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Dados Internacionais de Catatogaeje ua Publlcaeao (eIP) Orlandi, Eni Puccinelli Discurso em Analise: Sujeito, SentiJo e Idcotogia I Eni Puccinelli Orlandi Camplnas. SP: Pontes Editores, 2012, Bibliografla. ISBN 978-85-7113-382-2 I. Analise de discursc 2. Linguistica I. Tftnlo indices para catalogo sistematico: 1. Analise de discurso - 410 2. Li.ngufstica - 410

1 ORLANDI, E.P. Análise de Discurso e Contemporaneidade Científica

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Dados Internacionais de Catatogaeje ua Publlcaeao (eIP)

Orlandi, Eni Puccinelli

Discurso em Analise: Sujeito, SentiJo e Idcotogia IEni Puccinelli OrlandiCamplnas. SP: Pontes Editores, 2012,

Bibliografla.ISBN 978-85-7113-382-2

I. Analise de discursc 2. Linguistica I. Tftnlo

indices para catalogo sistematico:

1. Analise de discurso - 4102. Li.ngufstica - 410

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ENJ PucC!NlitLI ORLANDI

ANALISE DE DISCURSOE CONTEMPORANEIDADE CIENTfFICA

Sao duas as questoes que orientam esta minha exposicao:

1. De urn lado, como a teo ria e analise de discurso esta consti-tuida hoje (a que rnetaforas recorre para compreender e se fazercompreender)?

2. Como 0 discurso e conceituado na contemporaneidade? (Con-dicoes de existencia na ciencia e na conjuntura historical.

Historicamente, a analise de discurso, fundada por M.Pecheux, se da nos anos 60 do seculo xx. Filiada teoricamenteaos rnovimcntos de ideias sobre 0 sujeito, a ideologia e a lingua,ela marca sua singularidade por pensar a relacao da ideologiacom a lingua, afastando a metaflsica, trazendo para a reflexaoo materialismo e nao sucumbindo ao positivismo da ciencia dalinguagem. Pos-estruturalista, se beneficia do nao conteudismo- seja do sentido, seja do sujeito como origem. Nem formalista,nem funcionalista: materialista. Distancia-se deste espaco daobjetividade pratica a que os europeus, diz Pecheux (2011), cha-mam de Iiberalismo ou pragmatismo. Este e urn dos seus pontosde ataque: 0 materialismo.

Deu-se seu tempo, desenvolveu-se, avancou, colocararn-senovas questoes. E se 0 fez, 0 fez porque desde sua fundacao, es-tabeleceu princfpios teoricos incontornaveis. Nao entregou-se aodescritivismo cego. Mal dos linguistas que so percebem a linguapela descricao da sua organizacao esquecendo-se de observar a

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D!S(URSO [M ANALISE: SU)[!TO, SENT!DO, lDEOLOGIA

sua ordem, 0 homem falando, ou seja ,0 sujeito, decentrado, nomundo, dividido. Doenca do empirismo e do apego aos dad os,enquanto marcas (imediatamente) detectaveis,

Aqui retorno 0 que ja coloquei em outras ocasioes: e pre-ciso, para se fazer ciencia do discurso estabelecer uma relacaode consistencia entre a teoria, 0 metodo, os procedimentos, e 0objeto. Eme refiro ao objeto teorico, ou seja, que, na analise dediscurso, e 0 discurso, que defino, segundo Pecheux (AAD/69),como efeito de sentido entre locutores. Nas tentativas de improvi-sar - afinal a analise de discurso se institucionalizou - muitosse serviram dela como instrumento para qualquer coisa, comovimos no capitulo anterior. Desligaram teoria e objeto. Para naose falar do rnetodo. Diluicao, indistincao, revisionismo. As rmiltiplasrnanifestacoes da analise de discurso nao sao homogeneas. Ha asque 56 sao ruidos periferiros, que diluem 0 campo da disciplina,mas ha as que se mostram como capazes de desenvolvimcntos,de elaboracoes que acrescentarn, que levam a frente, mostrandoa riqueza desse campo disciplinar. E esta vertente tern sua imensaproducao, Sao muitos os avances produzidos.

Ha ainda a possibilidade de, a partir da analise de discursoque se fundamentou e que desenvolvemos no Brasil, produzirdeslocamentos (E. ORLANDI,SEAD/2009) que transformam, quelevam a novas vias disciplinares, ou que afetam outras discipli-nas (historia, psicologia, antropologia etc). E ai temos camposdisciplinares que se beneficiaram da analise de discurso e que sedefinem em outras direcoes, igualmente importantes, que naosao analise de discurso. lsto tern-se produzido pela forca da ins-talacao desse objeto, que e 0 discurso '. E isso mostra a riquezada analise de discurso quando levada as suas consequencias,como a temos levado.

No SEAD!20 II, Pauillenry , em sua exposiceo, referiu-se ao fato de que Pecheux visava itideologia e nao ao discurso. Concordo, e gosraria de fazer duas observacoes: primeiro, quee muito comum na histcria da ciencia, que 0 que se descobrc nao C0 que se mira como alvoprincipal, mas, sirn, parte do que se procura, c, segundo, e mais relevante, que a importanciade Pecheux esta justamente em perceber que para pensar a ideologia era preciso colocar emjogo a linguagem. Dai sua aproximacao dos Iinguistas, dal a formulecao de urn novo objetonas ciencias da linguagem e, em consequencia. pelo seu modo de formulacao. nas cienciashumanas: 0 discurso. pensado junto a ideologia.

ENI PllfCiNFlJ.I ORl.ANDI

Como todos sabem, ha tarnbem as analises de discurso quese constituiram adjetivando-se (analise x de discurso, analise dediscurso y etc). Sao varias forrnacoes discursivas que, em geral,se formam, desequilibrando-se do entremei02: pend em para umlado ou para 0 outro. Mas a analise de discurso que esta no cernefundador e a que se desloca de Harris para M. Pecheux em urnmovimento constitutivo que traz a possibilidade de relacionarlingua e ideologia. E foi assim que ela cornecou,

Por outro lado, em um movimento de ortodoxia, desenvolve-se uma vulgata que ve em qualquer desenvolvimento urn desvionao autorizado. E a posicao do dogmatismo. A que quer ter emmaos a dominacao dos conceitos e nao se deixa movimentar pel ateoria e na teoria. Fixista, esta e a posicao de quem gostaria de tero controle da analise de discurso. Assim, de urn lado, 0 fixismo,de outro a diluicao, essas sao as margens.

Com efeito, ha diferentes formacoes discursivas que, reivindi-cando-se como analises de discurso da linha de Pecheux, rolarampelo revisionismo, expulsaram a ideologia, reduziram 0 politicoao enunciativo, ou redefinem bizarramente os conceitos exata erigorosamente postos por Pecheux. Formas de in-cornpreensao.Paralelamente temos as dificuldades reais como a de compreen-der a relacao do inconsciente e a ideologia, coisa que Pecheuxanunciou com cuidado '.

2 Aeste respeito nao posso dcixarde fazer urn comentario: sno pouccs os que entendem 0 que eentremeio e que 0 praticam. Tomei de Pecheux. em seuDiscurso: estrutura ou acomectmemo,a palavra que fui tazendo derivar para sentidos que considero teoricamente relevantes.No rodape de AAD de diz: "Sublinhomos ainda uma vez que a teoria do discurso nao podede nenhum modo se substituir a lima teoria da ideologic. ndo mais do que a uma teoria doinconsctente. mas eta pode intervir no campo dcssas teorias" (grifo nosso). Com ° grifo,o que vise C rnostrar que, em geral, os estudos que falam da psicanalise na rclacao com aanalise de discurso esuo sempre se propondo a mostrar 0 que a psicanalise pude fazer pelaanalise de discurso. Pccheux se propunha a mostrarcomo a analise de discurso podia intervirna psicanalise e na teoria da ideologia (assim como se propunha a colocar questces para alinguistica e para as ciencias humanas e sociais). Justamente porquc poe em relacao a lingua"sujeita a falhas" e nao urn sistema fechado, e a ideologia, cuja estruturalfuncionamento seassemelha a do inconsciente, pensando urn sujeitc nao centrado, ncm origem de si. Tenhoside cuvida por muitos psicanalistas, que me convidam para refletirem sobre a analise dediscurso, mas vejo poucos analistas de discurso, aquclcs que, em geral se especializam empaicanalise, que se perguntcm 0 que a analise de discurso pode fazer pela psicanalise. Pcnsoque csta posicao unidirecional "0 que pode a psicanalise pela analise de discurso?" e umapolli~llo que arrisca cair na problemetica da "complementaridade'' (cf P. Henry, 1(77),ouIIcja.llquclll para a qual tudo no humano ou e psicologlco ou sociclogicotcorn uma inchnacao

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DISCIIRSO EM ANAuSE: SUJEITO, SENl1DO. IDEOL(x;!A

Observamos que, para M. Pecheux (1975), ideologia e incons-ciente vern juntos, se apresentam juntos. Nao ha anterioridade deurn em relacao a outro. Esta e uma proposicao teorica e nao hametodo para demonstrar dada sua inseparabilidade. Tampoucoisto pode ser objeto de descricao, As descricoes sao feitas, umavez considerada essa inseparabilidade. Este e urn principio teoricoposto por M. Pecheux como presente no modo de funcionamentodo discurso. 0 que me permite dizer - e ja 0 disse rnais de uma vez- que psicanalise e analise de discurso na~ se misturam. 0 que naotira 0 interesse em procurar compreender suas formas de relacao.

De todo modo, entramos agora em outro momenta da anali-se de discurso, no Brasil, dado 0 desenvolvimento criterioso queproduzimos face 11analise de discurso que tern como fundadorM. Pecheux (I'. Henry, M. Pion). Momento em que 0 conceito dediscurso e 0 tipo de analise produzern outra mudanca no lugare alcance da Analise de Discurso no campo das ciencias,

Nao yOU finalizar essas consideracoes sem dizer que mesmocom os revisionismos, as instrumentalizacoes, os equivocos teo-ricos, a analise de discurso a que me filio mudou 0 cenario dosestudos da linguagem. Como disse, em texto ja agora antigo, antesda analise de discurso, a linguagem era um apendice no estudodas ciencias humanas. Depois da analise de discurso, nenhumaciencia se pensa sem pensar 0 discurso. Essa e a forca desse objetodiscurso e do que pode fazer uma boa teoria (M. Pecheux). E, comseus desenvolvimentos, a analise de discurso avanca, 0 conceitodiscurso e os tipos de analise produzem uma mudanca do lugar ealcance da analise de discurso no campo das ciencias.

para a psicanalise, nesse caso). Problernatica que a analise de discurso ju ultrapassou. Crcioque uma posicuo de escuta particular, por parte destes analistas de discurso que se interessampela psicanalise, a estc respeito. seria muito fecunda: que questces (imperdoaveis") a analisedc discurso coloca para a psicanalisc? Sobre 0 real da historia? Sobre a dcfinicao de Ifnguasujeita a falhas, c nao como sistema perfeito, fechado em st mesmo e que muda a relacaosujcito/lingua? Sobre 0 interdiscurso (exterioridade constitutiva, historicidadc irrepresentavel,esquecimento) como funcionamento do discurso? Sobre 0 proprio conceito de discurso e arelacao entre 0 real da lingua e 0 real tla historia? Praticar a analise de discurso interrogandoa psicanalise, 0 inconscicntc, esta e uma posicao muito descjavel e produtiva. E que est!presentc em grupos que procuram compreendcr 0 que, afinal, significa 0 "e" presente narelecsc "analise de discurso e psicanahse", ou "ideologia c inconsciente".

ENI PUCCINELLI ORLANDI

UM MESMO CAMINHO EM NOVOS RUMOS

Tern sido comuns algumas inquietacoes no proprio interiordo campo dos que fazem analise de discurso no dominio inaugu-rado por M. Pecheux, Tomo aqui estas inquietacoes como indi-cacoes que apontam na direcao do que chama rei a necessidadede uma virada na teoria. Epistemologicamente, e em termos dahistoria das ciencias. a conjuntura da constituicao, hoje, da praxisda analise de discurso exige uma virada (nos estudos da signifi-cacao). Dada sua nova conjuntura: novas condicoes de producaode discurso e novas formas de assujeitamento.

Sao tres os conjuntos de consideracoes que farei a este respeito:

1. 0 primeiro diz respeito ao modo como uma ciencia se cons-titui em seu campo;

2. 0 segundo diz respeito a conjuntura historica em que issose da. E toea os elementos que condicionam seu campo devalidade: como os modos historicos de assujeitamento, amaterialidade discursiva, a lingua, 0 discurso.

3. 0 terceiro implica 0 modo mesmo da analise que se instalaenos conceitos chave que se mobilizam. No caso, 0 tipo deanalise e as no~i5es que penso serem nucleares, nesta con-juntura, tanto historica como te6rica: a de interdiscurso emetafora/metonfmia (cfM. PECHEUxrr. HERBERT,1995), emque, ao distinguir a ideologia de forma empfrica daquela deforma especulativa, 0 autor, ao mesmo tempo, diferencia 0

processo metaforico de substituicao do significante pelosignificante (dorninancia metaforica sernantica] do processometonimico de conexao do significante ao significante (do-miniincia metonfmica sintatica). Estas distincoes produzemefeitos te6ricos interessantes sobre 0 que ele chama efeitode sociedade (prova da realidade) e sobre 0 processo deidentificacao dos sujeitos.

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Na contemporaneidade, e pensando os processos discursi-vos, ja temos avancos teoricos e analfticos sensfveis. lsto estarapresente em outros capftulos em que tratamos rnais especifica-mente da relacao individuo/sociedade. Acompreensao do funcio-namento da linguagem, da producao dos sentidos e da relacaosujeito/sentidolhistorialsociedade. De toda forma, af esta postafundamentalmente a questao da ideologia que consideramos naatualidade em seus desenvolvimentos.

Dito isso, e preciso reconhecer que uma ciencia, na realidade,traz ja na sua propria constituicao os rumos e os riscos a quese expoe. Nao e diferente com a analise de discurso: os rurnose riscos estao no fato de que se caracteriza como uma teoria deentretneio, Na relacao entre a Lingufstica e as Ciencias Humanase Sociais, na relacao do marxismo, da psicanalise, da linguistica.Segundo M. Pecheux, ela af se constitui nao como outra alter-nativa mas trabalhando as suas contradicoes, pensadas em suasrelacoes. Muitos nao compreendem 0 que seja entremeio e muitornenos a contradicao ou os emprestimos que usa como metajoras, seucontexte cientifico (M. PECHEUX,1969).

Outro fato, que e preciso compreender em maior profundi-dade e atualmente faz a perspectiva da analise de discurso, e ade seu objeto: 0 discurso. Ee nessa direcao que vejo se aprofun-darern questoes, analises, pesquisas. Como disse, a deflnicao dediscurso que pratico e a de Pecheux em sua AAD/69: 0 discurso eefeito de sentidos entre locutores. Muitos ainda se prendem a urnequivoco te6rico: falam em objetos novos para a analise de dis-curso, porque nao distinguem entre objeto teorico (0 discurso:efeito de sentidos entre locutores) e objetos de analise (que saomuitos e de muitas naturezas). A cada passo, abrem-se questoes,coloca-se a necessidade de compreensao, E estas questoes malpostas, ou afirrnacoes equivocadas, sao para mim 0 sintoma danecessidade de cornpreender 0 que aqui chama de urn desenvolvi-mento maior, uma virada. Virada, para mim, significa ser atentosIIteoria, elaborar procedimentos analiticos, formular questoes etrabalhar em seu desenvolvimento.

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A VIRADA

1. A CONJUNTURA TEORlCA: RELA<;:OES METAFORICAS

Estamos, pois, no momenta de uma virada na analise dediscurso. lnauguracao de urn novo campo de questoes. Uma novaconjuntura hist6rica, novas formas de existencia hist6rica da dis-cursividade leva a analise de discurso a novas indagacoes, Outroprograma de leituras, urn campo de novas interrogacoes. Nao setrata, quando falo de seu objeto, de uma nova dejiniriio (0 discursoe efeito de sentidos entre locutores, M. Pecheux, 1969).0 que podeestar mudando de lugar e 0 conceito discurso. E uma questao paraa teo ria e a sua posicao face a epistemologia, a historia da ciencia,

Explico. Nos anos 60 do seculo xx tanto a conjuntura in-telectual como sociopolitica era outra. A linguagem estava emoutro campo historico-social. A virada que se deu, entao, com aconceituacao de discurso, ultrapassou urn conjunto de conheci-rnentos ja postos. Pois bern, hoje toda essa conjuntura e outra. 0que 0 conceito de discurso pode produzir hoje? 0 que a analisede discurso, mobilizando a ideologia - e fundamental mente 0

sujeito - "ultrapassa" para produzir uma virada? A ideologia e umdos elementos constitutivos da virada de 1960, ja consumada.Que sentidos toma hoje a ideologia ao tomar seu/esse lugar emuma nova virada? Correlatamente. na relacao humanismovrna-terialismo 0 que representa 0 materialismo hoje na relacao quecom ele estabelece a analise de discurso? Este e 0 no da questao,

Para compreender, voltemos aM. Pecheux e a nocao de"metafora". Em um item que ele chama de "0 campo da historiadas ciencias'', na MD (1969), dini que 0 estudo dos processosaos quais uma ciencia faz ernprestirnos (teoria da ideologia,lingufstica, psicanalise], que ela usa como metaforas para se com-preender e para se fazer compreender, a do "contexte" de umaobra cientffica - a constelacao dos processos discursivos com os

4 Pcnsoaqui na mundializacao, nas ONGs, e em todas as formes de assistcncialismo pratica-das pelo neoliberalismc. Mas penso tambem que 0 empirismo csta bastante presente nesteconfronto tense com 0 matcrialisrno.

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quais ela debate e se debate - , aquela enfim da "dlfusao" dosconhecimentos em urn sistema de representacoes pre-cientificas,colocam uma serie de problemas que 0 tipo de analise propostacontribuiria para resolver. Entendarnos. 0 tipo de analise ajuda aresolver estes problemas. Mas para isso precisamos apreender asmetaforas que a ciencia usa para se compreender. Como exemplode distintas metaforas. ele cita Arist6teles que pensava que 0

sangue irriga 0 corpo como a agua irriga a terra, e Harvey que ve,ao contrario, a circulacao sanguinea como urn sistema hidraulico.As metaforas diferem e isso tern consequencias fortes para suasdistintas formulacoes, E, assim, para os processos discursivos comos quais a ciencia se debate e debate. A producao atualmente jaconsolidada sobre a lingua, a ideologia e 0 sujeito, pela analisede discurso, nos leva a perguntar sobre a natureza e qualidade danossa relacao, hoje, com a teo ria da ideologia, a psicanalise e alingufstica (ideologialinconsciente!lfngua(gem)). Qual e 0 estatutoe a natureza dos emprestirnos metaf6ricos que daf partem, hoje,formando 0 contexto cientifico em que a analise de discurso secompreende?

Penso que para entender 0 que Pecheux (2011) esta fa-lando, quando fala do tipo de analise, e preciso levar a serio anocao de materialidade discursiva enquanto nfvel de existenciasticio-historica. E nao e a lingua, nem a literatura, nem as"mentalidades" de uma epoca, pois a materialidade discursiva,diz Pecheux, remete as condicoes verba is de existencia dos objetos(cientfficos, esteticos, ideologicos) em uma conjuntura historicadada. Os objetos ja vern, pois, significados dadas as condicoesverbais de sua existencia. Isto e historicidade, interdiscurso,memoria discursiva. Quero realcar aqui a ideia de conjunturasocio-historica e a nocao de processo discursivo. Mais do queisso: "Aposicao epistemol6gica da analise de discurso conduz, entiio,a pensar a existencia da lingua niio como um sistema (0 software deum 6rgiio mental) mas como um real especifico formando 0 espacocontradit6rio do desdobramento das discursividades (M. PECHEUX,2011). E0 interdiscurso comofuncionamento da discursividade.

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Retomemos 0 que foi dito: condiroes verbais da existencia dosobjetos. Essa forrnulacao concebe que a materialidade especfficada ideologia e 0 discurso e a materialidade especffica do discursoe a lfngua. A lingua esta nas "condicoes verbais da existincia dosobjetos". E 0 que interessa destacar e que ela e concebida por M.Pecheux. como real especifico formando 0 espaco contradit6rio dodesdobramento das discursividades.

o que hoje discute-se, interrogando-se, ao falar em dife-rentes materialidades significantes, e 0 espaco contraditorio dedesdobramento das discursividades. Este espaco tern a lingua,como real especffico. E preciso nao ser positivista. Nao estamosfalando da lfngua dos linguistas. Esta e uma questao conceitual,nao empfrica. Nem estamos reduzindo as unidades de analiseao lingufstico. Mas sem este real especffico nao temos a cons-tituicao pela ideologia (esta e a particularidade de M. Pecheuxface a Althusser): a ideologia, diz 0 autor, tern uma materialidadeespecffica, nao e constituida pela "esfera das ideias"._R_()ro\ltrglado, embora nao identifique discurso e ideologia, 0 discursivoeconcebido, por Pecheux (1975~),como um dos aspectos mate:riais do que ele chama de materialidade ideol6gica. 0 discursoe pois urn elemento particular da materialidade ideologica. Daique as formacoes ideologicas comportam uma ou varias forma-coes discursivas interligadas que determinam 0 que pode e deveser dito a partir de uma posicao dada em uma conjuntura dada.Considerando a relacao lingua/processos discursivos, Pecheuxafirma que a lfngua e 0 lugar material em que se realizam osefeitos de sentido. 0 que nos leva a afirrnacao de que a ma-terialidade especifica (particular) da ideologia e 0 discurso, e amaterialidade espec(fica (de base) do discurso e a Ifngua._O pontoteorico de relevancia esta em que ha textualizacao do discursoem unidades relativas a diferentes sistemas significantes. 1J19j-trando suas especificidades e explorando em profundidaq~~consequencias, inclusive te6ricas. E isto implica, como 4i~mosacima, retomando Pecheux (2011), pensar a lingua cOIJI.Q.orealespecffico formando 0 espaco contraditorio de.desdohrarnentodas discursividades. Do contrario, deixa-se de fazer_~lise de

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discurso. E se esta fazendo semiologia, semi6tica etc apenas apartir de urn outro significante, sem passar pelo discurso comoesta conceituado na analise de discurso, em sua relacao com aideologia. E urn significante de outra ordem material e discurso(portanto constitufdo pela ideologia) na medida em que integrao espaco contradit6rio do desdobramento das discursividades-.

Pecheux (1990, p.50) diz que a primeira exigencia paratrabalhar sobre as materialidades discursivas consiste em daro primado aos gestos de descricao delas: "uma descricao, nestaperspectiva, niio e uma apreensiio fenomenologica ou hermeneutica naqual descrever se torna indiscernivel de interpretar: essa concepciio dadescriciio supiJeao contrdrio a reconhecimento de um real especifico so-bre 0 qual ela se instala: a real da lingua (cf]. Milner. especialmente emL' Amour de la Langue). Eu disse bem: a lingua. lsso e, nem linguagem,nem fala, nem discurso, nem texto, nem interaciio conversacional, masaquilo que e colocado pelos linguistas como a condiciio de existencia(de principia), sob a forma da existencia do simbolico, no sentido dejakobson e de Lacan"(grifo meu). Ja em 1982, falando no jogo dasregras e jogo sobre as regras, Pecheux conclui: "Nesta perspectiva,a sintaxe seria, ao contrtuio, a que toea de mais perto 110 proprio dalingua enquanto ordem simbolica, com a condicao de dissimetrizar 0

corpo de regras sintaticas construindo ai os efeitos discursivos que 0

atravessam, as jogos internos destes "espelnatnentos" lexico-sintaticosatraves dos quais toda construciio sintatica e capaz de deixar apare-cer uma outra, no momenta em que uma palavra desliza sobre outrapolavra", 0 jogo sobre as regras. E termina falando em pensaroreal da lingua como um corpo atravessado por falhas, submetidoa irrupciio interna da falta. E a este real que referimos quandolembramos que, para este autor, a Ji!)gua e condicao de existen-cia de universos discursivos nao cstabilizados logicamente, e.aprimeira exigencia para trabalhar com a materialidade discursi-

5 Lembro aqui um trabalho (1995) em que desenvolvo a qucstao dos efeitos do verbal sobre onao verbal e do cuidado tcorico em tomar isso em consideracno na analise. para poder trazera panicularidadc do modo de significar das diferentes formas materiais. Tomando a questaodo silcncio. que tinha sido rucu objeto de analise cntao, cito: "Fazer valcr a diferenca entrelinguagern e silcncio e fazer valer como constitutiva da propria significacao a matcrialidadesignificante"( p.37). Mais a frente, digo: "( ... ) ha uma necessidade no sentido, em sua ma-terialidade, que so significa, por exemplo, na musica, ou na pintura etc"(p.39}.

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j

va e dar 0 prirnado aos gestos de d~scrisao~ delas~r6prlo !laJIfngua enquanto ordern sirnbolica]. Nesse sentido, e s~eiund.Q._QJ./principios de analise e de aces so ao objeto, tal como coloca ~p.kheux, podemos dizer que nao se abandona simplesmente a -relacao com a lingua quando se trabalha com a materialidadediscursiva da imagem, da pintura etc. tpreciso compreender, par_llqualquer caso, a natureza da relacao entre as diferentesformasmaterials e a concepcao de lingua como colocada mais acima, apartir de M. Pecheux, Novamente a posicao de entremeio: nemoposicao, nem sobredeterminacao, nem ausencia de rela~aQ.Daf a necessidade da teoria, pois esta, a meu ver, e uma questaoteo rica incontornavel. E, ao mesmo tempo, urn avanco,

2. A CONJUNTURA HISTORICA

Aproposta forte de M. Pecheux em tratar a questao discursiva,de urn lado, pela conjuntura hist6rica e, de outro, pelos modos deassujeitamento, nos da a direcao desta reflexao. Diz ele sobre aquestao do sujeito: 'A raiz deste debate (__.) e na realidade encontradanas formas hist6ricas de assujeitamento do individuo. que se desenvol-veram com 0 proprio capitalismo, tomando de empreitada gerir de umamaneira nova os corpos e as prdticas. E entiio necessariafazer hist6ria einterrogar aspraticas comroditorias que se desenvolveram no corariio dodesenvolvimento capitalista. 1550 supoe, como sabemos, que a sujeito nsoseja considerado como eu-conscienciamestre de sentido e seja reconhecidocomo assujeitado ao discurso: da noriio da subjelividade ou intersubje-tividade passamos assim a de assujeitamento". 0 efeito sujeito, dizPecheux, aparece entao como resultado do processo de assujeita-mente, e, em particular, do assujeitamento discursivo. Nossa em-preitada, acentuo, e compreender as novas formas de assujeitamento.Ese 0 discursivo e uma rnaterialidade historica sempre ja dada, naqual os sujeitos sao interpelados e produzidos como "produtoreslivres" de seus discursos cotidianos, literarios, politicos, cientfficos,esteticos etc a questao primordial cessa de ser a da subjetividadeprodutora de discurso e torna-se a dasformas de existencia hist6ricada discursividade. Eis 0 ponto central desta questao.

--..--.~

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Quais sao estas formas, hoje? Por isso digo que mais do quea dejiniriio (principio logico) de discurso e 0 conceito discurso quepode nos indicar uma perspectiva. Emais do que a subjetividadesao as formas hist6ricas de assujeitamento que se impoern comoquestao.O simb6lico entra em uma relacao especffica com 0 realeo imaginario, determinando a subjetividade como efeito da in-terpelacao de que 0 sujeito e 0 lugar, pelo vies da identificacao,diz Pecheux, E exatamente 0 que se contorna quando se consideraa linguagem como 0 produto de uma atividade logico-forrnala base do biopsicol6gico. Dai minha necessidade de trabalhar,explicitar mesmo, na elaboracao da teoria, 0 que tenho dito so-bre a individuacao do sujeito (contraface do assujeitamento doindivfduo) na relacao com 0 socia!. Para pensar, discursivamente,a sociedade em seu processo de constituicao e nao como inerte.E pensar 0 individuo, na relacao com 0 Estado e a Sociedade,como politico-social e nao psicobiologico,

Sao, a meu ver, nucleares as nocoes de: forma historica (doassujeitamento e da existencia da discursividade), rnetafora. pro-cesso discursivo, materialidade discursiva, lingua e interdiscurso.

Na realidade ja podemos elencar os elementos caracterfsti-cos da virada:

• Nao e 0 objeto que e novo, e 0 que podemos dizer atravesdo tipo de analise, sobre nosso objeto;Por causa da forma historica dos modos de assujeitamento eda existencia da discursividade, da materialidade discursiva,ou seja, das condicoes verbais da producao do objeto, queenvolve 0 processo discursivo instalado historicamente nacontemporaneidade, nao podemos desconhecer a rnundiali-zacao, as novas tecnologias da linguagem, a rnfdia tal comose apresenta hoje, as guerras ideologicas contundentes, asformas sociais, 0 ecologismo, a xenofobia, 0 racismo, a relacaoressignificada do Estado com 0 Mercado, a reorganlzacao deuma dire ita leta!.

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Do lado da conjuntura teorica, para compreender e trabalharesta virada, nao podernos nos deixar levar pelos pressupostosfllosoficos que constituem materia de consenso (psicologismo,biologismo, cognitivismo, pragmatismo, positivismo); nao nosentregarmos a distincao Sernantica Geral (ciencia natural) e umaespecie de Teoria da Comunicacao generalizada (a dos objetosnovos). Sempre e permanentemente devemos nos colocar naposicao de entremeio e discutir as contradicoes que esta posicaoproduz, as metaforas de que a ciencia lanca mao para se com-preender e para compreender e que constitui 0 seu contextocomo obra cientffica.

Como diz Pecheux, a primeira dificuldade reside no fato queas teorias cientificas nao se desenvolvem nunca no espaco purodo discurso logico, mas se estabelecem sempre sobre uma redemetaforica que Ihes serve de apoio. A constituicao dos objetos-a-saber nao e dissociavel dos efeitos metaforicos que nao pode-mos restringir ao espaco "subjetivo" do vivido cotidiano ou dapoesia (M.PECHEUX,2011). Se, na conjuntura politica, estamosatentos aos fundamentalismos, ao neocapitalismo (ou politica demercado, mundializacao), na conjuntura teorica, estamos atentosaos funcionalismos, ao pragmatismo, aos modelos da semiologia,do cognitivo, do biologico, que hoje pretendem tomar 0 lugarda psicanalise, da lingufstica, do marxismo como ernprestimosmetaf6ricos para se compreender e fazer compreender a analisede discurso.

Nao ver a lfngua como sistema (0 software de urn orgaomental) mas como real especffico do desdobramento das discur-sividades; observar as condicoes de existencia dos objetos emuma conjuntura hist6rica e lembrar que os objetos a saber seconstroem em processos discursivos. Pensar as discursividadesem suas diferentes materialidades que se desdobram em urn es-paco contraditorio, fazendo-se unidades de analise. Nao sermosfixistas enos dispormos a pensar as formas de circulacao dessesobjetos entre estas zonas (cientffica, estetica, polftica etc), Eisurn passo necessario no atual estagio de nossas reflexoes,

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Hoje, dada a conjuntura histories e 0modo de exlstencla dascondlcoes verbais da discursividade, estamos em urn processodiscursivo que demanda reflexao: a materialidade nos coloca emmeio a unidades de analise que sao diferentes formas materiaisexistindo ao mesrno tempo. Novas tecnologias de linguagem.Complexidade signica. Simultaneidade semica, Que diz respeitoaos objetos de analise constitufdos a partir das condicoes ver-bais de existencia da discursividade. Nao confundamos nossosobjetos de analise e 0 nosso objeto teorico que continua sendosempre 0 discurso. Com arencao ao que se conceitua hoje comodiscurso em suas formas de existencia historica e em seu valorepistemol6gico.

Isto tudo me leva a pensar 0 que propus, desde 0 infcio,sobre polissemia". E preciso manter-se suspenso na polissemia". Aintegracao. ou sustentacao na mera parafrase e ja saida da nocaode processo para a de produto. E isto e a negacao da teo ria edo rnetodo, Pensando 0 interdiscurso, como diz Pecheux, tran-sitamos, em rnetafora, transferencia, 0 tempo todo. Nao ha, deinfcio, uma estrutura sernica do objeto, e, em seguida aplicacoesvariadas dessa estrutura nesta ou naquela situacao, diz ele, masa referenda discursiva do objeto ja e construida em forrnacoesdiscursivas (tecnicas, morais, politicas ...) que combinam seusefeitos em efeitos de interdiscurso; a producao discursiva dessesobjetos circularia entre diferentes regioes discursivas das quaisnenhuma pode ser considerada originaria. 0 interdiscurso, longede ser efeito integrador da discursividade, diz 0 autor, torna-sedesde entao seu principio de funcionamento: "I'porque as elementosda sequencia textual. funcionando em uma formUl;iio discursiva dada,podem ser importados (meta-jotizados) de uma sequencia pertencente

6 " ...a relacao significame-significadc resuhu de uma propriedade da cadcia significante queproduz, pelo juga de uma necessaria pousscmia. os "ponros de ancoragem" pelos quais elase fixa no significadc'{T, Herbert, 1995).{Grifo nosso).

7 Essa nocao, e 0 que dcla derive como efcitos metaforicos, tern a ver com 0 conceito de dis-curse no plural, sentidos no meio de outros, mas sobrctudo como define 0 que c polissemia:"simultaneidade de movimentos diferentes de sentidos no mesmo objeto simbotico" (E.Orlandi. 19(6). Novas forma" de organizacao social (movunentos socials, tcrrorismo etc).E da informacao que cria 0 lmaginario de rclaczes scciais sem sustentacao, virtualizadas,em rede. Assim como a metafora c 0 interdiscurso. Com elementos sendo importados (meta-forizados) de uma formacao para outra. E[Tltransite. Permanenremcntc.

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a uma outra formarao discursiva que as referencias discursivas podemse construir e se deslocar historicamente". Urn efeito de interdiscursopode se transformar historicamente.

3.TlPO DE ANAusE

E aqui entramos com 0 que estamos referindo como 0 tipode analise e os conceitos que 0 determinam: no caso, a metafora(e a metonimia) e 0 interdiscurso.

Para terminar, damns dois exemplos: 0 que fala da revolucaocomo incendio (dado par M. Pecheux] eo da danca, tal como aapresentei no Enelin (2011).

E de Pecheux 0 exernplo da diferenca classica entre as repre-seutacoes anarquistas e marxistas da destruicao do Estado. Nosdois casas encontramos a figura do incendio. Mas, segundo J.Link, a interpretacao anarquista e metonimica (na medida em queincendios valem pelo incendio geral que simboliza ele proprio 0conjunto do processo revolucionario) enquanto que a interpreta-c;aomarxista e metajorica: a destruicao do Estado burgues e torna-da como um incendio atraves da analogia. Pecheux, se contrapoea Link, atraves da nocao de interdiscurso, pensando elementosde uma formacao discursiva que podem ser metaforizados deuma para outra formacao discursiva de forma que as referenciasdiscursivas podem se construir e se deslocar historicamente. Naosao imoveis. Pecheux mostra entao como parece historicamenteplausivel que 0 discurso marxista classico tendeu a constituiruma especie de metonimizacao da irrupcao anarquista, efeito deinterdiscurso que se transformou histaricamente. Pecheux aindadiz que a rnetafora (no caso que analisou) aparece fundamental-mente como uma perturbacao que pode tornar a forma do lapso,do ato falho, do efeito poetico, do Witz , do enigma. Ametonimiaapareceria ao mesmo tempo como uma tentativa de "tratar" estaperturbacao, de "reconstruir" suas condicoes de aparecimento(como 0 biologo reconstr6i conceptualmente 0 processo de umadoenca para intervir sobre ela), Este caso, do discurso marxist.

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que metonimizou a metafora de incendio para revolucao, reduziua perturbacao e teve enormes repercussoes historicas.

Urn Dutro exemplo e 0 da analise que fiz da morte do cisnedancada pelo rapper J. Lennon da Silva, apresentada em capitulodeste livro. Metaforizacao do efeito da danca classica, ern suaspontas e volteios que rniram 0 alto. Temos entao do is corpos, doissujeitos, 0 da danca classica e 0 do rapper, em duas forrnacoesdiscursivas que nao sao uma a primeira e outra a segunda. Maspolissemia da morte do cisne. Polissemia de corpos que irrompemem seus sentidos pelo funcionamento do interdiscurso em quenao ha um inicio, uma origem, mas movimento continuo em filia-coes que se fazem e se desmancham de acordo com sua inscricaoem formacoes discursivas, dadas as formas de circulacao entrediferentes regioes do interdiscurso, em suas condicoes verbaisde existencia hist6rica.

Como materialidade discursiva: observando as condicoesde producao da danca tomando a lingua nao como urn sistema(software) mas como 0 real especfico formando 0 espato contradit6riodo desdobramento das discursividades. 0 engano e pensar ernpirica-mente os dados (verbal e nao verbal): a materialidade significantex , ou a materialidade significante y fechada em si mesma e naocomo parte de urn processo de significacao, ou seja, forma deexistencia historica da discursividade e processo discursivo noqual se constroem as coisas-a-saber,

Sustentando-me na danca como re-tens/c/ao, e afastando-meda ideia de representacao, 0 sentido de re-tens/gao da a dancaseu carater nao referencial. A danca nao refere, se esgota emsi. Carpo em estado de jorra. Explosao. Esta e a rnetafora quefunciona em seu processo de significacao, no lugar historicoproviso rio em que se aloja no interdiscurso. 0 sujeito J. Lennonda Silva, em sua materialidade, e, ao entregar seu corpo a danca,interpelado pela ideologia, individuado e identificando-se em urncorpo-que-danca, como conduo entao. a metafora]. Lennon emsua plena intensificacao. A danca nao e urn objeto novo. 0 quee novo e 0 que podemos dizer de nosso objeto, por causa da

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conjuntura historica. das formas historicas de assujeitamento,da materialidade discursiva, das condicoes verbais do apare-cimento da discursividade. Em suma: do sujeito, da filiacao aointerdiscurso, do tipo de analise. Processo discursivo instaladohistoricamente.

Temos 0 tipo de analise, os conceitos, nossa escrita. Selevamos as ultimas consequencias a nocao de entrcmeio" e 0

modo como funciona 0 interdiscurso, podemos conduir que naoestamos fixados em lugar algum, estando no entremeio. Estamossuspensos, no plural, no movimento, na polissemia.

Ea rede metaforica que nos faz nos cornpreender e compreen-dermos 0 contexte cientifico com 0 qual nos debatemos e debate-mos hoje, tern outra configuracao, ainda que mantenhamos nossosemprestimos metaforicos a psicanalise, ao marxismo, a linguistica.Porque elas mesmas, hoje, tambern sofrem urn deslocamento emsuas relacoes no campo da ciencia, face ao cognitivismo, ao ernpi-rismo, ao biologismo, entre outros. Por iSSQ,acentuo a irnportanciade repormos nossas questoes ao materialismo (0 que significa falarem materialismo hoje?), ao neocapitalismo (do lado da conjunturahistorico-polftica), e questionarmos 0 funcionalismo, a pragrnati-ca, as teorias da cornunicacao e midia (no campo teorico), Nossasmetaforas de trabalho sao as de rede, de entrerneio, de em meioa, pluralidade sem origem assinalavel. Nossos conceitos sao os dediscurso, de interdiscurso, forma de assujeitamento, materialidadediscursiva, lingua como real do espaco contraditorio da discursi-vidade, tipo de analise.

Para terminar, e retomando 0 que disse acima, que, estandono entremeio, estamos suspensos no plural, no movimento, napolissemia, volto-me para a analise pensando a contemplacao(theoria), re-tens/cao, silencio, intensificacao, E lembro 0 quedisse, no encontro do Enelin (Univas.Zul l ), falando da danca, emque retomo uma afirrnacao de Nietszche, que faz um capitulo dolivro (2009) de Alain Badiou: "Adanca como rnetafora do pensa-

8 0 entremeio nao 6 pensadc mais somente em retacao as disciplines, ou a relacao descricao/inrerpretacao. 0 exerctcio do cntrcmcio recai agora sobre 0 proprio processo de eignificacaoe dos procedimentos analiticos.

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mento", Em que as nocoes de retens/cao, de intensificacao, deiminencia estao sempre presentes. Que aqui retorno ao reves, istoe, quando falo da analise, estou falando do pensamento, comoestao presentes nos auto res acima, e os sentidos de re-tens/cao(descoberta), conternplacao (reflexaol, silencio e intensificacao.dcslizarn? do humanismo e tomam, para mim, a direcao do mate-rialismo, intensificacao da relacao com a nfio transparencia, coma praxis, com a ideologia como ela significa hoje. Intensificacaodo que e discurso. Pedra de toque da virada conternporanea.

I) Em aprcscntacso dcstc tcxto no SCAD, me Ioi posta a questao sc nac considerava a relacaoentre humanismo e materialisrno como de rupture. Sim, considero. Mas, em minha escrita, 0que estou apcntando. com a palavra "deslizar", e que, porum cfcito metaforico, deslocamosas sentidos de contemplacao, de intcnsiftcacao etc da formacao discursive humanista paraa mareriatista.