100 Perguntas e Respostas Sobre Arma de Fogo

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ARMAS DE FOGO: PROTEO OU RISCO ?Guia Prtico Respostas a 100 Perguntas

Prepare-se para o Referendo Popular

Antnio Rangel Bandeira e Josephine Bourgois

Os autores agradecem a colaborao da psicanalista Glucia Helena Barbosa, do estatstico Marcelo de Sousa Nascimento, do especialista em controle de armas Pablo Dreyfus, do economista Jlio Cesar Purcena, das jornalistas Mrcia Lisboa, Shelley de Botton, Mnica Cavalcanti, Christina Magnavita e Adriana Lacerda e do fotgrafo Roberto Pgo.

NDICEApresentao Introduo 1. Como decidir sobre o uso ou no de uma arma? 2. Armas de fogo: melhor defesa ou maior risco ? O fator surpresa Amadores x profissionais O mito do mocinho de cinema Arma como ltimo recurso? Voc est preparado para matar? Armas para defesa ou ataque? Arma deve ser usada por quem est bem treinado? O que dizem as pesquisas? 3. Desarmar os homens de bem e deixar armados os bandidos? Bandido no compra arma em loja Casas sem armas atraem os bandidos ? Doutrina Bush: armas do bem e armas do mal ? Roubos de armas legais Armas usadas em Columbine e outros massacres 4. Carros e facas tambm matam. Por que s proibir as armas de fogo? Demonizao das armas Armas brancas e de fogo: uma comparao 5. Quem mata com arma de fogo? A ameaa que vem de fora contra o seguro reduto do lar Dormindo com o inimigo Fogo amigo 6. Com o desarmamento, quem vai nos defender? Segurana se consegue com o povo armado? A Polcia no pode estar em toda parte, o tempo todo A soluo est na democracia ou na ditadura? Nova York mais segura S privilegiados vo ter proteo? Rico tem guarda-costas porque arma protege? 7. Mais armas, menos crimes ou Menos armas, menos crimes? John Lott e a defesa das armas A controvrsia do porte de arma Defesas bem sucedidas no so registradas 8. Pases exemplares Sua: paraso armado? Austrlia: o maior desarmamento USA: armas e violncia Canad e Tiros em Columbine Gr-Bretanha: fiasco do desarmamento?

Japo: segurana sem armas? 9. Quais as causas da violncia urbana? 10. Impacto das armas na sade pblica Gastos na sade Anos perdidos e expectativa de vida Revelaes de Brasil: As Armas e as Vtimas Mortalidade Ferimentos 11. As mulheres esto mais seguras com armas? Estados Unidos: resultado das pesquisas Como em outros pases? Impacto do controle de armas Brasil: O inimigo dorme ao lado A cultura feminina Arma no! Ela ou eu. Armas e feminismo 12. Cultura da violncia Mdia e violncia Armas de fogo e cultura na Amrica Latina Desconstruindo o machismo Sociedade rural e vida moderna Educao e violncia Armas de brinquedo Tradio ou atraso? Armas no matam. Quem mata so as pessoas? 13. Religio e violncia 14. Juventude e violncia armada Nmeros alarmantes: acidentes de carro e armas Rio de Janeiro Por que os jovens esto morrendo? 15. Os negros e as armas 16. Direitos a se proteger com armas? Direito legtima defesa ? Direito propriedade, proteo da famlia e ao comrcio? Pitbulls e armas de fogo: uma comparao Direito ao porte de arma? Atirar para o alto, ou o que sobe desce 17. S as ditaduras desarmam o povo? 18. Mapa da violncia das armas Mundo Brasil 19. Mapa das armas de fogo Mundo Brasil

Revelaes de Brasil: as Armas e as Vtimas As Armas que nos ameaam so estrangeiras e automticas? O maior problema o contrabando? Quais as principais fontes de armamento ilegal? O descontrole das empresas de segurana privada 20. Impacto das armas na economia Gastos com a indstria do medo Revelaes de Brasil: As Armas e as Vtimas A indstria brasileira de armas de fogo e munies A verdade sobre a indstria nacional Restrio da importao: retaliao dos EUA? O desarmamento vai levar ao desemprego? Defesa da indstria nacional e imperialismo Proibio favorece o mercado clandestino? Proibio vai aumentar o mercado negro? Proibio levar ilegalidade, como na Lei Seca? 21. Estatuto do Desarmamento Breve histrico O poder do lobby O poder da opinio pblica 22. Campanha de Entrega Voluntria de Armas Resultados 23. Destruio de armas Destruies pblicas Destruio ou reaproveitamento? 24. Movimento Mundial pelo Desarmamento As verdadeiras armas de destruio em massa Rede internacional pelo controle de armas (IANSA) Associao Nacional de Fuzis dos EUA (NRA) Mercosul e Amricas 25. O Referendo Popular Plebiscito e referendo Importncia da consulta popular Quem tem medo do referendo? 26. Concluses 27. Opinies de celebridades, vtimas e lemas de campanhas 28. Anexos 1. Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826 de 23.12.03 (Sntese) 2. Principais Contatos na Campanha do Referendo e de Desarmamento 29. Notas

ApresentaoEm meu tempo de garoto, aprendi a ter medo de navalha. Cuidado, ele capoeirista... De tiro, no me lembro ouvir falar, a no ser num baile de carnaval, no Clube do Flamengo, que me ficou na memria por conta de um sujeito ciumento que se deu ao trabalho de ir em casa, pegar a arma e voltar para acabar com a festa. Em meu ambiente, arma de fogo no era problema. Briga se resolvia na mo. Hoje, quarenta anos depois, capoeira ganhou respeito, navalha virou antiguidade e o que se v, por todo lado, o uso descontrolado da arma de fogo. So tantas e to profundas as causas da violncia, que d desespero pensar. Em meio a elas, contudo, na dureza do cotidiano, sabemos que a arma de fogo desequilibra. Transforma o banal em fatal. Gera poderes paralelos. Generaliza a vizinhana da morte. Controlar a arma e o seu uso tornou-se, pois, tarefa maior. Votou-se o Estatuto do Desarmamento. Fez-se a campanha de entrega voluntria de armas. Mobiliza-se agora um Referendo para a proibio da venda de armas para civis no Brasil. So aes de grande porte, com um nico objetivo: o controle da arma de fogo. Lembram grandes campanhas preventivas do passado, como as de combate aos vetores transmissores de doenas tropicais. Violncia, como a malria, virou epidemia, sintoma de uma patologia que escapa aos controles coletivos. Mosquito no causa de doena, assim como arma no causa de violncia, mas ambos so responsveis pela multiplicao e o agravamento do mal. A questo polmica. Arma virou problema apenas nesta gerao e a adoo de uma estratgia preventiva para a violncia, tpica do que se faz na sade pblica, tambm novidade. H muitas perguntas no ar. Este livro examina cada uma delas com um rigor e uma riqueza de informaes admirveis. a fonte que nos faltava. Rubem Csar Fernandes Diretor Executivo do Viva Rio

IntroduoEste Guia procura responder a tudo aquilo que voc queria saber sobre as vantagens e

dirigidas em nossas andanas pelo pas, convidados a falar e a debater com diferentes tipos de auditrios: estudantes, advogados, empresrios, donas de casa, jornalistas, trabalhadores, religiosos, militares, advogados, policiais, caadores, atiradores, colecionadores etc.

desvantagens do uso de armas de fogo para autodefesa e no sabia a quem perguntar. 1 So respostas a cerca de 100 dvidas, certezas e crticas que nos tm sido

Excluindo-se os criminosos, o objetivo de quem se arma, e de quem quer desarmar, um s: segurana. Ambas atitudes so respeitveis porque buscam reduzir a violncia e aumentar a segurana. Mas quem est certo? Foram 6 anos de pesquisas, viagens aos pases citados como exemplos na reduo da violncia armada, e um esforo de compreenso do que deu certo l fora e do que tem dado errado entre ns. Aqui o leitor vai encontrar uma confrontao entre os prs e os contras o uso de arma para defesa pessoal. So informaes colhidas nos principais centros de pesquisa do mundo, acrescidas dos poucos, mas relevantes, estudos realizados no Brasil. Muitos dos dados s agora chegam ao conhecimento da opinio pblica brasileira, restritos que estavam aos centros acadmicos. O rigor na seleo dessas informaes e avaliaes, e o respeito s opinies contrrias, foram preocupaes constantes dos autores, que apuraram a idoneidade de cada fonte consultada, sempre citadas. Todo esse trabalho de reunir o que h de mais srio e atualizado sobre o tema, no Brasil e em outros pases, talvez diminua a impreciso com que se citam estatsticas entre ns, contra ou a favor do desarmamento. Quanto s anlises, mesmo quando incorporam a opinio dos autores, apresentam com integridade as posies divergentes, num tema altamente controverso, para que o leitor possa tirar as suas prprias concluses. Os brasileiros, acossados pela violncia crescente, manifestam uma enorme curiosidade, e at mesmo angstia, de se informar sobre um assunto que at pouco tempo atrs era considerado tabu entre ns: o obscuro e secretssimo universo das armas de fogo. O comrcio ilegal de armas e munies garante altos lucros a interesses que tudo fazem para que essa atividade continue oculta do pblico. Sobre os caminhos e descaminhos das armas, muito se fala e pouco se sabe. S agora est sendo lanado o primeiro levantamento sobre o tema, Brasil: as Armas e as Vtimas 2, cujos pontos mais relevantes resumimos aqui. A pesquisa trata de responder a perguntas bsicas, como quantas armas circulam no pas, quem as tem, quantas so legais e quantas ilegais, qual o seu impacto na economia e na sade pblica. O quadro revelado espantoso: o pas tem mais de 17 milhes de armas de fogo, 90% delas nas mos de civis, quando a mdia internacional de 60%. Pior, metade das armas ilcita, isto , o governo no sabe quais so e quem as possui. Como fiscaliz-las assim? Como controlar o crime? Em boa hora, a Cmara Federal instalou a Comisso Parlamentar de Inqurito sobre o Trfico Ilcito de Armas, que est recebendo todo o apoio do Viva Rio. Passamos s mos de

seu presidente o mapeamento das armas feito pela referida pesquisa, o levantamento dos principais canais que abastecem de armas e munies o crime organizado e uma relao de 44.006 armas, brasileiras e estrangeiras, apreendidas pela polcia do Rio de Janeiro em situao ilcita entre 1998 e 2003, para serem rastreadas pela Polcia Federal, para que se possa desbaratar as quadrilhas que armam a bandidagem no referido Estado. Mas esse Guia vai alm do mapeamento das armas e procura responder ao que est na preocupao de tantos: devemos comprar uma arma para defendermos nossa famlia e nossos bens? Quais as vantagens e riscos desta atitude? A autodefesa no um direito fundamental do indivduo? A Campanha de Desarmamento no est fortalecendo os bandidos ao retirar as armas dos homens de bem? Devem as mulheres se proteger com armas? Quais as principais fontes que abastecem de armas a criminalidade e como control-las? Sempre buscando responder s perguntas mais freqentes, abordamos a relao entre cultura, mdia, educao, religio e a violncia, suas causas, a verdade sobre a indstria brasileira de armas e munies, os aspectos positivos e as insuficincias da nova lei de armas, o denominado Estatuto do Desarmamento. Esclarecemos qual a real situao das armas e da violncia armada nos pases sempre citados como exemplos a serem seguidos: Sua, Austrlia, Estados Unidos, Canad, GrBretanha e Japo. Ao compararmos nosso pas com os demais, fica-se surpreso. O Brasil a nao em que mais se mata e mais se morre por arma de fogo do planeta. Somos imbatveis nesse campeonato macabro. A ltima estatstica disponvel, de 2003, revela que morreram naquele ano, vtimas das armas, mais de 39.000 brasileiros e ficaram feridos cerca de 20.000. Para se ter uma idia da enormidade desses nmeros, at a Colmbia, pas dilacerado h dcadas por um conflito interno de grandes propores, com seus 23.000 mortos anuais, se dobra superioridade impressionante que os brasileiros tm revelado para se matar entre si. Segundo a UNESCO, entre 1979 e 2003, mais de meio milho de pessoas morreram no Brasil em conseqncia de tiro. Nesses 24 anos, as vtimas de arma de fogo cresceram 461,8%, enquanto a populao do pas cresceu muito menos, 51,8%. De cada trs jovens, entre 15 e 24 anos, que morrem no Brasil, um por arma de fogo. 3 Entre ns, 90% das mortes por arma de fogo so homicdios e 63,9% dos homicdios so cometidos com essas armas. Estatsticas como esta, quando apresentadas nas conferncias internacionais, fazem os estrangeiros perguntarem contra quem estamos em guerra. Temos que responder, constrangidos: contra ns mesmos. Neste magnfico pas tropical, destinado a ter um povo feliz, morrem por dia uma mdia de 108 pessoas, ficam feridas 53 e a cada 13 minutos cai algum fulminado por um tiro. Alguns ainda se refugiam na idia, totalmente equivocada, de que s est morrendo bandido. Ao contrrio, a maioria das vtimas conhece seus agressores e enorme o nmero de homicdios praticados entre familiares. Enquanto nos outros pases, que no esto em guerra, morre-se mais por acidente de trnsito do que por arma de fogo, aqui o inverso. Outros alegam que as armas vem de fora, e basta controlar as fronteiras, quando a mencionada CPI acaba de confirmar o que pesquisas do Viva Rio j haviam comprovado: Mais de 70% das armas apreendidas com bandidos so de fabricao

nacional. O resultado de todo esse cenrio de drama humano e descaso no controle das armas o de termos apenas 2,8% da populao mundial, mas respondermos por 13 % dos homicdios por arma de fogo no mundo.

motivo de vergonha e de preocupao sermos campees em mortes por arma de fogo. Temos que nos perguntar: o que h de errado com o Brasil no campo da segurana pblica? A resposta no simples porque o problema complexo. O mal uso de armas apenas um aspecto do problema. As explicaes simplistas prevalecem no debate nacional pois os estudos cientficos so poucos e quase desconhecidos da opinio pblica. Quem tem uma soluo nica, ou est iludido ou est iludindo. Viajamos por pases na frica muito mais pobres que o Brasil e muito menos violentos. Ento, o que faz com que, entre ns, a espiral da violncia urbana siga se expandindo e girando de forma cada vez mais enlouquecida? As pessoas se dividem entre as que acham um direito, e uma necessidade, que os cidados de bem tenham armas para se defender, e as que acreditam que as armas apenas transmitem uma iluso de segurana, mas na verdade aumentam os riscos para quem as porta e para suas famlias. No entanto, sem armas, quem vai nos defender? Esta a preocupao no s dos brasileiros, mas de outros pases que tambm lutam para reduzir seus altos ndices de violncia. Para uns, como se manifestou recentemente a secretria de estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, armar-se um direito dos americanos to importante quanto a liberdade de expresso e de religio. Para a maioria dos especialistas em segurana pblica no Brasil, a facilidade com que se obtm armas em nosso pas um dos principais fatores das altssimas taxas de homicdios entre ns. Com tanta violncia, nas ruas e dentro de casa, o brasileiro est com medo e tem razes de sobra para estar. Ele quer se informar, entender o que se passa e quer influir. Estamos tendo a oportunidade de vivermos a experincia indita entre ns de uma Campanha de Entrega Voluntria de Armas, j realizada em mais de 30 pases, com resultados variveis. A nossa est dando certo? Est valendo a pena ou demagogia? Em outubro prximo, teremos a oportunidade de decidir se desejamos ou no abolir a venda de armas de fogo e munies para civis. Ser o primeiro referendo de nossa histria. Respondendo sim ou no, a consulta popular, sobre um tema que o Congresso Nacional considerou essencial ouvir tambm a opinio do eleitor, coloca o Brasil entre as democracias mais avanadas. Pesquisas de opinio pblica revelam que a insegurana a segunda preocupao dos brasileiros, s superada pelo desemprego. Debater e votar sobre comrcio de armas discutir e decidir sobre aspecto importante do modelo de segurana pblica que queremos. Um debate nacional, alm de esclarecer melhor a populao, ir gerar grandes presses sobre os governos. Talvez assim as autoridades pblicas concedam ao tema da segurana a prioridade que o povo lhe d. Sempre que convocado, o brasileiro comparece e faz a sua parte. Quando a UNESCO lanou em todo o mundo o Manifesto 2000 pela Paz, o Brasil foi o segundo pas em nmero de assinaturas de apoio. Diante do apelo da ONU para que os governos destrussem os excedentes de armas em 2001, batemos o recorde mundial no Rio de Janeiro ao destruirmos 100.000 armas. Com a atual Campanha de Desarmamento, a populao entregou at o momento 393.505 armas,

tanto que j ocupamos o segundo lugar em quantidade de armas recolhidas nos mais de 30 pases que realizaram campanhas semelhantes. O povo brasileiro, sempre que tem a oportunidade, participa com entusiasmo e demonstra que quer viver em paz. preciso que seus governos se coloquem sua altura e cumpram a sua parte, investindo na reforma da segurana pblica. O objetivo deste Guia fornecer aos leitores, principalmente aos formadores de opinio, o mximo de informao necessria, de forma interessante e simples, sem ser simplista. Desta forma, as pessoas podero decidir com conhecimento de causa em que tipo de sociedade querem viver: um Brasil armado ou um Brasil sem armas. Qual o caminho para reduzir-se a criminalidade e a violncia armadas entre os brasileiros? 1. Como decidir sobre o uso de arma? Quando ocorrem excessivas mortes por arma de fogo em uma coletividade, atingindo pessoas de bem que nada tm a ver com o crime, h uma tendncia a que parte delas se arme, buscando a autodefesa. Esta uma reao natural quando a polcia est longe de um desempenho satisfatrio na proteo da populao. Nessas circunstncias, um pai de famlia que se sinta responsvel por proteger a famlia e defender seus bens, pode concluir que no lhe resta outra alternativa seno armar-se. Os ricos contratam segurana privada, os que no podem compram armas de fogo e se preparam para o pior. Outros acreditam que esta no a soluo e que uma arma s agrava o perigo. Quem est certo? Armar-se para resistir a eventuais assaltos ser um procedimento correto se o resultado for o aumento da segurana do lar, ou da pessoa, no caso de porte de arma. Ter sido uma atitude equivocada se o uso da arma no trouxer mais segurana para seu proprietrio e os seus, e ter sido uma escolha pssima se aumentar ainda mais os riscos para eles. Como decidir de forma acertada? A primeira atitude no se deixar levar pela emoo. No fcil, porque as pessoas que se armam agem assim movidas pela insegurana, pelo medo de ser atacado, ou por raiva, para vingar uma agresso. Esses sentimentos costumam ser maus conselheiros, porque perturbam o raciocnio, que deve ser equilibrado para chegar-se a uma deciso sensata e eficiente. Ento, primeiro preciso controlar esses sentimentos fortes e agir com a cabea, no com o fgado. Segundo, preciso buscar-se informaes cientficas. Devemos procurar nos informar ao mximo. O que aconteceu com um parente ou o vizinho importante, mas no basta porque pode ter sido exceo. preciso buscar-se informaes que no sejam fruto apenas de algumas experincias isoladas, mas que resultem de pesquisas feitas com toda a sociedade, para que saibamos o que acontece como regra, e no por pura sorte, com quem se arma para se autodefender. Estamos interessados no mais provvel, e no no que dificilmente acontece, pois se trata de defender as nossas vidas. Hoje em dia, a sociologia, e as pesquisas de opinio, desenvolveram mtodos to eficientes de investigao que j alcanam resultados bem prximos da realidade. Precisamos ter acesso a eles, consultando fontes reconhecidamente srias, que forneam dados produzidos por pesquisas acadmicas, que nem sempre circulam

pela mdia, mas que muitas vezes so acessveis pela Internet. prudente desconfiar-se de estatsticas sem referncia fonte, ou fontes to genricas que no permitam que confirmemos a informao. As fontes devem ser imparciais. Por exemplo, dificilmente uma entidade ligada aos fabricantes ou comerciantes de um produto iro divulgar informaes que desaconselhem a compra desse produto. Ao contrrio, centros de pesquisa de universidades de prestgio, ou rgos federais, como IBGE e IPEA, ou sistemas que seguem padres internacionais, como o DATASUS, do ministrio da Sade, so conhecidos por seu rigor nas pesquisas. Dados esses dois passos, estaremos aptos a enfrentar vrios obstculos que dificultam uma viso clara sobre o problema, e que analisaremos em vrios itens desse Guia, como Cultura da violncia. Seremos ento menos vulnerveis paixo que toma conta do debate sobre o tema, porque ele polmico. Como a insegurana um assunto que atinge todo mundo, todos tm opinio, como remdio que todos querem receitar. Mas a desinformao to grande que a maior parte dessas opinies puro achismo, apenas o que cada um acha e no conseqncia de estudos. Se bem informados, estaremos em condies de superar as velhas crenas ligadas ao uso de armas, que floresceram como conhecimento vulgar na ausncia de informaes cientficas. Os novos estudos nos permitem substituir idias arcaicas, tpicas de uma sociedade rural, subdesenvolvida e conservadora, pelo conhecimento moderno, aberto s reformas e necessidade de mudar uma realidade violenta que se tornou insuportvel. A ignorncia sobre o assunto generalizada, e no poderia ser diferente num pas em que o universo das armas de fogo, isto , a produo, comrcio e uso desses produtos, foi at pouco tempo um tabu, um assunto sobre o qual era proibido pesquisar. Os socilogos, economistas, mdicos, estatsticos e outros especialistas que se dedicam ao estudo da relao entre violncia e armas de fogo, at bem pouco tempo no tinham acesso s informaes sobre armas. A democratizao do pas no atingiu esse setor. Mas algumas poucas iniciativas tiveram sucesso nos ltimos anos. Os governos do Rio de Janeiro e de So Paulo foram os primeiros a permitir que as informaes sobre armas fossem analisadas. A importncia dessas pesquisas motivou outros governos, inclusive o federal, a comear a abrir essa caixa preta para ser avaliada por especialistas. uma abertura ainda tmida, desconfiada, como se os pesquisadores quisessem criticar o governo e no ajudar a resolver o problema. Os dados revelados so precrios, mas com qualidade suficiente para apontar tendncias. O resultado dessas anlises no so diferentes das pesquisas realizadas em outros pases, com tradio de estudos nessa rea, e que nos ajudam a responder pergunta: devemos armar ou desarmar os cidados para reduzir a violncia? 2. Arma de fogo: melhor defesa ou maior risco? Analisemos a seguinte afirmao: A arma de fogo a melhor e mais eficiente forma de um cidado sedefender de um assaltante.

O fator surpresa Algum que se sinta inseguro diante de tantos assaltos mo armada, pode se sentir obrigado a se armar, tomar umas aulas de tiro e se preparar para o que considera o seu dever: proteger sua famlia. A posse de uma arma costuma fazer com que seu proprietrio se sinta mais seguro.

Alm do mais, quem se arma no s se prepara para arriscar a prpria vida se necessrio, mas tem a esperana de nem precisar usar a arma: bastar ameaar o bandido, que ele desistir de invadir sua casa. Essa atitude, que se baseia na previso do que acontecer durante um assalto residncia ou local de trabalho, responde realidade mais provvel? Esto faltando nessa anlise alguns aspectos essenciais de um assalto mo armada. O mais importante deles o denominado fator surpresa. preciso considerar que a iniciativa da ao do assaltante, que obviamente escolher o momento propcio e a melhor condio para agir. Esse poder de iniciativa concede ao bandido uma esmagadora superioridade frente vtima, que ser surpreendida pelo ataque. Essa ltima ser assediada quando estiver dormindo, vendo televiso, jantando, dirigindo o seu carro; no estar com uma arma mo, pronta para disparar. Frente a uma arma de fogo apontada, de nada adianta ser a vtima boa atiradora (e geralmente no ), pois uma arma dispara em fraes de segundos, sem dar tempo a que se use outra arma de forma defensiva, mesmo que ela esteja prxima. Vejamos essa notcia sobre o assassinato de policiais no Rio Grande do Sul: Nem mesmo quem tem treinamento e arma para

enfrentar o crime resiste violncia em Porto Alegre. Das 20 vtimas de latrocnios [roubos seguidos de morte] na Capital em 2005, seis eram policiais: 3 sargentos da Brigada Militar, 1 inspetor, 1 comissrio da Polcia Civil e 1 delegado aposentado da Polcia Federal. Cinco morreram nas mos de bandidos ao tentar reagir ao roubo de seus veculos. 4 Situaes como essa motivaram o arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, a afirmar que o assaltante sempre leva a vantagem da surpresa.

autodefesa porque os criminosos geralmente agem de forma furtiva e de surpresa. Poucas vtimas tm tempo suficiente para usar sua arma. 5 Outro estudo, referente ao perodo 1987-1990, e analisando os dados oficiais da Pesquisa Nacional sobre Vtimas de Crimes, concluiu que, em mdia, menos de 2 homicdios em 1000 foram cometidos devido resistncia com arma. A mais provvel explicao o fato de que armas de fogo so raramente usadas para resistir ao assalto de uma residncia porque poucos donos de arma tem tempo suficiente para pegar sua arma e se defender.6

Nos Estados Unidos, h dcadas so feitos estudos exaustivos sobre os benefcios e riscos do uso de armas na preveno de assaltos e homicdios. Por exemplo, pesquisa feita entre 1987 e 1992 pelo ministrio da Justia desse pas, constatou: No freqente o uso de armas de fogo como

Entre ns, h pouco tempo, 16 bandidos, acusados de envolvimento na execuo do traficante Escadinha e do bicheiro Maninho, foram cercados em um stio na estrada Rio-Terezpolis e presos pela Policia Federal, enquanto preparavam um novo roubo. Em seu poder, na mesma sala em que se encontravam, estavam 16 armas de grosso calibre e 2 granadas. Os criminosos foram imobilizados sem um nico tiro. Por que? Foram surpreendidos. Eram tarimbados profissionais do crime e mesmo assim no tiveram tempo para reagir. Amadores x profissionais Outro fator favorvel ao delinqente o fato de os profissionais do crime no titubearem em atirar em quem reage. O mesmo no se pode dizer de homens de bem, que tm valores ticos, religiosos, e que provavelmente hesitaro no momento de fulminar uma pessoa frente frente. A expectativa de matar um ser humano provoca uma forte emoo nos indivduos com boa formao, e que no esto habituados a esse procedimento to dramtico, ocasionando um

vacilo que pode dar ao assaltante o tempo necessrio para atirar primeiro. Por isto, a campanha pelo desarmamento no Uruguai pergunta: Voc est preparado para matar? O ladro est. preciso tambm considerar que o bandido com freqncia no age sozinho, mas atua com cmplices, e mesmo que a reao inicial da vtima tenha sucesso, ser atingida por um terceiro. Exemplo colhido no noticirio de todos os dias: O presidente da Caixa Beneficiente da PM e tambm

diretor do Clube de Cabos e Soldados da PM do Estado do Rio, o policial militar Ary Lopes Santos, foi morto ontem com vrios tiros aps reagir a uma tentativa de assalto na Rodovia Washington Luiz. Ary chegou a lutar com um 7 dos bandidos, antes de bale-lo, mas o policial foi morto pelo segundo assaltante. Se at um policial

experiente no se sai bem numa situao como essa, imagine-se um civil.

O mito do mocinho de cinema Geraes e geraes se formaram cultuando o personagem do mocinho de cinema, desde o caubi do velho faroeste aos detetives, rambos e exterminadores da atualidade. Esse padro masculino foi difundido em nossa cultura pela extraordinria influncia do cinema de Hollywood. O mocinho, por ter o senso de justia e a boa causa do seu lado, reage agresso do bandido e sempre tem xito. Essa fantasia, tantas vezes vista, acaba por impregnar o imaginrio, principalmente dos homens, que comeam a confundir os truques e a mgica do cinema com a realidade. A prpria raiva de quem assaltado, motivada pela injustia e covardia que caracterizam o roubo armado, alimenta o sentimento de que temos no s o dever de no nos submeter violncia traioeira do assaltante, mas que sairemos vitoriosos. O final feliz de todos os filmes norte-americanos, infelizmente, no o habitual na vida, muito pelo contrrio. E a dura realidade de nosso pas reserva um triste fim a quem reage. O brasileiro, em geral, aprendeu pela observao dos fatos do cotidiano que quem reage, morre. Essa a regra imposta pelos criminosos, gostemos ou no. Mas interessante notar que, apesar da poltica do governo norte-americano ser de incentivo a que as pessoas portem arma, no site do departamento de Estado, que orienta os americanos que pretendem viajar para o Brasil, alerta-se que, aqui, as

vtimas que resistem se arriscam a levar um tiro.

Arma como ltimo recurso? Uma pessoa cautelosa raciocina: se for possvel, usar a arma contra o assaltante, mas se for arriscado, no. O problema que um assaltante ataca o seu carro, ou invade sua casa, para roubar. Ele vai revistar os lugares mais provveis de encontrar dinheiro e outros bens e vai encontrar sua arma. Que estar guardada em lugar acessvel, pois do contrrio como voc a usaria com rapidez para prevenir um assalto? Ao encontr-la, e como previsvel, o assaltante ficar enraivecido, pensando voc ia esperar eu dar mole e usar essa arma contra mim!, e acaba atirando em voc. Isto o que acontece com mais freqncia, segundo policiais que entrevistamos do Brasil, Uruguai, Colmbia e Jamaica. Deparamo-nos com uma triste, e trgica, ironia: a arma, comprada para defender a famlia, acabar se voltando contra ela. Quem passou por esse pesadelo mergulha num profundo sentimento de culpa. Como o pai desesperado, num subrbio do Rio, que viu sua arma ser usada pelo ladro para matar o seu filho, lamentando amargurado: maldita arma! o que explica essa notcia tpica de jornal carioca, publicada sob o ttulo Juiz Escapou de Ser Morto por no Ter Mais Arma em Casa: Um casal, ele juiz, foi rendido

por bandidos numa rua em Santa Teresa e levado para casa. O juiz declarou que, por sorte no tinha mais arma em casa, pois um dos bandidos lhe teria dito que se encontrasse alguma arma, mataria ele com ela . 8

Voc est preparado para matar? Se voc tem uma arma, e reage, vai se criar duas situaes: ou voc ser surpreendido, e vai morrer, ou voc vai matar. Voc est preparado para essa segunda hiptese? Viver com o sentimento de ter matado algum, de ser um homicida, mesmo que voc considere que agiu em legtima defesa? Arcar com todas as conseqncias para sua famlia e para a famlia da vtima? Passado o momento do medo e do dio, voc se sentir bem sabendo que matou um ser humano s porque ele queria roub-lo? No teria sido melhor recorrer polcia para capturar o ladro e reaver seus bens roubados? Para isso existe a polcia, profisso de risco, preparada para matar, se necessrio, poupando o cidado desse perigo e desse trauma profundo. Armas para defesa ou ataque? Na vida urbana, em que as pessoas vivem em espaos concentrados, e no em grandes propriedades protegidas por ces e seguranas, armas de fogo so teis para agredir, no para defender. Elas so eficientes em aes ofensivas. S revelam eficcia na defesa quando se pode perceber com antecedncia a aproximao do agressor. Sermos um bom atirador no faz a menor diferena quando uma arma carregada e engatilhada est apontada para ns, ou para uma pessoa querida. E o que dizer das situaes em que a vtima, percebendo a aproximao do assaltante, reage com xito, s vezes at sem precisar ferir ou matar algum, apenas atirando para o alto? Claro que ocorrem casos como esse, mas so exceo. O problema que guardar arma em casa cria outros tipos de risco para a famlia, como veremos mais adiante. Mas podemos antecipar o problema com essa ocorrncia recente, que ilustra, por exemplo, as casualidades imprevisveis:

O menino de um ano baleado e morto quando estava no colo da me, em Nova Iguau, no foi assassinado por um desconhecido, como a me Michele da Conceio contara polcia. O delegado Nilton da Gama, da 56 DP, descobriu que Leonardo foi atingido por um tiro disparado pelo namorado da me, Marcelo de Andrade. Ele brincava com a arma dentro de casa e baleou a criana por descuido. 9

Arma deve ser usada por quem est bem treinado? Um embate entre pessoas armadas no como disputa entre lutador de jiu-jitsu e leigo, em que o treinamento e a tcnica dessa luta sempre garantir superioridade ao primeiro, mesmo que agredido pelo ltimo. Quando se trata de um confronto entre indivduos armados, quem tem a iniciativa elimina qualquer possibilidade de reao por parte do agredido, no importa que ele seja exmio atirador e lance mo de um armamento superior. Alm disso, uma coisa ser bom de tiro em alvos fixos, ou mesmo mveis, nos estandes de tiro. Outra, bem diferente, , sob tenso, pegar uma arma escondida, e dispar-la (supondo-se que j esteja engatilhada), tendo-se uma arma apontada contra si. O assaltante no vai esperar voc completar esses gestos, como ocorre nos truques cinematogrficos. Apenas a sorte de a arma do atacante falhar, ou de errar o tiro, lhe dar alguma chance de levar a melhor. Devemos pautar nossa vida, no que ela tem de essencial, que a sua preservao, na expectativa da sorte improvvel ou na maior probabilidade?

Cunha, de 3 anos, morreu nessa quarta-feira com um tiro transfixante no peito, quando brincava na sala de sua casa, na Abolio. O av, Sebastio Nascimento, delegado da Polcia Civil, teria deixado a pochete, com a pistola dentro, sobre um mvel da sala. 10

A legislao de vrios pases, que permite a posse de arma, exige uma srie de cautelas para evitar acidentes, principalmente com crianas curiosas, ou familiares deprimidos ou enraivecidos. Por exemplo, manter a arma desmuniciada, arma e munio guardadas em cofres ou em cmodos diferentes e trancados; arma travada ou preferivelmente com tranca no gatilho. Tomadas essas precaues, essenciais para se afastar o risco do seu uso indevido, pergunta-se: no caso de assalto, o proprietrio da arma vai ter tempo de buscar a arma, destranc-la, munici-la, engatilh-la e ainda atingir o agressor armado antes que ele o ataque? Claro que quem tem arma para defesa costuma mant-la municiada, engatilhada, e num local de rpido e fcil acesso, como por exemplo, na mesa de cabeceira ou no porta-luvas do carro ... pronta para ser usada pelo marido bbado ou enciumado, e descoberta pelo filho transtornado, pelo neto curioso e pelo assaltante na busca de bens para roubar. Frequentemente, os jornais noticiam fatos como esse, num subrbio do Rio: O menino Joo

Saber manejar bem uma arma de fogo s til para evitar-se que ela seja disparada de forma acidental (pela prpria pessoa, e no por seus familiares), afugentar um assaltante que se teve a sorte de pressentir primeiro (fato raro), ou para se tomar a iniciativa premeditada de se matar algum. Alm disso, sucede com o homem armado o mesmo que ocorre com naes que investem maciamente em defesa militar: os interesses criados e o sentimento de superioridade acabam por impeli-las iniciativa da agresso. Um risco adicional representado pela ousadia de quem treina para reagir eventualidade de um assalto, e no resiste tentao de colocar em prtica o que aprendeu, tentando revidar ao ataque, quando certamente ser fulminado. O cemitrio est cheio de valentes, que confundem coragem com insensatez.Risco de acidente

O presidente da Forjas Taurus, maior fabricante de armas pequenas do pas, Carlos Murgel, costuma afirmar: No se pode falar de acidentes, mas de impercia, imprudncia ou negligncia. Em outras palavras, um proprietrio de arma que saiba manej-la bem e seja responsvel estaria apto a us-la sem risco. Ser assim? Policiais so profissionais no uso de armas, e no entanto, so comuns acidentes com armas vitimando terceiros, ou eles mesmos. Acidentes com atiradores experientes so mais comuns do que se pensa. Quantos acidentes durante caadas no so conhecidos? Mesmo entre pessoas habituadas ao uso de armas, acidentes so comuns, com a queda da arma no cho, com a exploso da arma na mo do usurio devido a defeito de fabricao da munio ou da arma, e principalmente quando se pensa que a arma est sem munio e a bala est na ponta da agulha. Que terrvel cena esta acontecida no Cear:No mesmo dia em que o Exrcito destruiu 12 mil

armas apreendidas ou entregues no Cear, Piau e Maranho, Pedro da Silva, de 39 anos, matou a prpria me num acidente em Acarape, prxima de Fortaleza. Ele mostrava uma espingarda a um amigo quando a arma caiu no cho, disparou e atingiu a me na cabea. Pensando que ela havia morrido, ele se suicidou com um tiro. Mas a me sobreviveu, para chorar a morte do filho. 11

casa matam muito mais gente da famlia que assaltantes. Voc compra a arma na iluso de que vai matar um criminoso e descobre que o filho de 8 anos foi brincar com ela e morreu. E a? 12

De que adianta sermos perito no manejo de arma (coisa rara entre seus proprietrios), se somos pegos de surpresa pelo assaltante? Ou se o exmio atirador perde a cabea numa briga com a mulher ou com o vizinho? O foco apenas no proprietrio de armas, omitindo-se os que com ele convivem, e a idealizao de uma situao de defesa, ignorando-se a impotncia a que normalmente est condenada a vtima de um assalto, so distores da realidade que tornaro improvvel o desfecho positivo de uma reao armada. Da a concluso do estudioso da violncia, socilogo Glucio Ary Dillon Soares: Precisamos de campanhas para demonstrar que armas em

O que dizem as pesquisas? Muitos estudos tm sido feitos, principalmente nos Estados Unidos, que um verdadeiro laboratrio de anlise sobre os benefcios e malefcios do uso de armas, para responder pergunta: Estou mais seguro com uma arma de fogo?Nos Estados Unidos

Segundo o governo norte-americano,para cada sucesso no uso defensivo de arma de fogo em homicdio justificvel, houve 185 mortes com arma de fogo em homicdios, suicdios ou acidentes.13 Variam os nmeros, mas a maioria das pesquisas leva mesma concluso da Revista de Criminologia dos Estados Unidos: Muitos proprietrios de arma de fogo acreditam que elas sejam teis para

autodefesa. Mas uma arma em casa tem muito mais chance de ser usada em homicdio, suicdio e acidente dentro de casa do que contra um assaltante. 14

mortas por armas de fogo do que aquelas que no as possuem, e 16 vezes mais chances de cometer suicdio. Mais de 56% das vtimas de arma de fogo conheciam seus assaltantes; destas, 15% durante brigas familiares e 6% por disputas por drogas.15No Brasil

Pesquisa da Universidade da Califrnia, coordenada pelo mdico epidemiologista Douglas Wiebe, concluiu que, no Estado, pessoas com armas em casa tm 2 vezes mais possibilidades de serem

So raros os estudos realizados no Brasil sob esse tema to crucial para orientar o usurio de arma. Pesquisa do ISER procurou responder pergunta E se voc reagir quando assaltado?, analisando 3.394 assaltos registrados nas delegacias do municpio do Rio de Janeiro, em maro de 1998, e constatou: Quando se reage com arma de fogo a um assalto igualmente realizado com arma de os especialistas em defesa aconselham a quem atacado de surpresa com arma de fogo: Em

fogo, a chance de se morrer 180 vezes maior do que quando no se reage. A possibilidade de se ficar ferido 57 vezes maior do que quando no h reao.16 por isso, e no por preconceito contra a arma, que

princpio, no reaja.

3.Desarmar os homens de bem e deixar os bandidos armados? Essa tem sido a crtica mais freqente ao desarmamento. preciso no esquecer que as reformas na lei de controle de armas do pas foram antes discutidas pelos parlamentares com especialistas em reduo de violncia armada, que no seriam ingnuos de acreditar que bandido entrega arma voluntariamente. Tampouco seriam irresponsveis de expor a sociedade a um risco ainda maior do que ela j enfrenta, caso julgassem que pessoas

desarmadas esto mais inseguras. Claro que essas novas medidas legais visam exatamente desarmar o criminoso e aumentar a segurana do homem de bem. Ento, por que a crtica? Alguns acabam concordando com ela porque essa afirmao, que virou slogan contra o desarmamento, na verdade um sofisma. O sofisma a relao de uma causa com uma conseqncia que, por ser lgica, parece verdadeira; mas, ao basear-se numa premissa no verdadeira, num dado falso, no expressa a realidade e por isso engana o incauto. Desmontemos o sofisma. Diz-se: Querem desarmar os homens de bem, e isto verdade, porque, como procuraremos demonstrar, as suas armas acabam por se voltar contra eles prprios e suas famlias, ou vo abastecer os criminosos quando roubadas. Em seguida, completa-se:... e deixar os bandidos armados , o que falso. A maioria dos artigos do Estatuto do Desarmamento (ver em Anexos) se destina a dar meios e obrigaes s foras de segurana pblica para que elas sejam eficientes no combate ao trfico ilcito de armas, isto , para que a polcia desarme os bandidos. Onde est a distoro da realidade? Est em afirmar que se pretende desarmar os bandidos, mas s se est conseguindo desarmar os homens de bem, o que no verdadeiro. Ns

repetidamente afirmamos que, para reduzir os ndices de violncia, seja dos assaltos, seja dos homicdios entre conhecidos ocorridos nas residncias, so necessrias vrias medidas simultneas e complementares. Por um lado, defendemos a aplicao do Estatuto do Desarmamento para permitir que a polcia desbarate o crime organizado e desarme os delinqentes; por outro, incentivamos o desarmamento da sociedade para reduzir as mortes por arma de fogo nos homicdios decorrentes de acidentes, suicdios e desavenas familiares ou entre conhecidos. Ambas so medidas distintas, mas que se completam: o desarmamento dar mais segurana aos lares, e a implementao do Estatuto mais insegurana aos criminosos. O que bem diferente de se afirmar que o desarmamento da populao vai levar ao desarmamento dos bandidos, uma frase tola e que est a para confundir. interessante notar, mesmo considerando que desarmamento civil e desarmamento dos bandidos so polticas diferentes, que uma acaba por afetar positivamente a outra, embora no seja essa a meta principal. Um dos canais que abastece de armas o crime organizado so os roubos das armas dos homens de bem (ver em Roubo de Armas Legais), que acabam por involuntariamente armar a bandidagem. O desarmamento ajudar a secar essa fonte, contribuindo para dificultar a vida dos delinqentes. Vejam esse depoimento: Ladres invadiram a

casa do pai de um amigo meu e mantiveram ele e a esposa sob a mira de armas por quase uma hora. Entre os bens roubados do casal estavam duas armas de fogo. Ento eu pergunto: adiantou ter arma em casa? Agora so duas armas a mais nas mos dos criminosos, que invadiro outras casas e roubaro outras armas.... 17

Por outro lado, a proibio do porte de armas tem baixado as apreenses de armas nas ruas pela polcia (ver em Resultados da Campanha de Entrega de Armas). Tanto homens de bem, quanto bandidos, pensam duas vezes antes de sarem armados. Quantas brigas de rua, quantas balas perdidas, deixaram de existir? Bandidos perigosos tm sido presos em todo o pas por andarem armados. Est acontecendo aqui o que sucedeu em Nova York. Bandido No Compra Arma em Loja

Alis, Senhores Senadores, tambm no sero afetados pelo Desarmamento Civil aqueles a quem se procura em tese atingir, quais sejam, os criminosos. mais do que evidente que nenhum meliante adquire suas armas em 18 lojas legais!

Ao pressionar contra a aprovao do Estatuto do Desarmamento, o representante dos comerciantes e produtores de armas assim se manifestou na audincia pblica do Senado:

Evidente que bandido no compra arma em loja, e que bandido no vai cumprir a nova lei pois, como bvio, bandido exatamente quem infringe a lei. No s o bom-senso suficiente para no se levar a srio essa crtica. Ao colaborarmos com o ministrio da Justia na organizao da Campanha de Desarmamento, antes estudamos campanhas similares realizadas em 23 pases, e por isso j tnhamos uma previso do perfil de quem entrega armas. Por exemplo, em San Diego e em Seattle, nos EUA, campanhas semelhantes constataram que apenas entre 0,5 e 1,8% das armas entregues tinham sido previamente roubadas, e o nmero de armas envolvidas em crime foi inexistente ou to pequeno que no foi possvel medi-lo.19 Mesmo que no se espere que bandido entregue arma, a participao das igrejas na Campanha fez com que vrios delinqentes, principalmente jovens, querendo deixar a vida de crimes, procurassem pastores e padres para entregar suas armas e se aconselhar na busca de uma nova vida. Tem sucedido tambm de mes entregarem as armas dos filhos, envolvidos no crime, com a esperana de que eles busquem outro trabalho. So excees, no so a regra, mas tem sua importncia para as famlias afetadas e condiz com o papel dos religiosos empenhados em apontar o caminho para jovens confusos ou arrependidos. Algumas pessoas se preocupavam com a possibilidade de que armas usadas em crimes possam desaparecer ao serem entregues na campanha. Preocupao infundada porque uma pessoa que queira se desfazer de uma arma comprometedora se sentir muito mais segura lanando-a ao mar, ou qualquer outro mtodo menos arriscado do que entregar polcia, sabendo de antemo que a arma, antes de destruda, ser periciada e catalogada na Polcia Federal. Se o interesse, alm de sumir com a arma de um crime, consistir tambm em vender a arma, certamente se receber muito melhor preo no mercado clandestino. Em resumo, verdade que bandidos no compram arma em loja. Quem compra so os homens de bem. Depois, os bandidos vo l tom-las. Casas sem armas atraem os bandidos ? Segundo o site da Associao Brasileira de Comerciantes e Proprietrios de Armas, aumentar o

nmero de invases de domiclios devido ao conhecimento, por parte dos marginais, que todos os lares estaro indefesos. Aumentar a ousadia da criminalidade de rua, por saber que ningum mais porta arma. Avaliemos

esta afirmao: Uma das razes de assaltos a empresas e residncias o roubo de armas. O acompanhamento do noticirio policial revela que comum os bandidos gritarem quando anunciam um assalto:Cad a arma? Esse comportamento, alm de procurar eliminar o risco de reao armada, revela o interesse em roubar armas, bens valiosos para um assaltante.

Nos Estados Unidos, de acordo com dados relativos a 1999, de seu ministrio da Justia, 75% dos assaltantes no usam arma. Se as vtimas potenciais passarem a armar-se, podem incentivar o uso de arma por assaltantes. Neste caso, a propenso a disparar tambm pode crescer (por medo de uma reao da vtima). Isso pode explicar porque mais freqente ladres usarem armas em Estados com maiores taxas de acessibilidade s armas. McDowall e Loftin acharam uma relao entre leis que permitem o porte de arma e o aumento no nmero de homicdios por arma de fogo. Outra pesquisa, com base nos dados oficiais do FBI, revelou que taxas altas de posse de armas aumentam a probabilidade de casas serem alvos de assalto. Um aumento de 10% nas taxas de posse de armas resulta num aumento de 3 a 7 % na probabilidade das casas serem assaltadas. Uma das razes pode ser que as armas constituam um bem valioso a ser roubado. Apia essa teoria o fato de que em 14% dos assaltos, na casa onde uma arma foi roubada, ela foi o nico item roubado. 20 No Rio de Janeiro, como norma, quando policiais esto na rua sozinhos, fazendo policiamento, no portam armamento poderoso e caro (como fuzis e submetralhadoras) pois sero alvo de assalto. Segundo o depoimento de policiais, o trfico est pagando R$ 5.000,00 por assassinato de policial acompanhado do roubo de seu fuzil. Em Porto Alegre, os PMs esto reivindicando o uso de colete prova de balas temendo ser mortos por ladres de armas na hora de voltar para casa. Nos

ltimos 20 dias, pelo menos trs policiais foram mortos nessas circunstncias: somos alvos mveis e estamos vulnerveis. O bandido sabe que o PM est sempre armado, reclama o presidente da Associao Beneficiente de Cabos e Soldados .21 O homem armado atrai a cobia do bandido. Quanto mais poderosa a arma

que porta, mais risco corre. Circulam vrias histrias sobre armas valiosas nas mos de bandidos, ou apreendidas por policiais corruptos, que acabam gerando vrias mortes na disputa por sua posse. Isto , apenas excepcionalmente o porte de uma arma dissuade um assaltante de agir. Analisando 50.000 famlias norte-americanas assaltadas, pesquisadores da Universidade de Maryland concluram que em geral, os assaltantes no se intimidaram nem um pouco diante de vtimas armadas. Pesquisa comparativa de 50 cidades norte-americanas encontrou que,quando os ladres sabem que temos arma em casa, eles tendem a atirar primeiro e perguntar depois, de forma a evitar que reajamos.22

Segundo o especialista Luciano Bueno o efeito rede, em que os que usam armas acabam por proteger os vizinhos que no usam, pois o bandido vai achar que um bairro bem armado, na verdade gera o efeito radicalizao, porque sabendo que pode haver arma na casa, o assaltante antes de mais nada trata de imobilizar 23 Ao contrrio, na cidade de Boston, citada como exemplo, pelo as vtimas por ferimento ou morte. fato de haver poucas casas com armas em funo da lei estrita, apesar de existirem altas taxas de roubos, verificam-se poucas mortes e ferimentos por arma de fogo. Site pr-armas divulgou na Internet uma ironia contra a campanha de desarmamento, sugerindo que seus adeptos colocassem na fachada de suas casas o aviso Nesta casa no temos arma de fogo. Argumentam que deveriam ser coerentes com a idia de que o desarmamento diminui os riscos de assalto. Esta ltima afirmao no correta. O movimento contra as armas nunca afirmou que casas desarmadas diminuem os riscos de assalto; segundo ele, reduzem o risco de acidentes e crimes de motivao ftil entre pessoas conhecidas ou familiares, e tambm a violncia usada pelo assaltante. O que diminuir o risco de assalto ser a ao de uma polcia eficiente e com rpida comunicao com a comunidade. Poder-se-ia retribuir o sarcasmo: os que acreditam que uma casa com arma est mais segura frente a assaltos, por coerncia deveriam afixar um cartaz na porta com os dizeres Esta casa tem arma de fogo. A advertncia de que armas protegem a casa afastar ou atrair os assaltantes?

Doutrina Bush: armas do bem e armas do mal? A doutrina Bush para o controle de armas, defendida contra todos os demais pases na Conferncia Internacional sobre o Trfico de Armas Pequenas, na ONU, se baseia na separao drstica entre comrcio legal e comrcio ilegal de armas. Ao governo caberia controlar o segundo, e interferir o mnimo possvel no primeiro, garantindo a liberdade de comrcio e o direito das pessoas de bem de se armarem. O equvoco desta poltica est em ignorar que 99% das armas de fogo so legalmente produzidas (calcula-se que no Brasil menos de 1% das armas so de fabricao caseira), e que um tero das armas apreendidas na ilegalidade, por exemplo, no Estado do Rio, foram originalmente vendidas para cidados de bem, como veremos a seguir, desviadas do mercado legal para o clandestino. Isto , para controlar-se o trfico ilcito, tm-se que fiscalizar a venda legal dessas armas. Esta fiscalizao plenamente vivel, bastando a vontade de realiz-la, pois as armas so produzidas por industriais conhecidos, e at que mergulhem na ilegalidade, esses produtos percorrem caminhos legais. Bem diferente do trfico de drogas, cuja trajetria, da produo ao consumo, toda ela clandestina. Essa viso do governo norte-americano se fundamenta no mesmo erro dos que diferenciam as armas dos cidados honestos, consideradas armas do bem, das armas dos criminosos, identificadas como armas do mal. Claro que no se pode comparar as intenes dos primeiros com as dos segundos, mas o mercado de armas no respeita fronteiras, nem de pases nem de mercados; as armas passam de um lado para o outro, e armas compradas para defesa acabam muitas vezes nas mos de criminosos. Segundo o delegado Carlos Oliveira, diretor da Delegacia de Represso a Armas e Explosivos, do Rio, cerca de 150 armas de fogo so roubadas mensalmente no Pesquisa do ISER sobre 77.527 pistolas e revlveres estocados na Diviso de Fiscalizao de Armas e Explosivos (DFAE), da polcia do Rio de Janeiro, fabricadas pela Taurus e apreendidas na ilegalidade no Estado entre 1951 e 2003, comprovou que 30% delas tinham sido compradas legalmente antes de carem em mos criminosas. 25 Isto , de cada 3 armas apreendidas na ilegalidade, uma tinha sido comprada por gente de ficha limpa. Pesquisa mais ampla, pela mesma equipe, desta vez avaliando a origem de 224.584 armas de fogo em geral, apreendidas na ilegalidade no Estado do Rio, comparadas com 551.141 registros de armas legalmente vendidas, concluiu pela origem legal de 25,7% das primeiras. Como transitaram do legal para o ilegal? Atravs de roubo, furto, perda, revenda, desvio de lojas e fbricas etc. Principalmente de roubos a homens de bem, e em assaltos a policiais e vigilantes privados, alm de desvio por parte de policiais-bandidos.[ grficos excludos ]

Estado. Destas, s 35% foram roubadas de seguranas privados e a maioria foi de residncias.24

Exemplo de notcia corriqueira, s que no caso envolvendo gente famosa: A polcia acredita que a pistola calibre 7.65, dourada, roubada de um oficial reformado da Marinha, pode ser a arma usada pelo ladro que assaltou os apresentadores da Rede Globo, William Bonner e Ftima Bernardes.26

pessoas sem histrico criminal ou de agentes de segurana privada, segundo a Diviso de Produtos Controlados da Polcia Civil.29 Para a analista, uma reduo significativa das armas de fogo legalmente em circulao acabaria por reduzir tambm o contingente daquelas comercializadas clandestinamente.

Roubo de armas legais H quem afirme que o mercado ilegal de armas que alimenta o crculo da violncia e seu principal conduto o contrabando. Os nmeros contradizem esta concluso: No Estado do Rio, a cada 5 horas uma arma comprada legalmente roubada e em 27% dos casos so obtidas nos assaltos a residncias.27 No Estado de So Paulo, das 77 mil armas apreendidas em 1998, 71.400 foram roubadas e 5.500 extraviadas.28Nesse Estado, em mdia, 11.000 armas so roubadas anualmente de

Em outros pases no diferente. No Chile, segundo sua polcia militar, Carabineros, 80% das armas apreendidas nos ltimos 6 meses 1.657 armas de fogo haviam sido compradas legalmente antes de serem roubadas a particulares .30 Na frica do Sul, em um ano apenas, 1998, 30.220 armas de fogo foram roubadas ou ditas perdidas. As duas maiores fontes que abastecem o mercado ilegal em meu pas so as armas perdidas ou roubadas de proprietrios legais de armas .31 Em 5 outros pases, temos:Pases Austrlia Canad Inglaterra e Pas de Gales frica do Sul Estados Unidos Fonte: Small Arms Survey 2004 Ano 2001 2001 1996 2001 1997 Armas roubadas 4 195 3 638 3 002 23 000 500 000 Total de armas legais 2 165 170 1 938 338 1 793 712 3 500 000 260 000 000

Relatrio de uma conhecida fundao norte-americana avaliou: Uma arma roubada vale ouro para um criminoso porque ela pode ser rapidamente revendida sem risco de ter sua origem rastreada; e mais de 80% das armas roubadas foram frutos de assaltos a residncias e carros.32 Em resumo, a idia de quea grande maioria das armas usadas no cometimento de crimes so ilegais passa a impresso de que o problema so as armas ilegais e no temos que nos preocupar com as legais. Ora, as pesquisas indicam que (1) As armas nas mos dos criminosos foram legalmente fabricadas, e por falta de controle, submergiram no trfico clandestino; (2) A pesquisa sobre as mais de 7.000 armas entregues na Campanha de Desarmamento no Viva Rio e instituies parceiras indicam que s 30% das pessoas entrevistadas responderam que a arma tinha registro; (3) Armas legais so muitas vezes usadas em delitos, principalmente contra pessoas conhecidas; (4) Um tero das armas apreendidas no Rio na ilegalidade foram na origem legalmente vendidas para cidados de bem; (5) Armas roubadas de homens de bem vo, involuntariamente, armar os assaltantes. Segundo o SINARM, banco de dados sobre armas da Polcia Federal, em 2003, cerca de 26.908 armas de fogo foram roubadas ou furtadas no Brasil. Que armas foram usadas em Columbine e outros massacres? O documentrio Tiros em Columbine, sobre o massacre ocorrido na escola Columbine, em Littleton, Colorado, em 20 de abril de 1999, mostra como dois alunos, Klebold and Harris, abriram fogo matando 12 colegas, 1 professor e ferindo 24 outros estudantes, antes de se

suicidarem. As armas que usaram, 2 escopetas e 2 pistolas, foram legalmente adquiridas pela namorada de um dos homicidas em uma feira de armas e tambm compradas de um amigo. O assassinato, que chocou o mundo, tornou ainda mais atual o debate sobre o acesso fcil a armas legalmente adquiridas, mas utilizadas em crimes, alm de questionar os valores de uma sociedade em que so comuns os assassinatos mltiplos de pessoas inocentes, por motivos aparentemente incompreensveis, ou fteis. O que chama a ateno, se exclumos os massacres tnicos ocorridos na Europa e na frica na ltima dcada, a sua predominncia em pases desenvolvidos, sob a vigncia de leis permissivas e o uso freqente de armas adquiridas legalmente por homens de bem. Em 26 de abril de 2002, na cidade de Erfurt, Alemanha, o jovem Robert Steinhuser, de 19 anos, ex-aluno de uma escola, matou a tiros 16 colegas e em seguida se suicidou. Robert era membro de um clube de tiro, e por isso pde comprar legalmente o armamento com que invadiu a escola: uma pistola Glock-17 e uma espingarda de repetio Mossberg 590. Ainda sob o impacto deste fato, Philip Alpers, especialista neo-zelands trabalhando na Universidade de Harvard, resolveu estudar massacres semelhantes, todos com mais de 10 mortos, ocorridos nos ltimos 35 anos nos pases desenvolvidos.33 Alpers nos disse que, nesses crimes, 79% das vtimas foram atingidas por armas legalmente adquiridas (185 de 233 vtimas), e 86% desses assassinatos mltiplos (12 em 14) haviam sido cometidos por proprietrios legais das armas utilizadas nos massacres, conforme a tabela que se segue (o nmero de vtimas soma o do agressor em separado).ASSASSINATOS MTIPLOS NOS PASES DESENVOLVIDOS (1966-2002)

Data26 Abril 2002 27 Setembro 2001 29 Julho 1999 20 Abril 1999 28 Abril 1996 13 Maro 1996 16 Outubro 1991 13 Novembro 1990 18 Junho 1990 06 Dezembro 1989 19 Agosto 1987 20 Agosto 1986 18 Julho 1984 01 Agosto 1966

LugarErfurt, Alemanha Zug, Sua Atlanta, USA Littleton, USA Port Arthur, Austrlia Dunblane, Esccia Killeen, USA Aramoana, Nova Zelndia Jacksonville, USA Montreal, Canad Hungerford, Inglaterra Edmond, USA San Ysidro, USA Austin, USA

Mortos Situao da Arma16 + 1 14 + 1 12 + 1 13 + 2 35 17 + 1 23 + 1 13 + 1 9+1 14 + 1 16 + 1 14 + 1 21 + 1 16 + 1 Armais legais, membro de um clube de tiro Armas legais, proprietrio com registro Armas legais, de venda livre no Estado Armas ilegais Armas ilegais Armais legais, membro de um clube de tiro Armas legais, de venda livre no Estado Armas legais, proprietrio com registro de armas Armas legais, de venda livre no Estado Armas legais, de venda livre Armais legais, membro de um clube de tiro Armas legais, de venda livre no Estado Armas legais, de venda livre no Estado Armas legais, de venda livre no Estado

Fonte: Gun Control Network (Gr-Bretanha) Nos Estados Unidos, palco por excelncia dos assassinatos mltiplos, as estatsticas s confirmam o achado de Alpers. Anlise dos 65 mais relevantes crimes desse tipo ocorridos nas

ltimas quatro dcadas (1963-2001), constatou que 62% das armas de mo e 71% das armas de cano longo usadas para perpetrar os assassinatos tinham sido legalmente adquiridas.34 De 1992 a 2000, 267 pessoas foram mortas de forma violenta nas escolas norte-americanas. Destas, 206, isto , 77%, foram vtimas de arma de fogo nas salas de aula, nibus escolares ou ginsios de esportes dessas escolas. Vejam a comparao entre os mtodos usados e o resultado, na tabela que se segue. 35CAUSAS DE MORTES NAS ESCOLAS DOS ESTADOS UNIDOS

Ano Leso Enforca- Parada Queda escolar corporal mento cardaca

Arma de fogo

Arma Estrangubranca lamento

Desconhecida

1992-93 0 0 0 1 10 0 0 43 1993-94 1 1 0 0 7 2 1 39 1994-95 2 0 0 0 3 0 0 15 6 0 0 1995-96 1 0 0 0 28 1996-97 3 0 1 0 3 1 2 15 1997-98 1 0 0 0 6 1 0 35 1998-99 3 0 0 0 1 1 0 23 1999-00 1 1 0 0 0 0 1 8 12 2 1 1 36 5 4 Total 206 Fonte: Report on School Associated Violent Death, National School Safety Center's, 04.01.05

impressionante como as estatsticas de massacres nos EUA se desatualizam rapidamente. No perodo letivo 2003-2004, 49 pessoas morreram nas escolas. Nos primeiros 3 meses de 2005, 30 foram assassinadas, indicando um crescimento constante dos homicdios nessa modalidade. A ltima tragdia foi cometida por Jeff Weise, de 16 anos, aluno ndio de uma escola da reserva de Red Lake, em Minnesota, em 21 de maro. Matou 9 pessoas, a maioria alunos, feriu mais 7 e se suicidou. O jovem, admirador de Hitler, e que se identificava na Internet como NativeNazi, primeiro, matou o av e sua namorada com uma arma calibre 22. Ento, com 2 pistolas e 1 escopeta roubadas ao av, policial, continuou a matana na escola. Uma semana antes, Terry Ratzmann, de 44 anos, havia entrado no culto religioso de sua igreja, em Brookfield, Wisconsin, e atirado 22 vezes, matando 7 pessoas, ferindo outras 4, antes de se matar. Os sobreviventes disseram tratar-se de uma pessoa normal. Para prevenir a violncia armada nas escolas americanas, o que propem os pr-armas? O guru do armamentismo, o pesquisador John Lott, analisando massacre havido em uma escola do Arkansas em 1998, escreveu esta incrvel recomendao: Permitir que professores e outros adultos de

bem possam andar armados nas escolas no s tornar mais fcil acabar com esses assassinatos mltiplos, mas tambm ajudar a impedir que eles ocorram.36

Brasil e Argentina j entraram para esse exclusivo clube de pases com assassinatos mltiplos, sem falar nos habituais massacres perpetrados nas periferias de nossas cidades. Em So Paulo, em 03.11.1999, o estudante de medicina Mateus da Costa Meira, 24 anos, atirou contra a

platia do cinema do Morumbi Shopping, que assistia ao filme Clube da Luta, matando 3 jovens e ferindo outros 6. Mateus usou uma submetralhadora Uzi, 9 mm, comprada no mercado paralelo. Mais tarde, revelou polcia a forte influncia que a pelcula havida exercido sobre ele. Na Argentina, Rafael Solich, de 15 anos, em 28.09.04, invadiu sua sala de aula, matou 3 de seus colegas e feriu outros 6, dois com gravidade. O assassinato coletivo foi cometido com uma pistola de 9 mm, pertencente ao pai do jovem, oficial da Patrulha Naval. Rafael levava tambm uma faca, que no chegou a usar. Seus colegas o definiram como uma pessoa normal, tranqila, mas que havia se desentendido com alguns colegas na vspera. O fato sucedeu no Colgio Ilhas Malvinas, na cidade de Carmen de Patagones. A legislao deste pas se baseia no pressuposto de que os cidados podem ter armas, desde que registradas. Ao redor de 700 mil famlias tm armas em casa, no geral acessveis a crianas e jovens. 4. Carros, garrafas e facas tambm matam. Por que s proibir armas de fogo? O argumento veio dos Estados Unidos: Armas causam morte. verdade. Mas tambm verdade que 37 automveis, piscinas e mdicos causam mais mortes todos os anos do que armas de fogo. Vamos proibi-los? . Esta uma frase de efeito, e se analisada com ateno se revela absurda. Todo mundo sabe que automveis matam por acidente e no de forma intencional. Ao contrrio, armas de fogo so desenhadas para matar, e com eficcia, diminuindo o risco de dano ao agressor por matar distncia e sem dar chance vtima. Elas permitem matar vrias pessoas em fraes de segundos, podendo atingir inocentes com balas perdidas, que em 2003 causaram uma morte a cada 6 dias no Estado do Rio, segundo a Secretaria de Segurana Pblica do Estado. Portanto, comparar armas de fogo com objetos caseiros e automveis, considerando-os igualmente inofensivos e inertes, principalmente na frente de crianas, de extrema irresponsabilidade. Quanto a acidentes de trnsito, so uma calamidade no Brasil, principalmente ao provocar a morte de tantos jovens. Mesmo assim, no pas, morre-se ainda mais por arma de fogo do que por acidente de trnsito. Em 2002, 38,8% das mortes de jovens de 15 a 24 anos foram ocasionadas por arma de fogo e 16% por acidentes de trnsito. (ver Juventude e violncia armada e Impacto das armas na sade). Demonizao da Arma de Fogo? A Associao dos Proprietrios e Comerciantes de Armas assim se manifestou no Senado: O que

pretendem ento estas manifestaes [destruies de armas], seno demonizar as armas - objetos inanimados - e seus proprietrios legtimos, e insuflar uma parcela considervel da populao contra outras? 38

Os que so contra a destruio de armas acham que se est demonizando um objeto inanimado, isto , inofensivo. Esta outra verso do mesmo raciocnio de se igualar objetos caseiros a armas de fogo. Naturalmente que as armas no so causa da violncia, mas seu instrumento. Assim como a causa da dengue, ou da malria, no o mosquito; ele o grande transmissor e por isso combatido. Sua eliminao impossibilita que o vrus da dengue, e o protozorio da malria, sejam transmitidos, cortando o ciclo da epidemia. Hoje, ningum mais ridiculariza os mdicos sanitaristas por realizarem campanhas para eliminar esses mosquitos, como no passado. Mas, essa velha luta vencida pela cincia no campo da sade pblica, hoje se repete na segurana pblica. Enfrentamos uma epidemia, uma proliferao

de armas de fogo e munies, instrumentos da violncia que matam milhares de brasileiros. Erradic-las, como j foi feito com xito em outras sociedades, nos permitir dar um basta a essa inacreditvel mortandade. (ver Tradio ou atraso em Cultura da violncia) Quanto a insuflar uma parcela da populao contra outras, est havendo uma inverso de responsabilidades. Quem luta em favor dos direitos humanos, da tolerncia, pela resoluo pacfica de conflitos e pela consulta popular sobre o desarmamento como mtodo democrtico de deciso no so os membros da referida associao. Armas brancas e armas de fogo: uma comparao H quem pense quequando se quer matar, e no se tem uma arma de fogo, usa-se qualquer outra arma, principalmente facas ou faces, as chamadas armas brancas. Ora, facas e faces, como copos e pedras, tm mltiplos usos, pacficos e teis, e s excepcionalmente so usados para agredir. Armas de fogo so feitas exclusivamente para matar, e por isso sua letalidade e eficcia so muito maiores e as chances de sobrevivncia da vtima muito menores. Nas cidades, o uso de arma de fogo para defesa acaba, com freqncia, atingindo terceiros. Nos conflitos armados que ocorrem quando h resistncia nos roubos em nibus ou metr, a regra. J a arma branca implica um envolvimento maior com a vtima, uma aproximao fsica, uma corageme uma determinao maior com relao ao ato. Diferentemente da arma de fogo, que pode ser acionada distncia, sem envolvimento

[ grfico excludo ] No Brasil, 63,9% dos homicdios so cometidos por arma de fogo, enquanto 19,8% so causados por arma branca. J no universo dos feridos, 39% das internaes por agresso ou tentativa de homicdios so causadas por arma branca e s 30% por arma de fogo, devido sua alta letalidade. A chance de se morrer numa agresso com arma de fogo de 75%, enquanto com arma branca de 36%. De cada 4 feridos nos casos de agresses por arma de fogo, 3 morrem.39 Em outras palavras, enquanto as armas brancas ferem mais do que matam, as armas de fogo matam mais do que ferem. S 5 % das tentativas de suicdio so com arma de fogo. Por que? Porque tentativas de suicdio com arma de fogo geralmente so bem sucedidas e as pessoas acabam mortas e no feridas. 30% das tentativas de homicdios (ou seja, agresso que no acabou em morte) so com arma de fogo, mas a maioria (39%) com arma branca, que mata muito menos. No segundo semestre de 2004, cinco massacres foram perpetrados com arma branca contra estudantes nas escolas chinesas, ferindo 46 crianas e jovens e matando nove.40 O resultado certamente seria o inverso se tivessem sido usadas armas de fogo, o que sucederia caso no fosse to difcil para civis adquirirem estas ltimas na China. Nos Estados Unidos, em 1992, armas de fogo mataram 37.776 pessoas e armas cortantes mataram 4.095. Houve 134.000 sobreviventes a impacto de bala, e 3.100.000 sobreviventes a ferimento de arma cortante que 41 Imaginemos os estudantes da escola de Columbine com facas, e receberam tratamento mdico. no armas automticas. Pensemos em crianas que se cortam com vidro, ou facas, e os danos

se fossem tiros? Comparemos uma tentativa de suicdio, ou de homicdio, com garrafa ou arma branca, com o uso de uma arma de fogo. No ver diferena nas conseqncias de umas e outras subestimar a inteligncia da populao. A nvel internacional, o custo do tratamento de ferimentos causados por arma de fogo 12 vezes maior do que ocasionados por objeto cortante.42 5. Quem mata com arma de fogo? A ameaa que vem de fora contra o seguro reduto do lar As pesquisas modernas esto acabando com o mito de que os lares so necessariamente redutos seguros. Podem ser, devem ser, mas acontece de, muitas vezes, serem lugares muito perigosos, longe do olhar externo. Conflitos conjugais, violncia contra mulheres, agresses fsicas e sexuais contra crianas, disputas entre parentes, relaes neurticas que levam a brutalidades fsicas e tortura, etc., revelam mais e mais que muitos lares so cenrios de crimes contra os direitos humanos. As autoridades pblicas no podem ignorar esses fatos e omitir-se, curvando-se a preconceitos que garantem ao homem direitos ilimitados sobre a famlia, aos adultos total poder sobre os menores, comportamentos de uma poca em que as mulheres e as crianas se submetiam a tratamento desptico por parte da figura inquestionvel do pater famlias; e o poder pblico lavava as mos porque em briga de marido e mulher, no se mete a colher. O que acontece entre quatro paredes no est fora do alcance da justia. Seres indefesos no so mais propriedade privada de adultos violentos, nem tm que se submeter a maus tratos, sem chance de contar com a proteo do Estado. Hoje se difundem as Delegacias de Proteo Mulher e as entidades de proteo criana. Uma coisa defender-se a instituio da famlia como base de uma formao tica, de segurana emocional e econmica, apontando-se sua desintegrao como fator de risco gerador de desajustados e delinqentes. Outra coisa bem diferente no interferir na famlia quando esta se transforma em cativeiro e opresso dos mais fracos e dependentes, por parte de quem tem mais fora e poder. Alguns lares no merecem esse nome acolhedor. Dois levantamentos recentes sobre abusos contra crianas dentro de casa o comprovam: Nas

denncias de maus tratos contra crianas no Estado do Rio , em 56% dos casos identificou-se a prpria me como autora da agresso, e o pai em 23% das ocorrncias, segundo levantamento do Disque-Denncia no ms de julho de 2004. Em muitos casos, constataram-se terrveis castigos, com uso de colheres quentes, cigarros acesos, facas e correntes. 43 Segundo anlise feita pela ABRAPIA, nas denncias de abusos sexuais contra 1.565 menores, 59% eram de violncia intra-familiar e 40% extra-familiar; nesta ltima categoria, 30% dos abusos foram praticados por vizinhos. 44 Documentrio recm-lanado em Florianpolis, Flor de

Pessegueiro, de ngela Bastos, registra o terrvel depoimento de mes que tiveram coragem dedenunciar seus maridos por haverem estuprado suas prprias filhas.

Dormindo com o inimigo Nem toda violncia planejada por estranhos. Boa parte das mortes por arma de fogo ocasionada por brigas passionais, discusses de famlia ou de conhecidos. H uma grande resistncia em admitirmos que a ameaa pode estar prxima.Outros Pases

contrrio da percepo popular, a maioria dos homicdios no ocorre como resultado do ataque de um estranho, mas decorre de desentendimento entre pessoas que se conhecem e que muitas vezes so parentes.45 Segundo ainda o FBI, nos Estados Unidos, entre 1976 e 2002, s 8,9% dos homicdios de mulheres e 15,5% dos homicdios de homens, foram cometidos por estranhos.46 A mesma fonte insiste que em 1997, um em cada3 assassinatos resultou de uma briga, e s um em cada 5 de uma atividade criminal.47

As muitas pesquisas realizadas nos EUA demonstram que o perigo no vem apenas da rua. As estatsticas no deixam dvida sobre onde mora o maior risco. De acordo com dados do FBI,ao

foram decorrentes de roubos e violaes. O resto foi resultado de brigas, suicdios e acidentes.49No Brasil

Na Austrlia, apenas 15,6% dos homicdios com arma de fogo foram cometidos por desconhecidos da vtima no perodo 2001-2002.48 Na provncia de Mendoza, Argentina, s 10% das mortes com arma de fogo

No Brasil no temos ainda estudos satisfatrios sobre qual o vnculo entre homicidas por arma de fogo e suas vtimas. Mas nada indica que seja diferente de outros pases que pesquisaram o tema. Pelo contrrio, deve ser pior, considerando-se que o machismo aqui mais forte do que em outras realidades estudadas. As perguntas quem mata com arma de fogo e qual a relao do autor com a vtima tm sido objeto de poucas pesquisas entre ns. Mas as primeiras tentativas de anlise j indicam a gravidade do problema: No municpio de So Paulo, tese de mestrado apurou que, em 1995, cerca de 92% dos homicdios de autoria conhecida esto relacionados a conflitos interpessoais, isto , conflitos que no envolviam nenhum tipo de relao com a criminalidade organizada, como por exemplo brigas em casa e nos bares, vinganas, discusses 50 privadas etc. . Pesquisa mais recente constatou que na Zona Sul de So Paulo, em 46% dos homicdios, vtima e autor mantinham uma relao prvia de parentesco, vizinhana, amizade ou conhecimento. 51

No Rio de Janeiro, pesquisa do ISER, que analisou 164 ocorrncias com vtimas fatais em 1998, com registro do tipo de relao existente entre vtima e agressor, concluiu que em 35,45% delas as pessoas se conheciam. (Quanto ao uso de armas contra a mulher por parte do cnjuge, ver As

Mulheres esto mais seguras com armas?)

Normalmente, o que faz uma pessoa portar arma o medo de ser assaltada por um estranho e morta. Se este perigo existe, importante no exager-lo. Os latrocnios, como so chamados os roubos seguidos de morte, so muito menos freqentes que os homicdios por pessoas conhecidas. No Estado do Rio, em 2004, eles representaram apenas 2,9% do total de homicdios dolosos, isto , com inteno de matar, no acidentais 52; no Estado de So Paulo, apenas 5,1%, no mesmo ano. 53 Concluso: quem tem arma em casa est dormindo com o inimigo. Fogo amigo Numa batalha, soldados no so mortos apenas pelos inimigos, mas muitas vezes pelo chamado fogo amigo, que so os erros cometidos, por exemplo, pela artilharia. Essa fora atira por cima da sua infantaria, para atingir o inimigo e facilitar o avano de suas tropas, diminuindo os riscos para os soldados que avanam. Mas quando calcula mal a trajetria de seus tiros, termina provocando baixas entre suas prprias foras. Ou h casos mais impressionantes, como o de soldados norte-americanos que, para no lutar, atiravam em seus prprios oficiais durante a guerra do Vietn, conflito em que muitos dos jovens recrutados

fora eram contra a guerra ou no estavam motivados a arriscar a vida. Podemos comparar esse tiro pela culatra com situaes em que armas compradas para proteger a famlia acabam usadas por assaltantes contra seus prprios donos, ou por maridos enciumados contra suas prprias esposas. Nas guerras, comum, nos combates noite, ou na selva, soldados alvejarem companheiros, confundidos com o inimigo. Algum tempo atrs, em Belo Horizonte, uma adolescente, preocupada porque voltou para casa depois das 22 horas, tratou de entrar em casa pelo quintal. O pai, que no havia dormido espera da jovem, ao ver um vulto se esgueirando pelos fundos, pensou que fosse um assaltante e fuzilou a prpria filha. 6. Com o desarmamento, quem vai nos defender? Aqui est uma pergunta mais que justificvel. Defender-se o desarmamento civil numa sociedade como a inglesa, em que 92% dos que cometem um assassinato so presos, fcil. Difcil convencer as pessoas a no se armarem num pas como o nosso, onde apenas de 3 a 4% dos homicdios so desvendados e os outros ficam sem autoria conhecida, segundo admite o nosso ministrio da Justia. A insegurana, agravada pela impunidade, acaba por levar alguns a buscar eles prprios a se defender ou fazer justia com as prprias mos. O jurista Celso Bastos argumenta que se o Estado no consegue desarmar os bandidos, no tem condies de pedir que o cidado se desarme. Essa concluso faria sentido se arma desse segurana. Como a maioria dos estudos srios comprova que ela aumenta a insegurana, e apenas cria uma iluso de proteo, precisamos esclarecer esse equvoco e simultaneamente lutar para que o Estado fornea essa segurana. Alm disso, a proposta de que, quando tivermos uma boa polcia, ento os homens de bem podero se desarmar, foca apenas nos crimes cometidos por desconhecidos, deixando-nos vulnerveis maioria dos homicdios praticados por conhecidos. Segurana se consegue com o povo armado ? Durante o regime militar, o coronel Erasmo Dias, secretrio de Segurana de So Paulo, apregoava sem rodeios que a sociedade devia se armar contra os bandidos. Imaginemos todos os homens de bem com armas, em casa e na rua, o povo armado. O que teramos? Apenas mais bandidos mortos, como acreditam alguns? Ou tambm mais cidados assassinados nos enfrentamentos e nos assaltos inesperados, mais armas roubadas das residncias e dos que andam armados, maior nmero de desentendimentos banais resolvidos a tiro, a multiplicao das balas perdidas, suicdios e acidentes? H que se considerar, alm disso, que quanto mais se armam os homens de bem, mais e melhor se armam os bandidos. Se a populao atendesse ao chamado de se armar, o tiroteio que j assistimos seria exacerbado e generalizado. O nmero escandaloso de mortes que j temos, motivado pela facilidade com que se aperta o gatilho nesse pas, se multiplicaria. Uma sociedade de homens armados de uma insanidade to eloqente que s um pnico incontrolvel, ou um dio incontido, podem levar algum a imaginar que traria mais segurana para todos ns. Ao contrrio, na elaborao de polticas pblicas, que afetam a vida de milhes, a anlise tem que ser racional e baseada em pesquisas. Nem sempre a poltica eficaz entendida num primeiro momento pela populao. Ela deve ser esclarecida. Mas a tentao de se tomar o atalho de medidas fceis, barulhentas e ineficazes, grande. O risco a demagogia,

a manipulao do medo e do dio. So conhecidos os exemplos de comunidades que adotaram a tese do povo armado e acabaram por se envolver em aes terroristas e em linchamentos. A violncia, principalmente quando parte de policiais no papel de bandidos, provoca muita indignao e s vezes propostas insensatas. Ao saber da chacina de 29 inocentes em Queimados e Nova Iguau, bairros do Rio, em maro de 2005, o vice-presidente do Superior Tribunal Militar, Flvio Bierrembach afirmou que, se pudesse, faria uma campanha para entregar uma

garrucha para cada mendigo pois, se aqueles mendigos que foram massacrados em So Paulo tivessem uma arma, no teriam sido mortos; se aquelas pessoas chacinadas na Baixada Fluminense tivessem uma garrucha, ainda poderiam estar vivas.54 Propostas absurdas como esta levam tese do povo armado. Claro que

as mortes mencionadas seriam evitadas se investssemos mais na depurao e na reforma da polcia. A polcia no pode estar em toda parte, o tempo todo A tese do povo armado busca tambm seu fundamento em outra idia da Associao Nacional de Fuzis dos EUA: se a polcia no pode estar em toda parte, cada um de ns tem que se armar para se autodefender. Basta olhar volta, para afastar esse delrio. Quais os pases mais seguros do mundo, onde segurana e liberdade caminham juntas? So as democracias avanadas, que contam com uma polcia eficiente, honesta e, por isso mesmo, respeitada; cultura de tolerncia e de resoluo pacfica de conflitos; judicirio democrtico e gil; distribuio de renda mais igualitria; formao militar e policial democrtica etc. Uma populao educada dentro de uma cultura de paz, garantida por uma polcia eficiente, a frmula at hoje existente para que tenhamos tranqilidade com liberdade. Enquanto nossos governos no fizerem da segurana pblica uma real prioridade, veremos setores mal informados de nossa sociedade deixarem-se levar por propostas ingnuas, e perigosas, como a de povo armado. Esta uma tese tpica do irrealismo de comunidades fanticas e descoladas da realidade, intoxicadas por ideologias racistas e intolerantes, como as milcias armadas das seitas norte-americanas de extremadireita. Como bem registrou Michael Moore em Bowling for Columbine, essas tribos fundamentalistas ensinam crianas de 3 anos de idade a atirar. No se admira que da tenham sado os terroristas que explodiram um prdio em Oklahoma, matando 168 pessoas em 1995. (ver S as ditaduras desarmam o povo? ) A soluo est na democracia ou na ditadura? Face a um grave problema social, costuma-se ter pelo menos duas alternativas: a que leva ao fortalecimento da democracia e a que conduz ao seu debilitamento. As propostas autoritrias so atrativas porque propem solues rpidas e simplistas, que normalmente do um alvio emocional a curto prazo, e agravam o problema a longo prazo, um Prozac social. como fazer uso de drogas ao invs de enfrentar-se as causas da infelicidade. Alguns polticos adoram essas propostas, porque as eleies ocorrem de 4 em 4 anos. Ao invs de atacarem as causas profundas e mltiplas da violncia urbana (ver Quais as causas da violncia urbana?), com solues trabalhosas e demoradas, acenam com solues milagreiras, a bala de prata que eliminar todo o mal, seja a invaso de uma favela, ou o armamento da populao. Os homens de bem se sentem vingados, mas a violncia cega vai gerar mais violncia a mdio prazo, vitimando inocentes pelo caminho.

Faamos o exerccio oposto, buscando compatibilizar segurana com democracia, sem que se sacrifique a ltima para obter-se a primeira. Afinal, sempre que esse sacrifcio foi feito, acabou-se por se perder a ambas, como ensina o cientista poltico Norberto Bobbio, e a segurana do cidado foi substituda pela segurana apenas do Estado. Fortalecer a democracia, neste caso, significa aperfeioar as instituies que tm a ver mais diretamente com o controle do crime: a modernizao e limpeza da polcia, a democratizao e agilizao do Judicirio, a humanizao dos presdios, a atualizao e aplicao das leis, o controle das armas de fogo. Aperfeioar as instituies, que constituem os instrumentos do Estado de Direito, demorado, complexo e exige investimento. S os polticos com esprito pblico se dispem a faz-lo. Considerar tudo o que tem que ser mudado para que o brasileiro tenha segurana, provoca desnimo, e at descrena de que veremos a soluo ainda em vida. Da o atrativo da soluo imediata e nica. O importante, ao elencarmos as principais medidas necessrias reduo da violncia, identificarmos o que prioritrio (salvar vidas), o que imprescindvel (poltica especfica de controle de arma, como o Estatuto) e o que estratgico (reforma da polcia, do Judicirio, do sistema penitencirio e das leis). Isto , o que uma vez implementado possibilitar que as outras reformas avancem. A implantao do prioritrio, imprescindvel e estratgico criar presses irresistveis para que os demais setores, que impedem as mudanas, sejam tambm reestruturados. Ficar claro como bloqueiam o processo de distribuio de justia e segurana, diminuindo as resistncias sua reforma. H setores da nossa polcia que j se modernizaram, e que esto se depurando dos maus policiais. Exemplo a Polcia Federal. Nos ltimos dois anos, a PF realizou 56 operaes de combate a fraudes e corrupo, prendendo 872 pessoas, incluindo gente importante da elite e do funcionalismo pblico, inclusive de policiais da prpria PF, num bom exemplo dos resultados positivos de uma represso baseada em tcnicas de investigao modernas. Uma iniciativa, primeiro tomada no Rio, mas que j se expande, o Disque-Denncia. O servio um sucesso, e foi trazido ao Brasil em 1995 por seu diretor Zeca Borges. Pelo sistema, nesse pas em que testemunhar contra um bandido uma temeridade, muitos crimes tm sido elucidados. Agora anuncia-se um novo servio: Desarme o Bandido. Vai-se recompensar os que levem a polcia at s armas dos criminosos. Temos que apoiar essa iniciativa e novas formas de desarmar o crime organizado. Portanto, havendo empenho, possvel transformar o que hoje exceo, numa polcia eficiente e honesta. Simultaneamente, pressionar para que se reforme o sistema prisional, o Judicirio, a legislao penal arcaica, e implemente-se polticas de proteo de testemunhas, incluso dos jovens das populaes carentes, medidas sem as quais o crculo vicioso que leva da excluso escalada da violncia urbana seguir se ampliando. Nova York mais segura Analisando o xito alcanado em outros pases, fica claro que este o caminho. preciso que, paralelamente ao desarmamento, a polcia seja reestruturada em novas bases, adaptada modernidade gerencial e democracia, e passe tambm a focar a arma de fogo, procedimento que nunca teve no passado. Foi assim em Nova York, entre 1994 e 2001, com o ento prefeito Rudolph Giuliani, e seu Chefe de Polcia Bratton. Em 5 anos, os indicadores de criminalidade

baixaram 57% e os de homicdio em 65%. preciso entender que, alm de limpar a polcia de gente ligada ao crime, e de modernizar os mtodos de controle e operao da polcia, fazia parte da poltica a represso a todo tipo de infrao, principalmente a relacionada arma de fogo. Todos aqueles que eram surpreendidos portando arma ilegalmente eram detidos, e no soltos aps pagamento de multa, como ocorria anteriormente, e assim como estabelece o nosso Estatuto do Desarmamento. Bandidos perigosos foram presos desta forma, apenas porque portavam armas sem licena, o que tambm est sucedendo no Brasil. Lembra a priso do gangster Al Capone, que s foi possvel porque o FBI o pegou sonegando o imposto de renda e no por seus outros crimes muito mais graves. Mas, em Nova York, no se ficava apenas na priso. Procedia-se a um interrogatrio e investigao para se descobrir a procedncia da arma, o que levou ao desbaratamento de vrias redes de venda clandestina desse produto. O medo de ser detido por causa de armas levou reduo das armas em circulao, colaborando para a drstica diminuio da criminalidade na cidade. S privilegiados vo ter proteo? Os que eram contrrios ao Estatuto do Desarmamento afirmavam:No se estar criando uma odiosa

forma de discriminao social ao se manterem os privilgios e direitos adquiridos de militares, juzes, promotores, defensores pblicos, procuradores, Senadores, Deputados Federais e estaduais, chefes de autarquias etc.? . 55

Como princpio geral, o Estatuto considerou que o civil no deve andar armado, porque a responsabilidade da segurana pblica da polcia, e porque civis armados na rua so uma das causas das altas taxas de bala perdida, assaltos com morte e crimes por motivao tola. Quais os critrios para abrir excees? A primeira se refere ao civil que comprove a necessidade de portar arma por estar correndo risco de vida, situao em que a Polcia Federal lhe conceder o direito. A segunda exceo tem a ver com as consideradas profisses de risco, geralmente funes ligadas punio e encarceramento. So profissionais que podem sofrer represlias e vingana de condenados, como juzes, promotores, procuradores e defensores, ou que necessitam de armas para impedir fugas e se proteger, como guardas prisionais. A lei entendeu que determinados tipos de agentes de segurana tambm tm que usar arma para cumprir seu dever, e outros indivduos em situao de risco e necessidade. (ver art. 6 do Estatuto em Anexos). Membros de outros setores do Judicirio reivindicaram o direito ao porte, como oficiais de justia, que tm a arriscada misso de intimar pessoas para depor na Justia. Foi considerado que estes j contam com direito proteo policial no exerccio de sua funo. A tentativa de alguns parlamentares de estender a concesso de porte de arma para si prprios foi rejeitada pela maioria do Congresso. Alguns sindicatos tentaram, inutilmente, adquirir o direito ao porte dizendo-se profisses de risco, como os guardas dos centros de menores infratores. O direito lhes foi negado uma vez que a poltica prevista em lei de recuperao de menores (so designados por isso mesmo de agentes educacionais), e no de ameaas e torturas, que j ocorrem mesmo com os agentes desarmados. Tambm os caminhoneiros, frequentemente assaltados e mortos nas estradas, pressionaram inutilmente pelo direito ao porte. Neste ltimo caso, o que est sucedendo que a PF, dedicando-se investigao, est comeando a desbaratar quadrilhas e prendendo gente grada. Nas estradas, est tendo xito na desarticulao das gangues de assaltantes. Poltica muito mais efetiva do que permitir que

cerca de 500 mil caminhoneiros se armassem. As empresas de transporte de carga investiram milhes em aparelhos eletrnicos de segurana, que de pouco serviram. A soluo estava numa boa polcia de investigao e represso (fica faltando a moralizao da Polcia Rodoviria). Este um bom exemplo de que a soluo investir na melhoria da polcia e no em armar a sociedade.Excesses

que significaria legitimar o uso de armas para quase meio milho de pessoas. Logo sero os mdicos a reivindicar, porque atendem criminosos feridos, e por a seguiria, em efeito cascata.56

No Brasil, quando se consegue uma lei que afeta a todos, logo comea a presso de setores poderosos, ou privilegiados, para se isentarem da obrigao. E nada mais oposto ao conceito de democracia que o privilgio, caracterstica das monarquias e ditaduras. Um projeto de lei j apresentado no Congresso procura garantir aos advogados o direito de portar armas. O advogado Levy de Castro Filho comenta: Esto registrados na OAB 455.768 advogados em todo o pas, o

Profissionais que se expem a situaes de risco se iludem sobre os benefcios de andar armados. Nos ltimos tempos, a sociedade tem se surpreendido com juiz assassinando vigia de supermercado, promotor fuzilando quem ousou fazer um galanteio para sua namorada e com o assassinato de juzes, mesmo armados. Apesar de serem episdios isolados, esses fatos demonstram: (1) como a arma de fogo um instrumento precrio de d