem fins lucrativos, atravs de convnio firmado em 1999.

    A idia de se criar uma escola municipal em parceria com a referida ONG surgiudevido observao, por parte dos educadores, de que as crianas e os jovens

    atendidos por aquela entidade apresentavam muitas dificuldades em obter sucesso

    e permanecer freqentando as escolas pblicas em que se matriculavam. J

    chegavam ONG com uma histria de evaso e repetncia escolar, semelhante

    de muitas crianas e jovens das comunidades pobres de Salvador. Por isso, essa

    escola teria que possuir caractersticas especficas comuns quela clientela, mas,

    tambm atenderia comunidade na qual estaria inserida.

    A freqncia na escola sempre foi uma condio para participar das atividades da

    ONG (dana, capoeira, msica, estamparia etc.), mas, com raras excees, os

    educandos ultrapassavam a 2 srie do ensino fundamental e na sua maioria,

    5Texto baseado em informaes extradas do Projeto Poltico Pedaggico da Escola.

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    permaneciam fora da escola. Esses dados, com base no relatrio anual da ONG

    (1998), revelava que grande parte desses alunos, com dficit idade/srie, passou

    por mltiplos fracassos na escola e apresentava srios bloqueios provocados por

    essa situao. Geralmente tinham a autoestima muito baixa e no acreditavam na

    sua capacidade de aprender.

    A Escola nasceu com a finalidade de ministrar educao bsica, nas etapas de

    educao infantil, ensino fundamental at a 5 e 6 sries, at 2001, atualmente

    atuando com Telecurso 1 grau, e na Educao de Jovens e Adultos no turno

    noturno. Tem sua educao inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de

    solidariedade humana, visando o desenvolvimento da pessoa.

    O objetivo geral da escola proporcionar ao aluno a formao necessria ao seu

    desenvolvimento intelectual-afetivo-psico-social, para sua autorrealizao e

    preparao para o exerccio consciente da cidadania, observando as determinaes

    da Lei n 9.394/96.

    Em abril de 1999, incio do ano letivo, a escola funcionou em uma casa alugada pela

    ONG e em virtude de limitaes das instalaes, foram atendidas 9 classes, sendo 6classes no turno matutino com alunos que apresentavam grande dficit idade/srie e

    3 classes no turno vespertino de ensino regular. Em 2000, funcionando em novas

    instalaes, foi ampliada a capacidade de atendimento para 29 turmas de 1 4

    sries (10 pela manh, 10 tarde e 09 noite), com uma matrcula prxima a 800

    alunos.

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    A UE funciona num prdio bastante amplo, com instalaes modernas e bem

    equipadas. Conta com 10 salas de aula, 2 salas informatizadas, biblioteca, sala de

    vdeo, sala de professores, sala de coordenao, sala da direo, sala para

    atendimento de alunos, refeitrio, quadra e parque infantil. A rotina semanal dos

    alunos inclui, alm das disciplinas obrigatrias, aulas de Artes, Informtica e

    Educao Fsica.

    Inserida num contexto scio-econmico pouco privilegiado e que apresenta um alto

    ndice populacional, a escola est rua principal, que delimita duas zonas

    empobrecidas, marcadas pela misria e marginalizao. Mesmo com estas

    caractersticas, que muito prximo da realidade das crianas e jovens atendidos

    pela ONG, h manifestaes de preconceito e discriminao da comunidade em

    relao aos meninos e meninas da ONG, que freqentam a escola.

    Os dois segmentos, ONG e comunidade, esto subordinados aos mesmos

    problemas: altas taxas de desemprego ou subemprego, moradias em pssimas

    condies, sem servios de gua e energia eltrica, famlias desequilibradas,

    violncia e outras tantas questes sociais. Nesse contexto, a definio da identidade

    do Projeto Il Ori (Casa do Conhecimento, na lngua iorub), a ser desenvolvido pelaEscola, foi construda a partir da idia da sociedade como uma totalidade na qual os

    alunos esto inseridos. Isso implicou em pensar uma proposta pedaggica que

    pudesse atender essas crianas integralmente, no s em nvel de contedos

    conceituais, mas, principalmente em relao aos contedos procedimentais e

    atitudinais, onde a tica, valores e esttica estejam impregnando toda a prtica da

    escola.

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    A escola hoje tem uma equipe de educadores bastante heterognea, contando com:

    01 (uma) diretora, 03 (trs) vice-diretores (um por turno) e coordenadoras

    pedaggicas (uma por rea), 18 (dezoito) professores regentes (em regime de 40

    horas - sendo 20 horas em sala de aula e 20 horas para atividades de planejamento,

    formao e desenvolvimento de grupos de apoio, com os alunos que necessitam de

    uma ao educativa mais pontual, ou seja, reforo escolar), 05 (cinco) professores

    de Jovens e Adultos (noturno), 05 (cinco) professores que atuam nas turmas de

    Telecurso. Conta tambm, com professores de Educao Fsica, Artes e Informtica,

    alm dos educadores da ONG que desenvolvem aes especiais de

    acompanhamento dos educandos e de suas famlias.

    A Proposta Pedaggica da Escola inspirada no Construtivismo sociointeracionista

    de Vygotsky, na Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire, na afetividade de Wallon,

    e nos estudos de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky. Alm disso, optou por trabalhar o

    tratamento didtico dos contedos atravs da Pedagogia por Projetos, por

    constiturem situaes de uso social, que so trabalhados de forma significativa.

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    3.2 Perfil dos entrevistados

    Se acaso algum me houvesse alertado o interesse, se antes de cada matria lessealgum prefcio estimulante que me despertasse a inteligncia, me oferecesse

    fantasias em lugar de fatos, me divertisse e me intrigasse como malabarismo dos nmeros, romantizasse mapas, me desse

    um ponto de vista a respeito da histria e me ensinassea msica da poesia, talvez eu tivesse sido um erudito.

    (Charlie Chaplin)

    O questionrio constou de oito perguntas semiabertas, em que a ltima, se

    investigou sobre os motivos da evaso escolar naquela unidade, dando margem a

    colocaes dos respondentes, que so ou foram, estudantes da UE pesquisada e

    moradores do bairro onde ela est inserida. Acredita-se que por essa razo, o

    trabalho foi bem recebido por aqueles que foram solicitados a dar sua contribuio, e

    medida que a pesquisa avanou, as pessoas se disponibilizaram, prestando

    informaes extras, acreditando estarem contribuindo para a soluo dos problemas

    que motivam essa evaso. Uma das informaes extras foi o comentrio do

    respondente de nmero 6:

    Estudei nessa escola em 2000 e 2001. O primeiro ano foi bom, tive umaprofessora que fazia de tudo por ns. No segundo ano, me colocaram prestudar com uma professora, que todo dia chegava escrevia um monte decoisa no quadro e manda a gente copiar, e depois ficava na porta da salaprocurando com quem conversar. As outras professoras em suas salas eela procurando conversa, deixando a gente toa. Fui alguns dias, depoisme aborreci e deixei de freqentar de vez. Essa professora, eu soube queno est mais ensinando na escola, ento, muitos colegas que tinhamdeixado de estudar naquela poca pelo mesmo motivo, voltaram, mas eufiquei traumatizado; tenho at vontade de voltar, mas cad a coragem?

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    Atravs da pesquisa chegou-se aos seguintes resultados:

    Grfico 1Diviso do sexo

    Sexo

    47%53%

    Feminino Masculino

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    Do total de 30 respondentes, 53% so do sexo feminino, o que evidencia que existe,

    na UE pesquisada, maior evaso escolar entre as mulheres.

    Grfico 2Estado civil

    Estado civil

    37%

    57%

    3% 3%

    Solteiro Casado Vivo Outros

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    Com um percentual de 57% dos respondentes, os solteiros incluem aqueles que,

    mesmo vivendo com algum, de forma marital, no se julgam comprometidos

    civilmente.

    Grfico 3Faixa etria

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    Faixa e tria

    27%

    20%

    7% 13%

    33%

    15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 70

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    Entre 30 e 39 anos de idade est o maior nmero de respondentes, como tambm o

    maior nmero de evadidos na fase adulta, uma vez que as crianas e os

    adolescentes tm a famlia, que exerce o poder sobre elas e podem controlar a

    evaso.

    Grfico 4Escolaridade

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    Todos os respondentes apresentaram 1 grau incompleto

    Grfico 5 - Ocupao

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    Neste item, a maioria tem suas funes no subemprego, mesmo assim, h um

    empate entre a classe de maior percentual, empregada domstica, e a classe de

    desempregados.

    Escolaridade

    50% 50%

    Mulher

    Homem

    Ocupao

    7%

    7%

    3%

    3%

    20%

    3%

    3%20%

    3%

    10%

    7%

    14%

    Ajudante de Pedreiro AmbulanteBab CaseiroCozinheira DomsticaManicure MarceneiroDesempregado SeguranaServ. Gerais Servente

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    Grfico 6Diviso de renda

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    A maioria apresenta renda mensal que varia entre R$ 206,00 e R$ 500,00. Algumas

    delas j esto em seus empregos h vrios anos. Devido boa conduta nunca

    foram dispensados, apresentando bom relacionamento com seus patres, segundo

    os respondentes.

    Grfico 7Situao escolar atual

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    A maioria dos respondentes apresenta uma distoro idade/srie em virtude de, em

    algum momento de suas vidas, terem abandonado a escola, embora, atualmente,

    tenham retomado os estudos e representem a maioria no item que trata da atual

    situao escolar dos mesmos.

    Renda

    10%

    20%

    37%

    33%

    At R$ 260,00 De R$ 261,00 a R$ 500,00

    De R$ 501,00 a R$ 1.000,00 Sem renda

    Estudante23%

    77%

    Sim No

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    3.3 As causas da evaso escolar

    Tabela 1 - Trabalho

    Trabalho Quantidade f(x) f(%)Sim 18 0,6 60No 12 0,4 40Total 30 1 100

    O trabalho foi apontado como o maior motivo pelo qual os alunos evadem, deixam

    de frequentar a escola. Este fato acontece desde os primeiros anos de suas vidas.

    Por serem constituintes de uma camada social menos favorecida, so obrigados a

    fazerem uma opo que lhes garanta a manuteno sua e, na maioria das vezes, de

    familiares, deixando para trs sonhos de estudar e se tornar algum em melhor

    condio de vida. Destaca-se aqui a fala do respondente de nmero 23, um

    vendedor ambulante de 18 anos de idade:

    Eu estudei nessa escola no ano de 2000, continuei em 2001 e sa antes queo ano acabasse. Sa porque no tinha com quem deixar minha guia6,precisava trabalhar para sustentar a mim e ajudar minha me. Hoje,trabalho to perto da escola e continuo sem poder ir l. Ento, penso que sa necessidade de trabalhar pode fazer a gente deixar de estudar.

    O conflito entre trabalho e escola tem desdobramentos imediatos por causa do

    impacto do trabalho precoce sobre a evaso escolar e, no longo prazo, sobre a

    escolaridade obtida. No primeiro caso, a literatura sobre o tema atesta que h uma

    relao inversa entre trabalho precoce e freqncia escola. No segundo caso, ou

    seja, naquele em que o trabalho precoce exerce influncia sobre a escolaridade

    obtida, infere-se que trabalhar hoje pode viabilizar o estudo amanh, seja para

    6A palavra faz referncia ao local onde ele arma a barraca de ambulante para vender produtos diversos.

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    financi-lo, seja porque o trabalho experincia que potencializa a educao futura.

    Contudo, h uma situao que no se pode deixar de tratar aqui: o fato de que esse

    trabalho pode vir a ser o causador da evaso escolar temporria e, depois, tornar-se

    definitiva. Neste caso especfico, percebe-se o desinteresse do poder pblico de

    possibilitar o retorno das pessoas escola, j na fase adulta, e ter uma chance de

    transformao, quando em uma entrevista concedida a Rdio Tropical-Sat, o

    governador Paulo Souto (2003, meio eletrnico) afirmou:

    A Bahia, nos ltimos anos, tem apresentado uma das maiores quedas doBrasil na taxa de analfabetismo de crianas. bom que se diga isso para noreforar o sensacionalismo que esto fazendo acerca de um possvelanalfabetismo no estado, que hoje reflete simplesmente, em sua maior parte,o analfabetismo de adultos maiores de 16, 18 ou 20 anos que, no passado,infelizmente, no tiveram a oportunidade de estudo que hoje as nossascrianas tm. um estoque, vamos dizer assim, de analfabetos, que muitasvezes no se motivam mais para estudar. Mas o importante que noestamos criando analfabetos novos... Ento o nmero de analfabetos de hojena Bahia no reflete a falta de escolas, mas uma populao adulta que nopassado no teve condies de estudar.

    Nota-se nas expresses estoque de analfabetos e no se motivam mais para

    estudar, que pelos, hoje, adultos analfabetos, evadidos da escola pelas mais

    diferentes razes, nada ou quase nada se tem a fazer, a no ser esperar que

    morram e, enfim, acabar com o analfabetismo.

    Tabela 2Filhos

    2 - Filhos Quantidade f(x) f(%)Sim 15 0,5 50No 15 0,5 50Total 30 1 100

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    Os filhos so apresentados pelos respondentes como a segunda maior razo da

    evaso escolar. Explica-se esse motivo, pelo menos com duas situaes: ou os pais

    vo trabalhar para sustentar a prole, ou deixam de trabalhar para cuidar dela. Tal

    situao gera grande conflito, principalmente naqueles que conseguem vislumbrar

    nos estudos uma sada para a situao scio-econmica difcil em que vivem.

    O problema se torna mais grave, quando pais e mes param de trabalhar ou ainda

    deixam as crianas em lugares cujas condies so precrias. uma questo que

    pode trazer srias conseqncias negativas. Ou a famlia perde poder aquisitivo,

    agravando a situao financeira, ou a criana corre o risco de ter a sua sade e

    desempenho escolar comprometidos por causa da falta de estrutura do local que a

    acolhe enquanto os pais trabalham.

    H casos em que o aluno retorna escola pela merenda oferecida e que ele leva

    para casa para que, assim, os filhos tenham o que comer. A respondente de nmero

    12 declarou:

    H muitos anos, quando era jovem, fui embora da escola porque tinha trsfilhos, no tinha quem cuidasse deles, e, agora, no nego, venho escolaporque quero ver se estudando, consigo um emprego, pois estoudesempregada. Para estudar deixo meus meninos sozinhos ou com minha

    me, que doente. Mas, a principal razo de voltar a estudar porque aquid merenda aos adultos tambm e essa merenda eu levo para meus filhoscomerem, seno eles ficam com fome. J passamos vrios dias sem ter oque comer.

    Em outro momento a respondente de nmero 5, uma manicure de 49 anos, fez

    meno aos filhos:

    Quando eu era jovem no pude estudar, cheguei a me matricular, mas tiveque sair para tomar conta dos meus irmos. Depois, casei e tive meusfilhos, e a que ficou mais difcil. Cuidei deles, do marido e da casa, agora

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    que eles esto adultos, resolvi cuidar de mim voltando a estudar. Para mim,meu primeiro ano de estudo foi o ano de 2001, nessa escola e daqui s saioquando j souber ler e escrever. Meu sonho de chegar a uma universidadee ser uma advogada, s os meus filhos conseguiram adiar, mas nunca tarde.

    Os relatos sobre os filhos, como motivo de evaso, so paradoxais, ao tempo que

    nutre o mundo interior dessas pessoas de desesperana, empregam, s vezes, nos

    filhos todo desejo de realizao e por eles passam a lutar cada vez mais.

    Tabela 3Distncia entre a residncia e a escola

    A distncia entre a residncia e a escola foi apontada por 40% dos questionados

    como um dos grandes motivos de se deixar de estudar. Essa distncia implica em

    diversas situaes. Ao ser perguntado, o respondente de nmero 16 respondeu:

    s vezes ns no temos dinheiro para pagar o transporte at a escola; j sechega cansado do trabalho e ainda ter que ir andando, difcil [...] Ocansao e o sono tomam conta, e mesmo se ns formos, ao chegar l,cochilamos na sala. Tambm, tem o problema de ter que passar por lugaresviolentos [...] andando perigoso. Se estiver chovendo muito pior.

    Existem aqueles que mesmo morando distante da escola, freqentam, porm falta

    muito, o que compromete o aprendizado.

    3Distncia entre a casae a escola Quantidade f(x) f(%)

    Sim 12 0,400 40No 18 0,600 60Total 30 1 100

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    Tabela 4 - Alimentao

    A alimentao constitui uma das atividades humanas mais importantes, no s por

    razes biolgicas evidentes, mas tambm por envolver aspectos sociais,

    psicolgicos e econmicos fundamentais na dinmica da evoluo das sociedades.

    Dos respondentes, 13% apresentaram a alimentao como uma forte razo para se

    deixar de ir escola. Tanto pelo fato de ter que trabalhar para adquiri-la, ou por no

    ter o alimento em casa. O respondente de nmero 18 comentou:

    A pessoa com fome, sem ter nada em casa para comer, no tem nimo de ir escola. A fome traz fraqueza, doena, o pensamento fica lento, o sono

    vem mais depressa... Como uma pessoa vai estudar com fome? s vezes,ningum na famlia consegue um bico, e a no se tem como comprar oque comer mesmo...

    Tabela 5Falta de dinheiro

    5 - Falta de dinheiro Quantidade f(x) f(%)

    Sim 11 0,367 37

    No 19 0,633 63

    Total 30 1 100

    Apesar da condio socioeconmica dos respondentes, apenas 11% apresentaram

    a falta de dinheiro como um motivo para evadir da escola. A dificuldade financeira

    4 - Alimentao Quantidade f(x) f(%)

    Sim 4 0,133 13No 26 0,867 87Total 30 1 100

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    contribui para muitos outros problemas j tratados anteriormente: procura por

    trabalho, cuidado com os filhos, falta de alimentao, por exemplo.

    Tabela 6Problemas de sade

    6 - Problemas de sade* Quantidade f(x) f(%)Sim 7 0,233 23No 23 0,767 77Total 30 1 100

    * Refere-se gravidez precoce, HIV, drogas e alcoolismo.

    Os problemas de sade, como motivo de evaso escolar, foram citados por apenas

    7% dos respondentes. Dentre as situaes consideradas problemas esto: a

    gravidez em adolescentes, mulheres que engravidam sem ter condies de

    sustentar os filhos, o consumo de drogas, inclusive o cigarro, o alcoolismo e a AIDS.

    Sendo, dentre todos, a gravidez o problema mais grave naquela comunidade,

    carecendo de um programa de conscientizao e de controle da natalidade, o que

    evitaria, no futuro, o grande nmero de crianas abandonadas pelas ruas.

    Grfico 8Violncia

    Violncia

    93%

    7%Sim

    No

    Fonte: questionrio aplicado a respondentes.

    Um fato curioso acontece neste item: apesar de a escola pesquisada est inserida

    em uma rea onde a violncia predominante em todos os seus aspectos, apenas

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    7% dos respondentes citaram-na como um motivo de evaso escolar. Isso acontece

    no se sabe se porque as pessoas da comunidade j absorveram essa condio de

    violncia como uma coisa natural em suas vidas, ou se, ao serem questionadas,

    evitam falar sobre ao assunto por constrangimento ou medo.

    Ainda no h estudos sobre o impacto da violncia urbana nas taxas de evaso

    escolar. A sociedade, com muito sacrifcio, entende que o lugar de criana, jovem e

    adulto no escolarizado na escola.

    O jornal O Globo, na edio do dia 2 de junho de 2004, trouxe uma reportagem

    sobre evaso escolar nas reas mais violentas do Rio de Janeiro, e que pode

    ilustrar, de uma forma mais branda, a situao das pessoas e do bairro em que a

    escola pesquisada est situada:

    O fenmeno da violncia urbana pode atrapalhar a universalizao doacesso escola. Talvez sejam poucas, estatisticamente, as pessoas queabandonam a escola por causa da violncia. Isso no quer dizer que asituao seja menos grave. Uma criana fora da escola em uma rea derisco fortssima candidata a trocar os bancos escolares pelas armas dotrfico. Suponhamos que apenas 0,1% abandonem a escola por causa daviolncia. Essa porcentagem, que parece mnima, num universo de 30milhes de crianas matriculadas no ensino fundamental significa 30 milcrianas. um contingente numeroso demais para engrossar as estatsticas(j insuportveis) de violncia nas grandes cidades. Na verdade, pouco

    importa quantos eles sejam. Cada criana que deixa de estudar para virarbandido uma derrota dupla da escola e da sociedade. preciso que sefaam estudos a respeito do impacto da violncia na evaso escolar, queatinge, principalmente, os meninos do sexo masculino. necessrio saber,tambm, uma vez evadidos da escola, para onde vo essas crianas quemoram em reas de risco. Mais do que isso, preciso polticas eficientes eurgentes para trazer essas crianas de volta para a escola.

    Apesar da situao de violncia que cerca a escola pesquisada, esse no um fato

    que, at ento, tenha contribudo para a evaso naquela unidade de ensino.

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    4. CONSIDERAES FINAIS

    A tomada de conscincia s ocorre sob a presso dos fracassos e dos obstculosencontrados pelo sujeito quando ele tenta atingir os objetivos que o motivam.

    A causa da conduta de tomada de conscincia essencialmenteextrnseca ao sujeito. Se, em seu confronto com o ambiente,

    ele no se deparasse com obstculos a serem superados,a mquina cognitiva entraria em pane.

    (Piaget citado por Perrenoud)

    O resultado apontou a necessidade que os alunos tm de trabalhar e o cuidado com

    os filhos como os motivos mais marcantes da evaso escolar naquela UE, o que

    fortalece o pensamento de que os governos das trs esferas, municipal, estadual e

    federal, num trabalho conjunto, adotem medidas scio-econmicas para minimizar a

    evaso, principalmente no que tange ao trabalho como obstculo permanncia na

    escola. Ratifica-se esse resultado com uma citao de Gadotti (1994, p.30), citando

    Paulo Freire:

    A educao est vinculada luta e organizao de classe do oprimido. Aclasse oprimida maior do que a classe operria. S a partir do capitalismo que se pode falar, com propriedade, em classes sociais. Foi o capitalismoque deu s classes sociais um contorno ntido. Entretanto, no se podedizer que antes dele no havia igualmente oprimidos e opressores. A

    opresso encontra-se tambm entre os prprios oprimidos.

    Diante dos problemas identificados como motivos de evaso na escola municipal

    selecionada para pesquisa, principalmente no que diz respeito necessidade de

    trabalhar, o maior contribuinte para evaso, urge que sejam traadas linhas de ao

    bsicas, na tentativa de viabilizar a transformao da vida scio-econmica dos

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    alunos, para que no abandonem os estudos e ex-alunos, para que retornem sala

    de aula, e assim, a escola possa desempenhar seu papel educativo.

    Para tanto, preciso envolver decises poltico-administrativo-pedaggicas, os

    alunos, os professores, os auxiliares, os funcionrios, os pais, os membros da

    comunidade. preciso envolver o elemento humano, as pessoas e, atravs delas

    mudar a cultura que se vive naquela comunidade.

    Acredita-se estar em vias de superar os problemas de acesso escola, e h vagas

    para quase todos. Porm, a maneira precria como vivem os moradores de

    comunidades pobres, semelhante que a escola pesquisada est inserida, constitui-

    se num grave problema para o sistema de ensino e, desafia o governo municipal e

    os diversos setores da sociedade. Por isso, longo o caminho a percorrer para

    garantir um ensino de qualidade e a permanncia dos alunos na escola.

    H um reconhecimento por parte dos docentes em relao importncia de se

    investir na formao de professores, a fim de contribuir para reverter o quadro de

    evaso escolar, porm a questo no quantitativa, e sim qualitativa. Muito mais

    pode ser feito, como por exemplo, maiores investimentos na rea da sade,principalmente no controle da gravidez precoce ou indesejada, gerao de

    empregos, igualdade na distribuio de renda, maior segurana, mais programas

    eficazes de moradias populares, melhor remunerao dos docentes, aumento do

    nmero de escolas do mesmo nvel das chamadas "escola de referncia" ou "escola

    modelo", incentivo participao da famlia na vida do estudante, prticas

    pedaggicas de acordo com o contexto em que o aluno est inserido, dentre outros.

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    Salvador j comea a dar sinais de mudanas na educao, atravs da SMEC, com

    a proposta Escola, Arte e Alegria, que sintoniza o ensino municipal com a vocao

    do seu povo; com a Campanha do Livro, que contou com a participao da escritora

    Zlia Gattai; com a realizao de cursos de formao continuada para professores

    da Educao Infantil; com a utilizao da tecnologia, onde os alunos interagem,

    atravs de chats; junto com a Associao Baiana de Sndrome de Down (Ser Down)

    lanou uma cartilha sobre Educao Inclusiva; com a proposta de ensinar artes,

    informtica e ecologia; instalaes de tele-salas para realizao de cursos;

    treinamento gerencial voltado capacitao de profissionais que ocupam cargos de

    direo nas escolas etc.

    Por ser uma escola da rede municipal, qualquer projeto educacional inclui a UE

    pesquisada. Portanto, vale ressaltar as pretenses da secretria de Educao de

    Salvador:

    Como ser o ltimo ano de uma gesto dobrada, pois ns estamos aqui hoito anos, a gente vai tentar consolidar tudo isso que ns conseguimos fazerdurante esse perodo. Consolidar significa fazer com que as coisas sedesenvolvam de tal maneira que no haja retrocesso. O mal da educao o retrocesso. De repente vem outra pessoa com outra forma de trabalho e

    diz que nada do que o outro fez presta, e comea tudo do zero. Isso terrvel para a educao. Vamos, ento, tentar promover a consolidao detodas as aes desenvolvidas de maneira que, se algum quiser dizer queno valeu, outro diga que valeu e que quer continuar assim. Fazer com queo cenrio da educao pblica de Salvador realmente possa apresentarpara o Brasil um trabalho de qualidade.

    preciso, no entanto, que essas iniciativas no venham a ser esquecidas pelos

    atuais governantes, e que sejam continuadas pelos prximos. Mesmo sendo um

    problema crnico, se todos se engajarem nessa luta, por certo, ter-se- mais

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    crianas nas escolas e, conseqentemente, menos crianas nas ruas, alm de

    jovens e adultos retomando os estudos, modificando e melhorando o quadro scio-

    cultural da comunidade onde est situada a escola.

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    4.1 Como utilizar as novas tecnologias para incluir e combater

    a evaso escolar

    A incluso propicia experincias pessoais e interpessoais queafetam objetiva e subjetivamente as relaes entre os educandos

    e entre o professor e sua turma, exigindo avanosnas prticas pedaggicas e na estruturao

    dos sistemas de ensino.

    (Maria Teresa Eglr Mantoan)

    Com a revoluo digital, que atinge todos os grupamentos da sociedade, de maneira

    espantosa, a prtica pedaggica no est mais restrita ao professor e ao aluno.

    Essa prtica lana um desafio aos sujeitos do processo de ensinar e aprender

    professor e aprender e ensinar aluno, o de romper com prticas mecanicistas,

    arcaicas, conservadoras, para que novas prticas possibilitem o aprender e construir

    conhecimentos.

    Sabe-se que o novo assusta, cria resistncia, causa medo. Por que fazer diferente

    se sempre deu certo at agora? Para qu mudar? Tem sido assim com as novas

    tecnologias7 na educao. Ainda, com todo avano, existe muita resistncia, por

    parte de professores, em implantar, aceitar e entender o papel das tecnologias numaperspectiva educativa. Contudo, por outro lado o que se percebe, nos alunos, uma

    aceitao imediata, mais do que isso, um misto de interesse e curiosidade, diante da

    possibilidade de interagir, de mexer, principalmente, no computador. E, os

    professores j reconhecem ter no computador um grande aliado contra a evaso,

    7Entende-se por novas tecnologias todos os aparatos que podem ser usados em favor da prtica pedaggica,

    como: televiso, vdeo, DVD, computador etc.

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    principalmente nas escolas pblicas onde o alunado predominantemente de

    famlias pobres, portanto, que no tm recursos para adquirir tais aparelhos.

    Fica claro que no basta informatizar a escola, fundamental com base em trabalho

    coletivo, repensar o projeto pedaggico da escola, realizando uma reflexo sobre as

    finalidades da escola, explicitando seu papel social, bem como quais aes devero

    ser empreendidas pela equipe escolar (direo, coordenao, professores,

    funcionrios, pais e alunos) frente s novas Tecnologias da Informao e

    Comunicao (TICs). Para Pierre Lvy, citado por Romilda Teodora Ens (2003, meio

    eletrnico), da Pontifcia Universidade Catlica do Paran:

    Numa aprendizagem colaborativa fazendo uso do computador, professorese alunos aprendem, fazendo uso do processo dialtico de aprender. Seuspontos de partida so diferenciados, mas pelas problematizaes criadas oponto de chegada ser de aprendizagem para ambos. Nesse processo, oprofessor e no s o aluno, tem ganhos em relao sua formao, poisao fazer uso constante de recursos materiais e informacionais atualiza seuconhecimento disciplinar e constri sua prxis, gerenciando sua formaocontinuada.

    Pierre Lvy, em palestra promovida pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre,

    traduzida por Suely Rolnik (2003, meio eletrnico), diz:

    O espao ciberntico um terreno onde est funcionando a humanidade,hoje. um novo espao de interao humana que j tem uma importnciaenorme sobretudo no plano econmico e cientfico e, certamente, essaimportncia vai ampliar-se e vai estender-se a vrios outros campos, comopor exemplo na Pedagogia, Esttica, Arte e Poltica. O espao ciberntico a instaurao de uma