10 Nocoes de Sociologia

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  • NOES DE SOCIOLOGIA

  • Didatismo e Conhecimento 1

    NOES DE SOCIOLOGIA

    REINVINDICAES POPULARES URBANAS.

    Nas diversas conjunturas histricas tem ocorrido necessidade da populao em geral e da populao de baixa renda em particu-lar, de lutar pela sobrevivncia e pelas necessidades humanas bsicas. Isso tem Levado essa populao a mobilizaes organizadas e s vezes desorganizadas ou a formao de movimentos sociais urbanos de carter reivindicatrios em diversas sociedades ou setores destas.

    Os movimentos sociais de modo geral existem deste muitos sculos. O autor Beer, usando a denominao de lutas sociais narra sua existncia na mais remota Antiguidade e, atravessando guerras e conflitos que marcaram a vida dos povos, passando pelos tempos modernos chega poca Contempornea (dcada de 1920, do sculo passado).

    Hofmann (1984) afirma que todo o pensamento do movimento social contemporneo encontra a sua origem nas grandes ideias da Filosofia do Iluminismo. Para ele pela primeira vez na histria do mundo, o Iluminismo traou a imagem de uma humanidade libertada. Isto faz com que o homem coevo crie e realize as suas utopias ou busque realiz-la. E continua Hofmann, o que consti-tuiu uma esperana para o Iluminismo, passou a constituir para o movimento social um programa ainda no cumprido e passvel de ser realizado. Para Gohn (1982), os movimentos sociais europeus, anteriores ao sculo XX, e principalmente os do sculo XIX, caracterizam-se por suas ideologias e prticas revolucionrias. A unidade bsica destes movimentos era dada no prprio plano da produo. As pssimas condies de vida dentro das fbricas levavam sua ecloso.

    Movimentos e mobilizaes de grupos sociais so encontrados em diferentes pocas, lugares, situaes e em distintas socieda-des, com maior ou menor significao. Como exemplos podemos nos referir s revoltas de escravos, aos movimentos de mulheres da Idade Mdia, s guerras camponesas do sculo XVI, aos conflitos tnicos, aos movimentos religiosos como o franciscanismo, o protestantismo do sculo XVI. Na histria do Brasil, encontramos vrios deles, de diferentes caractersticas e dimenses, como movimentos emancipacionistas, messinicos, culturais, polticos... Os dos anos 70 e 80 tm seus predecessores nos movimentos de bairro, de camponeses e operrios das dcadas anteriores. Ao se falar dos movimentos das ltimas duas dcadas, os autores procuram distingui-los dos anteriores, denominando-os de novos movimentos sociais.

    Como vimos, os Movimentos Sociais decorrem das desigualdades de classes ao longo da histria e, do avano do processo urbano-industrial, que no incio do sculo XX, compreendia quase exclusivamente a organizao do proletariado industrial, isto , os sindicatos. Entretanto, Ammann (1991) destaca que os Movimentos Sociais s recentemente mereceram a ateno dos cientistas so-ciais. Para estes, o que vem a qualificar um movimento como Movimento Social o elemento constitutivo: a contestao, o protesto, a insatisfao, o conflito, o antagonismo.

    Movimento aqui entendido no sentido dado por Gohn (1985): Os movimentos se expressam atravs de um conjunto de prticas sociais nas quais os conflitos, as contradies e os antagonismos existentes na sociedade constituem o mvel bsico das aes desen-volvidas. E continua Gohn, o movimento social tambm expressa a conscincia possvel da classe que representa.

    Todo Movimento Social carrega o germe da insatisfao, do protesto contra relaes sociais que redundam em situaes inde-sejveis para um grupo ou para a sociedade, sejam elas presentes ou futuras. Sendo assim, todo Movimento Social inscreve-se em uma problemtica relacional de poder, e, como tal, preciso compreend-lo como uma relao de fora, de confronto, de disputa e conflito entre lutas de classes, dominantes e dominados, de relao capital/trabalho, com todas as complexidades e implicaes que envolvem estas categorias, hoje.

    Esta luta nem sempre pela direo da produo da sociedade, mas protestam contra formas de direo vigentes ou anunciadas, e de suas consequncias para a classe dominada, Andrade enfatiza que a histria e o processo de produo do espao constituem assim uma interminvel luta entre os grupos sociais dominantes entre si, e da classe dominante como um todo, frente s classes dominadas.

    O jogo dialtico da luta dentre as classes d origem e se origina, a um s tempo, do sistema de relaes de trabalho dominante em face do nvel de desenvolvimento, de utilizao das foras produtivas. Da a ligao direta que h entre o tipo de espao produzido e o modo de produo e/ou a formao econmico social dominante.

    Sendo assim, o antagonista visvel dos Movimentos Sociais pode ser o Estado ou outros representantes diretos da explorao, enquanto responsveis por relaes sociais consideradas indesejveis. Os representantes dos Movimentos Sociais podem ser, uma classe social, uma etnia, uma regio, um religio, um partido poltico, ou inmeras outras categorias. Mas Gohn (1985) e Ammann (1991), nos alerta que, tanto a classe dominante como a classe dominada, com suas respectivas fraes, podem constituir-se em sujei-tos sociais dos movimentos, insatisfeitas com as relaes sociais vigentes ou propostas. Entretanto, aqui se faz necessrio alertar que apesar dos Movimentos Sociais encontra-se regidos por uma lgica de explorao do capital, este produz outras formas de opresso e dominao especficas, entre as quais figura as problemticas dos ndios, homossexuais, tnicos, ecolgicos entre outros, que no se reduz em relao capital/trabalho. Esses movimentos especficos tm objetivos particulares, no podendo ser reduzidos as relaes de classe como adverte Ammann (1991); em outras palavras, apesar de estar no interior do regime capitalista, quando dentro desses movimentos suprimir-se a oposio entre capital/trabalho no se enquadrando como movimentos sociais. Entretanto, as necessida-des cotidianas dos moradores pobres e miserveis do nosso Pas se inserem nas questes de lutas de classes, apresentando-se como movimentos.

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    Isto mostra-nos que so as intencionalidades dos processos de contestao que define o que ser ou no um Movimento Social, em outras palavras, so os processos de contestao que objetivam a contraverso ou a preservao da ordem estabelecida, a partir das contradies especficas da realidade.

    Para superar as imprecises e ambiguidades do conceito de Movimentos Sociais bsicos que conhecemos Gohn (1985) elabora um quadro geral, denominado de Principais Movimentos Sociais; o qual transcrevemos abaixo:

    Principais Movimentos Sociais

    1) Movimentos Sociais Ligados Produo: - Movimento Operrio - Movimento dos Produtores - Movimento Sindical: Operrio e Patronal 2) Movimentos Sociais Poltico-Partidrios - Partidos Institucionalizados - Grupos e Faces Polticas No Institucionalizados 3) Movimentos Sociais Religiosos - Movimentos de Igreja Catlica - Movimentos de Igrejas Protestantes e Outras - Movimentos Messinicos - Movimentos Religiosos Ligados a Tradies Culturais e Folclricas 4) Movimentos Sociais do Campo - Proprietrios - Trabalhadores Rurais 5) Movimentos Sociais de Categorias Especficas - Movimento Feminista - Movimento Negro - Movimento de homossexuais - Movimento de Defesa do ndio - Movimento de Estudantes e Professores 6) Movimentos Sociais a partir de Lutas Gerais - Lutas pela Preservao do Meio Ambiente Movimento Ecolgico - Lutas pela Democracia (Ex. Movimento pela Anistia e Luta pelas Diretas) - Lutas contra inflao e a Poltica Econmica do Governo (Ex. Movimento contra a Carestia) - Lutas de Defesa dos Consumidores - Movimentos dos Desempregados 7) Movimentos Sociais Urbanos: - Populares: Movimentos Econmicos, Reivindicatrios de Bens e Equipamentos. Movimentos Sociais Populares Urbanos de

    Carter Marcadamente Poltico - Burgueses: Aes Reivindicatrias de Bens e Equipamentos Urbanos Defensores de Privilgios e anti-igualitrios. J Ammann (1991), enumera seis princpios para conceituar o que seja Movimento Social, que descrevemos a seguir: - a contestao o elemento construtivo dos Movimentos Sociais; - Os Movimentos Sociais contestam determinadas relaes sociais, no contexto das relaes de produo; - Os protagonistas podem ser classes sociais, etnias, partidos polticos, regies etc.; - Nem todo Movimento Social tem carter de classe; - Nem todo movimento Social luta pelo poder; - O objetivo dos Movimentos Sociais pode ser a transformao ou, contrariamente, a preservao de relaes sociais dadas,

    quando as mesmas se encontram ameaadas.

    Diante do exposto, concordamos com o conceito formulado por Ammann, movimento social uma ao coletiva de carter con-testador, no mbito das relaes sociais, objetivando a transformao ou a preservao da ordem estabelecida na sociedade. Sendo assim, os movimentos sociais em sua maioria lutam por melhorias sociais (de bens, equipamentos e servios), e no pela tomada do poder (do Estado), como veremos a seguir.

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    Movimentos Sociais urbanos reivindicatrios

    Como vimos acima, as lutas e reivindicaes por menores desigualdades e excluses sociais, ou seja, melhores condies de vida em sentido pleno (de cidadania), no so novas nem exclusivas do Brasil, mas tem acompanhado a humanidade desde que surgiu a diviso social do trabalho (diviso de classe), contudo apresentam particularidades no tempo e no espao.

    No entanto, os estudos propriamente ditos dos movimentos sociais reivindicatrios de melhorias urbanas datam de poca recente. Segundo Gohn (1982), eles se desenvolveram principalmente a partir de uma abordagem derivada de uma leitura estruturalista de Marx. Na Europa, o maior nmero destas anlises tem ocorrido na Frana, sendo Manuel Castells um de seus principais represen-tantes.

    Esse autor foi um dos que mais influenciou na literatura sobre Movimentos Sociais na Amrica Latina. Para ele, um movimento social nasce do encontro de uma dada combinao estrutural, que acumula vrias contradies, com um certo tipo de organizao. Todo movimento social provoca, por parte do sistema, um contra movimento que nada mais do que a expresso de uma interveno do aparelho poltico (integrao/represso) visando manuteno da ordem.

    E continua Castells, o movimento social urbano um sistema de prticas resultando da articulao de uma conjuntura do sistema de agentes urbanos e das outras prticas sociais, de forma que seu desenvolvimento tende objetivamente para a transformao estru-tural do sistema urbano ou para uma modificao substancial da relao de foras na luta de classes, quer dizer, em ltima instncia, no poder do Estado.

    Outro autor a influenciar teoricamente os movimentos sociais urbanos na Amrica Latina foi Alain Touraine. Para ele, Movimen-tos Sociais so a ao conflitante de agentes das classes sociais, lutando pelo controle do sistema de ao histrica. Touraine deixa mais clara a definio quando afirma que os Movimentos Sociais so foras centrais que lutam umas contra as outras para dirigir a produo da sociedade por ela mesma, a ao de classe pela direo da historicidade.

    Para ns os movimentos sociais urbanos reivindicatrios, ou seja, os movimentos populares de bairros so organizaes da classe destituda de poder, que demandam atravs das reivindicaes, por direitos bsicos de acesso participao e cidadania, no se diri-gindo luta pelo domnio (controle) poltico do Estado. Mas, tendo no Estado no apenas o destinatrio de suas reivindicaes, mas tambm um adversrio e, s vezes, paradoxalmente, at um aliado.

    Na Amrica Latina

    No caso da Amrica Latina, para ficarmos no mundo subdesenvolvido e no nosso continente, as mudanas ocorridas nos conflitos sociais so decorrentes da radicalidade com que os grupos financeiros transnacionais submeteram esta regio aos seus interesses de lucro causou importantes modificaes nas relaes de classe destes pases, ameaando a simples sobrevivncia de amplos setores das massas assalariadas, que se agravou, particularmente, a partir do ps-guerra, necessitando de buscar novas formas de luta e re-sistncia cotidiana.

    Estas novas formas de luta e resistncia se fizeram de diversas maneiras, em um primeiro momento, e predominantemente, a partir da situao de moradia, muitas vezes nos bairros pobres e improvisados que chegam a servir de habitat para milhes de famlias trabalhadoras do continente. Tais lutas acompanhadas de outras, como: gua, luz e servios urbanos bsicos j no ocorrem de forma isolada, e vo construindo uma rede de intercmbio de experincias e organizao que pode chegar a convert-las em movimentos de bairro.

    Como decorrncia desse processo de conflito Evers et al. (1985) afirmam, o fato de que praticamente todos os pases latino--americanos surjam movimentos de bairro indica que em sua origem deve haver um problema social de alcance geral. Numa palavra, este problema chama-se: pauperizao.

    No segundo momento, decorrentes destas experincias surgiram algumas conjunturas especiais de protesto social, como:

    As depredaes desesperadas e espontneas contra os trens suburbanos, devido s condies infra-humanas de transporte; pas-sando por marchas de protesto, com milhares de participantes durante vrios dias, por causa do despedimento macio de trabalhado-res; a mobilizao de milhares de habitantes de toda a cidade; at s organizaes de longo prazo sob formas quase partidrias (Tierra y Libertad, Mxico) e inclusive greves nacionais. Paralelamente, surgem tambm novas formas de luta contra a represso poltica que acompanha a pauperizao econmica, como greves de fome, comits de defesa dos direitos humanos, a ocupao de igrejas ou de edifcios das Naes Unidas, etc. E continuam os autores (Evert et al., 1985), a deteriorao das condies reprodutivas em muitos pases parte da histria atual do desenvolvimento capitalista na Amrica Latina, que tem seu eixo no processo de industrializao perifrica.

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    No Brasil

    No Brasil, as contradies urbanas decorrentes do desenvolvimento do capitalismo se iniciam aps 1930, com uma lgica no processo de acumulao do capital que cria como precondio, para seu funcionamento e desenvolvimento, a participao controlada das massas populares no processo econmico e poltico (RAICHELIS, 1988). Gerando um novo tipo de sociedade urbana, especial-mente nas duas principais metrpoles do pas, Rio de Janeiro e So Paulo, baseando-se na superconcentrao de atividades produtivas e de sua reproduo. Concentrou-se nessas regies, j que ai se centralizava os demais fatores indispensveis para sua ampliao.

    Para Moiss (1985), as enormes massas de populao foram formadas neste contexto, sendo obrigadas a se acomodar ao fen-meno que se poderia chamar de urbanizao por extenso de periferias, fenmeno que adquiriu as feies de um verdadeiro processo ecolgico de discriminao social. E continua ele, a formao das principais reas metropolitanas brasileiras foi acompanhada do surgimento de uma srie de contradies sociais e polticas especficas que apareceram na forma das distores urbanas conhecidas, por exemplo, por cidades como So Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre, entre outras. Desde os anos 40 e, mais intensamente, aps a industrializao que se inicia em meados dos anos 50, o aprofundamento da diviso social do trabalho no pas provocou a emergncia de necessidades sociais e urbanas novas para a sobrevivncia da populao. Aumentou a demanda por servios de infraestrutura (gua, esgotos, asfaltamento de ruas, iluminao privada e pblica, etc.) e por um sistema de transportes coletivos mais rpido e eficiente, pois a expanso da periferia tornava bem maiores as distncias entre o local de moradia e o local de trabalho da mo-de-obra. Por outro lado, o novo desenvolvimento criou necessidades (reais ou ilusrias) infinitamente maiores para o sistema educacional, em todos os nveis, pois a modernizao econmica imps expectativas novas mo-de-obra e, ao mesmo tempo, uma nsia de valorizao (qualificao e especializao) para o conjunto da fora de trabalho; de outra parte, ampliou conside-ravelmente a demanda por servios de sade (pronto socorros, postos de sade, maternidades, hospitais, etc.), pois a complexificao de vida urbana, com a intensidade e a rapidez de sua concentrao, altas taxas de densidade, circulao rpida e veculos, trnsito, etc., e ao ritmo cada vez intenso do trabalho e da vida social, aumentou os acidentes de trabalho e de trnsito, as doenas nervosas, as epidemias e as enfermidades em geral. Criou uma demanda nova por equipamentos sociais e culturais (creches, maternidades, parques infantis, bibliotecas, centros de recreao, locais de prticas de esportes, reas verdes), pois no apenas as crescentes levas de migrantes recm-chegados cidade exigiam atendimento social especial, como as condies urbanas aprofundaram a qualidade das expectativas, provocando a emergncia de uma demanda inteiramente nova para o sistema. A incorporao da mulher fora de trabalho criou problemas sempre crescentes, como a necessidade de hospitalizao durante a gravidez e a assistncia populao infantil durante o horrio de trabalho. Alm disso, a atomizao da vida social e a diluio da vida familiar exigiu o surgimento de novos padres de sociabilidade da mesma forma que lanou os agentes dessa vida moderna a um tal grau de complexificao de sua existncia, que seria inevitvel a emergncia de problemas como as chamadas enfermidades mentais, a prostituio, a criminalidade do menor, etc.

    Viver nas reas metropolitanas, alm de exigir a integrao a novos padres de consumo, que garantissem uma sociabilidade adequada vida moderna (de que a televiso talvez seja o melhor exemplo), exigia tambm, da populao, o desenvolvimento de uma rpida capacidade de resposta ao ritmo urbano de vida (longas distncias, trfego congestionado, mobilidade rpida no trabalho, acidentes, surtos epidmicos, etc.). E a integrao nesse ritmo rpido e violento de vida, indispensvel para o funcionamento da me-trpole, no podia mais se dar no mbito das solues individuais, tomadas por cada famlia dos componentes da fora de trabalho. Ela dependia de solues globais situadas ao nvel das macro decises, s passveis de serem tomadas ao nvel do Estado.

    interessante observar do exposto acima, como o processo de industrializao/urbanizao no s alterou a vida da populao pobre (da classe trabalhadora), com novas necessidades, como tambm levou a um agravamento do estado de pauperizao desta. Alm de transferir com uma nova ideologia criada pela classe dominante, segundo a qual cabia agora ao Estado ser o provedor de toda a populao, isto , um Estado acima das classes, responsvel a atender s necessidades mais prementes da populao, e assim, resolver a problemtica urbana, que crescia sempre mais. Levando tambm, a alterao, no transcorrer do tempo, da importncia do antagonismo entre proletariado e burguesia nos conflitos sociais induzindo a uma nova contradio, que o confronto entre as massas populares e o Estado.

    Este processo de metropolizao que vai formando-se nas principais cidades brasileira, s foi possvel entre outros fatores, gra-as aos movimentos migratrios do campo, que apresenta verdadeira inverso quanto ao lugar de residncia da populao apontada nas taxas de urbanizao do pas entre 1940 e 2000, melhor dizendo, em 1940, a taxa de urbanizao representava 26,35% do total, passou para 36,16% em 1950; alcanando 45,52% em 1960; em 1970 chega 56,80%; em 1980 vai para 68,86% e em 1991 e 2000 atinge 77,13% e 81,25% respectivamente .

    Estes recm-emigrados do campo se fixam na periferia das principais cidades, em condies muito precrias de vida, estando disponveis, abaixo preo para investimento do capital, tanto na agricultura (os boias frias), como nas atividades urbanas (indstrias e servios), como construo civil; se constituindo em um subproletariado (GOHN, 1982) que subsiste mediante a venda da fora de trabalho diria, sem desfrutar das garantias da legislao trabalhista, constituindo o proletariado urbano. Em outras palavras, os trabalhadores e seus familiares constituem a fora de trabalho predominante nos grandes centros urbanos, necessitando que aumente a demanda dos servios de infraestrutura urbana que necessitam, e ao mesmo tempo, que eleva e acelera as propores de moradia em condies inadequadas, de forma geral, agrava tambm, conforme o perfil social, a cidade. Surgindo assim, as favelas e os bairros perifricos, alm de novas formas de organizao e estrutura de poder que se materializa nos movimentos sociais urbanos reivindi-catrios. (Texto adaptado de CABRAL, A. A. C. e S, A. J. de Professores pesquisadores).

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    MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS PELA MORADIA.

    Frequentemente indivduos organizam-se em busca de uma soluo comum diante de um problema comum, este seria o embrio de um fenmeno complexo conhecido na Sociologia acadmica por movimentos sociais. Este termo, utilizado pela primeira vez por Lorenz Von Stein, por volta de 1840, representava um modelo semntico que indicava a busca sistmica para englobar todo o arca-bouo de organizao, linhas invisveis que unem vrios indivduos, sujeitos ativos, de forma a comporem um s corpo que lutam constantemente para solucionar uma problemtica comum, desta forma, o termo representava a definio sucinta do movimento operrio francs, do comunismo e o socialismo emergente.

    Iniciado na Europa do sculo XIX, o termo movimentos sociais adquire carter cientfico, e ao longo dos sculos representa ob-jeto de grande significncia na sociologia, Antropologia, Direito e demais cincias do campo social Maria da Glria Gohn define Mo-vimentos Sociais: Como sendo aquelas organizaes que possuem uma identidade, tem um opositor e articulam ou se fundamentam num projeto de vida e de sociedade. Historicamente se observa que eles tm contribudo para organizar e conscientizar a sociedade apresenta conjuntos de demandas via prticas de presso e mobilizao e tm certa continuidade e permanncia.

    Na academia, conhecida uma diviso entre tal fenmeno; definido como velhos e novos movimentos sociais, os velhos movi-mentos sociais indicam o fenmeno surgido no sculo XIX, como o movimento operrio francs e as ideias ligadas ao socialismo. A partir da segunda metade do sculo XX, surgem nos EUA e Europa movimentos com os mesmo laos de unio e luta, mas caracteri-zados por objetos de conquistas diferentes, neste perodo que est englobado os movimentos que defendem a ecologia, o movimen-to feminista, em defesa de grupos marginalizados da sociedade por questes de cor, raa, opo sexual etc. Alain Touraine cit. Por Herkenhoff (2004) leciona: (...) V Os novos movimentos sociais como aes coletivas tendentes a obter mudanas na esfera social e cultural. Essas aes so dirigidas contra um opositor que resiste.

    Assim os movimentos sociais, sempre tero um carter de luta e esperana, um movimento scio politizado almejando a modifi-cao da realidade encontrada, ligando os indivduos por laos de igualdade, solidariedade e humanizao.

    No Brasil, conhecido como pertencentes a esta ltima classificao, todos os movimentos surgidos aps o regime militar, estes caracterizados especialmente pelas reivindicaes por terras urbanas e rurais diante de um modelo social, que os marginalizam da terra, privilegiando as reas urbanas para os detentores de capitais e excluindo vrias famlias do direito habitao, gerando assim a necessidade de modificao de um determinado modelo de sociedade que no atende ao equilbrio necessrio para garantir a todos um mnimo de vida digna e humanizada. Assim inevitvel que estes indivduos mais afetados, sofredores oprimidos, organizem-se com o fim de alterar este quadro posto.

    Os anseios manifestados pelos novos movimentos sociais (dos ecologistas, das feministas, dos negros. Dos jovens, dos homos-sexuais etc.) no podem a meu ver ser satisfeito dentro de uma sociedade fundada em relaes de produo capitalista. Sociedades Capitalistas no conduzem a uma vida de autntica significao existencial.

    Desta feita, torna-se elemento fundamental a colocao da esperana em combate a opresso posta pela estrutura vigente, estru-tura esta composta pelos mais diversos meios, principalmente os de natureza miditica, que banalizam os movimentos sociais, em especial os que lutam pela terra, sendo oportuno desde j, citarmos trecho da nota pblica em defesa dos movimentos sociais pela moradia e contra a criminalizao da luta pela moradia lanada pela confederao nacional das associaes de moradores (2007)

    Se a questo no for tratada corretamente, poder ser um pretexto para criminalizar o movimento social que reivindica de forma legtima o direito moradia adequada e cidade. So legtimos os mecanismos de presso da sociedade organizada junto ao Estado, garantidos pela Constituio e por instituies internacionais. Mas, muitas vezes, a luta por direitos confundida com criminalida-de

    Problema de relevncia nacional trata-se da questo da habitabilidade, o crescente processo de urbanizao acompanhado por medidas excludentes gira em torno da necessidade de lutas por moradias, bem como de terras para cultiv-las. Neste cenrio de con-flitos, os movimentos sociais tornam-se autores de Direitos, criam normas.

    Os movimentos sociais e o direito Os movimentos sociais criam Direitos, por representarem fatos que no podem passar despercebidos aos olhos do legislador.

    Relembrando a teoria tridimensional do Direito, proposto por Miguel Reale, jus filsofo brasileiro, os movimentos sociais, ao criarem um fato social podem, desta forma criar normas que busquem resguardar estes valores.

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    A correlao entre aqueles trs elementos de natureza funcional e dialtica, dada a implicao-poliridade existente entre fato e valor, de cuja tenso resulta o momento normativo, como soluo superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e de tempo (concreo histrica do processo jurdico, numa dialtica de complementaridade).

    Deste processo dialtico entre fato e valor. Assim refletimos que necessariamente os movimentos sociais possuem legitimidade e capacidade para a criao e modificao do Direito. O que nos parece contraditrio, presenciarmos a atual situao, em que os movimentos sociais acabam sendo visto como inimigos da paz pblica observem o que leciona em suas sbias palavras o prof. Herke-nhoff: Os movimentos sociais no se submetem aos padres do Direito estabelecido.

    Sobretudo em sociedades como a brasileira, onde milhes de pessoas esto Margem de qualquer Direito, num estado de per-manente negao da cidadania, os movimentos sociais esto sempre a criar Direito face de uma realidade sociopoltica surda aos apelos de direito e dignidade humana.

    O poder judicirio, assim como a maior parte da populao brasileira, mostra-se falhos na receptividade aos clamores de luta. Isso vale para qualquer movimento. Se for invaso de propriedade, destruio de bens, impedimento de afazeres de rgo pblicos, j ultrapassou os limites que a Constituio estabelece. (2008)

    Este abismo existencial mostra exatamente as falhas de um sistema jurdico posto, imperativo, que no conseguem de fato pro-teger a todos, e tampouco conseguem resgatar os marginalizados para a real condio de cidadania.

    Os Direitos e Garantias fundamentais garantidos por nossa constituio Federal de 1988, no conseguem, aps 20 de anos de promulgao, descer at as camadas mais baixas da sociedade e dar-lhes a proteo humana para sobreviverem, analisando especial-mente aqui o Direito a moradia.

    Um dos maiores problemas encaradas nas cidades, a condio de viverem dignamente debaixo de um teto, muitas fam-lias vivem sem possurem um abrigo, em contraste com alguns poucos que detm sobre seu domnio grandes extenses de terras, mantendo-as improdutivas, e com a nica finalidade da especulao imobiliria. Os movimentos sociais pela moradia buscam a liberdade deste cenrio perturbador, inmeros pessoas so privadas de uma habitao digna, por contas de poucos, que, com poderes pecunirios, alicerados numa estrutura jurdica preocupada em proteger o patrimnio individual, mostra-se ineficaz para solucionar conflitos da grande massa oprimida. Em um Estado nacional do tamanho geogrfico do Brasil, seus preceitos de Direitos e Garantias fundamentais, escritos na Constituio do Brasil de 1988, mostram-se de eficcia questionvel na soluo desta drstica realidade.

    Direito social a moradia

    Os direitos sociais elencados em nossa Carta Magna seguem uma tradio do constitucionalismo contemporneo, onde o Estado Socialdemocrata mostra-se em sua estrutura normativa uma peculiar preocupao com os menos favorecidos da sua comunidade. Os direitos sociais representam uma prestao positiva do poder soberano para com os seus cidados, visando solucionar os proble-mas que atingem o corpo social. (...) os Direitos sociais visam a uma melhoria das condies de existncia, atravs de prestaes positivas do Estado, que dever assegurar a criao de servios de educao, sade, habitao, dentre outros, para a sua realizao.

    O Direito a moradia, citado no Art. 6 da Constituio Brasileira de 1988, reflete uma das mais bsicas necessidades do ser - hu-mano, o indivduo, para que viva dignamente e mantenha-se numa tima qualidade de vida faz necessrio o seu habitat, no penas um pedao de terra, mas, toda a infraestrutura para manter o sujeito com as necessidades bsicas atendidas, como saneamento, ilu-minao e vias de acesso eficaz.

    indispensvel efetivao da dignidade da pessoa humana, um dos preceitos garantidos por nossa Carta magna em seu Art. 1 III, de forma em que milhares de pessoas descobertas de uma das necessidades to bsicas, ao lado da alimentao, que a moradia, assim, se constituindo um grande desafio para o poder soberano na efetivao de seus objetivos elencados no Art. 3 da Constituio Brasileira de 1988.

    Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao

    E o art. XXV da Declarao universal dos Direitos Humanos, ao declara o direito a habitao como Direito universal da huma-nidade.

    A dignidade da pessoa humana como comando constitucional ser observada quando os componentes de uma moradia adequada forem reconhecidos pelo poder pblico e pelos agentes privados, responsveis pela execuo de programas e projetos de habitao e interesse social, como elementos necessrios satisfao do Direito a moradia.

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    Absurdamente, aps doze anos de promulgao da Carta Magna, ainda que com pouqussima utilidade ftica, o legislador cons-tituinte derivado inclui atravs da emenda constitucional n 26/2000 o Direito social a moradia ao art. 6. Na verdade pouco se faz de diferena, tendo em vista que desde a promulgao os Art. 23 e 24 atribuem as competncias entre unio, estados e municpios na responsabilidade de trabalharem tendo em vista o equilbrio e o bem-estar da sociedade, dentre este objetivo inclui-se programas de habitao popular.

    Verdadeiramente, a emenda n 26/2000 com essa incluso da moradia nada significou de mudana real nos projetos de habitao popular. Uma medida demagoga, em que somente modificando um texto normativo, nada se realiza de concreto.

    Talvez a EC n 26 seja isto: lembraram-se de colocar ali mais uma coisa que no existe para a grande massa populacional brasi-leira, algo que no se trabalha para que exista, algo que bom lembrar ao povo que ele no tem.

    Enquanto alguns pensam que as leis so os meios nicos de se mudar a sociedade, refletimos sobre a realidade contempornea, a esperana de muitos que sonham com uma vida digna, e o desespero de famlias que se deparam com uma deciso judicial de uma ao de reintegrao de posse, que so despejadas por no possurem um justo ttulo, uma sentena que possui foras para tir-los do local, mas que a incapaz de sensibilizar-se com a situao de excluso dos mesmos.

    Vrios movimentos sociais urbanos passam por experincias semelhantes, no conseguindo o seu objeto inicial, e to logo que consegue algo, j se encontram em muitas outras necessidades, os movimentos sociais pela moradia geralmente comeam por uma ocupao em terrenos improdutivos, e que logo em seguida so reclamados pelo seu proprietrio ocorrendo quase sempre despejo das famlias que ali se instalaram necessariamente os laos de solidariedade e resistncia, unem os indivduos partcipes de tal sofrimento a lutarem por condies dignas de vida e equilbrio social.

    Os movimentos sociais pela moradia possuem uma forte tendncia de se institucionalizarem, levando-os a uma grande organiza-o de tarefas entre os membros, bem como a escolhas de seus lderes e os caminhos e meios necessrios para a consecuo do fim almejado. Acreditamos que o maior nmero de reinvindicaes oriundos destas organizaes representa o quanto sociedade est desamparando os mais necessitados, o poder pblico torna-se o maior vilo deste confronte, pois historicamente no foi capaz de apa-ziguar os problemas de massa, que s se acumularam e ganharam foras, O estatuto das Cidades, lei 10.257/2001, instrumento legal capaz se solucionar diversas injustias, ainda possui muitas dificuldades de serem efetivamente aplicados, e assim no nos conduz a verdadeira funo social da cidade, desde j os movimentos populares continuam na luta incansvel da aplicabilidade de dispositivos previsto em tal lei federal, principalmente no que tange as questes da regularizao fundiria, no to somente esta, mas como o Decreto-lei 271 de 1967, que regulariza a Concesso do Direito Real de Uso, em especial para fins de moradia prevista na medida provisria 2.220/01, mas, restries so feitas a este respeito pela prpria medida. O importante a mobilizao social, meio eficaz de se atingir o fim desejvel na criao de novos Direitos, assim como tantos j foram conseguidos, observemos:

    Para qualquer iniciativa de regularizao fundiria dar certo indispensvel que a comunidade envolvida esteja participando ativamente do processo [...] A comunidade tem condies de atuar para conquistar no s direito moradia, mas, todos os direitos de que carece.

    A mobilizao popular representou e representa um forte instrumento de conquistas e lutas das camadas mais oprimidas da socie-dade, na efetivao das aes por parte do poder estatal em prol daquela coletividade, os mecanismos utilizados pela mquina pblica ainda so lentos e por muito tempo assim permanecero.

    Acima do que foi explicitado, podemos compreender as enormes dificuldades enfrentadas pelos movimentos sociais que reivin-dicam a moradia, dificuldades encontradas em diversos momentos, no apenas na resoluo dos problemas que possui, mas abran-gendo, o desprestgio que diversas entidades governamentais e miditicas os atribuem, entendemos tais acontecimentos como algo proposital que objetiva cada vez mais criar um entendimento na grande maioria da populao brasileira que os movimentos sociais so grupos de baderneiros e criminosos.

    Podemos afirmar que os movimentos sociais possuem poderes para criarem Direitos, e isso ao nosso entender representa algo de grande perigo para aqueles que se beneficiam do atual estado catico que a se apresenta. Ao longo dos anos o crescente processo de urbanizao acabou por privilegiar aqueles sujeitos detentores de capitais, que ao adquiriram vultosas reas de terras, as tornaram improdutivas e consequentemente marginalizaram diversas pessoas da efetivao de um dos direitos to bsicos que a moradia. O Direito social a moradia previsto na Constituio Federal do Brasil de 1988, bem como outros dispositivos infraconstitucionais ainda mostra-se ineficazes e inaplicveis na realizao do bem social.

    Entendemos que a luta pela moradia realizada por mobilizao social uma luta vlida, legtima e de boa credibilidade, sabemos que as dificuldades so imensas, mas, acreditamos que atravs das lutas populares ser possvel atingir grandes conquistas, e desde j ressaltamos o desafio de com um trabalho rduo e contnuo, modificarmos a imagem corroda que determinados setores da comu-nidade com seus interesses particulares atriburam as manifestaes populares de reivindicaes. (Texto adaptado de RODRIGUES, J. F. ALMEIDA, V. A. A.).

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    MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAO.

    A relao dos movimentos sociais e educao

    Abordamos, neste texto, a temtica dos movimentos sociais, apresentando algumas caractersticas e exemplos na Amrica La-tina. Baseamos no estudo dos movimentos sociais no Brasil na atualidade e destacamos a relao movimento social e educao. De pronto, esclarecemos: para ns, a educao no se resume educao escolar, realizada na escola propriamente dita. H aprendiza-gens e produo de saberes em outros espaos, aqui denominados de educao no formal. Portanto, trabalha-se com uma concepo ampla de educao. Um dos exemplos de outros espaos educativos a participao social em movimentos e aes coletivas, o que gera aprendizagens e saberes. H um carter educativo nas prticas que se desenrolam no ato de participar, tanto para os membros da sociedade civil, como para a sociedade mais geral, e tambm para os rgos pblicos envolvidos - quando h negociaes, dilogos ou confrontos.

    Uma das premissas bsicas a respeito dos movimentos sociais : so fontes de inovao e matrizes geradoras de saberes. Entre-tanto, no se trata de um processo isolado, mas de carter poltico-social. Por isso, para analisar esses saberes, deve-se buscar as redes de articulaes que os movimentos estabelecem na prtica cotidiana e indagar sobre a conjuntura poltica, econmica e sociocultural do pas quando as articulaes acontecem. Essas redes so essenciais para compreender os fatores que geram as aprendizagens e os valores da cultura poltica que vo sendo construdos no processo interativo.

    A relao movimento social e educao existe a partir das aes prticas de movimentos e grupos sociais. Ocorre de duas formas: na interao dos movimentos em contato com instituies educacionais, e no interior do prprio movimento social, dado o carter educativo de suas aes. No meio acadmico, especialmente nos fruns de pesquisa e na produo terico-metodolgica existente, o estudo dessa relao relativamente recente. A juno dos dois termos tem se constitudo em novidade em algumas reas, como na prpria Educao - causando reaes de jbilo pelo reconhecimento em alguns, ou espanto e estranhamento - nas vises ainda con-servadoras de outros. No exterior, a articulao dos movimentos com a educao antiga e constitutiva de alguns grupos de pesquisa, como na International Sociological Association (ISA), Latin American Studies Association (LASA), Associacin Latinoamericana de Sociologia (ALAS) etc.

    No Brasil, essa relao foi sendo vagarosamente construda a partir do fim dos anos 1970, quando foram criadas novas associa-es ou ativadas entidades cientficas j existentes, a exemplo da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (ANPOCS), a Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e as Conferncias Brasileiras de Educao (CBEs), rea-lizadas bienalmente, que passaram a debater os problemas socioeconmicos e polticos e a destacar os grupos e movimentos sociais envolvidos. Essas entidades e eventos pautaram, no fim dos anos 1970 e durante a dcada de 1980, em seus grupos de trabalho e pes-quisa, mesas e debates, o tema dos movimentos sociais. A relao movimento social e educao foi construda a partir da atuao de novos atores que entravam em cena, sujeitos de novas aes coletivas que extrapolavam o mbito da fbrica ou os locais de trabalho, atuando como moradores das periferias da cidade, demandando ao poder pblico o atendimento de suas necessidades para sobreviver no mundo urbano. Os movimentos tiveram papel educativo para os sujeitos que o compunham. J existe um acervo considervel de pesquisa sobre aquela poca, vrias teses, dissertaes, livros e outros trabalhos acadmicos foram produzidos. Entretanto, uma ava-liao mais global ainda est para ocorrer, especialmente um balano que extrapole o eixo So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, porque os movimentos ocorreram em todo o Brasil, embora no com a mesma intensidade. Se olharmos para a Amrica Latina, a lacuna de estudos e publicaes, especialmente as de ordem comparativa, muito grande. Faltam estudos que articulem a produo brasileira com a de outros pases latino-americanos, especialmente aqueles que tambm passaram por regimes militares.

    A reflexo sobre a produo terico-metodolgica dos movimentos sociais nas ltimas dcadas conta com algumas publicaes no Brasil (Gohn, 2008 e 2009), mas h muito a se produzir. O livro de S. Tarrow (1994), um dos marcos no debate terico dos movi-mentos sociais, foi publicado no Brasil somente em 2009. Alain Touraine, entre os autores estrangeiros que analisam os movimentos sociais, o mais conhecido no Brasil, no teve seus primeiros livros traduzidos para o portugus. M. Castells, que influenciou vrios estudos dos movimentos no Brasil nos anos 1970-1980, tambm no teve livros publicados na dcada de 1970 traduzidos no Brasil, sobretudo aqueles nos quais pautou a anlise dos movimentos sociais com novo olhar sobre a questo urbana. Em sntese, apesar do denso quadro de mobilizaes e movimentos sociais no pas, a partir do fim dos anos 1970, o debate e a produo terica cami-nhou lentamente at os primeiros anos deste novo sculo, embora conte com um grande nmero de publicaes que so registros descritivos, importantes como memrias. No campo da educao, a defasagem ainda maior. Na primeira dcada do novo milnio, o tema dos movimentos sociais tem lentamente retornado agenda dos pesquisadores, sobretudo novos pesquisadores, pautando o debate em eventos e publicaes recentes em nmeros temticos de revistas brasileiras. E retornando de forma diferente, pautando o campo terico, questionando marcos interpretativos das dcadas anteriores, postulando novos referenciais em funo de mudanas no cenrio sociopoltico.

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    Cenrio dos movimentos sociais na atualidade no Brasil

    Para situar a relao movimentos sociais e educao, preciso delinear um quadro referencial mais amplo, relativo conjuntura que constitui o campo sociopoltico e econmico no qual ocorrem os movimentos. Algumas caractersticas bsicas dessa conjuntura na atualidade, no campo do associativismo, so:

    - H um novo cenrio neste milnio: novos tipos movimentos, novas demandas, novas identidades, novos repertrios. Proliferam movimentos multi e pluriclassistas. Surgiram movimentos que ultrapassam fronteiras da nao, so transnacionais, como o j citado movimento alter ou antiglobalizao. Mas tambm emergiram com fora movimentos com demandas seculares como a terra, para produzir (MST) ou para viver seu modo de vida (indgenas). Movimentos identitrios, reivindicatrios de direitos culturais que lutam pelas diferenas: tnicas, culturais, religiosas, de nacionalidades etc. Movimentos comunitrios de base, amalgamados por ideias e ideologias, foram enfraquecidos pelas novas formas de se fazer poltica, especialmente pelas novas estratgias dos governos, em todos os nveis da administrao. Novos movimentos comunitaristas surgiram - alguns recriando formas tradicionais de relaes de autoajuda; outros organizados de cima para baixo, em funo de programas e projetos sociais estimulados por polticas sociais.

    - Criaram-se vrias novidades no campo da organizao popular, tais como a atuao em redes e maior conscincia da questo ambiental ao demandar projetos que possam vir a ter viabilidade econmica sem destruir o meio ambiente.

    - A nova conjuntura econmica e poltica tem papel social fundamental para explicar o cenrio associativista atual. As polticas neoliberais desorganizaram os antigos movimentos e propiciaram arranjos para o surgimento de novos atores, organizados em ONGs, associaes e organizaes do terceiro setor.

    - As reformas neoliberais deslocaram as tenses para o plano cotidiano, gerando violncia, diminuio de oportunidades no mundo do trabalho formal, formas precrias de emprego, constrangimento dos direitos dos indivduos, cobrana sobre seus deveres em nome de um ativismo formal etc.

    - O Estado promoveu reformas e descentralizou operaes de atendimento na rea social; foram criados canais de mediaes e inmeros novos programas sociais; institucionalizaram-se formas de atendimento s demandas. De um lado, observa-se que esse fato foi uma vitria, porque demandas anteriores foram reconhecidas como direito, inscrevendo-as em prticas da gesto pblica. De outro, a forma como tm sido implementadas as novas polticas, ancoradas no pragmatismo tecnocrtico, tem resultado na maioria dos projetos sociais implementados passando a ter carter fiscalizatrio, ou sendo partcipes de redes clientelistas, e no de controle social de fato.

    Um panorama dos movimentos sociais neste novo milnio pode ser descrito em torno de 13 eixos temticos, que envolvem as seguintes lutas e demandas (Gohn, 2010):

    - Movimentos sociais em torno da questo urbana, pela incluso social e por condies de habitabilidade na cidade. Exemplos:- Movimentos pela moradia, expresso em duas frentes de luta: articulao de redes sociopolticas compostas por intelectuais de

    centro-esquerda e movimentos populares que militam ao redor do tema urbano (o hbitat, a cidade propriamente dita). Eles participa-ram do processo de construo e obteno do Estatuto da Cidade; redes de movimentos sociais populares dos Sem-Teto (moradores de ruas e participantes de ocupaes de prdios abandonados), apoiados por pastorais da Igreja Catlica e outras;

    - Movimentos e aes de grupos de camadas mdias contra a violncia urbana e demandas pela paz (no trnsito, nas ruas, escolas, aes contra as pessoas e seu patrimnio etc.);

    - Mobilizaes e movimentos de recuperao de estruturas ambientais, fsico-espaciais (como praas, parques), assim como de equipamentos e servios coletivos (rea da sade, educao, lazer, esportes e outros servios pblicos degradados nos ltimos anos pelas polticas neoliberais); ou ainda mobilizaes de segmentos atingidos pelos projetos de modernizao ou expanso de servios.

    - Mobilizao e organizao popular em torno de estruturas institucionais de participao na gesto poltica-administrativa da cidade:

    - Oramento Participativo e Conselhos Gestores (sade, educao, assistncia social, criana e adolescente, idoso);- conselhos da Condio Feminina, Populaes Afrodescendentes etc.- Movimentos em torno da questo da sade, como:- Sistema nico de Sade (SUS);- conferncias nacionais, estaduais e municipais da sade;- agentes comunitrios de sade;- portadores de necessidades especiais;- portadores de doenas especficas: insuficincia renal, lpus, Parkinson, mal de Alzheimer, cncer, doenas do corao etc.- Movimentos de demandas na rea do direito:- humanos: situao nos presdios, presos polticos, situaes de guerra etc.;- culturais: preservao e defesa das culturas locais, patrimnio e cultura das etnias dos povos.- Mobilizaes e movimentos sindicais contra o desemprego.- Movimentos decorrentes de questes religiosas de diferentes crenas, seitas e tradies religiosas.

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    - Mobilizaes e movimentos dos sem-terra, na rea rural e suas redes de articulao com as cidades por meio da participao de desempregados e moradores de ruas, nos acampamentos do MST, movimentos dos pequenos produtores agrrios, Quebradeiras de Coco do Nordeste etc.

    - Movimentos contra as polticas neoliberais:- Mobilizaes contra as reformas estatais que retiram direitos dos trabalhadores do setor privado e pblico;- atos contra reformas das polticas sociais;- denncias sobre as reformas que privatizam rgos e aparelhos estatais.- Grandes fruns de mobilizao da sociedade civil organizada: contra a globalizao econmica ou alternativa globalizao

    neoliberal (contra ALCA, por exemplo); o Frum Social Mundial (FSM), iniciativa brasileira, com dez edies ocorridas no Brasil e no exterior; o Frum Social Brasileiro, inmeros fruns sociais regionais e locais; fruns da educao (Mundial, de So Paulo); fruns culturais (jovens, arteses, artistas populares etc.).

    - Movimento das cooperativas populares: material reciclvel, produo domstica alternativa de alimentos, produo de bens e objetos de consumo, produtos agropecurios etc. Trata-se de uma grande diversidade de empreendimentos, heterogneos, unidos ao redor de estratgias de sobrevivncia (trabalho e gerao de renda), articulados por ONGs que tm propostas fundadas na economia solidria, popular e organizados em redes solidrias, autogestionrias. Muitas dessas ONGs tm matrizes humanistas, propem a construo de mudanas socioculturais de ordem tica, a partir de uma economia alternativa que se contrape economia de mercado capitalista.

    - Mobilizaes do Movimento Nacional de Atingidos pelas Barragens, hidreltricas, implantao de reas de fronteiras de ex-plorao mineral ou vegetal etc.

    - Movimentos sociais no setor das comunicaes, a exemplo do Frum Nacional pela Democratizao da Comunicao (FNDC).

    Lutas e movimentos pela educao: pontos fundamentais

    Reiteramos a afirmao anterior - a educao abrange vrias reas, destacando-se: formal (escolas), no formal (prticas educa-tivas de formao voltadas para a construo da cidadania) e informal (socializao dos indivduos no ambiente familiar de origem). Lutas e movimentos pela educao tm carter histrico, so processuais, ocorrem, portanto, dentro e fora de escolas e em outros es-paos institucionais. Lutas pela educao envolvem lutas por direitos e fazem parte da construo da cidadania. O tema dos direitos fundamental, porque d universalidade s questes sociais, aos problemas econmicos e s polticas pblicas, atribuindo-lhes carter emancipatrio. a partir dos direitos que fazemos o resgate da cultura de um povo e de uma nao, especialmente em tempos neoli-berais que destroem ou massificam as culturas locais, regionais ou nacionais. Partir da ptica dos direitos de um povo ou agrupamento social adotar um princpio tico, moral, baseado nas necessidades e experincia acumuladas historicamente dos seres humanos, e no nas necessidades do mercado. A ptica dos direitos possibilita-nos a construo de uma agenda de investigao que gera sinergia, no compaixo, que resulta em polticas emancipadoras, no compensatrias. Fora da ptica da universalidade dos direitos, camos nas polticas focalizadas, meras justificativas para polticas que promovem uma modernizao conservadora. A ptica dos direitos como ponto de partida poder fazer-nos entender as mudanas sociais em curso.

    Movimentos sociais pela educao abrangem questes tanto de escolas como de gnero, etnia, nacionalidade, religies, portado-res de necessidades especiais, meio ambiente, qualidade de vida, paz, direitos humanos, direitos culturais etc. Os movimentos sociais so fontes e agncias de produo de saber. O contexto escolar um importante espao para participao na educao. A participao na escola gera aprendizado poltico para a participao na sociedade em geral.

    Ao lanarmos um olhar sobre a relao entre educao e movimentos sociais no Brasil, podemos encontrar alguns movimentos a partir da segunda metade do sculo XX, citando, por exemplo, as Ligas Camponesas, nos anos 1960, e a utilizao do mtodo Paulo Freire, alm da importante relao entre a educao escolar do ensino superior e os movimentos sociais, nas mobilizaes ao redor de maio de 1968. Nos anos 1970, a relao bem perceptvel nas Comunidades de Base da Igreja (CEBs), com a educao no formal, que naquela poca tambm buscava formar politicamente seus participantes, dando-lhes instrumentos para uma viso crtica do mun-do. As CEBs eram a porta de entrada nos movimentos sociais urbanos de luta por creches, transportes, postos de sade, moradia etc. Dado o regime poltico da poca, professores no podiam fazer parte de sindicatos, mas participaram de movimentos de resistncia em suas associaes de classes. Outros movimentos questionaram diretamente o regime militar, como o movimento pela anistia, ou ainda os movimentos polticos de resistncia armada de setores que optaram pela guerrilha. A universidade foi um grande palco de debates nesse perodo de resistncia, e a SBPC, junto com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), associaes de jornalistas, Crias Metropolitanas e outras, acolheram os debates e participaram dos atos de protesto contra o regime vigente.

    Nos anos 1980, a relao educao e movimentos sociais se acentua, por meio de trabalhos de educao popular, lutas pelas Diretas J, organizao de propostas para a constituinte e a Constituio propriamente dita. Os movimentos passaram a pautar uma nova agenda de demandas, e uma nova cultura poltica tambm construda, alterando as polticas pblicas vigentes. Conselhos e delegacias das mulheres, temas tnico-raciais, ambientais etc. passaram a fazer parte do cotidiano na transio do regime militar para a fase da redemocratizao. Paulatinamente, foram sendo construdas redes de movimentos sociais temticos.

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    Os anos 1990 mudaram a cena poltica. O fim do regime militar e a ascenso de setores da oposio a cargos no poder alteraram a composio poltica, e o pas comeou a reconstruir sua institucionalidade. Novos atores entram em cena, como as ONGs e outras entidades do terceiro setor. Muitos movimentos sociais desmobilizam-se. Novas polticas pblicas passam a pautar questes da cida-dania e da participao, as polticas neoliberais ganham maior nfase, os sindicatos se enfraquecem e a educao escolar ganha uma nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), mas torna-se tambm um dos alvos prediletos das reformas estatais.

    O leque de propostas e aes amplo. Certamente h grupos srios, competentes, com propostas articuladas e fundadas em projetos sociopolticos e culturais emancipatrios. Mas h um grande nmero de propostas meramente integradoras, que buscam rearticular a coeso social, fragmentada pelos problemas sociais que extrapolam as comunidades em que atuam.

    Demandas pela educao nos movimentos na educao escolar

    No Brasil, nas ltimas duas dcadas, os principais eixos das demandas pela educao, nas escolas de ensino bsico, dos movi-mentos envolvendo a educao formal so:

    - Lutas pelo acesso. Demandam vagas em diferentes nveis do ensino. Nos ltimos anos, destacam-se as lutas das camadas po-pulares pelo acesso ao ensino superior. O Programa Universidade para Todos (PROUNI) no ensino particular/confessional e o Rees-truturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI) podem ser considerados programas que respondem a essas demandas.

    - Demandas por vagas nas escolas de educao infantil. Essa rea, apesar de toda a luta dos movimentos populares nos anos 1970, ainda muito deficitria. No foi includa na Constituio de 1988 ou na LDB de 1996 como obrigatria a oferta para essa faixa etria

    - Aumento de vagas na escola de ensino bsico. Na ltima dcada houve avano nesse campo, mas as reivindicaes referem-se distribuio das vagas e seus critrios. Algumas reformas educacionais promoveram a racionalizao na oferta das vagas, deslocando alunos para escolas distantes de suas moradias ou separando irmos de uma mesma famlia em diferentes unidades escolares.

    - Escola pblica com qualidade. Trata-se de uma demanda j clssica nas reivindicaes dos sindicatos, e tem assumido im-portncia cada vez maior, uma vez que os inmeros testes, provas e ranking de escolas tm deixado claro que essa demanda uma necessidade real. O prprio governo federal reconheceu isso em dezembro de 2010: o Livro Azul da cincia e tecnologia, que traz um diagnstico da inovao no Brasil e propostas para orientar futuras polticas pblicas. [...] ressalta a necessidade do que chamou de uma revoluo na educao. A meta simples: essencialmente universalizar a educao bsica de qualidade (Folha de S. Paulo, 22/12/2010). Infelizmente, para muitos polticos e administradores, educao de qualidade significa formao de mo de obra para o perfil da maioria dos empregos existentes - precrios e mal remunerados. Estamos longe de um cenrio em que a educao seja vista como formao integral, que incluiu o pensamento crtico, a capacidade de ler o mundo, de indignar-se com as injustias, reconhecer e se alegrar com as manifestaes de inovao e criatividade dos seres humanos, ou seja, de refletir de maneira autnoma.

    - Gesto Democrtica da Escola. Includa na Constituio de 1988 e na LDB de 1996, a gesto democrtica tem sido objeto de inmeros projetos experimentais. Os planos e reformas neoliberais enfatizam a gesto como foco central a ser trabalhado. Com isso, projetos so formulados.

    - Valor das mensalidades nas escolas particulares ou confessionais, especialmente no ensino superior. O movimento dos estudan-tes lidera essa reivindicao.

    - Polticas pblicas que priorizem a educao com suportes oramentrios adequados. Movimentos de diferentes matrizes polti-cas da rea da educao tm enfatizado fortemente essa questo. Eles denunciam que a educao tem prioridade nos discursos, mas, na prtica efetiva dos planos, planejamentos e planilhas, no de fato prioridade. Entre os movimentos, citam-se: o Frum Nacional de Luta pela Escola Pblica ou o Movimento Compromisso Todos pela Educao, alm dos sindicatos docentes e demais profissio-nais da educao.

    - Realizao de experincias alternativas. Tem crescido nos ltimos anos as anlises que afirmam que os problemas da educao formal no se resumem na busca de solues convencionais dentro das escolas. Articulaes da educao formal com a prtica da educao no formal tm sido propostas em planos e projetos e implementadas em redes pblicas, a exemplo dos Centro Unificados de Educao (CEUs), da rede de ensino municipal pblica da cidade de So Paulo.

    - Luta dos professores e outros profissionais da educao por melhores condies salariais e de trabalho. Envolve tambm a busca por melhorias em relao carreira e qualificao dos professores, campo por excelncia dos sindicatos. Essa demanda a que mais se destaca no campo da educao. Ao analis-la, recupera-se parte da histria da educao escolar. Registre-se, entretanto, a forte presena do corporativismo, herdeiro de estratgias seculares de lutas, algumas de resistncia, outras de defesa de privilgios.

    - Lutas dos estudantes por vagas, condies, mensalidades, refeitrios, moradia.- Lutas contra discriminaes de todos os tipos, abuso sexual etc.-Ensino tcnico. Na atualidade, um dos setores mais carentes e deficitrios do pas. Faltam escolas e falta a redefinio de seus

    objetivos, alm do fato de a prpria identidade desse grau de ensino no ser clara. Em um pas com tradies cartoriais, bacharelescas e burocratizadas, no se construiu um projeto claro a respeito dos profissionais que o ensino tcnico forma. Ele j teve diferentes representaes no imaginrio da sociedade, de escola para pobres, de formao para o trabalho etc. As faculdades de tecnologia, apro-vadas, com cursos para formao de tecnlogos, como gastronomia, hotelaria e inmeros ofcios no campo da sade ainda encontram resistncia para ser aceitas como cursos superiores, embora muitas tenham altssima demanda em seus vestibulares.

  • Didatismo e Conhecimento 12

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    - Jornadas mais efetivas nos programas contra o analfabetismo. Movimentos como o Brasil Alfabetizado pautaram essa deman-da. Em um momento histrico em que a educao aparece como uma das trs principais prioridades da populao, o analfabetismo ainda existente uma demanda da mais alta prioridade.

    - Educao de jovens e adultos. Exemplos: Movimento Nacional do EJA (Educao de Jovens e Adultos), e o Movimento de Alfabetizao de Jovens e Adultos (MOVA). No passado, a educao de jovens e adultos focalizava bastante o processo de alfabe-tizao. Na atualidade, projetos como o EJA vo muito alm disso. O EJA realiza o Encontro Nacional de Educao de Jovens e Adultos (ENEJA), que j tem institucionalidade. Trata-se de um movimento que debate, questiona e postula mudanas, assim como tambm cria memria e grande acervo de material para pesquisas, pelos dados e textos que mantm on-line para consulta. O MOVA tambm um dos exemplos de movimento que foi estimulado por polticas pblicas implementadas em parceria com a comunidade organizada, com a assessoria de ONGs.

    - Projetos pedaggicos que respeitem as culturas locais. Essa demanda refere-se organizao comunitria local, trajetria das experincias de participao existentes na regio, construo de eixos identitrios que singularizem as escolas em funo da cultura sociopoltica e social local, redefinio do conceito de participao no sentido da ampliao de seu campo e significado.

    - Alteraes na relao da escola com a comunidade.Pode-se observar que a lista das demandas na rea da educao formal extensa e, dado o limite deste artigo, destacamos ape-

    nas alguns traos do ltimo ponto: a relao entre escola e comunidade. Sabe-se que, na viso tradicional, a comunidade se reduz participao dos pais/mes de alunos, usualmente com um nico objetivo: a ajuda dos pais para a escola para superar carncias e deficincias (usualmente econmicas). A nova concepo de relao escola-comunidade amplia o espectro dos sujeitos em ao, pressupondo um trabalho conjunto entre pais, professores, gestores e funcionrios, representantes de associaes e organizaes de bairros e entorno das escolas. Dois pontos devem demarcar as relaes desse conjunto, a saber: I) ser integradora, partindo dos pro-blemas da escola sem esquecer os problemas do bairro ou comunidade territorial onde a unidade est localizada; II) centrada em um modelo de escola denominado por Alain Touraine (2005) como Escola do Sujeito, no qual se reconhece a liberdade e criatividade e as demandas individuais e coletivas. O modelo orienta-se para a liberdade do sujeito, para a comunicao intercultural, para a gesto democrtica da sociedade e suas mudanas, para formar para a cidadania. Esse modelo ainda supe a transmisso competente de conhecimentos bsicos e no s de domnio de habilidades - como querem vrios projetos neoliberais. Uma escola que, em suma, prepara os indivduos para ser cidados do e no mundo.

    Na rede do ensino superior universitrio, tanto pblica como particular ou comunitria/confessional, as lutas sempre estiveram presentes com maior visibilidade, nas demandas, mobilizaes e greves para a contratao de professores, mais verbas para educao, contra os reajustes das mensalidades, assim como na expanso e no acesso ao ensino universitrio; cotas para os socioeconomicamen-te excludos ou por questes da cor ou etnia; tarifas de transportes e de restaurantes universitrios etc. Nos ltimos anos, os j citados programas PROUNI e o REUNI, do governo federal, so responsveis pela expanso do ensino superior e incluso de estudantes de baixa renda ou em situao de vulnerabilidade social. Eles respondem s demandas feitas h dcadas por grupos e setores populares organizados, constituindo-se hoje em espao de articulao de vrias demandas e lutas institucionalizadas pela educao.

    Eixos e tipos de lutas e movimentos na rea da educao no formal

    Este item importante, complexo e extenso, porque nele se localiza a grande maioria das aes educativas dos movimentos sociais, prticas civis, associativismo das ONGs etc. Alongaramos demais se cada item da listagem a seguir fosse detalhado, vamos apenas list-los:

    - trabalho nos sindicatos;- trabalho com movimentos sociais (especialmente populares);- trabalhos na rea da ao social comunitria (junto a associaes, ONGs e outras formas organizativas - rea mais carente e

    onde se encontra o maior desafio).- Alteraes na relao da escola com a comunidade.Outros espaos onde necessria a atuao de educadores:- Lutas pelo acesso. Demandam vagas em diferentes nveis do ensino. Nos ltimos em comunidades carentes - grupos vulner-

    veis (mulheres, crianas, idosos e pobres, excluso socioeconmica ou grupos tnicos/culturais ou raciais, como negros, para quem a excluso , alm de socioeconmica, tambm cultural);

    - na mobilizao de recursos da comunidade para combate s situaes de excluso por meio da implantao de programas e projetos sociais (usualmente fruto de parcerias populares organizadas, governos locais, ONGs, movimentos etc.);

    - movimentos tnico-raciais (ndios e negros);-movimentos de gnero (mulheres e homens) e movimentos de homossexuais (que tm demandas especficas e diferentes dos

    movimentos nucleados pela perspectiva de gnero, que trata mais das relaes sociais entre homens e mulheres). Gays, lsbicas e transexuais no so apenas discriminados, mas criminalizados, alvo de atentados contra a vida, so perseguidos e morrem em aten-tados praticados por grupos com ideologias fascistas e nazistas;

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    NOES DE SOCIOLOGIA

    - movimentos culturais de jovens, especialmente na rea da msica, aprendizagem e formas de expresso como o rap e o hip hop;- mobilizaes e protestos contra a guerra, pela paz;- movimentos de solidariedade e apoio a programas com meninos e meninas de rua, adolescentes que usam drogas, portadores

    de HIV, portadores de necessidades especiais.- movimento pela infncia;- movimentos pela preservao ou construo de condies para o meio ambiente local, regional, nacional e global. Aqui se

    inscrevem, alm dos movimentos ecolgicos, os movimentos em torno da gua - de defesa de rios, bacias, lagoas e gua no planeta -, movimentos de defesa dos animais, especialmente os que esto em extino.

    Tipos de aprendizagem nas lutas dos movimentos sociais

    Segundo Vygotsky, o aprendizado ocorre quando as informaes fazem sentido para os indivduos inseridos em um dado con-texto social. A aprendizagem no interior de um movimento social, durante e depois de uma luta, so mltiplas, tanto para o grupo como para indivduos isolados. A seguir, destacamos algumas. Esto separadas para efeito didtico da exposio, mas muitas delas esto articuladas.

    - Aprendizagem prtica: como se organizar, como participar, como se unir, que eixos escolher.- Aprendizagem terica: quais os conceitos-chave que mobilizam as foras sociais em confronto (solidariedade, empowerment,

    autoestima), como adens-los em prticas concretas.- Aprendizagem tcnica instrumental: como funcionam os rgos governamentais, a burocracia, seus trmites e papis, quais as

    leis que regulamentam as questes em que atuam etc.- Aprendizagem poltica: quais so seus direitos e os de sua categoria, quem quem nas hierarquias do poder estatal governa-

    mental, quem cria obstculos ou usurpa seus direitos etc. Na escola ou em processos de alfabetizao com jovens e adultos, pode-se observar o poder da alfabetizao, mas concordamos com Ricci quando afirma: esta compreenso poltica do seu poder, que Paulo Freire se referia. Mas esta politizao necessria do alfabetizando possui uma peculiaridade. A alfabetizao e o ensino no podem adotar como funo a organizao, mas ser um meio para este fim (Ricci, 2004).

    - Aprendizagem cultural: quais elementos constroem a identidade do grupo, quais suas diferenas, suas diversidades, as adversi-dades culturais que tm de enfrentar, qual a cultura poltica do grupo (seu ponto de partida e o processo de construo ou agregao de novos elementos a essa cultura) etc.

    - Aprendizagem lingustica: refere-se construo de uma linguagem comum que possibilita ler o mundo, decodificar temas e problemas, perceber/descobrir e entender/compreender seus interesses no meio de um turbilho de propostas que se defrontam. Com essa linguagem, criam uma gramtica prpria, com cdigos e smbolos que os identificam.

    - Aprendizagem sobre a economia: quanto custa, quais os fatores de produo, como baixar custos, como produzir melhor com custo mais baixo etc.

    - Aprendizagem simblica: quais so as representaes que existem sobre eles prprios - demandatrios, sobre o que demandam, como se autor representam, que representaes ressignificam, que novas representaes criam.

    - Aprendizagem social: como falar e ouvir em pblico, hbitos e comportamentos de grupos e pessoas, como se portar diante do outro, como se comportar em espaos diferenciados.

    - Aprendizagem cognitiva: a respeito de contedos novos, temas ou problemas que lhes dizem respeito, criada a partir da parti-cipao em eventos, observao, informaes transmitidas por assessorias etc.

    - Aprendizagem reflexiva: sobre suas prticas, geradora de saberes.- Aprendizagem tica: a partir da vivncia ou observao do outro, centrada em valores como bem comum, solidariedade, com-

    partilhamento, valores fundamentais para a construo de um campo tico-poltico.

    Movimentos sociais, educao e esfera pblica: a questo dos conselhos

    Atualmente, os conselhos gestores apresentam muitas novidades. So importantes porque so frutos de demandas populares an-tigas, organizadas em movimentos sociais, ou de grupos de presso da sociedade civil pela redemocratizao do pas. Consideramos importante inclu-los neste texto porque so tambm espaos de aprendizagem e produo de saber, ainda que possam conter prticas nem sempre inovadoras e, portanto, reprodutoras de saberes no democrticos.

    Os conselhos esto inscritos na Constituio Federal de 1988 na qualidade de instrumentos de expresso, representao e par-ticipao da populao. Essas estruturas inserem-se, portanto, na esfera pblica e, por fora de lei, integram-se a rgos pblicos vinculados ao Poder Executivo, voltados para polticas pblicas especficas, responsveis pela assessoria e suporte ao funcionamento das reas em que atuam.

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    NOES DE SOCIOLOGIA

    Os conselhos gestores so diferentes dos conselhos comunitrios, populares ou dos fruns civis no governamentais, porque esses ltimos so compostos exclusivamente de representantes da sociedade civil, cujo poder reside na fora da mobilizao e da presso, no possuindo assento institucional junto ao Poder Pblico. Os conselhos gestores so diferentes tambm dos conselhos de notveis, que j existiam nas esferas pblicas no passado, compostos exclusivamente por especialistas.

    Os conselhos gestores so novos instrumentos de expresso, representao e participao. Em tese, so dotados de potencial de transformao poltica. Se efetivamente representativos, podero imprimir novo formato s polticas sociais, pois se relacionam com o processo de formao das polticas e tomada de decises. Com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pblica, pois criam uma nova esfera social-pblica ou pblica no estatal. Trata-se de um novo padro de relaes entre Estado e sociedade, porque viabilizam a participao de segmentos sociais na formulao de polticas sociais e possibilitam populao o acesso aos espaos em que se tomam as decises polticas.

    No possvel entender o papel dos diferentes tipos de conselhos que existem atualmente no Brasil se no entendermos a refor-ma do Estado e as novas figuras jurdicas que essa reforma contempla. Organizaes Sociais (OSs) e as Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIPs) so exemplos dessas formas. As Organizaes Sociais foram criadas por lei em maio de 1998 para reestruturar o aparelho do Estado em todos os nveis. No nvel federal, parcelas do prprio Estado podero deixar de fazer parte do aparelho estatal e se tornar prestadoras de servios pblicos, ou parte das atividades do Estado passaro a fazer parcerias com entidades do chamado terceiro setor (leia-se: ONGs, organizaes e associaes comunitrias ou filantrpicas e outras entidades sem fins lucrativos). Como foi dito, no so todas ou quaisquer organizaes no governamentais que podem ser consideradas parte do terceiro setor, e sim aquelas com o perfil do novo associativismo civil dos anos 1990. Um perfil diferente das antigas organizaes dos anos 1980, que tinham fortes caractersticas reivindicativas, participativas e militantes. O novo perfil desenha um tipo de entidade mais voltada para a prestao de servios, atuando de acordo com projetos, dentro de planejamentos estratgicos, buscando parcerias com o Estado e empresas da sociedade civil.

    A legislao em vigor no Brasil desde 1996 preconiza que, para o recebimento de recursos destinados s reas sociais, os munic-pios devem criar seus conselhos. Isso explica por que a maioria dos conselhos municipais surgiu aps essa data (em 1998, dos 1.167 conselhos existentes nas reas da educao, assistncia social e sade, 488 deles haviam sido criados depois de 1997; 305 entre 94 e 96; e apenas 73 antes de 1991). Nos municpios, as reas bsicas dos conselhos gestores so: educao, assistncia social, sade, habitao, criana e adolescentes. Na esfera municipal, eles devem ter carter deliberativo.

    Na rea da educao, nos municpios, sabe-se que alm do Conselho Municipal de Educao h ainda o Conselho de Alimenta-o Escolar (COMAE), o Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS) e o ex-Fundo de Manuteno e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio (FUNDEF), substitudo pelo FUNDEB, que inclui o financiamento de todos os nveis de ensino bsico. Juntos, esses trs conselhos, a rede de escolas e a Secretaria Municipal de Educao constituem o Sistema Municipal de Ensino e devem elaborar o Plano Municipal de Ensino que estabelea progressivamente metas para a autonomia das es-colas, medida que forem capazes de elaborar e executar seu projeto pedaggico, garantindo a gesto democrtica do ensino pblico.

    Apesar de a legislao incluir os conselhos como parte do processo de gesto descentralizada e participativa e institu-los como novos atores deliberativos e paritrios, vrios pareceres oficiais tm assinalado e reafirmado o carter apenas consultivo dos conse-lhos, restringindo suas aes ao campo da opinio, da consulta e do aconselhamento, sem poder de deciso ou deliberao. A lei os vinculou ao Poder Executivo do municpio, como rgos auxiliares da gesto pblica. preciso, portanto, que se reafirme, em todas as instncias, seu carter essencialmente deliberativo, porque apenas a opinio no basta. Nos municpios sem tradio organizativo--associativa, os conselhos tm sido apenas uma realidade jurdico-formal e muitas vezes um instrumento a mais nas mos do prefeito e das elites, que falam em nome da comunidade, como seus representantes oficiais, no atendendo minimamente aos objetivos de ser mecanismos de controle e fiscalizao dos negcios pblicos.

    Atualmente, alguns administradores pblicos ainda tendem a conduzir as polticas sociais para o campo da filantropia e da ca-ridade, esvaziando o sentido do pblico, do carter de poltica pblica. H um esvaziamento da responsabilidade pblica, um apelo moral conservadora, tradicional, remetendo as aes ao campo das polticas sociais compensatrias, do burocratismo e at mesmo do velho clientelismo.

    Os direitos transformam-se em benefcios concedidos. Os administradores pouco inovam. A inovao advm das novas prticas geradas pela sociedade civil. De fato, so inmeras as novas prticas sociais expressas em novos formatos institucionais da partici-pao, tais como conselhos, fruns e parcerias.

    Por meio dos conselhos, por exemplo, a sociedade civil exercita o direito de participar da gesto de diferentes polticas pblicas, tendo a chance de exercer maior controle sobre o Estado. Os fruns, por sua vez, so frutos das redes tecidas nos anos 1970/1980 e tm possibilitado aos grupos organizados olhar para alm da dimenso local. Tm abrangncia nacional e so fontes de referncia e comparao para os prprios participantes.

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    NOES DE SOCIOLOGIA

    As novas prticas constituem um novo tecido social, denso e diversificado, tensionando as velhas formas de fazer poltica e criando, em termos de alternativas democrticas, novas possibilidades concretas para o futuro.

    Desafios

    Estamos vivendo um novo momento na trajetria do associativismo latino-americano, sobretudo no caso do Brasil. As anlises destacam o carter educativo das aes coletivas, organizadas na forma de movimentos sociais, a ampliao desse cenrio associativo para alm da sociedade civil, adentrando em novas esferas pblicas, a exemplo dos conselhos e conferncias nacionais, e o surgimen-to de novos formatos desse associativismo, que agora trabalha essencialmente em rede. O Estado transformou suas relaes com a sociedade civil organizada, impulsionando polticas pblicas participativas, muitas delas coordenadas ou com a participao de anti-gas lideranas oriundas de movimentos sociais. A busca da institucionalizao de prticas antes autnomas tornou-se uma constante. Novo marco regulatrio oficial, possibilitou a criao de inmeras inovaes no campo da gesto democrtica, e o leque de entidades e associaes atuando no campo da educao, especialmente na educao no formal, cresceu bastante.

    Disso tudo resulta um cenrio contraditrio em que convivem entidades que buscam a mera integrao dos excludos, por meio da participao comunitria em polticas sociais exclusivamente compensatrias, com entidades, redes e fruns sociais que buscam a transformao social por meio da mudana do modelo de desenvolvimento que impera no pas, inspirados em um novo modelo civilizatrio no qual a cidadania, a tica, a justia e a igualdade social sejam imperativos, prioritrios e inegociveis.

    H muitos desafios a serem enfrentados. Como meta geral, preciso alterar a cultura poltica de nossa sociedade (civil e poltica), ainda fortemente marcada pelo clientelismo, fisiologismo e por diversas formas de corrupo; reestruturar a cultura administrativa de nossos rgos pblicos, ainda estruturados sobre os pilares da burocracia e do corporativismo; contribuir para o fortalecimento de uma cultura cidad que respeite os direitos e os deveres dos indivduos e das coletividades, pois a cidadania predominante se restringe ao voto e ainda marcada pelas heranas coloniais da subservincia e do conformismo.

    Em resumo: o compromisso tico e a opo pelo desenvolvimento de propostas que tenham como base a participao social pelo protagonismo da sociedade civil exigem clara vontade poltica das foras democrticas, organizadas para a construo de uma sociedade de um espao pblico diferente do modelo neoliberal, construdo a partir de excluses e injustias. preciso que sejam respeitados os direitos de cidadania e que se aumentem progressivamente os nveis de participao democrtica da populao. Esses nveis expressam-se em espaos pblicos, consolidados em instituies que deem forma aos direitos humanos e ao exerccio da parti-cipao cidad, presentes nos conselhos, plenrias, fruns e outras possveis instituies a ser inventadas. Tudo isso compe o univer-so da temtica educao e movimentos sociais. E, lembrando um alerta de Rancire (1995), ao criticar as formas de participao no emancipadoras, criadas apenas para estabelecer consensos e controles, que diz que nesses casos a participao poltica confundida com o consenso, e a poltica deixa de ser a reivindicao da parte dos que no tm parte, a uma interveno de expedientes. (Texto adaptado da autora GOHN, M. G.).

    MOVIMENTOS E LUTAS SOCIAIS NA HISTRIA DO BRASIL.

    A anlise dos movimentos sociais no Brasil revelam forte enfoque terico oriundo do marxismo, sejam eles vinculados ao espao urbano e/ou rural. Tais movimentos, quando se referiam ao espao urbano possuam um leque amplo de temticas como por exemplo, as lutas por creches, por escola pblica, por moradia, transporte, sade, saneamento bsico etc. Quanto ao espao rural, a diversidade de temticas expressou-se nos movimentos de boias-frias (das regies cafeeiras, citricultoras e canavieiras, principalmen-te), de posseiros, sem-terra, arrendatrios e pequenos proprietrios.

    Cada um dos movimentos possua uma reivindicao especfica, no entanto, todos expressavam as contradies econmicas e sociais presentes na sociedade brasileira.

    No incio do sculo XX, era muito mais comum a existncia de movimentos ligados ao rural, assim como movimentos que luta-vam pela conquista do poder poltico. Em meados de 1950, os movimentos nos espaos rural e urbano adquiriram visibilidade atravs da realizao de manifestaes em espaos pblicos (rodovias, praas, etc.). Os movimentos populares urbanos foram impulsionados pelas Sociedades Amigos de Bairro - SABs - e pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Nos anos 1960 e 1970, mesmo diante de forte represso policial, os movimentos no se calaram. Havia reivindicaes por educao, moradia e pelo voto direto. Em 1980 destacaram-se as manifestaes sociais conhecidas como Diretas J.

    Em 1990, o MST e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos, tais como os movimentos sindicais de pro-fessores.

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    NOES DE SOCIOLOGIA

    Concomitante s aes coletivas que tocam nos problemas existentes no planeta (violncia, por exemplo), h a presena de aes coletivas que denunciam a concentrao de terra, ao mesmo tempo que apontam propostas para a gerao de empregos no campo, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); aes coletivas que denunciam o arrocho salarial (greve de professores e de operrios de indstrias automobilsticas); aes coletivas que denunciam a depredao ambiental e a poluio dos rios e oceanos (lixo domstico, acidentes com navios petroleiros, lixo industrial); aes coletivas que tm espao urbano como lcus para a visibi-lidade da denncia, reivindicao ou proposio de alternativas.

    As passeatas, manifestaes em praa pblica, difuso de mensagens via internet, ocupao de prdios pblicos, greves, marchas entre outros, so caractersticas da ao de um movimento social. A ao em praa pblica o que d visibilidade ao movimento social, principalmente quando este focalizado pela mdia em geral. Os movimentos sociais so sinais de maturidade social que po-dem provocar impactos conjunturais e estruturais, em maior ou menor grau, dependendo de sua organizao e das relaes de foras estabelecidas com o Estado e com os demais atores coletivos de uma sociedade.

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tambm conhecido pela sigla MST, um movimento social brasileiro de ins-pirao marxista cujo objetivo a implantao da reforma agrria no Brasil. Teve origem na aglutinao de movimentos que faziam oposio ou estavam desgostosos com o modelo de reforma agrria imposto pelo regime militar, principalmente na dcada de 1970, o qual priorizava a colonizao de terras devolutas em regies remotas, com objetivo de exportao de excedentes populacionais e integrao estratgica. Contrariamente a este modelo, o MST declara buscar a redistribuio das terras improdutivas.

    Apesar dos movimentos organizados de massa pela reforma agrria no Brasil remontarem apenas s ligas camponesas, asso-ciaes de agricultores que existiam durante as dcadas de 1950 e 1960, o MST proclama-se como herdeiro ideolgico de todos os movimentos de base social camponesa ocorridos desde que os portugueses entraram no Brasil, quando a terra foi dividida em sesmarias por favor real, de acordo com o direito feudal portugus, fato este que excluiu em princpio grande parte da populao do acesso direto terra.

    Uma das atividades do grupo consiste na ocupao de terras improdutivas como forma de presso pela reforma agrria, mas tambm h reivindicao quanto a emprstimos e ajuda para que realmente possam produzir nessas terras. Para o MST, muito im-portante que as famlias possam ter escolas prximas ao assentamento, de maneira que as crianas no precisem ir cidade e, desta forma, fixar as famlias no campo.

    A organizao no tem registro legal por ser um movimento social e, portanto, no obrigada a prestar contas a nenhum rgo de governo, como qualquer movimento social ou associao de moradores.

    O movimento recebe apoio de organizaes no governamentais e religiosas, do pas e do exterior, interessadas em estimular a reforma agrria e a distribuio de renda em pases em desenvolvimento. Sua principal fonte de financiamento a prpria base de camponeses j assentados, que contribuem para a continuidade do movimento.

    Dados coletados em diversas pesquisas demonstram que os agricultores organizados pelo movimento tm conseguido usufruir de melhor qualidade de vida que os agricultores no organizados.

    O MST reivindica representar uma continuidade na luta histrica dos camponeses brasileiros pela reforma agrria. Os atuais governantes do Brasil tem origens comuns nas lutas sindicais e populares, e portanto compartilham em maior ou menor grau das reivindicaes histricas deste movimento. Segundo outros autores, o MST um movimento legtimo que usa a nica arma que dispe para pressionar a sociedade para a questo da reforma agrria, a ocupao de terras e a mobilizao de grande massa humana.

    Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST

    O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu em 1997 da necessidade de organizar a reforma urbana e garantir moradia e a todos os cidados. Est organizado nos municpios do Rio de Janeiro, Campinas e So Paulo. um movimento de carter social, poltico e sindical. Em 1997, o MST fez uma avaliao interna em que reconheceu que seria necessria uma atuao na cidade alm de sua atuao no campo. Dessa constatao, duas opes de luta se abriram: trabalho e moradia.

    Esto em quase todas as metrpoles do Pas. So desdobramentos urbanos do MST, com um comando descentralizado. As for-mas de atuao variam de um movimento para outro. Em geral, as ocupaes no tm motivao poltica, apenas apoio informal de filiados a partidos de esquerda. O objetivo das ocupaes pressionar o poder pblico a criar programas de moradia e dar populao de baixa renda acesso a financiamentos para a compra de imveis.

    Atualmente, o MTST autnomo em relao ao MST, mas tem uma aliana estratgica com esse.

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    NOES DE SOCIOLOGIA

    Frum Social Mundial - FSM

    O Frum Social Mundial (FSM) um evento altermundialista organizado por movimentos sociais de diversos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformao social global. Seu slogan Um outro mundo possvel.

    um espao internacional para a reflexo e organizao de todos os que se contrapem globalizao neoliberal e esto construindo alternativas para favorecer o desenvolvimento humano e buscar a superao da dominao dos mercados em cada pas e nas relaes internacionais.

    A luta por um mundo sem excludos, uma das bandeiras do I Frum Social Mundial, tem suas razes fixadas na resistncia his-trica dos povos contra todo o gnero de opresso em todos os tempos, resistncia que culmina em nossos dias com o movimento irmanando milhes de cidados e no-cidados do mundo inteiro contra as consequncias da mundializao do capital, patrocinada por organismos multilaterais como o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), entre outros.

    O Frum Social Mundial (FSM) se reuniu pela primeira vez na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, entre 25 e 30 de janeiro de 2001, com o objetivo de se contrapor ao Frum Econmico Mundial de Davos. Esse Frum Econmico tem cumprido, desde 1971, papel estratgico na formulao do pensamento dos que promovem e defendem as polticas neoliberais em todo mundo. Sua base organizacional uma fundao sua que funciona como consultora da ONU e financiada por mais de 1.000 empresas multinacionais.

    Movimento Hippie

    Os hippies (no singular, hippie) eram parte do que se convencionou chamar movimento de contracultura dos anos 60 tendo relativa queda de popularidade nos anos 70 nos EUA, embora o movimento tenha tido muita fora em pases como o Brasil somente na dcada de 70. Uma das frases idiomticas associada a este movimento foi a clebre mxima Paz e Amor (em ingls Peace and Love) que precedeu a expresso Ban the Bomb, a qual criticava o uso de armas nucleares.

    As questes ambientais, a prtica de nudismo, e a emancipao sexual eram ideias respeitadas recorrentemente por estas comu-nidades.

    Adotavam um modo de vida comunitrio, tendendo a uma espcie de socialismo-anarquista ou estilo de vida nmade e vida em comunho com a natureza, negavam o nacionalismo e a Guerra do Vietn, bem como todas as guerras, abraavam aspectos de religies como o budismo, hindusmo, e/ou as religies das culturas nativas norte-americanas e estavam em desacordo com valores tradicionais da classe mdia americana e das economias capitalistas e totalitrias. Eles enxergavam o patriarcalismo, o militarismo, o poder governamental, as corporaes industriais, a massificao, o capitalismo, o autoritarismo e os valores sociais tradicionais como parte de uma instituio nica, e que no tinha legitimidade.

    Nos anos 60, muitos jovens passaram a contestar a sociedade e a pr em causa os valores tradicionais e o poder militar e econ-mico. Esses movimentos de contestao iniciaram-se nos EUA, impulsionados por msicos e artistas em geral. Os hippies defendiam o amor livre e a no-violncia. Como grupo, os hippies tendem a viver em comunidades coletivistas ou de forma nmade, vivendo e produzindo independentemente dos mercados formais, usam cabelos e barbas mais compridos do que era considerado elegante na poca do seu surgimento. Muita gente no associada contracultura considerava os cabelos compridos uma ofensa, em parte por causa da atitude iconoclasta dos hip