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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção

Ministério da Saúde Fundação Osvaldo Cruz

Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães Departamento de Saúde Coletiva

Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva

Exclusão e Prática Asilar: ~ Uso do Sistema de Informações Hospitalares como Evidenciador "' de uma Distorção "'

Recife, março de 2000

1

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/ .'\ Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção

Agradecimentos

Agradeço a meus pais, pelo apoio incondicional. Agradeço ao Professor Antônio Mendes e

à Professora Tereza Maciel, pela orientação e paciência. Agradeço a Eduarda Cesse e Carlos Pontes, pelas puxadas de orelha.

Agradeço a Manoel Moraes, pelo companheirismo. E a todos os que me ajudaram no meio do caminho.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de mna distorção 3

A Flor e a Náusea

"Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse. (. .. )

Uma .flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o a~alto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia Mas é uma flor. Furou o a~alto, o tédio, o nojo e o ódio. "

Carlos Drummond de Andrade (1995)

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-\

Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 4

SÍNTESE DAS TABELAS E QUADROS APRESENTADOS

I -INTRODUÇAO .............................................................................................................. Ol I

1. Af CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA DE SAÚDE NÃO EXCLUDENTE: I sus COMO CAMINH0 ..................................................................................... 02

2. EKCLUSÃO SOCIAL, HOSPITAL E PRÁTICA ASILAR ................................... 08 I ~ I

2il.O HOSPITAL E O ASILO .................................................................................. lO

I -

3. SISTEMA DE INFORMAÇOES HOSPIT ALARES ................................................ l3

4. OBJETIVOS .............................................................................................................. l6

. 5. METODOLOGIA ...................................................................................................... l6 -~

6. RESULTADOS E DISCUSSÃ0 ............................................................................... 20 '

CONCLUSÕES: COMO EXCLUIR A EXCLUSÃ0? .............................................. ~ .... 29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 33

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 5

Tabela 01- Frequência de Internações por FPT e totais por Região -Brasil - 1993 e 1998 .................................................... 27

Tabela 02- Frequência de Internações por FPT e FPT/CP e Totais no sudeste em 1993 e 1998 .............................................. 28

Tabela 03 - Distribuição de Internações por FPT e FPT/CP segundo faixa-etária e sexo nos anos de

1993 e 1998 - Brasil. ..................................................................... : ................... 29

Tabela 04- Frequência de Internações por FPT segundo 1 O maiores capítulos da CID 09 e faixa-etária - 1993 ..................... 31

" Tabela 05- Frequência de Internações por /"'\ FPT/CP segundo 10 maiores capítulos da CID 10 e faixa-etária- 1998 ................ 32

Tabela 06 - Frequência de Internações de FPT segundo diagnóstico e faixa-etária, 1993 e 1998 ........................................... 33

Tabela 07- Frequência de Internações por I

FPT/CP segundo estados, regiões e tipo de prestador, 1998 .................................. ~4

Tabela 08 - Unidades Hospitalares com . percentual de Internação por FPT acima de 60% - 1998 ....................................... ~ 5

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/"'\ Tabela 09- Frequência de Internações por ~ FPT e FPT/CP por Faixa-etária- São Paulo- 93-98 ........................................... ~7

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciado r de uma distorção 6

Esta monografia tem por tema uma questão bastante atual no cenário acadêmico nacional e

internacional nos últimos anos: a exclusão. Questão controversa, motivo de intenso debate entre

intelectuais, por vezes tratada como mero chavão partidário, por vezes tratada como mecanismo de

mascaramento da inversão de prioridades em discursos demagógicos: a exclusão é uma realidade

crescente. Crescente na mesma proporção do avanço da concentração de renda e riqueza, crescente

na mesma proporção da concentração de poder em várias esferas da vida humana.

Torna-se portanto um tema a ser continuamente desbravado e, sempre que possível, trazido à

possibilidade de intervenção institucional e popular.

Por isso esta monografia utiliza como instrumento a potencialidade do banco de dados do

Sistema de Informações Hospitalares (SIH) em evidenciar espaços de exclusão, seja pelo perfil de

acesso ao sistema assistencial de saúde, seja pela demonstração de um quadro de internamentos

revelador de má qualidade de vida .

A proposta foi desenvolvida a partir de estudos anteriores (Mendes et al., 1999) .que

demonstraram um grande peso de internações com diagnóstico Hanseníase ou Tuberculose, e com

utilização de procedimentos específicos para casos crônicos ou de longa duração, o que levou os

pesquisadores a discutirem internações com características asilares desnecessárias. Neste caso, o

problema se evidencia por dois fatores: primeiro a grande viabilidade do tratamento ambulatorial

das duas patologias, sendo incoerente com o grande número de internações de caráter crônico;

segundo, a queda de internações por estes diagnósticos, após portarias que vedaram o uso de

procedimentos crônicos ou de longa duração para estas patologias.

O achado leva à discussão da prática asilar abrangendo todas as patologias, e não apenas

aquelas cujo caráter crônico é mais evidente, como os transtornos mentais ou doenças do sistemas

nervoso.

Este estudo, tem, portanto, a importância de demonstrar incoerências entre o discurso

institucional brasileiro de democratização da saúde e a prática ainda existente de restrição de

acesso, de privatização do espaço público, de remediação improdutiva das graves questões sociais

que afligem o Brasil.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 7

Não se trata de criar mecanismos que comprovem a existência da miséria ou da exclusão

social de grande parcela da população brasileira, pois são situações que se evidenciam mesmo

quando excluídas da mídia e da agenda nacional.

Trata-se de demonstrar as possibilidades de rastreamento, a partir de bancos de dados

acessíveis a qualquer gestor e à população em geral, de situações e estruturas excludentes que

possam sofrer intervenção com vista à adequação aos princípios de Universalidade, Equidade e

Integralidade do Sistema de Saúde.

Desta forma, pretende-se chamar atenção sobre quadros alteráveis a curto ou médio prazo

por meio de políticas institucionais mais efetivas e coerentes com os princípios legais do SUS e

mediante acompanhamento dessas práticas pela sociedade organizada, pela academia e pelo

cidadão.

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. ,

Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciado r de mna distorção 8

"(. .. )Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. "

CDA 1995 As políticas institucionais de saúde no Brasil traçaram, historicamente, perfis assistenciais

bem diferentes do perfil adotado pelo Sistema Único de Saúde. As quatro constituições anteriores à

carta de 1988 (1934, 1937, 1946 e 1967) e que trataram da responsabilidade específica do Estado

sobre a saúde, sempre colocaram a saúde como seguro social ligado a relações contratuais

trabalhistas. Embora descrevam uma trajetória de descentralização das ações em relação aos

municípios, possibilitando certo grau de interferência dos munícipes nessas ações, todas restringem

a ação do Estado ao controle da miséria e das grandes endemias, além de legislar sobre os seguros,

estes sim, assistenciais (Teixeira, 1987).

Como descreve Teixeira:

"Uma breve revisão destas constituições pode mostrar-nos que a legislação sobre a

questão saúde foi de evolução lenta, de natureza vaga e de caráter discriminatório,

Não se alcançou em nenhum momento imprimir na Carta Magna o direito à saúde

como inerente à cidadania e o dever do Estado na garantia do seu gozo."

(Teixeira, 1987;105)

Com a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP's) a partir de 1923 (Lei Eloy

Chaves), dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP's) a partir de 1933 e do INPSIINAMPS em

1966, consolida-se uma estrutura de atendimento a segurados. Contudo, há uma tendência de

expansão de cobertura pelo seguro assistencial brasileiro, na medida em que cresce a interferência e

participação do Estado e em que se viabiliza a ampliação de sua lógica de acumulação monetária .

Esse fato é bem característico no período autoritário militar, em que há, durante a década de setenta,

inclusão de trabalhadores rurais, empregadas domésticas e trabalhadores autônomos

(Teixeira,1987). Há, ao mesmo tempo, uma crescente pressão pela universalização do acesso à

saúde.

Tais alterações representam, contudo, um grande aumento do desvio de recursos do

financiamento da assistência médica para outras ações governamentais e o crescimento da rede

hospitalar privada, estimulada pelo governo federal (Oliveira e Teixeira, 1989), significando "( ... )

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciado r de mna distorção 9

uma maior priorização da medicina curativa-hospitalar individual em detrimento da Saúde Coletiva

e grande investimento, com pesados incentivos estatais, na formação e consolidação da rede privada

de assistência médica, contratada pelo sistema previdenciário." (Duarte, 1998)

O desenvolvimento da rede assistencial brasileira responde, portanto, a uma lógica

empresarial de cunho hospitalocêntrico. Embora exista o discurso de que houve desenvolvimento

insuficiente tanto na assistência hospitalar quanto na atenção primária, como Jatene (1989), citando

dados do CONASS demonstradores de uma baixa relação leitos/população no Brasil em relação aos

Estados Unidos e União Soviética, fica claro que a prioridade na esfera das políticas públicas foi

dada ao desenvolvimento dos hospitais, particularmente os privados.

A respeito desse desenvolvimento do setor privado no país, Luz (1991) chega a falar da

"chegada de um novo ator político sobre a cena da saúde. (. .. ) o empresário da medicina" da

obstacularização da ampliação do papel do Estado na saúde, por uma "estrutura privada solidamente

construída durante os anos setenta". E ainda que "a rede privada chegou a ser financiada em mais de

80% pelo Estado".

A partir de meados da década de setenta e durante a década de 80, cresce, no bojo dos

movimentos de organizações populares, da efervescência de formulação intelectual influenciada

pela Reforma Sanitária Italiana, e pelo acúmulo teórico de discussões conduzidas anteriormente ao

golpe de 64, o Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira.

Dela fala Arouca:

"A reforma sanitária é parte do conjunto de uma mudança social. Esse conjunto

pressupõe a recuperação da cidadania, o seu pleno exercício, o direito de expressão,

de livre manifestação e organização, sempre no sentido deste país se firmar como

uma nação de cidadãos( ... )" Arouca (1988; 02)

O mesmo autor se refere ainda à reforma sanitária como um processo de transformação de

uma dada situação sanitária, esta composta por quatro dimensões básicas: 1) A dimensão específica

da dinâmica do processo saúde/doença; 2) A dimensão institucional das políticas públicas e da ação

de instituições de saúde (públicas ou privadas); 3) A dimensão ideológica dos valores, juízos,

concepções e representações historicamente construídas numa dada situação sanitária; e 4) A

dimensão das relações produtivas e sociais, historicamente construídas numa sociedades e que

conformam situações de maior ou menor vulnerabilidade ao fenômeno saúde/doença.

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Para interferir nessas quatro dimensões, o Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira

pretendia que, a partir da promulgação da constituição de 1988 (a Constituição Cidadã) com o

reconhecimento de vários direitos sociais, incluindo a saúde, e com a mobilização de vários

movimentos e pressão popular por políticas articuladas, se iniciasse um processo de real

transformação da situação sanitária do país.

A dimensão institucional, no seu componente de políticas públicas "puxava" essa batalha, a

partir de duas questões básicas:

1. O reconhecimento do acesso à saúde como "direito de todos e dever do Estado"(Brasil, 1988),

rompendo com a política institucional de seguros sociais;

2. A criação do Sistema Único de Saúde, precedido das propostas experimentais/transitórias do

Sistema Unificado Descentralizado de Saúde (SUDS) e das Ações Integradas de Saúde (AIS).

A Lei Orgânica da Saúde, n° 8.080 de 19 de setembro de 1990, reflete claramente essa

proposta de mudança. No seu artigo 5° reconhece o estado de saúde como expressão de "qualidade

de vida, pressupõe condições econômicas e sociais favoráveis ao bem-estar do indivíduo e

coletividade" (Carvalho e Santos, 1995). E acrescentam os autores:

"( ... )a integração da assistência e da prevenção indica a orientação imanente no SUS

de não separar as duas modalidades de proteção à saúde, principalmente depois de se

presenciar os resultados negativos da priorização da assistência médico-hospitalar em

detrimentos das medidas de prevenção da doença e dos riscos de agravo à saúde

individual e coletiva, expressos em gastos vultosos na aquisição de serviços do setor

privado, construção e instalação de hospitais e no aumento real da demanda por

serviços assistenciais." (Carvalho e Santos, 1995; 70).

Também é interessante registrar a ressalva que Carvalho e Santos fazem da inclusão no

campo de atuação do SUS da "assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (artigo 6° ,

Lei 8.080/90)."

A mesma lei descreve a integralidade como "entendida como um conjunto articulado e

contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada

caso em todos os níveis de complexidade do sistema".

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r--,

Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciado r de uma distorção 11

Tal definição legal propõe que o sistema de saúde corresponda a uma concepção da saúde

como "condição integral de estar bem: ter condições reais ou potenciais para o exercício de uma

vida plena e digna. De ser sujeito de sua própria existência e poder superar os danos e alterações em

seu próprio corpo." (Pitta e Meira, 1991; 84)

Pode-se, então, observar que desse princípio já se encontram excluídas todas as pessoas que

não dispõem dessas "condições reais ou potenciais" entendidas como as condições de vida mais

imediatas: acesso à moradia, à água, ao trabalho, à educação, ao transporte, à alimentação diária

necessária, etc. O "ser sujeito de sua própria existência" e a superação de problemas de saúde estão

implicados em uma rede de necessidades menos imediatas, mas igualmente pressupostos de uma

cidadania inexistente, que são o acesso às políticas públicas assistenciais e à liberdade/autonomia no

enfrentamento das pressões política mantenedoras do status quo.

Tratando da Integralidade especificamente nas Políticas de Saúde, Pitta e Meira discutem a

ação educativa oficial e o papel da mídia como componentes de acesso/exclusão ao sistema

assistencial e da construção de uma consciência sanitária no país, ou seja, como potenciais

instrumentos de interferência na dimensão ideológica da situação sanitária do país, de que nos fala

Arouca (op. cit). Demonstram, através de amostras de peças publicitária e programas televisivos,

que o discurso institucional da integralidade tem se baseado em ações de propaganda preventivista

que culpabiliza as pessoas e individualiza o processo saúde doença. Além de não contribuírem para

a construção de uma consciência sanitária individual e coletiva, tais propagandas não se contrapõem

ao discurso massivo na mídia de depreciação do Sistema Público de Saúde e da saúde como

produto de consumo, criando fantasias de acesso mágico à cura, através de medicamentos

milagrosos. Paralelamente, nem os canais públicos de informação e muito menos os privados

informam sobre os mecanismos de acesso à assistência à saúde, gerando exclusão pela

desinformação dos potenciais de atendimento da rede pública. Concluem as autoras:

"Assim, enquanto o Ministério da Saúde alerta para o risco da doença ou do

agravo à saúde, responsabilizando o cidadão pelos cuidados na prevenção e na cura,

culpabilizando-o de sua doença, a rede pública de serviços de assistência médica se

omite, não "concorre" na mídia, e os serviços são oferecidos pelas empresas médicas.

(Pitta e Meira, 1991;91)"

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Desta forma, o setor público desacreditado e desconhecido da população abre espaços para o

crescimento da assistência privada, que exclui os impossibilitados de pagamento dessa assistência e

prioriza os atendimentos que gerem lucro. E ainda contribui para o processo de estigmatização do

doente, ao fazê-lo sentir-se culpado pelo seu estado.

A integralidade fica, então, também comprometida em suas bases pelo descumprimento do

artigo VII da Lei Orgânica da Saúde, que determina a divulgação de informações quanto ao

potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelos usuários (LOS, art. 7. VI) e pela não

interferência na deturpação de valores que influem no estado de saúde, via mídia.

Na busca da conquista desse tipo de atenção integral e da transformação das dimensões

ideológica e específica da situação sanitária, a Constituição define um sistema nacional de saúde

que submete tanto a rede pública quanto a privada, conveniada ao SUS, à gestão única nas três

esferas de governo (municipal, estadual e federal), sob controle social e conduzidas por princípios e

diretrizes estabelecidas na própria constituição e regulamentadas na lei orgânica de saúde.

Além dos princípios da Universalidade, com garantia de acesso a todos às ações de

promoção e assistência à saúde, da Equidade e da Integralidade, o artigo 7° da lei 8.080/90- cita

também a "Preservação da autonomia da pessoa na defesa de sua integridade fisica e moral."

Sobre isso Carvalho e Santos escrevem: "Este princípio é um desdobramento do princípio

mais amplo da dignidade da pessoa humana( ... )" que segundo Sérgio Ferraz (1991,apud Carvalho e

Santos, 1995) "nos obriga a um compromisso inafastável: o do absoluto e irrestrito respeito à

identidade e à integridade de todo ser humano". 1

Carvalho e Santos (1995), interpretam ainda que no texto legal AUTONOMIA significa "o

poder de autodeterminação do indivíduo, correspondendo ao poder público o dever de respeitar os

sentimentos, as convicções, o temperamento, o modo de pensar, enfim, do indivíduo no tocante às

alternativas de assistência médica postas à sua disposição ( ... ) desde que não lhe venha a causar

danos, ou à comunidade."

As considerações tecidas até agora têm o intuito de configurar o tipo de Modelo

Institucional que se buscou conceber para a Saúde, bem como a agenda construída inicialmente e as

que foram se estruturando para o setor.

1 O autor, Sérgio Ferraz, ao fazer o comentário discute especificamente a problemática da manipulação de material genético humano sem autorização do paciente, porém considero o comentário expressivo para a discussão da internação asilar.

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Nesse sentido, o "apanhado" já realizado projeta um modelo de ruptura com a estrutura

hospitalocêntrica consolidada no país. Um modelo que, respeitando as diferenças regionais e opções

locais, prima pelo desenvolvimento de políticas intersetoriais de promoção da saúde, e da rede

básica de saúde. Busca-se assim evitar a internação hospitalar, limitando-a aos casos em que apenas

,....-.,., ela fornece a resolutividade exigida pela terapêutica, e preservando a "autonomia e integridade

\ moral do indivíduo".

Contudo, embora a dimensão institucional da estrutura sanitária do país esteja fundamentada

em uma legislação que provoca essa ruptura com o modelo hospitalocêntrico, e exista um discurso

consolidado da importância da atenção primária e básica, o que se percebe no Brasil é a

permanência da estrutura hospitalar como centro do sistema de saúde, tanto para a população como

em termos de gastos no sistema. Carvalho (1993) relata que ainda se percebe no país a

" .. .influência do relatório Flexner, que referendou o modelo hospitalocêntrico de

assistência à saúde. Inúmeras experiências como o PIASS e projetos como o

natimorto PREVSAÜDE não chegaram a abalar o modelo hegemônico. ( ... )Nesse

sentido, a história das instituições de saúde no Brasil é a história da dicotomia entre a

prestação de serviços de alcance coletivo versus a assistência curativa ao indivíduo."

O autor lembra ainda que a não ampliação da assistência básica de forma proporcional à

demanda gerada pela universalização do atendimento, não apenas manteve o estrangulamento da

estrutura hospitalar e assistencial como um todo, como promoveu o que se passou a chamar de

universalização excludente. Esta nada mais é que a transferência para a assistência privada da

parcela da população que compõe a classe média e concentração no SUS da parcela mais pobre da

população, que não tem acesso ao atendimento privado (Carvalho, 1993).

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciado r de uma distorção 14

"(. . .)Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me?(. .. )"

CDA 1995

Na discussão sobre exclusão social, um ponto de partida das reflexões teóricas tem sido a

inserção do indivíduo na estrutura produtiva da sociedade. Castel (1994), no artigo "Da indigência,

à exclusão, a desfiliação" discute o que chama de "desfiliação", ou seja, situação de processo

dinâmico de exclusão, fazendo referência à fragmentação do tecido social provocada pela

instabilidade de trabalho a que era submetida uma parcela bem definida da população européia na

idade média: os atuantes em trabalhos temporários; e comenta que "é por meio da instabilidade do

trabalho que se desagrega um dos fundamentos da integração social - certamente não para todo

mundo, mas para uma faixa da população que deixou de ser [apenas] marginal ou residual".

Acrescenta à instabilidade do trabalho a mobilidade incontrolada e quebra de liames sociais, como a

desestruturação familiar, contudo considerando estes fatores como frutos dessa instabilidade do

trabalho. Em recente revisão sobre o assunto, o mesmo autor reforça o termo desfiliação, como

substituinte de exclusão, por considerar este último muito estático, pouco processual (Castel, 1998)

Ressalta-se que as grandes mudanças na esfera do trabalho impõem uma rediscussão dos

conceitos de exclusão apenas como não inserção na esfera produtiva. Primeiro porque o

desemprego estrutural amplia de forma jamais vista a parcela da população sem acesso ao trabalho,

e segundo porque a fragilização e flexibilização da relação trabalhista, além da exacerbação da

concentração de renda e riqueza, introduz os componentes de miséria e exclusão dentro do próprio

universo de trabalhadores. Como diz Benjamin et al. (1998): "Não há mais bolsões isolados de

miséria, e nem a pobreza decorre necessariamente da inserção profissional das pessoas em

atividades de baixa produtividade. Hoje os pobres se espalham por todos os setores da economia,

inclusive entre servidores públicos e os empregados de empresas privadas modernas."

Dessa forma, além de não poder mais ser considerada "residual", essa crescente parcela da

população reflete uma forma de pobreza onde há uma diferenciação de valores: Se, como afirma

Wanderley (1999), "na verdade, existem valores e representações do mundo que acabam por excluir

as pessoas", no caso da pobreza material isso se consubstancia na inversão de valores relativas à

mesma. Castel (1998) lembra que se herdou da idade média uma valorização da pobreza como

garantidora de salvação espiritual, fortemente revestida de dignidade. Contudo, com o crescimento

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 15

do modelo neoliberal e o fim da ilusão de que a pobreza poderia ser temporária, o crescimento da

parcela miserável da população, a pobreza tem passado a representar o marginal, o ameaçador, o

bandido (Castel, 1998;Nascimento,1995 apud Sawaia, 1999), ou como coloca José de Souza

Martins : "o discurso redutor do caráter redentor da pobreza digna já não comove nem convence". (

Martins,1997 apud Sawaia, 1999)

Demo (1998), a afirma que "a carência material é a casca externa da desigualdade social,

cuJO cerne está na 'pobreza política"', referindo que o combate à exclusão está vinculado à

reinvenção da cidadania do excluído. Desta forma, ao mesmo tempo em que questiona o termo, por

considerá-lo indicador de uma parcela da população cuja existência é intrínseca à forma de

desenvolvimento existente, o autor amplia o conceito de exclusão, incorporando o contexto

dialético das contradições do sistema em vários níveis, não apenas o econômico. A exclusão passa a

permear, então, várias parcelas da sociedade e não apenas a mais miserável e menos inserida na

esfera produtiva.

Visão semelhante demonstra Sposati (1996), que em um mapa da situação de exclusão na

cidade de São Paulo, trabalha com seis dimensões da exclusão: a estrutural, representativa da não

integração no mercado de trabalho; a absoluta, decorrente da situação de miséria real; a relativa,

indicativa da exclusão de parcelas da população submetidas a condições de pobreza, mas ainda não

miseráveis; a exclusão da possibilidade de diferenciação, relacionada ao grau de aceitação de

minorias pela sociedade; a de representação, que seria a capacidade de determinado grupo, de gerar

demandas sociais; e a exclusão integrativa, representando políticas de integração social de cunho

excludente. A autora, inclusive, sempre trabalha a relação exclusão-inclusão, também buscando

construir uma visão processual do problema.

Outra consideração interessante do trabalho de Sposati é que a autora ressalta a questão da

apartação social, proposta inicialmente por Cristovão Buarque (1993 apud Sawaia, 1999), ou seja,

o crescimento da desigualdade como gerador de uma naturalização da situação desigual, e

conseqüente adaptação dos grupos sociais. Esta naturalização seria, portanto, responsável pela

expansão do processo de exclusão social, ao tomá-la uma forma contundente de intolerância social.

Ao se chegar, neste texto, a uma noção ampliada de exclusão, que agora transcende a

questão econômica e que se toma processual e dialética, expressão de relações sociais e políticas, o

próximo passo é incorporar a discussão da afetividade, que "nega a neutralidade das reflexões

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,.....\

Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Ilúonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 16

científicas sobre desigualdade, permitindo que, sem que se perca o rigor teórico-metodológico,

mantenha-se viva a capacidade de se indignar com a pobreza. "(Sawaia, 1999)

A autora continua:

"Perguntar por sofrimento e por felicidade no estudo da exclusão é superar a

concepção de que a preocupação do pobre é unicamente a sobrevivência e que não

tem justificativa trabalhar a emoção quando se passa fome. Epistemologicamente,

significa colocar no centro das reflexões sobre exclusão a idéia de humanidade e

como temática o sujeito e a maneira como se relaciona com o social (família,

trabalho, lazer e sociedade), de forma que, ao falar de exclusão, fala-se de desejo,

temporalidade e de afetividade, ao mesmo tempo que de poder, de economia e de

direitos sociais. A exclusão vista como sofrimento de diferentes qualidades

recupera o indivíduo perdido nas análises econômicas e políticas, sem perder o

coletivo." (Sawaia, 1999)

"Recuperar o indivíduo" significa aqui que, ao introduzir a questão da afetividade, introduz­

se também o corpo do sujeito, "até então desencarnado e abstrato, nas análises econômicas e

políticas". (Sawaia,1999) Desta forma, refere-se que a perda da autonomia sobre o corpo é também

geradora de sofrimento e de sentimento de exclusão no espaço das relações humanas, assim como o

sofrimento e sentimento de exclusão alteram a relação positiva com as afecções humanas, tomando

o indivíduo submetido à doença e todo o peso que ela tem sobre sua afetividade.

Concordando com essa visão ampliada de exclusão, na questão da saúde, os mecanismos de

exclusão teriam na miséria/pobreza material um forte componente de sua reprodução, ao gerar

situações de comprometimento da integridade fisica e de maior vulnerabilidade a doenças e

agravos, mas teria na miséria política a garantia da sua manutenção pela quebra dos vínculos sociais

e sentimento de impossibilidade de ação transformadora pelo indivíduo e coletividade.

Assim, o Hospital com características asilares teria o papel de reprodutor desses mecanismos

de exclusão por fragilizar os vínculos sociais e afetivos, manter o processo de estigmatização do

doente e de ausência de autonomia do indivíduo. Além de afastá-lo das já pequenas possibilidades

de inserção no mercado de trabalho.

Junte-se a isso, o fato de que historicamente há o imaginário de que o doente, juntamente

com o idoso e a criança, foram considerados como desfiliados/excluídos com quem a sociedade

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 17

teria obrigações de acolhimento e tutela. Porém, com o crescimento da exclusão e o

desenvolvimento da idéia de que a sociedade deve se desobrigar de ações sociais paternalistas, seja

por conta do modelo de Estado-mínimo, seja pela exacerbação do individualismo, essa idéia já não

é tão forte nas sociedades, contribuindo para a naturalização da exclusão.

"(. .. )0 tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. " CDA 1995

Em Foucault (1979), encontra-se a descrição do surgimento do Hospital como local de

depósito/isolamento de doentes e não de cura, esta última seria descrita pelo autor como

essencialmente extra-hospitalar. Esse caráter de exclusão associado à doença sempre esteve

presente na história das práticas médicas em manifestações diferentes e tempos históricos

diferentes para cada doença. A idéia de uma punição por erros cometidos ou da doença associada a

classes sociais ou à personalidade do indivíduo, aliada ao desconhecimento da doença (sua etiologia

e sintomatologia) reforçaram e reforçam a prerrogativa de isolamento conferida aos doentes, em

maior ou menor grau (Sontag, 1984).

Foucault continua sua descrição das origens do hospital afirmando que "é a introdução dos

mecanismos disciplinares no espaço confuso do hospital que vai possibilitar sua medicalização". É,

portanto, a necessidade de racionalização econômica, o desejo de evitar a disseminação de

epidemias e o desenvolvimento da ciência disciplinar, que transformam o hospital num lugar de

cura. Nele, passam a ocorrer a clínica individualizada, a observação de fenômenos comuns à

população e a formação do médico. Posteriormente, num período situado por Ribeiro (1993) como

o da criação dos Estados Monárquicos, o hospital se especializa e desenvolve sua tecnologia

curativa, centralizando a antiga prática médica extra-hospitalar. (Foucault, 1979)

No Brasil, desde o início da colonização foram criadas estruturas hospitalares, sendo a Santa

Casa de Misericórdia de Santos fundada em 1565 e considerada o primeiro hospital do Brasil

(Castelar, Mordelet e Grabois, 1995). Esses primeiros hospitais, de cunho religioso, se aproximam

das características descritas por Foucault para os primeiros hospitais da Europa. Na década de 1970-

1980, como já citado, há um grande crescimento de unidades privadas hospitalares, rompendo com

o modelo das Santas Casas, estas mais voltadas ao cuidado dos pobres e menos passíveis de

obtenção de grandes lucros.

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r--, \

Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como e\'idenciador de uma distorção 18

Nesse modelo em crescimento, a prática asilar se desenvolve inicialmente nos preventórios,

leprosários e hospícios. Os dois primeiros, desenvolveram-se já nas Santas Casas e se tornaram

oficiais e com estrutura própria no período republicano.

Os preventórios foram criados para abrigar pessoas sadias, parentes de doentes que julgava­

se potenciais transmissores da doença, não sendo assim estruturas classicamente hospitalares. Já os

asilos ou lazaretos, cumpriam a função de tratamento e abrigo de doentes. Havia ainda os

dispensários, utilizados para o acompanhamento ambulatorial, ou na forma de hospital dia, de

doentes em tratamento por Hanseníase e Tuberculose. (Telarolli, 1996)

Atualmente, embora oficialmente não existam mais preventórios, ocorre da incorporação por

parte de estruturas asilares, do internamento de pessoas cujo acompanhamento poderia ser

doméstico, como idosos e sequelados de paralisias cerebrais, fazendo dos asilos estruturas cada vez

menos terapêuticas. (Telarolli, 1996)

Os hospícios têm origem mais tardia, no Brasil. O primeiro hospício data de 1852, o

Hospício de Pedro II, inaugurado na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, e administrado pela Igreja. Até

então, "os loucos" ficavam espalhados nas Santas Casas, ou conviviam nas ruas. Com a

proclamação da República, o Hospício Pedro II passa ao controle do poder público e novas

unidades são criadas, sempre geridas pelo governo. Durante o início do século e até o pós-guerra, há

um significativo crescimento da psiquiatria, que a partir da década de 60 começa a se fortalecer no

setor privado da saúde. Paralelamente, uma série de Reformas Psiquiátricas, ocorridas na europa,

influencia as discussões brasileiras, gerando um movimento de desospitalização e diminuição da

prática asilar, hoje em andamento. (Amarante, 1994)

Goffman (1961) cita os asilos como integrantes do que ele chama de "instituições totais",

que seriam instituições fechadas com um desenvolvimento interno separado do externo, e que, entre

outras características, é caracterizada pela mortificação do eu, da supressão do indivíduo em favor

de um coletivo a ser moldado de acordo com os dirigentes dessas instituições.

Neste trabalho, considera-se a prática asilar como não exclusiva do tratamento psiquiátrico,

mas como toda e qualquer prática de internação de longo prazo, que por isso mesmo restringe a

autonomia do indivíduo, altera sua prática cotidiana e sua inserção social, independentemente do

diagnóstico que gerou essa internação.

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F'.

Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 19

A introdução de novas missões para a instituição hospitalar, que após a Revolução Industrial

passa a ser local também de manutenção da força de trabalho e, posteriormente, passa a ser local de

conquista de clientela para novas formas de consumo, faz com que as unidades privadas passem a

disputar fortemente as internações asilares.

Sobre isso fala Ribeiro {1993):

( ... )"Essa missão [de venda de tecnologias médicas], por sinal, tende a ganhar cada vez mais

proeminência, na medida em que a clientela hospitalar toma-se, prevalentemente idosa e excluída

do mercado de trabalho, e o tratamento de suas doenças sendo, em si mesmo, meios de reprodução

do capital." (Ribeiro, 1993)

Contudo, a implantação do Sistema Único de Saúde e a instituição da saúde como direito

universal, a partir da constituição de 1988, impõem uma nova lógica na saúde com a revisão do

papel do hospital como local de garantia de atendimentos mais complexos e não como centralizador

de toda a assistência à saúde. O rompimento institucional com o modelo hospitalocêntrico responde

a debates antigos, fortalecidos pelo próprio estrangulamento do hospital como instituição curativa,

dado seus altos custos e pouca resolutividade diante da complexificação do quadro epidemiológico

do país. Paralelamente, as resoluções da Conferência da OMS em Alma Ata, preconizam o

" privilegiamento das ações de promoção (em toda a sua interdisciplinaridade ), prevenção e

" assistência básica, sem detrimento das ações de maior complexidade, características prioritárias

r-.

do hospital.

Nesse sentido, os hospitais com características asilares contribuem tanto com a ampliação

de mecanismos de exclusão ao perpetuar posturas estigmatizantes em relação aos doentes e ao

contribuir com os fatores de desfiliação do indivíduo (distanciamento da família, impossibilidade de

trabalhar, cerceamento da autonomia, baixa da auto-estima, fragilização pelo medo da morte, etc.),

como evidenciam uma situação de exclusão já existente, ao demonstrar que os pacientes asilares

não tiveram, em grande parte, acesso aos níveis mais básicos de atenção à saúde, principalmente no

caso de doenças de fácil controle ambulatorial.

Assim, a existência de estruturas hospitalares asilares nos introduzem a discussão da real

situação de cumprimento de um dos princípios básicos da nova lógica da saúde: a Integralidade da

atenção. E, além disso, demonstram a permanência de uma estrutura social segregadora, em que a

existência de processos de exclusão/inclusão já está banalizada e mesmo incorporada a novas

lógicas mercantis (lucratividade imediata com a exclusão).

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 20 ----~~~--~----~--~~----------~--~------------------------~----

O banco de dados utilizado no estudo, o Sistema de Informações Hospitalares (o SIH), foi

criado em 1976 com o objetivo de realizar o pagamento de serviços hospitalares às unidades

contratadas, tinha então o nome de Sistema Nacional de Controle e Pagamento de Contas

Hospitalares (SNCPCH), e caracterizava-se pelo ressarcimento ato a ato, mediante apresentação de

fatura pelo Hospital e comparação com parâmetros de produção preestabelecidos. (Leucovtiz e

Pereira, 1993)

Em 1981, o sistema foi aprimorado, pois continha falhas e brechas para majoração das

faturas, e substituído pelo Sistema de Assistência Médico Hospitalar da Previdência Social

(SAMHPS), de forma experimental em Curitiba. A partir de 1983, o novo sistema foi estendido,

gradualmente a todos os estados da federação. Esta nova versão introduzia o pagamento por

procedimentos com valores fixos (e não mais ato a ato), baseando-se no "conceito de valores

médios globais atribuídos aos procedimentos aceitos normativamente como realizáveis pela rede de

assistência Hospitalar." (Leucovitz e Pereira, 1993)

A partir de janeiro de 1991, com a regulamentação do Sistema Único de Saúde, o SAMHPS

passou a se chamar Sistema de Informações Hospitalares - SIH. Embora, tenha incorporado novas

tecnologias e aprimorado seus sistemas de controle, a lógica do SIH permanece a mesma do

SAMHPS.

O Sistema então, não apenas se apnmorou como foi ampliando sua rede hospitalar.

Inicialmente controlava apenas os hospitais contratados, depois o sistema englobou as unidades

filantrópicas e beneficentes (1986), universitárias (1987) e por fim as públicas (1991), constituindo

valioso banco de dados sobre os serviços hospitalares nacionais.

"O formulário usado pelo SIH é a Autorização de Internação Hospitalar- AIH -,distribuída

mensalmente às secretarias Estaduais de Saúde, de acordo com o quantitativo estipulado para o

estado, que desde 1995 é o equivalente a 9% da população residente em um ano, estimada pela

Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - FffiGE." (Lessa, 1998)

Existem dois tipos de AIH, de acordo com a necessidade da internação: a AIH tipo 1, ou

AIHNormal, e a AIH tipo 5, ou AIH de Longa-Duração. A AIH tipo 1 tem duração máxima de 107

dias e contém o número que identifica a autorização da internação, identificação do paciente,

registro dos procedimentos realizados, serviços de diagnose e terapia e código da doença.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 21

(Carvalho, 1997) A Alli tipo 5 é utilizada para pacientes crônicos e psiquiátricos, neste casos "a

cobrança do primeiro mês é realizada através da Alli tipo 1 e nos cinco meses subsequentes pode

ser efetuada mediante apresentação de Alli tipo 5. No sétimo mês, se perdurar a internação, será

obrigatoriamente emitida nova A1H tipo 1" (Pereira e Leucovitz, 1993; 31)

No Sistema de Informações Hospitalares, são registrados mais de 80% das ações

assistenciais do país: só em 1997 foram 11.772.367 internações. Contudo, o SIH tem sido

historicamente alvo de criticas pela existência de fraudes e desvios do sistema, que tornariam pouco

confiável sua utilização epidemiológica e para análise da rede assistencial. Inúmeras mudanças já

foram instituídas nesse sistema, com o intuito de superar as distorções, e há uma tendência, com o

surgimento de estudos direcionados a isso, de potencializar seu uso para a análise epidemiológica e

da estrutura assistencial do Brasil. (Mendes, 1998)

Apesar da identificação de falhas no sistema, o SIH tem sido, tradicionalmente, utilizado

como subsídio ao Controle e Avaliação da assistência hospitalar prestada pelo SUS. Os dados de

internações hospitalares estão disponíveis com uma defasagem de tempo de apenas dois meses, o

que possibilita agilidade na identificação e correção de distorções pelos gestores.

Para a epidemiologia, o SIH tem sido pouco utilizado, limitado a citações em descrições

epidemiológicas, tendo, contudo, grande espaço para a sua potencialização. As variáveis

disponíveis para o SIH se agrupam em 5 categorias, como descreve Lessa (1998):

"1. Identificação da AIH, contendo número e caracterização do órgão gestor que emitiu o

documento; 2. Caracterização da Internação, contendo identificação do paciente,

procedimento autorizado, nome e cadastro de pessoa fisica- CPF- dos médicos responsáveis

pela emissão do documento e pela internação do paciente, tipo de admissão, campos

específicos para preenchimento nos casos de acidente de trânsito e a data de emissão do

formulário (AIH); 3. Caracterização de procedimentos especiais que impliquem o

pagamento de valores adicionais aos estabelecidos na tabela, como uso de UTI e insumos

especiais; 4. Caracterização de serviços profissionais, com informações detalhadas sobre os

procedimentos médicos exames e terapia realizada; 5. Caracterização da assistência

prestada, contendo nome e CGC do hospital, data de admissão e alta, motivo da alta e

registro de eventual óbito, diagnóstico primário e secundário da internação e o registro do

principal procedimento realizado. O diagnóstico primário ou principal é definido como o

que após a alta do paciente é identificado como o que melhor justificou a internação."

(Brasil apud Lessa, 1998)

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 22

Chamamos atenção para a compreensão das informações contidas na Alli e que serão mais

utilizadas neste estudo: Capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID), Diagnósticos e

Procedimentos. Cada capítulo da CID representa a agregação de vários diagnósticos que compõem

um mesmo grande grupo de causas de morbidade. Por exemplo, o Capítulo I de Doenças

Infecciosas e Parasitárias engloba vários diagnósticos: tuberculose, hanseníase, dengue,

esquistossomose, etc. Para cada Diagnóstico vários Procedimentos podem ser realizados.

Uma AIH dispõe de um diagnóstico e de um procedimento correspondente a ele. Exemplo:

um paciente pode ser internado com Diagnóstico Hanseníase e Procedimento Hanseníase, ou

Procedimento Amputação de Membro, ou ainda Procedimento Fora de Possibilidade Terapêutica,

ou qualquer outro procedimento, mas para aquele determinado Diagnóstico apenas um

Procedimento será registrado na AIH.

Com a informatização do sistema, novas perspectivas de utilização para programação e

gestão e para a epidemiologia estão se abrindo para o SIH. Contudo, além dos problemas de falhas

no preenchimento dos dados da Alli, o sistema permanece não identificando as reinternações. Esse

problema tem sido contornado pela opção de investigação das Alli's tipo I ou normal, excluindo-se

da análise as Alli's tipo 5, pois estas caracterizam internação crônica ou de longa duração, sendo

utilizadas (quando necessário) após a primeira internação pela Alli tipo I.

Ainda assim, algumas AIH's tipo I podem representar renovação da AIH de admissão do

paciente, com cobrança de maior permanência. Em estudo recente esse problema foi contornado

com a exclusão das AIH's tipo I que tenham procedimento para caso crônico ou com tipo de

cobrança para Permanência. Esse cálculo permitiu concluir com o número de casos novos para

Hanseníase e Tuberculose (Mendes, I998).

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Apontar a existência de estruturas asilares na assistência hospitalar brasileira, buscando a

evidenciação de espaços de exclusão social, nos anos de 1993 e 1998.

1. Descrever o comportamento dos internamentos asilares, identificando particularidades quanto às

variáveis sexo, idade, tipo de prestador, diagnóstico, espacialização por regiões e estados do

país ;

2. Identificar estruturas hospitalares com características asilares no país;

3. Apontar a potencialidade do uso dos bancos dados assistenciais para evidenciar o

comportamento de estruturas asilares no país.

Foi realizado um estudo exploratório de bancos de dados primários do Sistema Único de

Saúde, o Sistema de Informações Hospitalares, tendo sido analisado o universo de internações

hospitalares no período de 1993 e 1998. Dessa forma, o estudo realizou uma análise do

comportamento das internações consideradas asilares, realizando uma distribuição no tempo e no

espaço, na medida em que busca as relações de espacialidade da informação. A área pesquisada foi

o Brasil, regiões e estados, particularizando o caso do Sudeste que em estudos anteriores (Mendes et

al., 1998) demonstrou concentrar a maior parte das internações crônicas do país.

Para a análise do período foram utilizados os anos extremos: 1993 e 1998. O ano de 1993 foi

escolhido para início do período de análise por apresentar incremento do banco de dados em

relação a períodos anteriores, dado que houve incorporação de unidades hospitalares pelo Sistema

AIH. Já o ano de 1998 foi escolhido por ser o ano mais recente em que se dispunha de todo o banco

de dados, além da característica de apresentar alterações na freqüência de internações por FPT,

devido a normatização ministerial. As tabelas de 01 a 07 e foram elaboradas para os dois anos (93-

98), com o intuito de ressaltar semelhanças e mudanças de comportamento. As tabelas 08 e 09

foram elaboradas apenas para o ano de 1998, com o objetivo de identificar o comportamento mais

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 24

recente quanto ao tipo de prestador que vem internando por FPT e quanto a evidenciação de

estruturas asilares.

Por conta de sua característica de procedimento para pacientes crônicos/longa duração, foi

definido o procedimento de Atendimento a Pacientes Fora de Possibilidade Terapêutica (FPT), em

1993, e acrescidos todos os procedimentos de Cuidados Prolongados, em 1998, como indicadores

de assistência asilar.

A coleta do dado foi realizada através da exploração dos bancos de dados produzidos pelo

Sistema de Informações Hospitalares (SIH) para as internações hospitalares. Os arquivos

explorados foram os de Autorização de Internações Hospitalares (AIH) reduzidos

(RDUFAAMM.dbc) produzidos pelo Slli, disponíveis em CDROM, sendo explorado através do

tabulador de dados para WINDOWS (TABWIN 1.2), ambos produzidos pelo DATASUS.

Como o objetivo não era selecionar casos novos, mas visualizar todas as internações por

FPT e FPT/CP, foi selecionada a freqüência de internações sem diferenciar as AIH's tipo 1, ou

normal, da tipo 5, ou de longa duração/FPT. Inicialmente fizemos tabulações exploratórias para o

ano de 1993, a partir do que estabelecemos as variáveis que permitiriam uma melhor discussão da

prática asilar. Em seguida, repetimos as tabulações selecionadas para o ano de 1998.

No processo de análise, foram usados como indicadores á freqüência absoluta, em alguns

casos freqüência percentual, e valores gastos, buscando identificar a magnitude do problema. Os

dados foram apresentados na forma tabular, de maneira a facilitar a compreensão da análise.

As variáveis estudadas foram:

Procedimentos Considerados Asilares:

Foram utilizados para os dois anos os procedimentos FPT, que possuem dois códigos, um

pediátrico (85300705) e outro clínica médica (85500704). Não foi encontrada referência a uma

portaria criadora destes procedimentos, existe, porém, uma tradição em considerar esses

procedimentos como procedimentos para casos crônicos. Leucovitz e Pereira (1993) citam o FPT

como um procedimento crônico e como uma exceção em termos de remuneração hospitalar, pois,

juntamente com a AIH psiquiátrica, tem uma tabela que" apresenta valores de internação/dia, sendo

a receita do hospital igual a multiplicação desse valor pelo número de dias de internação do paciente

até o limite de 180 dias" . Contudo, existem portarias recentes que normatizam a utilização destes

procedimentos: a Portaria do Ministério da Saúde~ 164, de 30 de dezembro de 1997, veda a

utilização do procedimento FPT para internações por Hanseníase e Tuberculose; a Portaria MSM

2.413, de 23 de março de 1998, estabelece o uso provisório da FPT para cuidados de pacientes

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciado r de mna distorção 25

portadores de AIDS Fase terminal e introduz a utilização dos procedimentos Cuidados Prolongados

para diversas enfermidades; e a Portaria~ 34, de 25 de março de 1998, inclui os procedimentos de

Tratamento de Hanseníase e Tuberculose com Lesões Extensas, nas versões pediátrica e clínica

médica, para substituir o uso do FPT.

Os procedimentos de Cuidados Prolongados foram introduzidos pela Portaria MSJ'Nl 2.413,

de 23 de março de 1998, com o intuito de melhor controlar o uso de procedimentos asilares,

substituindo uma parcela dos procedimentos que seriam indicados como FPT. Ao todo são 14

procedimentos que incluem cuidados prolongados específicos por enfermidades cardiovasculares,

enfermidades pneumológicas, neurológicas, osteomusculares e de tec., oncológicas, enfermidades

decorrentes da AIDS, causas externas, para adultos e crianças em procedimentos separados.

Estes procedimentos são, inclusive, através da citada portaria, colocados como os

procedimentos para pacientes crônicos, contudo levantamentos exploratórios demonstraram que em

1998 uma utilização muito pouco significativa destes procedimentos, ainda sendo o FPT o

procedimento de escolha.

Estados e Regiões do registro:

Com o intuito de espacializar o perfil de internamentos por FPT, principalmente pelo achado

de estudos anteriores (Mendes et a!, 1999) de uma grande concentração de internações na região

Sudeste;

"\ Sexo e Faixa-Etária:

<\

Buscando identificar o grau de correção e sensibilidade do preenchimento da Alli,

principalmente pela freqüência de ignorados no registro de Alli. Além disso, a variável Faixa­

Etária permite caracterizar os internamentos por FPT quanto ao perfil do paciente em relação aos

principais diagnósticos e à característica asilar. Foi utilizado sexo masculino, feminino e ignorado, e

Faixa-etária com a seguinte agregação: <la, 1-14a, 15-24a, 25-34a, 35-54a, 55-64a , 65e+a, e

ignorado;

Capítulo da Classificação Internacional de Doenças (CID) e diagnósticos:

Foram utilizadas estas variáveis com o intuito de verificar as maiores causas de internação

pelo procedimento citado, comparando-as com as características etárias deste tipo de internamento e

com o perfil geral de morbidade no país. Para estas variáveis, utilizou-se a CID 09 para o ano de

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 26

1993 e a CID 10 para o ano de 1998. As informações são disponíveis em CD-ROM, e ressalta-se

que houve a substituição da CID 09 pela CID 10, para morbidade, a partir de 1998;

Cada capítulo, ou grande grupo de causa, da CID, é composto por muitos diagnósticos, que

possuem pesos de internação diferenciados. Exemplo disso é o ano de 1993, em que o grupo de

causa que mais gerou internação por FPT foi o grupo de doenças do aparelho circulatório, mas o

diagnóstico mais utilizado para a internação por FPT foi o diagnóstico de Hanseníase, que pertence

ao grupo de causa das Doenças Infecto-Parasitárias. Por isso, foi necessário analisar não apenas os

grupos de causa, mas também os diagnósticos que tiveram por procedimento o FPT.

Tipo de prestador:

Qualificando entre público e privado a freqüência de internações por Fora de Possibilidade

Terapêutica e qual a esfera de governo que a está realizando, posto que um levantamento preliminar

exploratório demonstrou que os hospitais contratados e filantrópicos internam mais por FPT que os

públicos e universitários. Para esta variável os tipos de prestador disponíveis no banco de dados

foram aglutinados em Contratado/Filantrópico, Universitário, e Público;

Hospitais:

Explorou-se os hospitais do Brasil com internações por FPT/CP, identificando os hospitais

com maiores percentuais de internamento no ano de 1998 por FPT/CP, buscando identificar

estruturas asilares. Para a análise da produção hospitalar, foi considerado como estrutura asilar o

hospital com mais de 60% de procedimentos FPT e FPT /CP em relação ao seu total de

procedimentos. Este ponto de corte representa uma opção do estudo, na perspectiva de a produção

de mais de 50% de procedimentos FPT/CP caracteriza o perfil do Hospital como asilar;

O Brasil possui uma rede vinculada ao SUS composta por 6.372 hospitais (dados de 1995) e

um número total de 503.461 leitos, dos quais 70,1% pertencem à rede privada contratada e

filantrópica, e 31, 1% pertencem à rede pública e universitária. Para o mesmo ano, o país teve um

gasto per capta para a assistência hospitalar de 20,49 reais e um valor médio por internação de

252,44 reais. Em termos de procedimentos realizados, o que gerou maior gasto foi o atendimento

psiquiátrico, com 9, 7%. O atendimento a Pacientes Fora de Possibilidade Terapêutica foi o sexto

procedimento de maior gasto, com 2,6% do total de recursos utilizados para a assistência hospitalar.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 27

No Rio de Janeiro e em São Paulo, as relações entre leitos de unidades privadas

contratadas/filantrópicas e unidades públicas diminuem, sendo de 60,8% de

contratados/filantrópicos para 39,1% de públicos/universitários no Rio de Janeiro, e 69,8% de

contratados/filantrópicos para 30,2% público/universitário em São Paulo. No Rio de Janeiro, em

1995, o procedimento de Atendimento a Pacientes Fora de Possibilidade Terapêutica é o segundo

em gastos (14,6%) e em São Paulo é o oitavo, com 2,3% dos gastos totais. Nos dois estados, o

procedimento com maior gasto é o Tratamento Psiquiátrico B, acompanhando a característica

nacional. (Brasil, 1997)

Tabela 01- Freqüência de Internações por FPT e Totais por Região Brasil - 1993 e 1998

UF -ZI 1993 1998 FPT Total FPT Total

Norte 25 876.797 82 851.147 Nordeste 8.505 4.529.815 10.417 3.602.382 Sudeste 163.226 6.693.475 125.333 4.904.227 Sul 2.351 2.488.049 1.732 2.020.358 Centro-Oeste 4.371 1.028.944 5.612 870.518 Brasil 178.478 15.617.080 143.176 12.248.632 Fonte : Sistema de Internações Hospitalares I DATASUS

A análise da tabela 01, das internações por procedimentos de Atendimento a Pacientes Fora

de Possibilidade Terapêutica (FPT) e Cuidados Prolongados (CP) nos anos de 93 e 98 segundo

regiões, demonstra inicialmente uma redução do número de internações entre os dois períodos.

Verifica-se, porém, que o peso relativo ao total de internações no ano sobe de 1,1%, em 1993, para

1,2%, em 1998.

A redução ocorrida se concentra principalmente no Sudeste, que mesmo assim mantém os

maiores quantitativos de internações por este tipo de procedimento, representando 91,5% das

internações por FPT realizadas no Brasil, em 1993, e 87,5% em 1998.

Se particularizamos a região Sudeste (Tab. 02), percebe-se que o estado do Rio de Janeiro

apresenta os maiores freqüências de internação em 1993: 61,2% das internações por FPT e 39,7%

do Total de Internações no país. Em 1998, São Paulo passa a representar o estado com maior

freqüência de internações por FPT/CP, com 41,8% das internações do país e 47,8% das internações

porFPT/CP.

Há um crescimento significativo das internações por FPT /CP em São Paulo, compensando

toda a redução que as portarias ministeriais provocaram globalmente. Trata-se de um crescimento

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de lnfonnação Hospitalar como evidenciado r de mna distorção 28

de 128,3%, que, se analisado por diagnóstico, verifica-se que se deu basicamente nos diagnósticos

do grupo de causas de Transtornos Mentais.

A diminuição global na freqüência de internações, que pode ser vista entre os anos de 1993 e

1998, tem outro fator de explicação possível: a introdução de norma ministerial, no ano de 1995,

estabelecendo o percentual de internações de 9%, que passou a definir as cotas de AIH's recebidas

por estado e municípios.

Tabela 02- Freqüência de Internações por FPT e FPT/CP e Totais no Sudeste em 1993 e 1998

UF-ZI 1993 1998

FPT TOTAIS FPT TOTAIS Minas Gerais 27.749 1.753.370 13.397 1.311.803 Espírito Santo 30 255.654 o 209.286 Rio De Janeiro 109.231 1.331.492 52.076 1.002.890 São Paulo 26.216 3.352.959 59.860 2.380.248 Sudeste 163.226 6.693.475 125.333 4.904.227 Fonte: Sistema de Informações Hospitalares I DATASUS

Na análise das faixas etárias dos pacientes submetidos aos procedimentos FPT e FPT/CP

(Tabela 03) , chama atenção o alto número de ignorados encontrados, o mesmo ocorrendo para a

variável sexo. As notas técnicas do SIH, disponíveis na internet, informam que "nas AIH's de

prorrogação (longa permanência), ... , normalmente não estão identificados o sexo e a idade do

paciente. Presume-se, portanto, que a maioria desses campos não preenchidos digam respeito a

AIH's renovadas, que, por conta do tempo em que o paciente já está naquela unidade, acaba sendo

de preenchimento considerado desimportante pelo profissional responsável pela AIH.

A tabela 03 é bastante ilustrativa da situação ao mostrar os ignorados por faixa-etária e sexo

nos dois anos, mais fortemente em 1993, onde representou 72,6% das internações por FPT (em

1998 o percentual de ignorados foi de 21,3%), destes 93,2% ocorreram na região Sudeste. Pode-se

inferir que os valores de sexo e faixa-etária encontrados se referem a internações crônicas iniciais:

48.816 em 1993, e 112.688 internações em 1998.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 29

~'""""'\ Tabela 03 - Distribuição de Internações por FPT e FPT/CP segundo Faixa-Etária e Sexo nos

. '\

anos de 1993 e 1998 -Brasil Faixa 1993 1998 Etária

Masculino Feminino Ignorado Total Masculino Feminino Ignorado Total <1a 275 247 o 522 62 73 o 135 1-14a 1075 758 o 1.833 3.713 2.230 28 5.971 15-34a 4.486 2.853 o 7.339 14.416 9.881 71 24.368 35-54a 8.328 4.186 o 12.514 14.902 9.312 40 24.254 55-64a 5.775 3.503 o 9.278 10.537 7.353 4 17.894 65e+a 8.515 8.787 o 17.302 18.220 21.989 1 40.210 lgn 21 7 129.662 129.690 o o 30.344 30.344 Total 28.475 20.341 129.662 178.478 61.850 50.838 30.488 143.176

Fonte: Ststema de Informações Hospttalares I DAT ASUS

Em 1998, há um aumento relativo das internações nas faixas etárias de 55-64a e 65e+, que

passa de 14,9% em 93 para 40,6% em 98, o que é significativo quanto ao perfil de faixa-etária de

pacientes crônicos .

·'""'\ A análise por grupos de causa (capítulos da Classificação Internacional de Doenças) nos

·" permite visualizar para essas faixas etárias, quais são as principais causas de internação. ·\

Na tabela 4, podemos identificar que, em 1993, 32,9"/o das internações ocorreram pelo grupo

de doenças do aparelho circulatório, seguido pelo grupo das doenças infeciosas e parasitárias com

32,1%, e pelo grupo das doenças do sistema nervoso e órgãos do sentido, com 10,9%.

O grupo de transtornos mentais, para o qual se esperava uma mator presença de

procedimentos FPT tendo em vista o seu persistente tratamento cronificado, é o quinto colocado,

após Neoplasmas, com 4,0%.

Para 1998, o grupo de Transtornos Mentais predominam com 31,1% das internações por

FPT/CP, seguido do capítulo das doenças do Aparelho Circulatório, com 22,5% ,das internações e

do grupo de Doenças do Sistema Nervoso, com 15,9% das internações por FPT/CP. As DIP's caem

para oitavo lugar, com 2,4% das internações em 98, tendo sido, em 93, o segundo lugar com 32,9%

das internações por FPT.

Analisando-se as tabelas 4 e 5, por grupos de causas, percebe-se uma mudança significativa

no comportamento das internações por FPT e FPT /CP entre os dois períodos. Como não houve

diminuição significativa da freqüência de internações, essa mudança dos grandes grupos de causas

geradoras de internação por FPT se dá provavelmente por "transferência interna", entre os capítulos.

Ou seja, a redução de diagnósticos por um grupo é compensada pela ampliação de diagnósticos em

outro grupo.

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Tabela 04 · Freqüência de Internações por FPT/CP segundo 1 O maiores capítulos da CID 09 e Faixa-etãria -1993

CID Capitulas <1 a 1-14a 15-34a 35-54a 55-64a VIl. Doencas do aparelho circulatorio 82 155 21 o 2.278 3.268 I. Doencas infecciosas e parasitarias 107 134 2.434 4.517 2.542 VI. Doencas do sist nervoso e dos org sentidos 29 529 1.761 1.586 716 11. Neoplasmas 27 187 614 1.582 1.181 V. Transtornos mentais 6 279 1.091 421 121

Natureza da Lesao 21 49 420 601 272 111. D gland endoc nutric metab e transt imunitar 18 29 83 277 257 VIII.Doencas do aparelho respiratorio 160 166 36 164 183 XVI. Sintomas sinais e afeccoes mal definidas 25 165 278 464 352 XIII.Doencas sist osteomuscular e tec conjuntivo 6 27 96 222 155 Demais capítulos 41 113 316 402 231 Total 522 1.833 7.339 12.514 9.278 Fonte: Sistema de Informações Hospitalares/DATASUS

65e+a lgn Total 8.361 44.394 58.748 2.624 44.955 57.313

988 13.820 19.429 1.990 8.092 13.673

159 5.155 7.232 561 4.269 6.193 598 2.672 3.934 516 2.035 3.260 836 621 2.741 315 1.321 2.142 354 2.356 3.813

17.302 129.690 178.478

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evídenciador de tmla distorção 32

Tabela 05 -Freqüência de Internações por FPT/CP segundo 1 O maiores capítulos de CID 1 O e Faixa-etária - 1998

Diagn (Capít) <1a 1-14a 15-34a 35-54a 55-64a 65e+a lgn Total

v. Transtornos mentais e comportamentais 20 2.552 13.907 7.423 3.958 6.480 10.119 44.459 IX. Doenças do aparelho circulatório 10 o 274 4.014 5.948 15.296 6.713 32.255 VI. Doenças do sistema nervoso 12 1.597 5.659 3.978 1.993 4.814 4.777 22.830 XXI. Contatos com serviços de saúde 9 433 1.858 1.796 1.299 4.154 292 9.841 U99 CID 1 oa Revisão não disponível o 11 293 409 354 868 5.029 6.964 XIII. Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo 2 25 197 877 819 1.559 490 3.969 11. Neoplasias (tumores) 3 22 200 992 788 1.602 277 3.884 I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 24 8 246 821 571 934 780 3.384 X. Doenças do aparelho respiratório 6 55 173 501 573 966 372 2.646 XI. Doenças do aparelho digestivo o o 320 1.615 326 218 100 2.579 Demais capítulos 49 1.268 1.241 1.828 1.265 3.319 1.395 10.365 Total 135 5.971 24.368 24.254 17.894 40.210 30.344 143.176 Fonte: Sistema de Informações Hospitalares/DATASUS

De fato, ao observar as tabelas, pode-se perceber que há uma queda extremamente significativa

das internações por FPT/CP para o grupo de Doenças Infecciosas e Parasitárias, mas há aumento, na

mesma proporção, das internações pelos grupos de Transtornos Mentais e Doenças do Sistema

Nervoso.

Ressalta-se o fato de se haverem registrado internações com uso de FPT e FPT/CP para todos os

grupos, sem exceção.

Desmembrando os grandes grupos de causa nos seus diagnósticos, verificando os diagnósticos

utilizados nas Alll's com procedimento FPT (tab 06), observa-se que no ano de 1993 a Hanseníase se

configura como principal causa de internação por FPT, com 21,5% do total de internações por FPT,

seguida de Efeitos Tardios de Doença Cerebrovascular (11,2%) e Tuberculose Pulmonar (9,9%).

Em 1998, das 143.17 6 internações por FPT /CP, 11,2% foram referentes à principal causa de

internação por este procedimento, as Seqüelas de doenças cérebro vasculares, seguida do Retardo

Mental Grave e da Esquizofrenia. Reforçando o crescimento dos diagnósticos em Transtornos Mentais

e Doenças do Sistema Nervoso.

A grande alteração da predominância da Hanseníase e Tuberculose deve-se, basicamente, a uma

portaria ministerial (PT /MS N' 164/97) que veda a cobrança de internações de Hanseníase e

Tuberculose através do procedimento FPT.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciado r de uma distorção 33

Tabela 06 - Freqüência de Internações de FPT segundo Diagóstico e Faixa-etãria - 1993-1998

CID 3 digitos/ Diagnóstico <1a 1-14a 15-34a 35-54a 55-64a 65e+a lgn Total 1993

030 - Hanseniase 15 25 803 2.396 1.975 2.274 30.812 38.300 438- Efeitos Tardios Doenca Cerebrovascular 32 11 71 1.115 1.441 2.480 14.896 20.046 011 -Tuberculose Pulmonar 21 69 1.531 1.961 484 244 13.403 17.713 440 - Aterosclerose 14 18 13 85 331 2.300 9.467 12.228 343 - Paralisia Cerebral Infantil 1 402 752 91 13 3 6.014 7.276 199 - Neoel Malig sem Eseecificacao de Local 6 144 380 414 218 591 5.248 7.001 Total 522 1.833 7.339 12.514 9.278 17.302 129.690 178.478

1998 169 Seguelas de doenc cerebrovasculares 1 o 100 2.307 3.452 6.970 3.183 16.013 F72 Retardo mental grave 2 1.066 5.672 1.841 225 210 2.824 11.840 F20 Esguizofrenia 6 o 107 1.498 1.745 2.793 2.164 8.313 G80 Paralisia cerebral infantil 3 1.282 3.783 911 67 81 2.016 8.143 Z74 Probl relac deeend eess g oferece cuid saude 9 433 1.784 1.616 1.004 3.259 o 8.105 F73 Retardo mental erofundo 5 696 3.708 1.226 128 62 2.185 8.010 Total 135 5.971 24.368 24.254 17.894 40.210 30.344 143.176 Fonte: Sistema de Informações Hospitalares/DATASUS

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evídenciador de uma distorção 34

Ao pesquisarmos o tipo de prestador que está internando por FPT e FPT/CP, confirmamos na

tabela 07 a já esperada predominância de unidades contratadas/filantrópicas na internação por FPT/CP

em 1998, com grande concentração no Sudeste e mais especificamente no Rio de Janeiro. Os hospitais

contratados/filantrópicos realizaram em 98, 64,8% das internações por FPT/CP, sendo que destas,

50,2% se deram no Rio de Janeiro. O Nordeste apresenta predominância de internações em unidades

estaduais e o Sul e Centro-Oeste em unidades filantrópicas.

Tabela 07 - Fr!9uência de lnterna!tões ~or FPTICP segundo Estados, Regiões e Ti~o de Prestador - 1998 UF -ZI Cont/Filan. Universitário Público Total

NORTE o o 82 82 Rondônia o o o o Acre o o o o Amazonas o o 82 82 Roraima o o o o Pará o o o o Ama~á o o o o Tocantins o o o o NORDESTE 1.198 6.594 2.625 10.417 Maranhão 2 o o 2 Piauí 106 o 439 545 Ceará o o o o Rio Grande do Norte o o o o Paraíba o o o o Pernambuco 1.090 1 2.020 3.111 Alagoas o o o o Sergi~e o o o o Bahia o 6.593 166 6.759 SUDESTE 84.770 7.087 33.476 125.333 Minas Gerais 5.589 38 7.770 13.397 Es~írito Santo o o o o Rio de Janeiro 46.617 945 4.514 52.076 São Paulo 32.564 6.104 21.192 59.860 SUL 1.650 18 64 1.732 Paraná 52 o 8 60 Santa Catarina 1.199 o 1 1.200 Rio Grande do Sul 399 18 55 472 CENTRO-OESTE 5.185 52 375 5.612 Mato Grosso do Sul 152 52 o 204 Mato Grosso o o o o Goiás 5.033 o 287 5.320 Distrito Federal o o 88 88 Total 92.803 13.751 36.622 143.176

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares/DATASUS

A tabela 08 faz referência aos hospitais com maior percentual de internação por FPT/CP, em

1998. Para estabelecer que hospitais possuiam uma maior prática asilar, usamos como ponto de corte

uma produção de mais de 60% de FPT. Verifica-se o maior número de hospitais considerados asilares

no estado do Rio de Janeiro, e que Rio de Janeiro e São Paulo representam 22 hospitais totalmente

asilares, com produção de 1000/o de FPT/CP.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 35

E possível identificar cada hospital e verificar o diagnóstico utilizado para estas internações.

Contudo, tal detalhamento foge ao objetivo deste estudo, que se propõe a demonstrar a manutenção da

prática asilar no Brasil.

Tabela 08- Unidade Hospitalares com percentual de internação por FPT acima de 60% Brasil- 1998

UF Percentual de FPT/CP nas Internações totais

100%90-99% 80-89% 70-79% 60-69% Total São Paulo 12 o 2 1 o 15 Rio de Janeiro 10 5 5 1 1 22 Minas Gerais 1 1 2 1 1 6 Goiás 1 1 o o 2 4 Outros 1 1 o 1 o 3 Total 25 8 9 4 4 50 Fonte: Sistema de Informações Hospitalares I DATASUS

Pela análise do período de 1993 a 1998, confirmamos achados anteriores do grande predomínio

de internações por FPT no Sudeste, de maneira mais característica no Rio de Janeiro, São Paulo e

Minas Gerais .

Esses dados por si, demonstram o agravamento de quadros que poderiam ter eficiente

intervenção ambulatorial, como na Hanseníase, e preventiva, o que evidencia um quadro nacional de

exclusão em relação aos níveis mais básicos de atenção à saúde. Porém, isso ocorre de forma mais

contundente no Rio de Janeiro e Sudeste. Duas hipóteses se colocam para a excessiva utilização de

procedimentos FPT/CP no Sudeste. A primeira seria a de que a citada região não oferece uma cobertura

de atenção básica e especializada suficiente para evitar que agravos de fácil controle ambulatorial

cheguem a necessitar de cuidados de alta complexidade ou de internação asilar. Esta hipótese não

encontra respaldo em estudo recente que demonstra uma maior cobertura de assistência básica no Sul e

Sudeste, quando comparados ao Norte e Nordeste (Sá, 2000). Porém, há que se questionar a qualidade

dessa cobertura, quando se verifica grande número de internações por FPT em doenças infecto

parasitárias, por exemplo.

A segunda hipótese seria a de que a região Sudeste apresentaria um frágil controle de seu

sistema de internações, abrindo espaços para que suas unidades hospitalares ampliem de forma

desnecessária o número de internações, incluindo casos que poderiam ter acompanhamento domiciliar,

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infom1ação Hospitalar como evídenciador de uma distorção 36

como o caso de sequelados de doenças cerebrovasculares, de paralisias cerebrais e de alguns

transtornos mentais, principalmente para pacientes idosos.

Esta hipótese se fortalece na medida em que percebemos a migração de número de

internamentos de um grupo de diagnóstico para outro. Caem os diagnósticos por DIP, sobem os

diagnósticos por Transtornos Mentais, sugerindo a possibilidade de, pressionados pelo veto de

internações por FPT para Hanseníase e Tuberculose, os hospitais passarem a internar os pacientes com

outro diagnóstico.

Desta forma, estas unidades hospitalares, em sua maioria contratadas, reproduzem estruturas

asilares desnecessárias e contraditórias com o discurso institucional do SUS de quebra do modelo

hospitalocêntrico.

O resultado é a perpetuação da exploração lucrativa dos hospitais, com criação de espaços de

exclusão social, notadamente para os idosos. Isso reflete problemas sociais como o desamparo e

desprezo pelos indivíduos não produtivos economicamente, novamente os idosos, os sequelados de

doenças cerebrovasculares e os portadores de transtornos mentais. Demonstrando que não foi superado

ainda o velho método e isolar e "jogar fora" os "desinteressantes" socialmente.

Os resultado levam à confirmação dos achados do estudo de Mendes et al. (1999), de que os

procedimentos FPT estão sendo mal utilizados e deveriam ser revistos, e da permanência de um

comportamento hospitalocêntrico em relação a agravos de fácil prevenção e controle ambulatorial.

O estudo demonstrou ainda a viabilidade de utilização do SIH como instrumento de

identificação de estruturas asilares e seu comportamento no país, com a possibilidade de identificar

unidades e acompanhá-las. Desta forma, espera-se que os gestores possam, ao identificar estas

estruturas, definir novos rumos da assistência hospitalar brasileira.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como evidenciado r de uma distorção 37

Tabela 09 - Frequência de Internações por FPT e FPT/CP por Faixa-Etária - São Paulo - 93 - 98

CID 3 dígitos <1a 1-4a 5-14a 15-24a 25-34a 35-44a 45-54a 55-64a 65e+a lgn Total 1993

011 - Tuberculose Pulmonar 6 o o 72 252 354 206 108 54 2.930 3.982 343 - Paralisia Cerebral Infantil 1 23 186 295 136 15 4 o o 2.940 3.600 318 - Outras Oligofrenias Especificadas 1 7 152 285 198 20 4 2 1 2.414 3.084 438 - Efeitos Tardios Doenca Cerebrovascular o 1 o o 3 38 114 114 233 1.439 1.942 344 - Outras Sindromes Paralíticas o o 3 53 141 107 96 36 29 703 1.168 294 - Outros Quadros Psicoticos Organicos o o 76 90 60 53 14 7 2 637 939 435 - lsquemica Cerebral Transitaria o o o o 2 14 41 51 141 648 897 401 - Hipertensao Essencial o 1 o o 1 6 13 36 104 658 819 581 - Sindrome Nefrotica 22 297 469 o o o o o o o 788 905 - Efeit tard lesoes traum osteomuscltec conjun o o 1 7 25 24 27 12 44 484 624 Total 372 576 1.211 1.085 1.371 1.236 1.072 1.045 1.695 17.416 27.079

1998

F72 Retardo mental grave 2 49 1.016 3.322 2.326 1.348 435 208 181 2.737 11.624 F20 Esquizofrenia 5 o o 12 87 491 962 1.718 2.776 2.120 8.171 F73 Retardo mental profundo 5 50 646 2.266 1.429 1.024 180 118 50 2.140 7.908 F71 Retardo mental moderado o o 155 960 627 501 354 355 290 1.067 4.309

G80 Paralisia cerebral infantil 1 105 449 1.226 711 298 100 7 15 958 3.870 F79 Retardo mental NE 1 15 550 955 150 185 165 225 219 376 2.841 K70 Doenc alcoolica do figado o o o 20 276 918 571 235 48 15 2.083 F03 Demencia NE 1 o o o 7 8 50 145 1.089 97 1.397 F09 Transt mental organico ou sintomatico NE 1 o 30 586 182 43 98 153 98 178 1.369 169 Sequelas de doenc cerebrovasculares o o o 1 13 84 185 262 641 105 1.291 Total 38 617 3.908 10.094 7.120 6.077 4.681 5.324 9.289 12.712 59.860

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares/DATASUS

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"(. .. ) É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio" CDA. 1995

Diante das questões levantadas pode-se chegar a algumas conclusões básicas.

A primeira, de que a estrutura asilar é negadora da autonomia e da individualidade do

sujeito, além de segregadora, sendo assim uma estrutura caracterizadamente excludente. Tal

conclusão não nega a necessidade da internação hospitalar e nem a existência de patologias e

agravos que demandam cuidados prolongados e crônicos, justamente para a viabilização da

cura/controle e garantia da já citada autonomia do indivíduo. O que se afirma é que o internamento

asilar não responde a esses objetivos, não tem sustentação terapêutica e compromete a integridade

moral do ser humano.

Gastão Wagner retoma a questão da autonomia em seu artigo Modelos de Atenção em Saúde

Pública: Um modo mutante de Fazer Saúde (Campos, 1992), considerando que "o objetivo de todo

trabalho terapêutico é ampliar a capacidade de autonomia do paciente" . Nesse mesmo artigo, o

autor faz uma rediscussão da questão da hierarquização da rede e do discurso de desospitalização.

No entender de Gastão Wagner, se a unidade de saúde cumpre o objetivo acima.citado não

importa a forma de hierarquização que ela segue, tornando-se inclusive mais interessante que uma

unidade incorpore características de vários níveis hierárquicos, contanto que ela atinja o grau de

resolutividade de que a população precisa.

Faz-se necessário, portanto direcionar os hospitais e as unidades ambulatoriais a essa

preocupação. Fazendo da internação hospitalar um momento estritamente necessário e de forma

mais breve possível. Os idosos e pacientes com baixo nível de autonomia ( sequelados de patologias

cerebrovasculares, portadores de transtornos mentais, portadores de problemas do sistema nervoso)

são as maiores vítimas, como fica claro nas tabelas de 03 a 06, sendo necessário que se construa

uma política assistencial específica que, a exemplo das propostas da Reforma Psiquiátrica, primem

pela resolutividade com respeito à integridade do paciente.

Porém, no caso dos idosos, existem as situações em que estes se encontram completamente

apartados da estrutura familiar e sem condições financeiras para busca de alternativas. Nestes casos,

cabe ao Estado a realização de políticas públicas que tragam soluções dignas a esse segmento da

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sociedade. Na assistência socia~ como o caso em discussão não é de responsabilidade do setor

saúde, existem organismos federais e estaduais que se ocupam desta tarefa.

Pelos resultados das tabelas 03 a 06, pode-se inferir que está ocorrendo grande internamento

asilar de idosos em hospitais, comprometendo a coerência dos diagnósticos e gerando prática de

dispensarização, e esta é a segunda importante conclusão: O sudeste, particularmente os estados de

São Paulo e Rio de Janeiro, provavelmente vêm utilizando recursos do setor saúde para o

financiamento de asilos para idosos, prática que não é percebida nos demais estados do país. Nestes,

abrigos e asilos para idosos estão em instituições públicas, religiosas, fundações com subvenção

pública e privadas, mas ligados à área de assistência social e políticas de apoio ao idoso, não à rede

de saúde.

A terceira conclusão é de que há uma presença marcante de estruturas asilares no Brasil,

especialmente na região sudeste, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A freqüência de

internações asilares desses estados poderia levar à hipótese de que fossem estados com maiores

problemas sociais e com baixa renda e produção de riqueza, em relação aos demais estados,

contudo eles são justamente dois dos que possuem maior rendimento médio ( o Sudeste possui

rendimento médio, das pessoas acima de 10 anos, de R$366,00, contra R$158,00 do Nordeste,

segundo o Anuário Estatístico do ffiGE em 1997) e que concentram a produção de riqueza do país.

Segundo dados do Índice de Desenvolvimento Humano em 1990, São Paulo é o estado com menor

nível de pobreza, e a região Sudeste perde apenas para o Sul, em proporção de pobres na sua

população. Em contrapartida, as regiões Nordeste e Norte possuem as maiores proporções de pobre

na população e os maiores níveis de pobreza (Brasil, 1996). No mesmo relatório, observa-se São

Paulo com o terceiro maior IDH (0,850) e Rio de Janeiro com o quinto maior índice (0,838).

Esta conclusão também não é de desconhecimento público e se revela na mídia em

escândalos periódicos, como o da Clínica Santa Genoveva, que motivou a intervenção do Ministério

da Saúde em vários hospitais no Rio de Janeiro em 1996, ou o caso mais recente da entidade

filantrópica Hospital Campo Belo. Este último, após troca de proprietários é conhecido como

Clínica para Repouso de Idosos da Associação dos Ex-alunos da Escola de Formação de Oficiais

da Marinha Mercante (ADEFOMlvf) e revelou infrações sanitárias e prática de maus tratos a um

custo mensal, para o SUS, de R$1.462,00 por "paciente", como noticia o Jornal do Comércio do dia

08 de fevereiro de 2000.

O caso da ADEFFOM/Campo Belo é clássico: unidade de saúde filantrópica contratada que

realiza internações asilares de idosos, ou seja, a saúde cumprindo o papel da assistência social e das

políticas de apoio ao idoso; sem um Controle e Avaliação do gestor público que tenha permitido

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Infonnação Hospitalar como evidenciador de uma distorção 40

verificar a ocorrência de infrações e a incoerência da própria existência da clínica; e mais: é uma

unidade que produz 100% de procedimentos de Atendimento a Pacientes Fora de Possibilidade

Terapêutica estando entre os 10 hospitais do Rio de Janeiro totalmente asilares, descritos na tabela

08.

Estes escândalo são episódios aparentemente isolados, mas que revelam a existência de

problemas maiores não explicitados, de unidades que podem um dia se tomar escândalo ou não. Há

uma necessidade premente de manter controle sobre essas unidades de saúde, em sua maioria

contratadas e filantrópicas, como nos revelou a tabela 07, que podem estar usando os recursos

públicos do Sistema Único de Saúde, já tão escassos para, em nome do lucro e da lógica de

mercado, criar verdadeiras prisões, depósitos de seres humanos, principalmente idosos e portadores

de transtornos mentais, locais de exclusão da própria população que custeia, através de impostos

diretos e indiretos, o financiamento do SUS.

Reportando-se às dimensões de transformação da situação sanitária referidas por Arouca,

pode-se perceber que, no caso do internamento asilar, o discurso institucional não está coerente com

esta prática, que por seu lado, contribui para a não transformação das demais dimensões: a

ideológica e de valores, comprometida pela essência excludente dessas unidades; da dimensão

produtiva e social, prejudicada pelo caráter de segregação dessa prática asilar; da própria dinâmica

do processo saúde/doença, já que esta prática não tem resolutividade terapêutica.

Toma-se urgente a revisão da relação das políticas institucionais em relação a esse assunto,

posto que a publicação das Portarias Ministeriais de veto ao uso do Procedimento Fora de

Possibilidade Terapêutica não teve grande impacto sobre o número total de internações por FPT.

Se for possível comprovar que houve essa espécie de compensação, em que as internações

por FPT tinham em maioria diagnóstico de Hanseníase e Tuberculose, e após o veto do uso desse

procedimento houve um aumento de pacientes ao grupo de Transtornos Mentais, terá se revelado

uma questão gravíssima do Sistema Único de Saúde e gerado a possibilidade de interferir na

questão, muito além dos escândalos momentâneos.

A quarta conclusão é de que é possível e viável a monitorização dessas estruturas asilares,

permitindo a sua discussão e controle, através do Sistema de Informações Hospitalares, entre outros

instrumentos. Toma-se necessário que os gestores das três esferas de governo fortaleçam suas

organizações de controle e avaliação da rede assistencial, utilizando-se desse instrumental.

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Exclusão e Prática Asilar: uso do Sistema de Informação Hospitalar como e\,idenciador de uma distorção 41

Dessa maneira, as rotinas de visitas e inspeções podem ser orientadas por prioridades

definidas a partir de levantamentos no Sistema de Informações Hospitalares, os Hospitais 100%

FPT, por exemplo, já deveriam ser considerados prioridade para supervisão e acompanhamento.

Também é fundamental que como parte do princípio de participação popular e controle

social, esses mecanismos de fiscalização sejam aprimorados e integrem a prática cotidiana da

sociedade organizada.

Nesse sentido, o DATASUS fornece o banco de dados necessário a esse monitoramento via

Internet, na forma de bancos de dados mensais e na forma de CD-ROM, enviado aos gestores

estaduais e municipais em gestão Plena do Sistema Municipal, além de instituições de pesquisa, que

possuem estrutura para a utilização desses bancos.

Na Internet, o DATASUS, também disponibiliza uma página de pesquisa simplificada, para

utilização por estudantes, interessados, entidades e sociedade organizada, que não possuem

estrutura para lidar com grandes bancos de dados. Esta página, porém, não fornece a alternativa de

pesquisa dos procedimentos realizados pelas unidades hospitalares, nem permite individualizar

essas unidades para análise específica do seu comportamento financeiro e terapêutico. Abrir esse

espaço de acompanhamento pelas entidades que trabalham com a questão da saúde, bem como pelo

cidadão, seria um importante caminho de fornecer transparência e fortalecer o Sistema Único de

Saúde na sua busca pela Universalidade, Equidade e Integralidade, com participação popular e

respeito ao cidadão.

Por fim, a quinta e última conclusão é da necessidade de novos estudos sobre o tema, dada a

sua seriedade e importância, que aprofundem os conhecimentos em relação à prática asilar no Brasil

e à melhor forma de controlar as distorções a que está submetido o Sistema Único de Saúde. Se

possível estudos que realizem coleta e análise de dados primários e estudos de campo. Além disso, é

importante focalizar também a visão da população sobre o tema, qual o imaginário dos usuários do

SUS a respeito da prática asilar, e quais as bases da dimensão ideológica que a sustenta.

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