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RESUMO Este artigo analisa o recrutamento de es- cravos para as forças patriotas durante a guerra pela independência brasileira na Bahia (1822 a 1823) e faz uma distin- ção entre os recrutamentos de escravos e de homens livres e libertos de cor, fre- qüentemente confundidos.O alistamen- to de escravos durante esse conflito foi uma medida improvisada pelo coman- dante brasileiro, e não havia promessas de liberdade para os escravos. Depois do conflito, o governo brasileiro mandou alforriar os escravos que serviram, com- pensando seus donos. Ao mesmo tem- po, autoridades lidaram com a grande quantidade de homens de cor alistados durante a guerra, contraste marcante à fileira principalmente branca do final da época colonial. A participação de solda- dos libertos no Levante dos Periquitos de 1824 serviu de pretexto para depor- tá-los, e também soldados não-brancos, da guarnição baiana. Dessa maneira,au- toridades restauraram a demarcação en- tre escravo e soldado,obscurecida de for- ma inaceitável durante a guerra. Palavras-chave: independência;escravi- dão; recrutamento militar. ABSTRACT This article examines the recruitment of slaves for the patriot forces during the Brazilian Independence War in Bahia (1822—1823), distinguishing between the frequently conflated enlistment of slaves and that of free or freed people of color. The slave recruitment that took place during this conflict was an ad hoc expedient by the Brazilian commander, and no formal promises of liberty were tendered to the slaves. After the conflict, the Brazilian government arranged to free those slaves who had served, gran- ting compensation to their owners. At the same time, authorities had to deal with the large number of men of color enlisted during the war, a sharp contrast to the mostly white late-colonial regu- lars. The participation of former slave soldiers in the Periquitos Rebellion of 1824 provided the occasion for the de- portation of freed and non-white soldiers from the Bahian garrison. In this way, authorities restored the demarcation between slave and soldier, unacceptably blurred during the conflict. Keywords: independen ce ;s l avery; mili- tary recruitment. “Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos”: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia Hendrik Kraay 1 University of Calgary 2 Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 43, pp. 109-126 2002

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RESUMO

Este artigo analisa o recrutamento de es-c ravos para as forças patriotas du ra n tea guerra pela independência bra s i l ei rana Bahia (1822 a 1823) e faz uma distin-ção en tre os rec rut a m en tos de escravo se de hom ens livres e libertos de cor, f re-qüentemente confundidos.O alistamen-to de escravos du ra n te esse con f l i to foiuma medida improvi s ada pelo com a n-d a n te bra s i l ei ro, e não havia prom e s s a sde liberdade para os escravos. Depois docon f l i to, o governo bra s i l ei ro mando ualforriar os escravos que serviram, com-pen s a n do seus don o s . Ao mesmo tem-po, a utori d ades lidaram com a gra n dequ a n ti d ade de hom ens de cor alistado sdu ra n te a guerra , con tra s te marc a n te àfileira principalmente branca do final daé poca co l on i a l . A participação de solda-dos libertos no Leva n te dos Peri qu i to sde 1824 serviu de pretex to para depor-t á - l o s , e também soldados não-bra n co s ,da guarnição baiana.Dessa maneira,au-toridades restauraram a demarcação en-tre escravo e soldado,obscurecida de for-ma inaceitável durante a guerra.Pa l avra s - ch ave : i n depen d ê n c i a ;e s c ravi-dão; recrutamento militar.

ABSTRACT

This article examines the recruitment ofs l aves for the patriot forces du ring theBrazilian In depen den ce War in Ba h i a( 1 8 2 2 — 1 8 2 3 ) , d i s tinguishing bet weenthe frequ en t ly con f l a ted en l i s tm ent ofs l aves and that of f ree or freed people ofco l or. The slave rec ru i tm ent that too kp l ace du ring this con f l i ct was an ad hocex ped i ent by the Brazilian com m a n der,and no formal promises of l i berty weretendered to the slaves. After the conflict,the Brazilian govern m ent arra n ged tof ree those slaves who had served , gra n-ting com pen s a ti on to their own ers . Atthe same ti m e , a ut h ori ties had to de a lwith the large nu m ber of m en of co l orenlisted during the war, a sharp contrastto the mostly wh i te late - co l onial reg u-l a rs . The parti c i p a ti on of form er slaves o l d i ers in the Peri qu i tos Rebell i on of1824 provi ded the occ a s i on for the de-port a ti on of f reed and non - wh i te soldiersf rom the Bahian ga rri s on . In this way,a ut h ori ties re s tored the dem a rc a ti onbet ween slave and soldier, u n accept a blyblu rred du ring the con f l i ct .Key word s : i n depen den ce ;s l avery; m i l i-tary recruitment.

“Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos”:

o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia

Hendrik Kraay1

University of Calgary2

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E n tre as décadas de 1770 e 1820, gra n de parte das colônias escravi s t a sdas Am é ricas con qu i s t a ram sua independência em lutas vi o l entas e às ve ze srevo lu c i on á rias con tra as potências co l on i a l i s t a s . Um aspecto comum a essasg u erras foi o rec rut a m en to de escravo s , rec u rso tanto de patriotas qu a n to da-queles leais aos metrópoles que procuravam aumentar suas forças. Para os es-c ravo s , os re su l t ados dessas lutas pela independência foram ambíguos, va-ri a n do de vi t ó ria deles no Ha i ti ao triu n fo da classe sen h orial (e um sistem ae s c ravista fort a l ec i do) nos Estados Un i dos e no Bra s i l . Na Am é rica espanhola( s a lvo as exceções de Cuba e Porto Ri co ) , a escravidão en trou em dec ad ê n c i adu ra n te as guerras da indepen d ê n c i a , mas perdu rou até meados do séculoX I X3. Em todos esses casos, a participação militar de escravos foi percebi d acomo algo sign i f i c a tivo. Pa ra mu i tos sen h ores de escravo s , foi um ep i s ó d i opreoc u p a n te que solapou sua autori d ade e que ameaçou torn a r-se revo lu c i o-n á ri o ; p a ra escravo s , con s ti tu iu uma oportu n i d ade de que mu i tos se aprovei-taram com entusiasmo.

Apesar de que a guerra da independência no Brasil — na qual patri o t a sdo recôncavo açucareiro de Salvador, capital da Bahia,assediaram tropas por-tuguesas que se fortificaram na cidade (meados de 1822 até 2 de julho de 1823)— não se aproximasse do tamanho nem da du ração das lutas d’alhu re s , o sp a triotas tod avia recorreram ao rec rut a m en to de escravo s , e o con f l i to aba-lou a escravidão nessa região de gra n de con cen tração de en gen h o s . O ep i s ó-d i o, con tu do, tem recebi do pouca atenção ac adêmica e con tradições notávei sperm eiam a litera tu ra sobre esse rec rut a m en to de escravo s . Um histori adorch ega a negar que escravos fo s s em rec rut ado s4, en qu a n to outros con f u n demo rec rut a m en to de escravos com os esforços maiores de mobilizar a pop u l a-ção não-branca, livre e liberta, contra as forças portuguesas5.

De fato, h o uve rec rut a m en to de escravos na Ba h i a , mas foi um esfor ç omu i to improvi s ado, que não foi orden ado nem reg u l ado por dec reto. An te s ,o gen eral francês nom e ado pelo imperador Dom Ped ro I para comandar asforças patriotas na Ba h i a ,P i erre Labatut , rec rutou e alistou escravos que fo-ram con f i s c ados de sen h ore s - de - en genho portugueses ausen te s .E m bora La-b a tut solicitasse autorização formal para tal rec rut a m en to da junta patri o t al oc a l , o Con s elho In terino do Govern o, ele não a recebeu , e po u co depois foide s ti tu í do do com a n do num go l pe pac í f i co em maio de 1823 (por razões nãol i gadas diret a m en te ao seu em penho ao rec rut a m en to de escravo s ) . Con tu do,a guerra de s ordenou prof u n d a m en te a ordem social dessa soc i ed ade escra-vista,da mesma maneira que os conflitos em outras regiões das Américas afe-t a ram a insti tu i ç ã o. A nece s s i d ade de mão-de - obra militar levou os patri o t a sa abandon a rem a exclusão de não bra n cos das forças arm adas reg u l a res (oex é rc i to ) , vi gen te na época co l on i a l , e con tri bu iu à fácil aceitação de tra b a-

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l h adores escravos em funções militares auxiliare s . A con s eq ü en te prox i m i d a-de de escravos e soldados levou inexoravel m en te ao rec rut a m en to de algunsescravos sob pretexto de serem livres.

A vi t ó ria patriota requ eria a re s o lução dos probl emas legados por esse“rec rut a m en to” de escravo s , o que veio na forma de um dec reto imperial qu erecomendou a libertação de todos os escravos que tivessem servido como sol-d ado s , por meio de com pensação pec u n i á ria aos donos que não pude s s ems er conven c i dos a libertar espon t a n e a m en te seus escravo s .O rdem nada fácilde cumpri r, esse dec reto e as libertações com pen s adas provoc a ram proce s s o spro l on gados nos quais sen h ores defen deram ciosamen te seu direi to de pro-pri ed ade e o pri n c í p i o, i m p l í c i to mas fundamen t a l , da não-intervenção doE s t ado nos direi tos sen h ori a i s . Os escravo s - s o l d ados cuja condição liberta foienfim recon h ec i d a ,f i c a ram como soldados na guarnição do ex é rc i to bra s i l ei-ro em Sa lvador, mas sua pre s ença incom od ava as autori d ade s . Sua parti c i p a-ção no Leva n te dos Peri qu i tos em fins de 1824 forn eceu a ju s tificação para atransferência dos soldados negros e libertos para fora da província.

Ao distinguir cuidado s a m en te en tre o rec rut a m en to de escravos e o del i bertos e hom ens de cor livre s , dem on s tro a natu reza essen c i a l m en te re s tri t ada iniciativa de Labatut no sen ti do de rec rutar escravo s , que tod avia con tri-bu iu para de s e s t a bilizar o regime escravista (como também fez o con f l i to nos eu sen ti do mais amplo). Essa distinção é essen c i a l , pois o rec rut a m en to del i bertos não se diferen c i ava do rec rut a m en to de hom ens livre s , en qu a n to orec rut a m en to de escravos tocasse na questão fundamental do direi to de pro-priedade dos senhores.A segunda parte do artigo analisa os esforços pós-guer-ra de re s t a u rar a ordem social na Bahia e de re s t a bel ecer a dem a rcação en tree s c ravo e soldado, ob s c u recida de uma forma inacei t á vel pela guerra . Ta n todu ra n te a guerra qu a n to depois del a , veremos os esforços impre s s i on a n te sdos escravos no sentido de resistir à dominação dos senhores quando se apro-veitaram das oportunidades novas decorrentes da guerra. Todavia,a indepen-dência bra s i l ei ra veio sob a direção da classe sen h orial e escravista que re s o l-veu , com êxito, o probl ema do rec rut a m en to escravo e se manteve no poderdu ra n te mais duas gera ç õ e s . A con clusão co l oca o caso baiano no con tex tomais amplo das Américas.

O “RECRUTAMENTO” DE ESCRAVOS NA ÉPOCA DA GUERRA, 1822—1823

Em meados de 1822, alguns meses depois da derrota das unidades doex é rc i to bra s i l ei ro pelas forças portuguesas em Sa lvador, ocorrida em feverei-ro, s en h ore s - de - en genho patriotas ju ra ram fidel i d ade a Dom Ped ro I, que na

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época aos poucos construía um governo autônomo no Rio de Janeiro e se pre-p a rava para a ru ptu ra def i n i tiva com Lisboa . Eles or ga n i z a ram o assédio aSa lvador com um ex é rc i to improvi s ado com po s to de milícias ru ra i s , s o l d a-dos e oficiais da pri m ei ra linha de Sa lvador ref u gi ados no Rec ô n c avo, a milí-cia não-branca da cidade,e uma grande quantidade de unidades patriotas or-ga n i z adas por vo lu n t á ri o s . Em fins de outu bro, ch egou Pierre Labatut paracomandar as forças patriotas em nome de Ped ro, além de um pequ eno con-ti n gen te de tropas e milicianos do Rio de Ja n ei ro, uma força maior de Per-n a m bu co, e uma gra n de qu a n ti d ade de arm a s . Em Ja n ei ro de 1823, o Ba t a-lhão do Im perador, com 800 efetivo s , ch egou do Rio de Ja n ei ro e ju n to u - s eao número cre s cen te das forças patriotas loc a i s6. Pelo fim do assédio, o Ex é r-c i to Pac i f i c ador, n ome dado às suas forças pelos patri o t a s , a prox i m ava-se deum efetivo de 15.000 homens7.

O rec rut a m en to em larga escala em preen d i do em 1822 e 1823 inevi t a-vel m en te provocou mudanças na com posição social da filei ra , da qual preto se pardos eram of i c i a l m en te exclu í dos no final da época co l onial (apesar deque estes fo s s em às ve zes ad m i ti dos se tive s s em a pele cl a ra )8. Algumas fon te sd i s persas su gerem que a filei ra patriota era notavel m en te mais escura do qu ea da época co l on i a l . Uma te s temunha ocular viu “bra n co s , pretos e pardo s”na guarnição de um forte no litora l , en qu a n to numa companhia de tropas ir-reg u l a res serviam trinta e um pardo s , qu a tro bra n cos e dois cabra s , con tu dos ob com a n do de três oficiais bra n co s9. O rec rut a m en to pen etrou mais fundona população anteri orm en te isenta em meados de novem bro de 1822, qu a n-do Labatut solicitou que o Con s elho forn ecesse o maior número de “p a rdos epretos forro s” que fosse po s s í vel para preen ch er o proj et ado Batalhão de Li-bertos Constitucionais e Independentes do Imperador (que não deve ser con-f u n d i do com o Batalhão do Im perador do Rio de Ja n ei ro ) . O Con s elho rep l i-cou que proc u ra ria rec rutar tais hom en s , mas sem coa ç ã o, pois qu a l qu errec u rso ao rec rut a m en to for ç ado era “o reb a te mais eficaz para afugentar ed i s persar pelos matos famílias intei ras em dano da Causa e da agri c u l tu ra”1 0.A essa altu ra ,L a b a tut não ten c i on ava rec rutar escravo s ; a penas solicitava qu ea utori d ades civis abandon a s s em sua relutância em rec rutar liberto s , e espe-cialmente libertos negros.

A questão dos escravos era bem diversa.Há indícios de que,já em setem-bro de 1822 (antes da chegada de Labatut), patriotas pretendiam usá-los. Ma-ria Quitéria de Je sus con tou depois a Ma ria Dundas Graham que patri o t a sentão qu eriam obri gar seu pai, um portu g u ê s , a con tri buir com um escravo,pois não tinha filhos para dar ao ex é rc i to. A re s posta dele —”que intere s s etem um escravo para lutar pela independência do Bra s i l ? ” — s em dúvida re-f l etia ati tu des bem difundidas, e a ju l gar pela reação po s teri or às propo s t a s

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p a ra rec rutar escravo s , é improv á vel que os patriotas inten t a s s em alistar essee s c ravo ; é mais prov á vel que ele fosse de s ti n ado a trabalho braçal em apoio àm obi l i z a ç ã o. Seja como for, Graham não deixa cl a ro se o pai de Ma ria Quité-ria se de s fez de um escravo por essa época (ele ac a bou perden do sua filha, oque causou outros probl emas para os com a n d a n tes patriotas qu a n do foi de s-coberto que ela se alistara)11.

L a b a tut era menos escrupuloso no que toc ava ao rec rut a m en to de escra-vo s , e em de zem bro de 1822 o Con s elho In terino qu ei xou-se de que o gen e-ral francês em preen dera a “h orroro s a” m edida de criar um “ Batalhão de ne-gros cativo s , c rioulos e afri c a n o s ,” cujos soldados já estavam sen do trei n ado s .Ap a ren tem en te , o gen eral con f i s c a ra e rec rut a ra à força os escravos de algunss en h ores portugueses que estavam ausen te s , pri n c i p a l m en te a família Tei xei-ra Ba rbo s a , e em decorrência disso corriam boa tos que qu a l qu er escravo qu ese oferecesse vo lu n t a ri a m en te seria liberto1 2. Sem fim previ s í vel para a guerrae em face da falta de rec rutas livre s ,L a b a tut propôs em abril de 1823 que oCon s elho or ganizasse uma con tri buição vo lu n t á ria de escravos pelos sen h o-res baianos. Aparentemente, ele discutira a proposta privadamente com o juizde fora de São Fra n c i s co e Sa n to Am a ro em fins de feverei ro, e apre s en to u - acomo uma “p a tri ó tica propo s i ç ã o” do ju i z . O gen eral tod avia con s i derava - amais do que uma su ge s t ã o, pois mandou dois oficiais do seu qu a rtel - gen era lp a ra Cach oei ra afim de ad m i n i s trar essa leva . O Con s elho esqu ivo u - s e , a pe-l a n do a Labatut para que ele agisse de forma mais pru den te , e su geri n do qu eas câmaras municipais fo s s em con su l t adas antes de qu a l qu er rec rut a m en to1 3.Uma semana mais tarde , os vere adores de Ja g u a ri pe ju l ga ra m , como era dee s pera r, que a proposta de Labatut era um gra n de erro. Além de não havermu i tos escravos dispon í veis na vi l a ,f a l t avam-lhes a hon ra e o de s i n teresse de“um digno filho de Ma rte” ; a penas a oportu n i d ade de saquear a propri ed adea l h eia os motiva ria a lut a r. Mais import a n te , con clu iu o Con s el h o, a sel e ç ã ode escravos para o serviço militar teria resultados funestos quando os que nãofo s s em libertos se ju n t a riam aos escravo s - s o l d ados para se leva n t a rem1 4. E s s aproposta não foi ad i a n te e a qu eda de Labatut em maio de 1823 pôs fim aoesforços para recrutar escravos.

Pa ra o Con s elho In teri n o, a iniciativa de Labatut era prof u n d a m en tepreoc u p a n te , não só por causa da ameaça do rec rut a m en to de escravos ao di-rei to de propri ed ade , mas também porque tocou a questão rac i a l . “É verd adejá incon te s t á vel ,” e s c reveu o Con s elho em meados de abril de 1823, “que asclasses de cor têm no Brasil o maior ciúme por não entrarem promiscuamen-te nos em pregos públ i co s”. E n qu a n to os portugueses esperavam que um con-f l i to racial en tre os bra s i l ei ros con corresse para a pre s ervação do seu dom í n i os obre o Bra s i l , não era “f á c i l , n em de modo algum po l í ti co con ceder já aqu el a

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i g u a l d ade para aparecerem hom ens de cor nos pri m ei ros em prego s”. Port a n-to, “mu i to convém ter a maior po l í tica com a situação destas cl a s s e s , de s a r-m a n do-as del i c ada e pru den tem en te”. L a b a tut agi ra de forma impru den te ,i n s i s tiu o Con s el h o, re su m i n do os esforços do gen eral para rec rutar escravo se a sua recusa em prestar atenção às advertências del e . Mais om i n o s a m en te ,ele co l oc a ra publ i c a m en te a questão do rec rut a m en to escravo ; em decorr ê n-c i a , “já pelas ruas em outra coisa não falavam os pardo s , c a bras e cri o u l o s”.Adem a i s , o capitão de milícias en c a rregado por Labatut do rec rut a m en to eraum liberto e, con s eq ü en tem en te , i n tere s s ado demais no êxito da med i d a : el e“não ce s s ava de conversar com escravo s ,s en do até pelas ruas [da Cach oei ra ]cercado por eles”15.

Essa exposição do debate sobre o alistamento de escravos em 1822 e 1823su gere diversos pon tos import a n te s . Em pri m ei ro lu ga r, o rec rut a m en to dee s c ravos foi um rec u rso improvi s ado : a p a ren tem en te , L a b a tut nunca em i tiuum dec reto convi d a n do escravos a se ju n t a rem aos patriotas em troca de li-berd ade . Que nen hum dos mu i tos inimigos dele o ac u s a ram disso po s teri or-m en te é um forte indício de que ele também não o fez inform a l m en te1 6. De-vera s , os escravos con f i s c ados e rec rut ados foram alistados no Batalhão deL i bertos Con s ti tu c i onais e In depen den tes do Im perador, mas esse alistamen-to em si sign i f i c ava , no máximo, a penas uma promessa implícita de liberd a-de.Em segundo lugar, Labatut respeitava sempre o direito de propriedade doss en h ores bra s i l ei ro s . Ele con su l t ava repeti d a m en te o con s el h o ; os escravo sa l i s t ados em fins de 1822 pertenciam a sen h ores portugueses ausen tes qu ea p a ren tem en te não tinham herdei ros bra s i l ei ros (qu a n do havia tais herdei-ro s , os bens eram ad m i n i s trados para el e s ) . Dessa form a , o con f l i to en tre La-b a tut e o Con s elho tra t ava da disposição de butim de guerra de gra n de va l or.Em tercei ro lu ga r, por mais que Labatut e o Con s elho discord a s s em sobre aprudência do recrutamento de escravos, concordaram num ponto fundamen-tal,mas sempre implícito: soldado e escravo eram categorias distintas (e, por-t a n to, o alistamen to de s te implicava uma mudança da sua con d i ç ã o ) . Que odeb a te sobre o rec rut a m en to de escravos causou tanta agitação na Cach oei radem on s tra que os escravos também sabiam disso. F i n a l m en te , a preoc u p a ç ã odo Con s elho com o apoio de Labatut ao rec rut a m en to de escravos passou fa-c i l m en te à ansied ade sobre as “classes de cor,” a qu ele medo geral da parte deuma el i te branca numa soc i ed ade com maioria esmagadora de não bra n co s ,tão comum na época posterior à revolução haitiana.

Em decorrência dos esforços de Labatut no sen ti do de alistar escravos eda de s a rticulação social provoc ada pela guerra de 1822 e 1823, os escravo sbaianos enfrentavam novas oportunidades. Havia poucos levantes nesses anos;como João José Reis tem su s ten t ado, a repressão brutal de duas revoltas de-

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monstrou a futilidade de rebeliões numa época em que a classe senhorial,ape-sar de divi d i d a , e s t ava bem arm ad a1 7. Oportu n i d ades para outras formas dere s i s t ê n c i a , por é m , mu l ti p l i c ava m - s e : “Al ex a n d re , p a rd i n h o, f u giu no tem poda guerra para o Rec ô n c avo, e foi para Pern a m bu co com a tropa dali, de on-de o mandei vender,” comentou posteriormente uma mulher. Outros simples-m en te de s a p a recera m , como Ma ria Ri t a , uma cri o u l a , que “f u giu qu a n do astropas de Portu gal se reti rava m ,” e a Idade de Ou ro do Bra s i l a tri bu iu esse fe-n ô m eno preoc u p a n te ao mau exemplo dos sen h ores patri o t a s1 8. “ Mu i tos es-cravos” se aglomeravam no acampamento principal brasileiro, recordou o fu-turo visconde de Pirajá,onde foram empregados nos trabalhos de fortificação,en qu a n to os oficiais esco l h eram alguns para servi rem de cri ado s . E s tes era mtantos que o sucessor de Labatut, José Joaquim de Lima e Silva, emitiu ordensno sen ti do de re s tri n gir o número deles com direi to à et a p a . Proc u ra n do mi-nimizar o número de escravos alistados no ex é rc i to, P i rajá su s ten tou que amaioria deles foi mandada para trabalhar como sapadores ou camaradas, em-pregos trad i c i onais para escravos de trabalho braçal e serviço pe s s oa l1 9. O u-tros escravos en con travam-se a serviço da causa patriota sob ordens dos seu ss en h ore s . O dono de duas armações de baleia mandou seus sessenta escravo sp a ra a con s trução de fortificações e o carrega m en to de víveres às linhas pa-tri o t a s2 0. Ta n to a fuga de escravos do ac a m p a m en to patriota qu a n to a prox i-m i d ade de escravos e soldado s ,s em falar dos boa tos provoc ados pelas inicia-tivas de Labatut no sentido de recrutar escravos,aumentaram a probabilidadede que escravos fora gi dos fo s s em inadverti d a m en te rec rut ados pelos patri o-t a s . Nos últimos meses do assédio, com a n d a n tes a cujas unidades faltava ms o l d ados podiam ter fech ado seus olhos à condição escrava dos fora gi dos qu ese ofereciam vo lu n t a ri a m en te para servi r, mas não há nen huma evi d ê n c i aconcludente de que isso acontecesse.

D ada a natu reza irregular e com freqüência de s ordei ra do rec rut a m en top a ra as forças patri o t a s , é impo s s í vel estabel ecer o número de escravos alista-do s . Em julho de 1823, o Batalhão de Libertos tinha um efetivo de 327, i n-clu i n do oficiais e soldado s , mas alguns e talvez mu i tos deles já eram liberto sa n tes da guerra , rec rut ados como livres mas segregados nessa unidade porcausa de sua anteri or condição escrava2 1. Essa cifra , é cl a ro, não incluía os es-c ravos qu e , como dois perten cen tes a Ana Joa quina do Livra m en to, “perece-ram na guerra”2 2. Além disso, como os processos de com pensação analisado sa b a i xo deixam cl a ro, alguns escravos serviam em outras unidade s .O n de fo s-se que servi s s em , tais hom ens ainda era m , de ju re ,e s c ravo s , pois nem Laba-tut nem o Con s elho In terino lhes ofereceram a liberd ade em troca de servi ç om i l i t a r. Nem se haviam tom ado medidas para liquidar o direi to de propri e-dade dos seu donos.

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AS CONSEQÜÊNCIAS DO “RECRUTAMENTO” DE ESCRAVOS

Depois da guerra , os vi toriosos sen h ore s - de - en genho baianos en f ren t a-vam a difícil tarefa de re s t a u rar sua autori d ade sobre uma população escravaque vi ra e ouvi ra muitas novi d ade s , s obre um ex é rc i to cuja filei ra con ti n h aum número aprec i á vel de escravos (cuja condição ainda não fora re s o lvi d a ) ,e sobre “classes de cor ” que ga n h a ram nova consciência de sua import â n c i aem con s eqüência dos seus serviços na guerra . Re s t a u rar a linha divi s ora en tree s c ravo e soldado foi um passo fundamen t a l , efetu ado pela libertação dos es-c ravos que servi ram of i c i a l m en te como soldado s , e pela devo lução do re s t a n-te à condição de escravo. Po s teri orm en te , as autori d ades rem overam os ex -e s c ravos (e também a maioria dos soldados negros) da Ba h i a , dessa form atra ç a n do mais ex p l i c i t a m en te a linha divi s ora en tre escravos e soldado s . O le-va n te do Batalhão dos Peri qu i tos (outu bro a novem bro de 1824), percebi docomo uma revolta de soldados negros e ex-escravos, urgiu essas medidas.

Uma vez de posse de Sa lvador, o governo baiano em i tiu ordens às auto-ri d ades locais para que escravos vadios fo s s em captu rados e devo lvi dos aoss eus don o s2 3. O “gra n de número de cativo s” a l i s t ados no Ex é rc i to Pac i f i c adorconstituía um problema mais complicado, como explicou Lima e Silva: “Con-s ervei - o s” na filei ra “e sem pre lhes ob s ervei provas de va l or e intrep i de z , e umdec i d i do en tusiasmo pela causa da independência do Bra s i l .” Além disso, e s-ses “ i rmãos de arm a s” f i c a ram sob disciplina du ra n te a ocupação de Sa lva-dor; port a n to, “n ada me parece mais du ro” do que devo lvê-los à escravi d ã o2 4.O governo imperial acei tou essa lem brança e en c a rregou-se de reg u l a rizar an ova condição del e s , orden a n do que o governo baiano agenciasse a sua ma-nu m i s s ã o. Os interesses fiscais motiva ram a esperança de que sen h ores liber-t a s s em vo lu n t a ri a m en te seus escravo s ; s en ã o, o governo ofereceria com pen-s a ç ã o, pro tegen do assim o direi to de propri ed ade e (logo que po s s í vel) oprincípio de que a alforria era privilégio exclusivo dos senhores25.

A decisão do governo imperial de ra tificar o alistamen to de escravos e acon clusão de que tais escravos eram of i c i a l m en te hom ens livres era provavel-m en te no interesse dos sen h ores baianos. Afinal de con t a s , devo lvê-los à es-c ravidão teria sido ainda mais impru den te do que rec rut á - l o s . Mu i tos sen h o-res ac a b a ram acei t a n do a com pensação e abri ram mão do seu direi to depropri ed ade , e “s o l d ados liberto s” às ve zes aparecem em doc u m entação po s-teri or, en tre eles um nagô que depôs no processo con tra os escravos rebel de sde 18352 6. O utros sen h ores nega ram-se a libertar seus escravo s - s o l d ado s , oque motivou requ eri m en tos em que estes solicitaram liberd ade ao govern o.Em pelo menos dois casos, m i n i s tros orden a ram que as autori d ades provi n-ciais ten t a s s em conven cer os donos relut a n tes a acei t a rem justa recom pensa e

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a libert a rem seus escravo s ; um de s s e s , Ma n oel Rufino Gom e s , era sargen toem 182527.

Nem sem pre era fácil obter com pen s a ç ã o, ainda mais depois da rem o-ção da maioria dos escravo s - s o l d ados da Bahia em fins de 1824 (vi de abai-xo). José Lino Coutinho aproveitou-se de uma visita ao Rio de Janeiro no iní-cio de 1825 para provar seu domínio sobre os soldados Fra n c i s co Anastácio eJoão Gu a l berto, i rmãos que se decl a ravam alfabeti z ado s ,p a ra os quais acei-tou 600$000,160$000 menos do que o valor em que foram avaliados. José Fe-liciano dos Sa n tos goz ava de menos sorte e ainda reivi n d i c ava a posse de umcerto Jac i n to, em 18262 8. Dois casos arra s t a ram-se até 1829. Logo depois dareocupação de Sa lvador, G eminiano Lázaro vo l tou à sua sen h ora , i n fel i z m en-te antes que ch egasse a Sa lvador a notícia da libertação dos escravo s - s o l d a-do s . De alguma manei ra , ac a bou servi n do no batalhão miliciano de negro sem 1829, qu a n do autori d ades militares re s o lveram que ela fosse com pen s a-d a . Um com p a n h ei ro miliciano de Gem i n i a n o, Antônio Ri bei ro, tinha ra bo -de - p a l h a . Ten do de s ert ado do ex é rc i to antes que sua condição escrava fo s s el i qu i d ad a , vo l tou a Sa lvador on de foi alistado na milícia negra . Ali foi en con-trado por seu don o, e autori d ades militares ju l ga ram que perdera seu direi toà liberdade por causa da deserção, e o devolveram ao senhor29.

Nem sem pre era fácil re s o lver as reivindicações dos sen h ore s , dos escra-vo s - s o l d ados e do Estado. Um angolano fora gi do, Caetano Perei ra , a l i s to u - s evo lu n t a ri a m en te no dia 9 de junho de 1823 (mas não no Batalhão de Liber-to s ) . Deu baixa no dia 7 de ago s to e logo en f ren tou um dono en f u rec i do qu eten t ava vendê-lo para fora da prov í n c i a . Caet a n o, provavel m en te saben do dadecisão do governo imperial no sen ti do de libertar escravo s - s o l d ado s , proc u-rou seu anti go com a n d a n te , que acei tou alistá-lo nova m en te no dia 6 de ou-tu bro. O dono era cidadão portu g u ê s , o que provavel m en te fac i l i tou a dec i-são do oficial de dar abri go a Caet a n o. Tod avi a , e com muita ra z ã o, o don oacusou o oficial de inten c i on a l m en te alistar um escravo fora gi do e repeti d a-m en te ex i gia satisfação del e , t a lvez porque ju l gasse a bu roc racia imperial in-s en s í vel à sua recl a m a ç ã o3 0. In evi t avel m en te , alguns soldados e civis de s cobri-ram jei tos de ti rar va n t a gem do programa de com pen s a ç ã o. “G era l m en tecon s t a [ va ] ,” s eg u n do um of i c i a l , que soldados e civis co l a boravam na fei tu rade requ eri m en tos falsos, a través dos quais os “e s c ravo s” e seus “don o s” rep a r-tiam o va l or do “e s c ravo”3 1. A preocupação com tais fra u des estava por tr á sda exigência de com provação de domínio e de iden ti d ade de escravo s - s o l d a-do s , os qu a i s , por seu lado, f ru s travam donos que nem sem pre tinham tal do-cumentação à mão.

Nem todos os escravos que servi ram à causa patriota con qu i s t a ram su al i berd ade , como já vimos no caso de Antônio Ri bei ro. Da ilha de It a p a ri c a , o

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com erc i a n te , s en h or de en genho e govern ador militar da loc a l i d ade , ten en te -coronel Antônio de Souza Lima, explicou em 1825:

Nen hum escravo pre s tou aqui serviço du ra n te a campanha, com direi to à liber-

d ade , por que nunca para tal tive ordem , e nem en tendi que esse indu l to se es-tendia além do corpo, que com a den ominação de ‘ L i berto s’ foi cri ado pelo Ge-n eral do Ex é rc i to Pac i f i c ador (...). Alguns fizeram servi ç o s ; mas foram os qu ef u gi n do da cidade , ou os que aqui ficaram abandon ados de seus sen h ore s ,a n d a-vam va ga n do pelos campo s ,f a zen do ro u bos e de s ordens (...) foram en treg u e s

aos seus senhores, logo que requisitaram32.

Ao minimizar os serviços prestados por esses escravos e ao negar sua con-dição de soldado s , os sen h ores que se op u s eram ao rec rut a m en to de escravo scon ti nu avam a lutar em defesa da sua propri ed ade . Os escravos que servi ra mna guerra , ao con tr á ri o, va l eram-se dos seus serviços para reivindicar re s pei-to da parte das autori d ade s . Apesar de não ter sido liberto depois da guerra , oa f ricano Dom i n gos Sudré con s i derava-se veterano da indepen d ê n c i a . Al for-ri ado pelo seu dono em 1836, foi preso em 1862 por pr á ticas de candom bl éem sua casa. Ve s tiu-se or g u l h o s a m en te com a farda dos veteranos da inde-pendência na pri s ã o, por mu i to de sgo s to do su b del egado, que lem brou aoch efe de polícia que Sudré era escravo du ra n te a guerra e que fora vi s to po s-teriormente a serviço do engenho do seu senhor33.

No decorrer da década de 1820, a bu roc racia imperial aos po u cos re s o l-veu as pretensões dos escravos e dos sen h ore s , dem a rc a n do o mais cl a ra m en-te po s s í vel a linha divi s ó ria en tre escravos e soldado s , uma linha qu e , s eg u n-do todos os envo lvi do s , devia ex i s tir e devia ser cl a ra . De fato, o govern oimperial ressaltou esse princípio em 1824,ao decretar que homens de cor pro-va s s em “sua condição livre” a n tes de se alistarem vo lu n t a ri a m en te3 4. O paga-m en to de com pensação aos donos cujos escravos se alistaram e lut a ram nacampanha da independência baseava-se no princípio anti go do direi to rom a-no que escravos que servi ram ao Estado não deveriam con ti nuar no cativei-ro, e a decisão de 1823 era, de vez em quando, citada como um precedente pa-ra re s o lver casos de fora gi dos alistados há mu i to tem po cujos don o spretendiam sua devo lu ç ã o, uma po l í tica bem estabel ecida no ex é rc i to bra s i-leiro já nos anos de 184035.

L i bertar os escravos alistados casu a l m en te em 1822 e 1823 re s o lveu al-guns probl em a s , mas dei xou sem re s o lução a questão maior de como ad m i-n i s trar uma guarnição na qu a l , depois da indepen d ê n c i a , s ervia um gru pos i gn i f i c a tivo de ex - e s c ravos e mu i to mais soldados não-bra n cos do que anti-ga m en te . O riu n dos de uma mobilização pop u l a r, os soldados da guarn i ç ã o

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de Sa lvador pós-guerra eram de s ordei ro s . Em face dessa qu ebra de disciplinam i l i t a r, o governo bra s i l ei ro dec retou em 1823 que soldados culpados de pri-m ei ra e segunda de s erção simples recebe s s em su m a ri a m en te 30 e 50 ch i b a t a-das, respectivamente (em vez de passarem por complicados conselhos de guer-ra ) , c a s ti go dobrado em 1824 e aplicado em 1825 a qu a l qu er forma dede s ordem3 6. A insti tuição de ch i b a t adas como casti go para de s ertores era ocon tra pon to natu ral do rec rut a m en to de escravos na guerra da indepen d ê n-c i a . So l d ados libertos podiam ser con tro l ados som en te pela ch i b a t a , ou pel om enos assim pen s avam autori d ades militare s . Na Ba h i a , con tu do, a utori d a-des provinciais ainda não estavam sati s fei t a s . O pre s i den te ex i giu “uma abso-luta reform a” da tropa em maio de 1824, de s t ac a n do que “de nen huma ma-neira podem convir os pretos de que se compõem os batalhões, que quase nãotêm bra n co s , ou pardos que ch eg u em à décima parte”3 7. De forma mais pito-re s c a , Fel i s berto Ca l dei ra Brant Pon te s , com a n d a n te da guarnição na décad ade 1810 (e futu ro marquês de Ba rb acen a ) , decl a rou du ra n te uma visita a Sa l-vador em feverei ro de 1824, que “a não ser os uniformes poderiam bem con-s i dera r-se aos soldados como armação da Costa da Mi n a”. Pa ra mel h orar ag u a rn i ç ã o, Brant recom en dou uma volta à pr á tica co l onial de rec rut a m en-to — n en hum soldado preto, i n feri ores som en te bra n cos e, p a ra “n eutralizar ai n f luência dos pardo s ,” 800 mercen á rios estra n gei ro s . Apesar de con cord a rcom a nece s s i d ade de mu d a n ç a s , Ped ro re s o lveu , com pru d ê n c i a , não esta-c i onar tropas estra n gei ras em Sa lvador, mas Bra n t , como ministro em Lon-d re s , foi instru m ental na con tratação dos mercen á rios alemães e irl a n de s e smandados enfim para o Rio de Janeiro38.

No calor da hora , t a n to Brant qu a n to o pre s i den te provavel m en te ex a ge-ra ram na proporção de negros na filei ra . O utras fon tes su geri ram que havi aum grau de segregação na guarnição de 1823 e 1824, qu a n do mu i tos dos ex -e s c ravos ac a b a ram servi n do no Batalhão dos Peri qu i to s ,c a ra teri z ado por umc ronista como “com po s to pela maior parte de libertos e outras pe s s oas declasses heterog ê n e a s”3 9. O cônsul francês distinguia en tre os batalhões qu a n-do de s c reveu o leva n te dos Peri qu i tos como um con f l i to en tre tropa branca en egra4 0. Ta lvez essa segregação ref l etisse uma po l í tica oficial do govern o ; podetambém indicar uma relutância da parte dos livres de servi rem ao lado de ex -e s c ravo s ,a ti tu de evi den te na Sa bi n ada de 1837, qu a n do soldados rebel des re-c u s a ram-se a servir com os escravos alistados pelo ef ê m ero governo rep u bl i-c a n o4 1. Autori d ades perceberam a gra n de inimizade en tre os Peri qu i tos e ossoldados dos outros batalhões42.

O rdens para dem i tir o popular com a n d a n te do Batalhão dos Peri qu i to sem fins de 1824 e para tra n s ferir a unidade para fora de Sa lvador foram o es-topim do motim du ra n te o qual o com a n d a n te da guarnição foi morto. O le-

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va n te perdeu as qu a l i d ades pri m i tivas e vi rou um con f ron to en tre tropas re-bel de s — du ra n te algum tem po em con trole do governo provincial—e os au-toprocl a m ados legalistas que abandon a ram a cidade . Depois de um mês ten-s o, ch eio de con f ron tos e negoc i a ç õ e s , a maioria dos Peri qu i tos anu iu aoem b a rque para Pern a m bu co e os legalistas reoc u p a ram a cidade4 3. Em con s e-qüência dessa revo l t a , os governos baiano e bra s i l ei ro ex p u l s a ram soldado sde s ordei ros da guarnição de Sa lvador e mostra ram-se determ i n ados a man-ter a ordem , “c u s te o que custar”. A repressão assu m iu uma feição racial coma remoção de soldados negros e ex - e s c ravos da cidade . O em b a rque do Ba t a-lhão dos Peri qu i tos e a po s teri or dispersão dos seus soldados por outras uni-d ades de s terrou os que eram então vi s tos como os mais peri go s o s . Na hipó-tese de que escravos negros seriam menos peri gosos no mar do que em terra ,a marinha foi o destino final de muitos. Mesmo antes do fim da revolta, o go-verno provincial ten tou tra n s ferir à marinha os soldados libertos que não es-t avam de s i gn ados para a ex pedição a Pern a m bu co, m edida que o govern adordas armas então ju l gou impru den te , porque servi ria apenas para provocar ade s erção del e s . O utros foram depois envi ados a uma das unidades negras doex é rc i to bra s i l ei ro, os Batalhões 10 e 11, e s t ac i on ados na seg u ra m en te rem o t ae quase sem pre assed i ada cidade de Mon tevi d é u4 4. A legislação imperial sobreo rec rut a m en to repetiu a exclusão co l onial de pretos do ex é rc i to, uma exclu-são a que o govern ador das armas deu atenção em meados de 1825, qu a n dorecusou um rec ruta por causa de sua “cor pret a”4 5, e como já vi m o s , h om en sde cor (isto é, p a rdos) que qu eriam servir vo lu n t a ri a m en te foram obri gado sem 1824 a comprovar “sua condição livre” (ou liberta).

Tu do isso não foi nada menos do que uma purga racial maciça dos re-m a n e s cen tes do Ex é rc i to Pac i f i c ador. Foi também mu i to bem - su ced i do : nu-ma lista de 366 de s ertores dos batalhões baianos du ra n te 27 meses, de 1825até o início de 1827, há apenas 15 pretos en tre 275 pardo s , 8 cabra s , 4 cabo-clos e 64 bra n co s , mu i to lon ge da filei ra 90 por cen to negra de que recl a m a rao pre s i den te em 18244 6. Esses dados revelam o re su l t ado de um esforço inten-c i onal de rem over negros e ex - e s c ravos da guarn i ç ã o. Negros livres ou liber-tos podiam servir no ex é rc i to, mas ac a b a riam “goz a n do do frio de Mon tevi-déu,” como ironizou um contemporâneo sobre o destino dos Periquitos47.

CONCLUSÃO

A derrota do Leva n te dos Peri qu i tos e a remoção inten c i onal dos ex - e s-c ravos da guarnição de Sa lvador re s o lveu , da pers pectiva dos sen h ores baia-n o s , os probl emas dei x ados por Pierre Labatut . O gen eral fra n c ê s , recon h e-

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cen do que o rec rut a m en to trad i c i on a l , que no geral exclu í ra os não-bra n co sda filei ra , era inadequ ado às nece s s i d ades patri o t a s , e em p u rrou o rec rut a-m en to para esses setores anti ga m en te isen to s , tra zen do assim mu i tos nãobra n cos e alguns escravos ao Ex é rc i to Pac i f i c ador. As exigências militares as-sim abalaram o regime escravista e as hiera rquias raciais implícitas no rec ru-t a m en to co l on i a l . O que nem Labatut nem o Con s elho In terino fizera m , to-davia, foi oferecer liberdade aos escravos que serviriam nas forças patriotas.

Nesse respeito, o recrutamento na guerra da independência brasileira di-ferenciou-se dra m a ti c a m en te da ex periência da Am é rica inglesa e espanhola,on de tais ofertas eram freq ü en te s . Basta citar alguns exem p l o s . Em de zem brode 1775,lorde Dunmore,o governador britânico da Virgínia,sitiado pelos re-bel de s , em i tiu um bando que convi d ava os escravos dos sen h ores rebel des ase ju n t a rem às forças britânicas em troca de liberd ade ; já no início de 1775,por volta de 300 serviam no dito “ Regi m en to Et í ope”. O estado de Rh ode Is-l a n d , que se esfor ç ava para com p l etar sua cota para o Ex é rc i to Con ti n en t a lem 1778,criou um batalhão negro, oferecendo liberdade aos escravos que ser-vi s s em du ra n te todo o tra n s correr da guerra , e com pen s a n do seus sen h ore saté o va l or de 400 dólare s ; o utros estados do norte fizeram o mesmo, mas osdo su l , mais depen den tes da escravi d ã o, rej ei t a ram todas as propostas nesses en ti do. Nos últimos anos da luta pela independência das tre ze co l ô n i a s , o se s forços militares bri t â n i cos con cen tra ram-se no sul escravi s t a , c u jas econ o-mias e regimes escravistas foram deva s t ados pela luta e pela fuga de milhare sde escravos para as linhas bri t â n i c a s ; mu i tos foram enfim evac u ados qu a n doas tropas britânicas se reti ra ram da região no início da década de 17804 8. NaAm é rica espanhola, governos patriotas na Ar gen tina em i ti ram mu i tos dec re-tos no sen ti do de libertar escravos e de com pensar donos que apre s en t a s s emsua propriedade humana ao exército; em 1816, Simón Bolivar decretava o fimda escravidão à medida que suas tropas ava n ç avam em Nova Gra n ad a , m a srecrutou à força todos os libertos válidos para seu exército49. Deveras,as eman-cipações bo l ivianas foram po s teri orm en te revogadas e a escravidão perdu ro uno norte da Am é rica do Sul até meados dos anos de 1850. Todas essas med i-das na América espanhola e inglesa diferenciaram-se do que aconteceu na Ba-h i a , on de não havia reg u l a m entação oficial do alistamen to de escravos nemmedidas para compensar donos durante a guerra da independência50. Da mes-ma form a , o rec rut a m en to de escravos em preen d i do por Labatut diferen c i a-va-se do que o Brasil em preen deu du ra n te a Gu erra do Pa raguai nos anos1 8 6 0 : nessa guerra , a utori d ades abstiveram-se de obri gar sen h ores a cederemseus escravos às forças armadas;a partir de dezembro de 1866, o governo ofe-receu com pensação aos sen h ores para incen tivar alforrias sob a condição de

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s ervir na guerra . Du ra n te toda essa guerra , s en h ores tiveram que libertar es-cravos antes que pudessem ser alistados51.

Os dec retos que libert avam escravos sob a condição de servi rem , en tre-t a n to, são apenas uma parte da históri a . O fato de que não havia nen hum naBahia revela o poder da classe sen h orial qu e , assim como seu correl a tivo nosul dos Estados Un i do s , recusou a armar seus escravo s . Mas os “p a rdo s , c a-bras e cri o u l o s” que não falavam em mais nada no início de 1823, recon h e-ciam que as medidas de Labatut eram inovações import a n te s . Que tantos es-c ravos fugiam aos ac a m p a m en tos patriotas su gere que viam oportu n i d ade spara si mesmos na luta pela liberdade de Portugal.

A falta de re s o lução sobre a condição pós-guerra dos escravo s - s o l d ado sdei xou um probl ema com p l exo para o Estado bra s i l ei ro recém indepen den te .A emancipação com pen s ada só veio depois da vi t ó ria patriota em julho de1 8 2 3 . Pro tegeu o direi to de propri ed ade dos sen h ore s , preocupação funda-m ental numa soc i ed ade escravi s t a . Suas cl á u sulas re s tritas asseg u ra ram qu epo u cos escravo s — a penas os que servi ram efetiva m en te como soldado s — s e-riam ben ef i c i ado s , e que eles ficariam sob con trole da hiera rquia militar co-mo soldados ra s o s . Mesmo assim, era peri goso demais mantê-los em Sa lva-dor, perto dos que não foram alforri ado s . Por isso a purga racial depois dol eva n te dos Peri qu i tos rem oveu mu i tos soldados pretos e libertos da guarn i-ç ã o. Nesse sen ti do, “ Dois de Ju l h o” foi , como ob s erva João José Rei s , um “ j o-go du ro”5 2, mas o re su l t ado não deve su rpreen der. Afinal de con t a s , a cl a s s esenhorial baiana emergiu da guerra abalada,mas vitoriosa.Enquanto não po-diam evitar o rec rut a m en to informal de escravos em 1823 e 1824, os sen h o-res baianos ob s t a ram uma leva formal de escravo s , e ad i a ram a questão da li-bertação dos escravos-soldados até depois da guerra, quando podiam resolvê-lade uma posição mais forte.

NOTAS

1 Hen d rik Kra ay é assistant profe s so r de Hi s t ó ria e Ciências Po l í ticas na Un ivers i d ade deCa l ga ry, Ca n ad á . Além de diversos arti gos em revi s t a s , é autor de Ra ce , St a te , and Arm edFo rces in In d epen d en ce - Era Brazil: Ba h i a ,1 7 9 0 s - 1 8 4 0 s ( S t a n ford , 2001) e or ga n i z ador deAf ro - B razilian Cu l tu re and Pol i ti cs: Ba h i a , 1 7 9 0 s - 1 9 9 0 s ( Arm on k ,1 9 9 8 ) . Atu a l m en te de-s envo lve pe s quisas sobre cultu ra patri ó tica no Rio de Ja n ei ro e em Sa lvador pós-indepen-dência, abordando o tema através de uma análise de festas cívicas e de monumentos.2 Uma versão preliminar de s te arti go foi apre s en t ada à Con feren ce on Latin Am erican Hi s-tory, Chicago, em 7 de janeiro de 2000;agradeço os comentários dos participantes e ao So-cial Scien ces and Hu m a n i ties Re s e a rch Council of Ca n ad a , que deu o apoio financei roprincipal à pe s qu i s a . A revisão do tex to português é de Mônica Nog u ei ra de Sá. As seg u i n-

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tes abrevi a tu ras são usadas nas notas: A A P E Ba (Anais do Arq u ivo Públ i co da Ba h i a) ,A H Ex( Arqu ivo Hi s t ó ri co do Ex é rc i to ) , AHMI (Arqu ivo Hi s t ó ri co do Mu s eu Im peri a l ) ,A PE Ba( Arqu ivo Públ i co do Estado da Ba h i a ) , BNRJ/SM (Bi bl i o teca Nac i on a l , Rio de Ja n ei ro, Se-ção de Ma nu s c ri to s ) , R I G H Ba (Revista do In s ti tu to Ge o gr á f i co e Hi s t ó ri co da Ba h i a) , C L B(Coleção das Leis do Brasil); RIHGB (Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro).3 Essas com p a rações são esbo ç adas por BLAC K BU R N , Robi n . The Overt h row of Col o n i a lSlavery, 1776-1848. Londres, Verso, 1988, pp. 258-260, 286-291, 372-375, 411-414.4 M O RTO N , F. W. O. “The Con s erva tive Revo luti on of In depen den ce :E con omy, Soc i ety,and Politics in Bahia.” Tese de Doutoramento, Oxford University, 1974, pp. 267-268.5A M A RA L , Braz do. Hi s t ó ria da In d epen d ê n cia na Ba h i a . 2ª ed . Sa lvador: Prefei tu ra doMunicípio do Sa lvador, 1 9 5 7 , pp. 7 ,2 7 2 ,2 8 5 ,2 9 1 - 2 9 2 ;F E R RA Z , Aydano do Co uto. “O es-c ravo negro na revo lução da independência da Ba h i a”. In Revista do Arq u ivo Mu n i ci pa l(São Pa u l o ) , vo l .5 , nº 5 6 ,1 9 3 9 , pp. 1 9 5 - 2 0 2 ; R E I S , João Jo s é , e SILVA ,E du a rdo. Nego ci a-ção e co n f l i to: a re s i s t ê n cia negra no Brasil escravi s t a. São Pa u l o : Companhia das Letra s ,1 9 8 9 , pp. 9 0 ,9 6 - 9 8 ;A RAU J O, U bi ratan Ca s tro de . “Sans gl oi re : le soldat noi re sous le dra-peau br é s i l i en ,1 7 9 8 - 1 8 3 8 ”. In CRO U Z E T, Fra n ç oi s , et al. ( or gs . ) . Pour l’histo i re du Brésil:m é l a n ges of ferts à Kátia de Queirós Ma t to so, Pa ri s : L’ Ha rm a t t a n , 2 0 0 0 , pp. 5 3 6 - 5 3 7 ; RO-D R I G U E S , José Hon ó ri o. In d epen d ê n cia: revolução e co n tra - revol u ç ã o. 5 vo l s . Rio de Ja n ei-ro: Francisco Alves, 1975, vol. 3, pp. 90, 213-214.6 Sobre aspectos políticos e militares da independência na Bahia, vide TAVARES, Luís Hen-ri que Di a s . A indepen d ê n cia do Brasil na Ba h i a. 2ª ed . Rio de Ja n ei ro : Civilização Bra s i l ei-ra ,1 9 8 2 ; K RA AY, Hen d ri k . Ra ce , St a te , and Arm ed Fo rces in In d epen d en ce - Era Brazil: Ba-hia, 1790s-1840s. Stanford: Stanford University Press, 2001, cap. 5.7 S I LVA , Ign acio Acioli de Cerqu ei ra e. Mem ó rias históricas e pol í ticas da prov í n cia da Ba-h i a. 6 vo l s . Sa lvador: Im prensa Oficial do Estado, 1 9 1 9 - 1 9 4 0 , vo l .4 , p. 5 9 ,n .2 8 ;A M A RA L .Op. cit., p. 450.8 Sobre o recrutamento militar no final da época colonial, vide KRAAY. Op. cit., pp. 76-78.9 DO R E S , Ma n oel Morei ra da Pa i x ã o. “ Di á rio do capelão da esqu ad ra imperial com a n d a-da por Lord Coch ra n e”. In R I G H Ba , vo l .6 7 ,1 9 4 1 , p. 3 2 ; “Lista da Gu errilha Vo lu n t á ria doPedrão.” In RIGHBa, vol. 48, 1923, pp. 387-389.10 Con s elho In terino do Governo ao Ped ro [Pierre] Labatut , Cach oei ra , 22 de novem brode 1822, AAPEBa, vol. 41, 1973, p. 28.11 G RA H A M , Ma ria Du n d a s . Jou rnal of a Voya ge to Brazil and Re s i d en ce T h ere du ring theYears 1821, 1822, 1823. Nova York: Praeger, 1969, p. 293.12 Con s elho In terino ao Mi n i s tro do Im p é ri o, Cach oei ra , 23 de de zem bro de 1822, R I G H-Ba, vo l .1 4 ,1 8 9 7 , pp. 5 6 1 ,5 6 3 . Vi de também SILVA . Op. ci t . , vo l .3 , p. 4 0 1 ; e TITA RA ,L a-dislau dos Sa n to s . Pa ra g u a s su: epopéia da guerra da indepen d ê n cia do Brasil na Ba h i a . E d .Fac s i m i l a r. São Pa u l o : In s ti tuto Hi s t ó ri co Bra s i l ei ro e Con s elho Federal de Cu l tu ra ,1 9 7 3 ,p. 452, n. j.13 L a b a tut ao Con s elho In teri n o, Ca n g u ru n g u , 3 de abril de 1823. In A M A RA L , op. ci t . , p.2 9 1 ; Con s elho In terino ao Labatut , Cach oei ra , 12 e 14 de abril de 1823, A A P E Ba, vo l .4 1 ,

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1 9 7 3 , pp. 8 8 ,8 9 ;L a b a tut ao Con s elho In teri n o, Ca n g u ru n g u , 16 de Abril de 1823, in SIL-VA , Mem ó ri a s , vo l .4 , p. 2 ,n .2 ; Con s elho In terino ao Mi n i s tro do Im p é ri o, 16 de abril de1823, RIGHBa, vol. 17, 1898, p. 362.14 “Termo de Veriação,” Jaguaripe, 23 de abril de 1823, AAPEBa, vol. 10, 1923, pp. 63-65.15 Con s elho In terino ao Mi n i s tro do Im p é ri o, Cach oei ra , 16 de abril de 1823, R I G H Ba, vo l .1 7 ,1 8 9 8 , pp. 3 6 2 - 3 6 4 . In fel i z m en te , o Con s elho não men c i onou o nome do of i c i a l ,m a ss eg u n do Ma n oel Corrêia Garc i a , ele era José Joa quim Ex po s to, prom ovi do a major paracomandar e or ganizar essa unidade .G A RC I A , Ma n oel Corr ê i a. Hi s t ó ria da indepen d ê n ci ada Ba h i a . Sa lvador, E m presa Editora ,1 9 0 0 , p. 7 8 . Pode ser que Garcia tivesse ra z ã o, m a sEx po s to não ficou mu i to tem po no com a n do dos liberto s : o capitão Vi ctoriano de So u z aBulcão Limei ra foi indicado como com a n d a n te deles na reor ganização das tropas de maiode 1823. S I LVA , op. ci t . , vo l .4 , pp. 2 9 - 3 1 . Seg u n do Ladislau dos Sa n tos Ti t a ra ,L i m ei ra foraoficial do Quarto Batalhão de Milícias de Sa lvador, o batalhão de pardo s ,T I TA RA , Pa ra-guassu, p. 506, n. e.16 RU Y, Af fon s o. Do s s i er do Ma re chal Ped ro La ba tu t. Rio de Ja n ei ro : Bi bl i o teca do Ex é rc i to,1960.17 R E I S , João Jo s é . Sl ave Rebellion in Brazil: The Muslim Uprising of 1835 in Ba h i a. Tradu-ção de Arthur Brakel. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993, p. 54.18 Con ti nuação das decl a rações de D. Anna Joa quina Ma ria de Je su s”, Sa lvador, 12 de ju l h ode 1828, i nven t á ri o, Ma n oel Ferrei ra da Si lva ,A PE Ba / S J / I T, 0 4 / 1 7 3 1 / 2 2 0 1 / 0 2 , fo l .3 1 7 ; i n-ven t á ri o, Custódio Gomes de Al m ei d a ,i bi d . ,0 4 / 1 7 4 8 / 2 2 1 8 / 0 1 , fo l .6 8 r; Idade de Ou ro doBrazil, 28 de janeiro de 1823, p. 1.19 Joa quim Pires de Ca rvalho e Al bu qu erque ao Ma j or Com a n d a n te , Arti l h a ria Fixa, Ri ode Ja n ei ro, 16 de março de 1825, A H Ex / RQ ,J J - 2 3 7 - 5 7 9 0 ; O rdem do Di a , 6 de junho de1822, BNRJ/SM, II-33, 36, 35.20 Requerimento de João Antunes Guimarães ao Imperador, c.1825,BNRJ/SM/DB, C801.1421 SILVA, Memórias, vol. 4, p. 59, nota 28.22 Requerimento de Anna Joaquina do Livram.to a Pedro I, Salvador, c.março de 1826,AH-MI, I-POB-[1826]-PI-B.r.1-10.23 Bando, 31 de julho de 1823, AAPEBa, vol. 10, 1923, p. 69.24 José Joa quim de Lima e Si lva ao Mi n i s tro do Im p é ri o, Sa lvador, 16 de julho de 1823,BNRJ/SM, II-31, 35, 4.25 Decisão 113, 30 de julho de 1823, C L B. Sobre a natu reza privada de manu m i s s õ e s , vi deC U N H A , Ma nu ela Ca rn ei ro da. Negro s ,e s tra n gei ros: os escravos libertos e sua volta à Áfri-ca. São Paulo: Brasiliense, 1985, pp. 44-48.26 O L I V E I RA , Ma ria Inês Côrtes de . “Viver e morrer no meio dos seu s : nações e comu n i-dades africanas na Bahia do século XIX.” In Revista USP, vol. 28, 1995-1996, p. 191.27 Port a ri a , Mi n i s tro do Im p é ri o, 10 de ja n ei ro de 1824, em A M A RA L , op. ci t ., p. 2 9 2 ; Mi-n i s tro de Ju s tiça ao Pre s i den te , Rio de Ja n ei ro, 22 de setem bro de 1825, A PE Ba / S AC P, m .755, fol. 450.

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28 Requ eri m en tos e doc u m en tos com prob a t ó rios de José Lino Co uti n h o, A H Ex / RQ ,J Z -1 0 1 - 3 0 3 7 ; G overn ador das Armas ao Pre s i den te , Sa lvador, 14 de março de 1826, A PE-Ba/SACP, 3366.29 G overn ador das Armas ao Pre s i den te , Sa lvador, 4 de setem bro de 1829, 20 de ago s to de1829, APEBa/SACP, m. 3.370.30 Ten en te - Coron el Com a n d a n te , D é c i m o - Q u a rto Ba t a l h ã o, ao Govern ador das Arm a s ,Sa lvador, 23 de março de 1827; e Fé de Ofício de Caetano Perei ra , 22 de março de 1827,A PE Ba / S AC P, m .3 3 6 7 . Que donos portugueses que requ eriam a devo lução de escravo seram malvi s tos na Bahia se depreen de do com en t á rio críti co na imprensa sobre um outrocaso, “Reflexões,” O Grito da Razão, 25 de maio de 1825, p. 1.31 Ten en te - Coron el Com a n d a n te , Bri gada de Arti l h a ri a , ao Pre s i den te , Sa lvador, 9 de maiode 1825, BNRJ/SM, II-33, 31, 4, nº 5, doc. 19.3 2An tonio de Souza Lima ao Govern ador das Arm a s , It a p a ri c a , 30 de julho de 1825 (có-pia), APEBa/SACP, m. 3.365.33 Su b del egado ao Ch efe de Po l í c i a , Freguesia de São Ped ro, 27 de julho de 1862. In HAR-D I N G , Rach el E. A Ref u ge in T h u n d er: Candomblé and the Al tern a tive Spa ces of B l a ck n e s s s .Bloomington: Indiana University Press,2000, p. 199. Minha interpretação desse documen-to difere da de HARDING, op. cit., pp. 93-96.34 M ATTO S , Ra i mu n do José da Cu n h a . Repert ó rio da legislação militar atu a l m en te em vi go rno ex é rci to e armada do Im p é rio do Bra s i l . 3 vo l s . Rio de Ja n ei ro : Typ. Im perial e Con s ti tu-cional de Seignot-Plancher, 1834-1842, vol. 1, p. 229.35 Sobre essa po l í ti c a , vi de KRA AY, Hen d ri k .“ ‘The Shel ter of the Un i form’ : The Bra z i l i a nArmy and Ru n aw ay Sl ave s ,1 8 0 0 - 1 8 8 8 .” In Jou rnal of S o cial Hi s to ry, vo l .2 9 , nº 3 ,1 9 9 6 , pp.637-657 (tradução portu g u e s a :“ ‘O abri go da fard a’ : o ex é rc i to bra s i l ei ro e os escravos fu-gidos, 1800-1888,” Afro-Asia, vol. 17, 1996, pp. 29-56).36 O rdem do Di a , Rio de Ja n ei ro, 6 de junho de 1823; Mi n i s tro da Gu erra , Port a ria Ci rc u-lar, 28 de maio de 1824,BNRJ/SM,II-31,35,12, nº 2; Decisão 251,3 de novembro de 1825,CLB.37 Pre s i den te ao Im perador, Sa lvador, 8 de maio de 1824, A N R J / S PE ,c ó d i ce 603, vo l .1 , fo l .66v.38 Fel i s berto Ca l dei ra Brant Pon tes ao Mi n i s tro de Negócios Ex teri ore s , Sa lvador, 12 de fe-verei ro de 1824; Mi n i s tro de Negócios Ex teri ores a Bra n t , Rio de Ja n ei ro, 10 de março de1 8 2 4 . In BRA S I L , MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXT E R I O R E S . Arq u ivo Di pl o m á ti co daIn d epen d ê n ci a. 6 vo l s . Rio de Ja n ei ro : L i t h . - Typ. F lu m i n en s e ,1 9 2 2 - 1 9 2 5 , vo l .2 , p. 8 ; vo l .1 ,pp. 59-60.39 SILVA. Op. cit., vol. 4, p. 179.40 C ô n sul Francês ao Mi n i s tro de Ma rinha e Co l ô n i a s , Sa lvador, 24 de novem bro de 1824,AAPEBa, vol. 39, 1970, p. 168.41 K RA AY, Hen d ri k .“ ‘As Terri f ying as Un ex pected ’ : The Bahian Sa bi n ad a ,1 8 3 7 - 1 8 3 8 ”. InHi s panic Am erican Hi s to rical Revi ew, vo l .7 2 , nº 4 ,1 9 9 2 , pp. 517-518 (versão portu g u e s a :

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“ ‘Tão assu s t ador qu a n to inesperado’ : a Sa bi n ada baiana, 1 8 3 7 - 1 8 3 8 .” In R I G H Ba, vo l .9 6 ,2001, pp. 327-357).42 Pre s i den te ao Mi n i s tro da Gu erra , Sa lvador, 28 de outu bro de 1824, B N R J / S M ,I I - 3 3 ,2 2 ,1 , doc . 2 0 ; G overn ador das Armas In terino ao Pre s i den te , Sa lvador, 24 de novem bro de1824, ibid., II-34, 1, 3, doc. 210.43 TAVA R E S , Luís Hen ri que Di a s . O leva n te dos Peri q u i to s. Sa lvador: Cen tro de Estu do sBaianos, 1990.44 “ E s qu ad r ã o. Relação das praças incorri g í veis (...),” 14 de de zem bro de 1824, B N R J / S M ,I I - 3 4 ,1 ,3 , doc .2 7 ; G overn ador das Armas ao Pre s i den te , Sa lvador, 9 de feverei ro de 1825,A PE Ba / S AC P, m .3 3 6 5 ; 24 de novem bro de 1824, B N R J / S M ,I I - 3 4 ,1 ,3 , doc .2 0 8 ; 2 de ou-tu bro de 1824, A PE Ba / S AC P, m .3 4 6 5 ; Ten en te - Coron el Com a n d a n te , Gu a rda Militar dePolícia, ao Presidente, Salvador, 20 de maio de 1829, ibid., m. 6304.45 “ In s truções (...) para na con form i d ade delas se proceder ao rec rut a m en to (...),” 10 de ju-lho de 1822,CLB; Governador das Armas ao Presidente, Salvador, 6 de julho de 1825,APE-Ba/SACP, m. 3.365.46 “ Relação dos de s ertores dos corpos da 1ª L i n h a , Polícia e Batalhão nº 28 ex ped i c i on á ri ode janeiro de 1825 a março de 1827,” 28 de julho de 1827, BNRJ/SM, II-33, 32, 28.47 “ Mem ó ria de s c ri tiva dos aten t ados da facção dem a g ó gica na província da Bahia con ten-do a narração circ u n s t a n c i ada da rebelião de 25 de outu bro de 1824 (...).” In R I H G B, vo l .34, 1867, p. 316, n. 55.48 A obra clássica é a de QUA R L E S , Ben ja m i n . The Negro in the Am erican Revol u ti o n. Ch a-pel Hi ll , Un ivers i ty of North Ca rolina Pre s s ,1 9 6 1 ;s obre o impacto da guerra na escravi-dão no Su l , vi de FREY, Sylvia R. Wa ter from the Ro ck: Black Re s i s t a n ce in a Revol u ti o n a ryAge. Princeton: Princeton University Press, 1991.49 Vi de SALES DE BO H I G A S , Nu ri a .“ E s cl avos y reclutas en su d a m é ri c a ,1 8 1 6 - 1 8 2 6 .” InSobre esclavos, reclutas y mercaderes de quintos. Barcelona: Ariel, 1974, pp. 59-135.50 Antônio Ma rques de Perdigão Ma l h ei ro, o ju rista da escravi d ã o, não percebeu isso ao es-c rever seu ensaio sobre a escravidão bra s i l ei ra . Su s tenta que “p a ra servi rem na guerra dai n dependência foram escravos com prados e de s a propri ado s ,d a n do-se-lhes porém a liber-d ade”, A escravidão no Brasil: ensaio históri co, j u r í d i co, so ci a l. 2 vo l s . 3ª ed . Petr ó po l i s : Vo-ze s ,1 9 7 6 , vo l .1 , p. 1 0 0 . Como vi m o s , alguns escravos foram liberto s , mas som en te d epo i sde terem servido.51 K RA AY, Hen d ri k . “Sl avery, Ci ti zenship and Mi l i t a ry Servi ce in Bra z i l ’s Mobi l i z a ti on forthe Pa ra g u ayan Wa r.” In Sl avery and Ab ol i ti o n , vo l .1 8 , nº 3 ,1 9 9 7 , pp. 228-256 (versão por-tu g u e s a :“ E s c ravi d ã o, c i d adania e rec rut a m en to militar na Gu erra do Pa ra g u a i ,” Es tu d o sAfro-Asiáticos, vol. 33, 1998, pp. 117-151).52 REIS e SILVA. Op. cit., p. 79.

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Artigo recebido em 01/2001. Aprovado em 10/2001.