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Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma análise de manuais do ensino fundamental Leonor Werneck dos Santos Organizadora

102870197 Generos Textuais Leonor Werneck

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Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma análise de manuais do ensino fundamental

Leonor Werneck dos Santos

Organizadora

2

Leonor Werneck dos Santos

Organizadora

Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma análise de manuais do ensino fundamental

Rio de Janeiro Faculdade de Letras da UFRJ

2011

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Copyright ©2011 dos Autores

Ficha catalográfica

G326 Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma

análise de manuais do ensino fundamental / Leonor Werneck dos Santos [org.].- Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.

339p. ISBN: 978-85-87043-99-3 Livro eletrônico Modo de acesso: www.lingnet.pro.br

1. Livros didáticos - Avaliação. 2. Gêneros textuais. 3. Língua portuguesa – Livros de leitura. I. Santos, Leonor Werneck dos. II. Título.

CDD 371.32

4

SUMÁRIO

Apresentação

Leonor Werneck dos Santos .............................................

06

Parte 1 - Tipologias e Gêneros textuais: questões teóricas

Análise das tipologias textuais e sistematização de

produção e leitura nos livros didáticos

Marcia Andrade Morais ....................................................

Gêneros textuais nos livros didáticos: uma abordagem

téorico-metodológica

Margareth Andrade Morais ..............................................

Gêneros textuais nos livros didáticos: problemas do

ensino e da formação docente

Leonor Werneck dos Santos ..............................................

09

43

74

Parte 2 - Gêneros orais e ensino

Gêneros textuais orais nos livros didáticos – uma análise

metodológica

Welington de Almeida Cruz ..............................................

O gênero entrevista na sala de aula: uma proposta de ensino

Letícia Tupper ...................................................................

O gênero textual exposição oral (seminário) em dois

livros didáticos de língua portuguesa do Ensino

Fundamental

Vivian de Oliveira Quandt ................................................

109

146

186

5

Parte 3 - Argumentação e injunção nos livros didáticos

Gêneros instrucionais nos livros didáticos: análise e

perspectivas

Sylvia J. S. do Nascimento Fabiani ...................................

O gênero artigo de opinião em dois livros didáticos

Raquel Batista dos Santos .................................................

Considerações sobre o gênero artigo de opinião em livros

didáticos do segundo segmento do ensino fundamental

Nubia Graciella Mendes Mothé ........................................

222

255

291

6

Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma análise de manuais do ensino

fundamental

Leonor Werneck dos Santos1

APRESENTAÇÃO

Este livro que ora apresentamos, em formato e-book, é

composto de nove artigos elaborados como trabalho de conclusão

do curso de pós-graduação “Gêneros e sequências textuais:

perspectivas teóricas e aplicações ao ensino”, oferecido em 2010,

na Faculdade de Letras da UFRJ. O objetivo principal desta

publicação é divulgar debates teóricos que travamos durante o

curso sobre gêneros e tipologias textuais e sua aplicação ao ensino

e apresentar análise de alguns livros didáticos.

Como proposta de trabalho final para o curso, cada um dos

autores dos artigos aqui reunidos se debruçou sobre um

determinado gênero textual, discutindo segundo perspectivas

teóricas distintas e analisando-os em duas coleções de livros

didáticos para o segundo segmento do ensino fundamental

avaliadas durante o curso: Passaporte para a língua portuguesa,

de Norma Discini e Lucia Teixeira (Editora do Brasil), e Tudo é

1 [email protected]

7

linguagem, de Ana Trinconi Borgatto, Terezinha Bertin e Vera

Marchezi (Editora Ática). Essas coleções foram escolhidas devido

à qualidade da abordagem teórica sobre gêneros, à bibliografia

atualizada quanto aos estudos de texto e discurso e também

devido à pluralidade de gêneros trabalhados nos volumes do 6º ao

9º anos do ensino fundamental.

Este e-book está organizado em três partes, conforme a

temática. Na Parte 1, os artigos de Marcia Morais e Margareth

Morais discutem, respectivamente, questões teóricas referentes à

abordagem das tipologias e dos gêneros textuais no ensino

fundamental, tomando como exemplo as duas coleções analisadas

pela turma do curso supracitado. Para complementar essa primeira

parte, o artigo de Leonor W. dos Santos – embora com enfoque

diverso dos demais artigos deste e-book – retoma essas mesmas

questões teóricas, exemplificando com manuais de ensino médio.

Assim, nessa primeira parte, o leitor terá um amplo panorama da

abordagem teórica em livros didáticos voltados para a educação

básica.

Na Parte 2, os três artigos questionam a maneira como os

gêneros orais são apresentados nas duas coleções analisadas:

Welington Cruz detém-se a levantar aspectos teórico-

metodológicos; Letícia Tupper discute o ensino do gênero

entrevista; e Vivian Quandt enfoca a exposição oral (seminário).

Em todos esses três textos, percebe-se a defesa de uma maior

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ênfase no ensino dos gêneros orais, apesar de estarmos diante de

duas coleções que já os trabalham com qualidade.

Por fim, a Parte 3 trata da abordagem de gêneros escritos,

especificamente das tipologias injuntiva e argumentativa. No

artigo de Sylvia do Nascimento Fabiani, a análise se pauta nos

gêneros da tipologia injuntiva, que ultimamente têm aparecido em

grande número nos livros didáticos. Já Raquel Batista e Nubia

Mothé ocupam-se do mesmo gênero textual – o artigo de opinião

–, contrapondo, porém, a análise das duas coleções citadas nos

demais artigos a uma nova obra: a coleção Para viver juntos, de

Ana Elisa de Arruda Penteado, Eliane Gouvêa Lousada, Greta

Marchetti, Heidi Strecker e Maria Virgínia Scopacasa (Edições

SM).

Diante dessa variedade de artigos, o leitor poderá perceber

o que vem mudando na abordagem textual, especificamente no

trato com gêneros textuais orais e escritos diversos. Esperamos,

portanto, com este e-book, colaborar para a formação continuada

dos professores e para o debate sobre o ensino de língua

portuguesa.

Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos

UFRJ – março de 2011

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Análise das tipologias textuais e sistematização de produção e leitura nos livros didáticos

Marcia Andrade Morais (UFRJ)2

1. Introdução

As últimas pesquisas na área de estudo de textos apontam

para a necessidade do debate sobre a questão do gênero textual

não só no âmbito acadêmico, mas principalmente no contexto do

ensino de língua materna. De fato, não se pode negar que a

discussão sobre o trabalho com gêneros textuais apresenta,

atualmente, grande inserção no cenário escolar.

Todavia, é importante verificar de que maneira essas novas

teorias sobre texto estão sendo aplicadas nos materiais didáticos

em circulação que, por muitas vezes, lidam com essa gama de

informações novas mais como uma forma de atualizar a

abordagem do que com uma estratégia de aplicar de maneira

coerente as teorias mais recentes sobre gêneros textuais.

A discussão se expande para a análise da tipologia textual.

Durante muito tempo, esse tópico recebeu um tratamento

assistemático e confuso em muitos livros didáticos. Assim como

os gêneros textuais, o trabalho com a tipologia, muitas vezes fica a

cargo do professor que, sem amparo teórico-metodológico,

2 [email protected]

10

relaciona-o ora exclusivamente a atividades de interpretação

textual ora ao uso do texto somente como um pretexto para o

ensino de tópicos gramaticais.

Nesse sentido, a presente pesquisa propõe observar em

dois livros didáticos bem atuais a forma como se dá a abordagem

da tipologia textual e como ela está atrelada às atividades de

leitura e produção textual. Os livros analisados são Passaporte

para a Língua Portuguesa, de Norma Discini e Lúcia Teixeira, e

Tudo é linguagem, de Ana Trinconi Borgato, Terezinha Bertin e

Vera Marchezi.

Para tanto, a análise considerará, sobretudo, as asserções

do Manual do Professor das duas coleções analisadas a fim de

estabelecer uma comparação entre o que é proposto e o que, de

fato, é aplicado na exposição dos conteúdos, bem como na

elaboração dos exercícios das coleções estudadas.

Como metodologia da pesquisa, este estudo pretende

apresentar as teorias recentes que versam sobre a questão da

tipologia textual, tais como Adam (1992) e Dolz & Schneuwly

(2004), a fim de verificar se as coleções utilizam estes aparatos ou

outros e, principalmente, se a teoria está aliada à prática de forma

consistente. Os autores mencionados analisam a questão da

tipologia textual sob um viés diferenciado, apresentando, em suas

obras, métodos particulares para o tratamento com a questão do

texto.

11

Cumpre ressaltar que não se assume aqui que a questão da

tipologia textual seja totalmente deixada de lado pelos docentes,

mas o que se pretende apontar através do embasamento teórico é

como uma visão mais diferenciada sobre as noções de textos

contribuem para um desenvolvimento substancial das habilidades

de leitura e compreensão de textos.

Por isso, os dois materiais didáticos selecionados para

análise enquadram-se em um alto nível de qualidade, já que se

propõe verificar a maneira como se dá a utilização de uma

proposta inovadora em sala de aula em um material de excelência,

quais as dificuldades encontradas, se há algum momento em que a

teoria não se aplica e se é possível aperfeiçoar a prática,

considerando o modelo teórico utilizado.

Além disso, um dos maiores desafios de um material que

se apresenta aos educandos como uma ferramenta no desempenho

como autor / leitor de língua portuguesa é aliar a teoria utilizada à

sistematização de leitura e produção textual. Dessa forma,

procura-se, também, examinar nas coleções estudadas como se dá

a relação entre as atividades de leitura e produção propostas nos

livros e o tratamento das tipologias textuais.

Por fim, a análise pretende mostrar, nessas duas coleções

de bastante renome, o tipo de abordagem feita por cada uma no

que diz respeito à tipologia textual, considerando, principalmente,

12

as relações entre o aparato teórico e as propostas de atividades de

leitura e interpretação.

2. Perfil dos livros analisados

Para esta pesquisa, foram analisadas duas coleções de

livros didáticos atuais e de

bastante aceitação no mercado de produções de materiais para

Língua Portuguesa. As coleções Tudo é Linguagem e Passaporte

para a Língua Portuguesa apresentam um conteúdo muito rico em

todos os âmbitos de análise, seja em tópicos de abordagem

gramatical, seja em questões de interpretação e produção textual.

Nos estudos de texto das últimas décadas, muito se

discutiu a respeito do ensino de língua materna no Brasil. Embora

muitos estudos já apontassem para a necessidade de uma outra

metodologia de ensino, diferente de decoreba de regras

gramaticais e uso de textos como simples motivação para o estudo

de regras gramaticais, muitos materiais ainda apostavam nessa

metodologia, até por falta de um modelo que aplicasse as novas

teorias à prática.

Na corrente de bons materiais sobre o ensino de língua, as

duas coleções analisadas propõem-se a apresentar uma visão

inovadora no que diz respeito ao trabalho com a linguagem,

mostrando que a língua é um espaço de interação e não um objeto

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estático ao qual se impõem classificações, sem espaço para uma

reflexão acerca dos mecanismos linguísticos.

Com relação à tipologia textual, cabe analisar o que se

expõe nas obras sobre esse tema, qual é a proposta de análise com

relação às tipologias, qual a teoria apresentada para embasar o

tratamento com o texto e se de fato, o que promete é feito e de que

maneira é feito, com que instrumentos.

Por isso, cumpre fazer um levantamento em cada coleção,

já que, as duas obras apresentam diferenças teórico-metodólogicas

significativas, além de um enfoque diversificado, dada a

intencionalidade de cada obra.

2.1. Tudo é linguagem

A obra em questão está incluída no Programa Nacional do

Livro Didático de 2011 (PNLD-EF/2011), programa do Governo

Federal voltado para a distribuição de livros didáticos de

qualidade às escolas de todo o Brasil. Após passarem por uma

criteriosa avaliação, os livros são distribuídos nas escolas para que

seja adotada determinada coleção nos anos subsequentes.

O livro Tudo é Linguagem foi elaborado por três

especialistas na área dos estudos linguísticos, que, além de

possuírem vasta experiência no âmbito do ensino de turmas de

nível fundamental e médio, propõem-se a ultrapassar as fronteiras

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dos muros acadêmicos aplicando as teorias sobre texto ao material

voltado para os estudantes do nível básico de ensino.

A coleção reúne exercícios que propõem uma abordagem

da linguagem como interação, em que o sentido do texto não é

considerado pronto, mas sim em construção, através das trocas

entre o sujeito produtor e o sujeito leitor, tendo em vista que o

último é não só parte integrante, como também atuante no

processo de construção de sentido.

Assim, ao observar o título da obra – Tudo é Linguagem –

pode-se perceber a perspectiva de abordagem da língua de que

partem as autoras. Ao considerar tudo que nos cerca como

linguagem, Ana Trinconi, Vera Marchezi e Terezinha Bertin

orientam o educando a ser sensível à nossa realidade, como se

tudo fosse passível de uma interpretação e de um olhar mais

curioso e perspicaz daquele que domina os instrumentos

linguísticos capazes de desenvolver no falante a competência de

se comunicar (escrita e oralmente) em qualquer circunstância.

Do 6º ao 9º anos do ensino fundamental, trabalham-se

variados gêneros textuais, com níveis de complexidade diferentes,

analisando-se a estrutura, a composição e o estilo de determinado,

características que fazem com que o texto se enquadre em um

gênero e não em outro. Na proposta dos exercícios de análise de

tópicos gramaticais, há, na maioria das vezes, uma motivação que

leva os alunos a perceber o uso de certos mecanismos linguísticos.

15

Com relação ao Manual do Professor, o livro oferece um

ótimo suporte ao docente, à medida que o orienta claramente no

manejo com o texto e com os exercícios, além de apresentar a

maneira como foi relacionado aparato teórico utilizado à prática

em sala de aula.

2.2. Passaporte para a Língua Portuguesa

O primeiro aspecto a ser ressaltado com relação à coleção

elaborada pelas professoras Lúcia Teixeira e Norma Discini é o

olhar diferenciado com o qual as autoras trabalham os diversos

sentidos possíveis do texto, aqui também entendido como a

realidade que nos cerca, ou seja, não só o texto escrito, mas a

linguagem visual, a música, a dança, considerando os textos

sincréticos, que unem as diferentes linguagens.

Ainda que não seja explícito durante a obra, nem no

Manual do Professor, a teoria que as autoras utilizam para guiar a

orientação de leitura é a semiótica, o que se deve em grande parte

à formação das autoras, ambas doutoras na área de Linguística e

Semiótica.

Em linhas gerais, de acordo com a teoria semiótica,

propõe-se fazer uma análise formal do texto, estudando o conjunto

de relações que produz o significado do texto, ou seja, o que o

texto diz. Tal relação designa por si a observação da forma do

16

conteúdo, considerando, sobretudo como o texto diz, já que é

através da observação formal dos elementos do texto que se chega

a conclusões sobre seu conteúdo.

Dessa forma, as autoras utilizam essas noções teóricas da

semiótica a fim de elaborar um material que perceba o texto como

um processo que une o “dentro” e o “fora”, em que não se tem um

produto, mas sim uma situação em que há um enunciado guarda

marcas de sua enunciação, sendo possível, portanto, resgatá-las

através de atividades de leitura a fim de produzir sentido(s)

possível (is) para o texto.

Então, um dos papéis do educando, nesse contexto, é o de

estabelecer-se como sujeito de um processo de interação por

intermédio da percepção de que o sentido não é dado na realidade

das coisas, mas é construído na interação na relação com o outro.

Assim, abandona-se o conceito tradicional de que há um único

caminho possível para o entendimento do texto, bem como se

rejeita a postura do docente como exclusivo receptor de

informações.

Os exercícios propostos têm como um dos principais

objetivos estimular a habilidade de os alunos reconhecerem as

marcas enunciativas, ou seja, as “pistas” deixadas pelo enunciador

com a finalidade de fazer perceber a intencionalidade

comunicativa de cada texto. Nesse sentido, ao mesmo tempo em

que se compreende que não há somente um único caminho para

17

desvendar os sentidos do texto, não se assume a ideia de que “vale

tudo”, que exercícios de interpretação são respostas pessoais,

ambiente em que tudo é possível.

Reconhecer, então, que nenhum discurso é novo, que a

linguagem é uma soma de toda nossa experiência como falantes é

fundamental para entender a perspectiva dialógica da linguagem,

de onde partem as autoras. O discurso é uma captação de vozes

demarcando a instauração da imagem de um sujeito, quesito

primordial em muitas estratégias argumentativas apontadas nos

exercícios e exploradas em muitas atividades de leitura.

Com relação ao Manual do Professor, pode-se dizer que

não há um aparato metodológico aprofundado que ofereça uma

sustentação clara ao professor. Ainda que a abordagem do ensino

através de uma teoria de texto seja excelente, há muitos

educadores que não sabem lidar com a questão e necessitam de

um direcionamento – carência do Manual do Professor desta

coleção.

Em um tópico posterior, discutir-se-á com um enfoque

maior a questão da tipologia textual nas coleções trabalhadas,

relacionando-as às questões de leitura e produção textual

propostas nos livros, considerando, também, as teorias sobre texto

e discurso de Adam e Dolz & Schneuwly, explanadas a seguir.

18

3. Algumas questões teóricas sobre tipologias textuais

O trabalho com as tipologias já carrega em si uma

confusão no que diz respeito à nomenclatura utilizada. A depender

da teoria pelo qual o livro didático é fundamentado, a

nomenclatura pode variar, o que indica que, se uma mesma

coleção não for usada ao longo de toda a formação no nível

fundamental ou médio do aluno, pode haver confusão em relação

a um método ou outro estudado.

Além disso, o trabalho com tipologia, durante muito

tempo, apareceu desconectado de questões relacionadas a leitura e

compreensão do texto, já que, em muitos livros didáticos,

destinava-se somente uma seção para tratar da tipologia. Nela,

apareciam as características de cada tipo de texto, e o aluno

deveria decorar tais características apenas com a finalidade de

classificar qual texto pertencia à qual tipologia, sem nenhuma

reflexão mais aprofundada sobre o tema.

A situação se complica quando se trata do último ano do

Ensino Médio, fase em que os educandos se preparam para os

exames de vestibular. Embora algumas universidades já

apresentem propostas de produção de variados tipos de texto para

avaliar a capacidade de escrita do aluno, o que se tem ainda de

maneira predominante é a exigência de um modelo dissertativo-

argumentativo, em que um aluno deve defender um ponto de vista

19

acerca de determinado assunto a fim de demonstrar, dentre outras

coisas, sua capacidade de argumentar construindo um texto

coerente.

Nesse contexto, o estudo da tipologia é entendido apenas

como uma adequação às regras de determinado texto para alcançar

um objetivo maior que é ingressar em uma universidade. Valendo-

se desse propósito, as escolas / cursinhos criam o mito do que se

pode ou não fazer, considerando as limitações impostas pelo tipo

de texto, restringindo, portanto, a liberdade de criação dos alunos

em função de um critério justo de avaliação.

Entretanto, muitos materiais didáticos já se propõem a

aplicar as teorias de texto que preconizam uma observação do

estudo da tipologia textual não apenas como uma memorização de

determinadas características, mas como um processo de interação

através da linguagem. Nessa corrente estão as teorias de Jean-

Michel Adam e Dolz & Schneuwly, estudiosos que se debruçaram

sobre os estudos de texto, preocupando-se em algum momento de

suas pesquisas, com a questão da tipologia textual, conforme

pode-se ver a seguir.

20

3.1. A teoria de Adam

Jean-Michel Adam é um dos maiores especialistas na área

dos estudos de texto e discurso. Tem seus estudos voltados para a

interface entre linguística textual e análise do discurso francesa,

fundamentando sua teoria, basicamente, em meados dos anos 90

quando os estudos de texto passaram a observar vários níveis de

análise, principalmente os atos de fala e os aspectos situacionais.

Partindo da concepção dialógica da linguagem de Bakhtin,

Adam (1992) aproveita os conceitos bakhtinianos de que nenhum

discurso é novo e que a produção do falante representa toda

experiência, vivência e práticas sociais que fizeram parte de sua

vida até o momento da realização do ato de fala. Dessa maneira,

estão previstos os papéis de enunciador e enunciatário dentro do

texto, bem como as marcas da enunciação, que abrem as brechas

para a (re) construção do sentido.

Nesse contexto, a preocupação inicial de Adam é propor

uma reflexão teórica que dê conta das orientações enunciativas

sem abandonar os aspectos formais que permeiam a estrutura do

texto. Em seu livro Les textes: types et prototypes (1992), Adam

debruça-se sobre a questão da tipologia textual, apresentando

enfoque diferente de teorias anteriores, delimitando seu conceito

de tipo de texto.

21

A princípio, cumpre destacar que Adam atribui uma outra

nomenclatura à questão da tipologia, denominando-a de sequência

textual por entender que o texto é composto de várias sequências

de formas linguísticas que interagem para formar o todo do texto.

É a relação dessas sequências que determinam a unidade maior

que resultará em um dado domínio linguístico predominante.

Adam se vale das noções de gênero primário e secundário

de Bakhtin a fim de construir sua teoria sobre as sequências. Para

Bakhtin, os gêneros primários compreendem tipos simples de

enunciado, como a réplica do diálogo cotidiano, a carta, enquanto

os gêneros secundários são considerados tipos complexos, tais

como o romance e a peça de teatro. Bakhtin (1953) afirma serem

os gêneros “tipos relativamente estáveis de enunciado”, em que o

enunciado interliga-se ao gênero na medida em que estes são

percebidos como elementos de uma instância social.

Para Adam, as sequências equivalem aos gêneros

primários de Bakhtin em virtude do alto grau de estabilidade que

apresentam. As sequências são, portanto, componentes textuais,

constituídos de proposições relativamente estáveis e maleáveis

que se combinam a fim de formar os gêneros secundários.

Os gêneros e as práticas discursivas são, para Adam,

atividades complexas e heterogêneas e se estruturam em esquemas

de organização textual, o que define os textos como uma estrutura

sequencial estrutura heterogênea. Sem abandonar o contexto que

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envolve a enunciação, tampouco as escolhas linguísticas que

determinam a estrutura do texto, Adam concebe duas dimensões

que configuram o texto: a pragmática e a estrutural.

Com relação à pragmática do texto, há uma semântica que

confere ao texto uma coesão com o mundo representado, uma

dimensão argumentativa, presente em todo o texto, explicita ou

não, que determina o todo do texto, considerando seu objetivo e,

por fim, uma esfera enunciativa, responsável pela tonalidade

enunciativa do discurso oral, discurso escrito, discurso não-real,

discurso científico e discurso poético.

No que tange à configuração estrutural do texto, interessa a

arquitetura das proposições, que constitui uma dimensão

estrutural. Considera-se a relação sintática dos elementos do texto,

a concatenação das proposições e a ligação entre as partes do

texto, como a frase, o parágrafo, a estrofe. Esta é a base da

constituição da tipologia textual para Adam, em que se tem um

esquema de base composto de elementos prototípicos instaurados

e reconhecidos pelos sujeitos quando de suas interações.

O protótipo, nesse sentido, é fundamental na teoria de

Adam, uma vez que ele é o objeto mais típico da composição,

sendo o objeto que reúne o maior número de pistas, características

em comum. O estudioso não despreza, entretanto, a

heterogeneidade constitutiva dos textos, mas afirma a existência

23

desses traços análogos a fim de que eles sejam reconhecidos pelos

falantes de maneira mais ou menos canônica.

Como ponto central da categorização dos textos, Adam

propõe a subdivisão das sequências textuais em narração,

descrição, explicação, argumentação e diálogo, principais

componente para a atividade com os textos. Em seus primeiros

estudos, Adam enquadrava a sequência injuntiva e poética em seu

esquema prototípico, porém, ao longo de suas análises, entendeu

que aquela sequência poderia incluir-se na sequência descritiva

pelo seu caráter descritivo de ações, enquanto esta não se

constituiria como um tipo específico de texto.

Ao pensar essa divisão em sequências, Adam expõe uma

visão modular, em que a há um enfoque em uma sequência

enunciativa. Para o linguista, os textos seriam muito heterogêneos

para enquadrá-los em tipos, o que o levou a pensar em uma

conjunção de sequências que se relacionam para formar o todo do

texto. A seguir, descrevem-se as sequências textuais propostas por

Adam.

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Sequência Relações estabelecidas Gêneros prototípicos

Narração

Processo que organiza os

acontecimentos de maneira a

formar um todo com início,

meio e fim, havendo, portanto,

uma sucessão temporal.

Transformação de predicados,

relação de causa / consequência

e avaliação final.

Fábula, conto, notícia

Descrição

Não há uma ordem linear

obrigatória, mas sim a presença

de uma organização espacial

delimitada. Ordem hierárquica,

vertical. Processos de

ancoragem, aspectualização,

relacionamento.

Anúncio, classificado,

curriculum

Explicação

Síntese de conceitos, relações

de causa que ligam os fatos.

Constatação inicial,

problematização, resolução,

conclusão-avaliação.

Texto de divulgação

Argumentação

Presença de uma tese, operações

de inferência, passos

argumentativos: premissas,

apresentação de argumentos /

contra-argumentos e conclusão.

Editorial, carta

argumentativa, artigo de

opinião

Dialogal

Processos de interação verbal,

discursos interativos dialogados,

segmentos realizados em turnos

de fala. Intercâmbio de abertura,

transicional e fechamento.

Entrevista, exposição

dialogada

Tabela 1: Quadro das sequências textuais na teoria de Adam

(retirado de BONINI, 2005, p.212)

25

3.2. A teoria de Dolz & Schneuwly

Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly são professores da

Universidade de Genebra, na Suíça, e ambos atuam no Grupo

Grafe – Grupo Romando de Análise do Francês Ensinado. Dolz &

Schneuwly apresentam um trabalho voltado para o ensino de

Língua Materna tendo o diferencial de reunir teorias de

Sociolinguística e Psicolinguística, que contribuem e dão

diretrizes diferenciadas ao trato da língua materna em sala de aula.

Embora os autores suíços tenham seus estudos recentes

voltados principalmente para o trabalho com os gêneros textuais

orais e escritos na escola, os autores tomam as questões de

tipologia textual como um processo de reconhecimento de certas

estruturas – psicológicas e linguísticas – por parte do falante, a

fim de que este desenvolva estas operações de maneira gradativa a

fim de que seja um produtor proficiente de textos em diferentes

tipologias em sua língua.

Os autores, por não focalizarem a pesquisa na questão da

tipologia, adotam como base de análise as definições de Bronckart

et al. (1985) e Adam (1992). O primeiro descreve os tipos como

processos heterogêneos de linguagem, já que são elaborados a

partir das formações sócio-linguísticas que têm diversas maneiras

de apresentação. Já o último, como foi observado no tópico

anterior, volta seu esquema de análise para a composição

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prototípica dos textos, considerando um processo de sequências

que se relacionam com o todo do texto e produzem certa

sequência textual.

Para Dolz & Schneuwly (2004), os tipos de texto, sob o

ponto de vista psicológico, são consequências de operações de

linguagem efetuadas no curso da produção. Tais operações estão

relacionadas à situação material de produção, possibilitando o que

os autores chamam de relação de implicação / autonomia,

correspondente às relações estabelecidas entre os gêneros

primários e secundários. Ainda imbricadas nestas operações

textuais, estão as relações instauradas entre a enunciação e o

enunciado, num processo de disjunção / conjunção com os objetos

do mundo, passando de um nível mais ou menos ficcional com a

situação

Cabe ressaltar ainda a forma como essas operações se

desenvolvem para os estudiosos. Os tipos de texto, que são

resultados destas operações, são processos que não se tornam

disponíveis de uma só vez, mas que se constroem ao longo do

curso das interações entre os sujeitos e as relações que se

estabelecem entre o nível estrutural e pragmático.

Propõem, então, os autores, uma definição de tipologia

está relacionada aos gêneros textuais no sentido de que as opções

de escolha do falante garantem um domínio mais eficiente do

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gênero, gerando uma maior heterogeneidade de textos. Segundo

os autores:

Os tipos de texto – ou, psicologicamente falando, as escolhas

discursivas que se operam em níveis diversos do

funcionamento psicológico de produção – seriam, portanto,

construções ontogenéticas necessárias à autonomização dos

diversos tipos de funcionamento e, de modo mais geral, da

passagem dos gêneros primários aos secundários (digo

psicologicamente falando, à medida que os tipos [...] têm

sempre duas faces: uma operação psicológica de escolha

dentro de um conjunto possível e uma expressão linguística

dessa escolha no nível linguístico). (DOLZ & SCNEUWLY,

2004, p.33)

Para Dolz & Schneuwly, um quadro teórico das tipologias

textuais compreende um agrupamento dos gêneros de maneira

prototípica, pensando a atividade psicológica envolvida no

processo de categorização das tipologias. Segue abaixo o

agrupamento dos gêneros em função das tipologias:

Sequências textuais Domínios sociais /

capacidades de

linguagem

Gêneros prototípicos

Narrar

Cultura literária ficcional

/ mimeses da ação

através da criação de

intriga

Conto maravilhoso,

fábula, lenda.

28

Relatar

Documentação e

memorização de ações

humanas / representação

pelo discurso de

experiências vividas,

situadas no tempo.

Relato de experiência

vivida, relato de viagem,

testemunho.

Argumentar

Discussão de problemas

sociais controversos /

sustentação, refutação e

negociação de tomadas

de posição.

Texto de opinião,

diálogo argumentativo,

carta do leitor

Expor

Transmissão e construção

de saberes / apresentação

textual de diferentes

formas dos saberes.

Seminário, conferência,

artigo

Descrever ações

Instruções e prescrições /

Regulação mútua de

comportamentos.

Regras de jogo,

instrução, regulamento.

Tabela 2: Quadro dos gêneros em função das capacidades

linguísticas dominantes

(adaptado de DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 102)

A partir do quadro tipológico dos autores suíços, pode-se

perceber que há diferenças com relação ao enfoque de alguns

processos. Dolz & Schneuwly estabelecem uma distinção entre

narração e relato, uma vez que, segundo os estudiosos, o que

caracteriza o mundo do narrar é a existência da intriga, enquanto

o mundo do relatar estaria mais relacionado à representação de

memória e documentação.

29

Em outro aspecto, os autores não consideram a sequência

descritiva como uma sequência textual específica, inserindo,

entretanto, uma organização esquemática deixada de lado em

estudos mais recentes de Adam, a sequência injuntiva, com

modelos específicos e gêneros prototípicos.

A seguir, far-se-á uma relação entre as teorias analisadas e

as coleções pesquisadas, relacionando a abordagem da tipologia

textual às atividades de leitura e produção propostas pelas autoras.

4. A abordagem da tipologia nas coleções

4.1. Tudo é Linguagem

A coleção Tudo é Linguagem, como já foi mencionado,

está incluída no PNLD de 2011, recebendo ótimas críticas dos

avaliadores. A coleção inclui os volumes do 6º ao 9º anos do

Ensino Fundamental e propõe o trabalho com as diferentes

linguagens a fim de estimular no aluno a capacidade de conhecer e

interpretar a realidade diversificada que o cerca.

Com relação ao trabalho com a tipologia, a coleção tem

como base a abordagem de Dolz & Schneuwly, cujo trabalho

enfoca as capacidades de linguagem sobre as quais os gêneros

textuais estão agrupados. Nesse sentido, a obra utiliza-se da

nomenclatura que versa sobre os domínios do narrar, relatar,

30

expor, argumentar e instruir / prescrever, conforme trecho do

Manual do Professor contido no referido livro:

1. em função das capacidades de linguagem que

constituem as práticas de usos da linguagem e que distribuem

os gêneros por cinco domínios (Schneuwly e Dolz): o narrar,

o relatar, o expor, o argumentar e o instruir / prescrever. Cada

domínio (agrupamento de gêneros) favorece o

desenvolvimento de algumas capacidades globais a serem

construídas ao longo da escolaridade. (Manual do Professor,

p.8)

A proposta da coleção, de acordo com o Manual do

Professor, é trabalhar cada tipologia em determinado volume,

sendo os gêneros no âmbito do narrar no 6º ano, o relatar no 7º

ano, o expor e o argumentar no 8º e no 9º ano os gêneros

relacionados ao argumentar. O enfoque da obra são os gêneros

textuais, conforme fundamentação teórica de Dolz & Schneuwly

e, por esse motivo, as tipologias textuais são abordadas em função

do agrupamento de gêneros.

Esse é um tipo de abordagem bastante interessante, uma

vez que não se tem a ideia de tipos de texto isolados de práticas

sociais e não se exige do aluno que ele decore as características

das tipologias somente para identificar se esse ou aquele texto se

enquadra em determinado tipo, mas pressupõe-se que ele, ao ser

confrontado com variados gêneros de um mesmo domínio,

construa esquemas psicológicos que o façam compreender e

31

refletir que existem capacidades de linguagem que agrupam

gêneros textuais comuns.

Entretanto, cumpre destacar que Dolz & Schneuwly, ainda

que não tenham seus estudos estritamente voltados para a questão

das tipologias, apontam uma diferença interessante entre narração

e relato, indicando que há divergências tanto estruturais, quanto

no esquema psicológico das duas capacidades de linguagem,

tendo a intriga como um aspecto característico da narração e não

do relato.

Ao analisar a coleção Tudo é Linguagem, nota-se que as

autoras, de fato, procuram fazer uma abordagem de acordo com o

aparato teórico escolhido, uma vez que há uma preocupação com

relação ao domínio explorado por cada texto e um objetivo claro

de, na maioria das vezes, fazer com que o aluno perceba não só os

elementos estruturais, mas as escolhas psicológicas e pragmáticas

de todo texto trabalhado na unidade.

Todavia, tal diferenciação feita pelos autores suíços entre

narração e relato é, por vezes, deixada de lado pelas autoras da

coleção Tudo é Linguagem. A narração, por possuir características

bem determinadas e específicas, é abordada de maneira coerente

com a proposta, mas o mesmo não é feito com relação ao domínio

do relatar, uma vez que este é tratado na coleção mais como um

gênero textual do que como um domínio discursivo.

32

Na coleção, o mundo do narrar tem bastante destaque com

diversos gêneros como o conto, a crônica, o romance, reportagem,

notícia, em que é possível delimitar o esquema narrativo de

personagens, tempo e espaço. Já o mundo do relatar tem seu

espaço restrito ao volume do 7º ano em que são abordados os

relatos de memória e de experiência como gêneros subjacentes ao

mundo do narrar. Ainda que no início da unidade haja uma

explicitação do trabalho com o relato como um domínio, isso não

é comprovado ao longo da unidade.

Outro aspecto relevante com relação ao trabalho com a

tipologia textual é a confusão entre a escolha do aparato teórico

com a aplicação da teoria no trato com o texto. No volume do 9º

ano desta coleção, após análise da música “Sinal Fechado”, de

Paulinho da Viola, há uma referência à sequência conversacional,

destacando as características típicas desta sequência, como turno

de fala, as pausas e interrupções, presença do interlocutor, dentre

outros. De acordo com a teoria de Dolz & Schneuwly, autores

utilizados como fundamento da coleção, não há referência a esse

tipo de sequência, tampouco ela é citada no Manual do Professor

como as demais. Estudiosos como Adam e Marcuschi consideram

a tipologia conversacional / dialogal em seu quadro teórico, mas o

primeiro sequer é mencionado nas referências bibliográficas e o

segundo é citado através da obra Análise da Conversação (1999).

33

Nesse caso, cabe ao professor, investigar por conta própria

a sequência em questão. Não se assume que esse não seja um

trabalho do docente, mas espera-se que ele não seja surpreendido

com uma abordagem que não esteja explicitada no Manual do

Professor de maneira clara e coerente a fim de auxiliar o trabalho

do professor em sala de aula.

Com relação às atividades de leitura, é possível dizer que a

coleção propõe, sempre que possível, exercícios de interpretação e

análise textual conectadas às estruturas esquemáticas e

pragmáticas dos gêneros e tipologias. Há uma preocupação com

os processos que envolvem cada texto, entendendo-os como

sequências que se relacionam ao todo do texto.

Não se espera que o educando memorize cada texto como

pertencente à determinada tipologia, até mesmo porque parte-se

do princípio que o texto apresente predominantemente certa

sequência, o que não significa que ele não possua outras

sequências em suas estruturas.

A intencionalidade do texto, as pistas deixadas pelo autor

através dos mecanismos linguísticos, o modo como as estruturas

se relacionam de maneira coerente são atreladas à questão da

tipologia, levando o aluno a perceber como as habilidades de

leitura se relacionam a fim de desenvolver a proficiência dos

alunos em sua língua materna.

34

Todavia, nem sempre isso é totalmente posto em prática, já

que, em alguns momentos, o trabalho com tipologia aparece como

pretexto para questões de interpretação. Os aspectos referentes ao

esquema das sequências são abordados, por vezes, como

atividades de interpretação textual, sendo deixados de lado os

aspectos linguísticos que atuam na constituição daquele tipo de

sequência.

No que diz respeito às atividades de produção textual, em

toda unidade há um espaço reservado à escrita, considerando o

processo de produção, a intenção, o propósito da escrita e a

posterior divulgação dos textos. As propostas de produção são de

textos variados, passando por todas as tipologias, considerando as

variações linguísticas e os níveis de formalidade, conforme reza o

Manual do Professor.

No entanto, em todos os volumes, há uma exigência de

produção de um determinado gênero, pertencente a alguma

tipologia não trabalhada na unidade. Nem todos os textos

precisam ser produzidos pelos alunos, de maneira que é possível

analisar o estilo, a composição e o conteúdo temático dos textos

sem necessariamente passar pelo processo de produção do aluno,

se não houver um objetivo claro, um exercício coerente com a

atividade.

Dessa forma, a preocupação em trabalhar a maior

quantidade de gêneros possíveis, de variadas tipologias,

35

transparece, também, nas atividades de produção textual, em que

certa tipologia, ainda que não estudada ao longo da unidade, é

cobrada na produção escrita dos alunos, tornando, às vezes, difícil

e complexo o processo de produção dos alunos.

De maneira geral, as autoras cumprem o objetivo de

englobar as diferentes linguagens que cercam o mundo do aluno,

capacitando-o a ser sensível às coisas do mundo através de sua

língua, lendo e escrevendo para fazer parte de sua realidade social.

4.2. Passaporte para a Língua Portuguesa

O referido livro, como já foi dito anteriormente, baseia-se

na teoria semiótica para análise de textos. Embora a coleção não

tenha sido incluída no PNLD de 2011, a obra é bastante

conceituada no meio acadêmico, tendo, também, grande adesão

entre os professores do ensino regular. A coleção reúne livros do

6º ao 9º anos do Ensino Fundamental e propõe a observação dos

textos como um meio de compreender o mundo através da Língua

Portuguesa.

No que diz respeito às tipologias textuais, não há uma

teoria explícita no Manual do Professor que oriente a abordagem,

já que, além da referência básica e fundamental de Bakhtin para o

olhar sobre os gêneros do discurso, não se apresenta um quadro

36

teórico específico para o trabalho com a tipologia textual. De

acordo com o Manual do Professor:

Tanto para a Expressão Oral como para a Expressão Escrita

distinguem-se gêneros de tipos de textos. Os tipos de texto

são: descritivo, narrativo, argumentativo, expositivo e

injuntivo, este último concretizando-se em textos

instrucionais, em que se dão regras de como fazer algo, como

um manual de instrução ou uma receita culinária. À

descrição, cabe retratar uma personagem, um espaço e ações

de personagens. A chave teórica para descrição é manter-se

como tal, é não transformar-se em narração, o que acontece se

houver uma transformação temporal. (Manual do Professor, p.

12)

Após a exposição da nomenclatura utilizada na coleção,

segue a descrição das características de todas as tipologias, com

trechos de obras para exemplificação e uma cuidadosa distinção

entre as tipologias entre si e os respectivos gêneros que

acompanham cada tipologia. Nesse sentido, a abordagem também

propõe o estudo da tipologia atrelada aos gêneros a fim de que o

aluno tenha a consciência do que escrever, pra quem escrever e

por que escrever, já que entende gênero e tipologia como práticas

sociais que envolvem os sujeitos em interação através da

linguagem.

Há uma preocupação, também, com a expressão oral e

escrita, considerado as múltiplas possibilidades de realização da

linguagem. Então, a proposta de abordagem da tipologia não deixa

37

de considerar as diferentes modalidades, considerando as

características de cada contexto comunicativo.

Ao longo do trabalho com a tipologia e os gêneros

textuais, há aspectos da teoria semiótica que são considerados na

análise dos textos. A proposta das autoras é levar os alunos a

perceber a presença das vozes no discurso, a instauração de um

ethos no texto com determinada intencionalidade, as instâncias de

enunciador / enunciatário, a configuração dos textos em um plano

de expressão que remete a um plano de conteúdo, as categorias de

pessoa / tempo / espaço, que configuram os papéis discursivos nos

textos, as composições de temas e figuras, dentre outros.

Todas essas questões apontam para um ensino de Língua

Materna que respeita o texto em todos os âmbitos, entendendo os

textos não só como os registros escritos e verbais, mas também a

pintura, a dança, as imagens, os símbolos como componentes da

Língua e a interação entre os sujeitos.

Todavia, o Manual do Professor desta coleção é muito

breve e não oferece aparato teórico necessário ao professor que

deseja utilizar o livro em sua sala de aula. Embora a abordagem

seja peculiar e bastante interessante, diferente do que

normalmente se vê em livros didáticos, é complexo o processo de

análise dos textos e, dessa maneira, o docente que não domina

estas teorias encontra dificuldades em trabalhar com a coleção.

38

Além disso, no que diz respeito à nomenclatura utilizada,

no Manual do Professor, fala-se em tipos textuais, determinando-

os em narrativo, injuntivo, argumentativo, descritivo e expositivo.

No entanto, ao longo das unidades, as autoras optam, também,

pela nomenclatura “sequência textual”, deixando confuso se o

aparato teórico e as definições permanecem as mesmas ou se

pretende-se tomar o termo tal como o faz Adam.

As atividades de leitura propostas no livro possuem um

objetivo claro de instrumentalizar o aluno nas questões do texto,

fazendo-o perceber como as características tipológicas se

relacionam ao processo de construção de sentidos dentro do texto.

Portanto, a ideia de língua como espaço de interação é

fundamental durante a obra, já que o aluno é levado a perceber a

importância do papel que assume enquanto leitor e produtor de

textos em sua língua materna, ao mesmo tempo em que percebe o

uso de mecanismos linguísticos em função da construção de um

texto coerente, confirmando as “pistas” deixadas pelo autor no ao

de sua produção.

Com relação às atividades de produção textual, observa-se

na coleção que são expostos textos de diferentes gêneros e

tipologias, mas, assim como na coleção Tudo é Linguagem, nem

sempre os gêneros / tipologias são trabalhados de maneira

específica e a posterior produção dos alunos fica comprometida,

39

às vezes, pelo fato de os educandos não conhecerem

profundamente o texto que vão produzir.

5. Considerações Finais

Esta pesquisa procurou demonstrar como a questão da

tipologia textual relaciona-se às atividades de produção e leitura

nas coleções Tudo é Linguagem e Passaporte para a Língua

Portuguesa. A proposta do estudo, então, foi verificar como os

livros abordam a tipologia textual e que tipo de exigência fazem

dos alunos a respeito das atividades de leitura e produção.

A partir da exposição teórica de Dolz & Schneuwly e

Adam, buscou-se estabelecer uma relação entre a abordagem dos

livros e a proposta dos autores no que diz respeito à questão da

tipologia textual. Após a análise das teorias, foi possível perceber

que, para os autores pesquisados, o processo comunicativo

pressupõe a instauração dos sujeitos como atuantes na construção

de sentidos.

Além disso, com relação à tipologia textual, os autores

preconizam a existência de duas instâncias que compõem o

esquema das tipologias: sequências estruturais – que reúnem

aspectos linguísticos característicos – e uma configuração

pragmática – que contempla aspectos psicológicos no

reconhecimento e reprodução dos tipos textuais.

40

Após a análise das duas coleções, constatou-se que, ainda

que a proposta de abordagem das tipologias em ambas as obras

seja inovadora e bastante interessante, ainda há muita confusão

não só quanto à nomenclatura, mas também quanto ao tipo de

exigência feita aos alunos quando se considera o trabalho com os

variados gêneros e tipos textuais.

Nesse sentido, considerou-se, também, o Manual do

Professor das duas coleções a fim de comparar o que se propunha

nos livros e o que de fato cumpria-se nas unidades. Assim, foi

possível perceber que, por vezes, havia divergência entre a teoria

utilizada e o trabalho com os textos, principalmente quando o

trabalho com a diversidade de gêneros e tipos se sobrepunha a um

olhar mais cuidadoso e coerente em cada texto.

As atividades de leitura e produção de ambas as coleções

são de ótima qualidade e, nas duas obras, nota-se uma

preocupação em fazer com que o aluno reflita sobre a

aprendizagem, sem encarar as aulas de português como somente

um espaço para decorar regras gramaticais, tampouco memorizar

características a fim de fazer somente uma identificação entre as

tipologias / gêneros textuais. O papel dos textos nesse tipo de

trabalho não se resume ao mero pretexto para se abordar questões

gramaticais, mas eles são entendidos como práticas sociais que

envolvem os sujeitos que constroem sentidos através da leitura e

da produção textual.

41

Por fim, cumpre destacar que, ainda que haja algumas

críticas ao trabalho das autoras de Tudo é Linguagem e de

Passaporte para a Língua Portuguesa, ambas as coleções são de

altíssima qualidade e propõem um ensino de Língua Portuguesa

dinâmico, coerente às novas teorias e questionador, no que diz

respeito ao papel do aluno em sala, que sai de uma tradição de

mera recepção de conhecimentos para ser parte atuante no

processo de aquisição de conhecimentos.

Referências

ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise

dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008.

______. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992.

BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. São Paulo:

Martins Fontes, 1992.

BONINI, A. A noção de sequência textual na análise pragmático-

textual de Jean-Michel Adam. In: MEURER, J.L.; BONINI, A. &

MOTTA-ROTH, D.(org.). Gêneros: teorias, métodos, debates.

São Paulo: Parábola, 2005. p. 212.

CAVALCANTE. M. M.; COSTA, M. H. A.; JAGUARIBE, V. F.;

CUSTÓDIO FILHO, V. (orgs.). Texto e discurso sob múltiplos

olhares: referenciação e outros domínios discursivos. Vol. 2. Rio

de Janeiro: Lucerna, 2007.

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na

escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

MEC/ SEF: SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.

Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do

ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: 1998.

SANTOS, Leonor W. dos. O ensino de língua portuguesa e os

PCN. In: PAULIUKONIS & GAVAZZI (org.). Da língua ao

42

discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

p. 173-184.

Manuais didáticos:

BORGATTO, A.T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é

linguagem. V. 7. 2. ed. São Paulo: Ática, 2009.

TEIXEIRA, Lucia & DISCINI, Norma. Passaporte para a língua

portuguesa. V. 2. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.

43

Gêneros textuais nos livros didáticos: uma abordagem téorico-metodologica

Margareth Andrade Morais (UFRJ)3

1. Introdução

O desafio de realizar um trabalho coerente e satisfatório

com gêneros textuais tem sido tema de muitos estudos no campo

do ensino de língua materna. A implementação dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN), em 1998, pelo MEC colocou os

gêneros textuais no centro desse debate. Embora esse documento

esteja amparado em concepções de língua/ensino e outros

pressupostos teóricos trazidos pela Linguística Textual já

discutidos antes da sua publicação, a divulgação dos parâmetros

teve por mérito introduzir essas discussões, muito restritas ao

ambiente acadêmico, ao ambiente escolar. No entanto, por

problemas na formação e a dificuldade de os professores se

engajarem em atividades de atualização, o livro didático passou a

ser a principal ferramenta teórico-metodológica do professor em

seu fazer pedagógico.

Dentro dessa perspectiva, o presente artigo pretende

analisar de que maneira é feita a abordagem dos gêneros textuais

em duas coleções de livros didáticos de português e de que forma

3 [email protected]

44

o trabalho com os gêneros realizados nesses compêndios favorece

a uma melhoria nas habilidades de leitura e produção de texto a

serem desenvolvidas pelos alunos. Especificamente, objetiva-se

analisar de que forma os autores trabalham com os gêneros

textuais e, se a abordagem escolhida contribui, efetivamente, para

um melhor desempenho comunicativo.

A fundamentação teórica sobre gêneros textuais parte de

Bakhtin (1992), mas também se utiliza de obras mais recentes que

esclarecem bem a noção de GT e sua relação com o ensino , uma

vez que Bakhtin apenas lança as bases para o entendimento dos

gêneros, mas sua preocupação não é com o ensino de línguas,

como Dolz & Schneuwly (2004), Koch & Elias (2006), Marcuschi

(2008) e outros. Tais conceitos, por vezes, serão relacionados aos

pressupostos contidos nos PCN, já que é o documento que serve

de norte para os livros didáticos.

As coleções escolhidas para a análise são Tudo é

linguagem, editora Ática e Passaporte para a Língua Portuguesa,

editora Brasil. O primeiro livro (Tudo é linguagem) foi aprovado

pelo PNLD 2011 e consta no catálogo. Já o Passaporte para a

Língua Portuguesa, por problemas técnicos, não foi submetido à

análise da equipe do PNLD. Vale destacar que não é o foco deste

trabalho avaliar a qualidade desses livros didáticos. O interesse é,

de fato, discutir sobre o trabalho realizado e lançar bases para que

45

se possa aprimorar o tratamento dos gêneros textuais nos livros

didáticos de português.

2. Por que utilizar os gêneros textuais como objeto de

ensino nas aulas de Língua Portuguesa?

Desde a elaboração os Parâmetros Curriculares Nacionais

(BRASIL, 1998), os gêneros textuais são indicados como objeto

de ensino da aula de língua portuguesa, o que, certamente, trouxe

alterações para os currículos e para os livros didáticos.

Tem sido ressaltado, sobre a prática da leitura, que a escola

precisa formar leitores críticos que sejam capazes de construir

significados para além da superfície linguística do texto,

observando as funções sociais da leitura e da escrita em diferentes

contextos. Essa capacidade, se bem desenvolvida, levaria os

alunos a participarem plenamente das práticas sociais. A noção de

prática social se constitui como um dos primeiros argumentos

favoráveis a se trazer os gêneros textuais para a prática de leitura e

escrita na sala de aula.

Entende-se por práticas sociais as formas de organização

das atividades de uma sociedade e das ações realizadas por grupos

ou por indivíduos. É claro que essas práticas variam de cultura

para cultura e de acordo com o tempo. Através dessas práticas

sociais são definidos papéis e lugares sociais para os participantes

46

dessas ações. Por exemplo, a prática social “ir ao trabalho” exige

uma série de comportamentos por parte de patrões e empregados

(os papéis sociais) como estabelecer ordens e cumpri-las. Exige

também que sejam elaborados certos gêneros textuais como

relatórios, memorandos, discussão oral, etc. Como se pode ver,

através desse pequeno exemplo, as práticas sociais mobilizam

diversas atividades de linguagem, que envolvem diferentes

gêneros textuais e implicam diferentes capacidades de

compreensão e de produção de textos.

Essa perspectiva implica reconhecer também a razão pela

qual não se pode mais trabalhar em sala de aula somente com a

noção de tipologias textuais, narração, descrição, argumentação,

injunção, etc. Não se fala ou se escreve através de textos

narrativos ou descritivos, por exemplo: a comunicação é feita

através dos gêneros. Portanto, só o ensino das tipologias não dá

conta de desenvolver as capacidades necessárias para se ler textos

com variados sistemas de linguagem, como uma propaganda, por

exemplo, que, geralmente, usa linguagem verbal, não verbal,

audiovisual.

Dolz & Schneuwly (2004) também apontam para a

importância dos gêneros textuais no ensino de língua materna,

argumentando que o desenvolvimento da autonomia do aluno na

escrita e na leitura decorre do domínio do funcionamento da

linguagem em situações reais de comunicação, exemplificadas

47

pelos gêneros textuais, visto que é por meio deles que se realizam

as práticas sociais. Esses autores chamam atenção para a

possibilidade de concretização de uma perspectiva enunciativa

para o ensino de língua, já que os gêneros textuais apresentam

uma forma de se considerar o conhecimento situado, a linguagem

efetivamente em uso e colaboram para práticas didáticas plurais.

Completando a lista de argumentos, cabe ressaltar que o

trabalho com os gêneros textuais torna possível ainda integrar a

prática de leitura, escrita e da análise linguística. Esses itens

indispensáveis ao ensino de língua são, comumente, estanques,

ensinados em contextos diferentes. Cria-se a falsa impressão no

aluno de que são disciplinas separadas, isoladas, como se não

estivessem intimamente relacionadas entre si. O ensino dessa

forma, descontextualizado, torna difícil uma reflexão dos alunos

sobre a língua, seus recursos e suas implicações no sentido.

Conforme os PCN apresentam, o ensino de língua deve partir do

uso, propiciar a reflexão sobre os usos linguísticos e, por fim,

retornar ao uso, de forma que o discente possa perceber a

importância e finalidade de seu objeto de estudo.

Não se pode, portanto, cair em um extremo de retirar o

conteúdo gramatical do ensino de língua portuguesa. O que se

propõe, com a abordagem dos gêneros textuais é a exploração de

recursos linguísticos tendo em vista a sua função dentro do texto,

a sua ligação com os sentidos a serem construídos a fim de se

48

melhorar a competência na leitura e, consequentemente, estimular

o uso mais consciente de recursos linguísticos na produção dos

alunos. Assim, haveria, de fato, uma integração entre leitura,

análise linguística e produção textual.

Logo, para um trabalho real de formação de leitores na sala

e aula, é imprescindível que um dos objetivos da escola seja a

inserção dos alunos em atividades de linguagem que envolvam as

práticas sociais de sua comunidade, da cultura na qual o aluno está

inserido. Numa sociedade letrada, como a que vivemos, em que a

cultura escrita tem bastante força, é fundamental que professores e

escola tenham em mente a tarefa de apresentar uma variedade de

gêneros aos alunos para que eles possam desenvolver diferentes

estratégias de leitura e compreensão a fim de construir sentidos

em diferentes textos (verbais, não verbais, multimodais).

3. O conceito de gêneros textuais

O conceito de gênero textual e sua importância para a sala

de aula podem ser compreendidos de acordo com várias correntes

teóricas. Neste artigo, a base teórica a respeito dos gêneros

contemplará a abordagem sócio-interacionista de Bakhtin e o

interacionismo sócio-discursivo de Dolz & Schneuwly.

49

3.1. O gênero segundo Bakthin

Um primeiro conceito importante para a compreensão do

gênero para Bakhtin é a noção de língua. Para Bakhtin, a língua

está além do código, a comunicação decorre da relação entre os

interlocutores. De modo oposto à relação significante/ significado,

destaca-se a mutabilidade do signo, sua pluriacentuação. A

relação de significação ocorre no encontro entre as trajetórias dos

interlocutores, sujeitos sociais e psicológicos. A língua, portanto,

nessa concepção, é um lugar de interação.

Dessa visão deriva o conceito de dialogismo, propriedade

básica e inerente da linguagem que implica a presença de

parceiros. Dessa forma, todo enunciado pressupõe um interlocutor

ativo, não alguém que receba passivamente o enunciado. Nessa

perspectiva, ganha relevo a noção de enunciado como a unidade

real da comunicação verbal, realizada pelos interlocutores numa

estrutura dialógica que inclui as condições sociais e o contexto

cultural nos quais os enunciados são produzidos. Seguindo a

perspectiva dialógica da linguagem, nenhum discurso é novo, todo

discurso reflete valores e crenças de outros discursos. Isso quer

dizer que para constituir um discurso um enunciador

necessariamente leva em conta o discurso do outro, elabora o seu

discurso a partir de outros discursos, há uma dialogização interna

no discurso.

50

Na concepção de Bakhtin, três elementos constituem os

gêneros: conteúdo temático, estilo verbal e a construção

composicional. O tema refere-se ao objeto do discurso, o estilo

verbal, à seleção dos recursos linguísticos e gramaticais da língua

e a construção composicional refere-se à organização,

estruturação da totalidade discursiva. A partir do entendimento

desses três elementos constitutivos, Bakhtin propõe a definição de

gênero como tipos relativamente estáveis de enunciado,

vinculados às esferas de atividade social.

Nesse quadro, Bakhtin (1992, p. 301) afirma que

O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo

na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha

é determinada em função da especificidade de uma

dada esfera da comunicação verbal, das

necessidades de uma temática, do conjunto

constitutivo dos parceiros etc. Depois disso, o

intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie

a sua individualidade e a sua subjetividade, adapta-

se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e

desenvolve-se na forma de um gênero

determinado”

Percebe-se que, para Bakhtin, os gêneros são formas

estáveis na língua, à disposição dos falantes para que estes se

comuniquem em modelos já existentes que, como diz o autor, sem

renunciar a sua individualidade, adaptam-se ao gênero escolhido a

fim de que ele seja reconhecido na comunidade onde circula. São

formas reconhecidas e reconhecíveis que, como já foi visto,

51

organizam, por meio de linguagem, as práticas sociais de uma

sociedade. Daí decorre a noção das esferas de comunicação. Cada

esfera da atividade humana produz seus tipos específicos de

enunciados, o que faz com que cada gênero textual traga marcas

da esfera na qual está inserido. Essa é uma ideia muito

interessante da teoria de Bakhtin, pois, se fosse necessário criar

uma nova forma de enunciado a cada nova situação de

comunicação, esta seria caótica. Cada esfera de uso da língua

estipula suas formas de enunciados, seus gêneros, desde uma

situação familiar, por exemplo, até as esferas mais complexas do

mundo dos serviços, por isso a definição de gêneros como sendo

tipos de enunciado relativamente estáveis.

Convém ressaltar que, mesmo apresentando um alto grau

de estabilização, os gêneros não são estruturas rígidas, imutáveis,

tendo em vista a própria natureza móvel das relações humanas.

Em maior ou menor escala, os gêneros se modificam,

transformam-se em virtude da necessidade comunicativa e de seu

propósito intencional.

É de grande importância a reflexão bakhtiniana no que

tange ao domínio da língua, pois Bakhtin diz que, ao aprendermos

a falar, aprendemos a estruturar enunciados e não frases soltas,

moldamos o enunciado em estruturas que nos pré-existem, como

foi visto mais acima, os gêneros textuais. Tal concepção é de

suma importância para o ensino, pois, para fazer parte de uma

52

comunidade de falantes não é suficiente só saber as prescrições da

língua, mas conhecer os gêneros, que são tão indispensáveis

quanto as formas da língua para uma comunicação eficiente.

3.2 O gênero segundo a escola de Genebra

Na perspectiva do interacionismo social, toda atividade é

vista como tripolar. Ela é composta pelo sujeito, pelo objeto a ser

conhecido e pelos instrumentos que servem como mediadores

dessa relação. Os instrumentos situam-se entre o indivíduo e o

objeto ou situação na qual ele pretende agir. A intervenção do

instrumento, que é socialmente elaborado, possibilita transformar

os comportamentos dos indivíduos, enriquecer as atividades,

tornando possível realizar as atividades, agir sobre as situações

que se colocam perante o indivíduo.

Dolz e Schneuwly (2004) entendem os gêneros segundo

Bakhtin, adotando a definição já citada anteriormente, e inserem o

seu estudo dentro da perspectiva do ensino de língua. Dessa

forma, os gêneros funcionam como instrumentos semióticos

complexos que auxiliam na apropriação e desenvolvimento de

capacidades individuais, pois são instrumentos capazes de auxiliar

a relação dos aprendizes com as práticas de linguagem. Segundo

os autores, “as práticas de linguagem implicam tanto dimensões

sociais como cognitivas e linguísticas do funcionamento da

53

linguagem na situação de comunicação particular” (pág. 62). Isso

significa dizer que a linguagem tem uma função de mediação

entre o indivíduo e as práticas sociais, a interpretação dessas

práticas, então, depende da identidade social dos atores, de suas

intenções e de todo o contexto que as cercam. Os autores partem

da hipótese de que “é através dos gêneros que as práticas de

linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes” (pág.

63).

Como já foi visto, os gêneros prefiguram as ações de

linguagem possíveis, portanto seu conhecimento, mesmo que

parcial, é necessário para a produção /recepção de um texto. Por

exemplo, para escrever uma receita é necessário conhecer uma

receita. Dolz & Schneuwly utilizam a metáfora do gênero como

“mega instrumento”, pois através dele é possível agir, de modo

satisfatório, em situações de comunicação. Assim, seria possível,

de acordo com tais autores, privilegiar o “funcionamento

comunicativo” dos alunos ao fornecer-lhes instrumentos eficazes

para que eles obtenham o domínio da língua em situações

variadas.

Para o ensino de gramática, há, em livros e gramáticas

escolares, descrição dos conteúdos que devem ser ensinados a

cada ano escolar. No entanto, para o ensino de leitura, produção

textual e expressão oral não há uma sistematização adequada para

facilitar o aprendizado dessas habilidades. Costuma-se dizer, por

54

exemplo, que “se aprende a escrever, escrevendo”. Tais autores,

percebendo essa lacuna, sugerem algumas ações para que se tenha

um ensino mais satisfatório, utilizando os gêneros textuais.

Um aspecto importante que os autores suíços destacam diz

respeito às “dimensões essenciais dos gêneros”, isto é, princípios

básicos que não podem ser desprezados para um trabalho eficiente

com os gêneros. Para utilizá-los como suporte em atividades de

linguagem, os autores de Genebra apontam três dimensões

essenciais: 1) os conteúdos apreensíveis por meio deles; 2) os

elementos recorrentes nas estruturas comunicativas de textos

reconhecidos como pertencentes ao gênero em questão; 3) as

configurações discursivas e linguísticas dos gêneros, como

posição do enunciador, as sequências textuais utilizadas,

intencionalidade discursiva, entre outros. Tais aspectos fazem

surgir uma regularidade no uso dos gêneros. São as dimensões

compartilhadas pelos textos pertencentes a um gênero que

garantem a sua estabilidade, conforme o postulado por Bakhtin, e,

de certa forma, essas regularidades auxiliam no trabalho com

gêneros em atividades de linguagem. Desse modo, é possível,

dentro da heterogeneidade das práticas de linguagem e dos

gêneros existentes, intermediar o aprendizado da leitura e da

escrita.

Para finalizar, um último ponto importante no trabalho

didático com os gêneros é o que os autores chamam de

55

“didatização dos gêneros”. A escola sempre trabalhou com

gêneros, com formas de linguagem específicas. Entretanto, a

situação escolar acaba por tornar o gênero um objeto de ensino-

aprendizagem, retirando a sua função como instrumento de

comunicação, os gêneros são adaptados com fins de

aprendizagem. Um exemplo claro disso no cotidiano escolar é a

chamada redação, que engloba diversos textos utilizados na

escola. Desse modo, perde-se a finalidade comunicativa do texto,

o aluno deixa de perceber para que está redigindo determinado

texto. A redação passou a ser um texto para avaliação do

professor, sem qualquer outra utilização. Portanto, é importante

que, de alguma forma, se tente recuperar ou construir o contexto

onde o gênero circula, atribuindo a ele uma função comunicativa

dentro desse contexto.

Os autores suíços postulam três formas de abordar o

gênero. Embora seja uma discussão muito interessante e um

importante ponto de reflexão acerca do trabalho com os gêneros

em sala de aula, será feita uma apresentação resumida dessas

ideias, uma vez a intenção do presente trabalho é apenas verificar

como os gêneros são abordados nos livros didáticos, tendo em

vista tais considerações. Não será proposta nenhuma atividade ou

abordagem dos gêneros dentro dessas perspectivas.

A primeira abordagem citada pelos autores é a de total

desvinculação das práticas de linguagem, sem relação com as

56

práticas da sociedade e com a sua esfera de circulação. O gênero,

dessa forma, fica estático e independente das práticas sociais. Já a

segunda abordagem entende os gêneros dentro dos limites da

escola, o espaço escolar é visto como um autêntico lugar de

comunicação. Os alunos encontram situações nas quais a escrita é

mesmo necessária, ela atende a necessidades comunicativas

dentro da escola e essas ocasiões podem ser multiplicadas entre

alunos, entre turmas da mesma escola e até entre escolas. Por fim,

a terceira forma de abordagem dos gêneros é a do gênero

escolarizado. Nessa perspectiva, os gêneros entrariam no espaço

escolar sem sofrer alterações, exatamente como eles funcionam

nas práticas de linguagem.

Convém destacar que, como os autores chamam atenção,

essas formas de abordagem não aparecem isoladas. Geralmente,

elas aparecem misturadas, com alguma tendência predominante.

Porém, neste trabalho, vai-se defender uma característica

importante para o tratamento dos gêneros nos livros didáticos que

é a tentativa de dar uma finalidade ao gênero estudado e

produzido pelos alunos, mostrar aos discentes a sua finalidade

discursiva. Assim como os autores suíços, acredita-se que essa

seja uma característica indispensável ao ensino através dos

gêneros.

57

4. Análise da abordagem dos gêneros textuais nos

livros didáticos

Com tantos argumentos a favor da inserção dos gêneros

textuais nas práticas didáticas, entende-se o grande volume de

trabalhos nessa área e a preocupação dos autores de livros

didáticos em incorporar os resultados das pesquisas e discussões

sobre os gêneros nos livros. No entanto, a abordagem dos gêneros

textuais nos manuais didáticos ainda apresenta muitos pontos a

serem melhorados. Pode-se dizer que já há um trabalho sensível

aos gêneros, mas ainda falta um trabalho efetivo a partir dos

gêneros. Serão analisados, nos livros didáticos, a abordagem

metodológica dos gêneros, a forma como são inseridos dentro

desses livros e a sua relação com as atividades de análise

linguística, se há, de fato, uma integração entre as atividades de

linguagem, ou se estas permanecem isoladas.

Antes de iniciar a análise das coleções, as concepções de

gêneros adotadas pelas autoras serão brevemente resumidas.

De acordo com as informações contidas no Manual do

Professor das duas coleções, percebe-se que ambas utilizam a

definição de gênero textual postulada por Bakhtin. A coleção

Tudo é linguagem esclarece a concepção de gênero e sua relação

com a escola. As duas coleções apresentam também a perspectiva

de Dolz & Schneuwly para o ensino de gêneros, a sua descrição

58

das tipologias e o projeto das sequências didáticas. O Manual do

Professor é bastante esclarecedor e traz um breve resumo das

perspectivas teóricas adotadas pelas autoras.

Na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa, os

gêneros também são descritos, como em Bakhtin, como

enunciados relativamente estáveis, constituídos por uma estrutura

composicional, uma temática e um estilo. As autoras entendem

texto e discurso como unidades diferentes e propõem sempre uma

análise do plano da expressão, juntamente com o plano do

conteúdo. Percebe-se que as autoras utilizam a teoria semiótica

para guiar as atividades com os gêneros textuais. Porém, o Manual

do Professor dessa coleção é muito sintético e não permite fazer

maiores considerações, o que é um problema, pois, para muitos

professores, muitas informações contidas nos livros didáticos só

são melhores compreendidas com o auxílio do Manual do

Professor.

Pode-se dizer que ambas as coleções entendem os gêneros

textuais como ferramentas fundamentais no ensino de língua.

4.1 A abordagem metodológica dos gêneros

Muitos autores, como Dolz & Schneuwly (2004),

Marcuschi (2008) mostram que a escola já trabalha com uma

pluralidade de gêneros, a fim de estimular a formação de leitores e

59

produtores de textos. No entanto, essa variedade de gêneros

encontrada nos livros didáticos nem sempre corresponde a uma

abordagem que prioriza uma reflexão sobre os papéis dos

interlocutores, os objetivos do texto e de seu autor. Na maioria das

vezes, encontram-se apenas atividades de leitura da materialidade

linguística do texto sem observar seus aspectos discursivos e as

estratégias para ler ou produzir determinado gênero.

Relacionando o conceito de gênero segundo Bakhtin às

dimensões essenciais para o ensino dos gêneros citados por Dolz

& Schneuwly, o primeiro ponto a ser observado nos livros

didáticos é a abordagem metodológica dos gêneros. Isto é,

pretende-se observar como os gêneros foram trabalhados nos

livros, se os aspectos essenciais dos gêneros apontados pelos

autores suíços foram incorporados no trabalho realizado nas duas

coleções.

Na coleção Tudo é Linguagem, escrito pelas autoras Ana

Trinconi Borgato, Terezinha Bertin e Vera Marchesi, os gêneros

textuais aparecem atrelados, principalmente, à leitura e também à

prática de produção de texto. O domínio discursivo priorizado é o

domínio literário, uma escolha justificada pelas autoras por

avaliarem que, como o público alvo é composto por adolescentes

ou pré-adolescentes, os textos literários seriam mais interessantes

para essa faixa etária. Além disso, as autoras acreditam que esses

60

textos favorecem a inferência, compreensão e interpretação,

conforme pode ser visto no Manual do Professor.

Os gêneros textuais são bem trabalhados no que se refere à

interpretação do texto. Há exercícios de verificação de conteúdos

implícitos e explícitos no texto, atividades de pré-leitura e

informações sobre a esfera de circulação dos gêneros e sua

estrutura. Essas atividades são recorrentes em todos os gêneros

escolhidos para iniciar os capítulos dos livros dessa coleção.

Entretanto, faltam exercícios que priorizem os aspectos

discursivos dos gêneros, como o papel do produtor do gênero, a

sua finalidade comunicativa, a posição dos interlocutores dentro

da situação comunicativa, entre outros exemplos de conteúdos

essenciais para um real trabalho com os gêneros. Tais atividades,

como verificar o papel do autor de um gênero como “carta de

leitor”, por exemplo, podem ajudar os alunos a perceber o lugar

social de onde falam os parceiros da interação, pois o texto

também apresenta marcas das posições sociais ocupadas por

aqueles que escrevem e recebem o texto. Além disso, o papel

social dos interlocutores influencia nas escolhas temáticas,

linguísticas e argumentativas dos gêneros, e pode funcionar como

uma forma de trabalhar questões estruturais.

Tal abordagem dos gêneros, no entanto, é priorizada em

atividades de produção textual, como se vê no volume 9 da

coleção Tudo é linguagem, na parte referente à produção de texto

61

e, se fosse aproveitada também em atividades de leitura, poderia

servir como uma forma de integrar atividades importantes tanto

para leitura quanto para produção de textos.

Outro aspecto que não foi bem abordado pelas autoras foi

a relação dos gêneros com suas esferas de comunicação. Por

exemplo, ao trabalhar uma propaganda de bebida alcóolica, sabe-

se que, na esfera da publicidade, seu objetivo maior é o apelo ao

consumidor, a tentativa de vender a bebida. No entanto, na esfera

de circulação da saúde, uma propaganda do Ministério da Saúde

sobre o consumo de bebida alcoólica teria outro objetivo. Mais

uma vez, esses exercícios são mais explorados nas atividades de

produção textual, o que não se está condenando, pois as esferas de

comunicação são um dos componentes que o professor precisa

considerar, uma vez que fazem parte do contexto de produção e

circulação do texto a ser produzido. Porém, essas atividades

deveriam ser inseridas em atividades de leitura, a fim de que os

alunos possam perceber a importância da finalidade comunicativa

dos gêneros.

Esses tipos de exercícios, isoladamente podem não parecer

importantes. Entretanto, quando se pensa em projetos de leitura,

vários são os exercícios para a apropriação de um gênero, dentre

eles, os referentes ao contexto de produção e sua finalidade

contribuem para entender a relação dos gêneros com a sociedade e

o papel que possuem em uma determinada esfera de comunicação.

62

Na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa, de

Lucia Discini e Norma Teixeira, os gêneros textuais também estão

atrelados, majoritariamente, a atividades de leitura, priorizando os

domínios literário e jornalístico.

Nessa coleção, percebe-se uma maior integração entre os

aspectos formais e discursivos dos gêneros, pois há mais

exercícios com vistas ao trabalho com a estrutura do gênero: tema,

composição e estilo. Isso é destacado para os alunos de duas

formas: ora com as autoras apresentando esses tópicos ao falar de

determinado gênero, ora com as autoras elaborando questões

sobre tais tópicos. A partir dessas atividades, podem-se destacar

aspectos didáticos dos gêneros, certos aspectos estruturais, sem

que seja necessário que os alunos adentrem em teoria sobre os

gêneros textuais, já que a própria intuição dos alunos, como

falantes da língua, os auxilia nesse aspecto. É interessante

ressaltar também que há uma maior relação entre os gêneros e as

tipologias, verificada em grande parte dos exercícios da coleção.

No que ser refere às “dimensões sociais dos gêneros”, há

um trabalho mais consistente. As autoras apontam para esses

aspectos, como o papel social dos interlocutores, posição do

enunciador em atividades de leitura dos gêneros, conforme pode

ser visto nos exercícios do volume 2, página 227, em que é pedido

para identificar o perfil do leitor com base em marcas linguísticas

que o texto oferece.

63

A menção a esses aspectos essenciais dos gêneros, por

vezes, é feita através de resumos teóricos. Isso não é um

problema, mas, conforme dito acima, é importante que esses

conceitos sejam trabalhados também na leitura do gênero, como

forma de desenvolver as habilidades leitoras dos alunos. Como

exemplo, pode-se citar a questão das esferas de comunicação, que,

no volume 4 (9ºano), foram descritas em um quadro teórico

mostrando as variações dos gêneros biografia dentro das esferas

literária e jornalística. O quadro em questão é bastante

interessante, pois apresenta ainda o público alvo dentro de cada

esfera. Porém, seria também importante que isso fosse visto na

prática, na comparação entre gêneros dessas esferas, já que o

essencial no trabalho com os gêneros não está em apreender

nomenclaturas ou teorias, mas desenvolver a competência

comunicativa dos alunos através dos gêneros. Essa discussão é

relevante para que não se troque o ensino de teoria gramatical pelo

ensino de teoria sobre gênero textual, como já apontou Coscarelli

(2007).

Para finalizar esse tópico de análise, destaca-se que ambas

as coleções apresentaram uma variedade de gêneros, tendo em

vista tanto aqueles que são mais próximos dos alunos quanto

aqueles mais distantes da vida dos alunos e que, portanto, fica a

cargo da escola inseri-los no domínio cultural dos alunos. Vale

ainda ressaltar, por fim, a forma de tratamento dada aos gêneros

64

dentro dos livros. Na coleção Tudo é linguagem, as autoras

optaram por nomear apenas os gêneros que apresentavam a

unidade. Outros gêneros que apareciam dentro da unidade com

outros fins eram chamados de textos. Enfatiza-se esse ponto por

achar importante nomear os gêneros a fim de que os alunos

percebam que toda forma de comunicação está estruturada nessas

formas de enunciados, os quais a comunidade linguística atribui

nomes o tempo todo. Conforme assinala Marcuschi (2008), não é

necessário estabelecer listas de gêneros, mas é importante chamá-

los pelos nomes como são conhecidos em suas esferas de

circulação.

4.2. Gênero para aprender ou gênero para comunicar?

Neste tópico de análise, serão observados como os gêneros

textuais foram inseridos nos livros didáticos, tendo em vista as

formas apresentadas por Dolz & Schneuwly (2004) como formas

de trabalhar com os gêneros.

Tal discussão interessa à medida que auxilie o professor a

perceber esses aspectos ao trabalhar com os livros didáticos, cujos

autores têm interesses e objetivos próprios na escolha dos gêneros

e visam a certos objetivos de ensino. Isso não atinge a estrutura

dos gêneros, mas pode alterar a sua função, pois, por exemplo,

uma receita culinária dentro de um livro de receitas possui um fim

65

específico, mas, uma vez que está dentro de um livro didático, ela

perde essa função inicial e passa a adquirir uma função didática.

Não se pretende entrar aqui na discussão levantada por Marcuschi

(2003) sobre o livro didático ser ou não um exemplo de suporte

que, resumidamente, caracteriza-se por ser o local físico, material,

onde se fixa um gênero. O intuito é apenas verificar a forma como

os gêneros são colocados dentro do livro didático, se são

totalmente desvinculados de seus propósitos comunicativos e se

os autores procuram manter suas características originais ou se

atribuem outros propósitos para os gêneros.

Acredita-se, com base em Dolz & Schneuwly (2004) e

Koch (2006), que é fundamental atribuir uma função, uma

finalidade ao gênero estudado, tentar colocar os alunos, o mais

próximo possível, de situações reais de comunicação. Uma vez

que essas atividades sejam significativas para os alunos, mais

facilmente eles poderão dominá-las e aplicá-las, principalmente,

no que se refere a atividades de produção textual. Ademais, é

sempre positivo e enriquecedor quando os alunos percebem a

finalidade do conteúdo que estão estudando.

Na coleção Tudo é linguagem, aparecem as três formas de

abordagem dos gêneros. A forma de inserção do gênero no livro

didático tem relação com o objetivo a ser alcançado com o estudo

dos gêneros trabalhados em cada unidade e com uma proposta de

intervenção didática que vise a uma apropriação do gênero. As

66

autoras chamam atenção para isso no Manual do Professor, na

página 8, ao citar um trecho da obra de Dolz & Schneuwly (2004),

enfatizando que tentaram seguir a proposta de construir um

modelo didático dos gêneros, de modo que foi possível perceber

que houve um esforço nesse sentido.

Nas atividades de interpretação textual, procura-se manter

as características originais do gênero, apresentar seus objetivos e

onde o texto circula. Antes de iniciar o trabalho com o gênero

escolhido para ser o principal da unidade, faz-se uma apresentação

do texto, ressaltando suas características principais. Esse cuidado

é observado em todos os volumes da coleção. Já nas atividades de

análise linguística, que serão analisadas mais detidamente, por

vezes, o gênero é trabalhado, sem qualquer relação com sua

função comunicativa, seu propósito e objetivo. Já nas atividades

de produção textual, procura-se ressaltar as características e o

contexto de produção dos gêneros. As propostas de produção

foram sempre bem orientadas tendo em vista o contexto de

produção, finalidade e possível receptor do texto.

Na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa,

também são identificadas as três formas de abordagem dos

gêneros, conforme apontaram Dolz & Schneuwly. De acordo com

o que já foi discutido. Em relação às atividades de interpretação e

compreensão do texto, assim como na outra coleção, há um

esforço em manter as características originais do gênero e sua

67

principal função comunicativa. Nas atividades de análise

linguística que partem da análise de algum gênero textual, o

tratamento é variado, há alguns casos em que o gênero é abordado

sem qualquer relação com o seu contexto original de produção, ele

é tomado apenas como fonte para exploração de comentários e

exercícios gramaticais. Já, nas atividades de produção de texto, há

mais atividades que priorizam situações nas quais a escrita é

necessária, dando funcionalidade ao gênero produzido.

Por fim, é relevante dizer que o gênero, ao funcionar em

um lugar social diferente daquele que está em sua origem, sofre

alterações e passa a ser um gênero a aprender, mesmo que, na sua

essência, continue gênero a comunicar. Portanto, de forma

alguma, está se fazendo avaliação negativa dos livros, já que esse

processo é algo natural. No entanto, essa discussão se faz

fundamental, pois os gêneros são produtos da atividade humana e,

como tal, estão articulados às necessidades, aos interesses e às

condições de funcionamento da comunidade onde circulam. Por

essa razão, o trabalho didático com gêneros deve tentar ao

máximo reconstruir os parâmetros do contexto de produção dos

gêneros ou dar a eles um novo contexto de produção para que

sejam realmente eficazes no ensino de leitura e produção de texto.

Desta sorte, é necessário que o professor esteja atento a essas

nuances no tratamento dos gêneros nos livros didáticos a fim de

que ela possa mediar e aprimorar essa relação.

68

4.3 Gêneros textuais e análise linguística

O último aspecto a ser discutido é a relação entre o

trabalho com o gênero textual e a análise linguística. Sabe-se que

os PCN de Língua Portuguesa, fundamentalmente, apresentam

objetivos que visam à formação do aluno como participante ativo

na construção de seu conhecimento, não só reproduzindo uma

nomenclatura gramatical, mas pensando na e sobre a sua língua.

Os Parâmetros defendem a ideia de o ensino baseado em textos

orais e escritos como unidade de ensino, mas, convém deixar

claro, que não se trata de usar o texto como pretexto para destacar

advérbios, adjetivos, por exemplo. A sugestão dos PCN parte do

tripé USO REFLEXÃO USO, ou seja, parte-se da

leitura para reflexão e, por fim, volta-se ao uso. Assim, o aluno

pode construir o seu próprio conhecimento ao observar como os

recursos linguísticos ocorrem nos mais diversos gêneros textuais

lidos e produzidos por ele.

Na coleção Tudo é Linguagem, embora seja perceptível o

esforço das autoras em atender à perspectiva acima citada,

conforme pode ser visto nos ótimos exercícios com verbos, no

volume 2 (7º ano), há gêneros usados exclusivamente para a

extração de exercícios gramaticais, como acontece com o gênero

tirinha. Na maioria das vezes, as tirinhas aparecem apenas para

que delas sejam retirados exercícios sobre o tópico gramatical

69

abordado na unidade. Nessa coleção, então, os conhecimentos

linguísticos são explorados de forma transmissiva. Há uma lista

considerável de textos metalinguísticos que apresentam extensas

explicações, sem economia de conceitos.

Já na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa, há

uma tentativa maior de adequação da análise linguística ao gênero

textual. São percebidas mais atividades em que há uma integração

entre o gênero escolhido e o conteúdo gramatical a ser trabalhado

no capítulo. É evidente que conteúdos como acentuação e

ortografia, por exemplo, dificultam essa interação, porém, tal

forma de trabalho deve ser sempre buscada. Outro ponto positivo

é a maior variedade de exercícios em que são verificados os

recursos linguísticos característicos do gênero em questão e os

sentidos veiculados pelo uso de determinadas marcas linguísticas.

Ainda que isso não seja realizado com todos os tópicos

gramaticais e nem com todos os gêneros, é perceptível uma

eficácia maior nesse sentido. Isso pode ser percebido, por

exemplo, em um exercício, do volume 2 (7º ano) da página 162,

em que são trabalhados efeitos de sentido decorrentes do uso de

adjuntos adnominais em uma capa de revista.

Para finalizar, é importante ressaltar a qualidade dos livros

analisados e a dificuldade imposta por uma metodologia de

trabalho com gêneros textuais. Cumpre destacar ainda que não se

está desprezando as atividades gramaticais, elas são importantes,

70

pois permitem um aprimoramento do discente em alguns aspectos

linguísticos, o que se está discutindo é o ensino isolado de normas

e nomenclaturas gramaticais. Ademais, é importante para o

trabalho em sala de aula que sejam destacados aspectos de

interpretação e compreensão, relacionando questões gramaticais a

questões de leitura. É relevante que o professor também tenha

esses princípios em mente ao selecionar os textos que leva para

sala de aula e para melhor aproveitar a coletânea de textos

oferecida pelos livros didáticos.

5. Considerações finais

A inserção dos gêneros textuais na sala de aula de língua

portuguesa já é um ponto bastante discutido e entendido como

fundamental para uma melhoria nas habilidades comunicativas

dos alunos. A partir do momento em que foram indicados pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais, os livros didáticos se viram

obrigados a ajustar os seus objetivos às sugestões do documento

oficial.

No entanto, como foi discutido, embora essa necessidade

já seja aceita por pesquisadores e até mesmo pelos professores, há

muito ainda para melhorar e trabalhar para que os objetivos sejam,

de fato, alcançados. Devido a diversos motivos, muitos docentes

ainda não têm autonomia suficiente para trabalhar com os gêneros

71

textuais, como sugerem os PCN, e se apoiam, única e

exclusivamente, nos materiais didáticos.

Tendo em vista essa necessidade, chamou-se atenção,

nesse artigo, ao que seria indispensável para um tratamento

didático dos gêneros com vistas a um eficiente ensino de leitura e

produção de texto. Com base em Dolz & Schneuwly (2004),

postulou-se o que seriam as “dimensões essenciais dos gêneros”,

ou seja, as características que devem ser abordadas no ensino do

gênero, como seu aspecto composicional, discursivo e seu

conteúdo temático.

Soma-se a esse aspecto o problema decorrente da retirada

de um gênero da sua esfera original de comunicação para o

contexto escolar. Nesse sentido, é preciso ter em mente que os

gêneros fazem parte de uma situação de interação, eles

pressupõem um interlocutor e têm uma finalidade. Esses aspectos

devem ser preservados ou reinventados para que o texto lido ou

produzido pelos alunos não seja algo abstrato, algo que “o

professor pediu” para fazer. Ainda tendo em vista as recentes

pesquisas e o que está descrito nos PCN, está a necessidade de se

aliar análise linguística ao trabalho com gênero textual. Como foi

visto, é importante que se associem cada vez mais as práticas de

linguagem, proporcionando ao aluno uma visão integrada da

língua portuguesa. O percurso metodológico deve caminhar do

gênero, do seu conhecimento e do seu contexto de produção, para

72

a posterior seleção do ponto gramatical que seja significativo para

seu processo de recepção. No ensino tradicional, ocorre o

contrário, primeiro é definido o conteúdo gramatical e só depois é

selecionado um gênero para trabalhá-lo, ignorando, dessa forma,

aspectos estilísticos do gênero e suas condições de produção.

Cumpre destacar, por fim, que os livros didáticos

analisados são de altíssima qualidade e cumprem bem os tópicos

acima descritos. Os livros atendem, em grande parte, o que foi

considerado aqui como os tópicos fundamentais na transposição

didática dos gêneros, contribuindo para um melhor desempenho

dos alunos nas atividades de leitura e escrita e fornecendo-lhes

ferramentas para que possam ser autônomos na construção de

conhecimento, tornando, assim, o ensino de Língua Portuguesa

mais eficaz.

Referências

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Martins Fontes, 1992.

COSCARELLI, Carla Viana. Gêneros textuais na escola. Veredas

on line / ensino, Juiz de Fora, p. 78-86, fev/2007.

http://www.revistaveredas.ufjf.br/volumes/21/artigo05.pdf

<acesso em 10/07/2010>

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na

escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

KOCH, I.G.V. & ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os

sentidos do texto. São Paulo: Contexto. 2006

HILA, C.V.D. Ressignificando a aula de leitura a partir de

gêneros textuais. In: NASCIMENTO, Elvira Lopes (org.).

73

Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino.

São Carlos: Claraluz, p. 151-194, 2009.

MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e

compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

MEC/ SEF: SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.

Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do

ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: 1998.

MEURER, J.L.; BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D.(org.).

Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.

SANTOS, Leonor W. dos. O ensino de língua portuguesa e os

PCN. In: PAULIUKONIS & GAVAZZI (org.). Da língua ao

discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, p. 173-

184, 2005.

Manuais didáticos:

BORGATTO, A.T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é

linguagem. V. 7. 2. ed. São Paulo: Ática, 2009.

TEIXEIRA, Lucia & DISCINI, Norma. Passaporte para a língua

portuguesa. V. 2. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.

74

Gêneros textuais nos livros didáticos: problemas do ensino e da formação docente4

Leonor Werneck dos Santos (UFRJ)5

1. Introdução

Este artigo pretende analisar de que maneira os livros

didáticos de português (LDP) de ensino fundamental e médio

publicados a partir de 2004 estão apresentando e aplicando o

conceito de gêneros textuais (GT), apresentado por teorias que

defendem o caráter sociointeracional dos textos, como a

Linguística Textual. Os objetivos desta etapa da pesquisa foram:

analisar o tratamento dado aos GT nos LDP, elencando os

equívocos teóricos referentes a esse conceito e os problemas

referentes à nomenclatura – para isso, foi necessário observar

também de que maneira as tipologias textuais (TT) aparecem nos

LDP; comparar a apresentação teórica do Manual do Professor

(MP) encartado nesses livros com a abordagem no material do

aluno (teoria e atividades propostas); analisar os pressupostos

teóricos que norteiam o trabalho com GT e TT, com base no MP e

4 Artigo publicado nos Anais do V Siget (cf. SANTOS, 2009)

5 [email protected]

75

nos capítulos do livro6; analisar as atividades de leitura e produção

textual propostas nos LDP, explícita ou implicitamente

relacionadas pelos autores a GT e TT.

Os pressupostos que norteiam o embasamento teórico

sobre GT geralmente retomam Bakhtin (1929[1992]) e

encontram-se em obras recentes – de autores postulantes de linhas

teóricas diversas –, dentre as quais podemos citar Karkowsky et

al. (2006), Cavalcante et al. (2007), Koch (2002, 2003), Koch &

Elias (2006), Meurer et al. (2005), Dolz & Schneuwly (2004),

Marcuschi (2002, 2008), Travaglia (2003, 2007a, 2007b), dentre

outros. Neste artigo, faremos uma breve apresentação teórica

sobre GT e TT, relacionando esses conceitos aos que aparecem

nos documentos oficiais voltados para o ensino médio – PCNEM

e PCNEM+ – e também para o ensino fundamental – PCNEF e

PCNEF em ação –, que fundamentam e inspiram as referências

bibliográficas dos manuais didáticos analisados. Como os livros

didáticos privilegiam a terminologia gêneros textuais e tipologias

textuais, justificamos nossa opção por essa nomenclatura como

ponto de partida para a análise dos LDP, embora apresentemos

outros termos que aparecem nos manuais.

6 Além da análise dos LDP, cerca de 200 professores recém-formados e

formandos de Letras de Universidades públicas do Rio de Janeiro foram

entrevistados, para traçar um panorama da formação desses profissionais sobre

o conceito de GT e sua importância no ensino. Os resultados dessa entrevista,

porém, não constam deste artigo.

76

A discussão a respeito da abordagem teórico-metodológica

de Tipologia Textual (TT) e Gênero Textual (GT) será feita nas

onze coleções de LDP de ensino médio aprovados pelo Programa

Nacional do Livro Didático de Ensino Médio (PNLEM-2009)7. É

importante destacar, porém, que não temos a intenção de avaliar a

qualidade desses materiais didáticos nem a pertinência da

avaliação dos programas oficiais do MEC, mas pretendemos

incluir no debate sobre ensino de língua portuguesa o conflito

teoria/prática percebido nos manuais didáticos no que se refere a

TT e GT.

Apesar do destaque que o trabalho com gêneros textuais

variados vem recebendo nas pesquisas acadêmicas e propostas

pedagógicas, nem sempre os livros didáticos de português

parecem aplicar coerentemente esse conceito. Como para muitos

professores os LDP configuram-se, mais que um material de

trabalho com os alunos, um apoio teórico-metodológico para a

atuação em sala de aula, é necessário, portanto, discutir o ensino

de GT, analisando os manuais didáticos e a formação docente para

pensar numa metodologia de abordagem do tema coerente com os

princípios de formação de cidadãos críticos e conscientes, tão

defendida nos documentos oficiais.

7 Originalmente, em 2005, foi feita a avaliação dos LDP de ensino médio

publicados até 2004 e inscritos neste Programa de avaliação; entretanto, as

resenhas das 11 coleções aprovadas só foram divulgadas em 2008, na

publicação intitulada Catálogo do PNLEM 2009.

77

2. O texto nos PCN: aspectos teórico-metodológicos e

consequências no ensino

Uma das discussões mais frequentes atualmente na área de

educação engloba os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e

seu reflexo no ensino. Com relação à língua portuguesa, os PCN

apresentam propostas que valorizam as variedades e pluralidade

de uso linguístico, em diversos gêneros textuais orais e escritos,

em todas as séries do ensino fundamental e médio. Esse é um dos

aspectos através dos quais os PCN pretendem colaborar na

formação de cidadãos críticos e conscientes.

Entretanto, como já alertamos em Santos (2005), apesar de

algumas ideias que aparecem nos PCN não serem novas – pelo

contrário, são objeto de debate há décadas, como é o caso, por

exemplo, dos pressupostos da Linguística Textual e da Análise do

Discurso –, a reação dos profissionais de educação nem sempre é

de concordância com as mudanças engendradas pelos Parâmetros.

Desde a década de 1980, diversos autores se pronunciaram a favor

de um ensino de língua portuguesa pautado na abordagem textual,

para que o professor perceba, como destaca Souza, a importância

de “ensinar a pensar a e na sua língua” (1984, p. 6 [grifos do

autor]). Porém, por deficiências na sua formação e/ou falta de

atualização, o professor se confunde em meio a termos e teorias

78

que não domina – como o conceito de gênero textual, por exemplo

–, ao ler os PCN e os livros didáticos que adota. Então, é este o

crítico quadro com o qual se depara o professor: devido à

exigência do MEC, uma vez que são avaliados conforme os

Parâmetros, esses materiais se baseiam nos PCN, mas nem sempre

a abordagem de língua e texto é coerente; e nem sempre os

próprios Parâmetros são claros quanto a esses temas.

Começando pelos Parâmetros voltados para o ensino

fundamental – que de certa forma são retomados nos documentos

destinados ao nível médio –, a perspectiva atual de ensino de

língua apresenta a leitura e a produção de gêneros textuais

variados como base para a formação do aluno, mostrando que a

língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades

condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Dessa forma, é

reprovado pelos PCNEF (BRASIL, p. 18) o “ensino

descontextualizado de metalinguagem” com base em uma “teoria

gramatical inconsistente”, em que o texto é usado apenas como

pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua. Assim, os

PCN defendem que o texto deva ser a unidade de ensino, com

base numa diversidade de GT.

Essa concepção do texto como unidade de ensino para

desenvolver a competência comunicativa dos alunos também é

defendida por Travaglia (1996, 2003), para quem a língua, mais

que teoria, é um “conjunto de conhecimentos linguísticos que o

79

usuário tem internalizados para uso efetivo em situações concretas

de interação comunicativa” (2003, p. 17) e só assim se pode

conceber o ensino dessa disciplina, na produção e leitura de textos

diversos. Esse mote da perspectiva de ensino de língua mais

produtivo ecoa nos PCNEF (Brasil, p. 23): “Toda educação

comprometida com o exercício da cidadania precisa criar

condições para que o aluno possa desenvolver sua competência

discursiva”. É, portanto, na percepção das situações discursivas,

materializadas nos GT, que o aluno poderá se constituir como

cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua.

Além disso, nos PCNEF (BRASIL, p. 49), enfatiza-se que

No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes

práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades

que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da

expressão oral e escrita em situações de uso público da

linguagem, levando em conta a situação de produção social e

material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s)

destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou

intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do

suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados

para a produção do texto, operando sobre as dimensões

pragmática, semântica e gramatical.

Dessa forma, os PCNEF apresentam as três práticas –

escuta de textos orais / leitura de textos escritos, produção de

textos orais e escritos, análise linguística –, que sustentam o

ensino de língua portuguesa, funcionando como um bloco na

formação dos alunos. Os conteúdos partem, portanto, de textos,

80

valorizando e destacando diferenças e semelhanças, fazendo com

o aluno discuta o que vê ⁄ lê para conseguir se sentir usuário da

língua e participante do processo de aprendizagem. Em resumo,

tem-se o princípio uso→ reflexão→ uso (Brasil, 1998, p. 65), já

defendido por Travaglia (1996), de uma pluralidade de gêneros. E

o objetivo principal desse acesso a uma pluralidade de gêneros é

desenvolver no aluno uma competência metagenérica, que,

segundo Koch & Elias (2006, p. 102), “possibilita a produção e a

compreensão de gêneros textuais, e até mesmo que os

denominemos”.

Entretanto, há diversos problemas que permanecem no

ensino de língua portuguesa, apesar das mudanças propostas pelos

Parâmetros. Dionísio & Bezerra (2002), por exemplo, apresentam

uma série de temas presentes em livros didáticos que carecem de

fundamentação teórica coerente e sistemática. Da pontuação à

leitura e produção de textos, passando pela morfossintaxe, os

artigos organizados pelas autoras mostram quantos problemas

advêm da falta de organização de conteúdos e da metodologia

inadequada. Os PCN sozinhos não conseguem resolver isso, mas

indicam alguns caminhos que deveriam ser seguidos por autores

de livros didáticos e professores. Para seguir os PCN, portanto, a

abordagem textual, por meio de GT variados, tem sido

privilegiada nos livros didáticos, mas nem sempre de maneira

81

coerente, como se pode perceber numa rápida análise desses

materiais.

O que percebemos é que os Parâmetros consideram o

texto, tal qual apregoa Marcuschi (2008, p. 72), como “um evento

comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e

cognitivas”. Porém, Marcuschi critica os PCN, afirmando que,

com relação aos GT, há “sugestão pouco clara do seu tratamento”

e alerta que, como consequência, nos LDP, “são poucos os casos

de tratamento dos gêneros de maneira sistemática” (id., p. 207).

Assim, o professor e o autor de LDP que decidirem se

basear nos Parâmetros para compreender e aplicar as teorias de

GT e TT, encontram alguns problemas: o primeiro, que parece

refletir no tratamento dado ao tema nos LDP, refere-se à oscilação

na nomenclatura; o segundo é a falta de definições consistentes

nesses documentos oficiais; o terceiro é a falta de relação entre

terminologia utilizada e referências bibliográficas citadas (nem

sempre cita-se o teórico em que o documento está se baseando

para determinada definição). Para ilustrarmos esse problema,

vejamos o Quadro 1, que lista os termos usados nos PCN:

82

Documento Nomenclatura

para GT

Nomenclatura

para TT

Presença de

definição

PCNEF

(1998)

Gêneros (cf. p. 21) Sequências (p. 21),

sequências

discursivas:

narrativa, descritiva,

argumentativa,

expositiva e

conversacional (p.

21, 56, 60)

Definição de

gêneros (p. 20-21),

sequências (p. 22)

e suporte (p. 22)

PCNEF em

ação (3º. e

4º. ciclos),

vol. 1

Gêneros textuais

(p. 166)

Sequência descritiva

(p. 150), “tipo de

texto (publicitário)”

na p. 117, “tipo de

veículo”, referindo-

se a suporte (p. 119)

Não há definição

dos termos. Há

comentários gerais

sobre o tema e

listas de gêneros a

serem trabalhados

no 3º. e no 4º.

ciclos.

PCNEM Gêneros

discursivos (p. 8,

21)

Tipos de discurso

(p. 22)

Não há definição

dos termos. Há

comentários gerais

sobre gêneros.

PCNEM + Gêneros (p. 59),

gêneros textuais

(p. 60, 64, 97).

Fala-se também de

“tipos de texto”

para se referir a

gêneros (p. 39, 46)

Tipologia textual (p.

69), mas na p. 62

aparece “sequências

e tipos”, dando a

entender que são

aspectos diferentes

da constituição

textual.

Definição de GT

na p. 60. Há

diversos

comentários

teórico-

metodológicos

sobre GT. Não há

definição de TT.

Quadro 1: Tipologia e gêneros textuais nos PCN

Essa oscilação na nomenclatura e a falta de definições têm

consequências no ensino, pois os autores de livros didáticos, na

hora de citar termos e elaborar definições, nem sempre

demonstram em que textos pretendem se apoiar, talvez por isso,

conforme veremos na seção a seguir, haja incoerências teóricas e

83

falta de sistematização no trabalho com GT e TT. O que parece é

que, nos LDP, se passou do período da inexistência de um

trabalho coerente e produtivo com textos, até a década de 90, para

um período atual, de equívocos teóricos devido à referência a

termos e teorias nem sempre bem assimiladas por professores e

autores de livros didáticos.

No que se refere aos Parâmetros elaborados

especificamente para o ensino médio, percebemos que entre os

dois materiais voltados para esse nível de ensino, PCNEM e

PCNEM+, há diferença de nomenclatura – além disso, o primeiro

documento não define gênero, apenas tece considerações gerais,

enquanto os PCNEM+ definem gênero e detalham como deve ser

a abordagem em sala de aula. Nesses dois documentos, aparecem,

respectivamente, os termos “gênero discursivo” e “gênero

textual”, e para alguns teóricos, classificar uma carta, por

exemplo, de um ou outro modo faz muita diferença. Rojo (in

Meurer et al., 2005, p. 186[grifos da autora]) levanta a discussão:

“Será que quando enunciamos, aparentemente indiferentemente,

as designações gêneros do discurso (ou discursivos) ou gêneros

textuais (ou de texto) estamos significando o mesmo objeto

teórico ou objetos ao menos semelhantes?”. A autora defende o

termo “gênero discursivo”, que, entretanto, não figura na maioria

dos documentos oficiais e manuais didáticos. Mas seu

84

questionamento ilustra o debate que vem sendo feito

academicamente sobre o tema.

Em linhas gerais, para Rojo (id., p. 189), a discrepância

teórica decorre da maneira como gênero e texto são tomados por

linhas como Linguística Textual e Análise do Discurso, mas, no

que se refere aos gêneros, o que é grave para a autora é que

considerar a terminologia gênero textual implica minimizar o

papel discursivo, sócio-histórico dos gêneros, e considerá-los

quase sinônimo de texto, como se percebe a seguir , no

comentário feito (id, p. 188[grifos da autora]) a um excerto de

Marcuschi (2002): “...temos a diluição da fronteira entre gêneros e

textos. As palavras gêneros (...) deveriam ser, no meu entender,

substituídas por textos ou enunciados e seu uso, no enunciado

acima, aponta para a quase sinonímia entre os dois termos adotada

pelo autor”. O próprio Marcuschi, entretanto, em obra publicada

recentemente, defende o caráter sociointeracional dos gêneros e

destaca que essa diferença terminológica parece secundária, por

isso alerta que, no livro (2008, p. 154) em questão, não pretende

discutir

se é mais pertinente a expressão “gênero textual” ou a

expressão “gênero discursivo” ou “gênero do discurso”.

Vamos adotar a aposição de que todas essas expressões

podem ser usadas intercambiavelmente, salvo naqueles

momentos em que se pretende, de modo explícito e claro,

identificar algum fenômeno específico.

85

Não parece haver nos Parâmetros, porém, essa

preocupação terminológica, pois a nomenclatura utilizada oscila

num mesmo documento. Além disso, fatores semânticos também

parecem influenciar: tanto nos PCN quanto nos LDP, a palavra

“tipos” parece ser usada, às vezes, como sinônimo de “exemplos”,

entretanto, como já há “tipos de textos” referindo às tipologias

narração, descrição etc., alguns trechos ficam ambíguos e pode-se

interpretar que tipos e gêneros referem-se ao mesmo conceito (cf.

PCNEM+, p. 39 e 46). O trecho abaixo, retirado de um dos LDP

analisados (Amaral et al. (2005, v. 1, p. 248), ilustra essa questão:

você vai entrar em contato com vários exemplos de textos

com os quais convivemos cotidianamente: bilhetes, cartas,

letras de música, e-mails, reportagens, poemas, relatos,

discursos, charges, quadrinhos, crônicas, editoriais de jornal e

revista etc. Reconhecer alguns desses tipos de textos(...)

[grifos nossos].

Ainda com relação às tipologias textuais, os Parâmetros

também oscilam na nomenclatura, com predomínio de

“sequências” (sem adjetivação “textual” ou “discursiva”

predominante) – mas a maioria dos livros didáticos prefere usar

“tipologia textual”, embora alguns manuais mesclem ambos os

termos, como se verá na seção seguinte. Mais uma vez, há

confusão terminológica, e chama a atenção o fato de somente os

PCN de ensino fundamental definirem o que chamam de

sequências, a despeito de esse tema ser muito comum em LDP de

86

ensino médio devido aos diversos exames pelos quais os alunos

concluintes costumam passar, como vestibulares e Enem. Além

disso, nos PCNEM+, por exemplo, há um trecho que se refere a

“sequências e tipos”, sem mais explicações, o que pode induzir o

professor a acreditar que são conceitos completamente diferentes,

quando, na verdade, não são.

Os comentários de Marcuschi a esse respeito são

esclarecedores: para o autor (2008, p. 154-155 [grifos do autor]), o

tipo textual se caracteriza

muito mais como sequências linguísticas (sequências

retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são

modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de

meia dúzia de categorias conhecidas como: narração,

argumentação, exposição, descrição, injunção. (...) Em

contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas

em situações comunicativas e se expressam em designações

diversas, constituindo em princípio listagens abertas. (...)

Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais

bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.

Embora possamos questionar a relevância de discutir

nomenclatura num momento em que os textos estão recebendo

lugar de destaque nos LDP, o alerta de Rojo e a inconsistência

terminológica dos PCN preocupam. Concordamos com o

comentário de Bonini (2001, p. 7): “o surgimento da noção de

gênero nos termos em que está posta atualmente (...) é

extremamente recente, havendo ainda muito a ser clareado por

meio de pesquisas e discussões”. Muitas pesquisas têm sido feitas,

87

mas nem sempre elas chegam às salas de aula, então o manual

didático passa a ser, para muitos professores, a referência teórica

para o trabalho com os textos. E a instabilidade na nomenclatura

pode confundir os professores e os alunos.

3. Análise de LDP de ensino médio

Conforme já afirmamos, nossa pesquisa analisou a

abordagem dos GT nos LDP, mas precisamos também tratar da

abordagem das TT, uma vez que há muita confusão quanto a esses

conceitos e às vezes apenas um deles aparece nos livros didáticos.

Diversos autores, como Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi

(2002), Dionísio et al. (2002), destacam que é tradição escolar

apresentar uma pluralidade de gêneros, visando à formação de

leitores e produtores de textos, ainda que em LDP mais antigos

predominassem textos do domínio discursivo literário. Entretanto,

mesmo quando há variedade de textos, de domínios discursivos

diversos, nem sempre a abordagem dos gêneros nos LDP se

caracteriza por uma sistematização coerente e uma reflexão sobre

os papéis dos interlocutores, os objetivos do texto e as estratégias

necessárias para lê-lo/produzi-lo.

Segundo Bunzen (2007, p. 9), é importante observar, nos

LDP, como os “gêneros foram selecionados/tratados e quais

domínios discursivos são priorizados neste percurso”. O que se

88

percebe, muitas vezes, conforme alerta o autor, é a ênfase em um

ou outro domínio discursivo, como o jornalístico e o literário, sem

que a análise dos textos e as propostas de “redação” levem em

consideração as características intrínsecas aos GT em questão. Em

sua pesquisa sobre o ensino de produção textual em LDP de

ensino médio, Bonini (1998) já alertava para alguns desses

problemas: no corpus da sua pesquisa, composto de livros da

década de 90 – portanto, anteriores ao PNLEM –, geralmente há

referência à tipologia que precisa ser elaborada pelo aluno

(narração, por exemplo), mas não ao GT. Com isso, a produção

dos textos fica artificial, uma vez que, sem considerar o GT,

também fica difícil saber o que será o texto, para quem ele se

destina etc.

Esses problemas permanecem, mesmo em livros mais

recentes. Na análise das coleções de LDP aprovadas pelo

PNLEM/2009, percebe-se que os manuais oscilam entre

terminologias distintas (tipologia, sequência e gênero, por

exemplo) e, quando optam por uma nomenclatura, não

necessariamente a aplicam com coerência. Essa oscilação – e

muitas vezes também equívocos – ao optar por terminologia e

definições transparece tanto no material do aluno quanto no

Manual do Professor (MP). Em alguns casos, o que é apresentado

no MP difere totalmente do que se propõe nos capítulos do livro.

Além disso, há casos em que tipologia e gênero são tomados

89

indistintamente, seguidos de exemplos que não só misturam esses

dois conceitos, como também acrescentam outros – é o que

podemos perceber no gráfico 1.

Tipologia e Gêneros Textuais nos LDP

02468

1012

Teoria

GT

Teoria

TT

Ativ

idad

es G

T

Ativ

idad

es T

T

Só Nom

encl

atur

a

Mistu

ra d

e Tem

inol

ogia

Sem T

erm

inol

ogia

Livro do Aluno Manual do Professor

Gráfico 1: Abordagem teórica e prática nos LDP

Os números do Gráfico 1 não são absolutos, pois,

conforme veremos no Quadro 2, a seguir, alguns LDP usam

apenas uma nomenclatura, outros apresentam a terminologia mas

não propõem atividades etc. Entretanto, já é possível observar a

discrepância teórico-metodológica entre os livros: sete deles

utilizam apenas nomenclatura, sem sequer definir os termos, no

Manual do professor; três deles ignoram termos e conceitos

referentes a TT e GT no material destinado aos alunos; e vários

LDP misturam termos no material do aluno e no Manual do

Professor. Além disso, há um descompasso entre atividades

90

propostas para TT e GT: reforçamos a constatação de Bonini

(1998), sobre o predomínio da abordagem das tipologias, apesar

de tanto estar sendo discutido a respeito da importância de

priorizar os GT, desde as primeiras versões dos Parâmetros,

também em 1998.

O Quadro 2 mostra de que maneira TT e GT aparecem

nos LDP aprovados pelo PNLEM/2009:

Livro Abordagem de tipologia

textual (TT)

Abordagem de gênero textual

(GT)

Takasaki

(2005)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Na p. 11, aparece Tipologia

Textual, sem teoria nem

comentários. Na p. 20, ao falar

do capítulo 3, “este capítulo

toma como base duas teorias

básicas para categorização dos

textos: dos gêneros discursivos e

das sequências discursivas (ou

tipos de texto)”. Não há

definições.

Na p. 9, fala-se de “gêneros e tipos

de textos”, mas não se apresenta

nenhum conceito, só exemplos de

“textos variados”. Há também os

termos “gêneros discursivos e

textuais” (p. 15) e “gêneros de

textos/discursivos”, definidos

apenas como “formas

„relativamente estáveis de

enunciados‟‟‟ (p. 20), sem

explicação sobre a diferença

terminológica.

Apresentam-se as “sequências

discursivas” (cap. 3): Narração,

Descrição, Argumentação,

Explicação (exposição),

Conversação (p. 32, com ex. de

texto de jornal com diálogo).

Algumas atividades retomam o

tema, pedindo para identificar a

sequência discursiva ( p. 82).

Define-se explicitamente no

capítulo 3 (Gêneros textuais /

gêneros do discurso usados

indistintamente). Algumas

atividades retomam a questão dos

gêneros (p. 100).

91

Cereja &

Magalhães

(2005, 3

v.)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Nas p. 3 e 6, destaca-se que

“...tb esta edição adota para o

ensino-aprendizagem de

produção de texto a perspectiva

de trabalho centrada nos GT ou

discursivos, sem deixar de lado

alguns aspectos relacionados

com a tipologia, tais como a

descrição a serviço de vários

gêneros, o ponto de vista

narrativo a serviço de gêneros

narrativos ficcionais, as técnicas

de argumentação e de contra-

argumentação a serviço dos

gêneros argumentativos, e assim

por diante.”[grifos dos autores].

Há definições, referências teóricas

e sugestões metodológicas. A

terminologia usada é “GT ou

discursivos”, com predomínio de

GT ao longo do MP, sem

esclarecer se há diferença entre os

termos. Os autores sugerem uma

aplicação dos GT “em espiral” nos

moldes de Dolz & Schneuwly

(2004).

As TT aparecem mescladas aos

capítulos em que são

trabalhados os diversos GT, em

todos os volumes. No cap. 5, v.

1, por exemplo, sobre fábula,

aborda-se a descrição; no vol. 2

mostram-se características da

narração em vários capítulos; no

vol. 3, destaca-se o trabalho com

texto dissertativo e

argumentativo, mas alguns

capítulos sugerem que sejam

gêneros (cf. p. 246 e 289).

Definição de GT no v. 1 (cap. 4);

aplicação em quase todos os

capítulos de produção de texto, em

todos os volumes.

Murrie et

al. (2004)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Cita-se, apenas, “Tipo ou gênero

textual” (p. 63), sem qualquer

definição ou explicação. Não há

bibliografia sobre o tema.

Não há definição para GT, nem

bibliografia sobre o tema.

Há certa confusão, pois fala-se

de “Tipo ou gênero textual” (p.

161), para a seguir dar exemplos

como “narração, descrição,

dissertação, e-mails, epistolar,

cartas,...”. Não há definição para

TT.

Breve apresentação teórica dos GT

(p.161), embora chame de “tipos

ou gêneros textuais”; retomada em

alguns capítulos de redação, mas

misturando terminologia.

92

Faraco

(2003)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Oscilação entre gênero e tipo de

texto. Não há definição para TT.

Nos comentários sobre os

capítulos, vez por outra aparece

“gêneros” referindo-se às

variedades textuais apresentadas.

Não há definição para GT, nem

bibliografia sobre o tema.

“tipos de textos” é a expressão

utilizada para se referir ora a TT

ora a GT. Por ex., ao propor

uma produção textual, pergunta-

se com que “tipo de texto” o

aluno se expressa melhor e

sugere-se que a resposta pode

ser crônica, letras para músicas,

argumentar ou narrar (cf. p.

379).

Não há qualquer referência a

gêneros, apenas a “tipos de

textos”, ora tomados como

gêneros, ora como tipologias, no

material do aluno.

Maia

(2004)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Sobre TT, não há qualquer

comentário, exceto à p. 7,

quando trata de produção de

textos: “Nas propostas de

produção, enfatizamos, ao longo

do volume, o exercício da

argumentação, que é uma

habilidade extremamente

solicitada no dia-a-dia de uma

sociedade democrática.”. Não há

referência bibliográfica sobre

TT.

Fala brevemente sobre “gêneros

determinados (panfleto, notícia,

anúncio publicitário, discurso

político etc.), os quais são

ocorrências próprias de condições

sócio-históricas específicas” (p.

3). Não há referência bibliográfica

sobre GT.

Cita tipos de texto: narrativos,

informativos, argumentativos,

descritivos, injuntivos, poéticos

(embora não trabalhe os 3

últimos em nenhum capítulo).

Não aborda GT, mas nos capítulos

de literatura trata de “gêneros

literários”, misturando com o

conceito de TT

Nicola

(2004, 3

v.)

Manual

do

Professor

Na p. 10-11, há um box sobre as

TT, com poucas explicações,

defendendo a classificação de

Marcuschi: descrição, narração.

argumentação, injunção

explicação.

Na p. 10-11, há várias citações de

fontes diversas (Koch, Bakhtin,

Adam, PCN, Marcuschi) que

definem GT, mas não há

comentários do autor do LDP

sobre o tema.

93

Livro do

aluno

No vol. 1, o capítulo 3 cita as

TT descrição, narração,

argumentação, injunção,

explicação, mas só as três

primeiras são trabalhadas na

coleção. No mesmo capítulo, na

p. 160, fala-se de “sequência

textual” (p. 160), após a

explicação quanto à

predominância de uma ou outra

TT. O vol. 1 dá destaque à

descrição; o vol. 2, à narração; o

vol. 3, à argumentação e retoma-

se a descrição.

No v. 1 (cap. 3), define-se GT. O

vol. 2 aborda gêneros jornalísticos,

relacionando-os às sequências

textuais predominantes aos GT

estudados. O vol 3 apresenta

diversos GT, prioritariamente

aqueles em que predominam

sequências descritivas e

argumentativas.

Infante

(2004)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Na p. 6, fala-se da tentativa, ao

longo do livro, de “oferecer

textos de tipologias distintas

(narrativas, dissertações, textos

publicitários, crônicas, letras de

canções, poemas, etc.)”, ou seja,

os exemplos misturam TT e GT.

Apesar das fundamentas

recomendações aos professores e

das referências teóricas sugeridas,

não se aborda a questão dos GT

explicitamente no MP. Na p. 10,

fala-se dos “mais variados tipos

textuais” e depois citam-se artigos

(Bonini; Brandão), que falam de

GT, mas em comentários

adicionais.

Não há referência à

nomenclatura TT. Narrar,

descrever e dissertar são

apresentadas como “atitudes

linguísticas” (cf. p. 194, 296).

Há proposta, implícita, de

tratamento dos textos, segundo a

teoria dos GT. Não há referência à

nomenclatura GT.

Abaurre et

al. (2004,

3 v.)

Manual

do

Professor

Na p. 5, fala-se de “tipos de

textos”, defendendo o estudo de

três “unidades composicionais”:

narração, exposição e

argumentação, uma vez que

descrição e injunção são

“constitutivas da narração, da

exposição e da argumentação”.

No MP, fala-se de GT e “Gêneros

do Discurso”, sem definições.

94

Livro do

aluno

Privilegia-se narração,

exposição e argumentação, sem

usar a nomenclatura TT ou

sequência.

Não aborda GT em nenhum

capítulo.

Faraco &

Moura

(2005)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

No MP, fala-se das “tipologias e

das sequências prototípicas

textuais” (p. 12), sem defini-las,

nem exemplificá-las.

No MP, usam GT, mas dão

exemplos misturados com

suportes: “quadrinhos, cartum,

propaganda, televisão, cinema,

rádio, música popular”(p. 2). Não

há definição sobre GT.

No material do aluno (p. 210),

ao falar de notícia e reportagem,

aborda-se a predominância de

narração naquela e de exposição

nesta, sem definições nem

comentários.

Por ex., na p. 210, cap. 1 da

unidade 3, afirma-se que “Tanto a

notícia quanto a reportagem são

formas de relatos.” (p. 210)[grifo

dos autores], sem qualquer

explicação sobre os relatos e sem

que as tipologias presentes nos GT

citados (narração e explicação, no

caso da reportagem) sejam

definidas anteriormente. Não há

definição sobre GT, embora

apareçam comentários esparsos

sobre os gêneros trabalhados.

Amaral et

al.

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

No vol. 1, “modalidades típicas

da redação: descrição, narração

e dissertação”(p. 12), na p. 46,

são chamadas de “modalidades

clássicas” e “tipos clássicos de

organização textual”. As TT são

comentadas brevemente, por

meio das suas características

básicas, sem relacioná-las aos

GT.

Na p. 42, ao comentar os capítulos

de redação, fala-se de “leitura e

reconhecimento dos diversos tipos

de texto”, citando ex, de GT. Na p.

44, fala-se da “fusão de gêneros

(poesia e prosa; descrição /

narração / dissertação)”. Não há

definição de GT.

No vol. 1 o cap. 6 dedica-se às

“modalidades clássicas de

redação” (p...), que serão

detalhadas nos capítulos

seguintes: descrever, narrar,

dissertar. No vol 2, enfatiza-se a

narração; no vol. 3, a dissertação

e fala-se também da

argumentação.

Vol. 1, no cap. 1 de redação (p.

248), citam-se exemplos de GT,

chamados de “tipos de textos”.

Não há definição para GT nem se

usa essa terminologia.

95

Terra &

Nicola

(2004)

Manual

do

Professor

Livro do

aluno

Citam-se dos “tipos de

composição escrita que ele [o

aluno] produz na escola

(narração, descrição,

dissertação)”(p. 7), mas na p. 9,

fala-se da “pertinência ao

gênero (tipo de composição)”.

Não há definições no MP,

apenas no livro do aluno (cap.

9).

Não há definição de GT.

No cap. 9, citam-se os tipos

textuais Narrativo, Descritivo,

Argumentativo, Explicativo ou

Expositivo, Injuntivo ou

Instrucional, seguidos de

características básicas. Textos

conversacionais são

apresentados, no capítulo

seguinte, como “sequências

conversacionais ou

dialogais.”(p. 64), sem deixar

claro se há diferença entre

sequência e tipo de texto.

No cap. 9, há explicações breves,

mas sem incoerências, sobre GT.

No cap. 24, aborda-se leitura e

produção nos exames, citando

questões sobre GT.

Quadro 2: Tipologia e gênero textual em alguns materiais

didáticos – Ensino Médio (língua/literatura/redação)

Percebemos, portanto, que a maioria dos manuais didáticos

oscila na terminologia; como exemplo, podemos citar Murrie et

al. (2004), que, além de não apresentar qualquer suporte teórico

sobre TT e GT no Manual do Professor, mistura esses conceitos,

na única unidade em que o tema é trabalhado teoricamente, como

se constata nos trechos a seguir:

Tipo ou gênero textual é o nome dado às formas mais ou

menos estáveis com que as pessoas podem se comunicar e

96

interagir. (...) Os recados nas secretárias eletrônicas são um

bom exemplo dos gêneros mais novos. (...) Dois grandes

“gêneros” textuais parecem ser básicos e originar todos os

outros, que seriam “partes” ou combinações deles: narração e

dissertação. (...) A carta comercial pode ser enquadrada no

gênero epistolar.(p. 161); Você pode escolher o gênero:

narração(...) ou dissertação (p. 174). [grifos nossos]

Mais adiante, apesar de algumas atividades serem

interessantes – em unidades como a que aborda as cartas, por

exemplo – surge uma confusão de terminologias e

exemplificações, percebidas nos trechos a seguir (grifos nossos):

“A carta como gênero discursivo” (p. 588); “A carta, além de ser

um texto, também apresenta um suporte de texto” (p. 591); “tipos

de textos que utilizamos na nossa vida de estudante” (p. 624),

citando como exemplos resumo, quadro sinótico, aula, palestra,

seminário (e, para cada um deles, há um quadro em que se fala do

“ponto de vista da maximização da atividade com o gênero” – cf.

p. 624-637); “gêneros jornalísticos (informativo,

interpretativo/crítico, opinativo, de entretenimento)” e “tipos de

texto (crônica, charge, editorial, lide, manchete, entrevista, notícia,

cartas, propaganda...)” (p. 708-9). Ou seja, uma mistura de termos

que, sem explicação devida e sem qualquer referencial teórico no

Manual do Professor, dificulta a compreensão e a aplicação dos

conceitos.

Com problemas semelhantes, o livro de Faraco (2003:382)

apresenta GT diversos e algumas atividades que de fato pretendem

97

contextualizá-los, mas não usa a terminologia GT, apenas “tipo de

texto”: “Vamos, agora, dar atenção a um outro tipo de texto

bastante frequente: o texto de opinião.(...) Num jornal, vamos

encontrar vários tipos diferentes de textos de opinião. Um deles é

o editorial.” [grifos do autor]. O mesmo autor, ao propor uma

produção textual, pergunta com que “tipo de texto” o aluno se

expressa melhor e sugere que a resposta pode ser crônica, letras

para músicas, argumentar ou narrar (cf. p. 379); ou seja, coloca-se

GT e TT lado a lado, indistintamente. Mesmo que consideremos

desnecessário sobrecarregar o aluno com definições e novas

nomenclaturas, é importante haver cuidado na apresentação desses

termos no LDP. Aqui também encontramos o que já apontamos na

seção 2, a respeito da ambiguidade presente na expressão “tipo de

texto”.

Além das discrepâncias teóricas, são poucas as coleções

que elaboram atividades especificamente com base nos GT. A

maioria apresenta boa coletânea de textos, mas eles são

trabalhados superficialmente ou como material de apoio para

conceitos gramaticais e textuais que enfatizam as tipologias. Uma

exceção podemos encontrar em Cereja & Magalhães (2005, p.

24), que destaca a importância de considerar aspectos como

“estrutura (modo composicional), do tema (conteúdo), do estilo

(linguagem), do suporte e da situação de interlocução” nas

atividades de leitura e produção textual, ensaiando uma aplicação

98

da abordagem dos GT em espiral, conforme defendem Dolz &

Schneuwly (2004).

Assim, como há instabilidade teórica nos manuais

didáticos e os próprios PCN oscilam na nomenclatura e nem

sempre definem os conceitos, as definições e as atividades dos

LDP (ou a ausência de ambas...) reproduzem as dificuldades

enfrentadas por autores e professores na abordagem do tema,

acabando por reduzir o tratamento dado aos textos a

características superficiais de alguns GT específicos, seguidas de

questões de caráter redutor no que se refere à análise dos textos..

Marcuschi (2008, p. 156) afirma que “não devemos imaginar que

a distinção entre gênero e tipo textual forme uma visão

dicotômica, pois eles são dois aspectos constitutivos do

funcionamento da língua em situações comunicativas da vida

diária”. Então, é importante mostrar aos alunos que “todos os

textos realizam um gênero e todos os gêneros realizam sequências

tipológicas diversificadas. Por isso mesmo, os gêneros são

tipologicamente heterogêneos” (id., p. 160). Para isso, porém, é

necessário atentar para o que alerta Brandão (2003, p. 17): “Para

muitos, o texto ainda não chegou na sua dimensão textual-

discursiva. Uma dimensão discursiva do texto pressupõe uma

concepção sociointeracionista de linguagem centrada na

problemática da interlocução”.

99

Retomamos, portanto, a constatação de Bonini (1998)

sobre os manuais didáticos da década de 90, pois os LDP atuais

também ainda estão centrados na classificação tradicional das

tipologias textuais (narração, descrição, dissertação), comumente

presentes nos concursos vestibulares, dedicando a elas mais

espaço que aos GT propriamente. Ainda que se cogite a

importância de enfatizar TT com a justificativa de preparar os

alunos para vestibulares e ENEM, esses exames estão mudando, e

é comum atualmente a presença de enunciados nas provas de

língua portuguesa e redação, por exemplo, exigindo do candidato

conhecimento das situações de interação que constituem os

gêneros e das tipologias predominantes num GT específico. Os

LDP, entretanto, não conseguem dar conta dessa abordagem, e os

professores, se contarem com o Manual do Professor como

referencial teórico, também não terão subsídios para trabalhar os

textos de maneira produtiva, focando leitura e produção de

gêneros diversos.

Fechamos nossa análise com o destaque de Marcuschi

(2008, p. 158) sobre TT e GT, que, a nosso ver, deveria nortear a

abordagem do tema nos LDP: “para a noção de tipo textual,

predomina a identificação de sequências linguísticas como

norteadora; e para a noção de GT, predominam os critérios de

padrões comunicativos, ações, propósitos e inserção sócio-

histórica”.

100

4. Conclusões

Muitas críticas são feitas aos PCN de língua portuguesa,

mas as ideias apresentadas nos Parâmetros, como já dissemos, não

são tão novas: autores como Fávero & Koch (1983), Travaglia

(1996), Geraldi (1997), apenas para citar alguns, já sugerem uma

abordagem mais produtiva no ensino de língua portuguesa há

muito tempo e certamente influenciaram a elaboração dos PCN.

Da mesma forma, pesquisas por todo o Brasil mostram como se

pode melhorar a concepção dos alunos a respeito da própria língua

e diminuir o preconceito linguístico, com atividades simples, que

privilegiam o uso, a reflexão, no lugar de apenas dividir e

classificar termos, orações etc. Da parte do governo, as avaliações

dos LDP vêm tentando melhorar a qualidade dos materiais

didáticos, com programas como o PNLEM.

Entretanto, no que se refere a TT e GT, os livros de ensino

médio ainda têm um longo caminho a percorrer. Os livros

analisados nesta pesquisa, aprovados no PNLEM/2009, servem

como um panorama da confusa seara que tem se tornado abordar

TT e GT. Isso não compromete a qualidade dos LDP citados –

nem foi objetivo deste artigo discutir esse aspecto –, mas é digno

de nota que, embora seja possível perceber a preocupação do

PNLEM em aferir a formação de leitores e produtores críticos e

competentes, com base numa abordagem coerente dos GT e das

101

TT, os LDP ainda demonstram certa instabilidade de

conceituação.

Como consequência, na escola há dificuldade para

organizar o conteúdo programático incluindo uma abordagem

produtiva com gêneros textuais, que demonstre que os produzimos

em situações reais de interação. Muitas vezes o problema acontece

porque o professor não conhece teorias como Linguística Textual

e Análise do Discurso, que se apropriam das ideias de Bakhtin

(1992 [1929]) sobre os gêneros e embasaram os PCN. Além disso,

é comum o professor considerar o livro didático, em especial o

Manual do Professor, como referencial teórico, mas nem sempre

os autores desses manuais deixam claros os objetivos do trabalho

com gêneros ou definem corretamente os conceitos básicos. Se os

materiais didáticos apresentam falhas e os documentos oficiais

nem sempre explicitam definições, o professor acaba ficando

sozinho na tarefa de definir como trabalhar os textos em sala de

aula.

Os resultados desta pesquisa com ênfase na interface

tipologia/gêneros textuais nos livros didáticos de nível médio

acenam para a necessidade de repensar a abordagem desse tema

no ensino, uma vez que os livros didáticos ignoram, confundem

ou abordam de maneira superficial as teorias que se baseiam em

Bakhtin e que consideram os gêneros como práticas sociais. Em

alguns livros, quando há a expressão “gêneros textuais”, ela

102

aparece como mais um tópico teórico a ser explicado e estudado,

não como pressuposto teórico para análise textual. As tipologias

textuais geralmente também são apresentadas de maneira

estanque, desconsiderando que cada gênero se organiza

mesclando tipologias, ainda que uma possa predominar; além

disso, geralmente esse tema é abordado nos capítulos de redação,

e as atividades de leitura do livro ignoram a organização e a

intencionalidade dos textos, ou misturam os conceitos de tipologia

e gênero.

Não transparece nos LDP analisados o cuidado nas

definições e distinções entre TT e GT. Para Marcuschi (2008, p.

159 [grifos do autor]),

As distinções entre um gênero e outro não são propriamente

linguísticas e sim funcionais. Já para distinguir os tipos

textuais seriam linguísticas e estruturais, de modo que os

gêneros são designações sociorretóricas e os tipos são

designações teóricas. Temos muito mais designações para

gêneros como manifestações empíricas do que para tipos.

Entretanto, como nos lembra Coscarelli (2007, p. 81),

temos que tomar cuidado com a aplicação de conceitos, pois,

segundo a autora, “Estamos criando uma nova camisa de força.

Sai a gramática tradicional e entra o gênero textual”. Da mesma

forma, concordamos com Bunzen (2007, p. 22), que constata que

103

a recepção da Teoria dos Gêneros, seja ela de base mais

textual ou discursiva, ainda precisa ser mais estudada e

detalhada nos trabalhos acadêmicos voltados para o ensino de

língua materna. Precisamos saber o que estamos fazendo ao

receber e didatizar esses conhecimentos, uma vez que um

trabalho com gêneros (e não sobre gêneros) deveria estar

fundamentado em uma concepção de língua menos formal ou

normativa. [grifo do autor]

Na mesma linha, partilhamos das observações de

Marcuschi (2008, p. 208 [grifos do autor]):

em última análise, a distribuição da produção discursiva em

gêneros tem como correlato a própria organização da

sociedade, o que nos faz pensar no estudo sócio-histórico dos

GT como uma das maneiras de entender o próprio

funcionamento social da língua. Isto nos remete ao núcleo da

perspectiva teórica dos estudos linguísticos sobre o texto e do

texto aqui empreendido, ou seja, a visão sociointeracionista.

Resumindo o resultado da análise dos livros didáticos de

ensino médio, pudemos observar que:

- não há coerência na nomenclatura utilizada: Tipologia Textual /

Sequência Textual; Gênero Textual / Gênero do Discurso, o que

reflete a instabilidade dos próprios PCN sobre o tema;

- não há coerência na listagem das TT: narração e descrição

aparecem em todos; injunção raramente é citada; dissertação é

apresentada ora como exclusivamente expositiva ora como

expositiva ou argumentativa, e às vezes sequer aparece;

argumentação nem sempre é definida como tipologia à parte;

104

- geralmente, os GT não aparecem como tópico do programa

(teórico); na maioria das vezes, aparecem apenas no Manual do

Professor como uma diretriz presente no LDP para escolha dos

textos;

- as atividades de leitura e produção textual geralmente

desconsideram a concepção de GT;

- com frequência aparece a preocupação de elaborar (não de

analisar) TT nas propostas de redação;

- as poucas atividades de leitura que tentam abordar GT e TT não

costumam interagir com os conteúdos de língua e literatura.

Torna-se necessário, portanto, discutir de que maneira é

possível incluir tipologia e gênero textual na elaboração de

conteúdo programático e material didático e na formação dos

professores. Se são poucos os livros que, de fato, abordam a

produção de sentidos dos textos, com base nos gêneros e, além

disso, a depender da linha teórica adotada, há problemas na

sistematização da nomenclatura (tipologia, sequência, gêneros

textuais, gêneros do discurso...), falta pensar numa metodologia de

ensino que abarque esses conceitos sem considerá-los tópicos do

conteúdo programático. Afinal, muitos livros didáticos refletem

essa ausência de sistematização em propostas de leitura e

produção textual que mascaram o tratamento dos gêneros textuais.

E a abordagem de gêneros textuais diversificados, que tanto

105

colabora na formação do leitor e produtor de textos, acaba ficando

prejudicada.

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109

Gêneros textuais orais nos livros didáticos – uma análise metodológica

Welington de Almeida Cruz (UFRJ)8

1. Introdução

O trabalho com gêneros orais na escola tem sido bastante

discutido há alguns anos. Mais por uma pressão dos órgãos

instrucionais da educação do que por uma efetiva preocupação

com esses gêneros, o que se tem visto é uma inclusão

assistemática de um tema que ficava à margem dos estudos de

língua. Por mais inconsistente que muitos desses trabalhos possam

ser, vê-se, nessa reavaliação do papel da oralidade na sala de aula,

um estopim para novas e efetivas propostas para o trabalho.

Esse artigo pretende explicitar alguns apontamentos

teóricos sobre o trabalho com a oralidade na sala de aula,

observando, mais especificamente, como o livro didático (LD)

pode contribuir para a compreensão dessa atividade. Para além

dessa observação mais ampla, subjaz uma explanação do conceito

de gêneros textuais, tendo em vista que é essa a noção que

fundamenta – ou ao menos deveria – o efetivo estudo da língua

8 [email protected]

110

em sua acepção mais concreta: mecanismo de comunicação

interacional.

Após essa abordagem teórica, avaliaremos duas coleções

de livros didáticos que servirão como uma amostragem para

discutirmos o tratamento dado aos gêneros orais. Em nosso

recorte, observaremos especificamente os gêneros menos

planejados, tendo em vista a necessidade de compreender como os

compêndios didáticos discutem a oralidade em sua forma mais

ampla e profícua - aquela que o aluno “já sabe”.

Feita essa avaliação, proporemos algumas atividades, à luz

das teorias apresentadas, que, fundamentadas pelas discussões

teóricas, possam confirmar a importância do trabalho com gêneros

orais, bem como reavaliar o papel que os gêneros orais

espontâneos têm tido nos LD de língua portuguesa.

2. As bases da discussão: teorias de gênero textual e

sua aplicabilidade ao ensino

As concepções de ensino de língua se modificaram e

complexificaram dadas as novas abordagens dos estudos

linguísticos. Uma “virada” teórica originária na segunda metade

da década de 70 já antevia uma preocupação maior com a língua

em uso, e não mais como um objeto imóvel de onde brotavam

produtos enrijecidos e estanques. A Linguística Textual vai

111

lançar, então, suas bases sobre a filosofia da linguagem para

reavaliar seu objeto de estudo e encontrar, principalmente em

Bakhtin, o ponto de partida para essa guinada: os gêneros textuais.

A visão filosófica bakhtiniana de gênero textual é, de certa

forma, conceito chave para os estudos da linguística textual. No

entanto, proporemos uma discussão mais aprofundada desse

conceito para melhor avaliar a assunção que a Linguística Textual

faz dele.

Partindo da noção de gêneros literários, Bakhtin propõe a

definição de gênero textual – ou discursivo – que serve de

pressuposto para correntes de estudos como a Linguística Textual

e a Análise do Discurso. Mesmo se afastando em alguns

postulados teóricos, essas duas correntes bebem da fonte

bakhtiniana para justificar a máxima na qual os estudos

linguísticos, principalmente aqueles que se originam depois dessa

“virada” teórica, se apoiam – a língua como mecanismo interativo

de comunicação. Apresentadas essas primeiras acepções,

recorramos ao precursor dessa teoria para aprofundar nossa

discussão.

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que

sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua.

(...) A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados

(orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos

integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. (...)

Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro,

individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora

seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso

112

que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1997, p.

280)

A definição acima trabalha com alguns conceitos que são

caros aos estudos linguísticos que se pautam sobre as atividades

textuais. O primeiro deles leva em consideração o caráter

interacional da língua. Se todo relacionamento humano se pauta

sobre e pela língua, é ela quem direciona, de certa maneira, esses

relacionamentos. Dizemos, com isso, que, para estabelecer

comunicação, lançamos mão dos recursos disponíveis na língua e,

ao mesmo tempo em que exercemos um papel ativo sobre ela,

“sofremos”, dela, “coerções”. Essas forças aplicadas pela língua

não chegam ao falante de forma impositiva, mas ele, o falante,

escolhe um modelo disponibilizado pela língua para a

comunicação. Metaforicamente, é como se a língua fizesse uma

triagem das possibilidades antes que pudéssemos fazer nossa

escolha. Essa seleção ocorre levando em conta vários fatores,

como o objetivo da comunicação, o meio de produção do ato

comunicativo, a relação de proximidade entre os participantes do

evento, entre outros.

Por isso apontamos que, por mais que o falante tenha

autonomia em relação à língua, há uma padronização, uma

regularidade nos processos comunicativos, já que são

fundamentados socialmente. Isso, de certa forma, está postulado

no excerto acima. Os enunciados que “emanam” dos participantes

113

de uma atividade linguística interacional são selecionados de

acordo com as “esferas das atividades humanas”. E dentro dessas

esferas constroem-se os gêneros do discurso. Os “tipos

relativamente estáveis de enunciados” são as formas, os modelos,

os protótipos que se apresentam dentro de um determinado espaço

de comunicação. Como exemplo, temos, num espaço acadêmico,

a possibilidade de que surjam algumas dessas formas

padronizadas, como a aula, o seminário, a monografia, a tese de

doutoramento, o artigo acadêmico, entre tantos outros, cada um

com uma função e um conteúdo específico, selecionados pelos

participantes do processo interativo. A aparição desses gêneros é

predominante na esfera acadêmica, não impedindo a sua utilização

em outro ambiente. Contudo, pela aparição de um gênero,

assume-se uma esfera comunicativa, ou seja, o gênero textual

direciona a situação interacional. Se uma aula acontece fora do

espaço acadêmico, qualquer outro espaço em que surja pode

tomar para si características da academia. Nisso reside a

“coerção” de que falamos.

Além disso, não se postula que os gêneros sejam rijos e

inflexíveis: assim como as situações de interação social se

modificam, as maneiras de se comunicar também. Se tomarmos

como exemplo a inovação dos meios midiáticos, teremos a

aparição de uma gama de novos gêneros textuais que há algumas

décadas não se imaginava existir. Exemplos que atestam essa

114

flexibilidade dos gêneros são os blogs, scraps, posts, entre outros,

quase que exclusivos do campo da informática. Podemos apontar,

também, uma “evolução” de alguns gêneros, acompanhando o

desenvolvimento da sociedade: não é difícil estabelecer uma

relação de similaridade e de temporalidade entre o folhetim, a

rádio-novela e a novela televisiva.

Nessas possibilidades de mudança, reside o caráter relativo

da estabilidade dos gêneros. Isso atesta a asserção de que atuamos

na língua como parceiros ativos do processo interativo.

Outro aspecto importante, e que norteia o nosso estudo, diz

respeito às modalidades do gênero. O trabalho com a modalidade

escrita é sobremaneira discutido, apresentado, treinado e

fundamentado no espaço escolar. A oralidade, no entanto, não

tem o mesmo espaço. Sempre vista, equivocadamente, como o

lugar do erro, da confusão, da incoerência e da desorganização, a

oralidade foi marginalizada por muito tempo nos estudos

educacionais e, até mesmo, linguísticos, haja vista a pouca e

recente literatura sobre tal assunto. No entanto, como Bakhtin já

apontava, os gêneros podem-se dar tanto na esfera da escrita

quanto da oralidade.

A noção do autor sobre gêneros primários e secundários

guarda uma relação estreita com o continuum oralidade - escrita.

Não direta como aquela estabelecida anteriormente – a oralidade

como o lugar do erro e a escrita como o lugar da pureza

115

gramatical, mas pautada, principalmente, segundo o critério

interacional. Os gêneros primários seriam aqueles que se

estabelecem entre práticas sociais mais simples e menos rígidas;

exemplo prototípico seria a conversação espontânea. Já os

gêneros secundários teriam seu lugar estabelecido dentro de

limites mais rígidos e complexos das formas interacionais, como o

teatro, por exemplo.

Contudo, não estamos estabelecendo, com essa

diferenciação, ou com a relação que dissemos existir entre as

modalidades e essa classificação dos gêneros, uma regra. Não

queremos incorrer no mesmo equívoco que há pouco criticamos.

O que estamos postulando é uma aproximação das modalidades

aos gêneros primários e secundários, como já apontada por

Bakhtin. Nada impede que haja um gênero primário cuja

modalidade seja a escrita, assim como há gêneros secundários

orais. O que se apresenta é uma constatação empírica: os gêneros

orais, em sua maioria, depreendem uma organização diversa

daquela da escrita, já que o seu processo de planejamento é

concomitante ao tempo de fala, enquanto, na escrita, o que temos

é, majoritariamente, uma organização a priori.

A apresentação dessa relação faz-se necessária porque

talvez seja ela que fundamente a marginalidade do estudo com

gêneros orais menos planejados: como esses são mais simples e

pertencentes, predominantemente, às esferas privadas de

116

comunicação, a escola não deveria se ater ao seu estudo. Afinal, o

aluno já sabe “falar”. Por conta dessa “verdade” educacional, o

lugar do estudo dos gêneros orais foi, por muito tempo, sequer

pensado.

Aprofundando-nos um pouco mais nessa questão, cabe,

aqui, uma pequena distinção que pode, de certa forma, fazer vir à

baila a incoerência teórica que rege a “verdade” apontada acima.

Marcuschi (2008b, p.25) apresenta-nos definições de oralidade e

fala que podem nos ser úteis para entender um pouco melhor essa

questão: sobre oralidade, o autor diz que “seria uma prática social

interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas

formas ou gêneros textuais (...)”; já a fala “seria uma forma de

produção textual-discursiva para fins comunicativos na

modalidade oral”. Essa pequena distinção tem grande relevância

para os estudos de gêneros.

A fala associa-se ao campo da fisiologia, pois o ser

humano dispõe de mecanismos corporais responsáveis pela

transmissão de sons e esses sons foram estabelecidos de forma a

propiciar a comunicação. Portanto, um ser humano sem

impedimentos fisiológicos seria capaz de falar, mas essa

capacidade não se espraiaria, diretamente, ao campo da

comunicação oral. A oralidade, como apresentada, está

relacionada aos gêneros, já que envolve, em sua produção,

práticas interacionais.

117

Sendo assim, a assertiva de que o aluno “já sabe falar” é

mesmo uma verdade se reconhecermos “fala” no sentido mais

estrito, fisiológico. Assim, não caberia à escola ensiná-lo a falar,

mas sim a se expressar oralmente, ou seja, utilizar gêneros

comunicativos apropriados a cada situação em que se encontra,

seja ela pública ou privada.

Dada essa distinção, podemos, agora, compreender como

os projetos educacionais oficiais fundamentam o trabalho com

gêneros textuais, orais ou escritos. Essa apresentação

fundamentará o nosso trabalho de análise posterior.

2.1. Os gêneros textuais nos PCN

A observação dos documentos instrutivos de educação,

como os Parâmetros Curriculares Nacionais, doravante PCN,

confirma o que se disse até então: a língua, como prática interativa

de comunicação, deve ser o objeto da escola. É dever dessa

instituição aprofundar a utilização, por parte do aluno, dos

mecanismos de linguagem em instância privada e apresentar os

componentes necessários para o estabelecimento profícuo desses

mecanismos na instância pública. O conceito de gêneros textuais é

basilar para essa discussão, já que se assume que é através deles

que acontecem, efetivamente, as trocas interativas.

118

Mesmo que a escola, em âmbito mais geral, ainda encontre

dificuldades em se adaptar às recentes pesquisas linguísticas, o

que se tem de efetivo, e produtivo, é a assunção de que o estudo

da língua por meio dos gêneros textuais é o caminho para um

trabalho que possa fazer com que o aluno tenha oportunidade de

adaptar sua fala à situação de uso, ao seu interlocutor, ao espaço

em que se encontra, entre tantos outros mediadores do evento

comunicativo.

Os PCN apontam para a dificuldade que se tinha antes da

aplicabilidade do estudo de gêneros textuais ao contexto escolar.

Os alunos tinham grandes déficits formativos, tanto de leitura

quanto de produção de textos. Não é estranho que cheguem

alunos as cadeiras iniciais das faculdades de letras do Brasil sem o

mínimo domínio de alguns gêneros textuais fundamentais a vida

acadêmica, como o resumo e o seminário, para ficarmos com

apenas dois dos mais freqüentes, um na modalidade escrita e outro

na oral.

Hoje, as gerações de futuros professores já dispõem de um

arcabouço teórico e prático riquíssimo no campo do trabalho com

gêneros textuais. Muito pela pressão de documentos como os

PCN, os autores de livros didáticos se adaptaram a essa nova

realidade trazida pelos estudos textuais. Bem verdade que o

espaço escolar e a sociedade como um todo ainda guardam

resquícios desse momento tradicionalista e normativo, já que não

119

há como se mudar anos de formalismo em pouco tempo. No

entanto, pela mudança ocorrida no seio de quem pensa a

educação, que se espalha pelos vestibulares e processos seletivos,

chegando aos livros didáticos e às cadeiras escolares, temos uma

revolução teórica que pode, daqui a algum tempo, alcançar certa

equivalência com os estudos mais tradicionais.

Além desse trabalho com gêneros textuais, os PCN

desenvolvem um profundo trabalho de compreensão e

aplicabilidade dos estudos de variação linguística. Isso porque, no

entendimento desse documento, é esse estudo que, de certa forma,

norteia o trabalho com o texto. O aluno deve entender que a

língua admite variações que podem depender de fatores internos e

externos ao falante. Esses últimos, se entendidos como

participantes do processo de interação, tendem a justificar

determinadas escolhas e de determinados gêneros. Sendo assim, a

associação do estudo de gêneros textuais aos de variabilidade

linguística se torna produtiva à medida que leva o aluno a

entender o enunciado não partindo unicamente do ponto de vista

do texto como produto, mas sim de seu processo de produção, ou

seja, entender que o enunciado é fruto de uma enunciação, cujos

participantes “selecionam” os gêneros disponíveis

interativamente.

Não aprofundaremos as discussões sobre o papel dos

estudos de variação na acepção dos gêneros, mas, claro está, de

120

antemão, que é assim que os PCN propõem essa discussão,

principalmente no que tange aos estudos de oralidade, como

veremos na próxima seção.

3. O espaço da oralidade na escola

“Ensinar o que já se sabe”: essa, como dissemos, é a

máxima que norteia o trabalho com a oralidade e é a desculpa para

não fazê-lo. Baseados no consenso de que os alunos sabem falar –

e muito, como atestam os docentes –, a oralidade é tolhida em sala

de aula. A simples resposta oral há alguma pergunta direcionada

é o máximo que se poderia esperar no ensino tradicional. Essa

resposta, aliás, deveria ser dada de modo extremamente formal e

ordenada, tal como na escrita, afinal, “o falar adequado é aquele o

mais próximo da escrita possível”, como defendem as gramáticas

mais tradicionais de cunho normativo e prescritivo.

Abre-se, pois, uma discussão muito delicada: o que é

“ensinar oralidade”? Formalizar as aulas de fonética? Apresentar

falares de diferentes regiões do país e ensinar sotaques? Sem

dúvida não é esse o efetivo trabalho com o oral, muito embora os

PCN apresentem, sempre que possível, uma contraparte

variacionista ao estudo da fala. O respeito pela diversidade e a

avaliação sem preconceitos dos vários dialetos do país nas

audições que se devem fazer no espaço escolar mostram, de certa

121

maneira, a preocupação em dar uma finalidade sociolinguística ao

estudo da oralidade. Isso se dê talvez pelo fato de que nem

mesmo os estudos linguísticos são suficientes para demandar a

questão do oral, o que dirá os manuais que neles se baseiam.

Não se discute, aqui, a pertinência dessa associação. O

que se pretende, no entanto, é fundamentar essa questão da

oralidade não somente nos estudos variacionistas, como fazem,

predominantemente, os manuais, mas apresentar possibilidades de

relação com o estudo dos gêneros que, afinal, é o que sustenta a

perspectiva interacionista comunicativa que se quer adotada pela

instituição escolar. Assim,

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas

diversas situações comunicativas, especialmente nas mais

formais: planejamento e realização de entrevistas, debates,

seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc.

Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas

atividades façam sentido de fato, pois seria descabido

“treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de

procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em

contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não

tomar para si a tarefa de promovê-la. (PCN, 1998. p.27)

Vê-se, portanto, uma preocupação em apresentar o estudo

da oralidade relacionado aos estudos variacionistas. O que se

entende, no entanto, é que subjaz a esse conceito uma

possibilidade de nortear esse estudo pelos gêneros, o que não é

deixado claro pelos PCN. As “diferentes situações

comunicativas”, como “entrevistas, debates, seminários, diálogos

122

com autoridades, dramatizações” são, especificamente, os gêneros

textuais.

De certa forma, espera-se que a escola trabalhe com os

gêneros textuais secundários, segundo a visão bakhtiniana. No

entanto, também merecem relevante espaço algumas discussões

sobre os gêneros orais primários. Não há por que abandonar esses

gêneros no espaço escolar.

(...) a capacidade de uso da língua oral que as crianças

possuem ao ingressar na escola foi adquirida no espaço

privado: contextos comunicativos informais, coloquiais,

familiares. Ainda que, de certa forma, boa parte dessas

situações também tenha lugar no espaço escolar, não se trata

de reproduzi-las para ensinar aos alunos o que já sabem.

Considerar objeto de ensino escolar a língua que elas já falam

requer, portanto, a explicitação do que se deve ensinar e de

como fazê-lo. (PCN, 1998. p. 38)

Compreendemos que explicitar “o que é” e o “como se

faz” depende, necessariamente, de uma avaliação sistemática dos

gêneros textuais orais. Como indica a afirmativa acima, mesmo

que, prioritariamente, o objetivo do espaço escolar seja a análise e

reconhecimento de gêneros mais planejados, não deixa de ter

espaço o estudo mais sistemático daqueles com os quais os alunos

já possuem maior familiaridade. Espera-se que, partindo de um

estudo desses gêneros menos planejados, o aluno seja levado a um

crescimento e aperfeiçoamento do trabalho com a oralidade.

Entender, por exemplo, os marcadores conversacionais que

apontam a troca de turno em um diálogo espontâneo pode

123

favorecer, posteriormente, a coerência das proposições num

debate regrado e, até mesmo, facilitar a utilização dos operadores

argumentativos num artigo opinativo escrito.

Convém, aqui, analisar mais especificamente o que seria

esse “oral espontâneo”. Segundo Dolz & Schneuwly (2004, p.

157), temos

O oral “espontâneo”, geralmente pensado como fala

improvisada em situação de interlocução conversacional, que

(...) constitui um “modelo” relativamente idealizado, a

respeito do qual, às vezes, à primeira vista, sublinha-se o

aspecto aparentemente fragmentário e descontínuo que, com

freqüência, esconde regularidades a serviço da comunicação.

Os autores pressupõem conceitos de orais variados que se

definiriam nos termos de um continuum: num extremo estaria

esse oral apresentado; no outro, a leitura oral de textos escritos.

Ambas as formas devem ser trabalhadas pela escola, não

analisadas dicotomicamente, mas como partes desse continuum,

cuja apropriação por parte do aluno deve favorecer tanto um

desenvolvimento do oral espontâneo quanto uma apropriação do

oral utilizado em situações mais controladas.

Outra observação que pode ser feita a respeito desse uso da

oralidade é a falsa impressão que se tem de desorganização

peculiar da fala. Segundo Dolz & Schneuwly (2004, p. 159), a

produção oral tem um planejamento que se “elabora em ação”.

Assim, o falante se serve das relações interacionais de que

124

participa para observar, analisar, rever, refazer e produzir o seu

texto. Os movimentos de hesitações e pausas, assim como as

autocorreções são as mais claras manifestações de planejamento

decorrente da interação in loco. Num texto escrito, o produtor

imagina um possível leitor a que seu texto atingirá, mas não pode

dominar, completamente, as reações que este terá ao ler. Na fala,

mesmo que não se identifique totalmente esse leitor, as reações

faciais ou gestuais podem levar a fala a uma reorganização. Um

professor, por exemplo, muda seu ritmo de voz, seus exemplos,

suas explicações ao perceber que seus alunos não estão

acompanhando efetivamente o que está sendo explicado. Alguns

manuais produzidos para cursos à distância têm procurado adotar

uma interação com o leitor de forma a se aproximar de uma

conversa, com explicações mais minuciosas e previsão de

possíveis perguntas. O par pergunta-resposta, comum à interação

face a face, é muito utilizado como método didático desses

manuais.

Assim, o espaço da oralidade – inclusive do oral

espontâneo – na escola tem de ir muito além da simples

observação de variantes dialetais e de registro. Tem de seguir a

perspectiva adotada para um estudo linguístico eficaz – o conceito

de gênero, observando as características pertencentes a cada um

dos gêneros abordados e, sempre que possível, não os observando

como um mecanismo estanque. Associado a esse conceito, é

125

relevante, também, a discussão sobre as tipologias textuais, o que

veremos a seguir.

4. Um aporte teórico-metodológico: as tipologias

textuais

Uma noção muito cara aos estudos de gêneros textuais é a

de tipos de texto ou sequências textuais. Essa noção, apresentada

por Adam e retomada por outros teóricos, insere-se no contexto da

Linguística Textual de forma a associar-se aos estudos de gêneros,

fundamentando ainda mais o trabalho com esses últimos. Vejamos

o que nos diz Marcuschi (2008a, p.154) sobre o tipo textual:

(...) designa uma espécie de construção teórica {em geral uma

sequência subjacente aos textos} definida pela natureza

linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,

tempos verbais, relações lógicas, estilo}. (...) Em geral, os

tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias

conhecidas como: narração, argumentação, exposição,

descrição, injunção9.

Se os gêneros são entendidos no processo interacional e,

por conta disso, assumem uma função específica dentro de uma

9 Como nos atesta Bonini (2005), Adam reviu sua literatura e, para ele, não

seria necessária a criação de uma tipologia injuntiva, já que essa se aproximaria

em muito da descritiva. Às quatro restantes, Adam acrescentaria a tipologia

dialogal. Não abordaremos essa discussão teórica em nosso estudo, tendo em

vista que a nossa principal finalidade é a discussão do conceito de gênero.

Adotaremos, pois, as tipologias apontadas por Marcuschi.

126

dada esfera comunicativa, os tipos de texto são caracterizados

muito mais pela forma que os compõem, ou seja, pelas as marcas

linguísticas que podem ser detectadas. A implicação interacional

dos tipos de texto é, portanto, menor que a dos gêneros.

Não queremos dizer, com isso, que os tipos de texto

independem da situação comunicativa. Os falantes selecionam

gêneros, e esses gêneros são compostos por tipologias. Essas, por

sua vez, pode se imbricar no interior do gênero. Poucas são as

tipologias que aparecem independentemente de outras. Na

maioria das vezes, o que se tem é uma predominância de uma

tipologia, associada a outra, que aparece em menor escala. Um

romance, por exemplo, constitui um gênero textual determinado

por uma função sócio-interativa específica e se sustenta,

basicamente, sobre as tipologias narrativa e descritiva. A primeira

é predominante, e a segunda está, quase sempre, em função da

primeira.

Como vimos no excerto, as tipologias são poucas e finitas,

enquanto os gêneros são vários e as possibilidades de novas

criações são muitas. Portanto, para que se tenha um sustentáculo

teórico pouco flutuante, a noção de tipo textual vai ao encontro

das propostas de trabalho com o texto. O aluno é levado a pensar

e a produzir os mais variados gêneros, sabendo que cada um deles

se organiza, predominantemente, conforme um tipo de texto.

127

De forma sistemática, a escola e, consequentemente, os LD

procuram apoiar os estudos do texto na sistematização das

tipologias. No que tange ao trabalho com as marcas linguísticas, a

teoria dos tipos de texto torna a aplicabilidade dos ensinamentos

muito mais palpável para o aluno. Entende-se, pois, que a

associação dessas teorias é fundamental para um pronto

desenvolvimento das habilidades textuais, tanto de produção

quanto de leitura e compreensão.

A próxima seção tratará, especificamente, da análise de

dois livros didáticos, cuja perspectiva de trabalho se pauta no

estudo dos gêneros textuais. Procuraremos apontar,

especificamente, o trabalho com gêneros orais menos planejados,

levando em conta, agora, não só a avaliação das discussões sobre

gêneros textuais, mas também a associação aos estudos

tipológicos.

5. Análise de Livros Didáticos

Nesta seção, trataremos especificamente da avaliação de

duas coleções de livros didáticos, que funcionarão como uma

amostra do trabalho feito nas escolas do segundo segmento do

ensino fundamental.

As duas coleções passaram por avaliações variadas, tanto

no que diz respeito ao trabalho com as competências linguísticas

128

quanto na sua proficiência em relação ao trabalho com o texto. No

entanto, de acordo com a perspectiva que levantamos,

observaremos mais atentamente como é feito o trabalho com os

gêneros orais espontâneos e os tipos de textos e tentaremos, na

medida do possível, suscitar discussões sobre a relevância do

trabalho com essa modalidade dos gêneros na escola, quais deles

são selecionados para esse trabalho e o tipo de texto predominante

nesses.

Faremos, em princípio, um levantamento básico das

propostas de discussão com a oralidade. Após esse primeiro

momento, observaremos quais são os gêneros menos planejados

apresentados e como são trabalhados. Avaliaremos, à luz dos

conceitos teóricos já apresentados, a proficiência dos materiais

elaborados e, proporemos, sempre que possível, uma ampliação

do trabalho com o gênero mediante a literatura especializada.

5.1. Coleção Passaporte para a língua portuguesa.

A primeira coleção que analisaremos apresentou um

trabalho eficaz com os gêneros orais, tanto os mais planejados

como os espontâneos. Sob uma perspectiva semiótica, as autoras

trabalham os conteúdos dos livros partindo de temáticas próximas

aos alunos, apresentando, em cada uma das unidades da coleção,

gêneros variados. Todas as noções de gêneros e tipos de texto

129

apresentadas no manual do professor que acompanha a coleção

têm as mesmas bases daquelas lançadas nesse artigo. Portanto,

observa-se que a metodologia de trabalho é adequada aos modelos

propostos pelos PCN e em consonância com o que de mais recente

se apresenta em termos de estudos linguísticos.

Vejamos, no quadro abaixo, uma avaliação geral dos

gêneros orais espontâneos encontrados na coleção. Sempre que

necessário, apontaremos outros gêneros orais complementares,

mesmo que sejam aqueles mais planejados:

VOLUME 1 – 5ª SÉRIE/ 6º ANO

UNIDADE LIÇÃO

GÊNERO(S)

DA

ORALIDADE

RESUMO DE

ATIVIDADES

1 – TEXTO E

GÊNERO

1 –

Família

- leitura oral de

textos escritos

- conversa

dirigida

A primeira lição

propõe uma

sistematização das

principais

características da

oralidade. A leitura

oral aponta para a

relação entre oralidade

e escrita. A conversa

dirigida apresenta

procedimentos

utilizados em uma

situação de

conversação. No

entanto, o caráter

“dirigido” da

atividade de produção

reduz a

espontaneidade do

gênero.

130

2 –

Bichos

- diálogo

coletivo

- leitura

expressiva

- leitura

dramatizada de

conto

O diálogo coletivo é

a proposta final de

atividade. Parte-se

das leituras

expressiva e

dramatizada para a

construção de um

arcabouço temático

que será utilizado no

diálogo. Nesse

gênero oral

específico, as

características mais

espontâneas da fala

são respeitadas.

2 – VOZES DO

TEXTO

3 –

Lembranças

- Relato de

experiência

- Debate

mediado

- Jogo da

memória

- Discussão

dirigida

- Registro

escrito de texto

oral

Partindo de

perguntas

direcionadoras, o

aluno é levado a

apresentar um relato

de experiência de

uma visita a um

museu. O livro

sugere que a

apresentação do

relato seja planejada.

O debate partiria das

impressões sobre o

espaço do museu

apontadas nos

relatos. O jogo da

memória não

apresenta uma

organização genérica

muito eficiente.

Propõe-se,

posteriormente uma

discussão sobre o

gênero memórias. O

registro escrito de

texto oral pressupõe

uma atividade de

131

retextualização, mas

não é sistematizada

nessa lição

4 –

Sonhos e

emoções

- Debate

Vários gêneros

textuais escritos são

utilizados como

forma de direcionar a

discussão.

3 – TEMPO E

ESPAÇO

5 –

Cidades

- Contação de

história

Os alunos são

levados a continuar,

oralmente, uma

história iniciada pelo

professor. Breve

apontamento sobre

os mecanismos de

progressão textual.

Sistematização das

atividades de

retextualização.

4-

ARGUMENTAÇÃO

7 –

Comunicação

- Roda de

conversa

Proposta de

conversação

espontânea com um

tema norteador

Tabela 1: Passaporte para a língua portuguesa-V. 1

VOLUME 2 – 6º SÉRIE/ 7º ANO

UNIDADE LIÇÃO

GÊNERO(S)

DA

ORALIDADE

RESUMO DE

ATIVIDADES

1- FUNÇÕES

DA

LINGUAGEM

2 –

Tecnologia

- Discussão em

grupo

Proposta de conversação

espontânea com um tema

norteador. Há a

sistematização de uma

troca de experiências entre

os grupos formados.

2 – VOZES E

PONTOS DE

VISTA

3 – Sala de

aula

- Avaliação de

texto lido

Atividades avaliativas em

que os alunos têm de se

posicionar sobre a leitura

dos textos pertencentes a

132

outros colegas.

4 –

Cultura

popular

brasileira

*Vários gêneros

orais são

propostos sob a

temática da

lição

- Conversa

temática

Na lição, os alunos são

levados a praticar várias

atividades orais. A maioria

delas é planejada. Muitas

têm por direcionamento o

texto escrito.

Tabela 2: Passaporte para a língua portuguesa-V. 2

VOLUME 3 – 7º SÉRIE/ 8º ANO

UNIDADE LIÇÃO

GÊNERO(S)

DA

ORALIDADE

RESUMO DE

ATIVIDADES

1- VARIAÇÃO

LINGUÍSTICA

2 –

Romeus e

Julietas

- Relato

espontâneo

Recontagem espontânea de

texto lido. Nessa lição,

apresentam-se

efetivamente as

características do texto

oral. Há, inclusive,

apresentação de alguns

símbolos de transcrição

que marcam,

especificamente, o

planejamento

concomitante que ocorre

na fala.

3 – TEXTOS

SINCRETICOS

5 – No

escurinho

do cinema

- Conversa em

grupo de forma

espontânea.

Discussão em grupo sobre

textos que versam sobre a

temática do cinema. Os

textos motivadores estão

no próprio livro e em

pesquisas que o aluno

deverá ter feito

anteriormente.

Tabela 3: Passaporte para a língua portuguesa-V. 3

133

VOLUME 4 – 8º SÉRIE/ 9º ANO

Não foram encontrados gêneros orais espontâneos diferentes daqueles já

abordados em outros volumes.

Tabela 4: Passaporte para a língua portuguesa-V. 4

Uma breve análise desse quadro nos permitirá chegar a

algumas conclusões. A primeira delas é de que, sem dúvida, a

coleção trabalha de forma gradual a complexidade e o

planejamento dos gêneros orais. Isso se confirma se observarmos

a quantidade de gêneros espontâneos pelos anos de escolarização.

Há uma concentração muito grande desses gêneros nos dois

primeiros volumes, enquanto os últimos retomam minimamente

alguns deles.

A segunda conclusão a que chegamos pode, a princípio,

parecer contrariar a primeira, mas não o faz. Mesmo que o maior

quantitativo de gêneros orais espontâneos ocorra nas séries

iniciais do segundo ciclo do ensino fundamental, esses gêneros

não deixam de aparecer ao longo dos dois últimos anos. A

conversa informal e o debate são recursivos em todos os volumes.

O que se vê, no entanto, é um aprofundamento temático das

discussões que se estabelecem. Além disso, a leitura dramatizada

ou expressiva, que estabelece o intercurso entre oralidade e

escrita, é também recorrente. Essas atividades de produção são

134

efetivas para a proficiência oral, tendo em vista que pressupõem o

desenvolvimento de recursos aplicáveis às manifestações da fala,

como entonação, gestualidade, expressões faciais, entre outros.

Aliados a essa produção oral espontânea, vão ganhando

espaço os gêneros orais mais planejados, sempre associando o

gênero à tipologia predominante. Assim, ao final do uso dessa

coleção, espera-se que o aluno consiga, pelo trabalho com os

gêneros espontâneos, dominar os aspectos mais amplos do

trabalho com a oralidade – respeito aos turnos, propriedade e

domínio dos recursos orais, utilização adequada de marcadores

conversacionais, ampliação de recursos epilinguísticos, entre

outros. Essa progressão será útil ao aluno quando ele for

apresentado aos gêneros mais planejados, como debate regrado,

exposição oral, seminário, mesa redonda, comunicação oral,

discutidos ao longo dos volumes em associação às práticas

espontâneas.

Percebe-se, portanto, que a coleção apresenta uma

proposta muito efetiva com o trabalho da oralidade. Os gêneros

são trabalhados de forma adequada, sempre a serviço da temática

de cada uma das lições. Não se prioriza uma tipologia única, mas

quase todas as possíveis, com um destaque maior para os tipos

argumentativo e narrativo. Vê-se, ainda, nesse trabalho com o

texto oral, uma apropriação de uma das mais recentes propostas de

trabalho com língua: o trabalho em espiral, proposto por Dolz &

135

Schneuwly (2004). Para os autores, toda a discussão sobre o

gênero em questão deve propiciar ao aluno um desenvolvimento

efetivo desse, de forma gradativa. Com a utilização do mesmo

gênero ao longo das unidades e volumes, o aluno, ao final dos

quatro anos de trabalho, dominará quase que por completo os

componentes genéricos estruturais.

Uma atividade que mostra como isso se efetiva na coleção

é o trabalho com o gênero relato espontâneo. Esse mesmo texto é

trabalhado em todas as unidades. No primeiro volume, a forma de

produção do relato é livre. O aluno não tem uma sistematização

efetiva nem mesmo dos componentes tipológicos narrativos desse

texto. Com a apresentação mais organizada dessas marcas

linguísticas ao longo de todo o volume 1 e início do volume 2, o

aluno consegue, no início do volume 3, aprofundar sua reflexão

sobre as marcas tipológicas e sobre as características genéricas,

chegando, inclusive, a aprofundar as discussões sobre as marcas

específicas da oralidade.

Outro trabalho efetivo se estabelece na interação entre as

modalidades oral e escrita. A retextualização, proposta por

Marcuschi (2008b), faz com que o aluno consiga perceber que a

ordenação da fala é específica, pois leva em conta uma situação de

interação que é diversa daquela que se estabelece na escrita. Não

se propõe que o aluno copie o que se diz, mas que ele consiga

entender o processo de “tradução” de uma modalidade para a

136

outra, adequando as marcas específicas de cada uma à situação

interativa. Fazendo isso, o aluno ampliará tanto o seu

conhecimento sobre as marcas orais como as implicações que o

texto escrito tem. Além disso, toda a atividade de retextualização

pressupõe uma interpretação do texto que será refeito. Não é uma

simples transcrição, mas uma apropriação efetiva do conteúdo do

texto, o que favorece, por conseguinte, a proficiência em leitura.

O que se observa, portanto, é uma aplicação, ao longo dos

quatro últimos anos do ensino fundamental, de uma proposta de

trabalho que vai propiciar o desenvolvimento efetivo dos mais

variados gêneros orais, planejados ou não, partindo daqueles que

possuem uma estruturação mais próxima da fala espontânea. Não

seria demais pensar que, ao longo desse trabalho, a participação

do alunado em sala de aula e seu comprometimento com a

disciplina seria muito maior, tendo em vista que, associados aos

mecanismos de produção do gênero, o aluno também

desenvolveria a responsabilidade nos momentos de produção da

oralidade e o respeito à fala do outro, isso sistematizado pela

apresentação, mesmo que básica, dos mecanismos de turnos.

Além disso, as correções, as hesitações, as pausas, por exemplo,

serão mais produtivas e o planejamento em função da interação

muito mais eficaz.

137

5.2. Coleção Tudo é linguagem

A coleção Tudo é linguagem organiza suas lições em

função de um gênero textual específico. A proposta da coleção é

claramente sistematizada em relação às tipologias. Assim, no

volume 1, mesmo que apareçam elementos de argumentação e

injunção, o foco são os gêneros do narrar. Há uma progressão nas

discussões das marcas tipológicas, como, por exemplo, os

componentes de um texto narrativo (personagens, narrador,

ambiente, tempo), as partes que compõem o enredo (apresentação,

complicação, clímax e desfecho), as marcas linguísticas

propriamente ditas (classes de palavras e pontuação em função do

gênero da unidade). A cada unidade, o aluno é levado a refletir e

a aprofundar as marcas que tinham sido apresentadas nas unidades

anteriores.

Vejamos um quadro sinótico dos gêneros orais menos

planejados:

VOLUME UNIDADE GÊNEROS DESCRIÇÃO

I

1 – Conto

popular em

prosa

- leitura expressiva

de texto escrito

- criação oral de

desfecho para

conto

- respostas orais a

questões de

interpretação

- Roda de causos.

A unidade discute as

questões da oralidade

em relação,

principalmente, aos

recursos

entonacionais

disponíveis na fala.

Não há uma

sistematização de

gêneros orais

específicos, mas de

um trabalho com a

138

oralidade em função

do gênero que rege a

unidade.

2 – Conto

popular em

versos:

poema

narrativo

- debate

espontâneo

A seção Um bom

debate, presente em

todas as unidades,

promove a interação

espontânea dos

alunos por meio de

questões norteadoras.

4 – Conto

fantástico

- conversa

espontânea

Após a construção de

um desfecho para um

conto – atividade

semelhante àquela da

unidade 1, os alunos

são levados a discutir

sobre os desfechos

criados, tendo que

chegar a um

consenso sobre qual

seria o melhor.

II

1 – Conto

- leitura

dramatizada

- análise de

transcrição

- comentário

crítico oral

Atividades apoiadas

nos textos escritos.

Marcas tipológicas

destacadas. A

análise de texto oral

transcrito avalia de

forma abrangente os

mecanismos da fala.

Discussão oral

apoiada em textos

escritos. Sem

sistematização desse

último gênero.

3- Relato e

memória

- relato oral de

experiência

Apresentação oral de

situações vividas

pelos alunos. Embora

não seja um gênero

139

pouco planejado,

como não se

apresenta uma

sistematização

específica para esse

trabalho, assume-se

que a espontaneidade

da oralidade foi

levada em conta.

III Não foram encontrados gêneros orais espontâneos

diferentes daqueles já abordados em outros volumes.

IV Não foram encontrados gêneros orais espontâneos

diferentes daqueles já abordados em outros volumes.

Tabela 5: Tudo é linguagem – Todos os volumes

Como se percebe nessa sucinta análise, o trabalho com o

gênero oral, especificamente, é pouco contemplado. A seção Um

bom debate é a que rege, de certa forma, esses estudos. No

entanto, não há muito mais que respostas orais às questões de

interpretação. A discussão das características dos gêneros orais é

ineficaz: não há uma exploração dos recursos empregados em

cada gênero, nem das situações interativas que os condicionam. A

oralidade, como atesta o Guia de Livros Didáticos (2010, p.142),

é o “ponto fraco” dessa coleção.

Espera-se que, de uma forma geral, os gêneros da

oralidade menos planejados, que são o foco de nossa análise,

sejam menos discutidos na totalidade das obras. Eles serviriam

como uma base para a análise dos gêneros mais planejados e

frequentes na esfera pública, o que é o objetivo e o foco do espaço

140

escolar. No entanto, a coleção em questão trabalha de forma

escassa tanto os gêneros menos planejados como os mais

planejados. Gêneros como seminários e exposições orais são

pouco ou sequer apresentados aos alunos.

A princípio, a questão da oralidade deve ser entendida

mais do que como um espaço para responder a questões de

interpretação. Se assim se fizer, estaremos trabalhando com a

fala, e não com a construção de gêneros orais (cf. Marcuschi,

2008b). Esse trabalho com a fala é, notadamente, foco da coleção,

haja vista a quantidade de atividades cujo objetivo final é o

aprofundamento das marcas entonacionais e expressivas. A

grande carga de “leituras em voz alta” atesta essa aplicabilidade.

Além disso, a seção dos volumes que trabalha com a oralidade

tem, quase sempre, um contraponto com a escrita, em que essa

última toma o foco principal. Para se ter uma noção da

desproporção dessa interface oral-escrito, o gênero entrevista

(Volume IV), que brota de um contexto conversacional, tem sua

apresentação e aplicabilidade unicamente voltada para a análise e

exploração da sua forma escrita. De certa maneira, esse gênero,

mesmo que planejado minimamente, guarda as características da

espontaneidade, já que o entrevistador tenta adequar suas

perguntas às respostas do entrevistado. Como o gênero só é

apresentado em sua versão escrita, esse planejamento fica

defasado.

141

Uma boa sugestão, caso se pensasse em trabalhar

efetivamente a oralidade, seria o aprofundamento da discussão do

gênero entrevista em sua acepção prévia: análise da situação de

interação que define o gênero; reconhecimento dos papeis dos

atores desse jogo discursivo, bem como suas posições

hierárquicas; observação dos conhecimentos prévios que devem

ser acionados pelo entrevistador no momento da entrevista;

compreensão da progressão temática para que devem apontar as

perguntas em relação às respostas dadas; entre outros elementos

que definem o gênero.

Outra análise que contemplaria o estudo da oralidade seria

a que levasse em conta, para esse mesmo gênero, o par pergunta-

resposta. Para Marcuschi (1998, p. 37), esse par é “uma das

sequências conversacionais mais comuns”. De uma forma geral, o

trabalho que fosse dirigido por essa avaliação, apropriar-se-ia dos

conceitos básicos de oralidade espontânea e esse estudo poderia se

espraiar para outros campos, como uma avaliação dos tipos de

discurso, por exemplo. Um entrevistador tem várias formas de

questionar o entrevistado, seja diretamente, algo que acontece nos

momentos iniciais de uma entrevista, seja indiretamente, fazendo

comentários e avaliações sobre as respostas do entrevistado. Para

executar esses dois tipos de prática, são necessários,

evidentemente, conhecimento e apropriação das características

genéricas. O que se vê muitas vezes, quando o trabalho com esse

142

gênero é aplicado na escola, é a criação de uma lista prévia de

perguntas, que, independentemente das respostas, serão

apresentadas. Às práticas escolares, de forma geral, não trabalham

com a especificidade do gênero.

Além disso, poderia ser pensada outra proposta efetiva

para esse mesmo gênero, como a aplicação das práticas de

retextualização na tradução do texto oral para o escrito. A

entrevista, gênero oral e conversacional, poderia ser apresentada à

turma sob a modalidade escrita, mas desde que se fossem

discutidas as técnicas de transposição para essa modalidade.

Assim, o aluno conseguiria compreender as práticas orais em

relação à escrita, uma associação tão bem quista pelos manuais

didáticos. A proficiência em leitura também seria contemplada.

Se quisesse expandir o arcabouço teórico sobre oralidade,

o material poderia, minimamente, apresentar os mecanismos de

transcrição do texto oral. Assim, o aluno conseguiria visualizar

como ocorrem as construções orais espontâneas, em que momento

aparecem as hesitações, em função de que estão os marcadores

conversacionais, como acontece a passagem de turnos, entre

outros elementos. Castilho (2006) aponta para a necessidade de o

aluno se tornar um pesquisador em língua para apropriar-se

daquilo que já sabe e expandir, eficientemente, seus

conhecimentos sobre a língua. Mais do que estabelecer normas

técnicas para uma transcrição, por exemplo, a construção, entre

143

aluno e professor, de sua própria legenda para marcar as estruturas

orais favoreceria essa apropriação e tornaria o trabalho mais

dinâmico e participativo, também como almejam os PCN.

Aqui, foram sugeridas, minimamente, quatro atividades

que contemplariam não só o trabalho com o gênero oral, como

também sua interface com o estudo de mecanismos linguísticos.

Percebe-se que é possível associar esses conceitos e concretizar as

mais variadas propostas que são apresentadas nos compêndios

teóricos que versam sobre a oralidade. Caberia, portanto, nessa

coleção que ora se apresenta, uma revisão desses conteúdos,

principalmente no que tange ao trabalho com os gêneros orais.

Fazer desse estudo uma atividade de simples resposta em voz alta

a perguntas de interpretação é minimizar as contribuições

linguísticas que o estudo da oralidade tem a oferecer. A obra

poderia, ainda, explorar melhor as mídias que a acompanham, já

que esses mecanismos proporcionam a audição de vários gêneros

textuais. Atividades que levassem em conta essa audição e uma

posterior discussão dos gêneros facilitariam muito o trabalho com

a oralidade no espaço escolar.

6. Considerações finais

Nosso artigo apresenta, portanto, algumas impressões

sobre o trabalho que se efetua com oralidade na escola, mais

144

especificamente com os gêneros menos planejados, levando em

consideração que esses devem, também, ser objeto de discussão e

ensino. Percebeu-se, aqui, tanto pelas apresentações teóricas

quanto pelas análises propostas, que esses gêneros são

minimamente abordados no espaço escolar e cabe aos manuais de

ensino adequarem-se a essa demanda, afinal, como atestam os

PCN, se não for na escola que essa discussão se deva dar, fora

dela tampouco será.

A precocidade do trabalho com oralidade de certa maneira

justifica uma inconstância dos LD nessa produção. No entanto, já

há propostas eficazes que fundamentem uma exploração mais

efetiva desses gêneros e sua aplicabilidade às situações

comunicativas pelas quais passará o aluno dentro e fora do espaço

escolar. Estar preparado para um debate, uma entrevista de

emprego, uma apresentação informal, uma solicitação de

informação, dentre tantos outros gêneros cotidianos e, às vezes,

pouco planejados é o mínimo que se pode esperar ao final de um

trabalho específico com a oralidade. Para que se cumpra o

objetivo educacional da escola, que é de preparar os discentes para

as situações por passarão fora desse ambiente, é urgente que se

revejam as propostas de trabalho com os gêneros menos

planejados. Parafraseando Marcuschi (2005), é preciso falar mais

sobre a questão da oralidade.

145

Referências

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Fontes, 1997 [1929].

BONINI, Adair. A noção de sequência textual na analise

pragmático-textual de Jean-Michel Adam. MEURER, J.L.;

BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D.(org.). Gêneros: teorias,

métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.

BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2011: Língua

Portuguesa. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de

Educação Básica, 2010.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – terceiro e quarto

ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa (PCNEF).

Brasília, Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998.

CASTILHO, Ataliba T. de. A língua falada no ensino de

português. São Paulo: Contexto, 2006.

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na

escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

FÁVERO, L.L. et al. Oralidade e escrita: perspectivas para o

ensino de língua materna. 4ºed. São Paulo: Cortez, 2003.

KARWOSKI, Acir et al. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e

ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

MARCUSCHI, L. A.. Produção textual, análise de gêneros e

compreensão. São Paulo: Parábola, 2008a.

______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.

9.ed. São Paulo: Cortez, 2008b.

______. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco

“falada”. DIONÍSIO, A. & BEZERRA, Ma. Auxiliadora (Org.). O

livro didático de português: múltiplos olhares. 2. ed. Rio de

Janeiro: Lucerna, 2002.

______. Análise da conversação. 4.ed. São Paulo: Ática, 1998.

Livros didáticos BORGATTO, A. T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é

linguagem. 2.ed. São Paulo: Ática, 2009. (Obra em 4 v.)

DISCINI, N; TEIXEIRA, L. Passaporte para a língua

portuguesa. São Paulo: Editora do Brasil, 2007. (Obra em 4 v.)

146

O gênero entrevista na sala de aula: uma proposta de ensino

Letícia Tupper (UFRJ)10

1. Introdução

Dentro do quadro teórico e epistemológico da vertente

sócio-interacional da Linguística Textual (LT), este artigo visa,

sobretudo, refletir sobre a questão do ensino de gênero textual

(GT). No entanto, será dada ênfase aos gêneros orais e à questão

da prática da sequência didática (SD) em sala de aula e, a fim de

ilustrar essa proposta, procuramos utilizar especificamente o

gênero entrevista como objeto de ensino, mostrando como esse

gênero pode e deve ser trabalhado no contexto didático. Por

último, serão analisados dois livros didáticos de português (LDP)

de ensino fundamental (EF) com o intuito de verificar como esses

livros propõem o ensino do gênero entrevista.

Primeiramente, é necessário que saibamos que para um

trabalho sócio-interacionista com a linguagem, no sentido da

constituição de leitores e escritores, há de se considerar o texto o

cerne do ensino de língua materna, já que é o texto que permite ao

aluno perceber e analisar os fatos linguísticos em situações reais

de uso, e não em unidades isoladas. Dentro desse panorama, se

10

[email protected]

147

entendermos que todo texto é concretizado em gêneros,

percebemos que o ensino de língua portuguesa (LP) deve ser

pautado no ensino de GT. Em outras palavras, dizemos que os GT

são os diferentes formatos que os textos assumem para ser

pertinentes e funcionais. Isto é, são a face concreta de um texto.

O trabalho com o texto na escola, de fato, ocorre. Algumas

pesquisas (cf. NEVES, 2008) mostram que muitos professores

afirmam trabalhar com textos, mas o que se faz com eles é a

grande questão. Como sabemos, os textos, na maioria das vezes,

são utilizados basicamente como um conjunto de frases isoladas

para a o ensino de um dado tópico gramatical.

Entretanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

para o ensino de LP, com base nos conceitos de letramento e de

GT, propõem que o texto como unidade de ensino configure um

trabalho que congregue três essenciais práticas de linguagem:

leitura, produção de textos orais e escritos e análise linguística.

Para isso, é necessário que o ensino privilegie os gêneros como

objetivo principal da disciplina. Mas o que significa ensinar um

GT? Que conhecimentos o professor precisa ter para ensinar

determinado gênero? Como ensiná-los?

Além dessas questões, o professor de LP, sabendo da

demanda expressa pelos PCN, deve perceber se e de que maneira

os LDP com os quais trabalha abordam o ensino de gêneros. É

preciso perceber se há uma efetiva colaboração para uma visão

148

crítica do ensino dessa disciplina, em que se enfatize leitura e

produção textual com base em diversos gêneros, tanto orais

quanto escritos, e também observar se esses compêndios oferecem

subsídios para que os docentes saibam como abordá-los.

Partindo desses pressupostos, este artigo contribuirá com

respostas a todas essas questões e possíveis soluções para os

problemas com que se deparam os docentes na sala de aula.

2. Os gêneros textuais como ação social

Sabemos que, em uma sociedade, os sujeitos estabelecem

relações múltiplas. A partir disso, somos levados a crer que nossas

necessidades comunicativas são igualmente múltiplas; os

conteúdos de nossos atos verbais, portanto, são ilimitados.

Diante dessa constatação, é possível perceber que

praticamos infinitas ações de linguagem e tais ações vão formar o

que chamamos de gêneros textuais ou gêneros de discurso.11

Dizemos, portanto, que os gêneros nos são impostos pela

sociedade em que estamos inserindo e por isso reconhecemos e

produzimos, nas interações sociais, vários deles, fato este que

possibilita a comunicação verbal – mesmo que não haja uma

consciência clara disso.

11

Ver discussão sobre a diferença de nomenclaturas no artigo de Rojo (In:

MEURER et al., 2005, p. 184-207).

149

Diante de tal fato, Koch (2004, p. 102) defende a ideia

segundo a qual

(...) os indivíduos desenvolvem uma competência

metagenérica que lhes possibilita interagir de forma

conveniente, na medida em que se envolvem nas

diversas práticas sociais. É essa competência que

possibilita a produção e a compreensão de GT, e até

mesmo, que os denominemos (...).

De acordo com o postulado por de Bazerman (apud

MARCUSCHI, 2008, p. 16), esta capacidade de classificação dos

gêneros é momentânea:

(...) apesar de nosso interesse em identificar os gêneros

e classificá-los, parece impossível estabelecer

taxonomias e classificações duradouras [...]. Pois as

nossas identificações de formas genéricas são sempre

de curta duração.

Ao contrário do que se pode concluir, os gêneros têm uma

identidade e como menciona Marcuschi (2008, p. 16), “eles [os

gêneros] são entidades poderosas que na produção textual nos

condicionam a escolhas que não podem ser totalmente livres nem

aleatórias”. Isto é, os gêneros possuem caráter mediador e

organizador do uso que fazemos da linguagem. Por este motivo,

dizemos que todos os usuários de uma língua devem moldar sua

fala/escrita às formas dos gêneros.

150

Chamamos atenção ainda para o fato de que, para Bakhtin

(apud DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 116) três dimensões

formam a identidade de um gênero: o conteúdo temático (o que é

dizível por meio dele), a estrutura composicional (a forma de

organização do dito) e o estilo (os meios linguísticos que operam

para dizê-lo), elementos indissociáveis na constituição do gênero.

Assim,

(...) o gênero desempenha em toda interação, o papel

de interface entre os interlocutores: ele é o instrumento

de comunicação, à medida que define, para o

enunciador, o que é dizível e a forma de dizê-lo e, para

o destinatário, o „horizonte de expectativas‟. (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2004, p. 116)

Percebemos, assim, que, ao mesmo tempo em que o

gênero impõe restrições e padronizações, também é um convite a

escolhas, estilos, criatividade e variação.

Ainda sobre a classificação dos gêneros, como nos alerta

Dell‟Isola (2007, p. 20) “são fortes os indícios de que o que se tem

ensinado não é o gênero em si, mas o formato engessado restrito a

uma estrutura fixa de como é o gênero”, como se houvesse uma

configuração rígida para cada GT. Devemos ficar alerta para o

perigo de categorizá-los partindo de uma “mentalidade

normativa”, em que os textos são simplesmente rotulados e

ensinados a partir de uma forma fixa, pois os gêneros não se

definem por sua forma, mas por sua função. O aluno deveria, pois,

151

ser capaz de depreender que os GT estão relacionados a certas

funções sociais. Por isso, é importante mostrar que os falantes não

estão impossibilitados de modificar e criar gêneros, como se a

estrutura composicional e o estilo fossem características estanques

de cada gênero. Esse seria um excelente caminho para tentar

explicar a relação entre a linguagem e as estruturas sociais.

Da mesma forma, Meurer (apud DELL‟ISOLA, 2007, p.

23) defende que

(...) tanto na forma oral quanto na escrita, os GT são

caracterizados pelas funções específicas e organização

retórica mais ou menos típica, são reconhecíveis pelas

características funcionais e organizacionais que

exibem e pelos contextos onde são realizados.

Por todos esses motivos, Bakhtin decidiu classificar os

gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados, já que

carregam em si um caráter flexível e plástico. Nessa definição,

podemos dizer que a palavra relativamente é essencial; é ela que

denota a flexibilidade do gênero, a qual está diretamente ligada às

interações sociais, e, se tais relações são complexas e os gêneros

constituem-se a partir das atividades humanas, por consequência,

eles refletirão as mudanças histórico-sociais e, então, estarão

sempre em constante constituição.

Assim, os gêneros, como entidades dinâmicas, sofrem

variações na sua constituição, que, em muitas ocasiões, resultam

152

em outros gêneros, novos gêneros. Não se trata de uma relação de

substituição, mas do aparecimento de gêneros a partir das novas

necessidades de interlocução, o que ocorre através das mudanças

sócio-históricas. Isto é, um gênero surge ou desaparece em função

das condições sócio-discursivas.

2.1. Que gêneros orais ensinar?

Vimos que os gêneros são instrumentos que fazem a

mediação da atividade de linguagem comunicativa. Falta-nos

ainda escolher, dentre uma enorme variedade de gêneros, aqueles

que podem, e talvez mesmo devam, tornar-se objeto de ensino.

Sabendo que o papel da escola é sobretudo o de instruir, mais do

que o de educar, em vez de abordarmos os gêneros da vida

privada cotidiana, é preciso que nos concentremos no ensino de

gêneros da comunicação pública formal.

O trabalho escolar será realizado, evidentemente, sobre

gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira

insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis,

espontaneamente, pela maioria dos alunos; e sobre os

gêneros públicos e não privados. (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2004, p. 83)

Uma das características inovadoras dos PCN é justamente

a inclusão de textos orais no ensino de língua. Dizemos isso

153

porque a tradição escolar é pouco desenvolvida no ensino do oral

e os conhecimentos sobre o desenvolvimento da linguagem oral

na idade escolar são muito limitados. Não é comum, por exemplo,

os LDP e os professores enfatizarem a “oralidade” na sala de aula.

Marcuschi (1997) já alertava para isso, ao analisar diversos

manuais didáticos e não encontrar em nenhum qualquer referência

a textos orais. Segundo os PCN, é a pluralidade de textos, orais ou

escritos, literários ou não, que fará o aluno perceber como se

estrutura sua língua.

Contudo, para os PCN, a existência de um vasto número

de gêneros torna impossível seu ensino de maneira totalizada.

Portanto, os parâmetros afirmam ser necessário priorizar os

gêneros merecedores de uma abordagem mais profunda como os

que dizem respeito aos usos públicos da linguagem que

contribuem para a participação plena na sociedade:

(...) Os textos a serem selecionados são aqueles que,

por suas características e usos, podem favorecer a

reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento

mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição

estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os

mais vitais para a plena participação numa sociedade

letrada. (BRASIL, 1998, p. 24)

Ou seja, “o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar

as formas de produção oral cotidianas para confrontá-los com

outras formas mais institucionais, mediadas, parcialmente

154

reguladas por restrições exteriores” (DOLZ & SCHNEUWLY,

2004, p. 147). Não devemos, pois, perder tempo com textos que

os alunos aprendem sozinhos – oralmente ou na escrita, como o

diálogo escrito numa sala de bate-papos na internet, por exemplo.

Entretanto, devemos ainda proceder a uma seleção dos

gêneros que devem estar na escola, daqueles que devem ser objeto

somente de leitura ou, conjuntamente, de leitura e de escrita. O

gênero poema, por exemplo, não precisa ser objeto de produção,

mas de leitura e reflexão. Devemos ressaltar ainda que não só a

escolha, mas a progressão dos gêneros a serem ensinados merece

atenção. Segundo Dolz & Schneuwly, (2004, p. 104)

(...) ou um mesmo gênero é trabalhado, em diferentes

ciclos/séries, com objetivos cada vez mais complexos,

ou diferentes gêneros pertencentes a um mesmo

agrupamento12 podem ser estudados, em função das

possibilidades de transferência que permitem.

2.2. O que trabalhar nos gêneros em sala de aula?

Como já foi mencionado, o trabalho com os gêneros, de

acordo com os PCN, deve privilegiar três importantes práticas de

linguagem, que devem ser trabalhadas conjuntamente: leitura,

produção textual e análise linguística.

12

Ver proposta de agrupamento de gêneros em Dolz & Schneuwly, 2004, p.

101-108.

155

É importante considerar que todos os textos estão

ancorados em práticas de linguagem historicamente construídas.

Ou seja, em situações de interação social em que as pessoas fazem

um determinado uso da língua.

O caráter social das práticas de linguagem revela que estas

estão em constante reelaboração, à medida que os homens

reatribuem sentido a práticas de linguagem aprendidas ao longo de

sua história e à medida que o modo como os homens produzem

suas próprias vidas também se modifica no decorrer do tempo,

aportando novos veículos de comunicação, novos GT ou novas

modalidades de textos de gêneros já conhecidos. Diante disso, a

adequação linguística dependerá não apenas do uso

gramaticalmente correto da língua, mas de como as pessoas fazem

uso dessa língua nas diversas situações de produção discursiva.

Por isso, a necessidade de entrarmos em contato com textos

originais, sejam eles orais ou escritos. Através deles nos

aproximamos do uso que as pessoas fazem da língua.

Quanto à prática de análise linguística, especificamente,

ressalta-se, no texto dos PCN, que ela não é um novo nome para o

ensino de gramática, mas uma maneira de perceber fenômenos

linguísticos e relacioná-los aos textos:

Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda

que se considere a dimensão gramatical, não é possível

adotar uma caracterização preestabelecida. Os textos

submetem-se às regularidades linguísticas dos gêneros

156

em que se organizam e às especificidades de suas

condições de produção: isso aponta para a necessidade

de priorização de alguns conteúdos e não de outros.

(BRASIL, 1998, p. 78-79).

Diante disso, devemos compreender, definitivamente, que

estudar gramática a partir do texto é essencial para que o aluno

não fique com a impressão equivocada de que texto é uma coisa e

gramática é outra, e que um nada tem a ver com o outro. A

gramática, assim como os gêneros, é um meio para ensinar a ler e

escrever, portanto, não deve ser o objetivo central das aulas de LP.

Devemos ressaltar, porém, que trabalhar a análise

linguística a partir do texto que o aluno escreve é tomar a

produção de textos como um processo e não como um produto

final.

Dessa forma, a prática de escuta de textos orais / leitura de

textos escritos, a prática de produção de textos orais e escritos e a

prática de análise linguística formariam um tripé em cima do qual

sustenta-se o ensino de LP, funcionando como um bloco na

formação dos alunos. Os conteúdos devem partir, portanto, de

diferentes gêneros, sempre valorizando e destacando diferenças e

semelhanças entre eles, fazendo com que o aluno discuta o que vê

⁄ lê para conseguir se sentir usuário da língua e participante do

processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o princípio USO→

REFLEXÃO→ USO. É, portanto, na percepção das situações

157

discursivas que o aluno poderá se constituir como cidadão e

exercer seus direitos como usuário da língua.

Tudo isso deixa claro, conforme aponta Koch, (2009, p.

55), que

(...) o domínio do gênero, como o próprio domínio da

situação comunicativa, domínio este que se pode dar

através do ensino das capacidades de linguagem, isto

é, pelo ensino das aptidões exigidas para a produção de

um gênero determinado [...] seria, pois uma forma

concreta de dar poder de atuação aos educadores e, por

consequência, aos educandos.

Em resumo, os gêneros norteiam as interações sociais e, ao

mesmo tempo, são por elas norteados; apresentam flexibilidade

para as organizações dos enunciados; servem como base para o

dizer social. Os sujeitos se enunciam por meio dos enunciados

construídos dentro de um determinado gênero e, por meio do

enunciado e do seu gênero, expressam suas concepções de mundo,

suas crenças, seus valores, e formando, assim, uma cadeia

ininterrupta de sentidos.

3. O gênero entrevista: oral ou escrito?

A entrevista é um gênero jornalístico de longa tradição que

diz respeito a um encontro entre um jornalista – o entrevistador –

e um especialista ou uma pessoa que tem um interesse particular

158

num dado domínio – o entrevistado. Uma entrevista consiste,

então, em o entrevistador fazer falar esta pessoa expert (o

entrevistado) a respeito de diversos aspectos de um problema, de

uma questão, de um assunto particular, de um projeto, uma

situação etc, com o intuito de comunicar as informações

fornecidas a terceiros que representam, teoricamente pelo menos,

a demanda de informações. Portanto, quando se elabora uma

entrevista, devemos partir sempre de um determinado ângulo de

abordagem que resulta de uma escolha que teve por base a

consciência da importância de determinado assunto em detrimento

de outros.

É importante salientar a existência de vários tipos de

entrevista – entrevista jornalística, científica, radiofônica, médica,

de emprego, dentre outras –, aos quais podemos chamar de

subgêneros. Contudo, qualquer que seja o tipo, há uma ligação

fundamental com o universo da mídia. Seu lugar social de

produção é a imprensa escrita (revistas, jornais), a internet, o rádio

ou a televisão.

Percebemos, pois, que esse gênero possui características

gerais comuns a todos os subgêneros, a saber: 1) sua estrutura será

sempre caracterizada por perguntas e respostas, envolvendo pelo

menos dois indivíduos – o entrevistador e o entrevistado; 2) o

papel desempenhado pelo entrevistador caracteriza-se por abrir e

fechar a entrevista, fazer perguntas, suscitar a palavra ao outro,

159

incitar a transmissão de informações, introduzir novos assuntos,

orientar e reorientar a interação; 3) o entrevistado responde e

fornece as informações pedidas; 4) é um gênero primordialmente

oral, podendo ser transcrito para ser publicado em revistas,

jornais, sites da Internet.

Assim, é possível que, ao mencionarmos o gênero

entrevista, o nosso interlocutor acione significados sociais

histórica e socialmente compartilhados relativos a: temas que

recorrentemente são elaborados em uma entrevista (fatos da vida

ou ideias e opiniões do entrevistado sobre determinados temas ou

eventos), um motivo para fazer uma entrevista (a curiosidade da

sociedade sobre algo relacionado à pessoa pública entrevistada ou

a ela própria), um objetivo (levantar informações acerca dessa

pessoa, da sua opinião, experiência de vida etc), os papéis e

relações sociais dos envolvidos (é possível perceber que,

geralmente, ambos ocupam papéis públicos institucionalizados; a

natureza da relação social e interpessoal condiciona fortemente a

relação que se instaura entre os dois).

Numa visão restrita, os PCN sugerem que o trabalho com

entrevistas poderia ser feito quanto à forma, ensinando ao aluno

que o gênero entrevista se estrutura com perguntas e respostas que

são redigidas na íntegra. Percebemos, assim, que os parâmetros

curriculares não privilegiam o gênero estudado como forma de

enunciar valores, ideologias, vozes sociais e a relação com o

160

outro, mas sim, com a valorização da forma e com finalidade

escolar, como afirma Fiorin (2006, p. 60):

(...) Depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais

estabeleceram que o ensino de Português fosse feito

com base nos gêneros, apareceram muitos livros

didáticos que vêem o gênero como um conjunto de

propriedades formais a que o texto deve obedecer. O

gênero é, assim, um produto, e seu ensino torna-se,

então, normativo. Sob a aparência de uma revolução

no ensino de Português está-se dentro da mesma

perspectiva normativa com que se ensinava gramática.

Isso deixa claro que o ensino de gêneros deve ir além da

chamada normatização descritiva, isto é, a tendência de explicar

só as características formais de cada gênero.

Já segundo a perspectiva de Dolz & Schneuwly (2004) e

também de Bakhtin, o estudo deveria evidenciar o processo de sua

produção, ou seja, as relações dialógicas e a sua contextualização

sociohistórico-cultural. Para eles, são os gêneros que determinam

um enunciado que atende às finalidades de diferentes esferas das

atividades humanas. Por estar intimamente ligado ao enunciado, o

estilo funciona como um elemento do gênero e reflete a

individualidade de quem fala. Assim, as escolhas linguísticas

estão voltadas para a intenção do enunciador perante seu

interlocutor e não exclusivamente para a forma.

Percebemos, então, que a entrevista deve ser estudada e

analisada de acordo com sua função na esfera social em que

161

circula. Contudo, esse gênero pode aparecer como excelente

instrumento de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos

gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos

quanto na oralidade e escrita dos gêneros sugeridos para a prática

de produção de textos orais e escritos. Dizemos, pois, que a

entrevista constitui um gênero oral, mas que é eventualmente

transposto para a escrita. Entretanto, quando transcritas, não

possuem, na maioria dos casos, traços da oralidade e do contexto

situacional, pois, além de serem transcritas, são também editadas

de modo tal que toda marca oral é eliminada. Ou seja, devemos

mostrar aos alunos que a maioria das entrevistas escritas passou

por um processo de retextualização do oral.

Ainda em relação à questão do ensino, é necessário

ressaltar que os gêneros, orais ou escritos, não são conteúdos

escolares isolados, são socialmente produzidos e, quando têm

relevância para a constituição do domínio da língua, precisam ser

ensinados.

O gênero entrevista, portanto, é um dos gêneros orais que

precisa ser ensinado na escola, pois permite mostrar ao aluno

várias estratégias discursivas relevantes não só a esse gênero

como a outros produzidos e recebidos por eles nas diversas

situações linguareiras. Afinal, apesar de os gêneros se

diferenciarem em seus aspectos funcionais, a situação de

162

comunicação própria do gênero está socialmente ligada a várias

outras situações das quais ele depende.

Segundo Gouveia (2008, p. 10),

Segundo Medina (apud GOUVEIA, 2008, p. 10), no

contexto dos estudos jornalísticos, a entrevista

funciona como interação social e quebra de

isolamentos grupais, individuais e sociais. Serve

também como pluralizadora de vozes e como uma

distribuição democrática da informação, seu fim é o

inter-relacionamento humano. Os participantes da

entrevista se interagem, modificam, revelam, crescem

no conhecimento do mundo e deles próprios.

Escolhido o gênero oral a ser ensinado, o professor deve

identificar todos os elementos estáveis que determinam a

ocorrência do gênero que quer ensinar, refletindo sobre esses

elementos e analisando-os com os alunos. Nesse momento, é

preciso perguntar, por exemplo: Quais os elementos da situação

de comunicação de uma entrevista? Como ela se constitui?

Muitos são os elementos que podem ser estudados e

analisados nesse gênero. Como sabemos, as entrevistas, em geral,

além das características que já foram mencionados acima, contêm

outras bastantes marcantes. Por exemplo: alguns sinais de

pontuação, como o ponto de interrogação, o travessão, aspas,

reticências, parêntese e às vezes colchetes aparecem com

frequência e servem para dar ao leitor maior informações que ele

supostamente desconhece. Além disso, há sempre um título (um

163

enunciado curto) que chama a atenção do leitor e resume a ideia

básica da entrevista. Geralmente, esses títulos constituem-se por

paráfrases textuais e são acompanhados por um trecho importante

da fala do entrevistado.

Frequentemente observamos, ainda, algumas fotografias

do entrevistado ou sobre algo relacionado ao tema ou citado no

decorrer da entrevista a título de amostra. A fotografia do

entrevistado aparece normalmente na primeira página da

entrevista e pode estar acompanhada por uma frase importante

dita por ele. Podemos, por exemplo, dizer aos alunos que essas

frases importantes ditas pelo entrevistado, que também podem

aparecer em destaque nas outras páginas da entrevista, são

chamadas de "olho".

Além disso, é importante frisar que a entrevista se

estrutura basicamente por duas tipologias textuais: a expositiva, se

a intenção da entrevista for informar, expor conhecimento

(quando a entrevista é feita com algum especialista de uma área de

conhecimento, por exemplo), e a argumentativa, se o objetivo é

expressar opinião do entrevistado diante de um fato. Na

composição da introdução da entrevista, em que o entrevistador

coloca o leitor a par do assunto que será abordado ou apresentado,

vemos ainda, na maioria das vezes, a predominância da tipologia

narrativa.

164

A entrevista, apesar de ter uma estrutura previamente

preparada, possui uma característica peculiar de transformar a

interação quase numa realização espontânea da fala, entre o

entrevistador e entrevistado, contudo, devemos dizer que,

contrariamente a uma conversa comum, a entrevista apresenta um

caráter estruturado e formal cujo objetivo é satisfazer as

expectativas do destinatário.

Para a atividade pedagógica, a entrevista é um excelente

recurso, pois, além de desenvolver habilidades orais, viabilizar a

coleta de informações, permite um intenso trabalho com o texto,

especialmente quando a proposta for a transposição das palavras

do entrevistado para o texto (na transposição da linguagem falada

para o texto escrito há necessidade de supressões de redundâncias,

repetições, pausas e reelaboração sintática para que o texto não

fique tortuoso para a leitura). O aluno poderá perceber as

diferentes marcas da linguagem falada e escrita, as diferenças

sintáticas, além da necessidade do uso de pontuação adequada.

De acordo com Dolz & Schneuwly (2004, p. 73),

(...) esse gênero [a entrevista], sendo um instrumento

para adquirir e construir conhecimentos, pode, de

maneira válida, constitui-se num modelo simplificado,

suscetível de facilitar a aprendizagem do papel do

mediador, da co-gestão [participação

institucionalizada] e da regulação da conversa formal.

165

3. A sequência didática

De acordo com Dolz & Schneuwly (2004), é dever da

escola auxiliar o aluno a dominar as características específicas de

determinados GT. Mas como o gênero deve ser trabalhado em

sala de aula? Como levar o aluno a construir as habilidades

necessárias à produção de um determinado gênero? A solução

dada é um procedimento que eles denominam sequência didática

(SD).

Uma SD “é um conjunto de atividades escolares

organizadas, de maneira sistemática, em torno de um GT oral ou

escrito”, que tem por finalidade “ajudar o aluno a dominar melhor

um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de

uma maneira mais adequada numa dada situação de

comunicação”. A SD é, portanto, um procedimento que serve para

“dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou

dificilmente domináveis” (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 82-

83) e é composta de quatro etapas: a apresentação da situação, a

primeira produção, os módulos e a produção final.

Na apresentação da situação, devem ser apresentadas as

informações necessárias para que os alunos conheçam o projeto de

comunicação que será realizado na última etapa e a aprendizagem

de linguagem a que se relaciona. Essa parte prepara, ainda, os

alunos para a primeira produção, etapa subsequente, que não deixa

166

de ser uma tentativa de realização do gênero que será trabalhado

nos módulos. De acordo com Dolz & Schneuwly (2004, p. 84) “é

nesse momento que a turma constrói uma representação da

situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser

executada”.

Nessa etapa, os professores devem deixar claro para os

alunos o gênero que será abordado, neste caso, a entrevista, e o

trabalho objetivado: obter informações mais específicas de um

determinado assunto com um especialista da área, por exemplo. O

professor pode ainda perguntar aos alunos se eles já

ouviram/leram ou deram alguma entrevista, sobre o quê, quem,

para quem, em que “veículo”, com qual objetivo etc.

Para esclarecer as representações dos alunos, os autores

sugerem que se peça a eles que leiam ou escutem um exemplo do

gênero visado. Como, no caso da entrevista, é possível realizar

ambas as tarefas, a sugestão é que seja mostrada a entrevista em

vídeo/áudio, e depois a escrita. Ao levantar esse pré-conhecimento

com os alunos, reforçando os aspectos de oralidade sem esquecer

o apoio na escrita, eles tomarão consciência da situação em que se

envolverão e terão melhores resultados no uso dos gêneros como

valiosos instrumentos para o domínio da língua.

A segunda etapa de uma SD é a primeira produção. Esta

constitui uma primeira tentativa de elaboração do gênero

escolhido, o que servirá para mostrar, tanto para o próprio aluno

167

quanto para o professor, o que se conhece sobre aquele gênero.

Dessa forma, não estamos diante de uma produção completa, com

todas as características do gênero, mas essa etapa é crucial, pois

funciona como uma espécie de “reguladora” da sequência.

Cabe ao professor observar os conhecimentos já adquiridos

pelos alunos e também os não incorporados para que proceda a

sequência baseado em aspectos mais objetivos e bem delineados.

Nas palavras de Dolz & Schneuwly (2004, p. 84), “essa etapa

permite ao professor avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar

as atividades e os exercícios previstos na sequência às

possibilidades e dificuldades reais da turma”.

A produção inicial pode ser simplificada, ou seja,

recomendamos que seja pedido aos alunos que façam uma

entrevista com o próprio colega de turma ou mesmo com um

destinatário fictício.

Os módulos servirão, pois, para que os alunos se apropriem

daqueles instrumentos necessários para que se domine o gênero

em estudo, trabalhando os problemas observados, na etapa

anterior, de maneira sistemática e aprofundada. Nessa etapa, é

possível comparar vários textos do gênero estudado, no caso da

entrevista, comparar aquelas feitas para revistas cujo público alvo

é os jovens com as que são feitas para revistas científicas, por

exemplo, ou uma entrevista oral mais informal em comparação

com outra mais formal. Podemos também nos concentrar num

168

aspecto mais preciso de elaboração de um texto, como, por

exemplo, elaborar refutações encadeadas ou a partir de uma

resposta dada na entrevista etc.

Outra importante observação, é que, nessa etapa, os

alunos, além de construírem progressivamente conhecimento

sobre o gênero, adquirem uma linguagem técnica, que será

comum à classe e ao professor. A título de exemplificação,

podemos citar o caso do aprendizado das técnicas para

transformar as respostas do outro em perguntas, numa entrevista,

através de uma linguagem técnica – que pode ser simples –

permite a revisão do próprio texto ou uma melhor antecipação do

que se deve fazer numa produção oral.13

Por fim, a produção final, será o momento em que o aluno

poderá pôr em prática tudo aquilo que foi adquirido na etapa

anterior, isto é, o aluno irá trabalhar todas as noções e os

instrumentos elaborados separadamente nos módulos de forma

conjunta e poderá, com o auxílio do professor, medir a sua

evolução. Poderá haver, portanto, uma comparação da produção

inicial com a final para que a percepção do progresso que

professor e aluno tiveram durante todo o trabalho seja mais nítida.

13

O tempo de duração dos módulos dependerá das dificuldades encontradas em

cada turma, portanto não há como estipular um tempo exato para todas as

turmas: como cada uma apresentará um grau de dificuldade, diz-se que a SD

possui caráter modular.

169

É este o momento, se assim desejar, de o professor propor

uma avaliação, em que os elementos trabalhados em aula sirvam

como critérios de avaliação, havendo, pois, uma explicitação bem

delimitada e conhecida dos critérios a serem avaliados, o que

servirá para que se observe as aprendizagens efetuadas e eventuais

retornos a pontos mal assimilados. A avaliação deve servir, então,

para analisar o progresso, o aprendizado do aluno.

A questão discutida nos parágrafos anteriores leva a outra

consideração: como o aluno não consegue se apropriar de todos os

conhecimentos sobre o gênero de uma só vez, a elaboração

didática, com um dado gênero, precisa ser retomada ao longo da

escolarização dos alunos. Essa constatação da necessidade de

retorno do mesmo gênero no currículo escolar é apontada por

Dolz & Schneuwly (2004), que propõem a noção de currículo em

espiral14

, isto é, a cada retorno do gênero, haverá um

aprofundamento do conhecimento sobre o mesmo.

Além disso, devemos entender que o trabalho com os

gêneros na escola deve ser construído independentemente da

situação imediata de produção, o que exige um certo nível de

ficcionalização. No caso da entrevista,

14

Essa expressão „em espiral‟, remete ao ensino da diversidade textual a cada

nível. O que varia de um nível para outro são os objetivos limitados a serem

atingidos em relação a cada gênero: as dimensões trabalhadas, a complexidade

dos conteúdos e as exigências quanto ao tamanho e ao acabamento do texto.

170

(...) o enunciador tem por função transmitir o saber a outros; o

entrevistador não é somente um jornalista que gostaria de

saber mais sobre o assunto, mas também um mediador entre o

entrevistado e os ouvintes/leitores; o lugar social não é o

espaço onde se realiza a entrevista, mas um tipo de emissão

em um mass media, com restrições bem definidas. (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2004, p. 147)

Como já foi dito, trabalhar com o oral significa levar os

alunos das formas de produção oral cotidianas e imediatas a outras

mais definidas do exterior, mais formais e mediatas. É

precisamente a escola que produz e pressupõe, para seu

funcionamento, modos de comunicação mais fortemente

formalizados e convencionalizados, o que não exclui a

continuação paralela dos outros modos cotidianos.

Essas formas institucionais implicam sempre uma parte de

ficcionalização, à medida que os parâmetros contextuais não estão

dados pela situação imediata, mas pré-definidos

institucionalmente e materializadas no próprio gênero. O

enunciador, o destinatário, lugar social são parcialmente instâncias

físicas e sociais da produção e da recepção imediatas e devem ser

ficcionalizados para aparecer no texto produzido, em forma de

traços diversos. Essa palavra fortemente definida e regulada do

exterior permite e pede uma intervenção didática, portanto, é

sobre ela que deve incidir prioritariamente o ensino do oral. Nesse

sentido, o trabalho sobre a ficcionalização parece constituir uma

dimensão essencial do trabalho sobre o oral.

171

Assim, ao criar um produto final com público definido, a

turma aprende a focar em um gênero e saber o quê, para quê e

para quem escrever/falar. Além disso, no que tange às produções

escritas, a tarefa adquire outro sentido, pois o aluno sabe que

escreve para que outros leiam (e não apenas para o professor), e,

portanto, passa a prestar mais atenção na necessidade de se fazer

entender. E, em relação à aos gêneros orais, passam a regular mais

a sua fala nas diversas situações de uso.

Diante de um trabalho como esse, fica clara a diferença

entre o trabalho do texto como pretexto e do texto como objeto de

ensino, pois, em linhas gerais, o procedimento prepara os alunos

para dominar sua língua nas situações mais diversas da visa

cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos para melhorar

suas capacidades de escrever e de falar; desenvolve no aluno uma

relação consciente e voluntária com seu comportamento de

linguagem e constroi nos alunos uma representação da atividade

de escrita e de fala em situações complexas.

Contudo, é preciso ter cuidado, porque uma das possíveis

derivações do trabalho de SD com os gêneros é fazer uma

pedagogia superficial: apresentar situações de comunicação sem

focalizar as capacidades linguísticas, linguístico-discursivas e as

necessidades dos alunos, que precisam aprender a escrever, em

português, textos importantes para a vida.

172

4. Análise de LDP de Ensino Fundamental

Os dois LDP analisados, ambos do Ensino Fundamental,

foram escolhidos para análise por apresentar como principal

objetivo o trabalho com os gêneros. Devemos ressaltar que o

objetivo da análise não se deu em função de avaliar a qualidade

das obras, mas de verificar como o trabalho com o gênero

entrevista tem sido feito nesses compêndios e quais propostas

podem ser incorporadas como um trabalho produtivo. Para tanto,

foram analisados não só a abordagem feita sobre os gêneros, mas

também as instruções e o suporte oferecidos pelo Manual do

Professor (MP), já que esta parte constitui um ponto de suporte e

às vezes o único referencial teórico que o professor possui. É

importante, então, que essa parte do compêndio seja bem

delimitada e forneça ao professor todas as

informações/explicações e subsídios necessários para todo o

trabalho realizado ao longo da obra.

Como constata Santos (2009, p. 17),

(...) é comum o professor considerar o livro didático, em

especial o MP, como referencial teórico, mas nem sempre os

autores desses manuais deixam claros os objetivos do trabalho

com gêneros [...]. Se os materiais didáticos apresentam falhas

[...], o professor acaba ficando sozinho na tarefa de definir

como trabalhar os textos em sala de aula.

173

O primeiro livro analisado, Passaporte para a língua

portuguesa, de Teixeira e Discini, apresenta em seu MP dois

objetivos principais: “levar o aluno a ler e produzir textos de

diferentes tipos e gêneros e levá-los a refletir sobre as

possibilidades de leitura que o mundo, considerado como um

texto, oferece”. (p. 4). Em torno desses dois tópicos teóricos, as

autoras organizam o estudo da expressão escrita e também da oral

“tendo o texto como fio condutor do projeto (...) e a noção de

gênero como eixo dos estudos feitos nesta coleção” (p. 4 e 8).

Diz-se ainda que serão privilegiados, assim como propõem Dolz

& Schnueuwly (2004), “os gêneros orais formais e públicos (...)

tendo sido escolhidos gêneros pertencentes a diferentes esferas de

circulação” (p. 12).

Apesar de ser perceptível a preocupação desta coleção em

trabalhar com os gêneros, foi possível observar vários deles sendo

trabalhados sem a sistematização devida. Confirmamos, dessa

forma, que, ao trabalhar com muitos gêneros dentro de uma

mesma lição, por exemplo, torna-se praticamente impossível

trabalhar as características específicas a cada um dos gêneros,

além de não contribuir para o trabalho em espiral como pregam os

PCN, ou seja, as vantagens sócio-histórico-culturais do processo

são deixadas de lado, ocorrendo uma abordagem superficial.

É necessário, pois, que haja uma sistematização consciente

de cada gênero abordado, senão o trabalho com os gêneros será

174

feito superficialmente com o intuito apenas de apontar uma

diversidade deles, o que não deve ser o objetivo do ensino,

porque, dessa forma, o gênero está sendo usado somente como

pretexto. De acordo com Santos (2009, p. 9),

(...) mesmo quando há variedade de textos, de domínios

discursivos diversos, nem sempre a abordagem dos gêneros

nos LDP se caracteriza por uma sistematização coerente e

uma reflexão sobre os papeis dos interlocutores, os objetivos

do texto e as estratégias necessárias para lê-lo/produzi-lo.

Além disso, não se abordou nesta coleção o gênero

entrevista, apesar de ela estar enquadrada na esfera jornalística,

bastante produtiva no que se refere aos gêneros em nossa

sociedade. Mesmo no trabalho com a reportagem, também

relacionada à esfera jornalística, não houve menção ao gênero

entrevista. Ou seja, nossa pesquisa, em relação a essa coleção, não

obteve resultados frutíferos no que concerne o trabalho com o

gênero pesquisado.

No que se refere ao segundo livro analisado, Tudo é

linguagem, de Borgatto et al, foi possível perceber um excelente

trabalho com o gênero entrevista. Sendo assim, a análise consistirá

em apontar os pontos fortes da proposta elaborada pelas autoras e

serão mencionadas algumas sugestões para um melhor trabalho

com esse gênero. Além disso, será observado se a proposta está de

acordo com o trabalho em SD, que mencionamos acima.

Começando pelo MP, percebemos que a obra possui como

eixo norteador os GT,

175

priorizando o estabelecimento da SD que pretende contemplar a

progressão em espiral. A primeira abordagem do gênero entrevista

é feita no livro do 7º ano, inserida na apresentação do gênero

reportagem. Nesse momento, são traçadas algumas características

do gênero, sem aprofundamento, pois a abordagem completa,

como é alertado ao professor em nota esclarecedora, será feita na

unidade 4 da obra destinada ao 9º ano.

No livro do 9º ano, então, há um trabalho bastante extenso

com o gênero entrevista. Na apresentação da unidade 4 (p. 117),

podemos observar uma tentativa de reproduzir a primeira etapa da

SD, ou seja, a apresentação da situação, em que é dito para os

alunos que

(...) uma das maneiras de obtermos informações sobre

determinado campo do conhecimento é conversar com

alguém que domine o assunto de nosso interesse. Essa

conversa pode se transformar em uma entrevista quando

preparada previamente, com perguntas planejadas por

alguém, que será o entrevistador, para serem feitas ao

entrevistado, com ordenação dos turnos de fala.

Entretanto, consideramos que o professor não precisa – e

talvez nem deva – se limitar somente a essa apresentação, como já

foi dito, ele pode recorrer a outros artifícios, como interrogar os

alunos para descobrir qual a experiência deles com o gênero a ser

estudado. Investigar o que eles já sabem sobre uma entrevista, se

já leram alguma e se a resposta for positiva, perguntar-lhes sobre

176

o quê, ou sobre quem foi, o que levou a ler aquela determinada

entrevista etc. Essas questões podem ser feitas até mesmo antes da

apresentação sugerida pelo livro.

É possível também que o professor leve para os alunos

uma entrevista em vídeo, para tentar ser mais realista. Fica a

critério do professor o assunto da entrevista a ser escolhido,

sugerimos aqui que seja uma entrevista cuja temática esteja

relacionada ao que vem sendo estudado, não só na sua disciplina

(literatura, gramática, redação), mas também em outras – um bom

momento para estabelecer a interdisciplinaridade tão comentada e

exigida ultimamente.

Após essa apresentação, é feita, neste volume, uma

reprodução de três entrevistas escritas cujos objetivos diferem: a

primeira é referente ao único astronauta brasileiro na Nasa e

objetiva mostrar o processo que o levou a ser um astronauta; a

segunda é feita com um cantor e objetiva informar sobre a

produção artística e vida pessoal do entrevistado; e a terceira é

feita com uma importante escritora e tem por objetivo divulgar as

próximas obras da autora.

Há, entretanto, um ponto em comum entre elas: todas

possuem como tema a importância de perseguir ideais, de não

desistir de sonhos. Além disso, todas as reproduções foram

iniciadas com a apresentação (ficcional) do veículo original de

onde elas foram retiradas, o que também é considerado importante

177

para mostrar aos alunos a forma como aquele gênero é veiculado

fora da escola e torná-lo mais real e mais fácil de ser identificadas

no dia a dia.

Apesar dessa tentativa de reprodução do gênero estudado,

é preciso que sejam promovidas atividades de

ensino/aprendizagem em que os alunos leiam textos nos

respectivos suportes em que foram publicados e que produzam os

gêneros de forma que eles circulem naquela esfera à qual

pertencem.

Em relação às atividades de interpretação de texto,

presentes após cada uma das entrevistas, foi possível perceber que

elas são mais direcionadas ao texto em si do que ao gênero.

Contudo, há questões bastante produtivas que focalizam a

estrutura que compõe o gênero, analisando as partes que a

compõem: a introdução e a entrevista propriamente dita. Nesta

última, procurou-se analisar a escolha do título, os papéis dos

interlocutores, o tipo de registro adotado, a marcação dos turnos

de fala, os tipos de perguntas, as circunstâncias de comunicação,

aspectos visuais etc.

Merecem destaque as atividades que focalizaram a

tipologia argumentativa presente em um trecho da 1ª entrevista

(p.125), a que ressalta o uso dos advérbios interrogativos nas

perguntas do entrevistado (p.124) e a que destaca os recursos

empregados para marcar os turnos de fala, as hesitações etc.

178

A obra propõe trabalhar com atividades escritas e orais, no

entanto, em relação a estas últimas, é feito um trabalho superficial,

pois os alunos não são levados a praticar o gênero em seus

aspectos orais, são apenas perguntas pessoais que exigem leitura

ou exposição em voz alta.

Após as duas primeiras entrevistas e ao final da

apresentação destas, é pedido aos alunos que comparem as

entrevistas reproduzidas a fim de mostrar-lhes as diferenças de

níveis de linguagem de ambos os participantes da situação e a

tipologia predominante em cada uma, mais expositiva ou

argumentativa. Esta abordagem é interessante porque mostra a

adequação da linguagem aos diferentes propósitos comunicativos

e mostra que a entrevista é um gênero que poder ser formal ou

informal, a depender das circunstâncias. Nessa parte, há uma forte

preocupação em ressaltar o contexto, a circunstância em que a

entrevista aconteceu, a intenção e o possível receptor do texto,

fatores esses que devem ser observados no estudo da entrevista

como em qualquer outro gênero.

Lemos no MP (p.2), que “os GT constituem o eixo

norteador da organização didática dos conteúdos de cada uma das

unidades. São os elementos desencadeadores de estudo e reflexão

sobre diversas práticas de linguagem (...)”. Ao analisar os pontos

gramaticais ao longo de toda obra, pudemos perceber que, dentro

de cada unidade, há a sistematização de alguns pontos

179

gramaticais. Na unidade norteada pelo gênero entrevista,

entretanto, os pontos a serem abordados são referentes ao

“processo de subordinação, classificação das orações

subordinadas, o estudo dos pronomes relativos e da regência

verbal”. Como se nota, são conteúdos desvinculados do gênero.

Ou seja, não há uma ligação dos conteúdos gramaticais com o

gênero estudado, como sugere a SD.

Apesar do bom trabalho, podemos observar que parece ser

difícil elaborar atividades especificamente com base nos GT. A

maioria apresenta ênfase na interpretação do texto que compõe o

gênero. Conforme defendem Dolz & Schneuwly (2004), é

importante que sejam considerados aspectos como a estrutura, o

tema, o estilo, o suporte e a situação de interlocução nas

atividades de leitura e produção textual. Deste modo, fica notória

a dificuldade de os livros didáticos procederem a uma integração

entre o estudo dos gêneros com os estudos dos tópicos

gramaticais. Apesar de já haver um trabalho que priorize as

características formais e funcionais dos gêneros, ainda há

necessidade de cumprir os conteúdos exigidos pela escola, sem

atrelar esses conteúdos a textos efetivamente produzidos.

O trabalho mais próximo de uma SD se encontra no

caderno de produção de textos, um material à parte do livro,

destinado às produções textuais dos alunos. Neste material,

encontrou-se uma excelente ferramenta de trabalho com o gênero

180

entrevista. Neste caderno, há um trabalho integral com o gênero,

bastante semelhante ao procedimento com SD. Começa, porém,

com os módulos, em que são pedidas aos alunos atividades

variadas para treinamento. As atividades, aqui, envolvem também

tarefas de áudio (a obra inclui CD-Rom) como a retextualização

da entrevista oral para a escrita. Pedia-se aos alunos que, após

ouvir as respostas dadas pelos entrevistados, fossem elaboradas

possíveis perguntas para as respostas dadas. Ou seja, nesse

momento, confrontam-se os alunos com possíveis problemas a

serem encontrados na produção final.

Além disso, são sugeridos trabalhos em grupo e

individuais cujo objetivo principal é a elaboração de uma

entrevista a ser publicada, sugere-se que a publicação seja feita no

jornal do bairro, da própria escola ou mesmo no mural da escola.

O tema é sugerido pelo caderno e o entrevistado deve ser

escolhido pelos alunos. Neste caso, espera-se que eles escolham

um especialista naquele assunto.

Todas as tarefas exigidas no caderno já foram, de alguma

forma, abordadas no livro didático, portanto, o trabalho se torna

mais fácil e rápido. O que ocorre, de fato, é a produção de uma

entrevista pelo aluno após um contato prévio com este gênero no

livro do aluno.

Além dessas constatações, é necessário dizer que, nesta

obra, o MP satisfaz bastante as expectativas, pois é visível a

181

preocupação em oferecer bases teóricas ao professor. A

explicação de como dividir a obra e os objetivos gerais é bem

detalhada.

5. Considerações finais

Defendemos aqui que as práticas didático-pedagógicas de

LP precisam considerar a heterogeneidade de textos existentes em

nossa sociedade e levar em conta a necessidade de tornar nossos

alunos proficientes leitores e produtores de textos.

Para um trabalho como este, é necessário, antes de tudo,

que se compreenda que essa proficiência só pode ser alcançada

através do trabalho com os GT. Para tanto, é imprescindível que o

professor seja letrado nos gêneros que pretende ensinar, caso

contrário não será bem sucedido na sua tarefa. Entretanto, o

procedimento SD, como vimos, constitui uma excelente maneira

de lidar com o estudo de gêneros, uma vez que “propõe uma

forma precisa de trabalhar em sala de aula” (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2004, p. 82).

Em outras palavras, cabe aos professores promover

oportunidades para um aprendizado igualitário com vistas a vários

letramentos que levam os aprendizes a compreensões de como

funcionam os textos nas sociedades; o desafio, porém, está em

criar situações em sala de aula que permitam aos alunos a

182

apropriação desta diversidade. Essa apropriação, contudo, não

pode estar limitada ao que os livros didáticos trazem, nem ao que

oferecem como atividades, pois muitas vezes, como constatamos,

eles não apresentam um trabalho integral com os gêneros.

Percebemos a necessidade de se integrar os estudos linguísticos

com o estudo dos gêneros.

Apesar de não termos encontrado um estudo sobre o

gênero entrevista em uma das obras, acreditamos que nesses

casos, o professor deva realizar um trabalho autônomo, que pode

ter como base o trabalho realizado com outros gêneros de uma

mesma esfera, por exemplo. Para isso, é importante que o MP dê

suporte para o docente, para que não o mesmo se sinta inseguro

em relação a essa tarefa.

Caso o LD não apresente um trabalho sistemático com os

gêneros que se pretende ensinar, o professor deve ser capaz de

preencher esse vazio. Para tanto, faz-se necessário que esteja

sempre ciente das pesquisas realizadas sobre o assunto, o que

requer constante atualização e estudo. Além disso, os autores dos

livros didáticos devem priorizar o trabalho contínuo com os

gêneros, de forma a levar os alunos a adquirir conhecimentos de

forma progressiva além de priorizar o estudo de alguns gêneros

em detrimento de outros, já que se torna impossível fazer um

trabalho sistemático com muitos gêneros. Para tanto, percebemos

183

que o trabalho com os gêneros atrelado ao trabalho com a SD é a

melhor opção.

Quanto aos alunos, é necessário que se sintam preparados

para compreender a dinâmica dos gêneros que circulam na

sociedade e se sintam aptos a interagir, não só com os gêneros a

que estão familiarizados, mas principalmente com os que não lhes

são familiar, dada a dinamicidade do discurso.

Percebemos, desse modo, que os GT servem como

ferramenta essencial para a socialização do aluno e permitem lidar

com o uso autêntico da língua. Sendo assim, devemos entender

que aprender a LP é aprender a compreender e produzir gêneros

orais e escritos.

A inclusão do gênero entrevista nas aulas de LP, por sua

vez, enriquece o trabalho do professor através da interpretação e

produção de texto em atividades orais e escritas. Ao analisarmos

sua estrutura, seu conteúdo, seu estilo, suas finalidades e suas

intenções, estaremos ensinando aos aprendizes formas de enunciar

valores, ideologias, vozes sociais e a relação com o outro, isto é,

fazemos com que os alunos adquiram um domínio progressivo das

situações de interlocução.

Diante de toda essa discussão, torna-se necessário discutir

propostas de inclusão dos GT na elaboração de conteúdo

programático e materiais didáticos e na formação dos professores,

além de ser importante continuar investigando de que forma os

184

LD estão inserindo o estudo com os gêneros em suas análises.

Observamos que apesar de os LD apresentarem melhoras em

relação ao estudo dos gêneros, ainda é preciso maior destaque e

organização na abordagem do assunto.

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186

O gênero textual exposição oral (seminário) em dois livros didáticos de língua portuguesa do

Ensino Fundamental

Vivian de Oliveira Quandt (UFRJ)15

1. Introdução

Há bastante tempo, é difundida, no Brasil, pelo menos nos

meios acadêmicos, a ideia de que o texto é a base do ensino-

aprendizagem do português como língua materna. No entanto,

segundo Rojo & Cordeiro (2010, p. 8), nas três últimas décadas,

primeiramente, o texto foi usado, na sala de aula, como “material

empírico que propiciava atos de leitura, de produção e análise

linguística”. Assim, durante essa época, o texto era tomado como

objeto de uso e servia para estimular hábitos de leitura e escrita,

não havendo, portanto, espaço para o ensino.

Mais tarde, ainda de acordo com Rojo & Cordeiro (2010),

algumas propriedades do texto passam a ser referenciadas no

ensino, sobretudo as estruturais, por meio das noções da

linguística textual. Depois, esse tipo de ensino deu lugar a uma

“gramaticalização dos eixos do uso, passando o texto a ser

“pretexto” não somente para um ensino da gramática normativa,

mas também da gramática textual” (Id., p. 9).

15

[email protected]

187

Essas práticas escolares com o texto, entretanto, estavam

formando leitores apenas com as capacidades mais básicas de

leitura/escrita, e isso ficava nítido ao observar, por exemplo, as

dificuldades de muitos alunos, ao final do Ensino Médio, em

compreender os textos propostos para leitura e organizar ideias

por escrito.

Essas evidências de fracasso escolar apontaram a

necessidade da reestruturação do ensino de língua portuguesa,

com o objetivo de encontrar formas de garantir, de fato, a

aprendizagem da leitura e da escrita. Dentro desse contexto,

aparecem os programas e propostas curriculares oficiais, como os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), por exemplo, que

ajudaram a mudar o enfoque dado ao texto e seus usos na sala de

aula até então.

Segundo os PCN do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998,

p. 19), o domínio da língua oral e escrita é fundamental para a

participação social efetiva, já que é por meio dela que “os homens

e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam

e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de

mundo, produzem cultura”.

Sendo assim, preconiza-se que a escola, como espaço

institucional de acesso ao conhecimento, reveja as práticas de

ensino – que tratam a língua como algo sem vida e os textos como

conjunto de regras a serem aprendidas – e viabilize o acesso do

188

aluno ao universo dos textos que circulam socialmente,

ensinando-o a interpretá-los e a produzi-los de maneira eficaz e

“nas mais variadas situações” (BRASIL, 1998, p. 19). Dessa

forma, os PCNEF defendem que o texto deva estar no centro do

ensino da língua materna, com base numa diversidade de gêneros

textuais.

Essa ideia de centralizar o ensino da língua no texto, com

o intuito de desenvolver a competência discursiva dos alunos se

justifica pelo fato de, nas palavras de Marcuschi (2009, p.154), ser

“impossível não se comunicar verbalmente” por algum

gênero/texto, “porque toda a manifestação verbal se dá sempre por

meio de textos realizados em algum gênero” em função das

intenções comunicativas.

Nessa perspectiva, segundo os PCNEF, é necessário

contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e

gêneros não apenas em função de sua relevância social, mas

também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros

são organizados de diferentes formas. Assim, são colocados como

tópicos de estudo, também, os gêneros orais, uma vez que

somente através do contato e trabalho com uma pluralidade de

textos não só escritos como também orais, o aluno poderá ter

plena consciência da sua capacidade discursiva e, a partir daí,

exercer sua cidadania de maneira eficaz.

189

Embora os PCNEF sejam inovadores em alguns aspectos –

como a inserção da análise dos gêneros orais na escola – eles

pecam em outros, já que, de acordo com Marcuschi (2009, p. 207)

não indicam de maneira clara como tratar os gêneros (tanto orais

quanto escritos) nos livros didáticos. Essa questão apontada pelo

referido linguista faz com que se crie uma expectativa nos

profissionais que trabalham na área de ensino de língua: como os

manuais de língua portuguesa estão trabalhando os gêneros

textuais?

Partindo da indagação apresentada acima, o presente artigo

pretende analisar de que maneira os livros didáticos de português

do Ensino Fundamental estão apresentando e aplicando o conceito

de gêneros textuais, em especial, o de gêneros orais.

Como muitos são os livros didáticos de língua portuguesa

e muitos são os gêneros textuais orais que podem ser trabalhados

na escola, essa pesquisa restringe-se a analisar somente dois livros

didáticos (Borgatto et al. (2009) e Discini & Teixeira (2008)) e

somente o gênero oral seminário dentro dessas obras.

Esse trabalho pretende tratar os gêneros textuais seguindo

a linha bakhtiniana alimentada pela perspectiva de orientação

sociointeracionista – que se recusa a considerar a língua como um

sistema autônomo e como simples forma –, muito bem discutida,

por exemplo, em Marcuschi (2009) e Dolz & Schneuwly (2010),

que fazem uma releitura didática das ideias de Bakhtin,

190

preocupando-se, em particular, com o ensino dos gêneros textuais

na língua materna.

Assim sendo, o presente trabalho organiza-se da seguinte

forma: breve exposição dos pressupostos teóricos em que se

baseou a investigação; descrição dos livros didáticos, no que diz

respeito ao gênero oral mencionado; exposição da análise

empreendida nos livros didáticos, incluindo aí não só observações

acerca dos manuais do professor presentes nesses livros, como

também sugestões de atividades – com base em exemplos

presentes nos livros analisados – e algumas considerações finais.

2. Referencial teórico

Já que o objetivo do trabalho é fazer uma análise de como

estão sendo trabalhados os gêneros orais, especificamente o

gênero seminário, em dois livros didáticos do Ensino

Fundamental, neste capítulo, será dada ênfase justamente a esse

gênero, não deixando, é claro, de apresentar considerações com

relação ao trabalho com os gêneros, de uma maneira geral, na

escola.

2.1. Os gêneros textuais na escola

De acordo com Marcuschi (2009, p. 155), os gêneros

textuais são os textos com os quais nos deparamos em nossa vida

diária e que apresentam padrões sociocomunicativos

191

característicos definidos por “composições funcionais, objetivos

enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de

forças históricas, sociais, institucionais e técnicas”. Assim sendo,

os gêneros são vistos como formas textuais orais ou escritas

bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.

Dessa forma, quando dominamos um gênero textual, não

dominamos uma forma linguística, mas uma forma de realizar

linguisticamente objetivos específicos em situações sociais

particulares. É nesse ponto que entra a importância de trabalhar os

gêneros, nas aulas de língua portuguesa, do Ensino Fundamental.

Se, conforme Bakhtin (1979, p. 279) (apud Marcuschi,

2009), todas as atividades humanas estão relacionadas ao uso da

língua, que se efetiva através de enunciados orais e escritos

concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou de

outra esfera da atividade humana, nada mais lógico que trabalhar

os gêneros, na escola, por meio de atividades feitas com os textos

– já que todo gênero se realiza em textos e não como elementos

linguísticos isolados.

Assim, quando se ensina, na escola, a se operar com um

gênero, está-se, na verdade, ensinando um modo de atuação sócio-

discursiva, numa cultura, e não um simples modo de produção

textual (MARCUSCHI, 2008).

Resumindo, se um dos objetivos do ensino de língua

portuguesa, no Ensino Fundamental, apresentado nos PCN, é

192

preparar os alunos a dominar sua língua nas situações mais

diversas da vida cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos

e eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e de falar,

relacionando-se de maneira competente com o mundo ao seu

redor para que, dessa forma, possa exercer sua cidadania de

maneira plena, nada mais natural seria, portanto, colocar como

centro desse ensino a análise textual baseada em gêneros.

Assim, cabe ao professor a tarefa de criar condições para

que o aluno se aproprie das características linguísticas e

discursivas de diferentes gêneros em situações de comunicação

real. Para tanto, pode-se utilizar projetos pedagógicos que visem

não só ao conhecimento, à leitura e à produção desse gênero, mas

também à discussão sobre seu uso, suas funções sociais e sua

circulação dentro da sociedade.

A proposta pedagógica mencionada acima pode ser

aplicada, por exemplo, por meio do que Dolz & Schneuwly

(2010) chamam de “sequências didáticas”, conforme pode ser

observado no próximo subcapítulo.

2.2. O Modelo de trabalho com sequências didáticas

Segundo Dolz & Schneuwly (2010), é possível ensinar a

exprimir-se oralmente e a escrever em situações públicas e

extraescolares, desde que, dentro do ambiente escolar, sejam

193

oferecidas, aos alunos, múltiplas ocasiões de escrita e de fala, sem

que essas se transformem, num objeto de ensino sistemático.

Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou

exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos

alunos apropriarem-se das noções, das técnicas e dos

instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas

capacidades de expressão oral e escrita, em situações de

comunicação diversas. (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.

82)

Essa proposta de trabalho defendida pelos autores é

aplicada com um procedimento de ensino denominado “sequência

didática” que, segundo eles, é “um conjunto de atividades

escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um

gênero textual oral ou escrito” (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.

82).

A proposta da sequência didática parte da ideia de que é

possível ensinar gêneros textuais escritos e orais (públicos) de

maneira ordenada. Justamente por isso, os procedimentos

aplicados dentro da sequência teriam um caráter modular e se

distribuiriam ao longo de todas as séries do Ensino Fundamental.

Marcuschi (2009) resume a proposta da sequência

didática, indicando que a ideia central é a de que se construam

situações reais com contextos que permitam reproduzir de

maneira geral e também detalhada a situação concreta de

produção textual incluindo sua circulação.

194

Assim, uma sequência didática teria a finalidade de ajudar

o aluno a dominar melhor um gênero textual, permitindo-lhe

escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada

situação de comunicação. Dolz & Schneuwly (2010, p. 83)

salientam ainda que esse trabalho escolar deveria recair sobre

gêneros que o aluno não domina ou que domina parcialmente e

sobre os gêneros públicos e não privados; “as sequências didáticas

serviriam, portanto, “para dar acesso aos alunos a práticas de

linguagem novas ou dificilmente domináveis”.

A estrutura de base de uma sequência didática é

apresentada pelos autores por meio do seguinte esquema,

apresentado na figura 1:

Figura 1: Estrutura de uma sequência didática, segundo Dolz &

Schneuwly (2010)

Como pode ser visto no diagrama acima, a sequência

didática seria estruturada seguindo os seguintes passos:

apresentação da situação; produção inicial; módulos e produção

final.

A apresentação da situação seria o momento em que

alunos e professor, em conjunto, construiriam uma representação

195

da situação de comunicação e da atividade da linguagem que será

efetuada. Nesse momento, portanto, define-se se a modalidade

será oral ou escrita; qual gênero será produzido, para quem, qual

forma terá a produção (rádio, televisão, cartaz, carta, jornal, etc.) e

quem participará da produção (se todos os alunos ou apenas

alguns; se de maneira individual ou em grupo). Vale ainda

ressaltar que é nessa etapa que se apresentam exemplos do gênero

que será produzido.

A produção inicial seria o momento em que os alunos

tentam elaborar um primeiro texto oral ou escrito (dependendo do

gênero escolhido). Essa etapa é muito importante, pois demonstra

as capacidades que os alunos já têm e suas potencialidades e,

também, quais as suas dificuldades, possibilitando ao professor

delinear melhor as próximas etapas.

Em cada módulo, que podem ser vários e não

necessariamente três, como mostra o esquema, treina-se a

produção para a elaboração final do texto. Nos módulos, os

problemas, que apareceram na produção inicial são trabalhados a

fim de fazer com que os alunos os superem.

A sequência é finalizada com uma produção final, que “dá

ao aluno a possibilidade de pôr em prática as noções e os

instrumentos elaborados separadamente nos módulos” (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2010, p. 90).

196

Conforme pôde ser visto na descrição acima, esse modelo

de trabalho com a língua através da sequência didática age com a

produção textual e não apenas com as palavras isoladas. Além

disso, de acordo com Marcuschi (2009, p. 217), “tem uma visão

de língua como um conjunto de práticas sociais e vê os gêneros

nesta mesma linha”.

Vale ressaltar ainda que, nas atividades com da sequência

didática, a produção textual, escrita ou oral, é um trabalho que se

situa em contextos da vida cotidiana, e os textos são produzidos

para alguém com algum objetivo. Em suma, de acordo com Dolz

& Schneuwly (2010, p. 96), o trabalho com as sequências

didáticas visa “ao aperfeiçoamento das práticas de escrita e

produção oral e estão principalmente centradas na aquisição de

procedimentos e de práticas”.

2.3. O gênero oral na escola: a importância da

exposição oral (seminário)

Como muito bem apontam os PCN, não é papel da escola

ensinar o aluno a falar, já que isso a criança aprende muito antes

da idade escolar. Talvez por isso, a escola tenha deixado de lado,

por tanto tempo, quaisquer usos e formas da língua oral, pensando

ser isso desnecessário.

Assim, embora a língua oral esteja sempre presente nas

salas de aula – seja nas leituras de instruções e na correção de

197

exercícios, seja nas rotinas cotidianas – frequentemente ela não é

ensinada, ocupando um lugar bastante limitado na escola.

O desenvolvimento da capacidade de expressão oral do

aluno, no entanto, depende consideravelmente da escola, que lhe

ensinará os usos da língua adequados a diferentes situações

comunicativas, por exemplo. Justamente por isso, os PCN frisam

a importância de a escola ensinar a utilização adequada da

linguagem em instâncias públicas, fazendo com que o aluno

utilize a língua oral de forma cada vez mais competente.

Analisando a oralidade na sala de aula, Dolz & Schneuwly

(2010, p.131) indicam que é necessário definir as características

do oral a ser ensinado. Assim sendo, eles apontam que há uma

gama “quase infinita” de variedades do oral que vai do mais

espontâneo ao menos espontâneo, com um grau de intervenção

mais ou menos forte da escrita, “que permanece sempre como

uma referência direta ou indireta para os locutores alfabetizados”.

Assim,

o oral “espontâneo” é geralmente pensado como fala

improvisada em situação de interlocução conversacional que,

numa das extremidades, constitui um “modelo” relativamente

idealizado, a respeito do qual, às vezes, à primeira vista,

sublinha-se o aspecto aparentemente fragmentário e

descontínuo (...). Situado na outra extremidade em relação a

esse estilo oral espontâneo, temos as produções orais

restringidas por uma origem escrita que identificamos ou

descrevemos como a “escrita oralizada”. Trata-se, portanto,

de toda palavra lida ou recitada. (DOLZ & SCHNEUWLY,

2010, p.131-132)

198

Como pode ser visto acima, o oral, no ensino, ainda não

está bem compreendido como objeto autônomo de trabalho

escolar, permanecendo, assim, bastante dependente da escrita,

sendo a leitura em voz alta, ou seja, a escrita oralizada, a atividade

oral mais frequente na prática (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.

139).

Também fazendo uma análise dos gêneros textuais

falados, Marcuschi (2008, p. 187) salienta que essa é uma área na

qual os estudos não são abundantes e observa, ainda, que “o

estudo da classificação das interações verbais orais é bem mais

recente e menos sistemático que a classificação dos textos

escritos”.

Justamente pelo fato de os gêneros orais serem, ainda nos

dias atuais, pouco discutidos, Dolz & Schneuwly (2010)

enfatizam que o oral se ensina e se aperfeiçoa na escola.

Vistos como megainstrumentos16

, os gêneros tanto orais

quanto escritos constituem a referência essencial para abordar

infinita variedade das práticas de linguagem e o meio de tratar a

heterogeneidade das unidades textuais. E, como o papel da escola

é, sobretudo o de instruir, quando no momento da escolha de que

gênero oral ensinar, em vez de abordar os da vida privada

16

Para Dolz & Schneuwly (2010, p.146), os gêneros são considerados

megainstrumentos, uma vez que “podemos considerá-los como a integração de

um grande conjunto de instrumentos num único – que fazem a mediação da

atividade de linguagem comunicativa”.

199

cotidiana, aos quais os alunos tem acesso contínuo e irrestrito, é

preciso que o ensino se concentre nos gêneros da comunicação

pública formal – tanto “aqueles que servem à aprendizagem

escolar (...) (exposição, relatório de experiência, entrevista,

discussão em grupo etc.)” quanto “aqueles da vida pública no

sentido lato do termo (debate, negociação (...), teatro, etc.)”

(DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.146).

A opção de trabalhar os gêneros formais públicos, na

escola, advém justamente do fato de eles, diferentemente da

produção oral cotidiana, constituírem formas de linguagem que

apresentam restrições impostas do exterior e “implicam,

paradoxalmente, um controle mais consciente e voluntário do

próprio comportamento para dominá-las” (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2010, p.147).

Dos diversos gêneros orais que podem ser trabalhados na

escola, a exposição (seminário) é a atividade que mais parece útil

aos professores para desenvolver o domínio da oralidade, segundo

uma pesquisa empreendida com professores da Suíça francófona

(cf. DOLZ & SCHNEUWLY, 2010). Infelizmente, no entanto, o

seminário é comumente praticado, nas salas de aula, sem que um

verdadeiro trabalho didático seja feito.

O seminário, segundo Dolz & Schneuwly (2010, p.185),

pode ser definido, como já foi dito anteriormente, como um

gênero textual público relativamente formal – já que é usado,

200

basicamente, nas escolas – no qual um “expositor” especialista

dirige-se a um “auditório”, de maneira estruturada, a fim de “lhe

transmitir informações, descrever-lhe ou lhe explicar alguma

coisa”.

Assim sendo, o seminário além de ser um instrumento

privilegiado de transmissão de uma infinidade de conteúdos, não

só para quem está apresentando como também para o público

espectador, se trabalhado pedagogicamente, serve também para

que o aluno-expositor perceba que existe todo um trabalho

anterior à apresentação: exploração de fontes diversificadas de

informação, seleção das informações em função do tema e da

finalidade visada e a elaboração de um esquema destinado a

sustentar a apresentação oral.

A importância do seminário (exposição oral) não só no

contexto escolar como também na vida social justificam, portanto,

que esse gênero seja trabalhado várias vezes no período escolar –

seguindo o que Dolz & Schneuwly (2010) chamam de

“progressão em espiral” – de tal maneira que esse gênero seja

abordado com diferentes níveis de complexidade, desde uma

sofisticação mínima até uma máxima, de acordo com o avanço do

ensino.

A exposição oral (seminário) feita na sala de aula reúne

alguns “atores”, tais como: o aluno que produz uma exposição e o

auditório (formado pelos demais alunos), cada um com a sua

201

importância e tarefa. O aluno-expositor necessita, primeiramente,

construir uma problemática, levando em conta aquilo que os

ouvintes já sabem sobre o tema abordado e o que eles ainda não

sabem. Deve, também, ao longo da exposição, avaliar a novidade

e a dificuldade daquilo que expõe de tal maneira que seja

necessário, muitas vezes, reformular, redefinir, dizer de outra

maneira o que havia proposto expor. Por outro lado, o auditório

deve estar atento às informações novas a fim de assegurar-lhe um

pleno conhecimento do que está sendo transmitido. Visto por esse

prisma, o seminário, constitui o que Dolz & Schneuwly (2010,

p.186) chamam de uma “estrutura convencionalizada de

aprendizagem – tanto para o expositor como para o auditório”.

O planejamento de um seminário, dentro de uma

perspectiva de ensino, deve seguir uma ordem um tanto rígida e,

sempre que possível, monitorada pelo professor. Primeiramente,

como objeto de trabalho na sala de aula, seria necessário que se

fizesse uma triagem das informações pertinentes para a exposição,

hierarquizando-as em principais e secundárias, com a finalidade

de garantir uma progressão temática clara e coerente em função da

conclusão visada. A ajuda do professor, nesse momento, seria de

extrema importância, pois auxiliaria os alunos a não reduzirem

seus textos a uma sequência de fragmentos temáticos sem ligação

entre si.

202

Como pôde ser visto acima, a feitura de um seminário

exige do aluno um bom domínio da estruturação de um texto

longo que, segundo Dolz & Schneuwly (2010, p.190), “longe de

ser somente um suporte auxiliar organizado pelo expositor, ele faz

parte do modelo didático do gênero e deve ser objeto de uma

construção refletida, apoiada na observação das práticas sociais de

referência e nos conhecimentos práticos dos alunos”.

Ainda de acordo com Dolz & Schneuwly (2010, p. 191),

mesmo os seminários sendo pautados em um texto escrito, eles

serão oralizados em sala, por meio da memorização completa ou

parcial do texto escrito. Assim,

seria didaticamente razoável levar os alunos a construir

exposições não para serem lidas, mas que se apóiem bastante

em esquemas baseados em suportes escritos diversificados:

anotações, gráficos, citações etc., assim como esquemas

baseados em palavras-chave, alguns marcadores de

estruturação que permitam ao orador lembrar-se

explicitamente do estatuto que atribui a essas palavras-chave

em seu planejamento.

Para finalizar, segundo esses autores, seria ainda

necessário fazer um trabalho com os alunos, em sala de aula,

explicitando que a oralização do seminário comporta também

algumas características da retórica textual, tais como captar a

atenção da audiência, variando a voz; gerenciar o suspense;

seduzir. Além, é claro, de mostrar também que faz parte da

oralização incluir a gestualidade e a cinestésica.

203

3. Análise de dois livros didáticos de língua portuguesa

do ensino fundamental

Conforme já foi mencionado acima, dentro de um cosmo

bastante extenso de variedades de Livros Didáticos de Língua

Portuguesa, optou-se pela análise de dois Livros Didáticos, para

que se tivesse uma noção de como, pelo menos dentro de duas

obras do Ensino Fundamental, que se propõem a estudar a língua

portuguesa com base em gêneros textuais, o gênero oral

seminário estaria sendo trabalhado.

Em cada um dos subcapítulos abaixo, será apresentada

uma pequena descrição do Manual do Professor e do Livro

Didático como um todo – no que se refere aos gêneros da

oralidade, em especial, o seminário –, entremeando a essa

descrição comentários sobre as atividades feitas com esse gênero,

dando, sempre que possível, sugestões de outras atividades, com

base nos exemplos dos próprios Livros Didáticos.

3.1. O gênero oral seminário em Borgatto et al. (2009)

No Manual do Professor de Borgatto et al. (2009), as

autoras não só explicitam que os gêneros textuais constituem o

eixo norteador da organização didática dos conteúdos de cada

umas das unidades da Coleção como também comentam que o

204

projeto didático que estruturou a obra priorizou o estabelecimento

de sequências didáticas (Dolz & Schneuwly, 2004) e que

pretendem trabalhar os gêneros a partir da progressão em espiral,

não só dentro de cada série, como também de uma série para

outra.

As autoras comentam, também, que, em todos os volumes,

são encontrados gêneros de todos os âmbitos: narrar, relatar,

expor, argumentar, instruir/prescrever. No entanto, em cada série,

priorizam-se textos de um determinado âmbito: 6º ano – gêneros

do âmbito do narrar; 7º ano – gêneros do relatar; 8º ano – gêneros

do expor e do argumentar; e 9º ano – gêneros do argumentar.

Por fim, ainda explicitam que há, na Coleção, uma

preocupação com o estudo da oralidade. Além da reflexão sobre

marcas específicas da oralidade e da sistematização de alguns

princípios específicos da linguagem oral, dá-se particular

importância ao estudo, à análise e à vivência dos gêneros orais,

tais como: rodas de causos, debates, exposição oral.

Analisando cada volume da Coleção, observa-se que a

oralidade é trabalhada de diferentes maneiras, recebendo cada

uma delas títulos diferenciados – tais como “Atividade oral”, “Um

bom debate” e “Produção de texto” (que se configura como uma

atividade tanto oral quanto escrita, conforme será explicado mais

adiante).

205

As entradas, nas unidades, intituladas “Atividade oral”

configuram-se, como foi apontado no Manual do Professor, como

atividades de leitura oral expressiva; leituras dialogada, interativa,

dramatizada; atividades de responder, em voz alta, questões

propostas, no livro, a partir de um texto.

Muitas vezes, as atividades de leitura em voz alta são feitas

através de jograis, saraus (como pode ser observado, por exemplo,

no livro do 8º ano, páginas 233-234) ou pela simples leitura de um

texto proposto com o objetivo de mostrar como o ritmo ou a

entonação favorecem a significação plena do que está sendo lido.

Atividades como essas podem ser vistas, por exemplo, no 6º ano –

nas páginas 38, 56 –; no 7º ano – nas páginas 54, 126; no 8º ano –

na página 226 ; e no 9º ano – na página 22.

Observou-se, também, que essas atividades de leitura

diminuem em quantidade de acordo com os volumes: nos 6º e 7º

anos, elas aparecem em número maior. Além disso, nos volumes

dos 8º e 9º anos, são incluídas outras tarefas na entrada

“Atividades orais”, tais como: discutir, conversar sobre

determinados assuntos, explicar situações, dar opiniões (8º ano –

páginas 130, 236 –; 9º ano – páginas 65, 72, 129, 160, 170, 215).

Pelo que foi exposto, percebe-se que essa parte da coleção

não se propõe a trabalhar um ou mais gêneros orais, mas sim

praticar, treinar a oralidade nos alunos. Fazendo com que eles se

exponham oralmente, as atividades, cada uma a sua maneira,

206

abordam características da oralidade, como entonação, pausa,

ênfase, marcas da fala.

A entrada “Um bom debate”, que aparece em todas as

unidades de todos os volumes, serve justamente para propor um

debate entre os alunos. O tema do debate sempre está relacionado

ao que está sendo trabalhado de alguma maneira na unidade. No

entanto, em momento algum, desde o 6º ano até o 9º, houve uma

explicação do que é ou como se faz um debate, muito menos

houve a demonstração de algum debate para que os alunos

tivessem uma noção daquilo que estava sendo proposto que eles

fizessem.

Já que o debate parece ser um gênero importante para as

autoras, uma vez que aparece em todas as unidades, seria

importante que, de alguma maneira, ele fosse apresentado aos

alunos, no próprio livro, por meio de esquema que desse as

instruções da sua estrutura ou, até mesmo, através de um exemplo

gravado e levado pelo professor.

A seção “Produção de texto”, presente no final das

unidades, se vincula às condições de produção do gênero

enfocado. Justamente por isso, pode ser vista como resultado final

do trabalho realizado com um determinado gênero visto na

unidade. Dessa forma, dependendo do gênero trabalhado na

unidade, a produção pedida pode ser de um texto oral ou escrito.

No 6º ano, por exemplo, como, na unidade 1 é trabalhado o

207

gênero conto popular em prosa, pede-se que os alunos, em grupo,

criem um causo para que este seja contado numa “Roda de

causos”. Já, no 9º, por exemplo, como, na unidade 5, enfoca-se o

gênero editorial, sugere-se que seja redigido, em grupo, um

editorial.

Vale ainda mencionar que a produção textual a ser

realizada, nessa seção, na maioria das vezes, não é para ser feita

em apenas um dia. Toda atividade é dividida em partes, cada uma

delas podendo ser efetuada em dias diferentes.

Conforme pode ser visto ao longo da explanação feita

acima, o gênero oral seminário, embora se configure, para Dolz &

Schneuwly (2010), como um dos gêneros orais mais trabalhados,

na sala de aula, no Ensino fundamental, não será muito explorado

na Coleção ora analisada, aparecendo apenas em uma unidade dos

7º e 8º anos e na seção “Projeto de leitura”, também, do 8º ano.

No 7º ano, o gênero oral seminário aparece pela primeira

vez na Coleção, mas não recebe esse nome. Na seção intitulada

“Interpretação de texto” (página 95), apresenta-se um texto de

autoria de Frei Beto em que vários nomes de pintores famosos são

mencionados. As autoras da Coleção, aproveitando esse mote,

propõem uma atividade de “pesquisa e relato oral”.

Nesta atividade, num primeiro momento, é pedido que os

alunos pesquisem, em enciclopédias, informações sobre os

pintores indicados no texto. Num segundo momento, pede-se que

208

os alunos registrem essas informações, no caderno, para que

depois sejam apresentadas oralmente, para turma, com auxílio de

imagens e obras do pintor. Essa atividade, embora não receba o

nome “Seminário” é estruturada como se fosse um, já, de alguma

maneira, introduzindo, para o aluno, a noção de uma exposição

oral sistematizada, uma vez que esse gênero será efetivamente

trabalhado na série seguinte.

No 8º ano, a exposição oral (seminário) aparece, na

unidade 4, duas vezes – primeiro, na entrada “Construção do

texto”, e depois, na entrada “Produção de texto” – e na seção

“Projeto de leitura”.

Na parte “Construção do texto” (página 126), o enfoque é

indicar para o aluno diferentes maneiras de se apropriar das

informações de um texto: através de esquemas, resumos. Depois

que as autoras apresentam o que é um resumo, aparece um tópico

chamado “Exposição oral” (página 128) – que inclusive vem com

um comentário para o professor, informando que este é um

exercício inicial para a exposição oral – que indica o passo a

passo desse gênero, desde o planejamento do que será falado, até

como deve ser apresentada uma exposição oral.

Na seção “Produção de texto” (página 144), a atividade

indicada é a feitura de uma exposição oral, configurando-se,

portanto, como resultado final de um trabalho realizado com esse

gênero na unidade. Como primeira tarefa pede-se aos alunos que

209

elaborem um esquema sobre o texto “Consumo Consciente”,

apresentado na seção e que segue a temática da unidade – o

consumismo –, seguindo os comandos anteriormente dados na

página 127. Depois se recomenda que os alunos preparem a

exposição seguindo as recomendações sobre linguagem, postura,

formas de saudação e despedida que, também, já haviam sido

dados na unidade 4 – página 128.

Na seção “Projeto de leitura”17

– que aparece como uma

espécie de apêndice em todos os volumes da Coleção – do 8º ano

é proposta como atividade a exposição oral centrada em textos de

informação e de divulgação científica.

Essa seção é divida em quatro oficinas e uma produção

final. A primeira começa com atividades de leitura de diferentes

textos expositivos – apresentados, no próprio livro, da página 281

até 315 –, sensibilizando os alunos para o estudo do conteúdo dos

textos a serem lidos. A segunda indica atividades que valorizam

não só a leitura de diferentes linguagens, como também a leitura

analítica como competência necessária para quem vive no mundo

de hoje.

Já a terceira oficina explora as habilidades de

problematizar e de levantar hipóteses e exercita atitudes de escuta,

17

A seção “Projeto de leitura” se configura como um projeto coletivo de

trabalho que pode ser iniciado, no momento que o professor achar adequado,

em formas de oficinas e indica atividades cujo produto final é um texto do

gênero principal enfocado nas séries.

210

respeito e acolhimento da fala do outro. Finalmente, a quarta

propõe atividades para treinar as habilidades de localizar os

tópicos principais nos textos, tomar notas, esquematizar as

relações de similaridade existentes entre os textos e produzir um

roteiro de leitura.

Como produto final, o projeto propõe a atividade de

Exposição oral, apresentando o passo a passo, bastante detalhado,

das atitudes a serem tomadas tanto pelo ouvinte quanto pelo

expositor, preparando, portanto, os alunos para a execução da

tarefa.

Conforme pôde ser observado ao longo desse subcapítulo,

embora a Coleção não explore bastante o gênero oral seminário,

quando abordado, o é de uma maneira coerente, em que fica clara

a tentativa de fazer um verdadeiro trabalho didático, em que a

construção da linguagem expositiva fosse objeto de atividades

propostas.

Vale, no entanto, fazer uma pequena crítica ao trabalho

com esse gênero nesta Coleção. Se a proposta das autoras,

conforme explicitado no Manual do Professor, era trabalhar com

gêneros a partir da “progressão em espiral”, elas perderam a

oportunidade de apresentar o seminário aos alunos desde a série

inicial.

Assim sendo, já no 6º ano, as autoras poderiam ter

introduzido a exposição oral através de atividades mais simples,

211

assim como fizeram no 7º ano. A unidade 1 da série inicial, por

exemplo, trabalha as variedades linguísticas. Aproveitando esse

tema, as autoras poderiam ter sugerido que os professores

pedissem uma pequena pesquisa para os alunos em que eles

buscariam diferentes vocábulos que se referem ao mesmo

“objeto” nas diversas cidades brasileiras. Como produção final

dessa investigação, os alunos apresentariam o que descobriram

para a classe. Nesse momento, portanto, já poderiam ser

introduzidos conceitos do que é expor e como devem se

comportar o aluno expositor e o aluno ouvinte.

A sugestão apresentada acima, não desmerece o trabalho

das autoras com o gênero seminário. No volume do 8º ano, ele é

trabalhado efetivamente como um gênero e através de um projeto

que se assemelha um pouco com a proposta de “sequência

didática” de Dolz & Schneuwly (2010).

Nas oficinas 1 e 2 do “Projeto de leitura”, de uma certa

maneira, as autoras fazem uma espécie de “apresentação inicial”,

despertando a curiosidade pelo tema proposto. Já as oficinas 3 e 4,

funcionariam como “módulos”, uma vez que servem para treinar a

produção final. A parte da sequência didática que estaria faltando

seria a “produção inicial” feita a partir de um exemplo mostrado

pelo professor. Parte essa que pode muito bem ser recuperada se

forem consideradas as atividades de exposição oral efetuadas, na

unidade 4, como uma “produção inicial”.

212

3.2. O gênero oral seminário em Teixeira & Discini

(2008)

No Manual do Professor de Teixeira & Discini (2008), as

autoras explicitam que a Coleção apresenta dois objetivos

principais: levar o aluno a ler e a produzir textos de diferentes

tipos e gêneros e levá-lo a refletir sobre as possibilidades de

leitura que o mundo, considerado como texto, oferece. Comentam,

também, que há uma preocupação em trabalhar gêneros

pertencentes a diferentes esferas de circulação, dando uma atenção

especial aos gêneros praticados oralmente. Informam ainda que,

como as lições são temáticas, temas como família, bichos,

lembranças fundam a seleção dos textos, os quais procuram

adequar-se ao universo de interesse do leitor, que no caso, é o

aluno. Assim, os gêneros escritos e orais, bem como os textos que

os materializam, são trabalhados em função do tema de cada lição.

Analisando cada volume da Coleção, percebe-se que a

oralidade é trabalhada sempre na seção “Expressão oral”. Nessa

parte, são enfocados não só gêneros orais, como também a

expressão oral efetuada a partir da modalidade escrita. Assim, a

leitura de textos escritos funciona, muitas vezes, como “alavanca”

para debates, como motivação para depoimentos, como

informação que subsidia exposições, por exemplo.

Sendo assim, nessa seção, múltiplas são as propostas de

atividades com a oralidade, tais como: conversa dirigida; diálogo

213

coletivo – que aparecem, por exemplo, nas páginas 13 e 47, do

volume 1 –; Declamação de poema, “cantação” de música – que

figuram, na página 97, do volume 2; relatos espontâneo e

planejado – pedidos, por exemplo, nas páginas 18 e 20, do

volume 3; radionovela – que a aparece, na página 35 do volume 4.

Em se tratando, especificamente, do gênero exposição

oral, pode-se dizer que ele é trabalhado, em diversas lições, de

todos os volumes da Coleção, recebendo nomes distintos, como:

exposição oral e seminário. Sob o nome exposição oral, aparecem

atividades relacionadas a um único tema, ou seja, todos os alunos

farão apresentações orais sobre o mesmo tema. Já sob o nome

seminário são propostas atividades que terão como culminância

exposições orais feitas a partir de temas diferentes.

A exposição oral aparece uma vez, nos volumes 1, 2 e 4 e

duas vezes no volume 3. No volume 1 (6º ano), esse gênero

aparece como uma atividade da Lição 7, que tem como tema a

“comunicação”. Na seção “Expressão oral”, são propostas,

primeiramente, algumas perguntas para pensar sobre avanços

tecnológicos e comunicação. A partir daí, apresenta-se o projeto

“Comunicação e tecnologia” que será desenvolvido, ao longo da

lição, pelo aluno e culminará com uma exposição oral.

Para a feitura dessa exposição oral, são indicadas leituras

de textos (apresentados na lição), que versam sobre a evolução

tecnológica dos meios de comunicação e sua influência na vida

214

cotidiana, além de serem indicadas também fontes bibliográficas e

sites de internet para consulta. Recomenda-se que, após a leitura

de cada texto, seja preparado um resumo escrito com as

informações colhidas a fim de que, a partir dele, seja efetuada a

exposição.

Vale ressaltar que, dentro dessa seção, embora tenha sido

explicado que uma exposição oral deve conter informações

relevantes e expressar o ponto de vista fundamentado do autor a

respeito do que está sendo falado e que o orador deve ser capaz de

convencer o auditório de que seu trabalho é importante, não são

indicadas estratégias linguísticas para que isso ocorra, nem são

apresentados modelos de uma exposição oral para que os alunos

se baseiem. Isso pode ser considerado uma falha das autoras, pois

é a primeira vez que aparece esse gênero na Coleção e, numa série

inicial, momento ideal de já ser introduzido, de maneira

simplificada, o passo a passo da execução desse gênero, inclusive

a partir de exemplos concretos.

A atividade de exposição oral do volume 2 (página 135) é

apresentada de maneira bastante simplória, sem muitas indicações

do que é esse gênero, de como ele é elaborado e é feita a partir de

pesquisa realizada pelos alunos sobre bailados e danças típicos de

diferentes regiões do país. A única informação nova, nesse

momento, é que recursos audiovisuais devem ser inseridos na

apresentação.

215

Já as propostas de exposição oral dos volumes 3 e 4

aparecem com vários detalhes do que é esse gênero e de como ele

é concretizado.

Num primeiro momento, no volume 3, a exposição oral

aparece, na lição 2, ancorada à atividade de “expressão escrita”

que versa sobre o gênero resumo. Nesse momento, para ajudar na

feitura da exposição oral são apresentados, no livro, não só o que

é esse gênero como também o passo a passo da feitura de

esquemas para serem utilizados na apresentação juntos aos

recursos visuais. Além disso, são dadas, também, sugestões de

métodos para a apresentação da exposição oral.

Esse gênero aparece novamente, no volume 3, dentro da

lição 4, como uma das etapas de atividade do Projeto “Espaços

Reinventados”, que tem por tema Aventuras na terra, no ar. A

execução desse projeto é dividida em três etapas: (1) Leitura de

diferentes textos que falem sobre o assunto; (2) realização de uma

exposição oral (como atividade de expressão oral); e (3)

realização de um relato de viagem (como atividade de expressão

escrita).

Dentro do tópico “Expressão oral” desse Projeto são

apresentadas características de uma exposição com relação ao

modo de falar, postura, uso de variantes linguísticas, recursos da

oralidade, pausas.

216

No volume 4, a exposição oral aparece, na última lição,

que tem como tema a publicidade e, justamente por isso, será feita

com base em análises realizadas a respeito de propagandas sociais

(apresentadas no próprio livro). Aqui, assim como aconteceu no

volume 3, há observações sobre a realização da fala expositiva

que é proposta na lição (página 332).

Conforme pôde ser observado ao longo da explanação feita

acima, o gênero exposição oral é, de uma maneira geral, bem

trabalhado dentro da Coleção, uma vez que não aparece como

atividade isolada, servindo apenas como estratégia de o professor

saber se o aluno entendeu ou não o conteúdo trabalhado (atividade

bastante corriqueira nas escolas). Pelo contrário, está, na maioria

das vezes, inserida nas lições ou como etapas de um projeto ou

ancoradas a uma atividade de expressão escrita, que também tenha

por finalidade trabalhar a exposição.

O gênero oral seminário aparece uma vez em cada um dos

três últimos volumes. Todas as vezes em que ele é trabalhado, está

inserido como uma atividade de culminância do tema

desenvolvido ao longo da lição. Como já dito anteriormente, as

autoras colocam sob o nome seminário atividades de exposição

oral em que os alunos escolhem temas diferenciados para

apresentar.

No volume 2, por exemplo, há dois temas relacionados ao

tema geral da lição (Terra), a saber: a terra como propriedade e a

217

Terra como planeta. No volume 3, o tema principal da lição é

Mistérios do espaço e cada aluno deverá fazer um recorte sobre

esse tema para apresentar oralmente. Já no volume 3, o tema da

lição é Costumes, e os alunos deverão fazer um seminário sobre

Costumes do Brasil Colônia ou sobre Velhice (tema trabalhado, na

lição, por meio de dois textos verbais e alguns textos não verbais,

como fotos e pinturas).

Para a feitura do seminário, são indicadas leituras prévias

não só dos textos apresentados na lição, como também de outros

textos, indicados no item “Fique ligado”, que os alunos deverão

procurar através de pesquisa extraclasse.

Assim como a exposição oral, o seminário também é

efetivamente trabalhado como gênero dentro da Coleção, servindo

como um instrumento privilegiado de transmissão de diversos

conteúdos obtidos através de exploração de fontes diversificadas

de informação. No entanto, as autoras pecam em dois momentos:

(1) não apresentar, já no 6º ano, de maneira simplificada esse

gênero aos alunos e (2) explicitar as etapas de ação de um

seminário, incluindo aí os recursos linguísticos mais usados para a

composição desse gênero, somente no volume 2, como se

partissem do princípio de que os alunos já fossem plenos

conhecedores do gênero oral seminário.

Outro ponto que merece atenção é o fato de as autoras

terem perdido a oportunidade de trabalhar esses gêneros a partir

218

da proposta de “progressão em espiral” apresentada em Dolz &

Schneuwly (2010). Embora a exposição oral tenha sido abordada

em todas as séries, ela não é trabalhada com níveis diferentes de

complexidade. Desde o 6º ano, esse gênero é abordado com um

nível de dificuldade grande, trabalhando temas bastante

complicados para a idade dos alunos.

Além disso, vale ressaltar que, o fato de as autoras

apresentarem como gêneros diferentes aquilo que a maioria dos

linguistas textuais vê como o mesmo gênero (exposição oral =

seminário), pode causar dúvidas não só no professor, que utiliza o

livro didático, como também nos alunos, que podem perceber que

não há efetivamente diferenças estruturais entre as atividades

chamadas exposição oral e seminário propostas pelas autoras.

Para complicar ainda mais essa questão, as autoras ainda

acrescentam a explanação como um gênero distinto dos outros

mencionados somente pelo fato de, ao invés de os alunos falarem

expositivamente sobre um tema, o fazem sobre um objeto feito

por eles (uma colagem, por exemplo).

4. Considerações Finais

Como bem frisava Bakhtin (1979) (apud Marcuschi, 2009,

p. 190), os gêneros são apreendidos no curso de nossas vidas

como membros de alguma sociedade, já que funcionam como

“padrões comunicativos socialmente utilizados, que funcionam

219

como uma espécie de modelo comunicativo global que representa

um conhecimento social localizado em situações concretas”.

Justamente por isso, hoje em dia, preconiza-se que a escola

– vista como instituição de acesso ao conhecimento – trabalhe

com diferentes textos (que são concretizações de gêneros) orais ou

escritos, que circulam na sociedade, com o objetivo de ajudar os

alunos a dominar melhor o funcionamento da linguagem em

situações de comunicação, a fim de torná-los indivíduos críticos e

conscientes da sua cidadania.

No que diz respeito à linguagem oral, as instituições

sociais, como bem apontam os PCN, fazem dela diferentes usos:

um professor, um religioso, um cientista, um político, um feirante,

um repórter, enfim, todos os que tomam a palavra para falar em

voz alta o fazem de diferentes formas, utilizando diferentes

registros em razão das também diferentes instâncias nas quais essa

prática se realiza.

Por isso, Dolz & Schneuwly (2010) afirmam que não só o

texto escrito mas também o oral se ensinam, uma vez que, só por

meio de uma intervenção didática, os padrões enunciativos e

sociais dos gêneros formais, que são fortemente definidos e

regulados do exterior, são aprendidos e/ou aperfeiçoados.

Ao analisar dois livros didáticos do Ensino Fundamental

que se predispõem a trabalhar a língua portuguesa a partir de

220

gêneros textuais, observou-se que o gênero seminário, em

especial, foi abordado com o objetivo apontado acima.

Embora apresentando alguns problemas no que diz

respeito ora à aplicação do que é proposto no Manual do Professor

ora a questões de nomenclatura dos gêneros, os livros didáticos –

tanto de Borgatto et al. (2009) quanto de Teixeira & Discini

(2008) –, ao trabalhar a exposição oral, na sala de aula, tentaram

fazê-lo, como é proposto por Dolz & Schneuwly (2010, p. 192).

Dessa forma, a exposição oral (seminário) é apresentada,

nesses livros didáticos, efetivamente como gênero, já que estão ali

com o propósito de fazer com que os alunos tomem consciência

da situação de comunicação de uma exposição; de sua dimensão

comunicativa e de todas as capacidades que envolvem a execução

desse gênero, tais como: exploração de fontes de informação;

hierarquização das ideias e elaboração de um plano segundo

estratégias discursivas; desenvolvimento das capacidades de

exemplificação e da “competência metadiscursiva”; tomada de

consciência da importância da voz, do olhar, da atitude corporal;

preparação e oralização das notas.

Referências

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – terceiro e quarto

ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa (PCNEF).

Brasília, Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998.

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na

escola. Campinas: Mercado de Letras, 2010.

221

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: configuração,

dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, Acir et al. (org.).

Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,

2008. p. 15-28.

______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São

Paulo: Parábola, 2009.

ROJO, R. & CORDEIRO, G. Gêneros orais e escritos como

objetos de ensino: modo de pensar, modo de fazer. In: DOLZ, J.

& SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola.

Campinas: Mercado de Letras, 2010. p. 7-16.

Livros Didáticos: BORGATTO, A. T. et al. Tudo é linguagem. V. 6-9. 2. ed. São

Paulo: Ática, 2009.

TEIXEIRA, L. DISCINI, N. Passaporte para a língua

portuguesa. V. 6-9. São Paulo: Ed. do Brasil, 2008.

222

Gêneros instrucionais nos livros didáticos: análise e perspectivas

Sylvia J. S. do Nascimento Fabiani (UFRJ)18

1. Introdução

Este trabalho investiga os gêneros instrucionais como

ferramentas de ensino em língua portuguesa como língua materna,

no segundo segmento do Ensino Fundamental. A partir da

apresentação do conceito gênero textual e da necessidade de sua

aplicação como instrumento de ensino, caracterizam-se os gêneros

instrucionais conforme a temática, a composição e o estilo

comuns a esses tipos de enunciado, para, em seguida, analisar sua

abordagem por duas coleções de livros didáticos destinadas aos

quatro anos finais do Ensino Fundamental.

2. Gêneros textuais: uma nova perspectiva de ensino

2.1. O conceito de gênero textual

A noção de gênero textual se relaciona ao princípio de que

a linguagem é estabelecida como prática social, isto é, como um

18

[email protected]

223

fenômeno dialógico. Nas palavras de Bakhtin (2003, 265), “a

língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos

(que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos

que a vida entra na língua”. Um gênero textual, sob tais

condições, se caracteriza por ser um conjunto de convenções

linguísticas sob certa estabilidade – uma constante de padrão de

uso – permeado por uma historicidade e modelado conforme uma

situação de uso. A recorrência de situações similares em um grupo

social promove a instauração e confirmação do gênero textual,

ação verbal típica adotada por uma comunidade linguística.

Um gênero textual se fundamenta por fatores relacionados

à interação comunicativa; como esclarece Marcuschi (2002, 29),

“quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma

forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente

objetivos específicos em situações sociais particulares”. Afirmar

que as formações genéricas se justificam primordialmente por

suas realizações sociais não é, entretanto, a defesa de que um

determinado gênero textual não apresente uma corporeidade

linguística recorrente que o caracterize. Em verdade, a estrutura

linguística, muitas vezes, está associada de tal modo ao gênero,

que aquela lhe confere uma plasticidade própria, de tal forma

arraigada ao padrão genérico, que essa relação passa a ser

apreendida como intrínseca.

224

A apreensão do sistema linguístico se realiza,

necessariamente, por intermédio dos gêneros textuais. Assim, se

“a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”

(MARCUSCHI, 2002, 22), são esses modelos de verbalização que

inserem o homem no universo do discurso. As formações

genéricas também se apresentam, no dinamismo da interação

verbal, como veículos, instrumentos e estratégias de interlocução

que unem sujeito e língua, na construção do significado.

Conforme as reflexões de Koch (2002, 53), a

materialização do discurso em forma de gêneros textuais está

relacionada, de modo inseparável, à competência

sociocomunicativa dos interlocutores. Essa competência se

caracteriza como o fator responsável pela capacidade de o

falante/autor e o ouvinte/leitor identificarem o que é apropriado ou

não a cada situação social, bem como diferenciarem as

particularidades funcionais dos variados padrões genéricos.

Segundo Bazerman (2005, 29), as convenções genéricas

vinculam-se a estereótipos de situações comunicativas. Por esse

motivo, os gêneros textuais tendem a funcionar como espécies de

“macro-signos” no jogo da interação verbal, uma vez que o

emprego de enunciados padronizados permite identificar, com

maior facilidade, o que se almeja realizar pela ação do discurso.

Essa perspectiva teórica assemelha-se à noção de gênero

apresentada por Searle (apud BIASSI-RODRIGUES et al., 2009,

225

21), ao identificar os gêneros como classes, categorias de eventos

comunicativos, compostos por discurso, participantes, funções

discursivas e situação.

Ainda que se constituam como formas pré-determinadas,

os gêneros textuais não são moldes estáticos, inflexíveis,

invariáveis: como todo fenômeno comunicativo, estão sujeitos a

serem reestruturados pela interferência criativa dos interlocutores.

Nas palavras de Marcuschi (2002, 19), os gêneros são “eventos

textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”. Assim, a

interação e as necessidades específicas do contexto discursivo

geram fatores capazes de interferir na estrutura dos gêneros

textuais, promovendo a variabilidade dessas estruturas.

Para Dolz & Scheuwly (2010) o gênero, “objeto

socialmente elaborado” (op. cit., 21), é um instrumento de

interação social, que norteia o indivíduo às ações possíveis no e

pelo discurso, conduzindo a novos conhecimentos e saberes.

[...] há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age

discursivamente (falar/ escrever), numa situação definida por

uma série de parâmetros, com a ajuda de um instrumento que

aqui é um gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é,

uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só

tempo, a produção e a compreensão de textos. (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2010, 23-24).

As convenções genéricas são atividades sociais submetidas

a critérios de êxito (BARROS, 2002, 203). Entre os critérios

226

necessários para a realização de um texto, por meio de uma

convenção genérica, estão a finalidade discursiva a ser legitimada,

o contrato entre os interlocutores, que os reconheça como

capacitados a participar da ação comunicativa, o suporte material

que corporifique o texto em objeto sensível e a organização

textual que estruture o sistema linguístico conforme as

peculiaridades comunicativas da situação interativa.

Os gêneros são construtos sociais, estabelecidos em um

tempo-espaço que os legitima (MAINGUENEAU, 1997, 36). Em

outras palavras, as convenções genéricas são ações que

relacionam homem, língua e discurso, de acordo com as verdades

de um grupo social. Assim, é possível afirmar que os gêneros

formam um sistema de controle social e de exercício de poder

(MARCUSCHI, 2008, 161). Compreender os mecanismos formais

e, principalmente, ideológicos que orientam esses padrões de

comunicação é inserir-se na rede simbólica que dimensiona e

sustenta as crenças e os valores da sociedade. Aprender,

conscientemente, a utilizar os gêneros textuais é preparar-se para

questionar, reconstruir e, inclusive, manipular esses mesmos

valores e crenças.

2.2. Gênero textual como instrumento de ensino – a

visão de Dolz & Schneuwly

227

Dolz & Schneuwly (2010) afirmam que os gêneros

textuais, por seu caráter intermediário e integrador, fundamentam

as práticas e atividades de linguagem. Sob a metáfora de o gênero

ser um megainstrumento – “uma configuração estabilizada de

vários subsistemas semióticos (sobretudo linguísticos, mas

também paralinguísticos)” (Dolz & SCHNEUWLY, 2010, 25) –

os autores defendem que o ensino de língua materna deve ser

desenvolvido a partir do trabalho com gêneros textuais. Em seus

estudos, recebem enfoque especial os gêneros secundários, uma

vez que a apropriação desses instrumentos não ocorre diretamente

em uma situação de comunicação; “O trabalho escolar será

realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina

ou o faz de maneira insuficiente; sobre aqueles dificilmente

acessíveis, espontaneamente, pela maioria dos alunos [...]” (id.,

83).

Seguindo esse posicionamento, os autores relacionam o

ensino dos gêneros complexos ao conceito de zona proximal de

Vygotsky (distância entre o nível de desenvolvimento potencial e

o nível de desenvolvimento real de conhecimento para a resolução

de uma situação problema). Dolz & Schneuwly (2010) apontam

que o ensino dos gêneros secundários deve acontecer a partir do

conhecimento dos gêneros primários, por meio de uma

reelaboração do antigo sistema de linguagem, que, a partir de

228

então, apresenta novas significações, por meio de novas

perspectivas textuais.

Pode-se mesmo dizer que a introdução do novo sistema, a

aparição dos gêneros secundários na criança, não é o ponto de

chegada, mas o ponto de partida de um longo processo de

reestruturação que, a seu fim, vai produzir uma revolução nas

operações de linguagem (id., 31).

Defendem os autores que devem ser foco do trabalho

escolar os gêneros textuais pertencentes à escrita e ao oral formal,

sob a preocupação de conduzir o educando, de modo sistemático,

ao necessário domínio da linguagem, em seu funcionamento nas

diversas situações comunicativas. A sistematicidade do ensino dos

gêneros deve ser estruturada sob uma progressão em espiral entre

os conhecimentos a serem adquiridos, sob a forma de sequências

didáticas (módulos ordenados de ensino, estruturados sob o

objetivo de aperfeiçoar uma prática de linguagem), sempre

norteadas pelas dificuldades em linguagem apresentadas pelo

aluno (id., 43-46).

Frente à diversidade de gêneros que circulam em uma

sociedade letrada, Dolz & Schneuwly sugerem que o ensino de

língua materna se desenvolva a partir de uma seleção dos

instrumentos a serem trabalhados sob agrupamentos, organizados

sob três critérios, cujo alvo se localiza nas capacidades globais de

linguagem a serem trabalhadas. São eles: 1. relação direta com as

229

finalidades sociais esperadas do ensino de língua materna, em

suas modalidades escrita e oral; 2. abordagem, de modo flexível,

das diferentes tipologias textuais; 3. relativa homogeneidade

discursiva entre os gêneros agrupados (DOLZ & SCHNEUWLY,

2010, 50).

São cinco os agrupamentos de gêneros propostos pelos

autores (id, ibidem):

1. cultura literária ficcional – relacionado à ação de narrar (fábula,

romance, piada etc.);

2. documentação e memorização das ações humanas – relacionado

à ação de relatar (testemunho, reportagem, biografia etc.);

3. discussão de problemas controversos – relacionado à ação de

argumentar (debate regrado, editorial, ensaio etc.);

4. transmissão e construção de saberes – relacionado à ação de

expor (seminário, verbete, exposição oral etc.);

5. instruções e prescrições – relacionado à ação de descrever,

orientar ações (receita, comandos, regulamento etc.).

As vantagens do ensino desenvolvido por agrupamentos de

gêneros são a diversidade de instrumentos discursivos

apresentados aos alunos, a multiplicidade de operações de

linguagem a serem abordadas, a possibilidade de enfocar as

tipologias textuais, sem, contudo, desvinculá-las de suas

respectivas funções na dinâmica de uma situação comunicativa e o

230

desenvolvimento de competências e habilidades que são

transferíveis entre o ensino de cada gênero trabalhado.

Dolz & Schneuwly (2010) ressaltam que o gênero

apresenta-se, na situação escolar, como uma “variação do gênero

de referência, construída numa dinâmica de ensino-aprendizagem,

para funcionar numa instituição cujo objetivo primeiro é

precisamente este” (op. cit., 69). Sob tal perspectiva, instaura-se a

necessidade de propiciar ao aluno situações comunicativas

próximas às verdadeiras em que o gênero se realiza, a fim de que

o processo de aprendizagem tenha sentido.

O trabalho escolar com gêneros deve-se desenvolver,

portanto, para elucidar os conhecimentos implícitos da formação

genérica, por meio de modelos didáticos. Pode-se caracterizar um

modelo didático a partir de duas características: uma síntese

destinada à orientação docente e um sinalizador das dimensões

ensináveis, que sinaliza as sequências didáticas a serem

elaboradas (id., 70).

As sequências visam ao aperfeiçoamento das práticas de

escrita e de produção oral e estão principalmente centradas na

aquisição de procedimentos e de práticas. Ao mesmo tempo

em que constituem um lugar de intersecção entre atividades

de expressão e de estruturação, as sequências não podem

assumir a totalidade do trabalho necessário para levar os

alunos a um melhor domínio da língua e devem apoiar-se em

certos conhecimentos, construídos em outros momentos

(DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, 96).

231

De modo geral, uma sequência didática se estrutura,

primeiramente, na apresentação do gênero a ser trabalhado, sob

uma situação real – ou ao menos verossímil – de comunicação.

Em seguida, a partir da produção textual dos alunos, uma série de

módulos é proposta, a fim de explicitar, com base nas dificuldades

apresentadas nesses primeiros textos, as características do gênero

e aprimorar as competências e habilidades textual-discursivas dos

alunos. Por último, os educandos elaboram uma produção textual

final do gênero, já então munidos dos instrumentos trabalhados ao

longo do desenvolvimento dos módulos.

2.3. Gêneros instrucionais

Denominam-se por gêneros instrucionais os tipos de

enunciado (BAKHTIN, 2003) organizados sob uma relação

discursiva de comando-execução, orientando ou proibindo ações e

comportamentos. Dolz & Schneuwly (2010, 52) caracterizam os

gêneros instrucionais sob capacidade de linguagem de regulação

mútua de comportamentos. O arranjo discursivo do gênero

instrucional, necessariamente, inscreve no texto as figuras de um

enunciador (aquele que prescreve ou interdita os comandos) e de

um enunciatário (a quem se dirigem as instruções ou interdições a

serem observadas).

232

Embora seja evidente que os gêneros apresentem uma

heterogeneidade tipológica, percebe-se que há sequências que se

revelam como discursivamente dominantes em determinados

gêneros. A diretriz comando-execução acaba por atribuir aos

gêneros instrucionais características (recorrentes, porém não

obrigatórias) na materialidade linguístico-textual. A sequência

textual predominante nesses enunciados tipicamente instrucionais

é a injuntiva (MARCUSCHI, 2002), que engloba os atos de fala

diretivos, cujo objetivo é levar ao enunciador executar algo

(SEARLE, 1969). A sequência injuntiva está, assim, para os

gêneros instrucionais, como um traço relacionado ao estilo, que,

ao lado do conteúdo temático e da construção composicional, é

um elemento caracterizador dos gêneros textuais.

A injunção pode explicitar uma força ilocucionária de

ordem, pedido, sugestão, restrição ou interdição. Travaglia (2007)

afirma que, no tipo textual injuntivo, o conteúdo “é sempre algo a

ser feito e/ou como ser feito, uma ou várias ações ou fatos e

fenônemos cuja realização é pretendida por alguém” (id, 43).

Intrínseca à sequência injuntiva encontra-se a implicatura

de um desnível temporal do discurso – a injunção indica um

comando a ser praticado em um momento futuro, posterior à

própria enunciação. Desse modo, a sequência injuntiva traz, em si,

um núcleo de um processo de transformação: há um “antes” (o

estado anterior da execução das orientações/ prescrições) e um

233

“depois” (implicados na execução do comando por parte do

interlocutor), demarcados pela ação transformadora incitada pela

injunção. Assim, a sequência injuntiva extrapola o plano textual-

discursivo, ao propor uma junção dialogal entre o dito e o por

fazer, inscritos no plano de ação estruturador do sentido textual.

Travaglia (2007) afirma que a superestrutura de textos do

tipo injuntivo19

costuma ser formada por três partes ou categorias

esquemáticas. A primeira é o elenco ou descrição dos elementos a

serem manipulados a partir do comando-execução; o elenco pode

apresentar-se sob a forma de lista (ingredientes de receita) ou lista

e descrição/ ilustração (fotos ou desenhos em manuais de

instrução). A segunda categoria esquemática é a determinação ou

incitação, em que se apresenta o comando-execução a ser

cumprido – “a injunção em si” (id., 50). A terceira parte é a

justificativa, ou incentivo em que se apresenta a justificativa para

o comando-execução. Travaglia (2007) ressalta que textos que são

necessária e dominantemente injuntivos apresentam essa

superestrutura em seu todo ou em parte de sua própria

superestrutura. O autor menciona, ainda, que as categorias

esquemáticas não estão sob ordem fixa e podem ser

intercambiáveis. “A única parte obrigatória é a determinação, mas

às vezes o produtor do texto apenas dá a justificativa ou

19

Para o autor (Travaglia, 2007, 51), a noção de texto do tipo injuntivo é

equivalente ao que se denomina por gêneros instrucionais neste trabalho.

234

explicação e a determinação fica implícita, sendo deduzível

através de inferências” (op. cit, 51).

Em relação às características do verbo, Travaglia (id., 65-

66) mostra que, nos textos do tipo injuntivo, é comum o uso de

auxiliares modais de modalidades imperativas (principalmente

ordem, obrigação e prescrição) e verbos sob nuance semântica de

dinamismo (ações), normalmente indicando a condição do

produtor do texto (incitador) e do interlocutor (potencial executor

do comando). Segundo o autor, os verbos, em textos injuntivos,

não apresentam a atualização do aspecto e o valor temporal

característico é de futuro, independentemente da forma verbal.

Rosa (2003) agrupa os gêneros de predominância do tipo

injuntivo de acordo com a função sociocomunicativa. Há três

categorias de textos instrucionais: o texto instrucional-

programador (instrui um modo de fazer; exemplo: receita), o texto

de conselho (sugerem um fazer; exemplo: horóscopo) e o texto

regulador-prescritivo (obrigam um fazer; exemplo: leis) (id., 32).

A relação entre gêneros instrucionais e injunção como

sequência textual predominante parece, muitas vezes, ser

apreendida como intrínseca – a noção norteadora de comando

daqueles gêneros liga-se estritamente à força ilocucionária inscrita

em uma sequência injuntiva. Travaglia (2007, 51) cita que o tipo

textual injuntivo, como estrutura textual dominante, vincula-se a

gêneros como mensagem religioso-doutrinária, instruções,

235

manuais de uso e/ou montagem de aparelhos, receitas de cozinha e

receitas médicas, textos de orientação comportamental (por

exemplo, como dirigir sob neblina, etc.).

Apesar de ser a evidente a interrelação entre sequência

injuntiva e gêneros instrucionais, tal vinculação não pode ser

entendida como uma relação biunívoca, em que a existência de

um desses elementos pressupõe necessariamente a presença do

outro. Tal proposição se verifica na possibilidade de sequências

injuntivas comporem – ainda que não predominantemente –

gêneros textuais que não sejam instrucionais (como, segundo

Travaglia (id., ibid.), no gênero editorial), ou, ainda, alguns

gêneros instrucionais não explicitarem um comando-execução por

elementos característicos de uma sequência injuntiva, embora o

tragam inscrito no nível discursivo (como, por exemplo, o gênero

textual crendice popular, em que o camando-execução não se

manifesta na materialidade do texto, mas é resgatado por meio da

exploração dos elementos implícitos20

).

Gêneros instrucionais são organizados principalmente

sobre a função apelativa (conativa) da linguagem – o discurso

instrucional traz como pressuposto um enunciatário ao qual a

orientação, prescrição, restrição ou interdição se dirige. Chalhub

20

As crendices parecem se enquadrar entre os gêneros instrucionais nos quais,

como se mencionara, a determinação injuntiva é dada implicitamente,

recuperada por meio de inferências (cf. Travaglia, 2007, 51).

236

(2004) menciona que a função conativa revela uma ação do

emissor “de se fazer notar pelo destinatário, seja através de uma

ordem, exortação, chamamento ou invocação, saudação ou

súplica” (op. cit, 22), apresentando frequentemente o imperativo

como marca gramatical – modo verbal também muito comum a

determinados gêneros instrucionais.

Pela objetividade do gênero instrucional (o comando

procura ser mais claro o possível, para que a execução seja

cumprida conforme o esperado), os textos sob essa organização

genérica costumam apresentar linguagem precisa, frases curtas e

uma ordenação relativamente fixa das informações (a alteração

dos comandos pode refletir no processo de sua execução).

Gêneros instrucionais com maior corporeidade textual (receitas,

manuais) costumam apresentar articuladores textuais que

explicitam a hierarquia de execução de cada microcomando a ser

cumprido, para que o macrocomando seja realizado, promovendo,

assim, a progressão textual: “primeiramente”, “antes”, “depois”,

“em seguida”, “por último” etc.

O enquadramento argumentativo nesses gêneros, por sua

vez, não favorece a polêmica: o texto instrucional assume-se

como verdade a ser seguida, não abrindo espaço a outra

possibilidade de construção do discurso por parte do interlocutor.

Dessa maneira, desde os manuais de instruções, passando pelas

receitas e bulas de medicamentos, até chegar aos textos legais

237

(placas de trânsito, regulamentos, estatutos, leis etc.), os gêneros

instrucionais são construídos sob uma assimetria discursiva entre

enunciador (aquele que dita o modus operandi de um saber) e

enunciatário (o que deve cumprir os procedimentos

determinados).

Assim, pode-se afirmar que, nos gêneros instrucionais,

pressupõem-se a autoridade e legitimidade do enunciador para a

construção do discurso - o comando apenas se justifica caso o

interlocutor o aceite como verdade, justificada e reconhecida

socialmente, a ser executada. Os tipos de enunciados instrucionais

tendem a ser fechados em si mesmos, a partir de uma visão

autoritária da construção dos sentidos.

3. Análise dos livros didáticos

Como corpora para esta pesquisa, foram selecionadas duas

coleções de livros didáticos, destinadas ao ensino de língua

portuguesa no segundo segmento do Ensino Fundamental (EF):

Tudo é linguagem (BORGATTO, BERTIN & MARCHEZI, 2009)

e Passaporte para a Língua Portuguesa (DISCINI & TEIXEIRA,

2007). Ambas as coleções são organizadas em quatro volumes,

cada um destinado a um ano de escolaridade em que o EF é

subdividido.

238

A análise foi desenvolvida a partir da observação dos

seguintes parâmetros nos livros didáticos:

1. abordagem teórica dos gêneros instrucionais nos respectivos

Manuais do professor;

2. apresentação e desenvolvimento dos gêneros instrucionais nos

conteúdos e atividades destinados ao educando.

3.1. Os Manuais do professor

Segundo o Manual do Professor da coleção Tudo é

linguagem (TL), os gêneros textuais funcionam como a diretriz de

organização dos conteúdos desenvolvidos ao longo de toda a obra,

ao envolverem o desenvolvimento da leitura, escuta, produção de

textos oral e escrita, reflexão e análise linguística (BORGATTO,

BERTIN & MARCHEZI, 2009, p 2). A apresentação de gêneros

variados e a diversificação de textos de uma mesma formação

genérica são caracterizadas como procedimentos indispensáveis à

formação de um indivíduo funcionalmente letrado, por promover

a reflexão sobre a língua como produto sociocultural e

instrumento de interação. Os gêneros textuais/ do discurso

refletem, pois, “a dimensão social da linguagem e dos textos (op.

cit., 7).

Em TL, afirma-se que os gêneros, ao serem trabalhados no

ambiente escolar, são reconstruídos por um processo de

239

“didatização da leitura”, uma vez que os alunos são conduzidos a

organizar seus conhecimentos prévios ao estudo reflexivo das

formações genéricas enfocadas na escola. Tal metodologia de

reflexão é desenvolvida a partir do agrupamento dos gêneros sob

duas perspectivas. A primeira organiza os gêneros a partir de

domínios de práticas de linguagem (Dolz & Schineuwly, 2010): o

narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o instruir/ prescrever. A

segunda perspectiva é orientada sob o aspecto de circulação social

(esferas discursivas) do gênero, presentes no cotidiano: “gêneros

literários, de imprensa, publicitários, de divulgação científica”

(BORGATTO, BERTIN & MARCHEZI, 2009, 8).

Afirma-se, no Manual de TL, que o trabalho com gêneros

é estruturado sob a forma de sequências didáticas, de modo a

estabelecer uma gradação entre as competências comunicativas a

serem desenvolvidas e aprimoradas, promovendo uma progressão

em espiral (Dolz & Schineuwly, 2004) do processo de ensino-

aprendizagem. Assegura-se, também, que tal organização do

ensino atende, de modo equilibrado, tanto os gêneros de língua

escrita quanto os de língua falada.

O Manual de TL ressalta, ainda, que em todos os volumes

da obra são trabalhados gêneros de todos os domínios de práticas

de linguagem, o que é exemplificado pelos gêneros sob o domínio

do instruir/ prescrever “os textos do âmbito do instruir (jogos,

instruções, regras...) têm momento marcado no volume do 6º ano,

240

mas são analisados e empregados ao longo do desenvolvimento

das atividades dos demais volumes” (Borgatto, Bertin &

Marchezi, 2009, 11). Apesar da ressalva, constatou-se que o

desenvolvimento de gêneros instrucionais é mencionado pelo

Manual do Professor de TL unicamente naquele mesmo volume

da coleção.

Especificamente no Manual do volume destinado ao sexto

ano, citam-se alguns exemplos de gêneros instrucionais

(instruções de montagem, receitas, regulamentos, regras de jogo,

instruções, uso de comandos diversos, textos prescritivos),

ressaltando sua recorrência no cotidiano. Interessante mencionar

que já no Manual deste volume, na seção “Sugestão de aplicação

por bimestre”, fica registrado que a produção textual dos gêneros

instrucionais se direciona ao aprimoramento da língua escrita (op.

cit., 34). Todas essas observações serão retomadas no tópico

seguinte deste artigo, a fim de constatar a coerência entre as metas

propostas e as atividades destinadas ao aluno, na coleção TL, em

relação à abordagem dos gêneros instrucionais pela obra.

Por outro lado, o Manual da coleção Passaporte para

língua portuguesa (PLP) define como objetivo da obra conduzir o

educando a “ler e produzir textos de diferentes tipos e gêneros e

levá-lo a refletir sobre as possibilidades de leitura que o mundo,

considerado como um texto, oferece” (DISCINI & TEIXEIRA,

2007, 5), sob uma proposta de orientação equilibrada entre a

241

abordagem das modalidades escrita e oral da língua. Confirma-se

a metodologia de ensino baseada na análise de formações

genéricas, ao se mencionar que o conceito de gênero,

“instrumento confirmador da situação de comunicação” (id., 13),

funciona como eixo dos estudos apresentados pela obra.

Em PLP também se revela preocupação em desenvolver o

processo de ensino-aprendizagem sob a diretriz de uma

progressão em espiral (DOLZ & SCHINEUWLY, 2010), pela

retomada e aprofundamento das características abordadas nos

gêneros, ao longo de seus quatro volumes. Menciona-se que a

obra procura conciliar a noção de gênero textual ao conceito de

tipos de texto, a fim de o aluno seja capaz de transferir

conhecimentos, já então internalizados, para as exigências

específicas de cada situação de comunicação. Desse modo, os

textos instrucionais, “em que se dão regras de como fazer algo”

(DISCINI & TEIXEIRA, 2007, 13), são definidos, no Manual do

Professor, como a concretização do tipo textual injuntivo.

O Manual de PLP apresenta uma série de conceitos

teóricos disseminados ao longo dos segundo, terceiro e quarto

volumes, conforme a abordagem dos gêneros desenvolvida em

cada ano de escolaridade do segundo segmento do EF

(respectivamente sétimo, oitavo e nono anos de escolaridade) –

seção intitulada como “Respostas de questões e encaminhamentos

complementares”. Assim, as orientações ao docente em relação

242

aos gêneros instrucionais, aparecem em diversas passagens da

obra, de acordo com as atividades práticas desenvolvidas com os

alunos no livro – com ressalva ao texto de apresentação comum

aos quatro volumes, o Manual do primeiro volume não faz

menção alguma aos gêneros instrucionais.

No Manual do segundo volume, apresentam-se

características dos textos injuntivos, tais como o plano de ação

norteador do discurso, o valor das prescrições e interdições

sustentadoras do texto conforme o gênero textual abordado, a

transmissão de um “saber fazer” (DISCINI & TEIXEIRA, 2007,

v.2, 54) ao interlocutor, orientando a construção dos sentidos que

este faz a partir de uma realidade. O Manual do terceiro volume

apresenta orientações sobre o tema, o conteúdo e o estilo do

gênero instrucional manual de etiqueta e manual de instruções. No

quarto volume, o Manual aborda o enunciador do gênero

instrucional (crendice e estatuto) como o que instrui, prescreve ou

interdita ações e comportamentos por meio de uma assimetria

instaurada entre ele e seu interlocutor. Também delineia as esferas

de circulação daqueles gêneros.

É importante ressaltar que a análise não identificou, em

momento algum, o desenvolvimento de atividades que abordem os

gêneros instrucionais sob a modalidade oral da língua no Manual

do Professor na coleção PLP. Essa e as demais constatações

descritas neste tópico serviram como base comparativa entre as

243

propostas apresentadas no Manual do Professor de cada uma das

coleções e o trabalho real desenvolvido naquelas obras, em

relação aos gêneros instrucionais.

3.2. Desenvolvimento dos gêneros instrucionais nos

livros didáticos

Ambas as coleções analisadas afirmam, como fora

mencionado na análise dos Manuais do Professor, abordar e

desenvolver os gêneros instrucionais sob uma a forma de uma

progressão em espiral, entre os gêneros de um mesmo domínio de

prática de linguagem, sob relativo equilíbrio entre gêneros orais e

escritos. A observação das obras revela, entretanto, que a coleção

TL não promove um tratamento em espiral entre tais gêneros,

tampouco equilibra a abordagem entre fala e escrita nesses tipos

de enunciado. A coleção PLP também apresenta suas falhas, pois,

ainda que a progressão em espiral seja desenvolvida, a oralidade é

claramente preterida, em favor dos gêneros instrucionais escritos.

A fim de ilustrar a dinâmica de apresentação dos gêneros

instrucionais nas coleções foram desenvolvidas duas tabelas, em

que se registram o gênero trabalhado, o ano de escolaridade, os

tópicos desenvolvidos a partir do gênero e a proposta de produção

textual apresentada. A sinalização dos tópicos relacionados ao

gênero se justifica pela intenção de identificar se a formação

genérica foi abordada como objeto principal ou secundário de

244

análise, utilizando-se o gênero como “pretexto” para o estudo de

outro conteúdo.

A tabela 1 apresenta os dados relativos à coleção TL. As

áreas em fundo cinza mostram o gênero abordado de forma

secundária, sem ser considerado por sua função, tema,

composição ou estilo (cf. legenda).

Livro

Gênero

Instrucional

TUDO É LINGUAGEM

Tópicos relacionados Produção textual do

gênero

6º ano

Placa de

advertência

Ambiguidade; pontuação. -

Manual Tema, composição e estilo

do gênero.

-

Regra de jogo Tema, composição e estilo

do gênero.

Produção escrita de

regras de jogo em duplas

e comparação entre

produções.

Folheto

instrucional

Tema, composição e estilo

do gênero; implicações do

suporte, conjugação entre

linguagem visual e

linguagem verbal;

comparação entre

exemplares do mesmo

gênero. Correlação entre

modo imperativo, futuro do

indicativo e infinitivo no

texto instrucional.

Produção escrita das

orientações para

confecção de origami, a

partir das ilustrações.

Produção escrita de

folheto instrucional sobre

cuidados com a pele.

Horóscopo Estilo do gênero. Produção escrita de

horóscopo a partir de

245

Legenda

frases feitas.

7º ano - -

8º ano - -

9º ano - -

Tabela 1: Gêneros instrucionais na coleção Tudo é linguagem.

A observação da tabela 1 revela que, em relação aos gêneros

instrucionais, a coleção TL não consegue estabelecer uma

metodologia de progressão em espiral. Contrariando o que se

esboçara no Manual do Professor, nos volumes destinados ao

sétimo, oitavo e nono anos não foram encontrados exemplares de

texto sob o domínio do instruir.

A tabela 1 esclarece também que, na referida coleção, há

um gênero instrucional trabalhado sob enfoque secundário

(BORGATTO, BERTIN & MARCHEZI, 2009, v.1, 62-63). Na

atividade, apresentam-se placas de advertência de trânsito, para

abordar a ambiguidade do texto e trabalhar a pontuação, a fim de

corrigir a imprecisão do sentido. Apesar de a esfera de circulação

ser relativamente apresentada, o gênero não é abordado em sua

função comunicativa ou características temáticas, composicionais

e estilísticas, mas sim como um instrumento para se chegar a um

tópico gramatical.

Gênero sob enfoque principal

Gênero sob enfoque secundário

246

É válido ressaltar que todos os textos instrucionais

apresentados em TL são trabalhos sob a modalidade escrita da

língua; os textos orais sob o domínio do instruir não são, em

momento algum, abordados na obra. Também as atividades de

produção textual não são direcionadas para a oralidade,

constatação que se mostra em desacordo com as diretrizes

apresentadas pelos Manuais.

No volume destinado ao sexto ano, a Unidade 8 é dedicada

aos textos instrucionais. É curioso, entretanto, que o texto

principal da seção é uma narrativa (“O espelho dos nomes”).

Ainda que o texto apresente, inserido na organização da narrativa,

regras de um jogo desenvolvido pelas personagens da história, o

objetivo comunicativo principal do texto trabalhado não se

enquadra sobre o domínio de prática de um texto instrucional. Isso

se comprova pelo fato de haver a necessidade de, em outra

passagem (id., 219), organizarem-se as regras do jogo

apresentadas na referida na narrativa, sob forma convencional,

para, somente a partir de então, desenvolver-se o estudo do gênero

instrucional.

A preocupação de definir e caracterizar os gêneros

instrucionais aparece na Unidade 8:

“O texto que tem a finalidade de transmitir regras, instruções

ou orientações pertence ao gênero de texto chamado

instrucional.

247

Exemplos desse gênero de texto: bulas de remédio, receitas

médicas, receitas culinárias, manuais que acompanham

eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos, instruções de

montagem de móveis ou aeromodelos, regulamentos, regras

de jogos, etc.

Características dos textos instrucionais:

frases curtas e objetivas;

verbos utilizados no modo imperativo ou no infinitivo;

organização em itens ou em lista com orientação passo a

passo;

linguagem clara e precisa (id., 225).

Nota-se que a caracterização dos textos instrucionais se

limita ao imperativo e ao infinitivo como formas verbais

apresentadas no texto instrucional. Contudo é interessante que o

livro se contradiz justamente na narrativa apresentada como texto

principal da unidade. Naquele texto, no registro das regras de um

jogo, os comandos são estruturados com a forma verbal no

presente do indicativo: “A gente diz uma frase (...). / E você diz

outra que combina” (id., 212).

É muito interessante o trabalho apresentado sob o estudo

do gênero folheto instrucional, em TL (Unidade 8), por ser

desenvolvido a partir de uma abordagem contextualmente

orientada, oferecendo variados exemplares do gênero para

comparação de tema, composição e estilo. Nessa passagem,

comenta-se o valor do futuro do presente do indicativo como

sinalizador de um comando a ser cumprido.

Passando à coleção PLP, é possível observar que, nesta

obra, a intenção de organizar os conteúdos sob uma progressão em

248

espiral parece contemplar o estudo dos gêneros instrucionais. A

tabela 2 esquematiza tais formações genéricas na referida coleção:

Livro

Gênero

Instrucional

PASSAPORTE PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Tópicos relacionados Produção textual do

gênero

6º ano

Placa de interdição Estilo do gênero; modo

imperativo.

-

Receita culinária Estilo do gênero; modo

imperativo.

-

7º ano

Receita culinária Tema, composição e estilo

do gênero; função da

linguagem; plano de

expressão e plano de

conteúdo do texto;

comparação entre

exemplares do mesmo

gênero; modo imperativo.

-

“Aconselhamento”

(Revista de

amenidades) 21

Tema, composição e estilo

do gênero; texto injuntivo;

conceito de prescrição e

-

21

Os nomes dos gêneros entre aspas, devido a não haver uma nomenclatura

específica indicada no livro didático analisado, foram adotados, em função da

temática do gênero, para uma referência aos textos. Na obra analisada, esses

textos aparecem como partes do gênero “revistas de amenidades”.

Diferentemente do que apresenta o livro didático, adotou-se neste trabalho a

perspectiva de que a revista é um suporte, que agrupa variados textos sob

diferentes domínios de práticas de comunicação.

249

interdição; esfera de

circulação do gênero; “tom

de voz” do enunciador;

modo imperativo no texto

injuntivo.

“Instrução para

artesanato”

Texto injuntivo. -

8º ano

Manual de etiqueta Tema, composição e estilo

do gênero; esfera de

comunicação do gênero.

Reescrita das regras

de um manual de

instrução sob a forma

de manual de

etiqueta.

Manual de instrução Tema, composição e estilo

do gênero.

-

9º ano

Crendice Tema e estilo do gênero;

esfera de circulação do

gênero.

-

Estatuto Tema, composição e estilo

do gênero. Conceito de texto

injuntivo; comparação entre

textos injuntivos; esfera de

comunicação; futuro de

presente com valor

prescritivo em textos

injuntivos; comparação entre

exemplares do gênero;

situação de comunicação.

Produção escrita de

um estatuto.

Regulamento

interno

Tema, composição e estilo

do gênero; situação de

comunicação.

Produção escrita de

regula-mento interno.

Tabela 2: Gêneros instrucionais na coleção Passaporte para

língua portuguesa.

Como ilustra a tabela 2, em todas as suas ocorrências em

PLP, os gêneros instrucionais aparecem como centro da atividade,

250

confirmando, tal qual se dissera no Manual do Professor a adoção

dos gêneros textuais como eixo dos estudos desenvolvidos. O

enfoque sobre tais textos não se delimita a descrever a

estruturação linguística do gênero, mas aponta para marcas

enunciativas típicas de tais enunciados e, na maioria dos casos, a

situação e função comunicativa desses enunciados.

É perceptível que em PLP há a preocupação de apresentar

textos instrucionais desde a esfera cotidiana (crendice, receita

culinária), passando pela esferas públicas (manual de etiqueta e

estatuto). O livro busca também relacionar o conceito de gênero

instrucional às ideias de sequência injuntiva e tipo textual

injuntivo, a partir dos aspectos linguístico-discursivos que

aproximam essas três noções – como, por exemplo, força

ilocucionária, posicionamento do enunciador, estrutura verbal.

No quarto volume (DISCINI & TEIXEIRA, 2007, v. 4,

208-240), o gênero estatuto é explorado detelhadamente. Há a

preocupação dee oferecer diversificados exemplares do gênero,

para que o aluno perceba as variações que o permeiam. A

atividade de produção escrita incentiva a produção de texto sob tal

características, a patir da localização de uma situação de

comunicação, de um leitor previsto e de uma esfera de

comunicação. O interessante da atividade é inserir em um livro

didático um texto da esfera burocrática e mostrar que textos

251

instrucionais apresentam uma organização argumentativa própria,

a ser considerada para a construção dos sentidos textuais.

A coleção PLP não apresenta, entretanto, o equilíbrio

entre oralidade e escrita, prometido em seu Manual , na

abordagem dos gêneros instrucionais. Novamente os gêneos orais

são negligenciados em favor dos gêneros escritos. Até mesmo as

crendices, enunciados tipicamente orais, não são explorados sob

uma perspectiva da língua falada – os alunos são levados a refletir

sobre exemplos apresentados no livro; não há sugestão alguma de

uma exploração sob as características ligadas à oralidade.

Outro ponto a ser comentado é o desequilíbrio entre a

apresentação e a produção de gêneros em PLP. Ao mesmo tempo

em que o aluno é exposto a uma diversidade de textos

instrucionais, em poucos momentos se promove a produção

textual. Entre os dez gêneros sob o domínio do instruir ao longo

dos quatro volumes, apenas três apresentam uma proposta de

produção. Essa disposição da obra acaba por deixar a impressão

de que há, em PLP, uma grande preocupação com o

desdobramento teórico da questão dos gêneros instrucionas, sem,

contudo, a necessária exploração da prática textual – seja na

modalidade escrita, seja na modalidade falada da língua.

252

4. Conclusão

A análise dos livros didáticos constatou que a abordagem

dos gêneros textuais começa a ser um ponto comum para o ensino

de português como língua materna. Entretanto a sistematicidade

desse estudo ainda apresenta alguns problemas, por privilegiar

muito mais a leitura, sob uma ótica de processo passivo, do que a

produção textual, contextualmente desenvolvida, na realidade do

ensino.

Ainda que as práticas de língua falada sejam consideradas

tão importantes quanto as de língua escrita para a formação do

educando, os gêneros orais continuam, na realidade, a ser

preteridos no EF, em favor do tradicional enfoque sobre a língua

escrita. É preciso ressaltar a importância da modalidade falada da

língua em suas particularidades discursivas, para que o ensino se

apresente sob uma ótima seguramente eficaz.

O estudo dos gêneros instrucionais começa a ser

desenvolvido sob uma diretriz enunciativa, funcional e

contextualizada, deixando de ser uma mera descrição de estruturas

e formas verbais típicas. Essa constatação demonstra que a tão

sonhada transformação do ensino de língua portuguesa, ainda que

timidamente, começa a dar seus primeiros passos. Este trabalho

foi elaborado com a esperança de ser uma pequena continuidade

desse processo.

253

Referências

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São Paulo, 2003.

BARROS, Nina Célia de. Estratégias de ataque à face em gêneros

jornalísticos. In: MEURER, José Luiz; MOTTA-ROTH, Désirée

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BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação.

São Paulo: Cortez, 2005.

BIASSI-RODRIGUES, Bernadete; HEMAIS, Barbara; ARAÚJO,

Júlio César. Gêneros textuais e comunidades discursivas: um

diálogo com John Swales. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

BORGATTO, Ana Trinconi; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI;

Vera. Tudo é linguagem. 6º ao 9º ano. São Paulo: Ática, 2009.

CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Ática,

2004.

DISCINI, Norma; TEIXEIRA, Lucia. Passaporte para a Língua

Portuguesa. 6º ao 9º ano. São Paulo: Editora do Brasil, 2007.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola.

Campinas: Mercado de Letras, 2010.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos

sentidos. São Paulo: Contexto, 2002.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do

discurso. Campinas: Pontes, 1997.

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funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela et al. (orgs.). Gêneros

textuais e ensino. RJ: Lucerna, p. 19-36, 2002.

_____. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São

Paulo: Parábola, 2008.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: terceiro e

quarto ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília:

Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

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SEARLE, J. R. Speech Acts. Cambridge: Cambridge University

Press, 1969.

254

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A caracterização de categorias de

texto: tipos, gêneros e espécies. Alfa. São Paulo: n. 51, p. 39-79,

2007.

255

O gênero “artigo de opinião” em dois livros didáticos

Raquel Batista dos Santos (UFRJ)

1. Introdução

Há algumas décadas o ensino de língua portuguesa estava

pautado no estudo de regras gramaticais, na maioria das vezes,

aplicadas a frases “soltas”, isoladas do texto. Tal postura era

ancorada em uma visão tradicionalista do que seria um texto, que

era visto como um aglomerado de frases, sendo uma postura

recorrente no estudo da língua tomar como ponto de partida as

frases para chegar ao texto.

Com o avanço da Linguística Textual, a unidade básica de

estudo deixou de ser considerada a palavra ou a frase e passou a

ser o próprio texto, entendido como um todo significativo ligado a

uma atividade social. Dessa forma, o modo ascendente de ensino,

da frase para o texto, passa ao descendente, do texto para a frase e

para unidades menores.

A partir dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) −

que defendem um ensino de Português pautado em gêneros orais e

escritos, por meio da interação entre leitura, produção e análise

linguística − tal postura tornou-se consenso entre os pesquisadores

da área de ensino de línguas. Houve, assim, um aumento de

trabalhos e pesquisas referentes ao tema, ainda que, em sala de

256

aula, essa tendência de trabalhar com os gêneros nem sempre seja

a mais recorrente.

Entretanto, um passo para a transformação no ensino de

língua portuguesa foi a mudança de perspectiva de alguns livros

didáticos. Mesmo que tenha sido por uma questão de adequação

aos PCN e aos critérios de avaliação do governo, alguns já trazem

muitos avanços em relação ao tratamento do texto, que deixa de

ser um pretexto para o ensino de regras gramaticais e passa a ser

estudado na perspectiva dos gêneros e das tipologias textuais.

Autores como Dolz e Schneuwly, Koch, Marcuschi

passaram a ser frequentes na bibliografia desses livros e na

perspectiva teórica presente no Manual do Professor. Entretanto,

deve-se avaliar se as teorias são realmente concretizadas nesses

materiais. Em função disso, este artigo tem por objetivo analisar

como um determinado gênero é tratado em duas coleções de

Ensino Fundamental, verificando se há articulação entre leitura,

análise linguística e produção.

Como o trabalho com os gêneros textuais está relacionado

ao estudo da língua em seus usos autênticos, a escolha de um

gênero jornalístico mostrou-se interessante para esta pesquisa,

tendo em vista a configuração do jornal como mecanismo social e

de linguagem. Nesse caso, o gênero escolhido foi o artigo de

opinião, que consideramos importante, já que, além de ser de um

texto da mídia (o que o torna um gênero recorrente na vida diária),

257

constitui um importante instrumento para o estudo da

argumentação.

Sabemos que todos precisam da argumentação em diversas

situações cotidianas e que, além disso, a capacidade

argumentativa é necessária ainda em contextos mais formais.

Assim, trabalhar gêneros argumentativos mostra-se importante no

sentido de permitir ao aluno desenvolver habilidades de percepção

do ponto de vista alheio e de seus fundamentos (ou da ausência

deles) e de expressão de um posicionamento próprio nas diversas

situações comunicativas.

O desenvolvimento deste artigo está dividido

essencialmente em duas seções: a abordagem teórica e a análise

do gênero. Na parte teórica, trataremos, basicamente, das noções,

primeiro, de gênero textual, de suporte e de domínio discursivo;

em seguida, dos gêneros jornalísticos e dos tipos/sequências

textuais; depois, dos gêneros escolares e das sequências didáticas;

e, por fim, dos PCN de língua portuguesa. Já na segunda parte

será analisado o gênero em questão em dois livros de duas

coleções de Língua Portuguesa para o 3º e o 4º ciclos do Ensino

Fundamental − Tudo é Linguagem e Passaporte para a Língua

Portuguesa, das quais serão analisados os volumes 2 e 1

258

(respectivamente), visto que estes são os que contêm unidades que

trabalham com o gênero “artigo de opinião”22

.

2. Abordagem teórica

2.1. Gênero textual, suporte e domínio discursivo

Segundo Bakhtin (1997), o falante se comunica por meio

de um gênero textual, tipo relativamente estável de enunciado, e o

utiliza com segurança ainda que ignore totalmente sua existência

teórica. Nessa perspectiva, aprender a falar é aprender a se

comunicar através dos gêneros, já que falamos por meio de

enunciados, não por frases ou palavras isoladas. Os gêneros

organizam nossa fala e podem também ser pressentidos na fala do

outro.

Por isso, Bakhtin (1997: 303) afirma que “Se não

existissem os gêneros do discurso, e se não os dominássemos, se

tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo da fala, se

tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a

comunicação verbal seria quase impossível.” Os gêneros

contribuem, pois, para ordenar as atividades comunicativas e,

22

Na verdade, como se verá no item 3.2, o livro Passaporte para a língua

portugesa analisa o gênero coluna de jornal, que, por sua similaridade com o

artigo de opinião, foi incluído nesta análise.

259

apesar de sua relativa estabilidade, são maleáveis e dinâmicos, já

que acompanham as mudanças sócio-culturais.

Conforme afirma Marcuschi (2005), com o surgimento e a

intensidade do uso de novas tecnologias, os grandes suportes

tecnológicos vão abrigando gêneros novos. O suporte, de acordo

com Marcuschi (2008: 174), é “um lócus físico ou virtual com

formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do

gênero materializado como texto”. Diante disso, um livro, uma

revista, um jornal, um outdoor podem ser considerados suportes à

medida que possuem uma materialidade, um formato específico e

têm como função veicular textos.

Como, a princípio, toda superfície pode funcionar como

suporte, Marcuschi diferencia os suportes incidentais dos

convencionais. Os incidentais são aqueles que podem veicular

textos, mas não têm essa função comumente, como o corpo

humano com uma tatuagem, por exemplo. Já os convencionais são

considerados típicos, tendo sido produzidos com a finalidade de

comportar texto/s, um exemplo disso é uma folha de papel que

veicula o gênero carta pessoal.

Contudo, Marcuschi destaca que a folha de papel não deve

ser tomada como suporte de maneira geral, pois no caso do livro,

por exemplo, a página é apenas parte do todo. O suporte é o livro,

não apenas o papel impresso, por isso podemos distinguir livros e

revistas como diferentes suportes. Marcuschi considera, então, os

260

livros didáticos como suportes convencionais, pois são produzidos

especificamente para portar textos.

O autor ressalta que o livro didático contém elementos

muito específicos e uma funcionalidade típica, pois veicula

gêneros da esfera do discurso pedagógico como a “explicação

textual”, os “exercícios escolares”, a “redação”, as “instruções

para produção textual” e veicula muitos gêneros destituídos de seu

suporte original. Nessa perspectiva, considerando que os suportes

não são apenas modos de transporte e de fixação, pois interferem

no discurso, destaca que o livro didático, embora não mude os

gêneros que incorpora, modifica a funcionalidade deles.

Outra noção importante abordada por Marcuschi é a de

“domínio discursivo”, que designa uma esfera ou instância de

produção discursiva ou de atividade humana. Tais domínios, ainda

que não sejam textos nem discursos, levam ao surgimento de

discursos bastante específicos como o pedagógico, o jurídico, o

jornalístico, o religioso. Atividades como a pedagógica, a jurídica,

a jornalística e a religiosa constituem práticas discursivas e dão

origem a um conjunto de gêneros textuais −às vezes próprios e,

em alguns casos, até exclusivos − como rotinas comunicativas

institucionalizadas.

O discurso jornalístico relaciona-se a um conjunto de

gêneros que lhe são próprios, como notícia, reportagem, crônica,

editorial, artigo de opinião, charge, anúncio publicitário.

261

Marcuschi considera o jornal como um suporte com muitos

gêneros, já Bonini (2006) o denomina como um hipergênero,

considerando-o como um gênero constituído por outros, devido a

sua organização em seções de modo mais ou menos regular.

O artigo de opinião, gênero em questão neste artigo, é

veiculado originalmente no suporte jornal ou revista e é parte do

discurso jornalístico, porém, como o nosso foco são as atividades

de livros de Língua Portuguesa, tal gênero será analisado dentro

do livro didático.

2.2. Gêneros jornalísticos e tipos/sequências textuais: o

artigo de opinião e a sequência argumentativa

Para a análise de gêneros jornalísticos, mostra-se útil a

distinção feita por Broucker, abordada por Cunha (2005), entre

dois “gêneros redacionais”: a informação e o comentário. O

primeiro visa a fazer saber, como é o caso da notícia. Nessa

perspectiva, os textos informativos são do tipo textual narrativo,

procuram responder, principalmente, às questões o quê? quem?

quando? onde? e têm por característica a busca da objetividade.

Já o segundo visa a fazer valer uma convicção, um

julgamento, um sentimento acerca de algo já dito. Sendo assim, os

textos que se enquadram na categoria “comentário” expõem um

ponto de vista a respeito de um tema conhecido e são do tipo

262

argumentativo. Um exemplo de gênero desse grupo é o artigo de

opinião, foco desta pesquisa.

Segundo Rabaça & Barbosa (1978: 25), o artigo é um

“texto jornalístico interpretativo e opinativo, mais ou menos

extenso, que desenvolve uma ideia ou comenta um assunto a partir

de uma determinada fundamentação”. Em geral, é assinado e não

representa, necessariamente, a opinião da empresa jornalística, o

que lhe confere maior liberdade.

Como o gênero artigo de opinião exprime o ponto de vista

de um articulista acerca de um determinado tema, trata-se de um

texto organizado de maneira predominantemente argumentativa.

Quanto à argumentação, Koch (2002) afirma que, na interação,

sempre há o objetivo de atuar sobre o outro e obter dele certas

reações. Nessa perspectiva, os enunciados têm sempre uma

orientação argumentativa, pois em todo discurso está presente

uma ideologia. Trata-se de uma visão da argumentação como

inerente à linguagem, ou seja, em sentido lato.

Sem contrariar essa visão, pode-se analisar a

argumentação no plano composicional, pois é possível observar,

em determinados textos, uma estrutura tipicamente argumentativa,

que não está presente em outros: há relação entre argumentos e

uma dada conclusão e aparecem determinadas marcas gramaticais

como os operadores argumentativos. Trata-se da argumentação

em sentido strictu.

263

À argumentação no sentido strictu relaciona-se o gênero

artigo de opinião, um texto do tipo argumentativo. Quando

falamos em tipos textuais, nos baseamos em Marcuschi (2008),

que define o tipo textual como uma espécie de construção teórica

definida pela natureza línguística de sua composição (aspectos

lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo).

O autor ressalta que os tipos caracterizam-se mais como

sequências linguísticas do que como textos materializados e

abrangem um conjunto limitado de categorias conhecidas como

narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Quando

um tipo predomina num texto concreto, diz-se que esse texto é

narrativo ou argumentativo ou expositivo ou descritivo ou

injuntivo.

Tomamos como base ainda Adam (1992, apud SANTOS,

2007), que utiliza o termo “sequência” em vez de “tipo” e as

define como organizações linguísticas formais em interação

dentro de um determinado gênero. Segundo o autor, a sequência é

delimitável em poucos tipos de base: narrativa, descritiva,

argumentativa, explicativa e conversacional-dialogal. Nessa

perspectiva, como o tópico desse trabalho é um gênero âmbito do

argumentar, cabe tratar da sequência argumentativa.

Adam sugere entender a argumentação de dois modos: um

em nível de discurso e de interação social (dimensão pragmática)

e outro em nível de organização da textualidade (dimensão

264

sequencial). Na dimensão pragmática, a argumentação é vista

como uma construção do discurso por um enunciador para

modificar a posição do interlocutor; na dimensão sequencial, a

argumentação é entendida como uma forma de composição

elementar, isto é, os locutores possuem representações

prototípicas referentes aos esquemas de argumentação. No

dimensão sequencial, Adam propõe que as proposições sejam

interpretadas na relação Argumento (s) – Conclusão, Dados –

Conclusão.

2.3. Gêneros escolares e sequências didáticas

O artigo de opinião é, como todo gênero, um instrumento

de comunicação. Porém, este estudo analisará tal gênero em livros

didáticos, ou seja, destituído de seu suporte cotidiano, o jornal, e

de seu objetivo comunicativo em si. Tem-se aí um gênero

utilizado como objeto de ensino-aprendizagem. Como apontam

Dolz e Schneuwly (2004), trata-se, nesse caso, de um gênero

escolarizado.

Segundo os autores, o uso de um gênero na escola

corresponde a uma prática de linguagem, em parte, fictícia, pois o

aluno escreve tendo como ponto de partida um “como se”, isto é,

uma condição criada com fins de aprendizagem. Sendo assim, o

gênero transforma-se em forma de expressão do pensamento,

265

desprovida de relação com uma situação de comunicação

autêntica.

Para Dolz e Schneuwly, no processo de ensino, deve haver

consciência do papel central dos gêneros, levando em conta

alguns fatores. Um deles é que toda introdução de um gênero na

escola é consequência de uma escolha didática para atingir fins

específicos de aprendizagem. Tais objetivos estão relacionados a,

por um lado, conhecer melhor um gênero para compreendê-lo e

produzi-lo melhor; por outro lado, a desenvolver capacidades que

transpassam o gênero, transferíveis para outros.

Outro fator a se considerar é a transformação que o gênero

sofre por funcionar em um lugar social diferente do original. A

relação particular que os gêneros adquirem com as práticas de

linguagem, o fato de serem gêneros, principalmente, a aprender,

mais que a comunicar, leva à complexificação dos gêneros na

escola. Entretanto, os autores destacam que se deve colocar os

alunos em situações de comunicação o mais próximas possível das

verdadeiras, com o objetivo de melhor dominá-las, sem deixar de

considerar que há também outros objetivos visados.

Segundo os autores, deve-se fornecer meios para que o

aluno melhore seu domínio de um dado gênero de modo que possa

escrever e falar de modo mais adequado em uma determinada

situação comunicativa. Sendo assim, o foco do trabalho escolar

266

serão os gêneros que o aluno não domina ou não o faz de forma

suficiente.

2.4. Os PCN de Língua Portuguesa para o Ensino

Fundamental

Os PCN para o 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental,

publicados em 1998, demonstram uma mudança na perspectiva

tradicionalista acerca do que é ensinar Língua Portuguesa,

veiculando uma postura crítica segundo a qual o ensino deixa de

ser reduzido ao trabalho com regras gramaticais e passa a ter o

texto como unidade básica. Têm-se os gêneros como ponto de

partida – já que os textos se organizam em gêneros –, com

privilégio à leitura, à produção de textos e à análise linguística.

Quando se fala em textos, trata-se tanto dos escritos quanto

dos orais. A preocupação com os gêneros orais constitui um

diferencial dos PCN, pois até então a oralidade, em geral, não era

trabalhada pelos livros didáticos e tampouco pelos professores em

sala de aula.

Para a atividade de leitura, os PCN destacam alguns

fatores: a articulação dos enunciados de acordo com as

características das sequências predominantes e conforme suas

particularidades no interior do gênero; o estabelecimento de

relações com outros textos e com recursos que os acompanham

267

como gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes; uma abordagem

quanto à forma e ao conteúdo do texto, em função das

características do gênero, do suporte, do autor; um levantamento e

análise de indicadores linguísticos e extralinguísticos presentes no

texto para identificar as várias vozes do discurso, o ponto de vista

e a finalidade.

Para a prática de produção textual, considera-se a

importância de aspectos como as condições de produção, a

finalidade, as especificidades do gênero, o interlocutor escolhido e

os lugares preferenciais de circulação. Ademais, destacam-se

algumas etapas de elaboração textual: estabelecimento de tema,

levantamento de ideias e dados, planejamento, rascunho, revisão

(com intervenção do professor) e versão final. Ganham destaque

ainda aspectos como a coesão, a coerência e a argumentatividade.

Em relação à análise linguística, os PCN destacam que o

termo não constitui um sinônimo de ensino de gramática, mas

refere-se aos fenômenos linguísticos em sua relação com os

textos. A atividade está relacionada a aprender a pensar e falar

sobre a própria linguagem. Por isso, supõem-se atividades

didáticas reflexivas acerca dos recursos expressivos utilizados em

um texto, levando em conta elementos como as condições de

produção, as sequências discursivas predominantes, o gênero e o

suporte.

268

Por meio da diversidade de textos orais ou escritos é que o

aluno perceberá como se estrutura sua língua. Os PCN incluem

ainda, como parte da análise linguística, os procedimentos de

planejamento, elaboração e refacção dos textos. Assim, assinala-

se para uma integração entre leitura, produção e análise

linguística. Por meio da leitura e da escrita, o aluno pode perceber

as regularidades linguísticas que compõem um dado gênero e

expressar suas necessidades de aprendizado, as quais irão guiar o

trabalho do professor.

Os Parâmetros destacam que o ensino-aprendizagem deve

relacionar-se a diferentes padrões de fala e de escrita, para que o

aluno seja capaz de escolher a variedade linguística adequada às

características e condições do contexto de produção. Logo, o foco

do ensino deixa de ser corrigir “erros” e passa a ser formar um

indivíduo competente para se expressar de acordo com sua

intenção enunciativa, dirigindo-se a determinados interlocutores,

em dado contexto.

Para o estudo de determinado fato linguístico, são

sugeridos alguns procedimentos metodológicos: tomar como

ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos, para

que estes ampliem gradualmente seu domínio de linguagem;

constituir um corpus simples e relevante, com dados suficientes

para que o aluno possa perceber as regularidades; analisar o

corpus, promovendo o agrupamento dos dados; organizar e

269

registrar as conclusões dos alunos e permitir que exercitem os

conteúdos estudados, a fim de que se apropriem efetivamente das

descobertas realizadas.

Dessa forma, os PCN propõem que o ensino de língua

portuguesa seja pautado na interação entre a prática de leitura, de

produção de textos (orais e escritos) e de análise linguística. A

unidade básica para o ensino-aprendizagem é o texto, que é

trabalhado por meio dos diversos gêneros de circulação social. O

aluno, usuário da língua, é ativo nesse processo que se dá por

meio do princípio USO→ REFLEXÃO→ USO.

3. Análise do gênero nos livros didáticos

A análise do capítulo selecionado em cada uma das

coleções será subdividida em leitura, análise linguística e

produção textual, já que constituem itens considerados

fundamentais no estudo dos gêneros. O objetivo será identificar se

cada uma dessas habilidades é trabalhada de acordo com os PCN e

os estudos atuais acerca do ensino de Língua Portuguesa. A

organização da descrição das atividades propostas nos livros e dos

comentários acerca delas seguirá, em grande parte, a ordem em

que as habilidades são trabalhadas em cada capítulo, de modo que,

se o capítulo agrupar propostas de produção textual à atividade de

leitura, por exemplo, elas podem aparecer junto ao tópico leitura.

270

3.1. Tudo é linguagem

Todos os capítulos da coleção Tudo é linguagem são

divididos por gêneros e, no início de cada um, há um resumo do

que será trabalhado e uma apresentação do gênero em questão. A

seguir, vêm alguns textos acompanhados de atividades de

interpretação, depois tópicos gramaticais e, por fim, a parte de

produção textual. Como o foco da pesquisa é analisar o trabalho

com o artigo de opinião e esse gênero encontra-se no capítulo 8 do

volume 2 da coleção, trataremos especificamente desse capítulo.

Nessa seção do livro, encontrou-se a mesma subdivisão já

citada, sendo o ponto de partida um texto prévio sobre o artigo de

opinião. Depois, apresentam-se vários textos e atividades de

interpretação: a unidade trabalha a expressão do ponto de vista a

partir de vários gêneros (cartum, artigo de opinião, debate em

revista, foto). Por fim, traz algumas propostas de produção textual.

Cabe ressaltar que a coleção como um todo costuma apresentar,

ao lado do texto, uma breve conceituação do gênero, o autor e um

diferencial: uma foto do gênero no suporte original. Isso

demonstra a importância dada ao suporte, conforme destaca

Marcuschi (2008).

271

3.1.1. Leitura

A parte de leitura e análise de textos começa com o gênero

cartum em quadrinhos e uma atividade oral com questões para a

identificação do tema e da opinião presentes nele. A seguir, passa-

se a um texto mais denso, aparece o gênero artigo de opinião

acompanhado da parte de interpretação de texto (“Compreensão

inicial”), onde aparecem questões relacionadas ao suporte, ao

autor, às partes do texto e a sua relação com os cartuns anteriores

e com outros.

Então, apresenta-se a primeira produção de texto do

capítulo: a elaboração de um cartum. O aluno, antes de produzir,

já leu textos do gênero e já os interpretou, como expusemos

anteriormente, o que mostra, nesse acaso, um articulação entre

leitura e produção. Para a confecção do texto, são indicadas

algumas características do cartum e dadas instruções, dentre elas

estão a escolha do tema e as etapas de trabalho (planejamento,

produção, divulgação). No item “Construção e linguagem do

texto”, são apresentadas a estrutura e as características do artigo

de opinião. O artigo lido reaparece com destaque à paragrafação, à

divisão em introdução, desenvolvimento e conclusão, ressaltando

a questão da expressão da opinião e da apresentação de

argumentos.

272

Em seguida, sugerem-se atividades orais e escritas

relativas à identificação do tema, das posições contrárias e

favoráveis a determinados pontos de vista e da estrutura do texto.

Ao final do trabalho com esse texto, apresenta-se um quadro com

o conteúdo do gênero artigo de opinião, em que o aluno deve

completar as partes (estrutura) e a intenção (objetivo), atribuindo-

lhe um papel ativo na identificação das características do gênero.

No item “Outras linguagens”, apresenta-se uma foto e, por

meio de uma atividade oral, trabalha-se a expressão do ponto de

vista no texto através da interpretação da relação entre imagem e

legenda, e da identificação da intenção comunicativa. Na seção

“Um bom debate”, sugere-se um debate com mediação e regras,

para o qual se esclarecem as etapas, se determina a função de cada

um e se fornece um quadro de avaliação.

Assim, observa-se que, na parte de leitura e interpretação

de texto, a sequência argumentativa foi bastante trabalhada,

levando em conta a intencionalidade, a identificação e expressão

de diferentes pontos de vista e enfatizando a estrutura dados -

conclusão, a partir de uma gama de gêneros. O aluno leu bastante

e se familiarizou com os gêneros cartum e artigo de opinião antes

de ter que produzi-los, o que demonstra coerência com o que Dolz

e Schneuwly comentam sobre a necessidade de conhecer bem um

gênero para compreendê-lo e produzi-lo melhor.

273

Houve, nessa parte, principalmente questões de

interpretação muito relacionadas a aspectos estruturais de ambos

os gêneros, mas também ligadas a aspectos intencionais e

comunicativos. A questão da apresentação do suporte merece

destaque, já que leva o aluno a conhecer melhor o contexto

original de produção. Ocorre ainda o trabalho com gêneros orais

(como o debate, por exemplo), o que por vezes costuma ser

esquecido em alguns materiais didáticos. Tais aspectos

constituem, em grande parte, um material de acordo com o que

preconizam os PCN de Língua Portuguesa. Entretanto, não foi

notada uma preocupação com a análise linguística, que se

apresentou, de forma bastante isolada, no item seguinte da

unidade.

3.1.2. Análise linguística

A análise linguística é feita em seção distinta da parte de

interpretação de texto, no item “Língua: usos e reflexão”. De uma

forma geral, são utilizados como exemplos trechos dos textos

anteriores do capítulo, que, porém, são trabalhados apenas

gramaticalmente, de tal modo que se pode dizer que servem

apenas de pretexto para abordar regras gramaticais. Apesar disso,

ao primeiro tópico de gramática apresentado (oração, sujeito e

predicado) são acrescidos outros conteúdos como a concordância

274

verbal com o sujeito, os determinantes dos substantivos (núcleos

do sujeito), a coesão referencial (elipse e outros recursos para

evitar repetições), bastante úteis na produção textual.

Destacam-se também aspectos interessantes, como a

revisão de texto – treinando os recursos coesivos – e a discussão

da importância do assunto gramatical abordado. Esse último ponto

constitui mais um diferencial em relação a outros livros, já que faz

o aluno refletir sobre a importância de estudar gramática, o que

não costuma ser uma postura recorrente nem nos livros nem em

sala de aula.

Aborda-se também como um dos tópicos a linguagem

formal e informal, abordando, a partir daí, aspectos como o

interlocutor do texto, a adequação da linguagem, a discussão da

intenção no uso da linguagem, da importância da adequação ao

público-alvo, a concordância verbal etc. Trabalham-se, assim,

aspectos relacionados ao texto como uma atividade social.

Entretanto, a questão formal/informal é abordada a partir,

primeiro, de uma canção, depois de anúncios publicitários, ou

seja, não há relação com o gênero principal do capítulo. Portanto,

apesar de a análise linguística mostrar-se interessante, está

vinculada, nesse caso, apenas aos textos lidos no item, ou seja,

desvinculada dos textos anteriores, como o artigo de opinião,

gênero principal da unidade.

275

Outro tópico gramatical da unidade é ordem direta ou

inversa, em que se abordam, a partir de trechos de textos

anteriores, a intenção na escolha da ordem frasal, a relação entre

esta e o gênero, e se fazem exercícios classificatórios. Cabe

ressaltar que, outra vez, os textos funcionam como pretexto. Na

subdivisão “Ordem frasal e informação”, são apresentados títulos

de um jornal com a foto da primeira página e se realizam

atividades classificatórias junto a outras que destacam os efeitos

da ordem direta/ indireta, as intenções, a relação com o

convencimento. Parte-se ainda de um título e olho de matéria de

jornal para a resolução de exercícios classificatórios e de

estruturação frasal. Destacamos que, mais uma vez, não há relação

com o gênero principal da unidade e com textos anteriores, apesar

de se trabalhar, nesse caso, gêneros do mesmo domínio, o

jornalístico.

Logo, a parte de análise linguística busca sempre, além de

exercícios classificatórios, discutir questões importantes de

aplicação das regras gramaticais ao texto, como alguns efeitos de

sentido, a relação com intenções, com o público-alvo, com o

gênero textual etc. Entretanto, a análise linguística não está

relacionada à leitura, já que, quando traz exemplos de textos lidos

no capítulo (e isso não é feito a todo o momento), os utiliza

apenas como pretexto para exemplificar os conteúdos veiculados,

o que demonstra uma postura ainda tradicional no tratamento de

276

aspectos gramaticais, em desacordo com os PCN. No entanto,

apesar de isto não ser explicitado, os conteúdos gramaticais são

interessantes se aplicados à parte de produção textual, da qual

tratamos a seguir.

3.1.3. Produção

Apesar de haver algumas propostas de produção de

gêneros orais e escritos ao longo do capítulo (inclusive

relacionados à linguagem não verbal), ao final, há uma seção

denominada “Produção de texto”, onde é proposta a elaboração de

dois textos: um “parágrafo argumentativo” e um “texto

argumentativo”. Para o primeiro, é fornecido um cartum, cujo

tema deve ser o ponto de partida para a confecção do parágrafo.

As instruções esclarecem que se deve defender uma opinião a

partir de argumentos. Para o segundo, sugere-se um

posicionamento em relação a um dito popular e apresentam-se as

seguintes instruções: um posicionamento na introdução,

argumentos, enriquecimento dos argumentos e conclusão.

Nas duas propostas, indica-se a avaliação do texto entre os

colegas, a partir de um pequeno roteiro e, na segunda, sugere-se

também a reformulação (se necessário), a divulgação em um

painel e um debate a partir da leitura dos textos. Demonstra-se,

assim, uma preocupação com a formação de um senso crítico do

277

aluno em relação aos textos, tanto para a avaliação de textos de

colegas quanto para uma auto-avaliação. Há, também, a sugestão

de meios de veiculação dos textos, no caso desse capítulo, em um

painel, mas, nos outros, também em mural, exposição, jornal

escolar etc - ainda que, prioritariamente, no contexto escolar.

De um modo geral, a parte de produção textual preocupa-

se em apresentar coordenadas para a confecção do texto:

planejamento (instruções, etapas, rascunho); redação propriamente

dita; avaliação; divulgação. Na maior parte das produções, o aluno

já leu e analisou exemplo/s do gênero a ser produzido, tendo

assim uma imagem acerca do texto em questão (características).

Entretanto, alguns aspectos comunicativos como a intenção, a

situação, o público-alvo/ perfil do leitor e a linguagem adequada

não aparecem, com exceção para o último item citado.

Desse modo, observa-se que a parte de produção textual do

capítulo está atrelada à tipologia, mas, nem tanto, aos gêneros

lidos. O tema das produções tem relação com o assunto da maior

parte dos textos lidos na parte de compreensão de texto e com as

tipologias pedidas também. Entretanto, observa-se uma ênfase

apenas na sequência argumentativa, pois não são pedidos gêneros

específicos, a proposta é, especificamente, a de um texto

argumentativo, ou seja, trata-se, nesse caso, do tradicional gênero

escolar conhecido como dissertação. Sendo assim, o aluno está

278

sendo preparado para escrever um texto opinativo e não um

gênero específico.

Em suma, no capítulo analisado, há relação entre leitura e

produção no tocante à tipologia, mas, no caso do item “Produção

de texto” (ao final do capítulo), não ocorre essa relação no que

concerne aos gêneros: o tema do capítulo é o artigo de opinião,

algumas leituras e atividades se relacionam a ele, mas não há

proposta para a produção desse gênero especificamente. No que

concerne à análise linguística, como já foi dito, o tópico

gramatical trabalhado no capítulo pode ser interessante para a

parte de produção. Questões como a ordem frasal, os níveis de

formalidade, a diversificação dos tipos de sujeito como recursos

coesivos podem ser bem úteis na hora de compor um texto

argumentativo. Contudo, o capítulo não relaciona essas partes,

citando, na parte de produção, apenas a questão da adequação à

linguagem, o que constituiu uma ausência de vínculo entre análise

linguística e produção.

3.2. Passaporte para a língua portuguesa

A coleção Passaporte para a Língua Portuguesa tem seus

capítulos divididos por temas. O foco de cada lição não é trabalhar

um gênero específico, mas um determinado tema: discute-se o

assunto principal por meio da leitura de gêneros diversificados. Os

279

capítulos se dividem, basicamente, em quatro partes: estudo do

texto, expressão oral, expressão escrita e estudo da língua. Como,

ao longo da coleção, não foi encontrado o gênero artigo de

opinião, nem na parte de leitura tampouco na parte de expressão

escrita, escolhemos para a análise um capítulo em que se encontra

um gênero que consideramos mais próximo dele, a “coluna de

jornal”, presente na lição 8, do volume 1. Tal escolha se deve ao

fato de esse gênero ser do âmbito do argumentar e do domínio

jornalístico, assim como o artigo de opinião.

3.2.1. Leitura

O tema do capítulo 8 – o trabalho – é discutido por meio

de uma gama de gêneros: provérbio, depoimento, poesia, júri

simulado, pintura. Trabalha-se, assim, a expressão de pontos de

vista sobre o assunto, a partir de diversos gêneros, enfatizando a

argumentação lato sensu, como inerente a todo o texto, visto que

não são gêneros do âmbito do argumentar. A análise de textos se

inicia com a leitura de um provérbio e de um pequeno depoimento

e são trabalhados aspectos como as características do provérbio, a

identificação de recursos para convencer o leitor, para

interlocução direta, abordando recursos gramaticais frequentes no

gênero, de modo a interligar texto e gramática.

280

Em seguida, a partir do mesmo tema do capítulo, na seção

“Expressão oral”, propõe-se a produção de um gênero oral – o júri

simulado – e são fornecidas instruções em relação aos

participantes e ao papel deles na atividade. Para auxiliar no

levantamento de ideias para o júri, são fornecidos alguns textos

auxiliares, como reportagens e foto relacionadas ao tema e um

pequeno resumo em tópicos a respeito do que é saber argumentar.

Trata-se de uma atividade interessante para os alunos treinarem

essa habilidade. Após isso, apresentam-se uma poesia para leitura

e algumas questões a ela relacionadas. Pedem-se, por exemplo, as

figuras retratadas no poema e o tratamento poético dado a elas, a

identificação de expressões que as retomem (coesão referencial).

Além disso, há perguntas, relacionadas ao poema,

divididas em três seções: descrição, narração e argumentação. Na

primeira parte, pede-se para comprovar que há descrição nas duas

primeiras estrofes, para explicar o que é descrito e citar exemplos

do uso do tempo verbal, nesse último caso, fazendo uma relação

entre gramática e texto. As questões ressaltam a diferença entre

descrição e narração quando as relacionam à simultaneidade e à

posterioridade, respectivamente. Em relação à argumentação, as

perguntas destacam a relação entre a seleção vocabular e a

expressão do ponto de vista. Assim, pede-se que se relacionem

algumas palavras a sentimentos demonstrados pelo “poeta”, a

281

pontuação com a emoção, onde mais uma vez se nota a relação

entre texto e gramática.

Verificou-se, assim, um estudo de características do

gênero poema, pois, a partir das atividades, o aluno tem a

possibilidade de perceber questões geralmente recorrentes.

Ademais, a abordagem da descrição, da narração e da

argumentação no poema reflete a posição de Adam (1992) de que

as sequências interagem dentro de um determinado gênero.

O último gênero verbal trabalhado na parte de leitura é o

depoimento, também acerca do tema trabalho, em que se discutem

principalmente questões linguísticas como a relação entre tempos

verbais e pessoas gramaticais, o estilo e o grau de formalidade,

algumas marcas de oralidade. Acrescentam-se, por meio de um

pequeno quadro, algumas noções de variantes linguísticas. Cabe

ressaltar que se verificou um estudo de características do gênero

depoimento, porém mais focadas na linguagem. Na última parte

referente ao “Estudo do texto”, analisa-se detalhadamente o

gênero pintura.

Portanto, os gêneros que aparecem na parte de leitura, em

geral, são bastante trabalhados em relação a suas características.

Merecem destaque alguns aspectos como a abordagem de gêneros

orais e, ainda, a presença de questões relacionadas à variação

linguística, conforme preveem os PCN. Identificam-se também

questões relacionadas à análise linguística, havendo, assim, uma

282

relação desta com a leitura. Entretanto, não foi observada, nesse

capítulo, uma relação direta entre a produção e a leitura, já que,

conforme será tratado mais adiante, os gêneros a serem

produzidos não são os lidos nessa unidade. É possível estabelecer

essa relação somente se considerarmos a questão da abordagem da

argumentação ao longo das leituras. Além disso, a parte de

produção de texto é totalmente isolada, já que se encontra apenas

ao final do capítulo, o que será abordado mais adiante.

3.2.2. Análise linguística

A análise linguística, apesar de ser trabalhada ao longo da

parte de leitura, apresenta-se também em seção específica:

“Estudo da língua”. De um modo geral, os exemplos são trechos

retirados dos textos já lidos no capítulo. Um dos tópicos tratados é

a preposição, e a abordagem não começa com teoria nem regras

de uso, mas com questões que conduzem a elas. A definição e os

exemplos só aparecem, em seguida, em pequenos boxes ao lado

das questões.

Alguns exemplos de atividades são a identificação de

palavras de ligação, a apresentação de trechos para inserir

preposições, a discussão da ausência de variação de gênero e

número. Há questões que atentam para o sentido das preposições,

da repetição delas e para a variação no uso, o que demonstra uma

283

abordagem textual. Fala-se em contrações e pede-se para

completar as partes que faltam em uma lista delas. Assim, a parte

de gramática não oferece uma lista pronta, o aluno ajuda a

construí-la, o que deixa de lado a famosa “decoreba”. Discute-se

ainda a função da preposição, a questão do contexto linguístico

etc.

Outro tópico gramatical, bastante relacionado ao primeiro,

é a regência. Nesse caso, o ponto de partida não é constituído por

textos lidos anteriormente, são acrescidos outros. Para tratar, por

exemplo, do emprego de aonde, parte-se de uma tirinha, utilizada

apenas como pretexto, como é comum na maior parte dos

didáticos. Em seguida, apresentam-se versos de Fernando Pessoa

para que se identifiquem termo regente e termo regido, se a

regência é verbal ou nominal – conteúdos resumidos em dois

boxes. Tais versos também constituem apenas exemplos para

questões gramaticais (há uma questão de interpretação acerca

deles, mas sem relação alguma com o aspecto gramatical

abordado). Entretanto, no final desse item, há um boxe alertando

que o falante já sabe intuitivamente a regência dos termos e que,

por isso, não precisa decorar, mas apenas atentar para algumas

diferenças do uso coloquial para a variedade culta.

Além disso, em vez de fornecer uma lista acerca das

regências verbais mais complexas, sugere-se uma pesquisa em

dicionários a respeito dos verbos aspirar, assistir, obedecer,

284

preferir, chegar. Ainda no item regência, é trabalhada a crase, por

meio de questões que discutem a adequação da presença de artigo

diante de um nome de lugar (relacionada à presença ou ausência

de crase nesse contexto). Utilizam-se como exemplos trechos da

obra onde se encontra o depoimento lido anteriormente. Esse

trecho só define e explica a crase sem falar de regras e as questões

propostas fornecem um ponto de partida para que o professor as

construa junto aos alunos.

O último aspecto gramatical abordado é o predicado e seus

complementos verbais; para isso, os exemplos são constituídos

por mais um depoimento que é parte da obra já citada. Há

atividades classificatórias, mas pede-se também a relação entre os

complementos do verbo “ter” e os interesses da personagem, a

relação entre complemento verbal e determinada descrição, trata-

se da coesão textual, ou seja, abordam-se questões que relacionam

texto e gramática. Um aspecto importante a ser destacado é a

discussão do uso do pronome pessoal reto como objeto direto, em

que se comentam as variedades linguísticas, discutindo esse uso

da variedade popular.

No fim dessa parte, há uma seção de revisão dos conteúdos

gramaticais abordados no capítulo, onde são adicionadas algumas

atividades ortográficas, que correspondem a exercícios dos quais o

aluno depreende as regras. Fala-se também de variações regionais

na pronúncia – que podem alterar a grafia, como no caso de uma

285

canção apresentada (“Asa Branca”) –, e dos efeitos de

proximidade ao linguajar regional retratado.

Nessa parte, verifica-se que há, portanto, relação entre os

conteúdos abordados, pois preposição, regência, e complementos

verbais são assuntos interligados. A parte de leitura contém

questões que relacionam texto e gramática, mas a parte de análise

linguística não está tão vinculada a esses textos, pois, embora

reapareçam, são mais trabalhados somente em relação a aspectos

linguísticos. Por outro lado, a parte de gramática se mostra

interessante, à medida que deixa de lado as tão famosas

“decorebas”, e os conteúdos e regras vão sendo assimilados pelos

alunos a partir dos exercícios, conforme afirmam os PCN.

Ressalta-se também a preocupação observada em abordar a

questão da variação linguística, tratando da variante popular e dos

efeitos causados por seu uso. Há ainda, em alguns momentos, a

relação entre gramática e texto, o que está de acordo com os PCN.

Entretanto, não se observou uma preocupação em relacionar a

parte de análise linguística com a produção textual.

3.2.3. Produção

Em relação à produção textual no capítulo, não há

propostas de confecção de gêneros escritos nas seções anteriores à

parte de expressão escrita propriamente dita. Essa parte ficou

286

restrita apenas a poucas páginas onde se sugere a produção de um

texto argumentativo e se oferecem dois gêneros para escolha –

“coluna de jornal” e “texto de desabafo”. Para a realização da

atividade, é fornecido um quadro com algumas informações

básicas sobre o texto: tema, tipo de texto, gênero textual e textos-

fonte. Dentre esses textos auxiliares, há reportagem, entrevista,

foto. São fornecidas ainda algumas instruções para a elaboração

do texto que tratam de questões como a polêmica, a tomada de

posição e argumentação. Por fim, há um adendo interessante em

relação ao encadeamento de argumentos: trata-se de exercícios

úteis para treinar a coesão sequencial, o que pode auxiliar muito

na produção de texto argumentativo.

Não há relação direta entre leitura e produção, pois são

pedidos gêneros que não foram lidos no capítulo, talvez o aluno

nem saiba do que se trata, pois não há informações que

esclareçam o que é cada gênero sugerido. Parece haver uma

ênfase na sequência, pois argumentação foi trabalhada ao longo

das leituras, apesar de ter sido por meio de gêneros que não são

propriamente do âmbito do argumentar. Logo, o aluno só teve

acesso a textos argumentativos strictu sensu em produção oral, o

júri simulado. Desse modo, o aluno sabe o que é argumentar,

apesar de não conhecer os gêneros especificamente. Tem-se,

assim um foco na tipologia e não nos gêneros, que, apesar disso,

são trabalhados, mas não apresentam relação com a produção.

287

Cabe ressaltar que um algo a mais do capítulo, em relação à

produção de texto argumentativo, é a presença de algumas

propostas de estruturação para encadeamento de ideias, ou seja, a

abordagem da coesão sequencial.

4. Considerações finais

Há algumas ressalvas a serem feitas sobre os capítulos de

ambos os livros. Uma delas é acerca da ênfase sobre a tipologia na

parte de produção textual, pois ambos não permitem uma

confecção segura do gênero especificamente (o artigo de opinião

ou a coluna de jornal), mas de um texto argumentativo. Em

relação apenas ao TL, observa-se que a parte de análise

linguística, apesar de, indiretamente, possibilitar aplicação na

parte de produção textual, está desvinculada da leitura. No que diz

respeito ao PLP, devido a uma preocupação com a diversidade de

gêneros, o gênero pedido na expressão escrita, nem sequer foi lido

pelo aluno, o que pode causar dificuldades na hora da escrita.

Entretanto, os dois livros analisados apresentam diversos

avanços em relação ao modelo tradicional de livros didáticos de

Língua Portuguesa: trabalham a partir de uma diversidade de

gêneros (em maior ou menor grau) ressaltando as características

próprias; incluem o trabalho com gêneros orais; em vários

momentos, relacionam texto e gramática; abordam questões

288

relacionadas à adequação da linguagem e às variedades

linguísticas; e fornecem etapas para a produção de textos orais e

escritos, as quais incluem o planejamento, a elaboração, a releitura

e a refacção.

Mais especificamente no capítulo analisado no segundo

volume do livro Tudo é Linguagem (TL), alguns aspectos

merecem destaque: a preocupação, durante as atividades de

leitura, em situar o leitor quanto ao autor e ao suporte; a relação

entre leitura e produção, pois os textos lidos servem de base para a

expressão escrita; e a preocupação em sugerir algum tipo de

divulgação dos textos dos alunos, o que trabalha, de algum modo,

a dimensão comunicativa dos gêneros.

Já no capítulo analisado no volume 1, de Passaporte para

a Língua Portuguesa (PLP), destacam-se a relação entre leitura e

análise linguística na parte de compreensão de texto e na parte

específica de estudo da língua; e a produtividade dos exercícios

gramaticais no sentido de requerer a participação aluno na

construção dos conceitos.

Portanto, os dois capítulos analisados apresentam pontos

negativos e positivos em relação aos estudos mais recentes

relacionados ao ensino de Língua Portuguesa e às indicações dos

PCN. Os aspectos que poderiam ser aperfeiçoados, como foi visto,

dizem respeito, em alguma medida, à relação leitura, análise

linguística e produção. Contudo, de acordo com o que foi

289

analisado, os avanços em relação aos demais livros didáticos

ganham destaque e estão acima dos problemas levantados.

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& Ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

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TEIXEIRA, Lucia & DISCINI, Norma. Passaporte para a língua

portuguesa. V. 1. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.

291

Considerações sobre o gênero artigo de opinião em livros didáticos

do segundo segmento do ensino fundamental

Nubia Graciella Mendes Mothé (UFRJ)23

1. Introdução

Inicialmente, o objetivo deste artigo era analisar a

abordagem do gênero editorial nos manuais didáticos Tudo é

linguagem e Passaporte para a Língua Portuguesa. Entretanto,

após avaliar as coleções, percebemos que o gênero editorial não é

trabalhado em nenhuma das duas obras estudadas: em Tudo é

linguagem, o gênero sequer aparece nos volumes da coleção; já

em Passaporte para a língua portuguesa, dentre os quatro

volumes da coleção, as autoras só mencionam o gênero editorial

no final do volume 4 e, ainda assim, não para analisá-lo ou ensinar

as características e funções sociais de um editorial – o gênero só

aparece para exemplificar o tipo textual “dissertação”, que é o

tema da seção Estudo do texto na última lição do livro. Segundo

as autoras, a dissertação “é um tipo textual abrangente, que

envolve a exposição e a opinião” (DISCINI & TEIXEIRA, 2009,

p. 315). Quanto ao gênero editorial, que estaria exemplificando tal

tipo de texto, elas afirmam o seguinte: “Um editorial jornalístico,

23

[email protected]

292

que analisa e interpreta dados veiculados nos jornais, cobra o uso

do tipo textual dissertativo” (DISCINI & TEIXEIRA, 2009, p.

315). Nada mais é dito acerca do que é, onde aparece ou como se

configura um editorial.

Assim, devido a essas lacunas nas duas coleções quanto ao

gênero editorial, foi preciso fazer algumas mudanças. A ideia

inicial era escrever a respeito de algum gênero textual do âmbito

da argumentação, mas ficou claro que seria impossível analisar

editoriais em duas coleções que não tratam desse gênero. Deste

modo, optamos por fazer duas alterações: 1) utilizar uma terceira

coleção de livros didáticos que avaliamos como de qualidade e

abordagem similar às duas citadas anteriormente; e 2) trocar o

gênero textual sugerido. Em vez de editorial, optamos por analisar

a abordagem feita nos livros didáticos para o gênero artigo de

opinião, para que se mantivesse o foco no tipo textual

argumentativo. Mesmo assim, a coleção Passaporte para a

Língua Portuguesa não apresentava um estudo do gênero artigo

de opinião em qualquer de seus 4 volumes. Por isso, descartamos

essa coleção. E foi assim que surgiu a coleção Para viver juntos,

de Ana Elisa de Arruda Penteado, Eliane Gouvêa Lousada, Greta

Marchetti, Heidi Strecker e Maria Virgínia Scopacasa (Edições

SM).

Na coleção Tudo é linguagem, o gênero artigo de opinião

aparece nos volumes 2, 3 e 4 (respectivamente destinados ao 7º, 8º

293

e 9º anos). Já na coleção Para viver juntos, o gênero é trabalhado

nos livros do 7º e do 8º anos (volumes 2 e 3). Vamos aqui

perpassar por essas unidades para verificar que tipo de abordagem

e que tipos de atividades são feitas para que alunos do segundo

segmento do ensino fundamental se apropriem do conhecimento

sobre esse gênero tanto como leitores quanto como autores.

2. Fundamentação teórica

2.1. Das nomenclaturas

A primeira questão teórica que precisa ser discutida é

justamente aquela que se faz necessária para evitar a ambiguidade

dos termos aqui utilizados. Vemos nos trabalhos acadêmicos

ultimamente uma grande profusão de termos relacionados às

“teorias de gêneros”. Há trabalhos que adotam o termo gêneros

textuais, outros chamam gêneros discursivos; há também a

oposição entre modos de organização do discurso, tipos e

sequências textuais. Sem mencionar a discussão ainda mais antiga

acerca da diferença entre texto e discurso.

Na Linguística Textual, entretanto, em geral, a diferença

entre texto e discurso não é uma discussão central, pois, na

verdade, texto e discurso não se diferenciariam, uma vez que o

texto é visto não como produto, mas como processo e como “lugar

294

de interação entre atores sociais e de construção interacional de

sentidos” (KOCH, 2004, p. XII). Logo, chamaremos

simplesmente texto cada exemplar do gênero artigo de opinião

com o qual trabalharemos.

Sendo assim, se, para a Linguística Textual, texto e

discurso não se diferenciam, também é indiferente chamarmos

gêneros textuais, gêneros de texto, gêneros discursivos ou mesmo

gêneros do discurso. Além disso, a principal base teórica para este

trabalho encontra-se em Dolz & Schneuwly (2004), que também

não diferenciam tais termos, como podemos ver na apresentação

da obra, feita pelas tradutoras, onde os termos aparecem como

comutáveis:

(...) passam a ter importância considerável tanto situações de

produção e de circulação dos textos como a significação que

nelas é forjada, e, naturalmente, convoca-se a noção de

gênero (discursivos ou textuais) como um instrumento

melhor que o conceito de tipo para favorecer o ensino de

leitura e de produção de textos escritos e, também, orais.

(DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 10, grifo extra nosso)

Por fim, quanto às sequências ou tipos textuais, no texto

dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do terceiro e do

quarto ciclos do ensino fundamental de Língua Portuguesa, a

nomenclatura utilizada foi sequências textuais, cuja definição

dada é a seguinte:

295

As sequências são conjuntos de proposições

hierarquicamente constituídas, compondo uma

organização interna própria de relativa autonomia, que não

funcionam da mesma maneira nos diversos gêneros e nem

produzem os mesmos efeitos: assumem características

específicas em seu interior. Podem se caracterizar como

narrativa, descritiva, argumentativa, expositiva e

conversacional. (PCN, 1998, p. 21)

Mais adiante, o texto dos PCN traz os objetivos do tipo de

trabalho que deve ser feito na “Prática de análise linguística”: no

ensino de língua portuguesa, a escola deve proporcionar o

“reconhecimento das características dos diferentes gêneros de

texto, quanto ao conteúdo temático, construção composicional e

ao estilo” (p. 59), e, para que isso aconteça, deve haver “(...)

análise das sequências discursivas predominantes (narrativa,

descritiva, expositiva, argumentativa e conversacional) e dos

recursos expressivos recorrentes no interior de cada gênero” (p.

60).

Já Marcuschi (2007, p. 22), prefere a terminologia tipos

textuais:

(...) usamos a expressão tipo textual para designar uma

espécie de sequência teoricamente definida pela natureza

linguística de sua composição [aspectos lexicais, sintáticos,

tempos verbais, relações lógicas]. Em geral, os tipos textuais

abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas

como: narração, argumentação, exposição, descrição,

injunção.

296

Em contrapartida, Dolz & Schnewuly (2004, p. 51) usam o

conceito de tipologias do discurso e afirmam haver cinco tipos:

narração, relato, argumentação, exposição e descrição de ações.

Como se pode perceber, nas três referências citadas, cinco

tipos textuais são considerados. Porém, dentre os cinco, somente

três deles estão presentes nas três classificações: narração,

exposição e argumentação. O tipo descritivo é contemplado nos

PCN e em Marcuschi, mas não aparece na obra de Dolz e

Schnewuly. Estes, por sua vez, tratam do tipo relato, que não

aparece em nenhuma das outras duas obras. O tipo que Marcuschi

chama de injuntivo é na verdade o mesmo que Dolz e Schnewuly

preferem chamar de “descrição de ações”. E o tipo

conversacional só aparece nos PCN.

Não vamos discutir aqui o porquê de os autores

escolherem adotar essa ou aquela nomenclatura, esse ou aquele

tipo. Para este trabalho, basta destacar que, independente da base

teórica, o tipo (ou a sequência) argumentativo(a) está sempre

presente. E é dele que vamos tratar em seguida quando

analisarmos o gênero artigo de opinião.

297

2.2. Da análise

Como afirmam Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro na

apresentação de Gêneros orais e escritos na escola, de Dolz &

Schneuwly (2004, p.7),

(...) não é de hoje que circula e é aceita, no Brasil, a ideia de

que o texto – seja como material concreto sobre o qual se

exerce o conjunto dos domínios de aprendizagem, sobretudo

leitura e produção de textos, seja como objeto de ensino

propriamente dito – é a base do ensino-aprendizagem de

língua portuguesa no ensino fundamental.

A ideia de usar gêneros discursivos para o ensino de língua

materna já está no texto oficial dos PCN desde 1998 e já aparecia

antes disso em diversos estudos pelo país. Porém, é fato que há

vários problemas que impedem e/ou dificultam a aplicação efetiva

dessa proposta dentro da sala de aula da maioria de nossos alunos

do ensino fundamental. Os problemas vão desde a má formação

de professores até a falta de material didático apropriado para tal.

Mesmo no PNLD-EF 2011 (Programa Nacional do Livro Didático

para o Ensino Fundamental 2011) vemos ainda muitos títulos que

trabalham com o texto como pretexto para continuar cobrando

questões de natureza meramente gramatical.

Já há alguns anos, a escola tem tentado – com algumas

vitórias e algumas derrotas – substituir esse modelo pautado quase

que exclusivamente na gramática normativa para buscar incluir a

298

leitura, interpretação e produção de textos como foco do trabalho

em sala de aula. Por muito tempo, esse trabalho com textos ficou

reduzido ao trabalho com tipos textuais. Mas, nos últimos anos, o

foco tem recaído sobre o ensino através de gêneros textuais e não

dos tipos.

Segundo Dolz & Schneuwly (2004), a escola deve

priorizar o trabalho com os gêneros e não com tipos, pois, antes de

tudo, nós lemos e produzimos gêneros e não tipos. Estes estão a

serviço daqueles, e não o contrário. Além disso, os gêneros se

apropriam dos tipos de acordo a função social que desempenham.

Para os autores, as tipologias sofrem de duas limitações

importantes (Id., p. 49):

a) Seu objeto não é o texto (...), mas operações de linguagem

constitutivas do texto, tais como ancoragem enunciativa e a

escolha de um modo de apresentação ou de tipos de

sequencialidades;

b) Por isso mesmo, a análise se exerce sobre subconjuntos

particulares de unidades linguísticas que formam

configurações, traduzindo as operações de linguagem

postuladas.

Assim, os autores propõem que a base do trabalho em sala

de aula seja com gêneros textuais, pois estes “correspondem às

grandes finalidades sociais legadas ao ensino, respondendo às

necessidades de linguagem em expressão escrita e oral, em

domínios essenciais da comunicação em nossa sociedade

(inclusive a escola)”. (Id., p. 50). Dessa forma, ao selecionar os

299

gêneros a serem trabalhados na escola, é muito importante que

seja levada em consideração a relevância social do gênero para

um determinado grupo.

E é do mesmo modo que os PCN entendem que deve ser

realizado o ensino nas nossas escolas, pois afirmam:

Considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio,

cabe à escola promover sua ampliação de forma que,

progressivamente, durante os oito anos do ensino

fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar

diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a

palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais

variadas situações. (PCN, 1998, p. 19)

Outro fator crucial na proposta de Dolz & Schneuwly

(2004) é considerar que a escola deve realizar um trabalho em

espiral com os gêneros, ou seja, em vez de trabalhar com os

alunos determinados gêneros em séries específicas e nunca mais

voltar a ter contato com esses gêneros em séries mais avançadas, o

ideal é que eles sejam retomados em anos posteriores. Assim:

(...) o enfoque é potencialmente espiral, ao menos

em dois níveis:

objetivos semelhantes são abordados em

níveis de complexidade cada vez maiores ao longo

da escolaridade;

um mesmo gênero pode ser abordado

diversas vezes ao longo da escolaridade, com graus

crescentes de aprofundamento. (Id., p. 54)

300

Quanto aos objetivos esperados pelos PCN para o 3º e o 4ª

ciclos do ensino fundamental, podemos citar que:

No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes

práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades

que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da

expressão oral e escrita em situações de uso público da

linguagem, levando em conta a situação de produção

social e material do texto (lugar social do locutor em relação

ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social;

finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da

produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros

adequados para a produção do texto, operando sobre as

dimensões pragmática, semântica e gramatical. (PCN, 1998,

p. 49, grifo nosso)

É papel da escola, portanto, instrumentalizar o aluno com o

máximo de conhecimento possível acerca de gêneros variados e

adequados às mais diferentes situações em sociedade. Como os

gêneros são justamente “tipos relativamente estáveis de

enunciados”, em cada esfera de troca social caracterizados pelo

conteúdo temático, estilo e construção composicional, eles se

constituem na principal fonte da qual atualmente um professor

pode lançar mão para fornecer a seu aluno a capacidade de

compreender e se fazer compreendido no mundo que o cerca.

301

3. Análise das coleções de livros didáticos

3.1. Coleção Tudo é linguagem

O gênero artigo de opinião aparece pela primeira vez na

coleção Tudo é linguagem na unidade 8 (a última) do livro do 7º

ano. Nessa coleção, os gêneros trabalhados em cada unidade a

intitulam e todo o capítulo costuma ser voltado para aquele

determinado gênero. Sendo a última unidade do livro, entendemos

que o artigo de opinião seja trabalhado no 4º bimestre do ano

letivo. Antes dele, os gêneros abordados a cada unidade foram: 1-

conto, 2- crônica, 3- relato e memória, 4- relato de experiências,

5- poemas, 6- notícia, 7- reportagem. Vemos, então, que a

sequência textual argumentativa ainda não tinha aparecido no

volume.

No Manual do Professor, a unidade 8 é introduzida com o

seguinte comentário:

O artigo de opinião mostra a posição crítica do autor e os

argumentos empregados para sustentar essa posição.

Destacar: a intencionalidade, a importância da

argumentação, o dialogismo presente no texto – o autor

dialoga ou responde às possíveis objeções do leitor. (Manual

do Professor, p. 30, grifos das autoras)

Já o texto de abertura da lição diz:

Defender nossa opinião é algo que fazemos a todo instante,

em diversas situações comunicativas, falando ou silenciando,

alterando a voz, agindo... São muitas maneiras, no dia a dia,

302

de deixar claro qual é a nossa opinião diante de

acontecimentos, atitudes ou ideias polêmicas.

Mas há situações em que expressar uma opinião exige uma

elaboração mais cuidadosa. É o caso do artigo de opinião.

Quando alguém deseja expor seu modo de pensar por meio de

um veículo de comunicação, é fundamental que se expresse

de forma muito clara, relacionando argumentos que sustentem

o ponto de vista que defende.

Você tem facilidade para expor sua opinião? É fácil defender

nossas ideias com palavras? Você acha importante que

respeitemos a opinião alheia, ainda que essa opinião seja

muito diferente da nossa? (Id. p. 254-255)

Logo após esse texto introdutório do capítulo, o gênero

que aparece imediatamente em seguida como o primeiro da lição é

o cartum e não o artigo de opinião. Há uma sequência de cinco

cartuns de Laerte e depois uma série de questões de interpretação

sobre os mesmos. Em seguida, aparece o primeiro artigo de

opinião, que se relaciona aos cartuns quanto à temática: pequenos

delitos.

No Manual do Professor, a orientação que as autoras dão

sobre o uso desses cartuns no início da unidade é: “o texto de

caráter opinativo foi precedido pela apresentação de cartuns que

têm intencionalidade, argumentação e dialogismo, aspectos

explorados nessa unidade” (p. 30 do Manual do Professor).

Voltando ao livro do aluno, antes do título do artigo, as

autoras colocam em um box destacado a definição de artigo de

opinião: “Texto geralmente publicado em jornais, revistas ou

internet, com a interpretação ou opinião do autor que o assina.

Pode ser escrito na primeira pessoa.” (p. 258)

303

O texto, de Michael Kepp, ocupa quase duas páginas

inteiras sem ilustração. Na primeira página, ao lado do primeiro

parágrafo, consta uma reprodução em miniatura da página em que

o artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo. Seguem-se

questões de interpretação. Em uma delas, as autoras pedem que o

aluno releia o conceito de “artigo de opinião” e responda se está

escrito em primeira pessoa, justificando a resposta com trechos do

artigo.

Logo depois, na parte da lição destinada à análise do

gênero (intitulada “Construção e linguagem do texto – A estrutura

do artigo de opinião”), as autoras trabalham mais detalhadamente

o artigo de opinião, o qual elas afirmam que deve apresentar:

“ideias defendidas pelo autor; e argumentos para sustentá-las” (p.

263)

E acrescentam:

“Em um artigo de opinião é comum o autor

- apresentar sua ideia ou opinião logo no início do texto;

- em seguida expor argumentos para convencer o leitor a se

posicionar a seu favor;

- por fim, apresentar suas conclusões.” (p. 263, grifos das

autoras)

Em seguida, as autoras reproduzem o início de cada um

dos dez parágrafos do texto, dividindo-os em: 1 – Introdução:

apresentação da opinião do autor; 2 a 9 – Argumentação: fatos,

ideias, citações, exemplos que sustentam a tese; e 10 – Conclusão:

304

retoma a opinião apresentada na introdução e resume as ideias do

autor, reforçando seu posicionamento. Depois disso, propõem um

esquema com a representação dessas partes do texto que ilustra a

sequência de introdução – argumentação – conclusão:

Esquema 1: A estrutura do artigo de opinião

Seguindo-se a esse esquema, há uma proposta de atividade

oral para “analisar a construção de outros tipos de texto

argumentativo”: o debate. A atividade é bem detalhada e elas

chegam também a ressaltar sua importância no Manual do

Professor, usando um trecho de Dolz & Schneuwly (2004) e um

de Cotteron (2006) para justificar seu uso. O objetivo é fazer com

305

que os alunos percebam e aprendam como fazer uso da

argumentação em situações mais formais de interlocução oral,

observando como lidar com “argumentos mais convincentes ou

mais rejeitados, razões da prevalência de determinados pontos de

vista” etc. (Manual do Professor, p. 30). Dessa forma, depois de

trabalhar com a argumentação na escrita através do artigo de

opinião, as autoras também mostram como funciona a sequência

textual argumentativa na modalidade oral.

Após o debate, aparece uma das partes que, em nosso

entendimento, é uma das mais interessantes da lição quanto ao

estudo dos gêneros textuais. As autoras criam um quadro que

chamam de “Comparação de textos” com o objetivo de relembrar

o que foi estudado sobre a construção dos textos analisados nas

unidades anteriores do livro. O quadro é o que segue:

306

Quadro 1: Comparação de textos

Nele, percebemos que as autoras fazem um resumo dos

gêneros textuais estudados ao longo do ano, dando destaque para

as características predominantes de cada um, bem como seu tipo

de conteúdo e a intenção de cada gênero. Como atividade, elas

propõem que o aluno copie em seu caderno o quadro (visto que o

livro não é consumível) e o complete com as mesmas

307

informações, agora acerca do último gênero estudado: o artigo de

opinião.

As autoras esperam, pela indicação de respostas que vemos

no livro do professor, que o aluno:

- aponte que a construção do texto artigo de opinião prevê três

partes: introdução, argumentação e conclusão;

- saiba que o conteúdo do mesmo é concernente a ideias, opiniões

defendidas pelo autor do texto;

- e entenda que sua intenção é “defender uma ideia ou uma

opinião e convencer o interlocutor”. (cf. p. 268).

Tal orientação está de acordo com a base teórica aqui

adotada, segundo a qual, no ensino através de gêneros textuais,

mais importante que “decorar” características estruturais de cada

gênero é entender como e para que ele é utilizado em um

determinado meio social.

A proposta de produção escrita não pede que os alunos

produzam um artigo de opinião, talvez tendo em vista que são

alunos de 7º ano. Em vez disso, as autoras propõem que os alunos

produzam um parágrafo argumentativo. O enunciado da

atividade explica:

Para produzir o artigo “A mania nacional da transgressão

leve”, o jornalista não só listou vários „pequenos delitos‟ que

se comentem diariamente, como também apresentou

argumentos (...). Agora é sua vez de expressar e defender sua

opinião. Observe o fato apresentado no cartum a seguir e

escreva um parágrafo com: a) sua opinião sobre o fato

308

narrado; b) o(s) argumento(s): ideia(s), fato(s), prova(s) para

defender sua opinião. (p. 285).

Segue-se à seção de produção de texto a seção gramatical

da coleção, intitulada Língua: usos e reflexão. Sobre esta, o

Manual do Professor afirma que (nela) “são ordenados e

estudados fatos linguísticos dos textos da unidade, ampliados com

atividades e textos que os evidenciam em circunstâncias de usos

reais” (p. 14). E em seguida as autoras afirmam ainda: “A ênfase

da coleção está no estudo da diversidade de gêneros de circulação

social real, na leitura e na produção de textos escritos e orais. O

estudo gramatical é sempre motivado por esses contextos” (p.

14, grifo nosso).

No capítulo analisado, a seção Língua: usos e reflexão

trata dos tipos de sujeito. A explicação gramatical é feita com o

uso de frases retiradas tanto do artigo de Michael Kepp quanto de

gêneros diversos (letras de música, anúncio...), que, além de não

serem artigos de opinião, também não se relacionam

tematicamente com o texto principal da lição. Mas, mesmo

fugindo à temática e ao gênero artigo de opinião, as autoras têm

certa preocupação em acrescentar questões de interpretação sobre

esses textos, para que, de algum modo, estejam contextualizados.

E os exercícios sobre tipos de sujeito, em geral, não são de mera

309

identificação, mas procuram levar o aluno a refletir sobre a

relevância que aquele fato gramatical tem para o texto.

Exemplo:

MURIQUI (Brachyteles arachnoides)

Maiores primatas das Américas, eles têm um metro e meio de

comprimento. Também conhecidos como mono-carvoeiros,

por causa da cara escura, são sociáveis e pacíficos. Têm

mãos, pés e cauda adaptados para pular de galho em galho,

são carinhosos e costumam esticar o corpo e fazer pontes para

ajudar os filhotes.

a. Faça uma lista de todos os verbos encontrados nesse

trecho.

b. Qual é o sujeito de cada um desses verbos? Eles.

c. Reescreva o texto colocando o sujeito antes de cada um

dos verbos encontrados.

d. O que você observou nessa rescritura? A repetição

excessiva.

e. Diz-se que um sujeito é oculto, ou subentendido, ou

ainda elíptico quando não está presente na oração mas

pode ser identificado por meio da forma verbal ou por

alguma referência no texto. Com que finalidade o autor

teria ocultado o sujeito ao longo do texto? Para evitar a

repetição desnecessária. (p. 273, grifos das autoras)

Como se pode observar, as questões não se limitam a

identificar que as orações do texto possuem sujeito elíptico, mas

levam o aluno a perceber que se trata de uma maneira possível de

manter a coesão do texto.

Há, porém, alguns poucos exercícios em que parece haver

pouca preocupação com tal “contextualização”, como em: “As

orações seguintes foram retiradas do artigo de Michael Kepp, „A

mania nacional da transgressão leve‟. Identifique o sujeito de cada

310

uma delas e o núcleo de cada sujeito.” (p. 280). Nessa questão,

trata-se o texto da lição meramente como fonte de exemplos de

diferentes tipos de sujeito. Assim, embora todos os textos usados

na seção Língua: usos e reflexão sejam “de circulação social real”,

essa mistura de gêneros e temas, bem como o uso de alguns tipos

de questões parecem mostrar que nem sempre a preocupação

central da coleção foi a de promover estudos gramaticais

motivados pelos contextos do gênero do texto principal da

unidade.

Passando ao volume 3 (do 8º ano) da coleção Tudo é

linguagem, observamos novamente o gênero artigo de opinião.

Dessa vez, o gênero surge na unidade 5, intitulada “Textos de

opinião: argumentar”. Ao longo dos quatro volumes da coleção,

todas as lições são intituladas pelo gênero textual

predominantemente estudado e explorado na mesma.

Curiosamente, os capítulos 4 e 5 – dentre todos os volumes – são

os únicos que recebem o nome não de um gênero, mas de um tipo

textual. O capítulo 4 tem por título “O texto expositivo e algumas

formas de organizar a informação” e o capítulo 5 sugere o estudo

do tipo textual argumentativo. Neste último (que nos interessa

neste trabalho), as autoras parecem intencionar reunir diferentes

gêneros que tenham em comum o fato de serem compostos

predominantemente de sequências argumentativas.

No Manual do Professor, as autoras apontam como

objetivo da unidade:

311

Essa unidade, além de aprofundar questões referentes à

argumentação, quando trata de textos de opinião, procura

enfocar assuntos importantes para o aluno adolescente. (...)

Destacar: as partes que constituem o texto argumentativo, o

papel do debate com mediação e regras e o painel de opiniões.

”. (Manual do professor, p. 27, grifo nosso).

Sabendo que a unidade 5 é praticamente a única que trata

de um texto essencialmente argumentativo no volume em questão,

quando as autoras usam o verbo “aprofundar” destacado acima

estariam se referindo a quê? Inferimos que o aprofundamento

mencionado relaciona-se ao que foi estudado no volume 2 da

coleção. Além do capítulo 5, o 3 também fala em argumentação,

usando o gênero crônica argumentativa. No capítulo 3, entretanto,

as autoras acabam ressaltando os aspectos narrativos da crônica e

a diferença entre fato e opinião para falar em objetividade e

subjetividade. Nada sobre argumentação é trabalhado.

O capítulo 5 é iniciado com o seguinte texto:

Frequentemente, no dia a dia, temos de apresentar nossas

ideias, defendê-las e até mesmo tentar convencer nossos

interlocutores a concordar conosco ou aceitar nosso ponto de

vista. Isso significa que a todo momento produzimos

discursos argumentativos, isto é, textos orais ou escritos que

têm o objetivo de apresentar opiniões e defendê-las, além de

tentar convencer quem nos ouve ou lê.

A atividade de opinar e de argumentar se realiza

principalmente com assuntos polêmicos. Nada mais lógico:

afinal, quando um tema não provoca discordância, ninguém

precisa convencer ninguém a mudar de opinião...

Nesta unidade, você lerá textos em que os autores apresentam

pontos de vista, ou posições, sobre um assunto. São os

chamados textos de opinião. Ao apresentar suas posições, os

autores as defendem com argumentos.

312

Você costuma defender sua opinião quando não concorda

com a opinião de um colega? Você acha que é fácil convencer

o outro sobre o seu ponto de vista? Costuma estruturar bons

argumentos ou perde a paciência e desiste de convencer o

outro? ”. (v. 3, p. 149).

O capítulo começa com a adaptação de um texto do

psicanalista Contardo Calligaris a respeito de insegurança na

adolescência. Não se trata de um artigo de opinião em si, embora

demonstre a opinião do autor acerca do tema. Seguem-se questões

de interpretação.

Logo depois das questões, vem a parte denominada

“Contrução do texto”. As autoras afirmam que o texto de

Calligaris se trata de um “texto de opinião” e, como tal, é um texto

de “caráter predominantemente argumentativo, pois as

declarações são acompanhadas de argumentos que justificam ou

fundamentam os pontos de vista apresentados pelo autor” (p. 153).

Em seguida, as autoras reiteram que num texto de opinião,

em geral, podem ser identificadas três partes: introdução,

argumentos, conclusão. Mas, além de simplesmente definir o

conteúdo de cada parte, elas explicam dois novos conceitos

usados na argumentação: a tese e a ancoragem. A tese é definida

como “a posição a ser defendida ou a ideia sobre a qual irá

construir seus argumentos”; já a ancoragem, em box destacado do

texto principal, é definida como “informação que serve de base e

ponto de partida para o desenvolvimento do texto. A ancoragem

313

tem a função de situar e possibilitar que esse assunto seja

abordado com coerência.” (p. 153).

Depois de mais alguns exercícios voltados para a

identificação dessas partes do texto argumentativo, temos o

segundo texto da unidade 5, introduzido com a seguinte

explicação:

Você lerá agora um artigo de opinião que faz parte de uma

reportagem sobre jovens publicada em edição especial de uma

revista de grande circulação.

Artigo de opinião é um texto publicado em jornal ou revista,

que, além de informar, apresenta a opinião do autor diante do

fato ou tema enfocado. (p. 154, grifos das autoras).

Além dessa descrição, nenhuma outra explicação é dada

sobre a diferença entre o que as autoras chamam meramente de

“texto de opinião” (texto 1) e “artigo de opinião” (texto 2). Com

base nas informações fornecidas, não nos parece que tenha ficado

clara a distinção entre ambos (se é que há tal distinção).

São propostas mais questões de interpretação, dessa vez

sobre o texto 2 e, a seguir, na seção “Construção do texto”, as

autoras introduzem mais um novo conceito: o contra-argumento.

Contra-argumento é um argumento que se opõe a outro já

apresentado. Às vezes, o próprio autor apresenta uma ideia

contrária a respeito do que está defendendo para dar mais

credibilidade às suas posições, pois assim mostra ao leitor que

analisou o tema por diversos ângulos. (p. 157).

314

Essas novas definições mostram, de certa forma, que o

conhecimento acerca do gênero artigo de opinião está sendo

construído aos poucos e evoluindo de uma série para outra, tal

como proposto por Dolz & Schneuwly (2004) quando falam no

ensino em espiral.

Ainda falando a respeito de evoluções atingidas no volume

3 em relação ao volume 2 da coleção, ao final da unidade 5, há

uma proposta de produção escrita para que os alunos produzam

um “texto de opinião” (e não mais apenas um parágrafo

argumentativo). O enunciado da proposta é bem didático e chega a

fazer um tipo de passo a passo para a elaboração do texto

opinativo:

Você observou que, para concluir seu texto argumentativo, a

autora do texto 2 usou uma afirmação do especialista em

adolescência Contardo Calligaris: “Os adolescentes

perceberam que não faz sentido se estapear por uma

identidade transitória”. (...)

Pense sobre o assunto para estruturar o seu texto de opinião.

(...)

Sugerimos o seguinte desenvolvimento para cada parte de seu

texto:

a) introdução – Apresente ideias que situem o leitor no tema

(ancoragem): como é a realidade vivida por você? É essa

realidade que você observa no seu grupo de jovens ou a que

você encontra nas notícias dos jornais, revistas, TV e rádio?;

b) tese – Apresente claramente a sua posição em relação à

afirmação de Contardo Calligaris. Nessa mesma parte, inicie a

justificativa da sua posição.;

c) argumentação – Apresente fatos, exemplos da realidade,

opinião de algum especialista (citação de autoridade) para

defender sua opinião Se achar necessário, apresente também

argumentos contrários (contra-argumentos) aos seus. (...) ;

315

d) conclusão – Retome a ideia defendida inicialmente para

reafirmá-la e concluir o texto. ”. (p. 175).

Reparem como as autoras explicam, a cada instrução, o

que é cada item que elas mencionam (citação de autoridade,

contra-argumento).

Quanto à seção destinada à análise gramatical – no caso,

sobre voz passiva –, diferentemente do volume 2 analisado

anteriormente, agora, em Língua: usos e reflexão, nenhuma

passagem dos textos opinativos anteriores é utilizada nem como

exemplo nem como parte de exercícios. A grande maioria dos

exercícios sobre voz passiva da unidade é com frases soltas e

descontextualizadas. Isso nos causa a impressão de ter sido uma

unidade elaborada com menos cuidado em respeitar a já

mencionada “contextualização” nos estudos gramaticais, o que

podemos considerar como contraditório em relação que fora dito

pelas autoras no próprio Manual do Professor da coleção.

Já o volume 4 da coleção Tudo é linguagem, destinado ao

9º ano do ensino fundamental, traz o gênero artigo de opinião na

lição 6, intitulada pelo próprio gênero. Diferentemente dos

volumes 2 e 3 analisados acima, nos quais havia apenas um

capítulo dedicado ao estudo de gênero de sequência textual

predominantemente argumentativa, no volume 4, três das sete

unidades do livro são desse tipo. São elas: 1- escolhas de

linguagem e efeitos de sentido (que não trata de um gênero

316

específico); 2- crônica e conto; 3- romance; 4- entrevista; 5-

editorial; 6- artigo de opinião; 7- manifesto. Sendo as três últimas

predominantemente argumentativas.

No volume 4, o capítulo 6, artigo de opinião, começa com

o seguinte texto:

Profissionais da área jornalística, pessoas de destaque em

nossa sociedade ou especialistas de diversas áreas do

conhecimento têm no artigo de opinião um meio para

expressar suas ideias ou comentar de um ponto de vista

particular os acontecimentos do mundo.

Diferentemente do editorial, o artigo de opinião é assinado,

isto é, revela a autoria dos textos. Quem o assina é que se

responsabiliza pelas opiniões ou posicionamentos expressos.

Editorial e artigo de opinião são importantes instrumentos

democráticos, pois favorecem o debate aberto de ideias,

fundamental para a construção da cidadania. (p. 179).

O capítulo é iniciado por um artigo de opinião escrito por

Gianni Carta, publicado na revista Carta Capital, sobre novas

tecnologias que podem abolir a vida privada, como câmeras, GPS

etc. O artigo ocupa três páginas e meia com poucas e pequenas

ilustrações. Ao fim do texto, há um vocabulário extenso de

palavras porventura desconhecidas dos alunos, seguidas das

questões de interpretação: doze perguntas distribuídas em uma

página e meia. Em seguida, uma explicação sobre

intencionalidade e escolhas de linguagem no texto argumentativo

seguida de mais nove questões acerca desse conceito, que, em

geral, são mais profundas que as questões anteriores, pois

317

relacionam o conteúdo explícito ao conteúdo implícito no texto

através de pistas linguísticas da intencionalidade do autor.

Na seção “Construção do texto”, as autoras retomam

alguns conceitos vistos no livro do 8º ano e já relembrados no

capítulo anterior, que trata do gênero editorial. Elas pedem que os

alunos identifiquem no artigo de opinião estudado elementos

como ancoragem, tese e conclusão. Depois continuam

relembrando conceitos que, embora não constassem no volume 3,

foram aprendidos no capítulo sobre editorial solicitando que os

alunos retirem do texto exemplos de um argumento de autoridade

ou citação, um argumento científico, uma ironia e um argumento

de valoração, novamente agregando ainda mais conhecimento

sobre o gênero do que o já visto no volume anterior.

Há, então, mais dois artigos de opinião na unidade, ambos

sobre o Big Brother, publicados na Folha de São Paulo: um a

favor e um contra. Após os dois textos, há uma sub-seção

intitulada “Construção de textos – Comparando a estrutura dos

artigos” em que há apenas uma atividade: é proposto que o aluno

indique a opinião, os argumentos e a conclusão de cada um dos

textos lidos. E, para finalizar, mais uma definição de artigo de

opinião:

O artigo de opinião é um texto que expõe o ponto de vista, a

opinião de quem o assina – um jornalista ou um colaborador

do veículo de comunicação. É um gênero de grande

318

importância social, pois permite a manifestação de opiniões

de pessoas de vários segmentos da sociedade.

O artigo de opinião procura debater questões que suscitam

polêmica. ”. (v. 4, p. 191, grifo das autoras).

Assim como no volume 3 da coleção, no volume 4, a seção

Língua: usos e reflexões, sobre concordância verbal, também não

faz menção a trechos dos textos estudados na lição. Nesse volume,

os exercícios também se mostram bastante descontextualizados, o

que podemos considerar um ponto negativo na coleção.

Ao fim da unidade, a proposta de produção de texto pede

que o aluno produza um artigo de opinião. A orientação é:

Agora você vai expor seu ponto de vista e defendê-lo num

artigo de opinião.

a) Você deve se posicionar em relação ao seguinte tema:

“Medidas de segurança justificam o uso da tecnologia

para controlar pessoas?”

b) Pense em pelo menos dois argumentos que sustentem sua

posição.

c) Se necessário, empregue contra-argumentos que

sustentem sua posição.

d) Não se esqueça de que, na sua conclusão, você deverá

reafirmar a posição defendida. (...) (p. 203).

Percebemos que as autoras, agora, partem do princípio de

que o aluno já sabe o que é um contra-argumento, diferentemente

da proposta de produção textual do volume 2, em que se explicava

o que era um contra-argumento, uma tese etc.

Nos objetivos dessa unidade enunciados no Manual do

Professor, as autoras explicitam essa consciência de que o texto

argumentativo já vem sendo trabalhado ao longo dos anos

319

anteriores: “Como já vem sendo trabalhado ao longo dos anos, se

considerar pertinente, o/a professor/a poderá ampliar o quadro

sugerido na p. 188, apresentando aos alunos também defeitos de

argumentação: (...)”. (Manual do Professor, p. 28, grifo das

autoras).

Isso demonstra mais uma vez que existe nessa coleção a

preocupação com a progressão do ensino do gênero artigo de

opinião ao longo das diferentes séries do ensino fundamental, tal

como sugerido por Dolz & Schneuwly (2004).

3.2. Coleção Para viver juntos

Exatamente como na coleção Tudo é linguagem, o gênero

artigo de opinião aparece pela primeira vez na coleção Para viver

juntos na unidade 8 (a última) do livro do 7º ano. Além disso, os

gêneros trabalhados em cada unidade intitulam a mesma e todo o

capítulo costuma ser voltado para aquele determinado gênero.

Sendo a última unidade do livro, entendemos que tal gênero seja

trabalhado no 4º bimestre do ano letivo. Antes dele, os gêneros

abordados a cada unidade foram: 1- conto, 2- mito e lenda, 3-

crônica, 4- reportagem, 5- artigo de divulgação científica e artigo

expositivo de livro didático, 6- poema, 7- carta de leitor e carta de

reclamação – quase os mesmos da coleção analisada na seção

anterior deste trabalho. Vemos, então, que, antes do capítulo 8

320

destinado ao artigo de opinião, a sequência textual argumentativa

só tinha aparecido no capítulo 7, com cartas.

No Manual do Professor, os autores não só detalham mais

o gênero artigo de opinião como indicam fontes de pesquisa para

maior aprofundamento do professor a respeito do mesmo (um

grande diferencial em relação ao Manual do Professor da coleção

Tudo é linguagem). É dito acerca do gênero:

O gênero artigo de opinião pertence ao domínio jornalístico, e

suas características quanto ao uso da linguagem ou quanto à

progressão argumentativa variam de acordo com o suporte em

que é publicado ou com quem assina o texto. No artigo de

opinião, o autor busca convencer e influenciar o leitor acerca

de uma ideia, provocando uma revisão de seu posicionamento

ideológico, de seus valores e, até, uma mudança de atitude.

Dessa forma, ocorre um processo de argumentação em favor

de uma determinada posição, ao mesmo tempo que se procura

construir refutações a opiniões contrárias à tese defendida.

(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &

SCOPACASA, 2009, v. 2, Manual do Professor, p. 43).

Além dessa definição do gênero, ainda no Manual do

Professor, há um box com várias sugestões de leitura para

aprofundamento do docente, uma delas específica sobre artigo de

opinião24

.

24

BRÄKLING, K. L. Trabalhando com artigo de opinião: revisitando o eu no

exercício da (re)significação da palavra do outro. In: ROJO, R. A prática de

linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo-Campinas: Educ-

Mercado de Letras, 2000.

321

Ainda no Manual do Professor, mostraremos abaixo os

objetivos e os conteúdos que as autoras apontam no mesmo para,

em seguida, contrastar com o que observamos no capítulo em si

para verificar se os objetivos e conteúdos propostos foram

atingidos:

Conhecer as características do gênero artigo de

opinião.

Estudar diferentes tipos de argumentos.

Aprofundar o estudo dos tipos de predicado.

Conhecer verbo de ligação e predicativo do sujeito.

Estudar o emprego de sc, sç e xc.

(p. 42, grifos nossos destacando o conteúdo relacionado à

argumentação no capítulo)

Para todas as unidades do livro, os autores dividem e

classificam os conteúdos do capítulo em três tipos no Manual do

Professor: atitudinais; procedimentais; e conceituais. No capítulo

8, os conteúdos a serem abordados são:

Atitudinal

- Discussão e aprofundamento de valores referentes: à

convivência e ao consumo consciente.

Procedimentais

- Leitura e produção de artigo de opinião.

- Organização de mural para a exposição de artigos.

Conceituais

- Artigo de opinião.

- Características do gênero e tipos de argumento:

exemplos, dados numéricos, argumento de autoridade.

- Tipos de predicado.

- Verbo de ligação e predicativo do sujeito.

- Emprego de sc, sç e xc.

322

(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &

SCOPACASA, 2009, v. 2, Manual do professor, p. 42, grifos

nossos nos itens referentes ao gênero aqui estudado).

Passando para a análise da unidade 8 em si, esta é

introduzida por uma foto e algumas questões a respeito da mesma.

No canto inferior à direita, há um box com as seguintes

informações:

Em diversas situações do cotidiano, expressamos ideias com a

intenção de convencer outras pessoas de nosso ponto de vista.

Neste capítulo, você vai estudar o artigo de opinião, um

gênero de texto em que o autor apresenta para os leitores uma

questão polêmica e procura convencê-los da sua opinião,

utilizando, para isso, estratégias variadas. (PENTEADO,

LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA,

2009, v. 2, p. 243).

O capítulo começa com o artigo de opinião “A farra dos

sacos plásticos”, do jornalista André Trigueiro publicado em uma

revista eletrônica chamada Consciência.net. O texto ocupa duas

páginas inteiras com uma pequena ilustração. Seguem-se questões

de interpretação do texto, ao longo das quais, há boxes com

informações conceituais concernentes ao gênero artigo de opinião

ou à sequência textual argumentativa. Por exemplo, há três boxes

dispostos no meio dos exercícios, cada um explicando um tipo de

argumento que pode ser utilizado em textos argumentativos:

argumento de autoridade, dados numéricos e exemplos. Em outro

box, vemos orientações sobre como a conclusão de um artigo de

opinião pode se apresentar. A cada explicação de um box, são

323

acrescentadas questões sobre a mesma. Observamos, com isso,

que os autores têm a preocupação de “guiar” os alunos aos

poucos, desvendando para eles algumas características

fundamentais do gênero artigo de opinião. E fazem isso de

maneira bastante didática, o que facilita a compreensão desses

alunos de 7º ano que estão apenas começando a lidar com textos

argumentativos.

Em algumas questões da seção, vemos uma preocupação

não apresentada na coleção analisada anteriormente (pelo menos

não de forma sistemática): o suporte do texto. Uma das questões

traz o seguinte enunciado:

O artigo que você leu foi publicado em uma revista eletrônica

chamada Consciência.net, que veicula textos sobre temas da

atualidade. Observe o logotipo da revista. [incluem o

logotipo] a) a quem se dirige a frase “Acesse a sua”?; b) O

que significa dizer “Acesse a sua” no contexto do site?; c)

Como o artigo de André Trigueiro está relacionado a essa

frase? (PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI,

STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 2, p. 247).

Desta forma, eles auxiliam o jovem leitor a enxergar além

do que está explícito no texto, ressaltando que, muitas vezes, o

próprio suporte contribui para a interpretação mais ampla do

mesmo, pois a palavra “acesse” de “Acessa a sua (consciência)”

só ganha plurissignificação por estar em um site na internet, onde

é muito comum. Esse tipo de leitura cuidadosa de um texto e seu

324

contexto contribui para que, pouco a pouco, os alunos se tronem

leitores mais competentes.

Em outra questão, os autores continuam destacando o

suporte do texto levando os alunos a comparar dois diferentes

gêneros textuais jornalísticos – a reportagem, estudada no capítulo

4, e o artigo de opinião –, pedindo que o aluno aponte a diferença

entre esses gêneros. Também entendemos que essa atividade é

importante, pois ajuda os alunos a distinguirem os gêneros em

suas funções sociais e também em sua estrutura, pois um é

majoritariamente composto por sequências expositivas e outro,

por sequências argumentativas. Assim, os alunos observam que,

mesmo sendo ambos gêneros encontrados no mesmo suporte

(jornal), existem diferenças quanto à sua forma e à sua função.

Percorrendo toda a unidade, não observamos um setor

específico para conceituar e sistematizar o aprendizado sobre o

gênero artigo de opinião. Todos os conceitos acerca deste estão

diluídos em forma de boxes ao longo da unidade. Assim, vemos

que os autores fornecem informações como:

Em geral, quando lemos uma reportagem estamos buscando

mais informações sobre um tema. Já quando lemos um artigo

de opinião, queremos conhecer uma possível visão ou

posição acerca de determinado assunto.

O artigo de opinião expressa o ponto de vista do autor que

assina e pode, portanto, ser escrito em primeira pessoa.

325

Em um artigo de opinião, o autor usa estratégias para

aproximar o leitor do texto. Dar exemplos da vida cotidiana,

vividos ou não pelo autor, é uma das maneiras de promover a

identificação do leitor com a situação apresentada.

(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &

SCOPACASA, 2009, v. 2, p. 248 e 249, grifos dos autores).

Para se ter uma noção de como esses boxes estão dispostos

ao longo do capítulo, reproduzimos abaixo uma miniatura das

duas páginas que contêm os boxes (em laranja) acima

explicitados:

Figura 1: Boxes nas páginas da coleção Para viver juntos

Aos poucos, então, o aluno vai formando sua noção sobre

o que seria um artigo de opinião, observando seu uso e sua

estrutura.

Depois disso, entende-se que os alunos já conseguiram

construir algum conhecimento acerca do gênero artigo de opinião.

326

Vem em seguida a proposta de produção de texto, na página 250,

cujo enunciado diz:

Você vai escrever um artigo de opinião sobre a proibição do

uso de celulares nas escolas. Ao final do trabalho, seu artigo

será exposto em um mural que estará dividido em duas partes:

uma com os textos que defendem a proibição do uso do

celular nas escolas e a outra com os textos que são contra essa

proibição. (PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI,

STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 2, p. 250).

Na página seguinte, há instruções mais específicas sobre

como redigir o texto pedido:

Figura 2: Detalhamento da proposta de produção de texto

327

Há, em seguida, uma seção destinada à reflexão linguística

sobre tipos de predicado entre as páginas 252 a 255. Ao longo

dessas quatro páginas, tanto os exemplos da explicação gramatical

quanto os exercícios propostos não são com frases retiradas de

artigos de opinião. Usa-se frases soltas ou frases retiradas de

outros gêneros reproduzidos em parte ou integralmente que ainda

não tinham aparecido na lição, como artigo de divulgação

científica, tirinha, piada, trecho de um romance etc.

No Manual do Professor, os autores dizem que a seção de

reflexão linguística da coleção se caracteriza assim:

O importante, nesse processo, é que – ainda que haja a

necessidade de sistematização e utilização de metalinguagem

– seja possibilitada ao aluno a reflexão acerca desse

conhecimento, e uma condição parece fundamental para que

isso aconteça: analisar os aspectos da linguagem na

materialidade linguística, ou seja, nos textos. Por isso, essa

coleção procura desenvolver o trabalho com gramática

sempre a partir do uso dos recursos em textos, o que não

significa tomar o texto como pretexto apenas para essa

finalidade, mas estudar-lhe os sentidos e o uso dos recursos

na produção desses sentidos. (p. 9, grifo nosso)

É dito, portanto, que os textos não são tomados como

pretextos exclusivamente para a análise gramatical. De fato, os

autores não usaram os artigos de opinião da unidade 8 para este

fim. Em contrapartida, selecionaram para a seção de análise

linguística textos que não se relacionam com os demais textos da

unidade quanto à temática nem quanto ao gênero, sendo usados

meramente para as questões de análise gramatical (ainda que

328

seguidas de algumas questões de interpretação), o que de certa

forma contradiz o que os autores anunciam no Manual do

Professor.

Depois da seção de reflexão linguística, os autores voltam

a falar sobre artigo de opinião, com um texto sobre o desperdício

da água, intitulado “Usar água sim; desperdiçar nunca”, do

empresário Antônio Ermínio de Moraes, publicado na Folha de

São Paulo. Há mais questões de interpretação mescladas com

mais boxes de conceitos acerca do gênero artigo de opinião.

Dentre eles, destacamos abaixo o box que trata da definição de

contra-argumentos, elemento que também observamos na coleção

Tudo é linguagem:

Em um artigo de opinião e em textos argumentativos em

geral, o autor precisa refutar os argumentos contrários aos

seus para que sua opinião prevaleça. O argumento usado para

combater outro é chamado de contra-argumento. Para

elaborar contra-argumentos, é necessário que o autor saiba

quais ideias contrárias às que defenderá são mais correntes

entre seus leitores. (PENTEADO, LOUSADA,

MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 2, p.

258, grifo dos autores).

Os autores encerram a parte de interpretação com questões

que comparam os dois artigos de opinião lidos na unidade.

Finalmente, há uma nova proposta de produção textual

muito semelhante à anterior e também sobre uma questão

ecológica, a respeito do excesso de automóveis nas grandes

cidades. E em seguida há instruções específicas para ajudar o

329

aluno na redação do texto tal qual fora feito na proposta anterior

aqui reproduzida (figura 2).

Cabe destacar outro diferencial que observamos na coleção

Para viver juntos em relação à coleção Tudo é linguagem, de

acordo com as propostas de Dolz & Schneuwly (2004): a

preocupação em contextualizar para os alunos um meio de

divulgação “real” para seus textos. Na primeira proposta, há a

sugestão de elaboração de um mural com opiniões contra e a favor

o uso de celulares nas escolas (inclusive com dicas para a

confecção do mural). Na segunda, há a sugestão de enviar os

artigos de opinião produzidos à Câmara Municipal da cidade do

aluno.

Dolz & Schneuwly criticam a produção de textos na escola

que não se constituem em situações reais de comunicação, pois,

para os autores, a escola deve ser tomada “como autêntico lugar

de comunicação, e as situações escolares, como ocasiões de

produção/recepção de textos.” (2004, p. 66, grifo nosso). E essa

perspectiva está presente na coleção Para viver juntos, que propõe

uma situação efetiva de comunicação para veiculação dos textos

produzidos em sala de aula.

Quanto ao volume 3 da coleção Para viver juntos,

destinado ao 8º ano do ensino fundamental, há também dois

capítulos voltados para gêneros textuais predominantemente

argumentativos: o 7 trata do artigo de opinião, e o 8 trata dos

330

gêneros carta do leitor e debate. Concentraremos nossa atenção

no capítulo 7 por já termos analisado na outra coleção o gênero

artigo de opinião e, assim, podermos comparar as duas

abordagens.

No Manual do Professor do 8º ano, constatamos que os

objetivos bem como os conteúdos atitudinais, procedimentais e

conceituais concernentes ao estudo do gênero artigo de opinião

são exatamente os mesmos do capítulo 8 do volume 2 da coleção,

analisado acima. O que muda são apenas os objetivos e conteúdos

relacionados à análise linguística e à seção de ortografia das duas

unidades. Portanto, a considerar apenas o material do Manual do

Professor, podemos dizer que não houve progressão em relação à

complexidade comparando o 7º com o 8º ano.

A referência de leitura específica sobre artigo de opinião

para aprofundamento do professor proposta pelos autores também

é a mesma já indicada no livro do 7º ano.

O que muda é apenas a definição que o gênero artigo de

opinião recebe nos dois Manuais do Professor. No livro do 8º ano

consta:

O artigo de opinião é um gênero argumentativo, no qual o

autor busca explicar sua visão a respeito da questão em debate

e convencer o leitor acerca de sua posição, podendo levá-lo a

uma mudança de atitude ou a rever seus valores. O artigo de

opinião é sempre construído tendo em vista as condições de

produção, de modo especial os seus prováveis interlocutores.

Dessa forma, a orientação argumentativa busca contemplar,

num movimento dialógico, prováveis argumentos contrários

331

ao que se defende no texto. (PENTEADO, LOUSADA,

MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 3,

Manual do professor, p. 39).

Essa definição acrescenta algumas informações sobre o

gênero em questão em relação ao volume anterior, mostrando-se

mais completa que a anterior.

Voltando-nos para a unidade 7, vemos que, assim como

em todas as lições da coleção (inclusive a já comentada acima),

esta é introduzida por meio de uma grande foto e, junto a ela, há

propostas de situações que incitam a argumentação. Ainda na

abertura da unidade, no canto inferior à direita da página, há um

box cujo objetivo é convencer sobre a importância da

argumentação:

O exercício da argumentação está presente no cotidiano de

todas as pessoas. Usam-se argumentos para negociar direitos

e deveres em casa, na escola e no trabalho; para defender

posições entre os amigos; para adquirir ou fornecer produtos e

serviços e para divulgar ideias sobre os mais variados temas.

Nessas e em outras situações, as estratégias argumentativas

podem variar de acordo como ouvinte ou leitor que se

pretende atingir. É isso o que vamos observar neste capítulo

por meio do estudo do artigo de opinião.

(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &

SCOPACASA, 2009, v. 3, p. 204-205, grifo dos autores).

O capítulo é iniciado pelo artigo de opinião que é o texto

central a ser estudado na unidade. O texto ocupa duas páginas e é

332

intitulado “Uma coisa grande mesmo”, sobre sustentabilidade, do

consultor Ricardo Guimarães, publicado na Revista MTV.

Seguem-se as questões de interpretação do texto e, com o mesmo

padrão do volume anterior, há boxes espalhados pelo capítulo com

definições em “doses homeopáticas” de conceitos referentes ao

gênero textual artigo de opinião ou à sequência textual

argumentativa. Há ainda, um pequeno box com o título LEMBRE-

SE em que se lê:

Vários tipos de argumentos podem ser usados para convencer

e influenciar o leitor: entre os mais frequentes estão o

argumento baseado na autoridade, o argumento baseado no

consenso, o argumento baseado nas provas concretas e o

argumento que se constrói com base no raciocínio lógico.

(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &

SCOPACASA, 2009, v. 3, p. 209, grifo dos autores).

Podemos nos perguntar: Por que os autores colocariam tais

informações em um box de “lembrete” visto que essa é a primeira

unidade no livro do 8º ano a tratar de um texto argumentativo? Se

não havia outras lições a respeito de sequências argumentativas

nas unidades anteriores à 7, certamente os alunos não receberam a

informação sobre os vários tipos de argumentos que “podem ser

usados para convencer e influenciar o leitor”. Portanto, como os

alunos iriam “se lembrar” de algo que não viram antes?

333

Na verdade, os autores usam a palavra “lembrete” porque

eles estão assumindo que tais conceitos relativos aos recursos de

argumentação já foram vistos no ano anterior.

Assim como no volume anterior, os autores demonstram

preocupação com o suporte e o contexto de produção ao fazerem

perguntas específicas sobre esses tópicos e comentam a

necessidade de o autor adequar sua linguagem ao seu público-

alvo.

Como usual às outras unidades da coleção, na seção de

produção de texto, os autores colocam um pequeno texto para

“aquecimento” acerca de um determinado tema e logo depois

indicam a proposta:

Você vai escrever um artigo de opinião que deixe clara sua

posição a respeito da pirataria eletrônica. Esse artigo será lido

e discutido em sala de aula. Para isso, defina em qual jornal,

revista ou site seu texto circularia e qual seria seu público-

alvo (jovens que baixam arquivos sem se preocupar com sua

procedência; pais educadores que falam sobre o assunto em

casa e na escola; parlamentares que podem elaborar novas leis

sobre direitos autorais, etc). (PENTEADO, LOUSADA,

MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 3, p.

212).

Após a proposta, seguem as instruções sobre como redigir

o texto. Todas muito semelhantes às expostas na figura 2 acima.

A seção imediatamente a seguir é de reflexão linguística,

sobre conjunções. Repetem-se os mesmos pontos positivos e

negativos já mencionados em relação ao capítulo 8 do volume 7,

334

ou seja, nessa seção não se usa o artigo de opinião estudado na

lição como pretexto para o ensino de gramática. Em compensação,

continuam a usar tirinhas e pequenos trechos de reportagens

meramente para a análise linguística, deixando de lado, nesse

momento, tanto o gênero textual artigo de opinião quanto a

temática sobre sustentabilidade.

Seis páginas depois, aparece a segunda leitura do capítulo:

mais um artigo de opinião, também sobre sustentabilidade, escrito

por Eugenio Mussak e publicado na revista Você S/A sob o título

“A sustentabilidade pessoal”.

A dinâmica de atividades e definições em boxes é a mesma

seguida até então em todas as unidades da coleção Para viver

juntos.

Para segunda proposta de produção de texto, os autores

usam como “aquecimento” um pequeno texto sobre escolhas

conscientes ao comprar roupas, ao qual segue o tema da produção

textual:

Com base no que foi visto sobre esse tema, escreva um artigo

de opinião a respeito de moda sustentável, supondo que seria

publicado no caderno de variedades de um jornal de sua

cidade ou região, com o objetivo de convencer leitores a

aderir a essa causa. (PENTEADO, LOUSADA,

MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 3, p.

224, grifo dos autores).

335

Nas instruções para redação do texto, a orientação é

similar às anteriores, mas destacamos aqui uma delas em que se

lê: “Consulte também o provável jornal em que o texto seria

publicado e observe o tipo de linguagem utilizada. Utilize-a como

parâmetro para seu texto”. Novamente, percebemos uma

preocupação não só com a adequação linguística dos textos a

serem produzidos pelos alunos, como também com a relevância

do suporte (no caso, imaginário) dos mesmos.

A unidade é encerrada com a análise linguística dos

períodos simples e composto e, por fim, uma revisão do que foi

aprendido no capítulo.

Pelo exposto, embora o gênero artigo de opinião apareça

em duas séries distintas, não pudemos detectar diferentes níveis de

complexidade de uma para outra. Exceto pelo quadro “lembrete”

no volume 3, que parece recapitular algo visto antes. A um leitor

“desavisado” que tomasse os volumes 2 e 3 da coleção talvez

fosse impossível identificar qual capítulo pertence a qual série.

4. Conclusão

Com base no que acabamos de expor e analisar nas duas

coleções aqui estudadas, vemos que ambas dão bastante destaque

ao ensino através de gêneros textuais, conforme orientação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais. As duas coleções ressaltam o

336

contexto de produção dos textos, introduzem as lições mostrando

ao aluno em que tipo de situação comunicativa se pode fazer uso

do gênero textual artigo de opinião, bem como apontam sua

função social.

A parte destinada à análise linguística, porém, em ambos

os casos, não parece se diferenciar muito do que se está

acostumado a ver em vários livros didáticos: parece estar

descontextualizada de todo o restante do ensino voltado para o

texto. Embora haja textos na seção de reflexão linguística dessas

coleções, eles não são representantes do gênero textual estudado

na lição e muitas vezes são tomados apenas como “pretexto” para

o ensino de gramática.

As duas coleções apresentam pontos positivos e negativos

de acordo com a perspectiva aqui adotada, a defendida por Dolz &

Schneuwly (2004). A coleção Tudo é linguagem demonstra

grande preocupação em avançar gradativamente, a cada série, a

complexidade do estudo do gênero textual, o que não percebemos

na coleção Para viver juntos. Já a coleção Para viver juntos

apresenta uma grande preocupação com o veículo, o suporte, tanto

dos textos lidos nas unidades dos livros quanto dos textos

produzidos pelos alunos. Há sempre uma tentativa de vincular o

que é lido e produzido a uma situação real de comunicação que

represente verdadeiro desafio e que promova motivação ao aluno

para produzir um texto “real”.

337

Concluímos afirmando crer que ambas as coleções

apontam grandes avanços no entendimento do ensino de gêneros

textuais se comparadas ao que costumávamos ver até poucos anos

atrás em nossas escolas. Cabe, ainda, ao professor fazer

adaptações e ressalvas que ele mesmo pode inserir em sua prática

durante as aulas, para suprir eventuais deficiências do material

didático. Mas essas deficiências parecem diminuir a cada PNLD.

Quem sabe, em um futuro próximo, não poderemos ver alunos

que se apropriem melhor da leitura e da escrita, especialmente de

gêneros do âmbito do “argumentar”, como verdadeiros cidadãos

conscientes do poder que a palavra exerce numa sociedade como a

nossa, que valoriza tanto aqueles que fazem uso dela

adequadamente.

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PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – 3º. e 4º.

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Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ensino

médio: linguagens. Brasília, Secretaria de Educação Fundamental

MEC, 1998.

Livros didáticos analisados: PENTEADO, A. E.; LOUSADA, E.; MARCHETTI, G.;

STRECKER, M. A; SCOPACASA, M. V. Para viver juntos. v. 6-

9. 1. ed. São Paulo: Edições SM, 2009.

TEIXEIRA, L. & DISCINI, N. Passaporte para a língua

portuguesa. v. 6-9. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.

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Gêneros textuais nos livros didáticos de Português:

uma análise de manuais do ensino fundamental

Este livro que ora apresentamos, em formato e-book, é

composto de nove artigos elaborados como trabalho de

conclusão do curso de pós-graduação “Gêneros e

sequências textuais: perspectivas teóricas e aplicações ao

ensino”, oferecido em 2010, na Faculdade de Letras da

UFRJ. O objetivo principal desta publicação é divulgar

debates teóricos que travamos durante o curso sobre

gêneros e tipologias textuais e sua aplicação ao ensino e

apresentar análise de alguns livros didáticos.