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Lembro-me exatamente do momento em que, pela primeira vez, há cerca de 10 anos, li um livro de poesia infantil da autoria de João Manuel Ribeiro. O autor, através da sua editora, enviou-me para o meu endereço institucional o volume Rondel de rimas para meninos e meninas, com ilustrações de Anabela Dias. Não conhecia o escritor, a ilustradora nem nunca tinha ouvido falar da editora “Trinta por uma linha”. Por essa altura, eu trabalhava ativamente na recensão de livros para o projeto Casa da Leitura, da Fundação Calouste Gulbenkian, e não era incomum que me chegassem vários livros para análise. Imediatamente me seduziram as cores e as formas da ilustrações da Anabela e os textos do João Manuel lembraram-me alguns dos melhores poemas de José Jorge Letria, Luísa Ducla Soares e, até, Sidónio Muralha. Para este testemunho, consultei a recensão que, na altura, redigi sobre o livro de estreia deste autor e que ainda consta do site: Coletânea de vinte e três pequenos poemas ilustrados, esta publicação revela influências claras da poesia tradicional, tanto ao nível dos temas tratados como das estruturas formais que os suportam. Valorizando a componente sonora dos textos, assim como a rítmica e melódica, verifica-se uma aposta do autor na dimensão lúdica dos textos e da própria linguagem. As ilustrações, muito subtis pela escolha das cores e da linguagem plástica, acompanham os textos, recriando algumas das suas sugestões ideotemáticas, mas deixando espaço ao leitor para os recriar usando a sua imaginação. Os volumes posteriores de poesia, que se sucederam a bom e acelerado ritmo, confirmaram e consolidaram as elevadas expectativas iniciais, revelando uma voz poética original, cuja especificidade assenta na síntese dos elementos tradicionais, profundamente musicais, com uma ludicidade que é, sobretudo, deslumbramento inaugural pelas potencialidades da palavra. Desde a reinvenção de provérbios, com (Im)Provérbios (2008), a Cantilenas Loucas, Orelhas Roucas (2010), passando por Alfabeto de Adivinhas (2009), Poemas para brincalhar (2009) e Poemas da bicharada (2008), entre muitos outros, vários foram os livros de poesia onde estas duas linhas fortes da produção poética do autor se encontraram e que tive o privilégio de recensear. A variedade de géneros e de registos que entretanto publicou esclarecem acerca da versatilidade de um poeta que, sempre que pode, regressa, com múltiplas variações, ao formato inaugural, aquele que lhe assenta como uma luva. E quem, como eu, teve oportunidade de observar a interação do autor com grupos de crianças muito pequenas, brincando com a língua e as palavras, fazendo e vivendo poesia, percebe como essa é a sua linguagem de excelência, uma espécie de rica seiva poética que alimenta todos os outros géneros. A exaltação da poesia 10 anos de escrita poética de João Manuel Ribeiro ANA MARGARIDA RAMOS é doutorada em Literatura e Professora Auxiliar do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Avei- ro, onde leciona disciplinas da área da Formação de Leitores e da Literatura para a Infância. Integra o Centro de Investigação em “Didática e Tecno- logia na Formação de Formadores” (CIDTFF), da Universidade de Avei- ro. Tem apresentado várias comunica- ções em colóquios e congressos nacionais e internacionais. Integrou a equipa que concebeu o projeto Casa da Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Inte- gra, como investigadora, a equipa da Rede Temática de Investigação Ibéri- ca “As Literaturas Infantis e Juvenis do Marco Ibérico e Iberoamericano” (www.usc.es/lijmi/). Integrou um projeto de Reestruturação do Ensino Secundário em Timor-Leste, no âmbito do qual coordenou a equipa responsável pela disciplina de Temas de Literatura e Cultura, cujos materiais pedagógicos também realizou em coautoria. Publi- cou vários livros, dos quais se destacam Livros de Palmo e Meio – Reflexões sobre literatura para a infância (Ca- minho, 2007), Literatura para a In- fância e Ilustração: leitura em diá- logo (Tropelias & Companhia, 2010) e Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infân- cia (Tropelias & Companhia, 2012). ASPASANGULARES

10 anos de escrita poética de João Manuel Ribeiro · 2017. 9. 18. · poemas ilustrados, esta publicação revela influências claras da poesia tradicional, tanto ao nível dos

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Page 1: 10 anos de escrita poética de João Manuel Ribeiro · 2017. 9. 18. · poemas ilustrados, esta publicação revela influências claras da poesia tradicional, tanto ao nível dos

Lembro-me exatamente do momento em que, pela primeira vez, há cerca de 10 anos, li um livro de poesia infantil da autoria de João Manuel Ribeiro. O autor, através da sua editora, enviou-me para o meu endereço institucional o volume Rondel de rimas para meninos e meninas, com ilustrações de Anabela Dias. Não conhecia o escritor, a ilustradora nem nunca tinha ouvido falar da editora “Trinta por uma linha”. Por essa altura, eu trabalhava ativamente na recensão de livros para o projeto Casa da Leitura, da Fundação Calouste Gulbenkian, e não era incomum que me chegassem vários livros para análise. Imediatamente me seduziram as cores e as formas da ilustrações da Anabela e os textos do João Manuel lembraram-me alguns dos melhores poemas de José Jorge Letria, Luísa Ducla Soares e, até, Sidónio Muralha. Para este testemunho, consultei a recensão que, na altura, redigi sobre o livro de estreia deste autor e que ainda consta do site:

Coletânea de vinte e três pequenos poemas ilustrados, esta publicação revela influências claras da poesia tradicional, tanto ao nível dos temas tratados como das estruturas formais que os suportam. Valorizando a componente sonora dos textos, assim como a rítmica e melódica, verifica-se uma aposta do autor na dimensão lúdica dos textos e da própria linguagem. As ilustrações, muito subtis pela escolha das cores e da linguagem plástica, acompanham os textos,

recriando algumas das suas sugestões ideotemáticas, mas deixando espaço ao leitor para os recriar usando a sua imaginação.

Os volumes posteriores de poesia, que se sucederam a bom e acelerado ritmo, confirmaram e consolidaram as elevadas expectativas iniciais, revelando uma voz poética original, cuja especificidade assenta na síntese dos elementos tradicionais, profundamente musicais, com uma ludicidade que é, sobretudo, deslumbramento inaugural pelas potencialidades da palavra. Desde a reinvenção de provérbios, com (Im)Provérbios (2008), a Cantilenas Loucas, Orelhas Roucas (2010), passando por Alfabeto de Adivinhas (2009), Poemas para brincalhar (2009) e Poemas da bicharada (2008), entre muitos outros, vários foram os livros de poesia onde estas duas linhas fortes da produção poética do autor se encontraram e que tive o privilégio de recensear. A variedade de géneros e de registos que entretanto publicou esclarecem acerca da versatilidade de um poeta que, sempre que pode, regressa, com múltiplas variações, ao formato inaugural, aquele que lhe assenta como uma luva.

E quem, como eu, teve oportunidade de observar a interação do autor com grupos de crianças muito pequenas, brincando com a língua e as palavras, fazendo e vivendo poesia, percebe como essa é a sua linguagem de excelência, uma espécie de rica seiva poética que alimenta todos os outros géneros.

A exaltação da poesia10 anos de escrita poética de João Manuel Ribeiro

ANA MARGARIDA RAMOS

é doutorada em Literatura e Professora Auxiliar do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Avei-ro, onde leciona disciplinas da área da Formação de Leitores e da Literatura para a Infância. Integra o Centro de Investigação em “Didática e Tecno-logia na Formação de Formadores” (CIDTFF), da Universidade de Avei-ro. Tem apresentado várias comunica-ções em colóquios e congressos nacionais e internacionais. Integrou a equipa que concebeu o projeto Casa da Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Inte-gra, como investigadora, a equipa da Rede Temática de Investigação Ibéri-ca “As Literaturas Infantis e Juvenis do Marco Ibérico e Iberoamericano” (www.usc.es/lijmi/). Integrou um projeto de Reestruturação do Ensino Secundário em Timor-Leste, no âmbito do qual coordenou a equipa responsável pela disciplina de Temas de Literatura e Cultura, cujos materiais pedagógicos também realizou em coautoria. Publi-cou vários livros, dos quais se destacam Livros de Palmo e Meio – Reflexões sobre literatura para a infância (Ca-minho, 2007), Literatura para a In-fância e Ilustração: leitura em diá-logo (Tropelias & Companhia, 2010) e Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infân-cia (Tropelias & Companhia, 2012).

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