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Família e Comunidade Lilia Pinto Martins Educação Inclusiva no Brasil 1 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal 1.1. Família e Comunidade Elaborado por: Lilia Pinto Martins 1.1.1. Oficina “Temos o direito de sermos iguais, sempre que a diferença nos discrimina; temos o direito de ser diferentes, sempre que a igualdade nos descaracteriza.” Prof. Boaventura de Souza Santos 1.1.1.1. Grupos de Discussão A Oficina propôs um fórum de discussão em grupo, definindo a apresentação na plenária de seis estudos de casos, a serem avaliados e discutidos em seis grupos de trabalho, formados com a finalidade de dar voz e oportunizar a participação nas discussões de todas as pessoas integrantes do evento. Os Estudos de Casos selecionados para o primeiro dia de Oficina versaram sobre os seguintes temas: “A Experiência de Inclusão no Município do Rio de Janeiro” – coordenação de Leila de Macedo Varela Blanco; “Conhecer para Acolher” – coordenação de Scheilla Abbud, do Pará. Para o segundo dia de Oficina, foram selecionados os seguintes Estudos de Casos: “Inclusão dentro do Coração” – coordenação de Sandra Maria Zava, Karina Maria Araújo Braga e Célia Moreira Pereira, de Varginha (MG) “A Experiência de Inclusão no Estado de Goiás” – coordenação de Dalson Borges “Escola de Gente – Comunicação em Inclusão” – coordenação de Cláudia Werneck. Os grupos de trabalho reuniram-se ao final das exposições dos casos, com exceção do último dia à tarde, com a discussão na própria plenária. Os grupos de trabalho seguiram a mesma metodologia, pela qual foram definidas duas perguntas norteadoras para orientar as discussões sobre os estudos de casos apresentados em plenária: 1. Para o grupo, essa é uma experiência inclusiva? 2. De que maneira esta experiência poderia ser aprimorada?

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Família e Comunidade Lilia Pinto Martins

Educação Inclusiva no Brasil 1 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

1.1. Família e Comunidade

Elaborado por: Lilia Pinto Martins

1.1.1. Oficina

“Temos o direito de sermos iguais, sempre que a diferença nos discrimina; temos o direito de ser diferentes, sempre que a igualdade nos descaracteriza.”

Prof. Boaventura de Souza Santos

1.1.1.1. Grupos de Discussão A Oficina propôs um fórum de discussão em grupo, definindo a apresentação na

plenária de seis estudos de casos, a serem avaliados e discutidos em seis grupos de trabalho, formados com a finalidade de dar voz e oportunizar a participação nas discussões de todas as pessoas integrantes do evento.

Os Estudos de Casos selecionados para o primeiro dia de Oficina versaram sobre os seguintes temas:

“A Experiência de Inclusão no Município do Rio de Janeiro” – coordenação de Leila de Macedo Varela Blanco;

“Conhecer para Acolher” – coordenação de Scheilla Abbud, do Pará.

Para o segundo dia de Oficina, foram selecionados os seguintes Estudos de Casos:

“Inclusão dentro do Coração” – coordenação de Sandra Maria Zava, Karina Maria Araújo Braga e Célia Moreira Pereira, de Varginha (MG)

“A Experiência de Inclusão no Estado de Goiás” – coordenação de Dalson Borges

“Escola de Gente – Comunicação em Inclusão” – coordenação de Cláudia Werneck.

Os grupos de trabalho reuniram-se ao final das exposições dos casos, com exceção do último dia à tarde, com a discussão na própria plenária.

Os grupos de trabalho seguiram a mesma metodologia, pela qual foram definidas duas perguntas norteadoras para orientar as discussões sobre os estudos de casos apresentados em plenária:

11.. Para o grupo, essa é uma experiência inclusiva?

22.. De que maneira esta experiência poderia ser aprimorada?

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Os grupos de trabalho passaram então a trabalhar em torno da proposta de, em primeiro lugar, levar cada membro do grupo a fazer uma reflexão individual e posteriormente em dupla, sobre as perguntas norteadoras, dentro de cada área temática, para, ao final, todos os participantes dos grupos reunirem-se para uma discussão em plenária, finalizando com a apresentação dos consultores, sintetizando as discussões de cada um dos grupos de trabalho que coordenou.

No grupo de trabalho que coordenei, dentro da área temática “Família e Comunidade”, os trabalhos seguiram sem dificuldades, com as pessoas muito participativas, produtivas e integradas à discussão, refletindo motivadamente sobre o tema, e apresentando ao final uma análise, com vários indicadores para a compreensão, planejamento, e expansão da educação inclusiva no Brasil.

O grupo contou com a participação de 19 pessoas, sendo, a nível nacional: 3 do Distrito Federal, 1 do Espírito Santo, 4 do Rio de Janeiro, 1 de Minas Gerais, 1 do Rio Grande do Norte, 1 do Amazonas, 2 de São Paulo, 1 do Ceará, 1 de Roraima, 1 do Rio Grande do Sul, e 1 do Maranhão; e, a nível internacional, 1 de Portugal e 1 do Japão.

A metodologia proposta funcionou no sentido maior de dinamizar a discussão em grupo, mas não conseguiu manter o foco da discussão sobre o tema em pauta, desviando-se mais para a questão da inclusão em si, a partir das perguntas norteadoras, em cima dos estudos de casos. Ao final, tive que fazer uma intervenção neste sentido, para o grupo focar a discussão em seu ponto central, ou seja, Família e Comunidade.

1.1.1.2. Considerações O grupo considerou, como modelo de escola inclusiva, a Escola que se abre para

todos, e onde as diferenças possam ser contempladas, como forma de admitir a singularidade do ser humano e as diferentes maneiras de atuar e interagir para atender a demandas que são individuais.

No dizer de um membro do grupo:

“(…) a escola inclusiva é para todos, não é para aquele aluno específico, é para todos os alunos. O que consiste, no meu ponto de vista, uma escola inclusiva? Eu, olhar para cada um desses alunos e perceber qual é o potencial de cada um deles e desenvolver ao máximo o potencial de cada um, independentemente da criança ter deficiência auditiva, ou outra criança ter problemas de aprendizagem, ou ainda outra ter problemas familiares. Ou seja, a escola inclusiva é um direito de todas as crianças. Para algumas, vou precisar fazer adaptações curriculares, para outras crianças eu preciso é modificar o acesso. São coisas bastante diferentes”.

“A escola inclusiva traz os grupos excluídos para dentro do sistema, transformando o sistema em algo de qualidade para todos”. (Fábio Adirón)

Os principais pontos de discussão levaram às seguintes considerações:

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1.1.1.2.1. Processo Inclusivo ainda em Construção Os casos em estudo falam mais de um processo inclusivo que está em construção, e

não propriamente de um projeto que está concluído, acabado. Até porque, o processo inclusivo no Brasil, é uma experiência recente, com muitos resultados positivos, apesar das dificuldades sócio-econômicas do país, que se refletem na valorização e na qualidade, principalmente, do ensino público, com professores mal remunerados, escolas carentes de recursos, classes numerosas, e por conta disso, com alunos atendidos em massa e sem as atenções e cuidados individuais necessários, confirmando uma cultura excludente que cria resistências ao novo paradigma da inclusão.

1.1.1.2.2. Realidade Atual A discussão no grupo aponta para uma realidade desfavorável em termos de recursos

para a área da Educação. Algumas pessoas assinalam a má distribuição dos recursos, que não são assegurados a todos os municípios de modo homogêneo. Argumentam que a carência de recursos é maior em relação a certas regiões do Brasil, contemplando melhor as cidades grandes do que os municípios situados no interior do país. Mesmo nas grandes capitais, a distribuição de recursos não é homogênea, como é anunciado pelos órgãos oficiais.

“(...) A gente percebe que nos centros urbanos o resultado, vamos dizer, é satisfatório, mas lá no município distante, a coisa é bem precária. E a minha preocupação é que, de repente, cada escola, cada unidade de ensino acaba se responsabilizando por isso e o sistema educacional, como um todo, vai tirando as suas responsabilidades”.

Referindo-se a um dos estudos de casos, uma participante comenta:

“(...) o setor de educação especial, precisa ter diretrizes para viabilizar recursos disponíveis, zelar para que ele chegue até aquele segmento mais distante. Minas Gerais é imensa e, de repente, assim como Varginha, deve ter outras Varginhas por aí, que já fazem essa inclusão, mas fazem por uma vontade de querer fazer e isso a gente tem que alimentar, incentivar. Deixa eu só concluir. Então, de repente, a política de educação especial, ela precisa acordar, estar acordada para essa situação, porque inúmeras experiências nesse Brasil inteiro nós temos, mas não existe um registro, não existe nenhuma divulgação e, o que é pior, um acompanhamento técnico”.

“(...) queria fazer primeiro algumas ressalvas. Não é só no

interior ou fora das grandes capitais que essas coisas não acontecem, isso posso dizer por São Paulo, não sei se tem mais alguém de São Paulo aqui no grupo, mas, infelizmente, nós temos em São Paulo uma das piores educações do Brasil hoje em dia; a nível municipal, as coisas não andam, estão completamente perdidas. Então, o que a gente diz, que nas grandes capitais as coisas acontecem e nos pequenininhos não acontecem, isso é uma mentira muito grande... existem grandes capitais que andam funcionando, mas tem algumas que também não funcionam absolutamente nada”.

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1.1.1.2.3. Disponibilização de Recursos Parte da discussão versou sobre a necessidade de garantir recursos para a melhoria das

condições físicas e infra-estrutura em geral da Escola, e a formação dos professores com qualidade.

“Então, à medida que todos os professores tenham acesso à informação a respeito de adaptação curricular, e de como lidar teoricamente com as várias deficiências, como já existe implantado em outros lugares com sucesso, isto permite que a qualquer outro aluno que o professor chegue, ele não tem que parar para ir se preparar, ele já está preparado. Então, não se pode divulgar informações só para o professor que tenha um aluno especial, só para uma escola que está acostumada, que pegou a fama de ser boazinha, de receber esses alunos, mas todos os educadores têm que estar preparados para todas as áreas de deficiência. É difícil, é lógico que é..... Não vai achando que é uma maravilha, mas, com certeza, todos as pessoas tendo a informação e as famílias (...) sendo parceiras como estava sendo falado aqui, (...) e o aluno tendo o lugar dele em todos os espaços.... e ele falar o que ele está sentindo, o que ele precisa, a voz dele também, ser ouvida independente do nível de comprometimento que ele tenha”.

1.1.1.2.4. Acessibilidade A recomendação do grupo é a de promover-se a acessibilidade ao meio físico, à

comunicação, e aos recursos pedagógicos através a tecnologia assistiva, com soluções criativas que possam ser usadas como recurso, desfazendo o mito de que a Escola nunca está preparada para a inclusão.

“A justificativa é que o sistema não está preparado para receber o aluno com deficiência na sala de aula regular.”

“Mais ousadia na extinção das classes especiais criando sistemas de apoio dentro da escola regular e que possam dar suporte ao aluno incluído na sala comum”.

1.1.1.2.5. Experiências Positivas em torno da Inclusão As experiências em torno da educação inclusiva no Brasil são positivas em sua maioria.

Tais experiências devem ser incentivadas, valorizando as iniciativas que mostram o desejo e o investimento em torno da inclusão, sem o que não se inicia o processo, e onde a ênfase esteja na pessoa do aluno, com suas singularidades e necessidades individuais.

“(...) é a vontade de querer que aquilo aconteça, que aquela escola se transforme e que ela seja uma escola da comunidade. A coordenadora da escola de Varginha-MG, falava muito assim, eu não quero uma escola feia, eu quero uma escola pintada de novo, eu tenho todos os recursos. Ela não pintou a parede da escola porque o Yago estava lá, ou porque alguém ia reparar. Ela está falando para todos, (...) ela estava fazendo uma escola para todos (...) ela quer uma escola onde todos eles aprendam, onde todos eles sejam valorizados e busquem as suas potencialidades para o seu desenvolvimento”.

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“.....eu tenho uma escola, a diretora disse, a escola não tem dono, todos tem direito de se matricular nessa escola, nós vamos receber essa criança..... Se ao longo de um trabalho, a escola vir que realmente esse aluno necessita de outras modalidades de atendimento que a escola não tem como oferecer, pode ser dado um apoio do núcleo de educação especial ou de outra instituição, mas a princípio a escola está preparada para receber a criança. Então, aí a gente ressalta o envolvimento dos professores. Hoje a gente tem uma realidade de baixa auto-estima de todos os professores, há uma reclamação generalizada sobre os baixos salários. A escola está tentando o envolvimento (...) mas primeiro está preocupada com o que não tem e não com o que tem, (...) o querer fazer, o querer criar é fundamental”.

1.1.1.2.6. Indicadores de Avaliação Apesar das experiências em torno da inclusão serem consideradas positivas pelo grupo,

alguns apontam para a necessidade de serem melhor avaliadas, para uma sistematização em torno de ações viáveis e sustentadas por um aporte teórico mais consistente. O grupo levantou a necessidade de se eleger indicadores mais precisos para uma avaliação sobre o que está sendo praticado como inclusão, de modo a corrigir as distorções e apontar ações mais consistentes e com maior fundamentação teórica. Partindo de um diagnóstico seguro da situação, procurar definir técnicas pedagógicas a serem implantadas.

“Considerar a forma como se avalia e se mede os resultados do processo inclusivo desde o princípio e evitar avaliações do tipo vago e inconsistente (vai bem, etc.). Partir de um diagnóstico”.

1.1.1.2.7. Flexibilização Curricular Deve haver flexibilização curricular já que cada vez mais se constata que os alunos

com deficiências ou necessidades especiais não precisam de abordagens pedagógicas específicas das de outros alunos, e sim de estratégias individualizadas, que dêem conta da singularidade daquele aluno em particular.

O currículo escolar não precisa ser diferenciado e sim a forma como é apresentado, levando-se em conta a diversidade do aluno.

“Já comentei anteriormente que esta tem sido a dificuldade que meu filho e eu temos enfrentado em sua escola. Os professores acreditam que inclusão é o João receber as mesmas atividades que os outros, mesmo que não consiga realizá-las e eu falo a eles que algumas vezes o João tem que receber atividades que usem outra estratégia, mas que tratem do mesmo assunto, a fim de que possa realizá-las satisfatoriamente”.

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1.1.1.2.8. Formação Continuada em Recursos Humanos Como a inclusão é um processo em construção, foi assinalada a necessidade de uma

formação continuada de recursos humanos, não só constituído por profissionais da área, como professores ou pedagogos, mas também por gestores, e que sejam formados dentro da perspectiva da inclusão, podendo em ambos os casos envolver pessoas com deficiência como profissionais.

Os professores devem ser capacitados nas questões específicas, mas antes de mais nada, devem desenvolver uma escuta para o aluno e a família.

No processo de transformação da Escola, o grupo considera importante envolver na visão inclusiva não só professores e gestores, como demais profissionais envolvidos, como merendeiras, porteiros, vigias, auxiliares de limpeza, etc.

Na capacitação destes profissionais, representantes de ONGs sugeriram a inclusão de processos de sensibilização dentro da visão de vida independente, tendo instrutores com deficiência à frente deste processo, servindo como facilitadores de uma percepção favorável sobre as deficiências, desfazendo distorções por conta da desinformação e do preconceito, e promovendo mudanças atitudinais frente à diversidade.

1.1.1.2.9. Inclusão da Família e do Próprio Aluno É fundamental incluir, neste processo de transformação, a participação das famílias e

dos próprios alunos, para que tenham voz aqueles que mais podem falar de suas necessidades e desejos.

“(...) quer dizer a escola é do aluno, a diretora falou assim, a nossa é dos alunos e eu acho que isso falta à escola perceber, não é da diretora, não é da coordenadora, não é do professor, a escola é do aluno, ela está lá a serviço do aluno (...) a escola inclusiva tem que dar o direito de ter os pais dentro da escola trabalhando como parceiro realmente, não pintando parede, mas trabalhando e construindo um projeto pedagógico para o que ele quer para seu filho, o que ele quer para aquela escola e que isso seja para todos e que até os pais das crianças deficientes possam estar junto colocando as suas reivindicações também”.

1.1.1.2.10. Contribuições das Organizações Não Governamentais (ONGs)

Há recomendações do grupo em configurar com maior ênfase a contribuição significativa das organizações não-governamentais, salientando sua importância e emprestando-lhes um papel mais atuante junto aos programas em educação.

Neste sentido, é importante ampliar e aprofundar a relação com as organizações não-governamentais que representam o movimento de vida independente, com uma experiência inovadora quanto aos serviços que presta, com ênfase no modelo de relação entre pares (iguais).

“Chamou minha atenção o exemplo de uma experiências bem sucedidas, implementando a Educação Inclusiva junto com as ações ligadas ao Centro de Vida Independente”.

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Dentro deste modelo, a Escola deve criar espaços de discussão para os alunos entre si, e para os pais ou familiares, para que possam compartilhar vivências em comum (entre pares) e ter voz ativa na construção deste processo.

“Levando em conta os serviços ligados ao movimento de vida

independente, incentivar grupos de discussão entre pais de crianças com deficiência, e entre as próprias crianças com deficiência (suporte entre pares); criar espaços de partilha e reflexão entre pares (peer to peer) para a procura de soluções e busca de apoios adequados”.

Aproveitar outras experiências exitosas de ONGs, para serem absorvidas no planejamento e implementação do processo inclusivo.

1.1.1.2.11. A Deficiência dentro da Perspectiva das Competências

Procurar desenvolver uma compreensão da deficiência dentro da perspetiva das competências e não da falta ou da incapacidade, como normalmente ocorre. (Anexo 1).

“(...) a escola não precisou parar para ficar se preparando porque o Yago ia chegar. Quem é o Yago, o Yago tem deficiência auditiva, sim, mas o Yago é o Yago, independente dele ter a deficiência auditiva. Foi olhado como pessoa. Depois que ele chegou é que a gente foi buscar qual é o melhor jeito para adaptar as coisas para o Yago. Para aquela criança que tinha deficiência auditiva, ou mesmo que não tivesse, não somos todos iguais, nem mesmo os que têm deficiência auditiva, ou não. Isso aqui eu acho que sim, foi muito de intuição, mas é a intuição que fez acontecer. A gente acha que fulano não vai fazer isso e acaba fazendo muito melhor do que se imagina. Então esses são os aspectos positivos”.

1.1.1.2.12. Parceria da Escola com a Família A família deve estar integrada à Escola, para uma parceria que é fundamental para o

desenvolvimento do processo inclusivo.

“(...) Eu achei assim que a forma da escola ter trazido a mãe do Yago para dentro foi super importante, eu acho que foi fundamental; esse trabalho sem a família não vai dar em lugar nenhum, se a gente não trabalhar em parceria com as famílias, a inclusão não vai acontecer nunca. A mãe do Yago não é a única que se sente culpada como as outras mães e a diretora falou uma coisa muito interessante, ela só descobriu que ela tinha um filho, quando ela viu o que ele é capaz de fazer e a gente só vê isso quando a gente dá a oportunidade para as pessoas mostrarem quem elas são”.

É importante fortalecer os vínculos da Escola com as famílias, investindo-as do poder que têm para decidir e fazer escolhas pelos filhos e pela Escola que desejam para eles, procurando desfazer vínculos centrados apenas no poder da Escola. Tal disputa de poder da Escola com as famílias, afasta-as normalmente de uma parceria sumamente construtiva e imprescindível.

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“(...) e tanto a escola se queixa que o pai ou a mãe não intervêm e não querem saber de nada, como se queixa que estão sempre a dar palpite e de estar no meio onde não são chamados”.

“(...) reconhecer o poder da família e não haver conflito entre escola x família, disputando o poder; a escola não tem dono; a escola é de toda a comunidade e não de diretores ou professores”.

Incluir as famílias em geral sobre a discussão da Escola que escolheram: e não apenas as famílias envolvidas com a questão da deficiência, mas também aquelas que não têm filhos com deficiência, para resolverem suas resistências e estarem investidas na ideologia da inclusão, aceitando a diversidade.

“(...) o medo de não errar, elas não tiveram medo de errar, e o trabalho feito pela equipe com as famílias, (...) foi uma via de mão dupla, ou seja, a família da criança surda sendo trabalhada e as famílias das outras crianças também sendo trabalhadas: isso é um processo inclusivo da melhor qualidade possível”.

A responsabilidade que cabe à família de decidir e fazer escolhas pelo filho, deve ser compartilhada com a escola naquela responsabilidade que lhe cabe, sob o risco de ser depositada na família uma sobrecarga de tarefas e responsabilidades que causam uma tensão adicional indevida. Uma das pessoas que discutiu “família” assinala uma realidade na qual a família precisa estar investida no processo educacional do filho, colaborando, criando alternativas para vencer as dificuldades de aprendizagem, orientando a escola naquilo que conhece de seu filho, mas também precisa ter a contrapartida de ver a escola presente neste processo, repartindo encaminhamentos, soluções e responsabilidades.

“Eu acredito muito no envolvimento da família na construção da aprendizagem de qualquer filho e sou uma mãe presente na escola, que tenta colaborar para que a relação ensino aprendizagem seja facilitada. Mas como já disse isto não tem sido fácil. A escola que meu filho está hoje, acredita que a criança com Síndrome de Down, não se alfabetiza no coletivo e sim individualmente...Me pergunto por quê? E infelizmente a única resposta que vejo é tentar se isentar da obrigação de ensinar. E mais uma vez a responsabilidade é jogada na família. É por isso que muitas vezes nos sentimos cansados e é por isso também que muitos pais desistem de manter seus filhos em escolas regulares”.

Em sua necessidade de procurar orientação e esclarecimentos quanto ao potencial do aluno, a família deve receber informações corretas dos profissionais e equipes envolvidas, mas que não ultrapassem seu limite de compreensão e aceitação, sob o risco de gerar resistência e isolamento por parte do próprio aluno e dos familiares. A abordagem ao universo do aluno é importante para atrair sua confiança e despertar vínculos positivos tanto dele, quanto da família em relação à escola.

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1.1.1.2.13. Parceria com a Comunidade Deve haver articulação da Escola com a comunidade em geral, envolvendo os diversos

atores sociais, para estabelecer parcerias que coloquem a Escola em sintonia com a comunidade, para não se tornar um núcleo isolado, sem poder refletir e expandir os princípios norteadores da inclusão.

A Escola dentro de sua função inclusiva, deve envolver a comunidade para exercer seu papel transformador.

Da mesma forma, a comunidade deve estar envolvida e integrada ao sistema, para alimentar uma fonte de serviços que possam prestar suporte teórico e técnico à Escola, naquilo que ela não pode suprir.

A interação Escola e Comunidade é importante ao favorecer a retroalimentação do sistema inclusivo, de tal modo que a Escola possa influir na comunidade, gerando um efeito multiplicador através suas ações, ao mesmo tempo em que pode ser modificada pela comunidade.

1.1.2. Lista de Discussão

A lista de discussão ocorreu como um desdobramento da Oficina, que contou com um número selecionado de participantes. O objetivo da lista foi estender a participação para o maior número possível de pessoas, democratizando a informação e a oportunidade de discutir a Educação Inclusiva no Brasil, para esta discussão ser a mais abrangente possível e formar um painel diversificado que fosse representativo da realidade brasileira.

A lista de discussão do tema “Família e Comunidade” esteve aberta durante o período de 5 a 9 de Maio de 2003, encerrando-se com uma grande quantidade de intervenções.

1.1.2.1. Mensagem Inicial “Nossa história pessoal inicia-se na e com a família,

desenvolvendo-se o para situações mais amplas que representam nosso percurso desde a família para a comunidade, razão pela qual vamos substituindo vínculos mais primitivos e restritos ao meio familiar, para outros progressivamente mais extensos e representativos de contextos sociais mais amplos. Este é um processo de crescimento, pelo qual, a partir de um núcleo familiar básico, criamos uma referência interna que é fundamental para o futuro de nossas relações.

Para a criança, os pais, e principalmente a mãe, ou quem exerça a função materna, são as principais figuras a introduzir a criança no social, estabelecendo modelos de identificação pelos quais vai construindo uma rede de relações cada vez mais ampla representando sua inserção em espaços sociais mais extensos e diversificados.

A Escola, sendo a primeira instituição a ser apresentada à criança, é um espaço importante de ruptura da criança de seu núcleo familiar, propiciando crescimento emocional e expansão social. Isolada desta experiência, a criança corre o risco de um desenvolvimento emocional prejudicado, com a manutenção de vínculos primitivos e regredidos.

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Daí a importância da Escola ser um espaço aberto para todos, onde neste Todos, as crianças possam ser privilegiadas exatamente por estarem numa etapa que é vital para seu desenvolvimento e onde podem formar laços afetivos e sociais que as levam à estruturação e ao crescimento.

Uma criança que fica sem escola, é uma criança marcada por uma falta básica, apenas suplantada em importância por uma falha básica no meio familiar.

Ao examinarmos esta questão, podemos perceber sua relevância ao avaliarmos as conseqüências que estão implícitas numa Escola que exclui.

Felizmente, grandes avanços já foram realizados no sentido de se promover a inclusão nas escolas brasileiras. Esta é mais uma oportunidade que temos de avançar neste processo, com as contribuições que espero de todos vocês, sob a forma de relatos, depoimentos, experiências pessoais e profissionais, além de textos de suporte, relatórios, documentos”.

Em função da grande quantidade de intervenções durante a semana em que a lista esteve no ar, procuramos selecionar aquelas que foram as mais significativas, refletindo os várias ângulos em que o tema “Família e Comunidade” foi abordado. Dessa forma, esperamos montar um painel que represente a diversidade com que as famílias podem constituir-se, cabendo às Escolas contar, não com um modelo único, mas com esta diversidade em suas relações com as famílias.

1.1.2.2. Depoimentos

1.1.2.2.1. Atitude dos Pais A atitude dos pais pode refletir-se na Escola, já que o referencial que a Escola passa a

ter é em torno da visão dos pais.

“Realmente os movimentos e associações de pais e de pessoas com deficiência, têm sido um dos grandes impulsionadores no processo de inclusão. Aos poucos têm mostrado a muitos pais que o seu filho estar em uma escola regular, é um direito dele e não um favor que a escola está prestando. Aliás esta tem sido a postura de muitas escolas e professores, "a benevolência em aceitar este tipo de crianças" (coisa que já escutei em muitas escolas). Acredito na escola para todos e não vejo a inclusão apenas para as crianças com deficiência como muitas escolas vêem”. (Débora Gaiad)

“(...) fiquei analisando porque vários pais resistem à inclusão; nós

convivemos com as famílias na militância do movimento e sabemos que muitas preferem deixar seus filhos numa educação segregada, por vários motivos e o principal deles, é a falta de informação e formação também, além de outros fatores. Pensando bem, a inclusão dá muito trabalho para a família, eu diria até com uma boa dose de depressão. A realidade hoje é que, para mantermos nosso filho na escola temos que fazer: "marcação cerrada" ou seja, manter uma freqüência constante, correr atrás do diretor, da orientadora, dos professores, dos alunos, dos pais dos outros alunos,

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apoiar o professor na produção de material pedagógico, ajudar nas festinhas, acompanhar os passeios, pregar enfeitinhos, e olha faço tudo isto na escola do meu filho. Também estou usando uma estratégia e instrumento fantástico que é a participação no Conselho Escolar. Este ano fui eleita membro do mesmo, estou realizando algumas ações: como palestras, já levei um promotor público para falar, tive o privilégio de levar a Cláudia Werneck, estou trabalhando os professores; reunindo os alunos; pais de alunos e assim por diante. Tenho certeza que se não tivesse a participação realmente efetiva na escola, o meu filho já tinha saído há muito tempo. Vale ressaltar, que ainda são poucas as escolas que favorecem o acesso da família nesta dimensão, geralmente as famílias são tidas como "problemas" e os saberes destes atores importantes neste processo de inclusão, são relegados. Na verdade, o que seria um direito inalienável passa a ser uma espécie de favor, percebe? Mas nós vamos chegar lá, penso que vamos trabalhar para a outra geração”.(Maria Madalena Nobre)

1.1.2.2.2. Relação entre Pais e Filhos São inúmeras as possibilidades de relação entre pais e filhos: a escola deve ter uma

visão própria que a coloque em sintonia com esta diversidade.

"(...) ainda não se tem um contexto social que de fato sugira aos pais que seus filhos terão cidadania quando estiverem longe deles (...) torna este pai e esta mãe sujeitos muito diferentes do modelo padrão de pai/mãe com o qual o professor está habituado a interagir."

“Realmente, é muito difícil colocar filhos no mundo dentro de um

contexto social que não assegure uma cidadania plena para a pessoa com deficiência. Poderemos argumentar que o mesmo ocorre para pais de um modo geral, que lidam com uma realidade perversa no mundo atual, não trazendo segurança para ninguém. Mas considero mais importante do que sto uma atitude interna dos pais que lhes permita transferir uma visão de confiança na potencialidade do filho”.

“O medo que ocorre nos pais em geral quanto ao futuro dos filhos,

pode atingir os pais de filhos com deficiência de um modo mais intenso, mas é importante considerar que os exemplos de pais que apostaram na capacidade dos filhos e investiram no sentido de ajudá-los a se fortalecerem enquanto pessoas, são os exemplos mais significativos de casos de pessoas mais saudáveis sob o ponto de vista emocional, quebrando um padrão de conduta que estigmatiza”.

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Comentário:

Realmente, muitos pais se assustam com a perspectiva do futuro de seus filhos, alguns, repetindo uma visão estereotipada da sociedade, por representarem a deficiência como uma incapacidade que imobiliza em todos os sentidos a pessoa com deficiência. Assim como vivem uma situação de limitação concreta, seja no físico, no sensorial ou no mental, transferem esta limitação para o plano psíquico. Na visão destes pais, seus filhos são impotentes e incapazes de agir, decidir, buscar caminhos por conta própria, enfim ser donos de seu destino. Tal conduta fragiliza e torna dependentes os filhos que seguem precisando ser tutelados. Tal atitude pode refletir-se na Escola, já que o referencial que a Escola passa a ter é em torno da visão dos pais.

Comentário:

Uma outra passagem diz respeito á relação de seus pais com a deficiência dele. O relato é interessante no que diz respeito a uma disponibilidade da família para a questão da deficiência, disponibilidade que o "autorizou" para uma vida independente e autônoma. O espaço interno que os pais puderam disponibilizar para ele certamente foi muito importante para que pudesse disponibilizar este espaço para ele mesmo, espaço de confiança, de "poder" e de busca por uma condição própria de vida. Esta posição da família certamente é um importante elemento para a Escola poder espelhar uma representação sobre a deficiência em bases muito saudáveis.

1.1.2.2.3. Parceria Família / Escola A família pode ser parceira da Escola em sua forma de lidar com a deficiência

“E percebo que o mais difícil é mostrar ao professor como explorar a capacidade de cada aluno, como realmente vivenciar situações de ensino/aprendizagem. Quando nós como pais nos deparamos com situações em que as escolas não conseguem visualizar adaptações nas estratégias de atividades, sentimos na pele a falta de criatividade do professor.

O que tenho tentado mostrar à escola de meu filho é que o assunto enfocado deve ser o mesmo, mas as vezes a lição deve ser apresentada de maneira diferenciada. Mesmo assim, os professores teimam em insistir que a atividade tem que ser igual, mesmo que ele não consiga fazê-la pois assim ele não se sentirá diferente. A escola parece não perceber, que ele se sente diferente porque ele é diferente, sua aprendizagem é diferente, seus traços são diferentes e ele sabe disto. João se frustra muito quando não consegue fazer uma lição, então eu como mãe, sem nenhuma experiência como professora, modifico a estratégia, utilizando letras e espaços maiores, dividindo a atividade em duas ou mais partes, ou tornando-a mais significativa para ele, e vejo sua felicidade ao terminar a lição e dizer: “Eu Consegui!!!!”

Quando falo com a escola, na maioria das vezes vejo a posição de sabedoria plena, e de não ouvir o que a mãe leiga tem a dizer. Daí a gente vai ler Piaget, Perrenoud, Vigotsky, Mantoan, Morin, etc., para poder argumentar em pé de igualdade. Ter um filho com deficiência em uma escola regular não é fácil, as portas não se abrem de uma hora para outra e isto desgasta a família. É por isso que muitos pais desistem e acham que é melhor ficar tudo do mesmo jeito. Esta mentalidade também temos que

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mudar. Vejo que se as mães de ontem não tivessem lutado por espaços, hoje as dificuldades que o João e a gente enfrenta seriam muito maiores, e vejo também que nós estamos abrindo caminho para os mais jovens e os que ainda vão nascer”. (Débora Gaiad)

A Escola pode ser parceira da família em sua forma de lidar com a deficiência, provocando mudanças no sentido de desenvolver novos paradigmas para a compreensão da deficiência.

“Penso que nós pais não podemos esperar que as escolas se instrumentalizem tecnicamente para poder iniciar o processo de inclusão de nossos filhos, porque temos pressa e às vezes, temos que caminhar mais rápido que as próprias políticas, pois está em jogo a preservação da dignidade humana de uma geração que espera pelo reconhecimento de um valor, o valor por direito próprio, o direito de não ser segregado nem discriminado na escola, sobretudo porque esta instituição é um instrumento fantástico de transformação social”. (Maria Madalena Nobre)

1.1.2.2.4. “Empoderamento” do Professor “Os sujeitos escolares (particularmente os professores), a partir da

identidade que assumem naquele contexto, perdem suas próprias identidades e se acham obrigados a abrirem mão dos sentidos de mundo que, cotidianamente, fora da escola, regem suas vidas. Resultado disto: sempre que surge diante do professor um sujeito que desconstrua os sentidos consagrados na tradição escolar, este se sente profundamente ameaçado, por ter de lidar com as duas identidades (a sua e a do professor) e todos os conflitos de sentidos presentes dentro de si mesmo. Por este motivo, sem dúvida, a educação inclusiva começa pela formação de um professor incluído, ou seja, capaz de construir a identidade e os sentidos do profissional de ensino, sem ter de anular a sua própria identidade e seus próprios sentidos para se sentir um professor de verdade”. (Luiz Antonio Senna)

Comentário:

Acho muito interessantes suas considerações, principalmente no trecho em que você analisa que o professor também deve construir sua identidade em torno de ser pessoa e professor para não se sentir ameaçado quando alguma realidade nova e desconhecida, como é a questão da deficiência, possa mobilizar sua própria falta de identidade. Sendo assim: professor incluído nele próprio, para praticar a inclusão.

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1.1.2.2.5. “Empoderamento” do Aluno e da Família “O que me assusta no debate e nas ações com relação às pessoas

com deficiência é exatamente o fato de que: 1. Os profissionais se assumem como “donos da verdade”

absolutos e se sentem numa posição de poder, para decidir sobre a vida de crianças/jovens/adultos com deficiência;

2. A Maioria dos profissionais trata os “clientes” ou “pacientes”, com ou sem deficiência e suas famílias, como pessoas leigas e, portanto, na cabeça deles, incapazes de Ter poder de decisão.

Isso para mim é reflexo de nossa falta de cidadania... Enfim..., penso que devemos ser mais abertos e menos “donos da

verdade”, quando se trata de pessoas que enfrentam mais barreiras que nós para viver e ser membro da sociedade....Assim, precisamos ouvir e “empoderar” e não decidir pelo outro de acordo com valores profissionais ou pessoais.

O problema é que no Brasil não há recursos disponíveis para as pessoas com ou sem deficiência e, como resultado, quem tem conhecimento, tem poder e quem tem poder, toma as decisões e define o que é “certo ou errado” em detrimento da pessoa envolvida.” (Windyz Ferreira)

1.1.2.2.6. Padrões Ideais de Performance Padrões ideais de performance definindo de várias formas os que não se enquadram nesses padrões.

"A minha visão de inclusão sempre foi uma visão incondicional, aquela pautada nos princípios éticos, morais e de direitos humanos, aquela que lutar por todos vale à pena, não por alguns: "os melhores", "os mais bem dotados", "os inteligentes", "os que tem competência acadêmica", "os disciplinadinhos" e os "bonzinhos".

Realmente, é comum que nossos padrões de normalidade estejam pautados sempre em cima das competências, dos melhores, dos mais capazes, dos mais inteligentes e dos mais bem dotados fisicamente. É uma concepção que transpassa todo o social, influindo nas apreciações de quem não está nesta relação de afortunados”. (Maria Madalena Nobre)

1.1.2.2.7. Relato de uma Experiência Experiência de pais com deficiência com a escola de seus filhos

“Este texto foi produzido para uma publicação da UNICEF/Rehabilitation International (One in Ten) e o tema desse número foi Mulheres com Deficiência. A publicação está disponível em Inglês, Espanhol e Francês.

Na verdade, de todo o texto, o que eu queria compartilhar com vocês, foi a parte escrita pela minha filha Mel, hoje com 17 anos. O que ela disse na época, com 11 anos, foi o melhor presente que uma mãe, em qualquer circunstância, poderia receber.

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Na escola, a professora de inglês pediu às crianças que descrevessem uma pessoa com detalhes. A Mel poderia ter escolhido qualquer pessoa, sem ter que se expor, mas ela resolveu me escolher: (Fui saber dias depois, quando fui à escola e o texto dela estava na parede da sala).

"Rosangela Berman Bieler é minha mãe. Ela tem cabelos castanho-escuros e olhos castanho-claros. Ela adora falar com seus amigos e sua família. Usa óculos e sempre está de batom. Usa sempre brincos não importa aonde esteja. Uma das coisas que minha mãe tem e que a maioria das pessoas não tem é uma cadeira de rodas. Ela teve um acidente de carro quando tinha quase 19 anos. Muitas pessoas acham que isso é triste, mas ela não se importa. Ela é feliz assim como é. Ela tem bom humor e adora rir. É também uma pessoa muito boa. Mas, por outro lado, como vocês podem imaginar, é como qualquer outra mãe, que às vezes é muito legal e às vezes é muito chata. De qualquer maneira, eu a amo muito".

Acho que esse é o resultado que o processo de inclusão na educação pode gerar, não só nos nossos filhos, mas nos filhos dos nossos vizinhos, amigos, parentes, colegas, na comunidade em geral. Características como a deficiência, (a cor, a raça, a religião, a condição social, etc, etc...) são apenas mais uma das características de uma pessoa, como em todas as pessoas”. (Rosângela Berman Bieler)

1.1.2.3. Mensagem Final Ia colocar no "subject" deste e-mail a palavra despedida. Voltei atrás, por considerar

que esta lista impulsionou um movimento que não termina hoje e pode e deve continuar, já que estamos com uma ferramenta preciosa para compartilhar espaço de troca e de experiências que muito acrescentaram a nossa proposta de avançar na questão da Educação Inclusiva.

Muitos pontos foram abordados e outros tantos ficaram sob a promessa de serem examinados em outro espaço, como a questão da sexualidade, tal o volume de informações, opiniões, relatos e depoimentos que trocamos durante esta semana, além de documentos que podem nortear futuros encaminhamentos sobre o tema, como os apresentados por Maria Madalena Nobre e Windyz Ferreira.

Condensar toda esta discussão é tarefa difícil, mas vou tentar.

Tomando alguns itens que foram assinalados na discussão, focalizando as colocações que foram feitas por Maria Madalena Nobre, Luiz Antonio Senna, Pedro Pinto, Débora Gaiad, Maria Inês Nobre, Windyz Ferreira, entre outros, podemos fazer as seguintes considerações:

Não há inclusão na Escola sem o engajamento efetivo da família: esta é uma parceria de mão dupla;

A escola deve promover a participação da família na construção de seu projeto político-pedagógico;

Os movimentos sociais devem ser fortalecidos constantemente;

As conquistas são fortalecidas pela união de vários segmentos sociais, incluindo os pais e também os alunos com deficiência;

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O currículo escolar não precisa ser diferenciado e sim a forma como é apresentado, levando-se em conta a diversidade do aluno;

Os professores devem ser capacitados nas questões específicas, mas antes de mais nada, devem desenvolver uma escuta para o aluno e a família;

A Escola deve promover o “empoderamento” do aluno e da família

A Escola dentro de sua função inclusiva, deve envolver a comunidade para exercer um papel transformador;

O processo de inclusão deve acontecer de imediato e caminhar mais rápido do que as próprias políticas públicas;

"A inclusão escolar é inegociável". (Maria Madalena Nobre)

1.1.2.4. Resumo

Disponibilidade e distribuição mais homogênea de recursos financeiros

Indicadores mais precisos para uma avaliação dos resultados obtidos em experiências inclusivas e planejamento de perspectivas futuras

Flexibilização Curricular

Mudança de atitude frente à questão da diversidade humana, para a consideração das diferenças e compreensão das necessidades individuais

Ênfase na pessoa do aluno, dando-lhe poder para participar das escolhas e decisões sobre a Escola que deseja

Em relação à deficiência, ênfase nas competências e não nas faltas

Capacitação de recursos humanos, com a inclusão de profissionais claramente identificados com o modelo inclusivo

Integrar o corpo docente com os demais profissionais que operam na Escola, formando-os igualmente dentro da visão inclusiva

Suporte teórico e técnico à Escola através os recursos existentes na comunidade

Conceder espaço, atribuir poder e dar voz para os alunos e as famílias, integrando-os à Escola

Articulação da Escola com a Família, avançando para um modelo de relação onde o poder não esteja apenas na Escola

Articulação da Escola com a comunidade, buscando parcerias com instituições, organizações governamentais e não-governamentais, empresas públicas e privadas

No âmbito das parcerias, considerar as experiências inovadoras e exitosas das ONGs e, entre elas, as que representam o movimento de vida independente, com ações voltadas para o modelo de “suporte entre pares (iguais)”, e que pode ser aplicado em cursos de formação de recursos humanos e, nas práticas escolares, em grupos de alunos ou familiares.

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1.1.2.5. Recomendações As experiências podem ser aprimoradas e melhor resolvidas, envolvendo gestores,

professores, demais profissionais, familiares, alunos e a comunidade na ideologia da inclusão, onde a diversidade humana possa ser contemplada e compartilhada por todos os segmentos sociais, e não apenas pela Escola.

A Escola, antes de mais nada, deve apresentar uma disponibilidade e um desejo para a experiência inclusiva, assumindo uma atitude adequada em relação à diversidade humana e admitindo as diferenças, com a valorização da pessoa em primeiro plano.

As barreiras atitudinais são consideradas pelo grupo como o elemento mais forte na formação de resistências para o processo de construção da Escola Inclusiva. Quando as barreiras atitudinais não existem dentro dos professores, dos diretores ou dos demais membros da Escola, quando estes profissionais acreditam nos princípios da inclusão, este é um começo promissor para que o processo aconteça.

Assim como o movimento político das pessoas com deficiência e as associações de pais de crianças portadoras de deficiência foram os responsáveis diretos pelas grandes transformações ocorridas em nossa sociedade na questão da deficiência, a Escola deve tomar tanto a família, quanto os alunos com deficiência como aqueles que devem ter voz para falar sobre a Escola que desejam, incluindo neste processo os alunos e as famílias sem envolvimento direto com a deficiência.

“É preciso lembrar diariamente que a luta pela inclusão não tem fim, ela não é um estado ao qual chegamos, não é mesmo? Isso porque as exclusões que o ser humano é capaz de cometer são inúmeras e também potencialmente infindáveis...” (Mônica Pereira dos Santos)

“A verdadeira inclusão exige uma prática cotidiana de convivência

democrática com o outro, a consciência das nossas próprias singularidades e o desejo verdadeiro do convívio humano”. (Rosana Glat)

1.1.3. Anexos

1.1.3.1. Mudanças na Classificação de Pessoas com Deficiência

Revista Nacional de Reabilitação

São Paulo, 15/07/2002

Esta nova classificação levará em conta a capacidade das pessoas portadoras de deficiência e não a incapacidade.

Está em marcha uma verdadeira revolução, que nos próximos anos, alterará profundamente o perfil do tratamento dado pelos governos de todo o mundo às questões que envolvem as pessoas com deficiência. Podemos afirmar isto com base nas informações trazidas da Europa, pela médica fisiatra, Profa. Dra. Linamara Rizzo Baptistella, diretora da MR – Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas de São Paulo e presidente eleita da Internacional Society of Physical and Rehabilitation Medicine (ISPRM).

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Acaba de ser aprovado, durante o evento que reuniu especialistas de todo o mundo, um modelo de implantação da "Classificação Internacional de Funcionalidade", uma espécie de guia de orientação para o uso do CIF (Sistema de Classificação Internacional de Funcionalidade, ou Código Internacional de Funcionalidade) nos sistemas de saúde de todo o mundo. O encontro ocorreu no final de abril deste ano em Munique, Alemanha.

Antes, para definir a situação de uma pessoa em processo de reabilitação, era usado apenas o CID, o Código Internacional de Doenças, que mostrava apenas um lado da questão, o da doença ou a situação que causou a seqüela, mas não apresentava outros fatores como a capacidade do indivíduo em se relacionar com o seu ambiente de vida.

O CIF é um sistema que irá organizar e padronizar as informações sobre a funcionalidade das pessoas com deficiência, segundo uma nova abordagem, a da sua capacidade efetiva. Serão cinco categorias de verificação adaptadas por cerca de 199 países, representando uma nova era na avaliação de portadores de deficiência física em todo o mundo.

Além de representar um excepcional avanço na compreensão deste complexo universo, a nova metodologia fornecerá diretrizes mais precisas para as futuras políticas públicas dos países que a adaptarem, permitindo desta forma, ações mais específicas e detalhadas no atendimento das necessidades da população carente de algum sistema de apoio, como vagas acessíveis nos transportes públicos, acessos adaptados em escolas, centros de atendimento e muito mais. "O uso do CIF irá permitir que se defina com exatidão o que fazer para a melhoria das condições de vida das pessoas portadoras de deficiência no mundo todo", comentou Linamara Baptistella.

Linamara declarou que, "este sistema avaliará um paciente de acordo com o que ele pode e não pode". As razões para a sua adoção foram motivadas porque, segundo Linamara, "só o uso do CID não era suficiente para avaliar a funcionalidade do paciente, e a simples menção da doença não definia seu impacto sobre ele".

Ela citou como exemplo o caso da diabetes. Uma pessoa com diabetes está classificada no CID (Código Internacional de Doenças) como doente, mas se não apresentar sintomas incapacitantes específicos da diabetes, ela de forma alguma, poderá ser definida como possuidora de algum tipo de deficiência, e esta era uma dificuldade estrutural do CID, que veio a ser corrigida com o CIF. O CID não era capaz de apresentar uma realidade completa.

Em reabilitação, é dada grande ênfase para a capacidade de uma pessoa realizar tarefas diversas autonomamente, variando dos cuidados pessoais ao trabalho, e das atividades simples, como comer sozinho, à possibilidade de passear num parque. O CIF busca aperfeiçoar a avaliação deste potencial, inserindo estes dados no contexto da gestão de saúde pública e será utilizado em associação ao CID, como uma ferramenta gerencial, para tornar cada vez mais próximas da realidade as informações dos governos sobre as reais condições de saúde e funcionalidade de toda a população mundial.

Este documento é um vasto sistema de verificação do potencial de realizações do ser humano, sendo dividido em cinco grandes categorias que fornecem dados completos sobre a funcionalidade, estrutura morfológica, participação na sociedade, atividades de vida diária e o ambiente social de cada indivíduo. Estes dados oferecidos pelo CIF fornecerão soluções para melhorias sensíveis na saúde pública destes estados, pois haverá uma clareza sem precedentes sobre o que está funcionando bem e o que não está surtindo efeitos positivos na inserção de PPDs ao convívio pleno e produtivo da sociedade.

O mais interessante do CIF, segundo a doutora Linamara, é que esta classificação irá definitivamente retirar do portador de alguma necessidade ou característica especial, a classificação de INCAPAZ. "Pelo CIF, agora uma pessoa perfeita, mas que não sai de casa por

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causa de uma depressão, será considerada incapaz diante de uma pessoa que é tetraplégica, mas que comanda uma empresa de 500 funcionários e cuida de sua família normalmente", exemplifica Linamara, comemorando o fato de que, "enfim vão deixar de tratar o portador de deficiência como incapaz ou doente".

Um ponto relevante é que para funcionar bem no Brasil, O CIF necessitará de apoio da sociedade. "O CID foi criado em 1920 e só foi implantado no Brasil em 1987. Espero que não levem oitenta anos para fazer o mesmo com o CIF", comentou Linamara, ao afirmar que a pressão da sociedade será fundamental para acelerar o processo de adoção deste sistema pelo novo governo. Segundo informações complementares obtidas, o lançamento mundial para o público ocorrerá em 2003 e o prazo acordado para a implantação do modelo no Brasil e na maioria dos países participantes do termo, terá o ano de 2004 como limite para sua utilização. Todos estaremos atentos para este prazo.

O momento atual no Brasil, em relação a implantação do CIF é de pesquisas preparatórias. "Estamos realizando um estudo com 3 mil pacientes para verificarmos como o modelo funciona na prática", afirmou Linamara, informando que esta etapa de pesquisa é uma prévia à implantação do CIF no país. Também soubemos através dela, uma novidade excepcional: ocorrerá no Brasil em 2003, um curso para a comunidade científica de toda a América Latina sobre a aplicação do CIF, que será ministrado pelos médicos – Dr. Gerold Stuck, da Alemanha e Dra. Alarco Cieza, da Espanha – ambos profissionais da Universidade de Munique, Alemanha, o centro de pesquisas designado pela ONU para o desenvolvimento da nova metodologia de classificação. O evento ocorrerá durante o REMEAD, congresso médico, que acontece durante a REATECH’ 2003 (de 24 a 27 de Abril).

Nós, da Revista Nacional de Reabilitação, podemos afirmar a nossa satisfação com este novo sistema, que classifica a condição funcional do indivíduo e não mais a ineficiência, mas sim e nada mais justo, a sua eficiência. Cremos que a partir deste novo modelo de obtenção de dados, as pessoas com algum tipo de deficiência serão melhor compreendidas e reconhecidas pela sociedade, não pela "deficiência", mas sim, pelo que são verdadeiramente capazes de realizar.

Esta nova etapa na vida da pessoa portadora de deficiência no mundo ocorre depois de 22 anos de muito trabalho. Iniciaram-se discussões a respeito do tema em 1980, sobre a nova abordagem de avaliação; em 1990, foi feito o primeiro projeto, para somente agora, em 2002 termos um produto acabado, e que será aperfeiçoado pelos próximos anos. Vamos apoiar e torcer para a plena e justa realização deste vasto trabalho, que inicialmente, começa com a conscientização da sociedade.

Referências desta página

http://www.lerparaver.com/index.html

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1.1.3.2. Filhos Reais ou Virtuais?

Elaborado por: Cláudia Werneck

Jornalista e escritora especializada em sociedade inclusiva, autora do livro "Mas ele não é mesmo a sua cara?" (WVA Editora).

Texto publicado em 21/02/2001 no Jornal O Globo, coluna Opinião.

Presidente da República. Astronauta. Atleta olímpico. Maior jurista do Brasil. Desde crianças imaginamos o futuro brilhante de nossos filhos. Gestação, parto, primeiros dias em casa ... tudo quase perfeito. Alguns recém-nascidos são bem diferentes daqueles acalentados em sonhos. Em vez de um bebê moreno e cabeludo, nasce outro, de pele clara, careca. No lugar do roliço, chega um pelancudo, magro demais. O olho azul do avô não veio, mas... e daí? "Importa é que tenha saúde". Santa frase. Diante dela, agradecemos a um Deus a graça recebida e a frustração desaparece.

E o que acontece quando o bebê real é muito, muito diferente do bebê desejado? Nem pior nem melhor, apenas muito diferente. E se o recém-nascido não tiver nada de lindo ou de saudável (na concepção mais comum, mesmo que dúbia, deste vocábulo)? Que mancha enorme e avermelhada é aquela bem na face do bebezinho? E se ele chegar sem um dedinho, for prematuro, precisar se operar com urgência, ter uma disfunção qualquer? Uma alteração genética? Nestes casos, perderá sua humanidade?

Desânimo, susto, medo, choque. Incentivados por toda a vida para receber filhos virtuais, é natural que os pais sintam dificuldade em lidar com este filho real. Culturalmente, somos ensinados a planejar o futuro de um filho-sonho. Mas ao receber nos braços um bebê com algum tipo de comprometimento seremos capazes de imaginá-lo sentado na cadeira do presidente da República? Ou ganhando o prêmio Nobel de Física? Ou simplesmente – e o mais importante – sendo um cidadão (ou cidadã) e pai (ou mãe) de família produtivo(a) e feliz?

Pediatras, enfermeiros, obstetras com freqüência também costumam ser inábeis diante do recém-nascido que não corresponde à expectativa dos familiares e da equipe médica. Em vez de fortalecerem os vínculos afetivos entre mãe/pai e filho, que se inicia naquele instante, muitos profissionais da área de saúde (os primeiros a ter contato com a família), por falta de informação (não de conhecimento técnico) e de consciência sobre a importância de seu papel, agem com constrangimento, dando àquele bebê o lugar do "doente", do "diferente", do “deslize da natureza”, como se a humanidade fosse absolutamente homogênea, previsível, imutável. O ranço da homogeneização permeia humanos de qualquer idade. Até mesmo os adolescentes que hoje se rebelam por seus pais exigirem deles comportamentos estereotipados já se exercitam nos sonhos de um filho idealizado.

Voltando ao recém-nascido, se a limitação é séria, ou pelo menos visível, até as visitas, tão gentis e bem intencionadas, também se enrolam. Perdem a naturalidade e evitam fazer perguntas costumeiras, que toda mãe adora responder: "Ele está mamando bem?", "Chora muito?", "Tem cólicas?", "Parto normal ou cesariana?". Poucos amigos se arriscam a fazer o clássico jogo que dá ao recém-nascido o direito de ser percebido, genética e afetivamente, como prole que é: "Olha a boca, é do pai"; "tem uma implantação de cabelo igualzinha a da avó materna"; "Lembra demais o irmão quando nasceu", "guloso que nem a prima".

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Tantos equívocos de abordagem refletem a cerimônia que temos com aquela que deveria ser a mais estimulada de todas as reflexões, desde a infância: a ética do indivíduo com sua espécie, a antropo-ética, reflexão que deveria anteceder às próprias questões sociais. Ao contrário, o tema diversidade humana, que até já entra nas discussões comunitárias, nas salas de aula e no currículo das faculdades, entra por força de lei, como algo menor ou algo a mais, quase sempre um requinte, um detalhe, uma especialização, uma matéria optativa, um extra.

Discutir diversidade humana não tem o status de discutir desigualdade social, diferença racial, opção sexual etc. Mas que absurdo! Como assim? Pois se a diversidade é a característica mais intrínseca do gênero Homo, da sapiens espécie. Reconhecer que a humanidade sempre buscou e buscará diversas formas de se manifestar é assumir um novo eixo ético em todas as relações sociais que nos permitirá ser pais, arquitetos, jornalistas, professores, médicos e psicólogos muito melhores, mais lúcidos, mais eficientes. O bebê nos surpreende com suas diferenças porque é humano. Repito: nem pior nem melhor, apenas surpreendente. Também os filhos adotados, os sobrinhos que ajudamos a criar, os alunos que nos recebem na sala de aula exigirão de nós sabedoria diária para suportar suas diferenças, porque é nelas que se legitimam e é através delas que nos renovam. O chamado momento da notícia, aquele no qual reconhecemos o filho que nos cabe, é um exercício que, até a nossa morte, será diário.

Lamentavelmente, famílias inteiras baixam imediatamente suas expectativas em relação a seus recém-nascidos reais por não conseguirem adequá-los a seus recém-nascidos virtuais. Inabilidade que tende a se replicar no relacionamento familiar, iniciado naqueles instantes. Que pena. O futuro de qualquer pessoa é inimaginável. Sem exceções, todo filho quando chega é um enigma, que nos encanta e amedronta desvendar.

1.1.3.3. Experiências Inovadoras

1.1.3.3.1. Centro de Vida Independente de Maringá Avenida Colombo, 5790 – UEM – CAP – Bloco 14

Maringá – Paraná

CEP 87.030-121

Fone/fax (44) 263-8310

Site: www.cvi.maringa.org.br

E-mail: [email protected]

Projeto SéculoXXI

“Ouvindo todas estas experiências, gostaria de relatar um trabalho que temos desenvolvido aqui em Maringá, desde 1995, pelo CVI-Maringá. Trata-se do Projeto Século XXI, cujo objetivo é levar às Escolas, através de palestras, a deficiência pelos deficientes.

Formado por um grupo de seis pessoas com deficiência (física, visual e, eventualmente, auditiva), estamos conversando com alunos do ensino fundamental de todas as escolas do município, com o objetivo de colocá-los frente à frente com estas pessoas e assim derrubar a barreira do preconceito que muitas vezes lhes é imposta pela Escola e pela própria família, num processo cultural já muito antigo.

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Estes encontros têm sido extremamente proveitosos, pois as crianças fazem todo tipo de perguntas e assim, ao perceberem que somos seres humanos como quaisquer outros, passam a ver não mais a deficiência e sim as pessoas que estão lá”. (Alexandre Baroni)

1.1.3.3.2. CEPRE /FCM / UNICAMP Campinas – SP

[email protected]

“Gostaria de compartilhar com vocês algumas experiências que tenho tido. Como terapeuta ocupacional, junto com alunas da graduação do mesmo curso, e uma aprimoranda, temos um grupo de mães no CEPRE/FCM/UNICAMP, do qual já fizeram parte alguns pais. O que a cada dia me incentiva a continuar com este trabalho é sem dúvida o relato que fazem durante os encontros e o quanto eu aprendo com isso. Temos alguns objetivos e entre eles construirmos brinquedos adaptados, ou não, às necessidades das crianças, por ser um grupo aberto, tendo mães de crianças com deficiência visual e crianças com deficiência auditiva. Escolhemos atividades como recurso terapêutico, pois através da execução das mesmas, as mães se colocam com naturalidade. Muitas fazem atividades manuais, de acordo com o interesse de cada uma. Em tantos relatos, observo, e já escrevi sobre isto, o quanto um lugar, onde se possa falar e ser ouvida, faz com que as pessoas se sintam melhor; nada melhor que o acolhimento e é isto que priorizamos nos atendimentos. Um espaço onde a mãe ou o cuidador possa se expressar sem medo da repressão, ou culpa. Um espaço onde ela possa ser ouvida, como mãe, mulher, membro de uma sociedade ainda machista, mas que aos poucos pode ser mudada. Só tenho a agradecer esses momentos que compartilho com elas pois aprendo a cada dia com suas experiências”. (Maria Inês Nobre)

Comentário

O que é mágico no grupo é que, geralmente numa instituição que despersonaliza, você cria um espaço onde as pessoas adquirem identidade, são chamadas por um nome próprio, passam a ter voz e vivem sua singularidade numa experiência compartilhada, onde a diversidade é a moeda corrente. Nada mais importante.

Além do mais, este é um espaço em que a culpa é minimizada e os sentimentos distribuídos por todo o grupo, aliviando as pessoas de cobranças e exigências. O fato de haver uma tarefa, criação de brinquedos, é super construtivo. Nesta construção em grupo, acho que as pessoas elaboram situações emocionais e fantasias que ajudam no aspecto de restaurar, resgatar aspectos internos identificados como destruição.

Por este aspecto, este trabalho é inovador e serve de exemplo para uma visão da instituição como elemento ativo do processo de inclusão.

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1.1.3.3.3. Rede SACI Marta Gil

[email protected]

“Temos 2 listas que abordam a problemática da família: a primeira a ser criada foi a "mãe de criança com deficiência". Para nossa alegria, também temos tido a participação de alguns pais.

Em breve, criaremos outra lista, a partir da manifestação de uma usuária, que é deficiente visual e está grávida de seu primeiro bebê. Além de ter todas as dúvidas comuns a mães de primeira viagem, ela tem outras, decorrentes da deficiência. Estamos localizando mulheres com deficiência visual que tenham tido filhos e abriremos esta lista”. (Marta Gil)