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12 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS JOSETTE BAPTISTA CONSOLIDAÇÃO E COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO: A POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO (1835/1889) VITÓRIA 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS

JOSETTE BAPTISTA

CONSOLIDAÇÃO E COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO DO IMPÉ RIO:

A POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO

(1835/1889)

VITÓRIA 2009

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JOSETTE BAPTISTA

CONSOLIDAÇÃO E COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO DO IMPÉ RIO:

A POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO

(1835/1889)

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História

Social das Relações Políticas do Centro

de Ciências Humanas e Naturais da

Universidade Federal do Espírito Santo,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em História, sob

orientação do Professor Doutor Geraldo

Antonio Soares.

VITÓRIA 2009

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Baptista, Josette, 1962- B222c Consolidação e cotidiano de uma instituição do Império : a

Polícia Militar do Espírito Santo (1835/1889) / Josette Baptista. – 2009.

125 f. : il. Orientador: Geraldo Antônio Soares. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Ciências Humanas e Sociais. 1. Polícia. 2. Polícia militar. 3. Estado. I. Soares, Geraldo

Antônio. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Sociais. III. Título.

CDU: 93/99

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JOSETTE BAPTISTA

CONSOLIDAÇÃO E COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO DO IMPÉ RIO:

A POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO

(1835/1889)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História

Social das Relações Políticas do Centro de Ciências Humanas e Naturais da

Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em História, sob orientação do Professor Doutor Geraldo Antônio

Soares.

Aprovada em _____ de _____________de 2009.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________

Profº Drº Geraldo Antonio Soares Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

_____________________________________________

Profª Drª Adriana Pereira Campos Universidade Federal do Espírito Santo

_____________________________________________

Profº Drº Ivan de Andrade Vellasco Universidade Federal de São João Del Rey

____________________________________________

Profª Drª Márcia Barros Ferreira Rodrigues Universidade Federal do Espírito Santo Suplente

16

“A polícia é uma instituição necessária

à ordem e à vida de uma cidade. [...]

Não se deve dizer mal da polícia. Ela

pode não ser boa, pode não ter

sagacidade, nem habilidade, nem

método, nem pessoal; mas, com tudo

isso, ou sem tudo isso, é instituição

necessária. Os tempos vão suprindo

as lacunas, emendando os defeitos.

Para falar de nós, já começamos a

perder a idéia de uma polícia eleitoral

ou de um canapé destinado a alguém

que passa de um cargo a outro e

descansa um mês para tomar fôlego.”

Machado de Assis

A Gazeta de Notícias

Rio de Janeiro

20 de dezembro de 1896.

17

AGRADECIMENTOS

A trajetória para a realização desta dissertação foi longa. Começou no segundo

semestre de 2003, quando cursei a primeira disciplina do Mestrado em História

como aluna especial. Buscava conhecimentos que me auxiliassem na elaboração do

projeto de pesquisa para ingresso como aluna regular. Conclui a graduação em

História em 1991, porém, minhas atividades profissionais na Polícia Militar acabaram

direcionaram meus estudos para a área da educação policial. Durante muitos anos

trabalhei na Diretoria de Ensino da instituição. Na busca de maiores fundamentos,

em 2004 cursei ainda como aluna especial a disciplina História, Cotidiano e Poder,

ministrada pelos professores Drª Adriana Pereira Campos e Drº Geraldo Antonio

Soares. Tal disciplina foi fundamental em termos teóricos e metodológicos para a

confecção do meu projeto de pesquisa. Assim, sem tirar o brilhantismo dos demais

professores do mestrado agradeço imensamente aos dois, que me abriram novos

horizontes com suas abordagens sobre o cotidiano do Espírito Santo no século XIX,

possibilitando-me precisar o objeto de estudo da minha pesquisa.

Em 2007 finalmente ingressei como aluna regular no mestrado e tive a honra de ser

orientada pelo professor Drº Geraldo Antonio Soares. Exigente na medida certa,

disposto sempre a me guiar na construção do conhecimento necessária a realização

da minha dissertação, me ajudou a apreciar e entender o documento histórico dentro

da sua época e do seu contexto. Foi um exercício trabalhoso, porém prazeroso. A

ele, a quem posso chamar verdadeiramente de mestre, dedico com muito carinho

meu sincero e especial agradecimento.

Meus estudos tiveram sempre que ser conciliados com meu trabalho, assim não

posso deixar de agradecer aos meus comandantes Cel PM José Carlos Alves

Carneiro, Cel PM Júlio Cesar Costa, e nos dois últimos anos, Ten Cel PM Isson Feu

Pereira Pinto Filho, que souberam entender a importância do mestrado para mim,

possibilitando-me algum tempo para a realização desta dissertação. Também

agradeço ao meu amigo Tenente Silvagner, com quem sempre trocava idéias sobre

os meus estudos e se preocupava em me fazer algumas indicações.

A minha família - filho, marido, pais, irmãos e sobrinha - sentido da minha vida,

agradeço pela compreensão da ausência em algumas ocasiões.

18

RESUMO

Descreve a trajetória da Polícia Militar no Espírito Santo desde a sua criação em

1835 até a queda do Império, usando como fontes os Relatórios da Presidência da

Província, leis e decretos do Império e da Província, e mais dois documentos

produzidos pela própria polícia: os Livros de Registros de Assentamentos de Praças

e Oficiais e os Mapas Diários. Apresenta o embate constante entre os Presidentes

da Província e os membros da Assembléia a respeito da necessidade da polícia

para aquela sociedade, em que os primeiros apontavam sempre a necessidade de

aumento de efetivo, enquanto os segundos tendiam para a sua diminuição, e até

para a sua extinção, como ocorreu em 1844. Aponta ainda o cotidiano institucional

da polícia a partir da formatação do perfil das pessoas que se tornaram policiais

naqueles tempos do Império. Tal perfil foi retratado por meio de tabelas e gráficos

que nos permitiram apresentar análise detalhada a respeito da filiação, naturalidade,

idade, cor, estado civil, ofício anterior, tempo de permanência, forma de ingresso,

motivo do licenciamento, promoção, disciplina, bem como o que faziam diariamente

as pessoas no desempenho do ofício policial. Conclui que a policia foi instituição que

surgiu no contexto de construção do próprio Estado, e assim, contribuiu para a sua

configuração no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Estado. Polícia. Província do Espírito Santo. Século XIX.

19

ABSTRACT

Describes the trajectory of the Military Police in the State of Espírito Santo since its

creation in 1835 until the fall of the Empire, using as sources the reports of the

President of Province, laws and decrees of the Empire and Province, and more two

documents produced by the police: the Book´s Records of Settlements of the police

officers and the Daily Maps. Displays the constant clash between the Presidents of

the Province and members of the Assembly regarding the need of the police to that

society, in which the former always pointed to the need of increasing the number of

police officers, while the latter tended to their decline, and even extinction as

occurred in 1844. Also indicates the institutional routine of police from the format of

the profile of people who become police officers in those days of the Empire. This

profile had been portrayed through charts and graphs that enable us to provide

detailed analysis about the affiliation, place of birth, age, color, marital status,

previous office, time of remaining, form of entry, reason for licensing, promotion,

discipline, and what did the police officers in the daily performance of their offices.

Concludes that the police was a institution that arose in the context of the building of

the own State, and thus contributed to its configuration in Brazil.

KEYWORDS: State. Police. Province of Espírito Santo. Nineteenth century.

20

LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS

Tabela 1 - Organização da Guarda Municipal em fevereiro de 1875 .......................63

Tabela 2 - Filiação - período 1835-1844....................................................................85

Tabela 3 - Filiação - período 1868-1889....................................................................85

Tabela 4 - Naturalidade - período 1835-1844............................................................87 Tabela 5 - Origem dos policiais naturais do ES - período 1835-1844........................87 Tabela 6 - Naturalidade - período 1868-1889............................................................88 Tabela 7 – Idade - período 1835-1844.......................................................................89 Tabela 8 - Idade - período 1868-1889........................................................................90 Tabela 9 - População do Espírito Santo em 1872 .................................................... 92 Tabela 10 - Cor - período 1835-1844.........................................................................93 Tabela 11 - Cor - período 1868-1889........................................................................93 Tabela 12 - Estado Civil - período 1835-1844...........................................................94 Tabela 13 - Estado Civil - período 1868-1889 ..........................................................94 Tabela 14 – Ofício Anterior - período 1835-1844......................................................97 Tabela 15 – Ofício Anterior - período 1868-1889 .....................................................98 Tabela 16 - Forma de ingresso - período 1835-1844 ..............................................100 Tabela 17 - Forma de ingresso - período 1868-1889 ..............................................100 Tabela 18 - Reengajamento - período 1835-1844 .................................................101 Tabela 19 – Número de policiais assentados - período 1835-1844 .......................102 Tabela 20 – Número de policiais licenciados - período 1835-1844 .......................102 Tabela 21 - Número de policiais assentados - período 1868-1889 .........................104

21

Tabela 22 – Número de policiais licenciados - período 1868-1889.............. 105 Tabela 23 – Tempo de permanência na polícia - período 1835-1844...... ..............108 Tabela 24 – Tempo de permanência na polícia - período 1868-1889 ...................108 Tabela 25 - Evolução dos vencimentos ..................................................................110 Tabela 26 – Motivos do licenciamento - período 1835-1844 ..................................113 Tabela 27 – Motivos do licenciamento - período 1868-1889 .................................114 Tabela 28 – Baixa em hospital - período 1835-1844 .............................................120 GRÁFICOS Gráfico 1 – Promoção – período 1835-1844 ...........................................................109

Gráfico 2 – Promoção – período 1868 -1889 ..........................................................109

22

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Assentamento funcional de policial-Vitória-Séc XIX ......... .....................17

Figura 2 – Livro de registro do trabalho diário da polícia .........................................18

Figura 3 – Vista geral de Vitória – 1860 ...................................................................25

Figura 4 – Os refrescos do Largo do Palácio ..........................................................36 Figura 5 – Negociantes de Tabaco ..........................................................................36 Figura 6 – Finalidade legal da polícia em 1838.........................................................68 Figura 7 – Registro da extinção da polícia em 1844.................................................72 Figura 8 – Distribuição do efetivo em 1840 ............................................................. 78 Figura 9 – Distribuição do efetivo em 1842...............................................................79 Figura 10 - Registro funcional de policial do século XIX..........................................84

23

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................12

1. POLÍCIA, ESTADO E PODER .......................................................................23

1.1 UMA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL SOCIAL DA POLÍCIA ........................23

1.2 A POLÍCIA E O ESTADO IMPERIAL............................................................38

2. GÊNESE E CONSOLIDAÇÃO INSTITUCIONAL ..........................................46

2.1 OS DILEMAS DA CONSOLIDAÇÃO ............................................................46

2.2 PRECISA-SE DE POLÍCIA! MAS, PARA QUÊ POLÍCIA?...........................68

3. QUE POLÍCIA ERA ESSA? COTIDIANO INSTITUCIONAL DE UMA

POLÍCIA DO IMPÉRIO ......................................................................................82

3.1 O PERFIL SOCIAL DE UMA POLÍCIA PROVINCIAL ..................................83

3.2 O RECRUTAMENTO, O TEMPO DE PERMANÊNCIA E OS MOTIVOS

DOS DESLIGAMENTOS................................................................................... 99

3.3 A DISCIPLINA ............................................................................................115

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 118

FONTES E REFERÊNCIAS .............................................................................122

24

INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar se faz necessário deixar bem claro o sentido do termo polícia na

presente dissertação. Foi perceptível na pesquisa bibliográfica sobre o sistema de

justiça criminal1, no qual se inserem as instituições policiais, certa generalização no

emprego de tal palavra como se ela abarcasse as duas polícias formatadas no

Império. Uma destinada a ser usada como recurso de força do Executivo provincial e

outra destinada as atividades administrativas e judiciárias do Estado2. A primeira,

atualmente é denominada em todo o país como Polícia Militar, porém, no Espírito

Santo, nos tempos do Império, recebeu as designações de Guarda de Polícia

Provincial, quando de sua criação em 1835, e de Companhia de Polícia no ano de

18563. A outra hoje é configurada como Polícia Civil, mas no Império pode ser

reconhecida nas figuras dos Chefes de Polícia, Delegados e Subdelegados, que até

1871 possuíam também atribuições judiciais, pois tinham competência para julgar

certos crimes4.

1 Conforme Silva (2008, p. 19), atualmente o sistema de justiça criminal, em sentido amplo, refere-se

ao conjunto dos órgãos de controle social: Juízo Criminal, Ministério Público, Defensoria Pública,

advogados criminais, penitenciárias, polícias e legislação penal. 2 O Artigo 1º do Regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842 que regulamentou as partes policiais e

judiciais contidas na Lei nº 261 de 3 de dezembro de 1841(1ª reforma do Código de Processo

Criminal no Império) lista as autoridades encarregadas do exercício das atribuições das polícias

administrativa e judiciária: ministro e Secretário de Estado da Justiça, Presidentes das Províncias,

Chefes de Polícia, Delegados, Subdelegados, Juízes Municipais, Juízes de Paz, Inspetores de

Quarteirões e Câmaras Municipais. Por sua vez nos Artigos 2º e 3º podem ser encontradas,

respectivamente, as competências das duas esferas policiais. 3 Durante o Império não havia padronização do nome da polícia nas Províncias. A padronização do

nome Polícia Militar ocorreu somente a partir de 1946, não tendo nenhum significado de

subordinação ao governo federal. 4 Uma abordagem mais aprofundada nesse sentido pode ser encontrada em ALMEIDA, Paulo

Vinícius de. A criação do Inquérito Policial : Estado e polícia no Espírito Santo. Dissertação de

Mestrado: UFES, 2008.

25

Também não foi incomum a percepção de que forças de 1ª linha (Exército) e da

Guarda Nacional, ambas sob o controle legal e orçamentário do governo central,

foram por vezes apresentadas como se fossem forças policiais. O uso daquelas

forças no patrulhamento das cidades e no atendimento das demandas dos chefes do

Executivo, Juízes, Chefes de Polícia e Delegados diante da ausência ou

insuficiência de força policial profissional, permanente e remunerada, tal qual se

conhece hoje, e que no Brasil foi forjada nos tempos do Império, não lhes conferia o

status de polícia.

O pressuposto do presente trabalho parte da exata contextualização do processo

que fez surgir as organizações policiais tais quais as conhecemos atualmente. O

exercício de atividade fiscalizatória por grupos não treinados, devidamente

caracterizados e remunerados especialmente para tal, não configura a existência da

polícia em uma sociedade. Assim, compactuamos com o entendimento de que

O surgimento das forças policiais modernas no Ocidente foi um fenômeno

do século XIX. Até então, normalmente, as funções policiais eram

exercidas de maneira assistemática por grupos de cidadãos convocados,

por voluntários ou por pessoas comissionadas pelos governos, as quais

exerciam funções de natureza fiscalizatória ou mesmo vinculadas à

arrecadação de tributos. Até o século XIX, em síntese, a história da

‘polícia’ não poderá ser contada em termos institucionais porque a

organização típica de policiamento ainda não existia como regra, de forma

autônoma (ROLIM, 2006, p. 24).

Conforme também aponta Monet (2002, p. 23) o significado atual da palavra polícia

configurou-se na Europa durante o século XIX através de dois processos específicos

de especialização. Um foi conseqüência da incapacidade dos governos das diversas

capitais européias de lidarem com as sucessivas ondas de “motins, insurreições e

revoluções” através da utilização dos seus exércitos. Assim, foram sendo

formatadas “organizações policiais maciças, cujos agentes são cada vez mais

organizados, equipados e treinados para controlar as multidões”. Tal processo

traduziu-se na especialização policial. O outro diz respeito ao fenômeno de

26

racionalização do direito criminal e da expansão do aparelho judiciário ocorrido

também no século XIX, que nos foi apresentado por Foucault (1987) em sua obra

Vigiar e Punir. Este processo configurou-se na especialização judiciária ao qual se

juntaram as instituições policiais na função de auxiliares da justiça. Assim,

[...] daí em diante, a palavra “polícia” remete diretamente àquele ramo da

organização administrativa encarregado de reprimir as infrações às leis e

aos regulamentos e de impedir movimentos coletivos que agitam com

freqüência cada vez maior o próprio coração de cidades em plena expansão

(MONET, 2002, p. 23).

As atividades das instituições que se configuraram como Polícia Militar e Polícia

Civil se encaixam nesse entendimento, o mesmo não se dando com as forças de 1ª

Linha e da Guarda Nacional no Brasil imperial. Também é pertinente lembrar que os

primeiros legisladores que contribuíram para a conformação das instituições do

nascente Estado brasileiro não eram homens iletrados, nem tampouco alienados

das teorias e aplicações práticas sobre as questões que envolviam a justiça e a

polícia na Europa. Faziam parte da elite que administrava o Estado imperial, e

conforme José Murilo de Carvalho (2003) aponta, tinham trajetórias de formação

intelectual e acadêmica nas Universidades da Europa. Na certa não desconheciam,

por exemplo, Cesare Becarria, autor de Dos Delitos e das Penas, obra da segunda

metade do século XVIII que integrou o movimento iluminista no campo jurídico. Nas

palavras do Presidente de Província Eduardo Pindahyba de Mattos, num trecho do

relatório endereçado a Assembléia Provincial em 1864 pode-se muito bem identificar

tal conhecimento:

A prevenção dos crimes é a mais importante e imperi osa obrigação da

autoridade; porem as melhores disposição, e a mais pronunciada cedição

à causa pública, malogrão-se ante a impossibilidade de desempenhar

aquella obrigação.

27

Sem agentes que cumprão os seos mandatos, sem os meios de se

fazerem respeitar e obedecer, não podem as autoridades exercer a acção

benefica, para que foram constituídas. (grifo nosso)

O objeto de estudo específico desta pesquisa é a Polícia Militar, como o seu próprio

título indica. Mais por uma economia de palavras, o termo polícia quando utilizado se

refere sempre a esta instituição que no Império teve duas designações como já

apontado. Também houve a preocupação, diante dos dois nomes, em não confundir

o leitor, considerando que a apresentação das informações não ocorreu de forma

rigidamente cronológica.

A criação de uma instituição impõe a necessidade de alguns pontos de sustentação.

Para a polícia, nos tempos do Império, o mínimo, com certeza, dizia respeito ao

arcabouço legal que justificasse suas ações, as pessoas para executarem o trabalho

que lhe era pertinente, e o orçamento financeiro que lhe possibilitasse ter

funcionalidade. Mas a viabilização desses elementos indispensáveis dependia da

vontade política daqueles que detinham em suas mãos o poder decisório sobre a

montagem das instituições que deveriam proporcionar a governabilidade ao

nascente Estado nos tempos do Império.

O interesse da presente pesquisa está especialmente concentrado no conjunto de

pessoas que se tornaram policiais naqueles tempos. A bibliografia sobre a Polícia

Militar do Espírito Santo é quase inexistente, sendo mais conhecida a obra “História

da Polícia Militar do Espírito Santo –1835-1985”, de autoria de Sônia Maria Demoner

(1985)5. Nesta obra a autora fez uma descrição de personagens e leis que criaram e

sustentaram tal instituição, mas não destrinchou os meandros da composição de

pessoas que se tornaram policiais naqueles tempos. Apenas recentemente, no

5 Tal obra é resultado de um concurso de monografia promovido pela Polícia Militar em 1983, como

parte das comemorações dos festejos de 150 anos da instituição que ocorreu em 1985.

28

decurso desta pesquisa, foram editadas mais duas obras sobre a Polícia Militar do

Estado do Espírito Santo6.

Também há de ser admitida a falta de fôlego para uma consulta exaustiva nas fontes

disponíveis que são de grande volume. Assim, não se entrará, por exemplo, nos

pormenores do orçamento financeiro da Província capixaba, embora seja questão

interessante a ser verificada com profundidade a exemplo do que fez José Murilo de

Carvalho (2003, p. 263), que ao identificar no orçamento os limites do governo

imperial acenou com muita propriedade: “Excelente indicador da distribuição de

poder em um sistema político são as contas do governo”. De forma bastante

repetitiva foi apontada nos relatórios dos Presidentes da Província a justificativa de

carência de recursos orçamentários não somente para a manutenção da polícia,

mas também para fazer permanecer em seus quadros os policiais que se

esquivavam de tal trabalho, comprometendo-lhe a própria existência. A questão aqui

seria tão somente a escassez de recurso? O tempo para um aprofundamento nesse

tipo de fonte é curto, mas as fontes pesquisadas nos apontam indícios de que

efetivamente a questão principal não residia neste ponto, como se abordará ao

longo desta dissertação.

A opção por enfocar o conjunto de pessoas que compuseram a Polícia Militar

naqueles tempos do Império apóia-se ainda no entendimento de que as pessoas

constituem-se no que de mais importante uma instituição possa ter. São justamente

as pessoas que lhe dão vida, possibilitando-a sobreviver como instituição. A Polícia

Militar do Espírito Santo já ultrapassou os 170 anos, sua história é a história das

pessoas que por ela passaram ao longo desses anos.

Veio completar tal interesse a disponibilidade das fontes que tornou possível tal

abordagem na presente dissertação. As informações sobre os policiais estão

detalhadamente descritas em fontes riquíssimas ainda pouco exploradas. Trata-se

6 As obras são: A participação da PMES nos conflitos limítrofes entre os Estados do Espírito Santo e

Minas Gerais na Região do Contestado e Evolução Histórica do Primeiro Batalhão de Policia Militar

do Estado do Espírito Santo, ambas de autoria de Gelson Loiola, Coronel da reserva, editadas

respectivamente pelo IHGES em 2008 e pela GSA – Gráfica e Editora em 2009.

29

dos Livros de Registros de Assentamentos7 de Praças e Oficiais, exemplificado na

figura 1, e disponíveis no Fundo de Polícia do Arquivo Público do Estado do Espírito

Santo (APEES). Em tais fontes estão descritos detalhes sobre as vidas individuais

de cada policial, identificado nominalmente e por um número que, para nossa

surpresa, tinha correspondência em outra fonte que também foi objeto de análise –

os Mapas Diários, exemplificado na figura 2. O encontro de tais fontes e o seu

cruzamento, com a possibilidade de identificação das pessoas através do nome e do

número, nos remeteu aos ensinamentos de Ginzburg (1989) a respeito do método

onomástico por ele descrito numa referência a importância do estudo de dados

seriais também para a micro-história.

Figura 1: Assentamento funcional de policial – Vitória - Século XIX Fonte: Fundo de Polícia do APEES

7 Assentamento é um termo utilizado para o registro das informações pessoais e profissionais do

policial.

30

Figura 2: Livro de registro do trabalho diário da polícia – Século XIX Fonte: Fundo de Polícia do APEES

Mas antes da apresentação dos dados sobre as pessoas que se tornaram policiais

será preciso conhecer e compreender a trajetória da polícia naqueles tempos do

Império, até ficar consolidada como instituição realmente necessária ao Estado

brasileiro, e de forma particularizada à Província do Espírito Santo. Para tanto, foram

usados essencialmente os relatórios da Presidência da Província, no geral dirigidos

a Assembléia Legislativa, que detalhadamente descreviam as atividades do governo.

Tais fontes constituem-se em importantes documentos para a compreensão do

período Imperial, portanto, não podem ser desconsideradas, e por isso foram

analisadas detidamente. Com certeza os relatórios refletem falas comprometidas

com o governo central e traduzem o pensamento da elite política. E ainda, no caso

específico do Espírito Santo havia, como bem aponta Adriana Campos (2007, p.

215-216), havia um componente a mais – a desconfiança dos deputados provinciais,

representantes da elite local, em relação aos Presidentes da Província. Eram

31

“homens egressos de outras regiões com o objetivo apenas de cumprir uma escala

na ascensão política dos quadros internos do Império”, o que nos indica realmente a

necessidade de uma leitura crítica de seus conteúdos. Mas, mesmo diante de tais

questões, não se tem dúvidas de que, para os olhos atentos de um investigador

disposto a cruzá-los com outros documentos, os relatórios constituem-se realmente

numa verdadeira porta de acesso ao passado imperial.

Uma questão central trabalhada nesta dissertação está justamente fundamentada na

oposição entre os membros da Assembléia e os Presidentes da Província em

relação a consolidação da polícia aqui em foco nos anos do Império. A primeira vista

poderíamos afirmar que a posição antagônica dos parlamentares provinciais em

relação a polícia poderia estar sustentada nos discursos dos próprios Presidentes

que relatavam sempre a tranqüilidade e a índole pacífica do povo capixaba, e ainda

nas insignificantes estatísticas criminais, apontadas por Adriana Campos (2007, p.

216). Mas a hipótese com a qual se trabalha é a de que no início de sua existência

o papel e as responsabilidades da polícia não estavam ligados essencialmente a

repressão criminal, e assim, não se justifica uma oposição nessas bases. Os chefes

do Executivo efetivamente viram na polícia uma instituição importante para a

execução de tarefas que extrapolavam o apoio às demais instituições do sistema de

justiça criminal também em formação naqueles tempos, e, portanto, para a

legitimidade de seus governos. Mas esses, como representantes do poder central,

encontraram nos deputados, representantes do poder local, fortes opositores à sua

potencialidade de força através de uma polícia provincial.

Tal hipótese encontra sustentação na seguinte explicação sobre o lugar ocupado

pela polícia em uma sociedade:

A polícia, enfim, é uma instituição singular em razão da posição central que

ela ocupa no funcionamento político de uma coletividade. A legitimidade de

um governo não depende, em todo lugar, de sua capacidade de manter a

ordem entre as populações e nos territórios juridicamente submetidos à sua

autoridade? Sempre que a ordem e a segurança deixam de ser garantidas,

não existe, ou deixa de existir Estado [...]. Em suma, um elo imediato

associa polícia e soberania do Estado sobre seu território: a existência de

32

uma polícia pública é o sinal indiscutível da presença de um Estado

soberano e de sua capacidade de fazer prevalecer sua Razão sobre as

razões de seus súditos. (MONET, 2002, p. 16)

Atualmente um dos debates em torno da polícia, e que com certeza deve estar na

pauta daqueles que definem os rumos da Segurança Pública no Brasil, diz respeito

justamente a concepção que se tem sobre o papel da polícia. Disto deveriam

depender as ações concretas de gestão neste campo de atuação do Estado. Gestão

que se torna perceptível para a sociedade, em primeiro plano, a partir da atuação

dos policiais que diuturnamente realizam o policiamento ostensivo em nossas

cidades, designados, majoritariamente na estrutura da Polícia Militar, como

Soldados, Cabos e Sargentos.

O trabalho da polícia extrapola em muito as ações de prevenção ao crime e a prisão

de criminosos, muito embora sejam tarefas de grande importância. Pensamos que

esta é uma concepção que realmente deve ser considerada, pois historicamente foi

ela quem constitutivamente esteve na gênese da Polícia Militar do Estado do

Espírito Santo e possibilitou sua consolidação ao longo do Império.

Também não se poderia deixar de apontar alguns aspectos pertinentes aos

pressupostos teóricos e metodológicos que nortearam a proposta da pesquisa

pretendida – a micro-história. Tais pressupostos tendem justamente a valorizar o

campo de ação das pessoas. Numa abordagem da teoria de Barth8, Rosental (1998,

p.156) esclarece que a unidade de observação privilegiada na análise do mundo

social é a interação entre as pessoas, chamada de “transações” que são

consideradas como “situações nas quais os indivíduos são forçados a tomar

decisões”. São tais transações que desvendam as incertezas das relações sociais,

pois o resultado da ação social é fruto da relação entre as pessoas. Rosental ensina

ainda que na abordagem barthiana, marcada pela incoerência dos sistemas de

8 Fredrik Barth, antropólogo norueguês que muito influenciou os historiadores italianos ligados a

micro-história.

33

normas e pelo caráter não automático de seus efeitos, um comportamento dado é

apenas a resposta particular que uma pessoa arrumou para uma situação.

No contexto de renovação da história a partir dos precursores da Escola dos

Annales, o sujeito da história só pode ser o homem, e o ponto de partida para a sua

construção o presente. Trata-se de ressaltar a história de homens comuns e de

como as repetições banais de suas existências dão lugar a uma determinada forma

de pensar e agir, definida como mentalidade. Geraldo Antonio Soares (1999) indica

então que para falar do cotidiano “o historiador deve sempre procurar o concreto”,

não podendo, para tanto, prescindir dos documentos, mesmo com todos os

problemas que os cercam.

Os policiais daqueles tempos iniciais de construção do Estado brasileiro, e assim da

nascente instituição policial no Espírito Santo, têm muito a nos dizer a partir das

condições de recrutamento as quais se submeteram, das suas escolhas de

permanecer ou não na polícia, das formas encontradas para a não permanência,

das indisciplinas cometidas, de suas origens sociais, idade, ofício anterior e

movimentações a serviço por toda a Província.

A presente dissertação - CONSOLIDAÇÃO E COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO

DO IMPÉRIO: A POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO (1835/1889) - visa

analisar na especificidade dos anos de formatação do Estado brasileiro, a

construção da matriz da instituição policial no Espírito Santo, desvendando em que

sentido e dimensão a organização política e social do período estudado contribuiu

para a formatação dessa matriz, e, portanto, deu o tom as suas práticas. Também

tem por objetivo identificar o perfil policial naqueles tempos, através das informações

sobre o conjunto de pessoas que se tornaram policiais.

Os limites do recorte cronológico correspondem, respectivamente, ao ano de criação

da Polícia Militar no Espírito Santo (1835) e a queda do Império (1889). A longa

delimitação encontra-se justificativa na lacuna de tempo apresentada pelas fontes

documentais. Foram encontrados registros correspondentes aos anos de 1835 à

1844, e de 1868 à 1889, que nos possibilitou apontar algumas diferenças no perfil

dos policiais. Tais diferenças refletem as próprias mudanças ocorridas na sociedade

34

ao longo do século XIX. Considera-se ser este um período ímpar para tal estudo

uma vez que se trata dos anos de construção do Estado brasileiro, e assim, nele se

pode encontrar a gênese de algumas de suas instituições, como a polícia. Também

correspondem aos anos de crise da escravidão que culminará em sua abolição

apenas um ano antes da queda do governo imperial, possibilitando contribuir com a

desmistificação de que era papel principal da polícia lidar com os escravos. A polícia

da qual se trata na presente pesquisa decididamente tinha outras atividades

principais como se indicará.

No primeiro capítulo - POLÍCIA, ESTADO E PODER - serão colocadas questões

relativas ao papel social da polícia. Serão também apontadas especificidades sobre

o modelo policial legalmente instituído pelo governo imperial, particularmente no que

concerne a Polícia Militar.

No segundo capítulo - GÊNESE E CONSOLIDAÇÃO INSTITUCIONAL - serão

apontados os dilemas da consolidação da polícia diante das posições conflitantes

dos representantes dos poderes Executivo e Legislativo da Província sobre sua

necessidade no contexto local da época. Será demonstrado como os Presidentes

reproduziram ao longo de todo o período um mesmo discurso repetitivo sobre a

necessidade do aumento de efetivo da polícia para demover os membros da

Assembléia da intenção de diminuir o seu efetivo ou mesmo extingui-la. Nesse

sentido serão apresentadas as perspectivas do significado do papel da polícia

naquela época para que se possa compreender tal posição dos Presidentes da

Província.

No terceiro capítulo - QUE POLÍCIA ERA ESSA? O COTIDIANO INSTITUCIONAL

DE UMA POLÍCIA DO IMPÉRIO - serão tratadas as especificidades da instituição no

que dizia respeito ao perfil social das pessoas que se tornaram policiais naqueles

tempos, tais como filiação, naturalidade, idade, cor, estado civil, ofício anterior, bem

como questões institucionais, tais como tempo de permanência, forma de ingresso,

motivo do licenciamento, reengajamento9, promoção, disciplina.

9 Reengajamento significa renovação do tempo inicial obrigatório de permanência na polícia.

35

Para finalizar esta introdução citamos as palavras de Monet a respeito da polícia,

que nos faz ter a dimensão exata da importância de tal tema:

Visível e, no entanto, desconhecida, familiar e, todavia, estranha, protetora,

e apesar de tudo, inquietante: a polícia inspira nos cidadãos das

democracias modernas sentimentos ambíguos, resumidos nessas três

oposições. Mas, antes de mais nada, o que é a polícia? (MONET, 2002,

p.15, grifo nosso).

36

CAPÍTULO 1

POLÍCIA, ESTADO E PODER

1.2 UMA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL SOCIAL DA POLÍCIA

A polícia é uma instituição moderna10. Seu surgimento, no modelo tal qual

atualmente é conhecido, está intimamente ligado à expansão do Estado Moderno,

especialmente a partir do século XIX em países da Europa ocidental, e por extensão

naqueles países a ela historicamente ligados, como é o caso do Brasil. A partir

desse momento histórico o Estado assume a autoridade através de suas

instituições, até então exercida na esfera pessoal. A polícia é uma delas. Através da

polícia o Estado passa então não só a proteger o patrimônio, antes tarefa dos

próprios proprietários, mas também de certa forma a controlar o comportamento

público11.

A formação da polícia insere-se dentro da noção de governabilidade nas

sociedades modernas. O conceito de governabilidade aqui usado é de Foucault,

apesar das críticas que se possa fazer a tal autor, especialmente no que diz respeito

a sua obra Vigiar e Punir. Segundo Burke (2002, p. 210) alguns críticos consideram

sua abordagem em tal obra insensível às variações locais, isto é, tendenciosa a

fazer generalizações sobre toda a Europa a partir da realidade francesa. Bem

sabemos que a capital da Província do Espírito Santo, como se pode perceber na

10 Estamos aqui concordando com Bretas (1997, p. 39) que critica frontalmente as posições daqueles

que intitula como “historiadores policiais”. Tais historiadores costumam remontar até a antiguidade

para situar o surgimento da polícia. Tal posição reflete realmente uma tendência de “naturalizar” o

papel da polícia tal qual é conhecido. 11 Uma análise aprofundada do surgimento do mecanismo de controle e direção do Estado sobre o

comportamento das pessoas através da polícia pode ser vista na obra Polícia no Rio de Janeiro :

Repressão e resistência numa cidade do século XIX de Thomas H. Holloway.

37

figura 3, com suas ruelas e becos, e uma população incipiente, nem de longe pode

ser comparada a uma Paris do século XIX, mas isto não inviabiliza a utilização de

seus conceitos em uma realidade diferenciada. Para Foucault (1997, p. 81) a

governabilidade traduz-se como “atividade de direção dos indivíduos ao longo de

suas vidas, colocando-os sob a autoridade de um guia responsável por aquilo que

fazem e lhes acontece”.

Figura 3: Vista geral da cidade de Vitória em 1860

Fonte: TATAGIBA, José. Vitória cidade presépio. Vitória: Multiplicidade, 2008.

Sob este enfoque a polícia apresenta-se então como um dos instrumentos que

contribuem para proporcionar ao Estado sua capacidade de governar. É onde se

encerra o seu poder de coerção, ficando entendido assim, conforme muito bem diz

Santos (1997, p.157), que “[...] o governo só é possível se for conhecida a força do

Estado, sua capacidade e os meios de aumentá-la [...]”.

38

Para que possa proporcionar a governabilidade necessária ao Estado, a polícia tem

como papel fundamental a manutenção da ordem social, através do qual expressa

também o grau de autoridade do Estado. Assim, não há como se falar em polícia

sem refletir a visão que se tem do Estado12.

Tomando como pressuposto a teoria contratualista, a polícia é uma instituição que

deve servir ao Estado, onde a lei, que passou a ter um papel relevante deve ser o

motor e a vontade do pacto social estabelecido na associação da humanidade,

conforme salientou Rousseau:

São necessárias, pois, convenções e leis para unir os direitos aos deveres e

reconduzir a justiça a seu objeto. No estado de natureza, onde tudo é

comum, nada devo a quem nada prometi e não reconheço a outrem o que

me é inútil. Não é assim no estado civil, em que todos os direitos são

fixados pela lei. (ROUSSEAU, 2002, p. 57)

Se o pacto estabelecido visa o bem comum e a felicidade dos cidadãos, as

instituições criadas para dar sustentação ao governo devem ter como ponto de

partida o limite da lei para as suas ações. A polícia, tendo o papel fundamental de

manter a ordem social, e expressando o grau de autoridade atribuído ao governo

através do uso da força para o cumprimento do pacto, deve fazê-lo sempre através

do exercício do monopólio legítimo da violência e do consenso social.

A intensificação do policiamento uniformizado e armado na corte brasileira a partir

de 1831, segundo Holloway (1997, p. 22, 23), ocorreu na mesma época da Europa

12 Um clássico exemplo desta afirmação diz respeito às reiteradas abordagens sobre as diferenças

entre as polícias francesa e inglesa por ocasião de suas instituições no século XIX. Uma dessas

abordagens pode ser encontrada, por exemplo, em Bretas (1997, p. 39): “A polícia francesa foi

supostamente o modelo para uma polícia autoritária, preocupada com a segurança das instituições

do estado, e sujeita a um rígido controle central. O modelo inglês, corporificado na figura do Bobby,

sugere uma polícia sob maior controle dos cidadãos, preocupada principalmente com a segurança

individual”.

39

ocidental, e foi até anterior ao mesmo fato nos Estados Unidos. Porém, uma

diferença fundamental marca a interpretação histórica do papel da polícia nos

espaços urbanos do Brasil e das sociedades norte-americana e européia. Segundo

tal autor naqueles países o alvorecer das instituições policiais teria sido marcado

pelo consenso e legitimidade a respeito da presença da polícia nas relações sociais

estabelecidas, o que não teria ocorrido no processo histórico das relações da polícia

com a sociedade brasileira.

Nesta mesma linha, Lima (2003, p. 245-249), porém, numa perspectiva

antropológica, compara os modelos de tradição do espaço público entre as culturas

anglo-americana e brasileira. Para ele nos Estados Unidos, o modelo é de

paralelepípedo, onde a “base corresponde ao topo” e onde “todos são iguais, mas

diferentes, desde o início, e sua trajetória particular não implica impedimento para a

realização das metas alheias, que se dá em linhas de ascensão paralelas e não

convergentes”. A explicitação dos conflitos não é algo indesejado, mas aceito como

parte das relações entre as pessoas. O sistema de justiça criminal neste modelo tem

a função de “controlar os comportamentos desviantes”.

Por outro lado, na sociedade brasileira, o modelo é o de pirâmide, onde o topo é

menor que a base. Neste modelo o espaço público é de apropriação particularizada

do Estado, responsável em princípio pela construção das regras e cuidados para o

seu cumprimento. Muito interessante é que neste modelo o Estado “não se

representa como mero administrador de espaços coletivamente apropriados, mas

como feitor zeloso de sua utilização”. Dentro desta perspectiva os conflitos não são

aceitos como pertencentes às relações sociais estabelecidas, o que se contrapõe

com a própria dinâmica do espaço público, um espaço em que a desordem permeia

sua existência, caso contrário não haveria necessidade de leis, nem tampouco de

polícia.

Em relação à polícia, Lima diz que esta é a instituição que nos dois modelos na

prática tem a incumbência de fazer cumprir as leis para a utilização do espaço

público. No modelo americano a legitimidade da ação policial está amparada na

força do consenso construído coletivamente a respeito do papel da polícia,

proporcionando-lhe, portanto, certa autonomia. Assim, a polícia,

40

No seu limite, é a instituição mais apta a identificar focos potenciais de

conflito, sugerindo, eventualmente, além das estratégias de repressão mais

adequadas à manutenção da ordem, formas de expansão de direitos e de

legitimidade de cidadania para grupos emergentes que insistem em causar

rupturas na ordem a ser mantida até serem seus interesses por elas

incorporados. (LIMA, 2003, p. 248)

No entanto, no segundo modelo, no da pirâmide, onde se encaixa a sociedade

brasileira, com estrutura social extremamente desigual, e, portanto, com a idéia de

que os conflitos ocorridos nos espaços públicos são sempre uma ameaça a ordem

social, o papel da polícia passa a ter um diferencial. Assim,

Sua legitimidade estará associada a sua interpretação do que deseja o

Estado para a sociedade, não ao que a sociedade deseja para si mesma.

[...] A função da polícia se caracteriza, assim, por ser eminentemente

interpretativa partindo não só dos fatos, mas, principalmente, da decifração

do lugar de cada uma das partes em conflito na estrutura social para

proceder à correta aplicação das regras de tratamento desigual aos

estruturalmente desiguais. [...] O Estado - e a polícia – definem-se, assim

como instituições não só separadas, mas externas ao conjunto de cidadãos

que precisam não apenas controlar, mas, fundamentalmente, manter em

seu devido lugar, reprimir. (LIMA, 2003, p. 249)

As posições acima tendem a enxergar a polícia como uma instituição que tem o

papel de reproduzir as desigualdades, e, portanto, como um instrumento da classe

dominante para a manutenção de seu poder através do Estado. Este é certamente

um padrão universalizante no caso brasileiro. Mas como consideramos que a

complexidade das relações entre as pessoas entre si, e entre elas e o Estado, não

cabe apenas num grande modelo universalizante, não podemos deixar de

considerar que em tais relações havia espaços para outras construções individuais e

coletivas. Vellasco (2004, p. 218, 219) define as sociedades como “sistemas de

coerção e troca”, onde qualquer forma de autoridade está submetida a princípios de

41

reciprocidade. Na sua interpretação, a negociação é um componente que permeia

de forma geral a ordem social.

Considerando uma visão de totalidade sobre os séculos de escravidão no Brasil, por

exemplo, tenderíamos a considerá-la apenas a partir dos conflitos entre as pessoas

entre si, e entre as instituições e pessoas, como fator determinante na análise.

Alguns historiadores13 já têm desmontado esta visão e mostrado que ao longo de

anos de escravidão os cativos foram construindo alternativas de vida no contexto de

suas existências, dentro e fora da condição de escravizados, e assim nos ensinando

que na história individual das pessoas podem ser encontradas questões intrigantes

sobre suas opções de resistência às tentativas de controle sobre suas vidas.

Situando a questão na esfera policial, a partir de uma interpretação macro, não

parece impossível que a força policial criada no contexto do recorte temporal, que

compreende a ordem escravista, possa ter modelado lentamente a metodologia do

seu trabalho, com grande recurso ao uso arbitrário da violência sobre as pessoas.

Esta tem sido uma das vias de interpretação nos estudos sobre violência e polícia

exposta em seminários, artigos e livros em diferentes partes do país. Apontamos

como exemplo a seguinte posição de Santos (1997, p. 162):

13 Como exemplos podem ser citados: CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade . São Paulo: Ed. Cia

das Letras, 1990. GRINBERG, Keila. Liberata: A lei da ambigüidade. Rio de Janeiro: Relume

Dumará, 1994. PENA, Eduardo Spiller. Pagens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a lei

de 1871. Campinas: Editora UNICAMP, 2002. SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes .

EDUSC, 2001. SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor : esperanças e recordações na formação da

família escrava - Brasil Sudeste, século 19. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. SOARES, Geraldo

Antonio. Escravos denunciando seu senhor à polícia : Vitória – 1872. Revista do Instituto Histórico

e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, nº 52, setembro1999, p.165-179._____. Luta pela liberdade

e defesa da propriedade : registro de filhos de escravos em Vitória logo após a Lei do Ventre Livre.

Perspectiva Econômica, Vitória, ano 1, volume1, número 0, janeiro de 2000, p. 153-

174.____.Quando os escravos fugiam. Província do Espírito Sa nto, últimas décadas da

escravidão . Estudos Iberos-Americanos, Porto Alegre, PUCRS, v. XXIX, nº 1, junho 2003, p. 53-72.

42

A transição da formação social escravista para a formação social de

relações capitalistas de trabalho redefiniu sem eliminar a utilização da

coerção física violenta nas relações entre os aparatos repressivos e a

população urbana e rural brasileira [...].

Também, não se descarta que a polícia sob certos aspectos possa ser usada como

aparelho de controle do Estado ou da classe ou grupo dominante que o dirige. No

passado recente, durante os anos de ditadura militar, essa foi sim uma realidade da

instituição.

Mas não é esta a questão fundamental na presente pesquisa. A pretensão não é

reforçar, nem tampouco desmontar estas visões, mas sim, procurar enfocar outra

perspectiva em que estão presentes também as negociações formuladas no

contexto do estabelecimento da ordem social em que estão inseridos o Estado e o

conjunto de suas instituições. Assim, consideramos importante o seguinte ponto de

vista sobre a representação do significado do Estado. Segundo ele, para a teoria dos

sistemas

[...] a relação entre o conjunto das instituições políticas e o sistema social no

seu todo é representada como uma relação demanda-resposta (input-

output). A função das instituições políticas é a de dar respostas às

demandas provenientes do ambiente social ou, segundo uma terminologia

corrente, de converter as demandas em respostas (BOBBIO, 1987, p.

60).

Assim, definitivamente, conforme aponta o autor, “o Estado como sistema político é,

com respeito ao sistema social, um subsistema.” Nessa lógica a abordagem

pertinente só pode ser aquela que privilegia a riqueza das relações entre as

pessoas. As redes de relações entre pessoas sejam quais forem as suas condições

de vida, comportam construções coletivas de família, de amizade e de trabalho que

43

muitas vezes perpassam as relações de poder e autoridades existentes na

sociedade, uma vez que,

O conceito relacional de poder estabelece que por “poder” se deve

entender uma relação entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do

segundo um comportamento que, em caso contrário, não ocorreria

(BOBBIO, 1987, p. 78).

Uma análise histórica a partir de tal abordagem nos leva à aplicação da redução da

escala de observação, buscando enxergar no contexto geral das condições sociais e

políticas da sociedade brasileira nos anos de consolidação do Estado imperial, que

corresponde aos anos de aprofundamento de crise do escravismo, as ações

cotidianas que marcaram as vidas de algumas pessoas que se tornaram policiais.

Refletir sobre aspectos que marcaram o cotidiano da vida das pessoas em busca de

seus direitos, na condição de livres, libertos ou escravos, ao longo do século XIX,

época de consolidação do liberalismo e do próprio Estado brasileiro, implica na

tentativa de pensar o sentido das instituições, e neste caso, da polícia, considerando

um modelo teórico não determinista. Ao apresentar sua crítica a Fernand Braudel,

Burke (2002, p. 211-213) diz que apesar da grande contribuição daquele autor para

a teoria da mudança social, “ele entendia os indivíduos como prisioneiros do destino,

tratando suas tentativas de influenciar no curso dos acontecimentos, em última

análise, como vãs”. Definitivamente, também não pensamos que pessoas, escravas

ou livres, pobres ou ricas, são prisioneiras de seu destino. Em nossas fontes

encontramos o caso de um policial que foi desligado da polícia sob a justificativa de

ser filho único de pais idosos. Na certa se fez valer dos seus direitos.

O pressuposto é de que nesse contexto, a polícia, uma das instituições de

sustentação do Estado, criada para a manutenção da ordem, foi consolidando seu

papel social a partir das relações estabelecidas com as pessoas, livres ou escravas,

44

no cotidiano de suas existências. Assim sendo, o olhar a ser lançado sobre tal

instituição, cujo nascimento é contemporâneo à própria formação do Estado, não

pode ser essencialmente pelo viés da repressão, dimensão realmente contida no

trabalho policial, mas não a única.

Para se avançar nas reflexões, importantes são as considerações de Rolim (2006, p.

21-23) ao ponderar que embora a polícia e o seu trabalho, ou seja, as atividades de

policiamento, se constituam como “fenômenos aparentemente nítidos nas

sociedades modernas”, dúvidas e imprecisões logo aflorarão a partir de uma análise

mais apurada desses fenômenos. Para esse autor, como ele mesmo diz, “a primeira

questão relevante é a de saber quais são, de fato, as funções e responsabilidades

da polícia”. Aponta que a manutenção da ordem e a garantia da segurança pública

são tarefas genéricas que não traduzem com precisão qual o papel da polícia. Para

ele torna-se necessário definir exatamente o que se quer da polícia: “que operem

como um braço armado do sistema de justiça criminal”, dando prioridade a prisão de

criminosos, ou que atuem com o foco nas “estratégias de redução da criminalidade”?

A prisão de criminosos está entre as múltiplas tarefas da polícia, ela não é a única,

nem tampouco a mais importante. Isto é claro, dentro de uma perspectiva de análise

multidisciplinar, e não apenas jurídica, como por muito tempo prevaleceu entre os

autores que abordavam secundariamente o tema polícia em suas obras e os

agentes responsáveis pela formação dos policiais 14.

Podemos dizer que enxergar a polícia apenas como braço armado do sistema

criminal se insere numa visão tradicional de seu papel. Sob o foco desta visão a

atuação é reativa, pois o policial atua invariavelmente após um chamado, ou seja, a

partir da ocorrência do crime. Também está inserido nessa visão o papel guerreiro

14 Num passado recente a visão essencialmente jurídica do papel da polícia era expressa claramente

nos currículos dos cursos de formação policial. Como exemplo, citamos o Curso de Formação de

Oficiais realizado na Polícia Militar de Minas Gerais entre os anos de 1987 e 1989, do qual fez parte

esta mestranda. De um total de 3.220 horas aulas, 660 horas foram destinadas a 09 disciplinas das

ciências jurídicas, enquanto apenas 160 horas foram destinadas a 02 disciplinas da área das ciências

humanas (genericamente designadas como Sociologia e Psicologia), que por sinal eram ministradas

sem nenhuma aplicabilidade prática ao ofício policial. O restante da carga horária era destinado às

disciplinas profissionalizantes para o exercício do ofício policial.

45

da polícia, que deve estar sempre “combatendo” o crime e não o mantendo dentro

de um patamar aceitável para a sociedade. Nesse sentido muito bem se enfatiza:

Temos que nos desfazer dessa noção de guerra da polícia e aumentar a

noção de presença, diminuindo o nível de conflito. Ela não é uma polícia

intensivamente repressora, não está ali numa luta, mas sim mantendo a

paz urbana. É o retorno de concepções muito antigas que foram s e

perdendo , uma polícia de uma sociedade pacífica. Hoje a polícia se

apresenta como agente guerreiro de uma sociedade conflagrada. E em

parte é. Há todo um processo de reocupação, de reconquista do espaço

urbano. Há regiões na cidade onde a polícia não entra e tem que entrar,

entrar e não sair mais. É preciso constituir a idéia de que as populações

mais carentes têm direito à polícia. Polícia é um direito, não uma

imposição . Temos que trabalhar com isso. (BRETAS, 2009, grifo nosso).

O papel da polícia numa sociedade pressupõe o exercício de tarefas que muitas

vezes não se expressam numa destinação constitucional genérica como a

“preservação da ordem pública” conforme define o § 5º do artigo 144 da Constituição

Federal. Rolim (2006, p. 23) ressalta que na verdade “[...] longe de lidarem apenas

com questões relacionadas à criminalidade, os policiais tratam cotidianamente de

dezenas de outros problemas”, e assim os lista de forma precisa:

[...] acompanham manifestações públicas; protegem testemunhas e

custodiam pessoas nos tribunais; atendem solicitações dos mais variados

serviços; buscam crianças desaparecidas; localizam objetos perdidos;

transportam pessoas doentes aos hospitais e, muitas vezes fazem partos

de emergência; guardam prédios; protegem reservas ambientais e policiam

as rodovias; intervêm em brigas de casais; socorrem pessoas feridas;

salvam animais; ressuscitam afogados; controlam multidões em estádios

de futebol; auxiliam portadores de deficiência; amparam pessoas

alcoolizadas ou sob o efeito de outras drogas etc” (ROLIM, 2006, p. 23). 15

15 Preferimos não citar algumas tarefas listadas pelo autor por serem de competência da Polícia Civil,

uma vez que, conforme já indicado na introdução, estamos tratando especificamente da Polícia

Militar.

46

Além do enfrentamento às condutas tipificadas como crimes, essas tarefas

desempenhadas pela polícia fazem dela, como bem afirma Rolim (2006, p. 23), um

“fenômeno de múltiplas funções e responsabilidades”, e, portanto, lhe abrem

perspectivas para um papel em que estão incluídos aspectos relativos à negociação

e ao diálogo na manutenção da ordem social. Afinal como diz Geraldo Antonio

Soares (2004, p. 61) o conflito “é uma forma de pulsação social”. Ele apresenta-se

como “uma forma reveladora de ritmo ou de dinâmica social e política, constituindo-

se assim objeto por excelência da história, na medida em que esta trata da

mudança”. Nesta perspectiva o policial deve ser sempre um mediador de conflito,

uma vez que a própria existência social da humanidade é constituída de relações

que nem sempre são harmoniosas.

Outras agências estatais de assistência também podem dar conta de algumas

tarefas exercidas pela polícia, como por exemplo, o serviço de ambulância para

socorro de doentes. Onde estaria então o diferencial? Exatamente na possibilidade

sempre presente do uso da força pela polícia, mesmo quando não o faz, conforme

muito bem explicado abaixo:

Devemos enfatizar, entretanto, que a concepção da centralidade da

capacidade do uso da força no papel da polícia não pode levar à conclusão

de que as rotinas ordinárias da ocupação policial são constituídas pelo

exercício real dessa capacidade. É muito provável, embora nos faltem

informações a respeito, que o uso da coerção física e da repressão sejam

raras para os policiais como um todo. O que importa é que o procedimento

policial é definido pela característica de não se poder opor-se a ele durante

seu curso normal e, se acontecer tal oposição, a força poderá ser usada.

Isso é o que a existência da polícia disponibiliza para a sociedade. Desse

modo, a questão: “O que os policiais devem fazer?” é quase

completamente idêntica à questão: “Que tipos de situações exigem

corretivos que são coercitivos e não negociáveis?” (BITTNER apud ROLIM,

2006, p. 27).

47

Diante de todas as fontes pesquisadas entendemos que está bem consolidada a

idéia de que o surgimento das polícias não esteve intrinsecamente relacionado ao

papel exclusivo de enfrentamento ao crime. “Em Boston, a polícia cuidou da saúde

pública até 1853 e, em Nova York, da limpeza pública até 1881” (ROLIM, 2006,

p.29). No Brasil, na capital do Império, a polícia fazia guarda nas fontes públicas e

nos teatros na década de 1830 (HOLLOWAY, 1997, p. 101-142).

No início do século XIX alguns artistas europeus, especialmente Debret e Rugendas,

retrataram diversas cenas do cotidiano da capital do Império. Através de algumas

pranchas podemos visualizar cenas em que policiais interagem com a população,

incluindo os escravos. Na figura 4, por exemplo, um integrante da patrulha, ao que

parece da Guarda Real de Polícia, bebe água transportada por um escravo,

enquanto um outro, numa posição de vigilância, observa os que passam pela rua. Já

na figura 5, um guarda policial, encarregado de conduzir um grupo de escravos que

fazia o abastecimento de água das fortalezas, dialoga displicentemente com uma

negra que carrega o filho, enquanto outros consomem seu tabaco. Bem se sabe que

é preciso cuidado para fazer uso interpretativo das imagens visuais e escritas que os

europeus fizeram do Brasil imperial, mas isto não lhes tira o seu valor. Certamente

elas “apontam para a pluralidade das atividades desenvolvidas pela polícia no Rio

de Janeiro” (COTTA, 2009.

48

Figura 4– Os refrescos do Largo do Palácio Fonte:http:/museuvirtualpintoresdorioarteblog.com.br

Figura 5– Negociantes de Tabaco Fonte:http:/museuvirtualpintoresdorioarteblog.com.br

49

No Espírito Santo a regra não foi diferente. Os livros “Mappas Diários” descrevem o

cotidiano do trabalho da polícia na capital da Província capixaba. Tal fonte informa

que era tarefa dos policiais acompanhar o “arrematante do dízimo” 16, bem como

fiscalizar o funcionamento dos lampiões usados na iluminação das ruas da cidade.

A visão repressiva muito consolidada atualmente sobre o papel da polícia é fruto do

século XX. Está certamente associada genericamente ao conjunto de profundas

mudanças que marcaram aquele século, e, especificamente, conforme Rolim (2006,

p. 29), ao avanço da tecnologia. Ainda segundo tal autor, “nas origens do

policiamento moderno havia uma significativa identidade entre os policiais e as

pessoas que seriam beneficiadas pelo seu trabalho”, porém, o surgimento de três

recursos tecnológicos teria desconstituído essa identidade: “o carro de patrulha, o

telefone e o rádio de intercomunicação”. Gradativamente as patrulhas motorizadas

foram substituindo as patrulhas a pé e os postos policiais, o telefone por sua vez

substituiu a necessidade de contato pessoal para acionamento da polícia, e os

rádios permitiram que os policiais fossem acionados por um comando institucional

centralizado em qualquer lugar em que estivessem.

Mas, o fato é que, no século XIX, além de cuidar da cidade, coube a polícia o

trabalho “miúdo”, necessário na interferência de conflitos menores, como resultado

das inter-relações cotidianas das pessoas na sociedade. Nos registros deixados

pelos policias, os detalhes sobre o cumprimento de seu trabalho eram narrados com

citação dos nomes dos moradores como referência.

16 Do que se depreende das fontes trata-se de agente responsável pela cobrança de impostos.

50

1.2 A POLÍCIA E O ESTADO IMPERIAL

Nosso posicionamento de que não há como se falar em polícia sem refletir a visão

que se tem do Estado, nos remete ao projeto pós-independência de construção do

Estado brasileiro.

É pacífico entre alguns historiadores do período imperial, e apontamos José Murilo

de Carvalho (2003) como representativo desse conjunto, que dois aspectos no

campo político marcaram a construção do Estado brasileiro em contraposição aos

demais países de colonização espanhola na América: a unidade política e o sistema

político estável que prevaleceram no Brasil logo após a independência. Segundo

este autor tal projeto de Estado foi uma opção, entre outras possíveis à época. Foi a

escolha da elite política que dirigia o Estado, que pôde fazê-la e mantê-la em virtude

da homogeneidade ideológica e de treinamento que a caracterizavam.

Por sua vez, Antônio Carlos Amador Gil (2002) nos apresenta outros projetos

alternativos de construção do Estado brasileiro, como os representados pelo

pensamento político de Frei Caneca e Cipriano Barata, cujas características

divergiam do projeto que se tornou hegemônico por serem mais restritos e não

apresentarem um caráter centralizador. Tal abordagem é interessante na medida em

que nos possibilita compreender que embora o projeto das elites do sudeste tenha

se tornado hegemônico, concretamente outras possibilidades foram não somente

idealizadas e veiculadas, mas que também foram experimentadas, embora sem

sucesso.

Aqui nos aparece uma indagação. Se o projeto centralizador foi o que prevaleceu, e

para tal, as instituições foram criadas para que o Estado tivesse sustentação, por

que não foi criada apenas uma única força policial no Brasil para garantir a

segurança e a ordem pública?

A Guarda Nacional pode ser considerada por alguns como uma tentativa nesse

sentido. Porém, como já se apontou na introdução dessa dissertação, não

consideramos a Guarda Nacional uma força pública tipicamente policial. Em pleno

período Regencial, sob a égide de Feijó a Guarda Nacional, conforme aponta José

51

Murilo de Carvalho (1996, p. 8-9), foi copiada da Guarda Nacional Francesa dos

tempos da revolução em 1789, com o objetivo inicial de “servir de proteção contra a

anarquia que tomava conta do Exército e contra as revoltas populares que

pipocavam em várias províncias” e seu real sentido político era a “cooptação dos

proprietários pelo governo central”.

Mas o fato é que realmente a Guarda passou a patrulhar as ruas e estradas em

substituição ou complementação às forças tradicionais, traduzidas nos corpos de

milícias, nas ordenanças, nas guardas municipais e no Exército, especialmente na

capital do Império e nas capitais das Províncias de maior proeminência no cenário

nacional. Porém, o seu caráter híbrido, como força representativa do poder público e

do poder privado local dos grandes proprietários, muito bem apontado por Uricoecha

(1978), fazia da Guarda Nacional uma instituição de força sui géneris: era preciso ter

posses mínimas anuais para integrá-la: 200.000 réis nas maiores cidades do Império

e 100.000 reis nas demais, os guardas deviam comprar seus uniformes, os postos

do oficialato eram vendidos pelo governo e o serviço de guarda não era remunerado.

Interessante é que

Como a seleção dos conscritos e as dispensas por razões profissionais ou

pessoais eram decididas por juntas locais presididas pelos juízes de paz,

eram grandes as chances de isentarem-se os ricos e poderosos, ou seus

filhos e protegidos, da obrigação de sentar praça. Em vez de duplicar ou

simplesmente reforçar a estrutura de autoridade existente, o serviço da

guarda visava a estender a responsabilidade da defesa da propriedade e

da ordem social aos membros da sociedade que tinham interesse na

manutenção do status quo. Na prática, muitos dos que mais tinham a

defender encontrava maneiras de evitar o serviço ativo. No Rio, esse ônus

recaiu de forma desproporcional sobre pequenos comerciantes, artesãos,

empregados de escritório e demais membros da pequena burguesia, que

eram economicamente privilegiados no contexto da sociedade, mas não

tinham influência, diretamente ou por meio de algum pistolão, para obter a

dispensa. (HOLLOWAY, 1997, p. 89)

52

Ainda segundo Holloway (1997, p. 90) o suposto papel da Guarda Nacional “como

parte importante do aparato de repressão disponível para o policiamento do Rio”

teria sido superestimado. Para ele seu papel foi efetivamente limitado, sendo uma

demonstração clara, por exemplo, a criação de instituições que “assumiram a sua

função policial”.

No Espírito Santo a leitura dos relatórios provinciais indica que o uso da Guarda

para atividades típicas de polícia não era incentivado pelo governo imperial. Houve

de fato normatização restritiva para tal uso e recomendação para a criação de

guardas municipais com o argumento de que melhor serviriam ao serviço de

policiamento, já que o trabalho seria remunerado. Também foi perceptível na leitura

desses documentos que o ônus maior do recrutamento para a Guarda teria recaído

sobre os lavradores, o que se justifica pelas suas características agrárias. O mesmo

deve ter ocorrido em Províncias de menor influência política no cenário nacional e

com características semelhantes às do Espírito Santo.

O fato é que conforme aponta Monet (2002, p. 83-84) em várias partes do mundo

uma só polícia age sobre o território nacional; como exemplo cita o Sri Lanka,

Cingapura, Israel, Japão, Polônia, Hungria, Dinamarca, Grécia, Irlanda, Suécia,

Noruega, Finlândia e Islândia. Segundo tal autor vários fatores podem contribuir para

tal opção: pequena extensão territorial, população mais reduzida, menor índice de

criminalidade, processo de fusão de várias polícias municipais com uma polícia de

Estado de reduzido efetivo. No entanto, nenhum desses fatores pode ser

considerado isoladamente, nem tampouco como regra geral. Em Luxemburgo, por

exemplo, país que, além de apresentar um pequeno território, possui apenas

300.000 habitantes, há duas polícias, uma civil e outra militar. No caso do Brasil

[...] as forças policiais foram organizadas a nível estadual, não como força

nacional, como a francesa, ou local, como a inglesa. O Rio de Janeiro,

sendo a capital, era uma exceção, com sua força local sob o controle do

governo central. A função de polícia dividiu-se, sem obedecer a um

planejamento definido, em duas forças paralelas: a polícia civil e a

polícia militar. A polícia civil originou-se da administração local, com

53

pequenas funções judiciárias, ao passo que a polícia militar nasceu do

papel militar de patrulhamento uniformizado de rua (BRETAS, 1997, p. 40,

grifo nosso).

Provavelmente a grande extensão territorial do Brasil tenha contribuído para esta

formatação. Realmente ele é um fato. Mas por si só não é suficiente para explicar a

opção por tal modelo. Com bastante clareza Bretas (1997, p. 41) explica que “o

policiamento de colônias apresentou problemas bastante específicos para os

colonizadores [...] e o caso do Brasil emerge de um contexto muito particular”,

relacionado inicialmente com a chegada da corte portuguesa.

Em maio de 1808 foi criada a Intendência Geral de Polícia, embrião da Polícia Civil,

e um ano depois, em maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, de

onde se originou a Polícia Militar. Segundo Cotta (2006, p. 40-41) a Intendência

possuía “caráter iminentemente administrativo”, tendo através do famoso intendente

Paulo Fernandes Viana, atuado na urbanização e saneamento da capital do Império,

realizando aterramento de pântanos, calçamento de ruas, construção de pontes,

aquedutos e fontes públicas, e ampliando a iluminação com lampiões a óleo de

baleia. Por sua vez a Guarda era “uma força policial de tempo integral, organizada

militarmente e com amplos poderes para manter a ordem e perseguir criminosos”, a

semelhança da que existia em Lisboa. Nesse contexto foi utilizada como força de

intervenção da Intendência de Polícia.

A independência em 1822 não mudou prontamente o quadro das instituições

policiais existentes. O nascente Estado brasileiro na montagem de suas leis e

instituições contemplou o assunto polícia somente dez anos depois. A Constituição

Imperial em nenhum dos seus 179 artigos fez referência a criação da polícia nas

Províncias. Na estrutura da primeira carta constitucional se pode perceber que a

grande preocupação daqueles momentos pós-independência era com a organização

política do Império. Embora contenha um título sobre a Administração e Economia

das Províncias, os assuntos foram condensados em apenas oito artigos.

54

Somente em 12 de agosto de 1834, por ocasião da alteração da Constituição, pela

lei nº 16 conhecida como “Ato Adicional”, se deu inicio às disposições legais sobre a

polícia nas Províncias. A abordagem sobre tal assunto ainda não foi específica,

estando contida nos artigos que trataram das competências das Assembléias

Provinciais, que deveriam, entre outras atribuições, legislar sobre a policia municipal

e fixar a força policial17. Logo em seguida pela lei nº 40 de 3 de outubro de 1834

ficou definido que competia aos Presidentes das Províncias “dispôr da força a bem

da segurança e tranquillidade da Província18.

Assim, em relação a recente instituição da polícia nas Províncias pelo governo

imperial a norma era que a Assembléia fixava seu efetivo e o Presidente decidia

sobre seu emprego, modelo que vigora até os dias atuais. Estava autorizada ainda a

instituição da polícia municipal pela Assembléia.

Segundo Bretas (1977, p. 42), as tentativas de centralização do governo de D. Pedro

I foram fortemente rechaçadas pelas elites locais, ocasionando constantes choques.

O Código Criminal de 1830 nesse contexto insere-se como uma tentativa do

imperador de institucionalizar o seu poder. Porém, forçado a abdicar em 1831, a

estruturação do sistema judiciário foi realizada na verdade pelas elites dominantes

do período regencial. Por sua vez, aponta o autor, o Código de Processo Criminal de

1832, estatuto legal importantíssimo como representante do pensamento político

daquele período, “procurou fortalecer os poderes locais, concentrando autoridade

nas mãos dos juízes de paz eleitos”. No entanto, em 1841, com a reforma do Código

17 Lei imperial nº 16 de 1º de agosto de 1834. “Art 10 Compete às mesmas Assembléias legislar: § 4º

Sobre a policia e economia municipal, precedendo propostas das Câmaras. Art 11 Também compete

às Assembléias Legislativas Provinciais: § 2º Fixar, sobre informação do Presidente da Província, a

Força policial respectiva”. 18 A Lei Imperial nº 40 de 3 de outubro de 1834, deu Regimento aos Presidentes de Províncias e

extinguiu o Conselho da Presidência. “Art. 5º Ao Presidente, além das atribuições marcadas na Lei da

Reforma Constitucional, e nas demais Leis em vigor, compete: § 4º Dispôr da força a bem da

segurança e tranqüilidade da Provincia. Sómente porém nos casos extraordinários, e indispensaveis,

fará remover as Guardas Nacionais para fora dos seus Municipios, nem consentirá que os exercicios,

mostras, ou paradas se fação fora das Parochias respectivas: excepto se forem contiguas, ou tão

proximas umas às outras, que pouco incommodo cause a reunião dos Guardas dellas.”

55

de Processo Criminal, construída numa conjuntura política diferente, de forte

tendência centralizadora, se buscou “reduzir os poderes dos juízes eleitos,

substituindo-os por uma estrutura nomeada pelo poder central de juízes profissionais

e funcionários policiais, ‘gozando de consideráveis prerrogativas judiciais’”. Bretas

afirma ainda que as prerrogativas judiciais conferidas à esfera policial foram

conseqüências da incapacidade do Estado, considerando a sua vastidão territorial e

o reduzido número de faculdades de direito, de produzir uma classe profissional

capaz de atuar no serviço público para operar a justiça criminal em todo o Império.

Tal situação pode ser visualizada no âmbito da Província do Espírito Santo através

da tabela de Mapas das Sentenças-Crimes da Comarca de Victoria entre 1865 e

1875, apresentada por Almeida (2007, p. 79). Sua análise demonstra que os Chefes

de Polícia, os Delegados e os Subdelegados foram responsáveis por 31,88% do

total de sentenças proferidas no período. O que certamente devia se repetir em todo

o Império, ressalvadas as devidas proporções. A perda dessa atribuição ocorreu

apenas em 1871 com a lei nº 2.033, que reformulou o Judiciário, e que acarretou

mudanças também na Polícia Civil.

No caso específico do Espírito Santo, principalmente naqueles tempos iniciais de

experiência administrativa autônoma, a necessidade da organização do Estado e da

configuração das esferas de poder era uma realidade premente. E a instituição da

polícia estava dentro deste contexto.

Ao descrever as trajetórias e os projetos políticos dos parlamentares capixabas na

primeira legislatura da Assembléia Provincial (1835-1837), Goularte (2008, 36-37)

apontou questões interessantes para a presente abordagem. Segundo ele “a

construção das instituições e de um ‘sistema político’ estabilizado não foi tarefa fácil

no Espírito Santo”. Como exemplo cita o amotinamento de soldados, oriundos da

Corte para se juntarem ao batalhão do Exército, contra o próprio comandante e

demais oficiais na Província. Os soldados amotinados percorreram as ruas atirando

nas casas e atacando o juiz de paz que viria a ser deputado provincial. O autor

aponta que houve um verdadeiro aprendizado compartilhado em outras instâncias

de poder local, como por exemplo, as câmaras de vereadores, que teria possibilitado

56

aos parlamentares, membros da elite local, se posicionar de forma particular e coesa

frente às questões pós-independência.

Nesse sentido o “capital político” construído possibilitou a permanência no poder

político provincial de alguns membros dessa primeira legislatura até a metade do

século XIX. Enquanto em diversas Províncias as elites locais tomaram o caminho

dos levantes armados para a resolução de seus impasses, as do Espírito Santo

utilizaram “outro canal para expressar suas demandas políticas, constituindo-se esse

canal a articulação da elite local por meio da Assembléia Legislativa [...]”

(GOULARTE, 2008, p. 54). Mas o fato é que as tarefas administrativas eram, e

ainda hoje são, da execução direta do Executivo. Naqueles tempos, portanto,

cabiam ao Presidente da Província, verdadeiros forasteiros. Mas de fato, como a

Assembléia constitui-se no espaço político dos líderes locais que desencadearam a

organização política da Província, os deputados atuavam intervindo “na distribuição

dos funcionários, disposição dos documentos e organização das repartições do

governo” (GOULARTE, 2008, p. 67).

Conforme aponta Goularte (2008, p.69), na primeira legislatura da Assembléia a

grande maioria das leis versava sobre a “reorganização da máquina pública

provincial”. A criação da polícia em 06 de abril de 1835, poucos meses depois da

instauração da Assembléia em 30 de janeiro do mesmo ano, foi uma das primeiras

ações dos parlamentares na Província capixaba em cumprimento às disposições

contidas em legislação imperial, que além de autorização para sua criação,

estabelecia competências exatas para a Presidência e a Assembléia. Como já se

viu, ao primeiro agente político cabia agir quanto ao emprego da polícia, e ao

segundo quanto ao estabelecimento de seu efetivo.

De forma muito interessante, Goularte (2008) mapeou a origem política anterior e o

comportamento político de onze dos vinte parlamentares da primeira legislatura.

Indicou que no Espírito Santo houve uma predominância de deputados de origem

militar, que sabiam muito bem da situação das forças de segurança mantidas pelo

governo central na Província. Assim se entende porque em 12 de fevereiro de 1835

57

o deputado Manoel da Siqueira, militar, tenha apresentado projeto para criação da

Guarda de Polícia.

Pode-se afirmar com precisão que a polícia foi assunto recorrente nos debates

políticos desde os tempos iniciais da configuração do processo de montagem do

Estado. Ela constituiu-se num aparato de força controlado pelo chefe do Executivo

quanto ao seu uso, mas amarrado à Assembléia que legislava sobre o tamanho de

tal força, o que na verdade poderia torná-la potencialmente utilizável ou não. Como

se verá mais detalhadamente no capítulo 2, os Presidentes da Província do Espírito

Santo realmente enfrentaram dificuldades para fazer uso da polícia, e em parte,

essa dificuldade estava relacionada ao estabelecimento do número do efetivo da

polícia pela Assembléia. O que demonstra efetivamente que embora não tenha

ocorrido na Província revolta armada em razão das tentativas de diminuição de

poder das elites locais, isto não significou uma apatia em relação ao que acontecia

no país. Os parlamentares, representantes legítimos das elites capixabas, souberam

muito bem, e de forma sutil, posicionarem-se frente às questões políticas de sua

época.

58

CAPÍTULO 2

GÊNESE E CONSOLIDAÇÃO INSTITUCIONAL

2.1 OS DILEMAS DA CONSOLIDAÇÃO

A Guarda de Polícia Provincial foi criada em 06 de abril de 1835 pela lei nº 9 no

governo do Presidente Manoel José Pires da Silva Pontes. Tratava basicamente do

efetivo previsto, num total de 115 policiais19, do vencimento, que decididamente não

devia ser tão atrativo pelas dificuldades de completar o efetivo, e ainda da forma de

ingresso e tempo de permanência, que seria de três anos para os voluntários e de

cinco para os recrutados. Autorizava ainda o Presidente da Província a ir

dissolvendo o Corpo de Permanentes20 na medida em que fosse recrutando para a

Guarda de Polícia.

Em 1º de julho do mesmo ano, já sob a administração de outro Presidente, Joaquim

José de Oliveira, tal lei foi regulamentada. O Regulamento continha algumas poucas

instruções para a organização e funcionamento, mas também nada definia quanto a

destinação da força pública recém criada. A destinação legal foi dada apenas pela

lei Provincial nº 23 de 27 de novembro de 1838 que assim definia: “O fim legal da

Guarda Policial é manter o socego e segurança interna da Província”.

Menos de um ano após sua criação, em 23 de fevereiro de 1836, pela lei nº 5, a

polícia teve seu efetivo reduzido para 71 policiais, o que para o Presidente Silva

Coito, segundo relatório de 1838, “trouxe grande quebra ao serviço publico”. Nele

relata que era competência da polícia “vigiar e pôr em prática todas as medidas para

19 Eram três oficiais subalternos, um 1º sargento, dois 2º Sargentos, um Furriel, seis Cabos, dois

Cornetas e cem Soldados. 20 O Corpo de Permanentes era a força existente antes da criação das Assembléias Provinciais que

receberam autorização do governo imperial para legislar sobre polícia a partir do Ato Adicional de

1834.

59

prevenir a perpetração dos crimes, evitar que a tranqüilidade e segurança publica

soffrão alguma alteração”.

O efetivo da polícia era definido pela Assembléia Legislativa que ao longo do

período Imperial o fez oscilar consideravelmente. Em 1839 foi elevado para 91, em

1840 passou para 98, em 1842 novamente foi diminuído para 71, e no ano de 1843

para 41 praças, até que no final de 1844 a polícia foi extinta.

Para Sônia Maria Demoner (1985, p. 49) a “necessidade de contenção de despesas”

na Província foi o motivo para a extinção da polícia. Certamente tal motivo deve ter

contribuído para o debate político, mas do que se depreende dos relatórios da

Presidência, não se trata apenas de dificuldades financeiras do Estdo. Estava em

jogo um embate entre os Presidentes e os membros da Assembléia no que se

referia a prioridade de gastos, conforme se pode ver no relatório do Vice-Presidente

de Província José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim em 23 de maio de

1844. Nele apontava os motivos da não execução da lei provincial nº 4 de 24 de

julho de 1843 que tratava da previsão de concurso para professores na Província:

[...] 1º, porque não ha aqui pessoas habilitadas para as cadeiras que

devem compor o licêo; 2º, porque não parece acertado augmentar a cifra

na despeza quando a da receita vai ter considerável diminuição, pois o

suprimento de 16:000$000 que a caixa geral faz á provincial tem de ser

reduzido á metade no anno financeiro do 1º de julho de 1844 ao ultimo de

junho de 1845; [...] Accresce que o corpo policial não está reduzido ao

numero de praças marcado na lei provincial n. 2 de 21 de julho do anno

findo, pelos motivos já expendidos, e creio que a lei provincial acima

referida teve em vista a reducção da despeza com aq uelle corpo

quando criou o lycêo . Fora minha opinião que se suspendesse a

execução desta lei, até que as circumstancias financeiras da província

sejão mais satisfatórias. (grifo nosso)

O fato é que a Presidência não só descumpriu uma lei que determinava a

contratação de professores, mas o fez em detrimento do cumprimento da outra lei

60

que havia determinado a diminuição do efetivo da polícia. Para tanto foram

apresentados apenas os mesmos motivos contraditórios usados em quase todos os

relatórios:

A província goza de inalterável tranqüilidade, graças á Divina Providencia e

ao caráter pacifico dos seus habitantes. Não direi outro tanto a respeito da

segurança individual, porque desgraçadamente ella tem sido muitas vezes

offendida, e está de continuo exposta ao punhal do assassino, o qual

zomba da justiça, confiado na falta de meios que ella tem para se fazer

temer e respeitar [..].

Resumidamente, a descrição dá conta de que a Província era tranqüila, os

habitantes pacíficos, mas a polícia necessária para a garantia da segurança

individual.

Como se vê, a diminuição do efetivo da polícia pela Assembléia se deu em virtude

das despesas com a criação do Liceu. E aqui fica claro que para a Presidência,

entre a opção de destinação de recurso financeiro para a contratação de professores

e para a manutenção do efetivo policial, a primeira opção é que deveria esperar por

melhoras nas condições financeiras da Província.

Mas, o fato é que este não era o entendimento dos membros da Assembléia, e

assim a posição da Presidência não prevaleceu, e em novembro de 1844 a Guarda

de Polícia foi extinta como já apontado. O que parece ter tido a corroboração do

próximo Vice-Presidente, Joaquim Marcellino da Silva Lima, que um ano depois, em

27 de maio e 1845, assim se manifestou a respeito da Guarda:

Os assassinos que por tantas vezes enlutarão esta província quase que

hão desapparecido, e é de admirar que esta época de socego date da

extinção da guarda policial, que, por sua indisciplina, talvez longe de

perseguir os malvados, lhes prestasse apoio e proteção.

61

Esta posição sobre a utilidade, melhor dizendo, inutilidade da Guarda foi na verdade

uma exceção. Em todos os demais relatórios à Assembléia Legislativa os

Presidentes ou seus Vices sempre se manifestaram favoravelmente a tal força

pública, reclamando no geral a falta de efetivo.

Veja-se que logo no ano seguinte o próprio Vice-Presidente Joaquim Marcellino da

Silva Lima havia mudado sua posição ao se dirigir a Assembléia em 23 de maio de

1846:

[...] parece de necessidade que a Província mantenha alguma Força

Policial logo que as circunstancias de seus Cofres, permittão, porquanto

além de ser isto um dever, é manifesto que retirando-se a Companhia

Provisória como póde acontecer de um momento para outro, não serão

aquelles Pedestres bastantes para todo o serviço, á que terão de ser

destinados, máxime se uma parte d’elles houver de guarnecer a nova

Estrada de Minas, e o Rio Doce, sabido que em parte nenhuma se acha

organisada a Guarda Nacional, como parece indispensável.

Na ausência de uma força pública provincial a segurança de toda a Província ficou a

cargo da Companhia Fixa de Caçadores de Linha e da Companhia de Pedestre.

Ambas eram forças do governo central, sob as ordens do Ministério da Guerra cujos

efetivos previstos em lei não correspondiam as necessidades do serviço de

segurança, nem eram completados pelas dificuldades de recrutamento. Ao apontar

o problema, o mesmo Vice-Presidente acima relata que “... raros são os voluntarios

que se offerecem, e mui difficil a captura de recrutas em numero sufficiente para

serem repartidos pelas duas Companhias de Caçadores, e de Pedestres” (grifo

nosso). Pelos reiterados relatos da Presidência, e mais tarde, também dos Chefes

de Polícia, sobre as dificuldades relativas ao recrutamento para o serviço militar e

policial, pode-se dizer que a palavra captura corresponde fielmente ao que ocorria.

62

Conforme a legislação que regulava a Companhia de Pedestre21 esta destinava-se

a guarnecer as estradas, especialmente as de acesso a Minas, bem como a que

levava ao Rio Doce. Em 1857 com efetivo fixado em 82 praças possuía apenas 55

em seus quadros. Porém, tal problema de escassez de efetivo não era novidade;

dez anos antes, o então Presidente Luiz Pedreira do Couito Ferraz já relatara:

A companhia de pedestre, [...], ainda nem possue o numero de praças

preciso para guarnecer a estrada de S. Pedro d’Alcantara [...]

O medo de que estão possuídos, de se lhes poder dar outro destino, e, de

uma vez alistados terem de sahir para fora da província, impede até os

homens casados e com família, de se appresentarem, atemorisados ainda

por factos passados, e nos quaes desgraçadamente, se faltou á boa fé.

Como na citada estrada foram criados cinco quartéis, exigindo, portanto, maior

efetivo, mesmo com a solução do problema do recrutamento insuficiente não haveria

condições de tal força arcar com a guarnição da Capital, que dirá do restante da

Província. Assim o mesmo Presidente reclamou a criação de “alguma força policial,

embora de poucas praças”, lembrando para isto da exigência contida no “ato

adicional” .

A Companhia Fixa de Caçadores22 era destinada a guarnição da Capital, e em 1857

seu efetivo completo era de 99 praças, porém possuía apenas 76 em seus quadros.

Os anos iniciais do Segundo Reinado, em especial os que correspondem ao período

regencial, foram caracterizados pela instabilidade política que fez inclusive eclodir

revoltas em várias Províncias. Assim, tal força deveria estar estacionada

prontamente para guarnecer a sede do governo provincial, resguardando-a de

possibilidades de quebra da tranqüilidade pública. Tratava-se também de força com

que não se poderia contar sempre como disse em 1º de março de 1848 o Presidente

21 Era regulada pela lei nº 341 de 6 de março de 1845, decreto de 30 de setembro de 1845, e leis de

23 de agosto de 1851 e de 19 de setembro de 1853. 22 Criada com o nome de Companhia de Caçadores de Montanha pela lei nº 85 de 26 de setembro de

1839, em 1843 sua designação mudou para Companhia Provisória de Linha. Em 9 de outubro de

1847 por força de aviso do Ministério da Guerra passou a ser chamar Companhia Fixa de Caçadores.

63

Luiz Pedreira do Coutto Ferraz: “De um instante para outro pôde ter diverso destino,

e ficaremos então em lide com embaraços, que fácil não há de ser, por certo, de

prompto cortar”. Falava ele da possibilidade de deslocamento da tropa para outros

pontos do país, como acontecera várias vezes.

No ano de 1860, por força de decreto imperial, as Companhias Fixa e de Pedestre

foram suprimidas e criado um único Corpo de Guarnição de 1ª Linha com 170

praças, dividido em duas companhias. Tal força, como suas antecessoras, tinha

como incumbência fazer “o serviço militar da guarnição, o dos destacamentos em

diversos pontos da província, e grande parte dos serviços de polícia por causa da

insufficiencia da força policial”. Mas em 1865 o Corpo de Guarnição seguiu para a

Corte em virtude de questões internacionais no sul do Império.

Com o término da guerra a situação militar nas diversas Províncias podia voltar a

normalidade. Assim, por força do decreto imperial nº 4.772 de 12 de agosto de 1870

foi determinada a organização de uma Companhia de Infantaria de Linha que

substituiria o Corpo de Guarnição. Tal determinação somente foi levada a efeito em

junho de 1871 pelo Presidente Francisco Ferreira Corrêa, que justificou tal atraso

alegando dificuldades no recrutamento, que eram reais. Para se ter uma idéia da

dimensão do problema nas mãos da Presidência, no ano de 1873 havia um claro de

12 militares, e somente no ano seguinte o efetivo chegou ao seu estado completo de

82 militares, quando então a Presidência solicitou ao Ministro dos Negócios da

Guerra autorização para elevá-lo a 100, pelo menos. Em 1875 a Corte envia um

reforço provisório de 02 Alferes e 35 praças.

Além das citadas forças, havia ainda a Guarda Nacional, que na Província do

Espírito Santo, diante da demora na regulamentação pela Assembléia, não foi

prontamente organizada como definido pela legislação imperial que a instituiu, e

assim, “com ela não se podia contar”, reclamavam em coro os Presidentes de

Província.

Somente em novembro de 1849, em decorrência de aviso do Ministério da Justiça a

Guarda Nacional foi finalmente regulamentada, e assim dividida em três legiões, a

do Sul, Centro e Norte. A primeira legião compreendia as vilas de Guarapary,

64

Benevente e Itapemirim, formada por dois Batalhões de infantaria. A segunda, a

Capital da Província, a vila do Espírito Santo, as freguesias de Viana, Cariacica,

Carapina, e o distrito de Mangarahy, formada por dois Batalhões de infantaria e um

corpo de artilharia. A terceira legião englobava as vilas da Serra, Nova Almeida,

Santa Cruz, Barra de São Matheus, a cidade de São Matheus, e o distrito de

Queimados, formada por dois Batalhões de infantaria23.

Mas ao que parece a regulamentação da Guarda Nacional na Província também

não correspondeu a sua pronta organização. Em relatório de 1852 encontramos

registros de demora nos trabalhos da qualificação e do não cumprimento de sua

total organização, iniciada apenas nas vilas de Itapemirim, Benevente e Guarapary

correspondentes ao comando do sul. No ano de 1854 aparece relato de organização

também no comando do centro, faltando ainda, portanto, o do norte.

Também era clara a consciência de que a Guarda Nacional não era força adequada

para emprego nas atividades que se entendiam ser da alçada da polícia. No relatório

de 1861 o Presidente José Fernandes da Costa Pereira Junior assim aponta as

vicissitudes sobre a utilização da Guarda Nacional em tais serviços:

E nem se conte com a guarda nacional para todos os serviços de policia.

Ha muita differença entre o homem que consagrado à vida aventurosa das

armas, ordinariamente solitário na vida, abraça por vocação e com soldo a

profissão e os vaivens da milícia e o individuo que arrancado por ordem

repentina e as vezes com surpreza, aos trabalhos pacíficos da lavoura

onde outra industria, ás doçuras do lar domestico, ás suaves alegrias da

vida de família, tem de prestar com constrangimento hum serviço

inteiramente alheio aos seus hábitos, profissão e tendências.

Mas, o fato é que os Presidentes, mesmo diante da falta de total organização da

Guarda Nacional e da sua inadequação ao serviço policial, não deixaram de lançar

23 Posteriormente Benevente veio a se chamar Anchieta, Espírito Santo corresponde a Vila Velha e

Barra de São Matheus a Conceição da Barra.

65

mão de tal força quando assim julgou-se necessário. Em 1862 o mesmo Presidente

acima citado, ao abordar sobre a insuficiência da tropa de 1ª Linha e da Companhia

de Polícia para a manutenção da ordem e tranqüilidade pública, assim indaga e

responde: “Qual o remédio em semelhante conjunctura? Só o do destacamento da

Guarda Nacional”. E assim o fez, destacando 45 guardas nacionais na Capital,

embora soubesse não ser esta a solução mais correta. O Governo Imperial,

inclusive, para conter tal uso indevido nas Províncias, havia declarado por aviso

circular que os pagamentos das praças destacadas apenas seriam feitos quando o

destacamento de tal tropa fosse autorizado pelo Ministério da Justiça. O objetivo de

tal medida seria não só a redução das despesas, mas também a proteção das

lavouras. É bom lembrar que em 1865 o Corpo de Guarnição havia seguido para a

Corte. Durante sua ausência foi usada força destacada da Guarda Nacional para a

tarefa de guarnição da capital da província.

Em 1871 a Guarda Nacional ainda realizava o serviço de guarnição da capital,

apesar da irregularidade de tal empenho. Isto causava resistência aos guardas, bem

como despesas aos cofres da Província com o custo financeiro dos destacamentos

não autorizados pelo Ministério da Justiça.

Em virtude de aviso do governo imperial de 31 de dezembro de 1873 a Guarda

Nacional foi dispensada do serviço ordinário e todos os seus destacamentos na

Província foram dissolvidos. Como substituto a esta força pública o Governo Imperial

lembrava a criação de Guardas Municipais, sob a denominação de Pedestres, que já

havia autorizado. Considerava “que com maior razão se podem classificar de força

policial do que corpos organisados com apparato e disciplina militar à similhança do

exercito”. Autorizava ainda para auxiliar na despesa com tal segmento de força

policial o uso do imposto pessoal e dos emolumentos e selo das patentes da Guarda

Nacional.

Na tentativa de suprir as lacunas deixadas pela força pública na Província - ausência

ou escassez da polícia, diminutas forças de 1ª linha e lentidão da organização e

conseqüências negativas do uso indevido da Guarda Nacional - por força da lei

Provincial nº 8 de 29 de julho de 1845 foi criada uma Companhia de Guerrilha, com

o fim de ser empregada em diligências, captura de escravos e criminosos.

66

Nos relatórios, as argumentações usadas pela Presidência sobre as Guerrilhas,

estavam sempre associadas a questão escrava, o que aponta para a verdade de

que o seu fim era essencialmente a captura de escravos fugidos. Assim sendo, logo

um arranjo foi articulado. O Chefe de Polícia ficou autorizado a nomear os

comandantes para as Guerrilhas, que deveriam ser auxiliados pelas autoridades

locais. Por sua vez, as despesas com vencimentos deveriam ser custeadas pelos

proprietários. Sobre este arranjo assim se manifesta no relatório de 1845 o Vice-

Presidente Joaquim Marcellino da Silva Lima

[...] Intervindo d’est’arte a Presidência com sua authoridade e

recomendações, executão-se as diligencias com as formalidades devidas,

sem que sobre a Fazenda Provincial recaia dispêndio algum, entretanto

que o interesse particular dos Senhores de escravos, e das Praças da

Guerrilha contribue também efficazmente para que ellas sejão coroadas de

feliz successo, como há bem pouco tempo se observou, sendo arrazado

um antigo quilombo, e presos quase todos os escravos que o occupavão.

Mas, a verdade é que não houve o sucesso esperado e, assim, o mesmo Vice

Presidente assim se manifesta em 1846 sobre a atuação de uma Guerrilha: ”mas a

esta tem obstado a falta de dinheiro disponível nos Cofres Provinciaes para

satisfação das despezas que a mesma Lei authorisa”. Ainda segundo ele, num

“pequeno ensaio da execução da dita Lei”, organizou “provisoriamente uma

Guerrilha de desoito Praças, que começou no Districto de Cariacica suas operações

[...]”. Porém, tal força foi logo dispensada por falta de pagamento dos vencimentos

das praças.

Diante da lacuna deixada pela extinção da polícia, o Presidente Luiz Pedreira de

Coutto Ferraz em 1848 reclama a modificação da lei de criação da Guerrilha

Permanente, no sentido da Presidência ser autorizada a engajar um comandante

para a mesma com vencimentos seguros e fixos. O objetivo era que estivesse

prontamente a disposição do chefe do Executivo, já que apontava a necessidade de

sua residência na Capital, quando não estivesse em diligências pelas matas. Este

pedido foi atendido pela Assembléia, e assim pela lei nº. 8 de 4 de maio de 1848 foi

67

criada uma Guerrilha para a Capital com a previsão de um comandante e de vinte

praças que deveriam ser engajadas voluntariamente. Porém, em 1849 a Presidência

reclama da pouca quantia destinada para o seu emprego, o que demonstra que os

parlamentares provinciais embora cedessem a um ou outro apelo em relação a

efetivo de força para a segurança, isto não tinha uma correspondência automática

no que dizia respeito ao orçamento. Depois, em 1852, pela lei nº 19 de 28 de julho,

também foi criada uma Guerrilha específica para atuar em São Matheus.

Quase dez anos depois, em 1861, ainda se lançava mão das Guerrilhas como força

de segurança complementar. Por força de lei foi criada mais uma Companhia de

Guerrilha com efetivo de um comandante e 20 engajados, mas pelo que se consta

pouca utilidade teve, pois o número de escravos apreendidos não correspondia as

despesas feitas com a mesma; despesas estas, diga-se, divididas entre os cofres

públicos e os proprietários.

Em 1885 ainda foi criada uma derradeira Companhia de Guerrilha composta de 1

comandante e 10 praças. O que motivou tal ato segundo consta no relatório do

Chefe de Polícia datado de 28 de setembro de 1875 à Presidência teriam sido as

[...] reiteradas exigências feitas por diversas auctoridades policiaes, e

reclamações da imprensa d’esta capital, sobre a existência de grande

número de escravos fugidos que transitavão pelas estradas do município

de Vianna, Araçatiba, Manoeiro, até as matas do Jacarandá, assim como

pelas estradas de Mangarahy, ameaçando os moradores daquellas

paragens [...]

Mas, como das demais vezes os resultados do uso de tal força não foi satisfatório, e

assim, os seus trabalhos foram suspensos em 23 de setembro do mesmo ano por

ato do próprio Chefe de Polícia autorizado pela Resolução Presidencial que a

instituíra.

O fato é que os reclames pelas Guerrilhas, tanto em termos de efetivo quanto de

orçamento, vinham sempre acompanhados de exposições sobre “o grande mal” que

“formigão na província” – os quilombos. Mas, a Assembléia bem sabia o que fazia, já

68

que tal questão, se realmente existiu na dimensão apontada nos relatórios, era muito

mais do interesse particular dos proprietários do que do Estado. Os proprietários

poderiam muito bem custear as despesas com tal serviço, como já apontado.

A extinção da policia em 1844 não significou o seu fim. Os insistentes apelos dos

sucessivos Presidentes da Província, mesmo que lentamente, foram encontrando

eco entre os membros da Assembléia. Sua reorganização foi gradual e lentamente

sendo iniciada em 1848, quando a Assembléia autorizou pela lei nº 9 de 04 de maio,

o engajamento de treze praças de polícia, destinando-as exclusivamente ao

policiamento da Capital. Como acontecia antes de 1844, este efetivo foi

constantemente alterado, oscilando a critério de decisão da Assembléia, mas

sempre diante dos incansáveis apelos dos Presidentes em seu favor. Em 1849 este

número foi aumentado para 20 e em 1850 para 30 praças.

Como se pode perceber havia um grande embate entre os Presidentes da Província

e os membros da Assembléia Legislativa no que dizia respeito a necessidade de

uma força pública tipicamente provincial destinada a segurança. No relatório de 24

de maio de 1852 o Presidente José Bonifácio Nascentes d’Azambuja, numa tentativa

de não ver o efetivo das praças de polícia diminuído havia escrito:

Si attendendo ás circunstancias da Província não vos peço o augmento da

companhia de policia, espero que não a reduzaes á menor numero, como

na sessão do anno passado se pretendeu, e eu então suppunha possível,

mas que hoje penso diversamente pelo maior conhecimento que tenho

adquirido das precisões publicas, as quaes devem ser bem conhecidas dos

representantes da província.

O certo é que saiu vencido. A Assembléia não cedeu aos seus apelos, e neste

mesmo ano de 1852 foi diminuído para 21 o número de praças policiais.

Seus sucessores continuaram insistindo e apelando sempre para o aumento do

efetivo de tal força. Eram freqüentes também as solicitações de autorização para a

designação de um Oficial no posto de Alferes para comandante das praças que,

69

segundo consta, se demonstravam indisciplinadas, deixando até de cumprir ordens

da Presidência em relação as patrulhas que deveriam fazer na capital. Não havendo

pronto atendimento, em 1853 o Presidente subordinou o diminuto efetivo policial ao

comandante da Companhia de Caçadores, que diante da necessidade também era

empenhada no policiamento, mesmo não sendo esta sua destinação.

A insistência era tanta que em 1854 o Presidente Sebastião Machado Nunes relata

que com o fim de empregar a Companhia de Pedestres exclusivamente na

guarnição das estradas, que segundo ele encontravam-se em total abandono, incluiu

no orçamento de despesa da Província “uma companhia de policiaes, composta de

60 praças, numero ainda insufficiente para fazer todo o serviço de policia em toda a

província”. Ao que certamente não lhe foi dado ouvidos. A Assembléia nem aprovou

tal proposta de orçamento, nem a companhia foi criada.

Mas isto definitivamente não significou o fim dos apelos. Em 23 de maio de 1856, o

Presidente Jose Mauricio Fernandes Pereira de Barros por ocasião da abertura da

Assembléia também argumentava sobre a insuficiência de efetivo das Companhias

de Caçadores e de Pedestres, segundo ele, ocasionada por falta de vocação dos

habitantes da Província que os fazia fugir do recrutamento, e que como

conseqüência eram tais forças desviadas de suas destinações legais de guarnecer a

Capital e os quartéis das estradas de acesso a Minas Gerais respectivamente, para

serem empenhadas nos serviços de destacamentos e outros que eram precisos.

Aproveita para reforçar a tese da necessidade de uma Companhia de Polícia com no

mínimo 30 praças, mas que, um número menor não seria problema se seus

vencimentos fossem aumentados na tentativa de incentivar o recrutamento e a

permanência na polícia. Não estava errado uma vez que embora o efetivo em vigor

fosse de 21 praças somente existiam 11 em exercício.

Diante de tantos apelos, em 8 de julho de 1856, pela lei nº 4 a Assembléia

efetivamente reorganizou a antiga Guarda de Polícia, estabelecendo-lhe um corpo

permanente com efetivo de 30 praças e um comandante próprio, sob a denominação

de Companhia de Polícia. O artigo 2º da citada lei possibilitava a Presidência dar

nova regulamentação a Companhia de Polícia, o que somente foi efetivado três anos

depois, com a Resolução nº 82 de 7 de maio de 1859. .

70

O movimento de oscilação constante no número de efetivo da polícia não cessou,

mas juntou-se ao coro dos Presidentes em sua defesa no sentido de aumento, tanto

de efetivo quanto de orçamento, os apelos e justificativas dos Chefes de Polícia, que

atendendo requisições da Presidência passaram a encaminhar relatórios detalhados

sobre as questões relacionadas à ordem e segurança pública.

Em 1857 o efetivo foi aumentado para 40 praças, porém em 1858 caiu para 30

praças. Em 1859 o efetivo foi elevado para 36 praças e em 1860 foi mantido neste

mesmo número. Porém, em 1861 foi aumentado para 41 praças, mas mesmo assim,

em relatório encaminhado ao Presidente da Província neste mesmo ano, o Chefe

de Polícia diz ser “força insufficiente para acompanhar com alguma vantagem á

todos os effeitos que correm pela polícia”. Poucos anos depois, em 1864, a

Presidência da Província faz pedido à Assembléia para que tal efetivo fosse ao

menos mantido, do que se pode concluir que os ânimos parlamentares eram para

que fosse diminuído. E o que se depreende é de que a custo de muita insistência e

justificativas não o foi, pois apenas em julho de 1867 a Companhia de Polícia teve

seu efetivo aumentado, numa nova conjuntura de crise externa que repercutiu em

todas as Províncias do Império – a guerra com o Paraguai.

Com a guerra, a Força Pública da Província passou a ser composta apenas da

Companhia de Polícia e da Guarda Nacional. O Corpo de Guarnição, força de 1ª

Linha com previsão legal de 173 homens, como já visto, mas que não só prestava

serviços nos destacamentos fora da capital, mas também fazia guarda em

estabelecimentos públicos, fora enviada à Corte para depois seguir rumo as

fronteiras do sul, palco da guerra. Em 23 de maio de 1867 o Presidente Carlos de

Cerqueira Pinto relata à Assembléia a situação relativa à segurança da Província,

que considerava crítica em função do diminuto efetivo da polícia e da problemática

que envolvia a Guarda Nacional, e pede aumento de efetivo para a polícia. “Assim

talvez se possa diminuir os destacamentos da guarda nacional, cujo serviço pesa

sómente sobre os lavradores, artistas e commerciantes”, dizia ele, ao que foi

prontamente atendido. Em menos de dois meses, no dia 10 de julho do mesmo ano,

o efetivo da polícia foi aumentado para 60 praças e 1 Oficial comandante.

71

Esse contexto da segurança se agrava no ano seguinte quando novamente o corpo

policial é desmantelado. Em virtude de requisição do governo imperial praticamente

toda a Companhia de Polícia seguiu para a Corte a fim de reforçar o Exército na

guerra com o Paraguai. Ficaram apenas 6 ou 7 praças servindo de ordenanças as

autoridades da Província, o que leva o Chefe de Polícia a solicitar a reorganização

da Companhia de Polícia, pois o claro em relação ao efetivo previsto era de 43

policiais.

Curiosamente, logo em seguida, a Assembléia recua mais uma vez e, depois de já

ter diminuído o efetivo previsto para 44 policiais, novamente extingue a Companhia

de Polícia, o que não é acatado pelo Presidente Luiz Antonio Fernandes Pinheiro,

conforme se pode ver em seu relatório à mesma Assembléia, datado de 8 de junho

de 1869 :

Apesar de ter em meu relatório apresentado á assembléia provincial na

última sessão, declarado julgar insufficiente o numero de praças que

compunham essa força, foi ella extinta pela mesma assembléia.

Considerando porém os inconvenientes, que trazia in evitavelmente

essa extincção impolitica e contraria á boa adminis tração, recusei

sanccionar essa lei, que além de tudo é anticonstit ucional, e remetti-a

ao Governo Imperial, cuja decisão ainda não foi com unicada á esta

presidência.

Actualmente conta essa companhia trinta praças em serviço effectivo. (grifo

nosso)

Interessante também é a posição do Presidente Antonio Dias Paes Leme, que

substituíra o acima citado em setembro de 1869, e um ano depois, ao passar a

Presidência, assim se explica a seu substituto:

Agora ainda sobre a policia vou justificar um ato meu. A assembléia

provincial determinou em 1868 extinguir o corpo policial por seu

authographo, que por inconstitucional não podia ser, nem foi sanccionado

pela presidência e sendo a questão levada ao poder competente para

72

decidir, ainda está pendente; entretanto o orçamento d’esse mesmo anno

que igualmente não foi sanccionado, por não convir aos interesses da

província, foi novamente remetido a assembléia provincial, approvado e

devolvido á presidência. Eu sanccionei-o por força do art. 15 do Acto

Addcional, que indubitavelmente implica sancção obr igatória; e nem

seria de prudente alvitre collocar-me, logo no prin cipio de minha

administração, em luta aberta com uma assembléia ad versa, que me

negasse todos os meios do governo . Porém no referido orçamento

conseqüente com a resolução de extinção não se contemplava verba para

as despesas do corpo policial, entretanto este não estava extincto, porque

a questão pendia ainda do Poder competente, e os soldos vencidos

precisavam ser pagos. Ordenei portanto a despesa, arbítrio que julgo

justificado e no caso de ser approvado pela assembléia provincial. (grifo

nosso) 24

Há nos trechos dos relatos dos dois Presidentes observações importantes para a

compreensão da trajetória da polícia aqui em foco. O Presidente Luiz Antonio

Fernandes Pinheiro, que passara do cargo de Juiz de Direito da Comarca dos Reis

Magos25 para o da Presidência em setembro de 1868, nele permanecera por um

ano, e por duas vezes frontalmente entrou em choque com a Assembléia Legislativa

Provincial, não somente recusando-se a sancionar uma lei que extinguia a polícia,

mas também se recusando a sancionar a lei de orçamento, considerando que não

contemplava recursos orçamentários destinados a gastos com tal força pública.

24 Art. 15 da Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional): “Se o Presidente julgar que deve

negar a sancção, por entender que a Lei ou Resolução não convém aos interesses da Província, o

fará por esta formula – Volte à Assembléia Legislativa Provincial – expondo debaixo de sua

assignatura as razões em que se fundou. Neste caso será o Projecto submettido á nova discusão; e

se for adoptado tal qual, ou modificado no sentido das razões pelo Presidente allegadas por dois

terços dos votos dos membros da Assembléia, será reenviado ao Presidente da Província, que o

sancionará. Se não for adoptado, não poderá ser novamente proposto na mesma sessão”. 25 Nos anos finais da década de 1860 a Justiça na Província do Espírito Santo estava organizada em

04 Comarcas: da Capital, dos Reis Magos, de São Matheus e de Itapemirim. Cada Comarca era

composta por 1 juiz de direito, 1 juiz municipal e 1 promotor público. As Comarcas dos Reis Magos e

de Itapemirim estavam subdividas em 1 Termo sob a responsabilidade de um outro juiz municipal.

73

Não era a primeira vez que um Presidente de Província se colocara frontalmente

contra a Assembléia em relação ao assunto polícia. Como já se viu, em 1843 um

Presidente deixou de executar lei de criação de liceu por considerar que interferiria

nas despesas com a polícia. Neste caso, a questão foi mais longe, indo parar na

Corte. O fato é que a despeito da grande rotatividade do cargo da Presidência, cuja

designação era feita pelo Imperador, com pessoas geralmente de fora da Província,

três meses após a apresentação de seu relatório à Assembléia em 8 de junho de

1869, o Presidente Luiz Antonio Fernandes Pinheiro fora substituído, com a questão

ainda pendente.

Seu sucessor, Antônio Dias Paes Leme, apesar de ter sancionado a lei do

Orçamento Provincial no ano de 1870 sem previsão de recursos para a polícia,

porque segundo ele, não só assim determinava o Ato Adicional de 1834, mas

porque, principalmente, assim se entende, não queria se colocar numa situação de

antagonismo com a Assembléia logo no início da sua administração, ordenou

despesas não previstas para a polícia, já que a lei provincial de extinção não havia

sido cumprida. E nem o foi em anos posteriores. Não se sabe se por mudança de

posição da Assembléia ou por decisão do governo imperial a quem a pendenga fora

submetida, uma vez que não se tocou mais em tal assunto nos relatórios

subseqüentes até 09 de julho de 1887. Mas o fato é que a partir da primeira metade

da década de 1870 a Companhia de Polícia começou a tomar novo fôlego com o

aumento gradativo de seu efetivo, inclusive do número de Oficiais para administrá-la.

Assim é que em seu relatório de passagem de cargo o Presidente Antônio Dias

Paes Leme disse que gostaria de ter dado novo regulamento a polícia, mas diante

do número diminuto, da falta de local apropriado para instalação, falta de rancho, em

suma, de condições indispensáveis à disciplina, resolvera esperar que a Assembléia

lhe aumentasse o efetivo como convinha. O efetivo da polícia passou então para 62

policiais, incluindo o comandante, mas, pelo que se depreende ainda não era

suficiente. Em 9 de outubro de 1871 outro relatório da Presidência, já sob nova

administração, aponta a necessidade de aumento para 98 policiais, argumentando

que as despesas com os guardas nacionais eram maiores do que se concedido o

aumento para a polícia, o que não foi atendido. Em outubro de 1872, mesmo com

um claro de dezenove policiais, sendo um de Alferes, a Presidência narra à

74

Assembléia necessidade de aumento de efetivo para 103 policiais. Esta cedeu;

porém, ainda em novembro do mesmo ano, definiu a quantidade que julgou

conveniente, 83 policiais.

As dificuldades para o recrutamento continuavam; em 1873 o claro era de 32 e em

1874 de 39 policiais. Diante de tal situação no relatório dirigido à Assembléia em 1º

de setembro deste último ano o Vice-Presidente Manoel Ribeiro Coitinho

Mascarenhas assim se manifesta:

Em face d’esta defficiencia de força e das innúmeras difficuldades a

vencer-se no alistamento de praças, há só duas medidas a tomar-se, dois

princípios a seguir-se: ou a dissolução da Companhia de Policia, ou a

creação da Polícia Municipal .

Julgo preferível o segundo meio; e neste caso deverá ser reduzido a 50 o

numero de praças da Companhia, que só policiará a Capital, e não será

distrahiada para destacamentos, salvo força maior, tendo cada município

sua guarda policial composta de 10 praças e um inferior, sob as ordens

immediatas do respectivo Delegado de Policia, encarregados de fazer os

devidos alistamentos mediante as vantagens concedidas por lei aos da

Companhia de Policia.

Esta medida não será innovação: outras províncias a tem adoptado.

Sua proposta de criação da Polícia Municipal não era coisa nova nem na Província

do Espírito Santo. O Presidente Luiz Eugenio Horta Barbosa já a tinha feito constar

em seu relatório de passagem da administração justamente ao Vice-Presidente

acima, sem, contudo propor a dissolução da Companhia de Polícia. Mas do que se

pode depreender, tal proposta soa mais como um jogo de palavras e de pressão do

que uma real intenção. Tanto é que a Assembléia não dissolveu a Companhia de

Polícia, mas pela Resolução Provincial nº 27 de 14 de novembro de 1874 criou a

Guarda Municipal.

Na verdade a destinação da Guarda Municipal seria a de ocupar os destacamentos

policiais existentes nas localidades do interior, geralmente implantados em virtude

das insistentes solicitações das autoridades locais. Tais destacamentos eram feitos

75

pelas diversas forças existentes na Província, mas especialmente pela Companhia

de Polícia, sobre quem a Presidência tinha o poder de definir sobre sua utilização.

Como se pode ver na Tabela 1 não houve destinação de guardas municipais para a

capital da Província; considera-se, portanto que o objetivo era nela concentrar os

policiais da Companhia de Polícia. Coube ao Chefe de Polícia a distribuição e a

nomeação dos comandantes dos guardas municipais retirados entre os engajados.

Aos Delegados nos Termos e aos Subdelegados nos Distritos cabia proceder às

inspeções.

Tabela 1 – Organização da Guarda Municipal em fevereiro de 1875

Municípios

Sargentos

Furriéis

Cabos

Guardas

Total

Cidade de S. Matheus 1 5 6

Barra de S. Matheus 1 5 6

Linhares 1 4 5

Santa Cruz 1 4 5

Nova Almeida 1 4 5

Serra 1 5 6

Vianna 1 10 11

Espírito Santo 1 4 5

Guaraparim 1 4 5

Benevente 1 5 6

Itapemerim 1 5 6

Cachoeiro de Itapemirim 1 5 6

Somma 4 2 6 60 72

Fonte: Relatório do Chefe de Polícia anexo ao Relat ório do Presidente de Província em 02 de agosto de 1875

Como se pode ver seu efetivo total era superior ao da Companhia de Polícia. Mas

segundo o que faz constar o Presidente Domingos Monteiro Peixoto em seu relatório

datado de 18 de setembro de 1875, “longe de satisfazer ao fim de sua criação, a

guarda municipal tem unicamente servido para onerar os cofres”, caracterizando-se

como “uma força composta de indivíduos escolhidos, as mais das vezes, sob o

influxo da proteção”, agravado pela falta de um comando adequado que lhe

76

disciplinasse. Sugere então sua substituição por mais uma Companhia de Polícia,

ao que não lhe foi dado ouvido.

Mas o certo é que a força municipal teve vida curta. Extinta pela lei Provincial nº 28

de 19 de novembro de 1875, com recomendação de que os guardas que assim o

desejassem poderiam ser aproveitados na Companhia de Polícia, foi gradativamente

sendo desativada até dezembro de 1876. A demora na extinção completa se deu

como conseqüência da escassez de efetivo da Companhia de Polícia que deveria

novamente ocupar os destacamentos nas diversas localidades da Província.

No mesmo ano da extinção da Guarda Municipal, em 1875, o efetivo previsto para a

Companhia de Polícia foi aumentado para 103 policiais, mas, havia um claro de 52

policiais para completar tal efetivo, o que reflete a grande dificuldade em relação ao

recrutamento para compor a polícia. Em dezembro o efetivo previsto foi novamente

aumentado, sendo de 105 policiais, porém, o claro em 1877 ainda era significativo,

sendo da ordem de 43 policiais. No entanto no ano de 1878 a situação mudou,

estando seu efetivo previsto quase completo, faltando-lhe apenas 6 praças.

Mais uma vez a Companhia tem seu efetivo diminuído. Em abril de 1879 a

Assembléia fixou o numero de 94 policiais, e no início do ano de 1881 faltavam-lhe 4

praças para estar completa. No entanto, em 1881 volta a ter o efetivo previsto de

103 policiais e em fevereiro de 1882 faltavam-lhe 11 soldados para estar completa.

Pela lei nº 18 de 15 de maio de 1882 o efetivo foi mais uma vez aumentado, agora

para 115, faltando-lhe 16 praças para estar completo.

Pela primeira vez, após 47 anos, a polícia voltava a ter o mesmo efetivo previsto por

ocasião de sua criação em 1835 – 115 policiais. Mas, mesmo assim, tal número não

atendia as expectativas da Presidência que em relatório datado de 3 de março de

1883 dizia: “o estado effectivo desta Companhia não satisfaz as exigências do

serviço”. E considere-se que para estar completa faltavam–lhe apenas 8 policiais

naquele ano.

Vale ressaltar que em nenhum momento de sua história até então a polícia tinha

chegado a tal número, seja por força de lei, seja pela insuficiência no recrutamento.

77

Talvez a Presidência estivesse tentando evitar que a força policial fosse novamente

diminuída pela Assembléia. É o que se pode inferir de seu relato: “Embora haja ou

pareça haver excesso de dispendio com a manutenção da força publica, é

imprescendivel, nas actuaes circunstancias da Província pelo menos não diminuir as

despesas que são feitas com a força publica”. E estava certo. A lei nº 15 de 4 de

maio de 1883, diminui-lhe o efetivo fixando-o em 106 policiais. No entanto em

outubro de 1884 já havia sido aumentada para 117 policiais, mas faltavam-lhe 38

praças para estar completa.

As dificuldades relativas ao recrutamento e a baixa permanência dos policiais

voltaram a comprometer a policia. Em outubro de 1885 faltavam-lhe 52 praças, o

que correspondia a 44,4% do efetivo total! Pouquíssimo tempo depois, pela lei nº 4

de 30 de novembro deste mesmo ano, teve seu efetivo diminuído e fixado em 85

policiais, e sobre tal situação assim se posicionou o Presidente Antonio Joaquim

Rodrigues em relatório à Assembléia datado de 5 de outubro de 1886:

É incontestável que esta força não póde satisfazer as necessidades do

serviço, visto o augmento de população que tem tido a província; e é muito

de esperar que continue a ter, principalmente nas comarcas de Itapemirim,

Iriritiba e Santa Cruz. Convém, pois, elevar a força pelo menos à 80 praças,

ainda mesmo que se cortem outras despezas ou se revejão os impostos

de modo a augmentar a receita da província.26 (grifo nosso)

O que fica patente é o permanente embate entre os Presidentes de Províncias e os

membros da Assembléia Legislativa sobre a questão da polícia ao longo do período

Imperial, bem como os avanços e recuos dos últimos em sua posição visivelmente

contrária a respeito da necessidade de tal força pública na Província do Espírito

Santo. Tanto é que em relatório de 9 de julho de 1888, já no fechar das portas do

governo imperial, a fala da Presidência traduzia as mesmas narrativas sobre a

polícia encontradas desde os primeiros anos do Império: 26 Sua proposta de aumento para 80 praças equivale a um aumento real de 10 soldados,

considerando que no efetivo em vigor de 85 policiais estão previstos 70 soldados, sendo os 15

restantes oficiais e graduados. Assim a força passaria a um efetivo total previsto de 95 policiais.

78

Não é preciso esforço para mostrar-vos que é insufficiente a nossa força

policial.

Todos os meus antecessores teèm insistido com os melhores argumentos

pelo augmento do corpo de policia, sem resultado algum, pois tem sido

melhor argumento o dos vossos votos: qual o de falta de recursos

financeiros para serem convenientemente attendidos os variados serviços

da província.

Com certeza a falta de recursos era o argumento usado neste jogo entre a

Presidência e a Assembléia, mas como já se apontou, o que pesava mesmo era a

visão sobre quais setores deveriam ter prioridade na aplicação dos recursos

financeiros, traduzindo assim as visões antagônicas entre aqueles que

representavam os interesses locais e aquele que deveria resguardar os interesses

do governo central.

Do que se expôs, ficou patente que em relação aos escravos a polícia realmente

não fazia nenhuma falta. Na sua ausência, o Estado regulamentou, e os

proprietários arcaram com os custos financeiros das Guerrilhas usadas

principalmente para este fim. Tal arranjo aqui demonstrado apenas corrobora a tese

de Adriana Campos (2003), de que decididamente os senhores eram bastante

competentes para colocar em prática seus poderes privados em relação as suas

propriedades de escravos. A polícia não tinha como função precípua a captura de

escravos porque a sociedade escravista tinha suas formas particulares de tratar a

questão. A manutenção das Guerrilhas foi apenas uma delas.

Também foi possível constatar ao longo dos anos nos relatórios de Presidentes e

Vice-Presidentes um discurso persistente e até cansativo sobre a “índole pacífica

dos habitantes” ou sobre “a paz, a ordem e o socego público” como características

constitutivas dos habitantes da Província do Espírito Santo. Mas, mesmo assim,

foram unânimes em repetir como num coro orquestrado, a necessidade da polícia

naqueles tempos do Império, ressaltando sempre os seus bons trabalhos.

79

Se numa sociedade escravista a polícia não era necessária para manter sob jugo os

escravos. Se o povo era pacífico e vivia em completa ordem, para que então serviria

a polícia?

80

2.2 PRECISA-SE DE POLÍCIA! MAS, PARA QUE POLÍCIA?

Em um dos livros que registraram os assentamentos dos policiais entre os anos de

1840 e 1844 está escrito o seguinte como instrução para o serviço da Guarda

Policial: O fim legal da Guarda Policial é manter o socego e segurança interna da

Província27, como se pode visualizar na figura 7.

Figura 7: Finalidade legal da polícia em 1838 Fonte: Livro de Assentamento de Praças - Fundo de Polícia do APEES

27Artigo 1º da lei Provincial nº 23 de 27 de novembro de 1838. Em tal artigo está expresso também

que a Guarda Policial não poderia ser empregada em outro serviço.

81

Para que se possa compreender o que isto significava aos olhos das pessoas que

naqueles tempos do Império tiveram em suas mãos a decisão sobre o que hoje é

chamada de política pública de segurança mais uma vez se faz necessária uma

análise apurada dos relatórios presidenciais, no geral dirigidos à Assembléia

Legislativa.

Foi possível constatar que a visão de quase toda a totalidade dos Presidentes sobre

a segurança da Província dividia-se em dois enfoques: Tranqüilidade Pública e

Segurança Individual e de Propriedade, mesmo que não estivessem estruturalmente

separados ou destacados nos textos dos relatórios.

No enfoque da Tranqüilidade Pública estavam incluídas as manifestações

relacionadas a não ocorrência de revoltas que traduziam oposição às políticas do

governo central. As revoltas regenciais deixaram claro exemplo de que para a

consolidação do Estado Imperial brasileiro a tarefa de pacificação seria

fundamental. Ela, inclusive, norteará a política de conciliação política dos quase 50

anos do governo de D. Pedro II. Também pesava o fato de que os Presidentes de

Província eram escolhidos e nomeados pelo governo central, o que os deixava

extremamente comprometidos com a tarefa da pacificação. Portanto, logo no início

dos relatórios estava descrita a situação da tranqüilidade pública, que pode ser lida

literalmente como tranqüilidade política da Província.

Assim é que, por exemplo, em 08 de setembro de 1838, pouco mais de 3 anos após

a criação da Guarda de Polícia, o Presidente João Lopes da Silva Coito28, no tópico

demarcado como Tranqüilidade Pública, se manifesta:

28 Há relatórios do Presidente João Lopes da Silva Coito entre os anos de 1838 e 1840. Foi possível

constatar que a estrutura de texto usada por ele, com divisão dos assuntos em tópicos separados, foi

copiada pelos seus sucessores.

82

O Governo Provincial, por ocasião da sedição da Capital da Bahia, tomou a

medida preventiva de remeter armamento e algum cartuxame para a

Commarca de S. Matheus, que, como mais próxima do ponto sublevado,

corria risco, e por isso reclamava a segurança pública que se tomassem

algumas providências tendentes a evitar que os funestos accontecimentos

d’aquella cidade se estendessem e viessem a pertubar a tranqüilidade

d’esta Província. Felizmentes, emquanto ali dominou a façcão

anarchica, suas doutrinas não acharão écho n’esta P rovíncia, que

continuou a gozar de hum perfeito socego, até o tri umpho das armas

da legalidade pôr termo aos males e desgraças que p esavão sobre

aquella rica e interessante cidade. A influencia, que sobre o estado

político do Brasil exercêo a pacificação da Capital da Bahia, he tão notória

e de tanta magnitude, que eu julgo não dever dispensar-me da grata

obrigação de me felicitar convosco, lamentando porêm que a victoria

custasse o sangue que foi forçoso derramar. Praza o Céo que não vejamos

repedidas scenas tão luctuosas!29 (grifo nosso)

Veja-se que a despeito da importância do fato colocado - a proximidade de São

Matheus com a Província vizinha sublevada - não há referência ao envio de nenhum

efetivo policial no relatório apresentado à Assembléia, ao contrário do que era

comum ser relatado quando havia movimentação de praças para reforço em

localidades fora da capital.

Por sua vez, em 21 de outubro de 1885 o Presidente de Província Antonio Joaquim

Rodrigues assim se manifesta em relação a tranqüilidade da Província:

É com justa satisfação que vos annuncio que a tranquillidade publica

nenhuma alteração soffreu, devendo-se este resultado aos sentimentos de

ordem da nossa população e ao respeito que ella consagra às instituições

políticas que fazem o orgulho e a felicidade do nosso paiz.

29 Pela época a sublevação referida trata-se da Sabinada, revolta ocorrida na Bahia nos anos de 1837

e 1838, que traduziu os anseios separatistas da elite e classe média local frente a política de

desprestígio do governo central em relação àquela Província. Chegou a proclamar a República

Baiense, porém fracassou e foi reprimida violentamente.

83

Portanto, como se pode constatar, mesmo tendo transcorrido 47 anos entre um

documento e outro, o enfoque é o mesmo – relato da imperturbável tranqüilidade

pública da Província em relação aos acontecimentos políticos de oposição ao

governo central.

Agrupadas no enfoque da Segurança Individual e de Propriedade encontram-se as

questões referentes às perturbações da ordem no campo das sociabilidades e do

respeito as leis locais. Em alguns relatórios o título podia ser também “Força

Pública”. Neste enfoque estão narrados fatos sobre as contendas entre as pessoas

que habitavam ou passavam pela Província, os crimes cometidos, a vigilância do

serviço de iluminação, a necessidade de acompanhamento policial para a cobrança

de impostos, e ainda, e em muito menor escala, as fugas e a formação de quilombos

pelos escravos. Sobre tais assuntos cotidianos internos sempre aparecem as

manifestações dos Presidentes de Província a respeito da policia e da problemática

que a envolvia, como a escassez de recursos financeiros para sustentá-la e a

dificuldade quanto a permanência dos policiais que ingressavam.

Assim como em relação a tranqüilidade pública, de modo geral eram constantes as

manifestações positivas relativas a segurança individual e de propriedade,

apontando sempre o caráter pacífico e ordeiro do povo capixaba. Vez ou outra,

muito esporadicamente, os Presidentes, como em 1844, se manifestaram

negativamente em relação a segurança individual e de propriedade apontando

algumas estatísticas criminais. Mas, lembremo-nos que 1844 havia sido justamente

o ano em que a polícia fora extinta pela Assembléia. Foi perceptível na leitura dos

relatórios que os Presidentes procuravam apontar aspectos negativos sobre a

segurança quando pressentiam que a tendência da Assembléia era de diminuir o

efetivo da polícia. Entende-se que este foi o caso, pois muito mais do que simples

diminuição de efetivo a decisão dos parlamentares provinciais, em novembro do

mesmo ano, foi de extinguir a polícia, o que também foi registrado em livro da

polícia, conforme figura 8.

84

Figura 8: Registro do comandante sobre a extinção da polícia Fonte: Livro de Assentamento de Praças - Fundo de Polícia do APEES

No geral os posicionamentos dos Presidentes seguiam o padrão do relato do

Presidente Sebastião Machado Nunes, feito em 25 de maio de 1855 por ocasião da

abertura da sessão ordinária da Assembléia Legislativa:

A província continua escoimada d’esses factos criminosos, premeditados e

revestidos de circumustancias extraordinárias que attestão contra a

moralidade da população e denuncião a falta de segurança individual.

Os poucos crimes commettidos na provincia durante o anno proximo findo

forão occasionados por conflictos de momento, não havendo algum que,

por seo carater especial de gravidade, mereça ser aqui relatado.

85

Por que então os Presidentes de Províncias eram tão insistentes em reclamar a

escassez ou mesmo a falta de uma força pública tipicamente provincial por ocasião

de suas falas às Assembléias Legislativas, como na seqüência do relato acima?

“Escassos são, entretanto os meios de que a policia dispõe n’esta provincia, [ ...]”.

Este não foi um posicionamento ocasional ou pontual, ele foi recorrente nos

relatórios de diferentes Presidentes desde a criação da polícia em 1835 até o final

do período Imperial, como já se apontou, restando aqui explicar as suas motivações

que foram várias.

A escassez do conjunto de tropas das forças mantidas pelo governo central - a

Guarda Nacional e as forças de 1ª linha era uma realidade. Os Presidentes de

Províncias foram unânimes e repetitivos em denunciar as dificuldades de

recrutamento para elas. Ambas tinham destinações especificas que não eram de

patrulhamento e auxílio à justiça, muito embora nem sempre isto fosse respeitado. A

Guarda Nacional como força paramilitar foi instituída em 1831 com o claro objetivo

de servir como mecanismo de força do governo imperial em função da instabilidade

política promovida especialmente pelas revoltas regenciais. Por sua vez as forças de

1ª linha, legalmente deveriam ser destinadas ao serviço militar de guarnição das

estradas e da capital.

O Presidente José Bonifácio Nascentes d’Azambuja em 24 de maio de 1852, por

exemplo, relata o medo da população masculina em ser recrutada, uma vez que

poderiam haver deslocamentos para lugares distantes no Império. Sempre que

necessário as tropas de 1ª Linha eram retiradas e enviadas para outras Províncias

com problemas de sublevação internas ou guerras com outras nações, como bem

explica tal Presidente:

Em bastantes embaraços me tenho achado para accudir às precisões do

serviço com uma força tão limitada, e maiores forão ainda aquelles com

que lutei no principio de minha administração, pelo que foi necessário

lançar mão das guardas nacionaes, que pouco ou nenhum serviço ainda

hoje podem prestar por não estar, e nem nunca ter sido organizada, como

sabeis, e requisitar ao Governo Imperial algum auxilio de força do exercito,

86

que me foi prestado, mas por pouco tempo em consequencia dos

acontecimentos do Sul onde estava empenhada toda a força disponivel.30

Também não podiam dispor delas como bem entendiam uma vez que custeadas

pelo governo central, sua destinação também era por ele regulada. Pela lei Imperial

nº 10 de 3 de outubro de 1834 em seu Art. 5º, § 4º apenas nas situações

extraordinárias e indispensáveis poderiam os Presidentes remover os Guardas

Nacionais para fora dos seus municípios.

Há de se considerar também a própria organização do Estado que se configurava a

medida que o governo imperial ia se fortalecendo, apesar das ambigüidades que o

sustentaram, como bem apontou José Murilo de Carvalho (2003). A verdade é que

realmente os chefes do Executivo provincial ficavam de mãos e pés atados quando

o assunto era a necessidade de força para fazer valer os poderes do Estado.

A despeito da possibilidade de sob o ponto de vista da estatística criminal31 os

membros da Assembléia pudessem não considerar a polícia uma instituição

necessária, o fato é que, principalmente naqueles tempos iniciais de experiência

administrativa autônoma, é compreensível que aqueles, políticos locais, vissem com

um olhar atravessado a concentração de força armada nas mãos dos Presidentes,

geralmente forasteiros que ocupavam o cargo por curto período, e assim, agissem

constantemente no sentido de diminuir a polícia provincial. Ao que parece havia um

jogo político expresso pelo poder. 30 Infere-se que “os acontecimentos do sul” a que é feita referência se trata das Guerras Platinas em

que o Império brasileiro participou 31 É preciso cuidado com a análise quantitativa das estatísticas criminais da época. Em relação aos

números atuais realmente as estatísticas do século XIX apresentam números ínfimos, principalmente

no caso do Espírito Santo como aponta Campos (2007). A necessidade da polícia em uma

sociedade não deve ser vista apenas sob o enfoque quantitativo da ocorrência ou não do crime, mas

também do nível de sensação de segurança que as pessoas apresentam e das tarefas que são

destinadas a tal instituição. Não se tem conhecimento sobre um estudo nesse sentido relativo ao

recorte temporal da presente pesquisa. No capítulo 8 de sua obra A Síndrome da Rainha Vermelha,

Marcos Rolim apresenta considerações e alertas muito interessantes a respeito das Estatísticas

Criminais.

87

Exemplo disto está na fala do Presidente de Província José Joaquim Machado

Oliveira dirigida á Assembléia em 1º de abril de 1841, na tentativa de convencer os

parlamentares de que seus reclames em favor da policia eram bem intencionados:

Deveis, Senhores, convencer-vos que o meu único fito, na melhor

organização da Companhia, he a manutenção da ordem, socego público na

Capital, e onde quer que sejão ameaçados, com o já o tenho feito, e não

por motivos de apparato, ou da própria segurança, porque tenho por

principio indefectível, que nada ha mais que atenue a existência moral de

hum Funcionário publico, que a rodear-se da força bruta.

Vê-se que o Presidente tinha a real compreensão do poder que o controle sobre o

aparato policial lhe conferia e do temor que tal situação incutia nos parlamentares da

Assembléia, por isso procurou deixar bem claro quais eram suas intenções em

solicitar melhorias para a polícia.

A partir de 1854 encontramos constantes manifestações de diferentes Chefes de

Polícia sobre a necessidade da existência de praças policiais como condição para a

realização do trabalho dos delegados, como se vê abaixo:

[...] nenhum cidadão se prestará bem, apezar dos seus melhores desejos,

a desempenhar patrioticamente o cargo de Delegado ou de Subdelegado

sem ter uma praça às suas ordens, de que disponha para repressão dos

crimes e prisão dos delinqüentes.

Cumpre pois obviar a todos estes incovenientes, que actualmente se dão e

que motivão as exonerações pedidas daquelles cargos, instancias por

ellas, e por ultimo o abandono dos cargos com acephalia de taes

authoridades.

Tais manifestações deviam ser antigas e encontraram eco nos membros

Assembléia, pois a lei nº 9 de 24 de julho de 1854 definiu que a subordinação das

88

praças policiais deveria ser exclusivamente às respectivas autoridades (Chefe de

Polícia na capital, delegados e subdelegados no interior).

Ao que tudo indica a lei não foi cumprida, tanto é que em 23 de Maio de 1856 o

Presidente Jose Mauricio Fernandes Pereira de Barros por ocasião da abertura da

Assembléia reclamava das intenções dos deputados em tentar tirar-lhe das mãos a

subordinação da polícia através de lei que considerava inconstitucional. O referido

Presidente argumentou que tal disposição era “inexeqüível” e “offensiva das leis

gerais em vigor”, face o art. 11, § 2º do Ato Adicional de 1834 e o art. 5º, § 4º, da lei

nº 40 de 3 de outubro de 183432. Tais legislações imperiais já foram apresentadas, e,

respectivamente, definiam a Assembléia como competente para fixar o efetivo da

polícia e a Presidência para decidir sobre seu emprego. O certo é que a citada lei

que tentou tirar do controle da Presidência o comando da força policial não foi

levada a termo. O Chefe do Executivo não abria mão do controle direto sobre tal

força pública. Mas isto não é coisa do passado. Ainda hoje o Chefe do Executivo é o

Comandante maior da Polícia Militar. Tem direito a honras militares e é de sua

prerrogativa a nomeação do Comandante Geral.

Observa-se aqui claramente mais uma vez a disputa de competência entre os

poderes Executivo e Legislativo da Província no que se refere a uma força pública

armada – a polícia. A despeito das necessidades reais dos delegados, os deputados

com certeza sabiam que a lei sancionada era inconstitucional.

Outro argumento reside no fato de que diante do modelo de organização de Estado

instituído pelo governo Imperial no que dizia respeito a polícia, efetivamente o cargo

de Presidente de Província implicava em atender demandas que lhes eram enviadas

pelas diferentes autoridades públicas, em especial da Justiça e da Polícia Judiciária,

hoje identificada como Polícia Civil. A pressão era grande e em 1848 o Presidente

Luiz Pedreira do Couto Ferraz nessa direção assim aponta:

32 Na verdade o texto do Relatório identifica equivocadamente esta legislação como sendo um

decreto de 3 de outubro de 1834. Optou-se em indicar a legislação correta para não confundir o leitor.

89

Continúo a lutar com as difficuldades provenientes da falta de uma força de

confiança, convenientemente disciplinada, e que auxilie a açção da justiça

na repressão de quaesquer attentados, e na captura dos criminosos.

Em 1850, outro governante, o Presidente Filippe José Pereira Leal também assim se

manifesta:

Todos os dias recebo reclamações das authoridade locaes, solicitando

destacamentos , e vejo-me em posição afflictiva, quando tenho de resolver

á cerca de taes reclamações, porque achando-as justas, não posso com

tudo satisfazel-as á vista da falta de força disponível, falta, que acoroçoa

muitos abusos, que por ahi existem enraizados, e são sobre modo nocivos

á prosperidade da província, e á segurança de seus habitantes, e para

acabal-as sobra vontade á presidência. Hei por vezes levado ao

conhecimento do governo este estado pouco satisfatório, e a necessidade

de augmentar-se a forças de linha aqui existente, ainda agora aguardo o

resultado desas participações.33 (grifo nosso)

A utilização da polícia como força destacada está registrada em livros designados

como Mapas Diários, o que atesta a fala dos Presidentes nesse sentido. Em

setembro de 1840, por exemplo, existiam seis praças policiais destacadas em São

Matheus, e quatorze na Vila de Itapemirim, conforme se vê na figura 9.

33 Destacamentos constituem-se em pequenos efetivos militares que se separam de uma unidade

para prestarem serviços fora de sua sede. A Polícia Militar hoje é dividida em Batalhões, que por sua

vez são subdivididos em Companhias, que podem ainda ter efetivo destacado em algum município ou

localidade.

90

Figura 9: Distribuição do efetivo em 1840 Fonte: Livro de Mappas Diários - Fundo de Polícia do APEES Os registros diários indicam muitas coisas interessantes. Uma delas é como a polícia

foi consolidando sua existência a partir de sua expansão na Província por meio dos

destacamentos. Vê-se que na figura 10 que em 1942 a polícia já cobria um número

maior de localidades, incluindo São Matheus, Itapemirim, Benevente, Vila Velha e

outra que não se consegue identificar.

91

Figura 10: Distribuição do efetivo em 1842 Fonte: Livro de Mappas Diários - Fundo de Polícia do APEES

.

Naqueles tempos a polícia judiciária no Espírito Santo não possuía estrutura de

pessoal para as atividades de investigação, e, principalmente de captura. Este era

um fato concreto. Requisitava os serviços das praças policiais. Parece que a

situação não devia ser muito diferente em outras Províncias, já que em 1850 havia

apenas “32 pedestres, ou patrulheiros civis, subordinados à Secretaria da Polícia na

capital”, conforme Holloway (1997, p. 159). Certamente as demandas da capital

eram bem maiores do que as das capitais das Províncias, e tal efetivo insuficiente, o

que deveria levar à requisição da força policial militar no Rio de Janeiro. No Espírito

Santo a freqüente utilização da polícia aqui tratada pelo Chefe de Polícia na capital e

delegados e subdelegados no interior a caracterizam como uma força de

intervenção.

92

A movimentação de forasteiros na Capital e nas principais cidades portuárias como

era o caso de São Matheus era considerável, o que certamente interferia na vida

cotidiana das cidades. Consta nas estatísticas dos Chefes de Polícia a ocorrência de

crimes, até de homicídio, praticados por marinheiros que aportavam na Província,

além das transgressões relativas ao convívio social, como embriaguez, brigas,

adultério e algazarra.

Não se pode esquecer também que naqueles tempos as festas religiosas

configuravam-se como oportunidade de lazer e convivência social; eram grandes

acontecimentos nas cidades. Como todo evento onde se aglomera grande número

de pessoas, tais festas estavam permeadas de acontecimentos que exigiam

intervenções para a resolução das contendas entre as pessoas, o que em alguns

casos implicava a ação da polícia.

Há que se considerar também a posição fronteiriça da Província do Espírito Santo

com a capital do Império e com as Províncias da Bahia e Minas Gerais. Nesse

sentido se pode então compreender o desabafo de um Presidente em 1881:

Não é preciso que me extenda em considerações a respeito da

necessidade de policia para que haja ordem na sociedade e garantia dos

direitos individuais, nem que procure provar a impossibilidade de existir

policia sem força, e a excellencia do serviço da milícia ou de um corpo

militarisado sobre o da Guarda Nacional.

E também do Chefe de Polícia no mesmo ano, segundo ele apenas repetindo o que

já haviam dito seus antecessores:

Em uma província que conta sete termos com vinte dous districtos em uma

extensão de mais de setenta leguas de costa sobre uma largura de mais de

trinta, por onde se espalha uma população de cincoenta mil almas não

pode ser policiada pela diminutissima força que nella há.

93

Na capital da Província do Espírito Santo, além de tudo o exposto, conforme consta

nos Mapas Diários, a polícia no cotidiano da capital realizava rondas em patrulhas,

especialmente durante a noite, fiscalizava a iluminação pública, acompanhava o

cobrador de impostos que era designado como “arrematante do dízimo”, fazia a

guarda da cadeia e dos prédios públicos, servia de ordenança aos Presidentes da

Província, ao Comandante da Polícia, nos períodos em que existiu tal cargo, e a

Juízes, costurava o fardamento usado, participava da capturas de criminosos, e em

algumas ocasiões, também da captura de escravos fugidos, e fazia diligências a

pedido dos delegados ou dos Chefes de Polícia.

Assim, definitivamente se pode dizer que aos olhos da administração da Província,

cujos encargos eram de competência do Executivo, a polícia era necessária. A

ordem escravista comportava também homens e mulheres livres, comuns ou não

sob o enfoque do poder político e econômico, que foram em grande medida o alvo

de atuação da nascente polícia que hoje se configura como a Polícia Militar.

94

CAPÍTULO 3

QUE POLÍCIA ERA ESSA? O COTIDIANO POLICIAL EM UMA PROVÍNCIA DO IMPÉRIO

Um dos requisitos indispensáveis para a existência e sobrevivência de qualquer

instituição é o conjunto de pessoas para fazer cumprir a missão que possa justificar

sua criação. Nos tempos do Império esta era uma premissa cem por cento

verdadeira, considerando a não existência dos recursos tecnológicos disponíveis

atualmente e que em alguns casos podem em parte substituir o trabalho humano.

As dificuldades para se recrutar policiais, e ainda mais, fazê-los permanecer em tal

ofício, não foi tarefa fácil para os seus Comandantes, Chefes de Polícia e

Presidentes de Províncias, que como se viu, tanto reclamaram e persistiram sobre a

necessidade da polícia.

Diante de um quadro de verdadeira repugnância ao serviço militar, assim

considerado também o ofício policial naqueles tempos, o que foi narrado em

praticamente quase todos os relatórios dos Presidentes e Chefes de Polícia,

algumas perguntas não se calam. Quem eram essas pessoas que a despeito de

todas as dificuldades e adversidades que deveriam cercar o exercício de tal ofício se

tornaram policiais? Quais eram as suas origens sociais, de onde vinham, quantos

anos tinham, como entraram para a polícia, quantos anos permaneceram. Quais

eram os seus comportamentos no exercício do ofício policial?

As respostas para estas perguntas foram encontradas nos Livros de Registros de

Assentamentos de Praças e Oficiais disponíveis no Fundo de Polícia do Arquivo

Público do Estado do Espírito Santo. Tais fontes foram meticulosamente

manuseadas e a partir delas se pode quantificar e montar tabelas e gráficos

demonstrativos das informações que possibilitaram a análise que aqui está sendo

apresentada sobre tais pessoas e o exercício de seu ofício como policiais.

95

Infelizmente foi encontrada lacuna temporal na fonte citada. Ela corresponde ao

período entre o final de 1844 e o ano de 1868 Diante da constatação de algumas

diferenças interessantes que posteriormente serão apresentadas, optou-se em

dividir os dados em duas fases conforme foram encontrados. A primeira trata dos

anos iniciais da instituição da polícia em 1835 e vai até o ano de 1844, quando foi

extinta. A segunda refere-se aos registros entre os anos de 1868 e 1889, período de

maior consolidação da força policial, e por isso de maior disponibilidade de fontes

que registraram a vida funcional das pessoas que a compunham. Através dos

relatórios de Presidentes da Província do Espírito Santo concluiu-se que os anos de

ausência de fontes correspondem exatamente aos anos mais conturbados da

instituição durante o Império. Neles foram mais constantes as divergências entre a

Presidência e a Assembléia sobre a necessidade da existência da instituição policial,

que como é sabido trata-se da Polícia Militar. O pressuposto é de que tal situação

deve ter contribuído para o não registro das informações, caso o motivo não tenha

sido o extravio, o que não é incomum ocorrer. Mas do que se depreende nos relatos

da Presidência nem sempre o zelo para com os registros era freqüente, fazendo

com que a partir da década de 1870 vez por outra fossem constituídas comissões

para averiguação das escriturações da polícia.

3.1. O PERFIL DE UMA POLÍCIA DO IMPÉRIO

João Ferreira, filho de Antônio Ferreira, de cor parda, natural de Vitória, solteiro, sem

profissão declarada, em 1837, então com 20 anos, ingressou na polícia ao que

parece de forma obrigatória, pois consta em seus assentamentos a palavra

“recrutado”, e que serviu por 5 anos, tempo obrigatório de seu engajamento, sem

nenhuma punição. Ficou internado em hospital por 2 vezes. Em 1840 foi transferido

para Itapemirim, em 1841 para São Mateus e em 1842 para Guarapari. Esta era

uma pessoa comum que se tornou um policial comum na primeira metade do século

XIX, no alvorecer institucional da Polícia Militar. São as vidas de pessoas como João

Ferreira que aqui serão retratadas. Cada uma delas, com suas histórias individuais,

ajudaram a consolidar e compor o perfil policial de seu tempo.

96

Para a composição do perfil do conjunto dos policiais foram agrupados os itens

filiação, naturalidade, idade, cor, estado civil e ofício anterior, registrados no século

XIX conforme figura 11.

Figura 11: Registros Funcionais de Policiais do Século XIX Fonte: Livro de Mappas Diários - Fundo de Polícia do APEES

Pode-se constatar nas tabelas 2 e 3 que era de praxe se registrar apenas a filiação

paterna, porém quando o pai era escravo seu nome não era registrado e se fazia

constar “era escravo”. O número de pais escravos foi mais significativo na primeira

fase e tal categoria já é um indicativo de que a origem social dos policiais que

compuseram a polícia em seus anos de consolidação compreendia as pessoas das

camadas mais baixas da sociedade.

97

O percentual de país incógnitos foi considerável nas duas fases da polícia. Tal

informação nos remete à possibilidade de alguns serem filhos de escravas com

homens brancos que não tinham seus nomes nos registros, já que se está tratando

de uma sociedade escravista. Também pode se tratar de filhos de mães solteiras.

Quanto a freqüência de “filho de outro” não foi encontrado esclarecimento, porém a

possibilidade é de que se trate de filhos tidos fora do casamento.

Tabela 2 - Filiação dos policiais que assentaram praça no período 1835-1844 Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Tabela 3 - Filiação dos policiais que assentaram praça no período 1868-1889

Filiação Freqüência %

Pais Incógnitos

121

24,3

Pai Escravo

2

0,4

Nome do Pai

335

67,4

Filho de Outro

4

0,8

Não Consta

35

7,0

Total

497

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Filiação Freqüência %

Pais Incógnitos

48

34,3

Pai Escravo

6

4,3

Nome do Pai

80

57,1

Filho de Outro

5

3,6

Não Consta

1

0,7

Total

140

100,0

98

Quanto a naturalidade dos policiais pode-se ver nas tabelas 4 e 6 que há diferença

significativa nas duas fases da polícia. Até 1844 foi constatado que a maior parte

dos policiais era natural da própria Província do Espírito Santo num percentual de

94,4%. O restante era originário apenas de outras duas Províncias, da Bahia e do

Rio de Janeiro. Já na segunda fase, o percentual de policiais da própria Província

baixou para 60,2%, havendo grande diversificação na naturalização. Isto demonstra

o crescente processo de mobilidade das pessoas, especialmente, a partir da

segunda do século XIX, como apontado por Mattos (1998). Dos 39,8% policiais

oriundos de outras Províncias, a maior parte era do Nordeste, exatamente 23,1%,

com grande destaque para a Província do Ceará. Isto se explica pela grande seca

dos anos de 1877 a 1880 naquela região. Segundo Almada (1984, p. 185) a seca

“devastou a vida e a propriedade do Nordeste [e] fez aportar ao Espírito Santo

retirantes da Paraíba, Rio Grande Norte e, especialmente, do Ceará”, Alguns outros

policiais eram originários da Espanha, Portugal e Itália, o que demonstra que era

permitido o ingresso de estrangeiros, o que não era de se estranhar diante das

deficiências do recrutamento que marcaram a instituição durante o Império.

Dentro da própria Província do Espírito Santo só foi possível identificar as

localidades na primeira fase. Conforme se vê na tabela 5, a grande maioria, 70,4%,

era natural da capital da Província. Isto se explica pelo fato de que nesse período o

recrutamento era centralizado na capital, onde a princípio deveriam estar lotados os

policiais, que quando destacados deveriam ir para qualquer localidade da Província.

Constam inclusive reclamações nos relatórios de Presidentes de que tal situação

trazia dificuldades para se completar o efetivo previsto em lei, uma vez que os

policiais preferiam trabalhar em suas localidades de origem.

99

Tabela 4 - Naturalidade dos policiais que assentaram praça no período 1835-1844

Províncias Freqüência %

Espírito Santo 132 94,3

Bahia 4 2,8

Rio de Janeiro 3 2,1

Ilegível 1 0,7

Total 140 100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praça - APEES

Tabela 5 - Localidade de origem dos policiais naturais da Província do Espírito Santo que assentaram praça no período 1835-1844

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Localidades Freqüência %

Linhares

3

2,3

São Mateus

4

3,0

Victória

93

70,4

Serra

14

10,7

Espírito. Santo (Vila Velha)

6

4,5

Nova Almeida

3

2,3

Guarapary

4

3,0

Itapemirim

2

1,5

Não Consta

03

2,3

Total

132

100,0

100

Tabela 6 - Naturalidade dos policiais que assentaram praça no período 1868-1889

Províncias Freqüência %

Espírito Santo

299

60,2

Rio de Janeiro

13

2,6

Minas Gerais

39

7,8

São Paulo

2

0,4

Rio Grande do Sul

3

0,6

Bahia

21

4,2

Ceará

79

15,9

Rio Grande do Norte

1

0,2

Pernambuco

5

1,0

Maranhão

1

0,2

Paraíba

1

0,2

Sergipe

4

0,8

Piauí

1

0,2

Paraíba do Norte

1

0,2

Alagoas

1

0,2

Espanha

2

0,4

Portugal

1

0,2

Itália

1

0,2

Não Consta

22

4,4

Total

497

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Em relação a idade o pressuposto é de que o seu registro corresponde ao do ano

do assentamento, como acontece ainda hoje. Pode-se ver nas tabelas 7 que na

primeira fase a faixa etária dos policiais concentrava-se entre 18 e 25 anos,

compreendendo 91,4% do efetivo total, e não houve recrutamento de pessoas

menores de 18 anos. Já na segunda fase, conforme tabela 8, 74,4% dos policiais

ingressaram entre os 18 e 29 anos. Tal dado não é se de se estranhar uma vez que

como acontece ainda hoje o ofício policial requer higidez física, o que ocorre mais na

juventude.

101

O destaque fica por conta do recrutamento de jovens entre 14 e17 anos na segunda

fase, num total de 8,4%. Certamente tal fato se explica pelas dificuldades no

recrutamento e pela necessidade de reorganização da polícia que marcou os anos

desta fase. Quanto aos policiais com mais idade sustenta-se que se tratava de

policiais que já exerciam ofícios de interesse da administração diante das

deficiências institucionais. O Art. 18 do Regulamento de 1º de julho de 1835, por

exemplo, autorizava o comandante a dispensar do serviço de patrulhamento

soldados alfaiates e capoteiros para serem empregados na confecção de

fardamento.

Tabela 7 – Idade dos policiais que assentaram praça no período 1835-1844

Idade Freqüência %

18 – 21

102

72,8

22 – 25

26

18,6

26 – 29

06

4,3

30 – 33

02

1,4

34 – 37

02

1,4

38 – 42

02

1,4

Total

140

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

102

Tabela 8 - Idade dos policiais que assentaram praça no período 1868-1889

Idade Freqüência %

14 – 17

42

8,4

18 – 21

173

34,8

22 – 25

129

25,9

26 – 29

68

13,7

30 – 33

28

5,6

34 – 37

11

2,2

38 – 42

10

2,0

43 – 46

00

00

47 – 50

00

00

51 – 54

01

00

Não Consta

34

6,8

Total

497

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES Os dados do recenseamento de 1872 podem nos ajudar a explicar algumas

questões levantadas no perfil dos policiais. Uma delas diz respeito a cor. Havia na

Província do Espírito Santo 82.137 habitantes. Conforme se pode ver na tabela 9, os

responsáveis pelo recenseamento categorizaram a população em relação a raça34,

considerando-as brancas, pardas, pretas e caboclas. Como no recorte temporal da

presente pesquisa a escravidão era uma realidade significativa, a população foi

também discriminada em livres que correspondiam a 72,4% e em escravos que

representavam 27,6% da população geral. Os pardos e pretos constituíam 60,9%

da população, sendo que desses, 33,3% eram livres, ou seja, percentual muito

próximo ao da população branca que era de 32,4%.

Vê-se que conforme as tabelas 10 e 11 este quadro se reproduzia na polícia. Entre

os anos de 1835 e 1844 o percentual de policiais brancos, 25,7%, foi

34 A palavra raça está sendo usada apenas em função do critério usado e expresso no

recenseamento de 1872. Não entraremos no mérito da acalorada discussão em torno de seu

significado.

103

consideravelmente maior do que os 9,1% do período entre 1868 e 1889. A

diminuição do percentual de brancos aponta para o processo de miscigenação

ocorrido na sociedade brasileira, mas também para o fato de que uma parcela

considerável de pretos encontrava-se na condição de escravos, como se vê na

tabela 9. Provavelmente na primeira metade do século XIX isto tenha sido mais

característico, por isto não encontramos o registro de pretos entre 1835 e 1844.

Digno de destaque é o alto índice do não registro da cor dos policiais no segundo

período - 40,6%, conforme se vê na tabela 11. Na certa este fato também traduz o

crescente processo de miscigenação que caracterizou fortemente a sociedade

brasileira. Porém as observações de Mattos (1998) em sua obra de título muito

sugestivo – Das cores do silêncio – podem nos ajudar a melhor entender esse alto

índice de não registro da cor. Ao pesquisar processos criminais no século XIX em

algumas localidades do Sudeste detectou que

Até meados do século, toda e qualquer pessoa, arrolada como testemunha

nos processos cíveis ou criminais considerados, definia-se entre outras

coisas por sua ‘cor’. A cor negra aparecia virtualmente como sinônimo de

escravo ou liberto (preto forro), bem como os pardos apareciam geralmente

duplamente qualificados como pardos cativos, forros ou livres. Apenas

quando qualificava forros e escravos, o termo ‘pardo’ reduzia-se ao sentido

mulato ou mestiço que, freqüentemente, lhe é atribuído. Para os homens

livres, ele tomava uma acepção muito mais geral de ‘não branco’. Ser

classificado como ‘branco’ era, portanto, por si só, indicador da condição de

liberdade (MATTOS, 1998, p. 96).

Mas, conforme ainda aponta Mattos (1998, p. 94-99) as transformações ocorridas na

segunda metade do século XIX que se traduziram, dentre outras, no crescimento

populacional de “negros e mestiços livres” alterou o padrão cultural anterior. Para se

ter a dimensão da questão ressalta o percentual de 43% de pessoas negras e

mestiças em todo o império indicado no recenseamento de 1872. A autora também

aponta o processo de compartilhamento de atividades econômicas, tais como

lavradores, carpinteiros, jornaleiros, entre brancos e negros/mestiços livres e mesmo

104

escravos. Segundo a autora houve uma perda do sentido da “identidade sócio-

profissional dos homens livres, construída a partir da expressão ‘viver de’ em

oposição aos escravos que ‘serviam’ a alguém”. A cor foi progressivamente

perdendo importância, ou melhor, a cor ‘branca’ se viu esvaziada de significado

como “designador isolado de status”. Nesse contexto houve uma verdadeira

generalização do “sumiço do registro de cor” nas fontes estudadas pela autora. No

Espírito Santo o percentual de pardos era de 33,3%, maior do que os 32,4% de

brancos, conforme se vê na tabela 9. Assim se pode efetivamente compreender os

40,6% de não registro da cor dos policiais no período entre 1868 e 1889.

Definitivamente pode-se afirmar que o ofício policial na Província do Espírito Santo

era destinado aos homens jovens e livres, majoritariamente não brancos,

pertencentes às camadas econômica e socialmente menos privilegiadas. Tal fato

não era específico da província capixaba. Holloway (1997, p. 162) descreve que na

polícia do Rio de Janeiro, então Capital do Império, entre os anos de 1842 e 1865

“os praças continuaram a ser recrutados das camadas inferiores da população livre

[...]”.

Tabela 9 – Distribuição da população da Província do Espírito Santo por cor em 1872

Cor Freqüência de livres

%

Freqüência de escravos

%

Freqüência

total

%

Branca

26.582

32,4

----

----

26.582

32,4

Parda

20.529

25,0

6.852

8,4

27.381

33,3

Preta

6.838

8,3

15.807

19,2

22.645

27,6

Cabocla

5.529

6,7

----

----

5.529

6,7

Total

59.478

72,4

22.659

27,6

82.137

100,0

Fonte: Recenseamento de 1872

105

Tabela 10 - Cor dos policiais que assentaram praça no período 1835-1844

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Tabela 11 - Cor dos policiais que assentaram praça no período 1868-1889

Cor Freqüência %

Branca

45

9,1

Parda

164

33,0

Parda Escura

5

1,0

Parda Clara

2

0,4

Quase Preta

1

0,2

Preta

32

6,4 Acaboclado

19

3,8

Morena

4

0,8

Fula

23

4,6

Não Consta

202

40,6

Total

497

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Cor Freqüência %

Branca

36

25,7

Parda

96

68,6

Parda Escura

4

2,9

Parda Claro

1

0,7

Parda e Bexigoso

3

2,1

Total

140

100,0

106

A grande maioria dos policiais era solteira como se comprova nas tabelas 12 e 13.

Na segunda fase o percentual de casado e viúvo aumentou, o que pode ser

justificado pelo também aumento do ingresso de policiais com mais de 25 anos. O

percentual de policiais com tal idade saltou de 8,5% na primeira fase para 23,5% na

segunda, conforme tabelas 7 e 8.

Tabela 12 - Estado Civil dos policiais que assentaram praça no período 1835-1844

Estado Civil Frequência %

Solteiro

135

96,4

Casado

4

2,9

Viúvo

1

0,7

Total

140

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Tabela 13 - Estado Civil dos policiais que assentaram praça no período 1868-1889

Estado Civil Freqüência %

Solteiro

387

77,9

Casado

67

13,5

Viúvo

11

2,2

Não Consta

32

6,4

Total

497

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Na categoria ofício anterior é encontrada outra grande diferença entre os dados das

duas fases da polícia provincial. Como se vê na tabela 14, referente a primeira fase,

o rol de ofícios não é extenso, sendo o maior percentual o de alfaiate com 17,1%.

107

Não se tem dúvida de que tal dado não é aleatório. Havia necessidade de tais

profissionais para se confeccionar o fardamento, conforme já apontado,

principalmente nos anos iniciais da polícia.

Chama a atenção ainda nesta primeira fase o grande percentual de ausência de

registro dos ofícios anteriores dos policiais que foi de 63,6%. Tal dado contrasta com

o da segunda fase, que conforme a tabela 15 foi de apenas 7,2%, muito embora se

tenha separadamente o registro de mais 7,2% de nenhum ofício. Sustenta-se que

uma das explicações para tal redução é de que como também já se demonstrou nas

tabelas 7 e 8, a faixa etária dos policiais da primeira fase era menor do que a dos

policiais da segunda, sendo natural, portanto, que os mais jovens ainda não

tivessem ofício a declarar. Outra possibilidade de explicação pode estar na ausência

do registro de lavrador. Acredita-se que por algum motivo, que não foi ainda possível

desvendar, deixou-se de registrar a profissão de lavrador. Muito embora a tabela 5

aponte o percentual de 70,4% de policiais naturais da cidade de Victoria, esta não

tinha um padrão urbano que justificasse a ausência de lavradores. A Província do

Espírito Santo, na primeira metade do século XIX, tinha na agricultura sua principal

atividade econômica.

Outro destaque fica por conta do grande percentual, 59,2%, de pessoas que teriam

abandonado o ofício de lavrador para se tornarem policiais na segunda fase,

conforme tabela 15. Isto muito nos intriga, já que segundo Gabriel Bittencourt (2006)

a segunda metade do século XIX foi especialmente próspera para a agricultura da

Província. O que teria impulsionado as pessoas a deixarem de ser lavradores para

se tornarem policiais? Como já se viu a seca no Nordeste trouxe vários cearenses

para a Província; certamente a grande maioria era constituída de lavradores que não

foram na sua totalidade absorvidos no trabalho agrícola. Alguns, como já havia

constatado Almada (1984, p. 185) “assentaram praça no Exército, na Polícia, ou

Companhia de Menores”. Mas a migração nordestina não é suficiente para justificar

um percentual tão significativo, quase 60%, de lavradores que se tornaram policiais.

Nem tampouco a escassez de mercado de trabalho para os trabalhadores livres, que

se pode inferir da argumentação de Almada (1984, p. 185) ao sustentar que os

fazendeiros da Província do Espírito Santo somente sentiram “necessidade real de

trabalho livre” após 1885, ou seja, às portas da abolição. Os lavradores que se

108

tornaram policiais eram na sua maioria pobres e não brancos. Muito embora neste

período o recrutamento por lei devesse ser apenas voluntário, alguns, muito

provavelmente, foram literalmente obrigados a entrar para a polícia pelo

recrutamento forçado, seja quando era isto permitido legalmente ou não, outros

foram impelidos a escolher o ofício de policial pelas necessidades materiais de suas

existências, mas estes certamente o fizeram por opção de vida, pois deveriam existir

outras possibilidades para enfrentar os dilemas de seu tempo.

Mas para melhor entendermos a questão do número de policiais que haviam sido

lavradores, nos cabe mais uma vez recorrer ao recenseamento de 1872 que

apontava uma população geral do império na ordem de 9.930.478 habitantes. Na

classificação por profissão consta que desses, 3.037.446 eram lavradores, portanto,

um percentual de 30,6%. Em contrapartida, do total de 82.137 habitantes da

Província do Espírito Santo, 31.671 foram identificados como lavradores, ou seja,

38,5%. Há certa correspondência quanto aos percentuais. Achamos que numa

sociedade agrária como era ainda o Brasil no século XIX, não nos parece estranho o

alto número do ofício de lavradores indicados em diferentes fontes, por mais que

possa ter havido uma generalização na identificação profissional das pessoas como

lavradores.

109

Tabela 14 – Ofício anterior dos policiais que assentaram praça no período 1835-1844

Ofício Anterior

Freqüência

%

Alfaiate

24

17,1

Carpinteiro

9

6,4

Ferreiro

4

2,9

Ourives

4

2,9

Pedreiro

1

0,7

Sapateiro

4

2,9

Tecelão

2

1,4

Latoeiro

1

0,7

Marceneiro

2

1,4

Não Consta

89

63,6

Total

140

100,0

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

110

Tabela 15 – Ofício anterior dos policiais que assentaram praça no período 1868-1889

Fonte: Livros de Assentamento de Praças - APEES

Ofício Anterior

Freqüência

%

Lavrador

294

59,2

Alfaiate

13

2,6

Carpinteiro

11

2,2

Ferreiro

1

0,2

Pedreiro

12

2,4

Sapateiro

3

0,6

Marceneiro

1

0,2

Lapidário

1

0,2

Tropeiro

5

1,0

Marinheiro

3

0,6

Padeiro

9

1,8

Agencias

21

4,2

Marítimo

12

2,4

Funileiro

6

1,2

Caixeiro

3

0,6

Pescador

6

1,2

Maquinista

1

0,2

Fogueteiro

2

0,4

Cigarreiro

3

0,6

Caseiro

1

0,2

Tipógrafo

2

0,4

Militar

2

0,4

Jornaleiro

2

0,4

Charuteiro

1

0,2

Carapina

1

0,2

Músico

1

0,2

Ferrador

1

0,2

Cozinheiro

4

0,8

Serrador

1

0,2

Serralheiro

1

0,2

Ex Praça do Exercito

1

0,2

Nenhum

36

7,2

Não Consta

36

7,2

Total

497

100,0

111

3.2 O RECRUTAMENTO, O TEMPO DE PERMANÊNCIA E OS MOTIVOS DO

LICENCIAMENTO

Em 06 de abril de 1835 a Polícia Militar foi criada pela lei Provincial nº 9 com o nome

de Guarda de Polícia. Tal lei trazia em seu Art. 5º a forma de ingresso na nascente

instituição:

Os que assentarem praça voluntariamente servirão três annos, findos os

quaes lhes serão entregues suas escusas35 pelo Governo da Província; e

os recrutados servirão completamente cinco annos.

E assim foi feito. Conforme a tabela 16, do total de policiais que ingressou na polícia

entre 1835 e 1844, 67,9% o fizeram de forma voluntária, e 32,1% de forma

recrutada. Não se tem dúvida de que a forma recrutada traduzia o recrutamento

obrigatório, que ficou proibido em anos posteriores, pois como se pode ver na tabela

17, relativa a segunda fase, correspondente aos anos entre 1868 e 1889, passou-se

a não mais constar a forma de ingresso. Tal fato vem corroborar o que deixou

registrado em relatório no ano de 1873 o Presidente Luiz Eugênio Horta Barbosa:

[...] Há nos filhos da Província, verdadeira repugnância ao serviço militar, a

que não se prestam senão compelidos pelo recrutamento. E, como á

Policia não é isto permitido , obtem-se com dificuldade, voluntários que

muitas vezes, por incapaz moral e fisicamente, ou não são aceitos, ou são

logo eliminados [...] (grifo nosso)

Outro indicativo do recrutamento obrigatório era o fato de alguns policiais terem sido

punidos por deixarem recruta fugir durante a escolta até a capital. Consta nos Mapas

Diários da polícia a movimentação de recrutas das localidades do interior da

Província para a capital.

35 Nesse contexto significa dispensa do serviço da polícia

112

Pressupõe-se que ser policial não era desde o início uma opção de trabalho atrativa

para muitos. Aliás, como se viu no capítulo anterior, os Presidentes de Províncias

não se cansaram de narrar em seus relatórios as dificuldades para se completar,

não somente o efetivo da polícia, mas também o das demais instituições militares.

Assim, a lei sabiamente definia um tempo mínimo obrigatório de três anos para os

voluntários e de cinco anos para os recrutados. Findo estes tempos os policiais

poderiam requerer o reengajamento, que conforme a tabela 18 não era feito pela

grande maioria dos policiais, 78,6%, até o ano de 1844. Mas alguns o fizeram, até

mais de uma vez, o que demonstra que para uma parcela o ofício policial era uma

possibilidade viável de trabalho, principalmente para aqueles que conseguiram obter

promoção.

Tabela 16 - Forma de ingresso na policia (assentamento) período 1835-1844

Forma Nº de Policiais %

Voluntário

95

67,9

Recrutado

45

32,1

Total

140

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

Tabela 17 - Forma de ingresso na policia (assentamento) período 1868-1889

Forma Nº de Policiais %

Voluntário

4

0,8

Não Consta

493

99,2

Total

497

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

113

Tabela 18 - Quantitativo de reengajamento por policial no período 1835-1844

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

No período entre 1835 e 1843 ingressaram ao todo na polícia 140 (cento e quarenta)

policiais. A lei de criação em 1835 autorizava o ingresso de 115 policiais, porém

apenas 11 ingressaram em tal ano. Conforme se vê na tabela 19 foi somente a partir

de 1839 que a instituição tomou maior fôlego em relação ao efetivo. Como se sabe a

polícia foi extinta no final de 1844, exatamente no mês de novembro, e o prenúncio

desta decisão foi o não assentamento de policiais nos meses anteriores.

Como se pode ver na tabela 20, no ano da extinção foram licenciados 25% dos

policiais, tendo sido verificado que um dos principais motivos foi a deserção. Os

29,3% dos policiais em cujos registros não se fez constar o licenciamento devem

corresponder àqueles que permaneceram na instituição até os seus últimos dias no

ano de 1844. Os primeiros licenciamentos dos policiais se deram no ano de 1840.

Considerando que em 1835 ingressaram 11 policiais, e que em 1840 foram

licenciados apenas 7, conclui-se que os primeiros policiais ingressaram pela forma

recrutada com tempo de serviço obrigatório de 5 anos, e ainda que alguns optaram

pela permanência na instituição através do reengajamento. Veja-se na tabela 17 que

21,5% dos policiais solicitaram reengajamento.

Nº de solicitação Nº de Policiais %

00

110

78,6

01

25

17,9

02

1

0,7

03

4

2,9

Total

140

100,0

114

Tabela 19 – Número de policiais assentados no período 1835-1844

Anos Nº de Policiais %

1835

11

7,9

1836

2

1,4

1837

11

7,9

1838

8

5,7

1839

15

10,7

1840

36

25,7

1841

25

17,9

1842

15

10,7

1843

17

12,1

Total

140

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

Tabela 20 – Número de policiais licenciados no período 1835-1844

Anos Nº de Policiais %

1840

7

5,0

1841

17

12,1

1842

20

14,3

1843

20

14,3

1844

35

25,0

Não Consta

41

29,3

Total

140

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

No período compreendido entre os anos de 1868 e 1889, ou seja, em 21 anos,

ingressaram na instituição 497 policiais. Na tabela 21 pode-se constatar que a partir

da segunda metade da década de 1870 o número de policiais assentados aumentou

115

o que corrobora as informações contidas nos relatórios de Presidentes de Províncias

que situam tal década como marco na organização da polícia, quando foram

inclusive incluídos mais Oficiais, além do Comandante, para cuidarem da

administração. Lembre-se que em 1853 as praças de polícia, sem Oficial para

comandá-las, foram subordinadas ao Comandante da Companhia de Caçadores.

Como se conclui da tabela 22, dos 497 policiais que ingressaram entre os anos de

1868 à 1889, 86,1% saíram da polícia até o ano de 1892. Considera-se que os

outros 13,9% que não tiveram tais informações registradas em seus assentamentos

saíram em anos posteriores.

Observe-se que há certa correspondência entre o licenciamento e o ingresso na

polícia. Em 1878, por exemplo, ano em que os números foram mais significativos,

saíram da polícia 56 policiais, mas em contrapartida ingressaram outros 58 policiais.

Tal dado retrata o esforço dos Comandantes na tarefa de recrutamento. Mesmo

sendo permitido apenas o recrutamento voluntário os comandantes da polícia

deviam burlar tal norma, ou, no mínimo, fechar os olhos a muitas irregularidades

cometidas no ato de recrutamento para fazer jus ao cargo cuja nomeação era feita

pelo Presidente da Província.

116

Tabela 21 - Número de policiais assentados no período 1868-1889

Anos Nº de Policiais %

1868

1

0,2

1869

1

0,2

1870

2

0,4

1871

4

0,8

1872

7

1,4

1873

6

1,2

1874

16

3,2

1875

23

4,6

1876

31

6,2

1877

15

3,0

1878

58

11,7

1879

25

5,0

1880

38

7,6

1881

38

7,6

1882

47

9,5

1883

37

7,4

1884

19

3,8

1885

13

2,6

1886

30 6,0

1887

16

3,2

1888

29

5,8

1889

33

6,6

Não Consta

8

1,6

Total

497

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

117

Tabela 22 – Número de policiais licenciados no período 1868-1889

Anos Nº de Policiais %

1874

6

1,2

1875

28

5,6

1876

34

6,8

1877

19

3,8

1878

56

11,3

1879

5

1,0

1880

16

3,2

1881

26

5,2

1882

23

4,6

1883

42

8,5

1884

37

7,4

1885

11

2,2

1886

23

4,6

1887

14

2,8

1888

20

4,0

1889

31

6,2

1890

27

5,4

1891

9

1,8

1892

1

0,2

Não Consta

69

13,9

Total

497

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

O tempo de permanência dos policiais na instituição nos anos iniciais, entre 1835 e

1844, oscilou entre menos de 1 ano e 9 anos, o que nos leva a um tempo médio de

3 anos e 3 meses. Mas como se constata na tabela 23, alguns realmente optavam

pela permanência; 12,1% foram policiais por mais de 5 anos, tempo mínimo para

aqueles recrutados compulsoriamente, índice maior do que os 7,9% que serviram

por menos de 1 ano.

118

Conforme a tabela 24 o tempo de permanência dos 497 policiais que ingressaram a

partir de 1868 também oscilou entre menos de 1 ano e 9 anos, no entanto, o tempo

médio de permanência diminuiu, sendo de apenas 1 ano e 6 meses. Também o

percentual de policiais que permaneceram por mais de 5 anos caiu de 12,1% para

8,4%. Veja-se que ao contrário o percentual de policiais que serviram por menos de

1 ano subiu de 7,9% para 35%, um aumento considerável.

Pelos gráficos 1 e 2 pode-se inferir que um dos motivos que levavam os policiais a

permanecer por mais tempo na polícia seria a ascensão através da promoção.

Verificou-se que nas duas fases o percentual de policiais que foram promovidos

ficou em torno de 21%.

Ser promovido representava também aumento nos vencimentos conforme se vê na

tabela 25. A base de referência dos vencimentos dos Oficiais era mensal, enquanto

que a das praças era diária. Em 1842 o vencimento do Capitão era de 45$000

(quarenta e cinco mil réis) e sua gratificação de 15$000 réis (quinze mil réis),

enquanto que do Tenente era de 40$000 (quarenta mil réis)36. Nem sempre houve

autorização legal para a inclusão de Oficiais na polícia. Nas ocasiões em que a

legislação da Província durante o Império permitia a sua inclusão, o fizeram nos

postos de Capitão, Tenente e Alferes. Os vencimentos do comandante eram sempre

acrescidos de gratificação de comando. Já em 1858 o vencimento do Oficial

comandante era de 50$000 (cinqüenta mil réis).

Em contrapartida os vencimentos dos Soldados em 1842 eram de respectivamente

$360 (trezentos e sessenta réis) diários, o que representavam 10$800 (dez mil e

oitocentos réis) mensais, e em 1858 de $800 (oitocentos réis) diários, num total de

24$000 (vinte e quatro mil réis) mensais. Veja-se que em relação aos vencimentos a

política foi de valorização do Soldado, cujos efetivos eram bem mais significativos.

Não se tem dúvidas de que traduzia um esforço de fazer aumentar tanto o

recrutamento, quanto o tempo de permanência na instituição. Inicialmente as praças

deveriam receber também uma quantia destinada a aquisição do fardamento, depois

passaram a receber as próprias peças da farda, muitas vezes confeccionadas pelos

36 Lei Provincial Nº 2 de 12 de outubro de 1842

119

próprios policiais que anteriormente haviam sido alfaiates. Holloway (1997, p. 162-

163) informa que no Rio de Janeiro em 1850 o vencimento do Soldado era de $640

(seiscentos e quarenta réis) por dia. Segundo tal autor o aumento foi concedido pelo

Ministro da Justiça Eusébio de Queiróz com o argumento de que ‘qualquer

trabalhador comum ganha igual ou melhor salário e não está sujeito ao rigor da

disciplina militar’. Na Província do Espírito Santo, apesar das grandes diferenças em

relação à capital do Império, especialmente no campo da economia, a situação não

deve ter sido muito diferente, face os constantes claros de efetivo na policia, e os

esforços feitos para completá-lo aos longos dos anos imperiais. Esperava-se que as

melhorias salariais atraíssem mais pessoas e as mantivessem por mais tempo na

polícia, mas elas por si só não foram suficientes.

O rigor da disciplina, como bem disse o Ministro, as especificidades do trabalho que

exigia tropa disponível para atendimento das necessidades da manutenção da

ordem, e muitas vezes a longa distância de suas localidades de origem devem ter

pesado muito. A lei nº 23 de 11 de novembro de 1838 em seu Art. 9º nos dá uma

idéia da situação:

Os officiaes inferiores, e guardas serão obrigados a pernoitar no

quartel, que lhes for destinado pelo governo, os officiaes assistirão o

mais perto, que for possivel do Quartelamento

A mesma lei definia que os doentes perdiam o soldo e que a desobediência seria

punida com prisão de 1 a 3 meses, sendo os reincidentes trancafiados em solitária

por 8 dias em cada mês do cumprimento da pena, além de várias outras

regulamentações em relação a disciplina.

120

Tabela 23 – Tempo de permanência na polícia no período 1835-1844

Tempo/Ano Nº de Policiais %

-1

11

7,9 1

15

10,7

2

11

7,9

3

21

15,0

4

13

9,3

5

10

7,1

6

8

5,7

7

2

1,4

8

1

0,7

9

6

4,3

Não Identificado

42

30,0

Total

140

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

Tabela 24 – Tempo de permanência na polícia no período 1868-1889

Tempo/Ano Nº de Policiais %

-1

174

35,0

1

89

17,9

2

48

9,7

3

52

10,5

4

21

4,2

5

10

2,0

6

18

3,6

7

9

1,8

8

3

0,6

9

2

0,4

Não Identificado

71

14,3

Total

497

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

121

77,9%

,7%

21,4%

Não foi Promovido

Não Consta

Promovido

GRÁFICO 1 – PROMOÇÃO PERÍODO 1835-1844

77,5%

1,2%

21,3%

Não foi Promovido

Não Consta

Promovido

GRÁFICO 2 – PROMOÇÃO PERÍODO 1868-1889

122

Tabela 25 - Evolução dos vencimentos das praças policiais (valores por dia)

Praças 1835

1842

1856

1858

1861

1º Sargento

$500

$540

$800

1$000

1$120

2º Sargento

$440

$480

$800

Não consta

Não consta

Furriel

$400

$440

$700

$900

$900

Cabos

$300

$400

$640

$840

$840

Cornetas

$360

$400

$640

$840

$840

Soldados

$320

$360

$360

$800

$800

Fontes: Legislações provinciais37 - APEES

Mas, quais seriam os motivos concretos que levavam as pessoas a saírem da

polícia? Na primeira fase, entre os anos de 1835 e 1844, a relação de motivos não

foi muita extensa, conforme tabela 26. Prevaleceram os seguintes: Deserção

(18,6%), Fim do Tempo de Praça (16,4%), Doença (12,1%), Indisciplina (10%). Tais

motivos somados totalizaram 57,1%, devendo ser considerado o fato de que não foi

identificado o motivo de 33,6% policiais, uma vez que como já ficou demonstrado,

quando a polícia foi extinta em 1844 muitos ainda faziam parte dela.

Em contrapartida, na segunda fase, conforme tabela 27, a relação de motivos

cresceu, ficando o destaque para Incapacidade Física (23,7%), Fim do Tempo de

Praça (16,3%), Indisciplina (14,5%), Deserção (8,9%) e Falecimento (6,2%). Tais

motivos correspondem a 69,6% do total identificado.

Conclui-se que efetivamente os policiais saiam da instituição naqueles tempos do

Império, primeiro, por vontade própria, ou seja, por simplesmente não mais

quererem continuar servindo na polícia, traduzida no não requerimento do

reengajamento ao completarem o tempo mínimo ao qual se comprometeram no ato

do ingresso, e na deserção quando não viam alternativa para saírem legalmente. Em 37 Leis nº 9 de 06 de abril de 1835, nº 2 de 13 de outubro de 1842, nº 289 de 8 de julho de 1856 e

Decretos nº 342 de 26 de julho de 1858, e nº 401 de 24 de julho de 1861

123

seguida, por indisciplina, cujas condutas serão apontadas mais adiante. E finalmente

por incapacidade física, traduzida nos motivos doença e falecimento. Veja-se na

tabela 28 que dos 140 policiais que ingressaram no período 1835-1844, 36,4% deles

foram hospitalizados, alguns por mais de uma vez.

Um motivo do licenciamento nos chama atenção em especial na tabela 27. Não pela

quantidade, mas pela sua singularidade. Foi registrado que 3 policiais saíram da

polícia porque eram escravos. Um deles era Antônio Pedro Gonçalves encontrado

no Livro de Assentamento de Praças com registro de nº 34, filho de Manoel

Gonçalves, natural de Minas Gerais, nascido no ano de 1852, solteiro, alfaiate.

Assentou praça em 4 de janeiro de 1875 e tinha, portanto, 23 anos. Permaneceu

muito pouco na polícia, apenas 7 meses; foi licenciado em 11 de agosto de 1875.

Interessante é que em outra fonte, Geraldo Antonio Soares (2003, p. 53-58) já havia

desvendado o motivo e as circunstâncias de seu licenciamento. Antônio Pedro

Gonçalves foi denunciado por seu suposto dono, que ao final conseguiu mesmo

provar às autoridades que realmente tratava-se de um escravo fugido. Afinal em

nossas fontes ficou constatado que ele foi licenciado por este motivo.

Mas o interessante não termina por aqui. Pelo que relata Geraldo Antonio Soares,

não seria do desconhecimento do comandante da polícia e de outras pessoas a

situação de cativo de Antônio Pedro Gonçalves, demonstrando mais uma vez que

diante das dificuldades relativas ao recrutamento para se completar o efetivo

previsto em lei para a polícia e ainda do baixíssimo tempo médio de permanência

dos policiais, fazia-se vistas grossas a muitas situações irregulares como o

recrutamento forçado. Pode-se dizer que quando surgia uma oportunidade as

autoridades literalmente empurravam as pessoas em condições de vida instável, que

poderia ser um escravo, um recém ex-escravo ou um nordestino fugindo da seca,

para compor os quadros da polícia. Em algumas situações, como a de Antônio, não

deve ter sido de todo ruim. Ele foi descoberto, mas outros podem ter passado

despercebidos. Que lugar melhor poderia existir para um escravo fugido se passar

por homem livre?

124

Outro motivo que merece destaque é a deserção, tanto pela significativa estatística

apresentada nas tabelas 26 e 27, quanto pela informação de Almeida (2008, p. 84-

86) envolvendo questões relativas ao recrutamento.

Narra ele que em 1873 o comandante da Companhia de Polícia, Capitão José

Ribeiro da Silva Laranja foi denunciado por “cometer violência e arbitrariedades

contra moradores da Pedra Mulata – Villa de Vianna – com a finalidade de recrutar.”

Arrombou as portas da residência de uma família e prendeu um jovem que logo foi

solto. Apesar da alegação de perseguição política, pois se tratava de período

eleitoral, houve pronúncia de crime pelo juiz de direito por crime previsto no Código

Criminal, do qual o comandante interpôs recurso de apelação, o que lhe foi negado

pelo Tribunal da Relação da Corte. No ano seguinte o dito comandante foi

assassinado, ao que parece por motivos ligados a sua tarefa de recrutador que

estaria sendo utilizada nas disputas eleitorais para prejudicar opositores políticos,

mas que na verdade em nada altera o que nos interessa. O fato é que realmente

foram encontrados vestígios de recrutamento forçado em fontes diferenciadas, como

em documentos da própria polícia, nos Mapas Diários onde há anotações de

patrulhas designadas para prender recrutas fugidos, e nos Livros de Assentamentos

de Praças onde constam punições por terem deixado recruta fugir.

Ao estudar os Autos Criminais entre os anos de 1865 e 1875 o próprio Almeida

(2008, p. 87-88) encontrou o uso de Habeas Corpus como instrumento legal para

invalidar prisões por recrutamento. Embora nem sempre tal instrumento fosse

acatado pelo juiz, o que importa é o seu uso contra o recrutamento forçado e muitas

vezes arbitrário praticado pelas autoridades para compor os quadros das forças

militares e policial da Província. Do que se depreende do relato do autor havia

critérios legais para o recrutamento, como ter idade entre 18 e 35 anos, não ser filho

único de lavrador, e não ter trabalho certo. Mas os recrutadores designados pelo

Presidente da Província não os respeitavam, o que levava as pessoas a recorrerem

à justiça e a fazer dela um espaço de negociação com o Estado imperial.

125

Tabela 26 – Motivos do licenciamento dos policiais no período 1835-1844

Motivos Freqüência %

Fim do tempo de praça

23

16,4

Falecimento

5

3,6

Doença

17

12,1

Deserção

26

18,6

Indisciplina

14

10,0

Pediu Baixa

1

0,7

Dispensa do Serviço

5

3,6

Transferência

1

0,7

Servir pais velhos

1

0,7

Não Identificado

47

33,6

Total

140

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

126

Tabela 27 – Motivos do licenciamento dos policiais no período 1868-1889

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

Motivos Nº de Policiais %

Fim do tempo de Praça

81

16,3

Falecimento

31

6,2

Doença

2

0,4

Deserção

44

8,9

Indisciplina

72

14,5

Pediu Baixa

4

0,8

Dispensa do Serviço

6

1,2

Transferência

10

2,0

Demissão

1

0,2

Ser Escravo

3

0,6

Ingressar no Exército

9

1,8

Incapacidade física

118

23,7

Ordem da Presidência

10

2,0

Reformado

2

0,4

Menoridade

3

0,6

Idade avançada

2

0,4

Assentamento sem efeito

3

0,6

Equidade

2

0,4

Filho único

1 0,2

Entregue a Justiça

1 0,2

Não consta

92 18,5

Total

497 100,0

127

Tabela 28 – Baixa em hospital período 1835-1844

Nº de Baixa em Hospital Nº de Policiais %

00

89

63,6

01

26

18,6

02

10

7,1

03

4

2,9

04

8

5,7

05

2

1,4

06

1

0,7

Total

140

100,0

Fonte: Livro de Assentamento de Praças - APEES

3.3 A DISCIPLINA

No período inicial da polícia, entre os anos de 1835 e 1844, 55,7% dos 140 policiais

que ingressaram não tiveram em seus assentamentos nenhum registro de

indisciplina. Entre os demais que cometeram indisciplina alguns o fizeram por mais

de uma vez. Tais condutas eram bem diversificadas, algumas se enquadram na

esfera administrativa da própria polícia, outras dizem respeito as relações sociais e

ao respeito as leis coletivas. Mas nos dão conta do fato de que em qualquer tempo,

as pessoas encarregadas pelo Estado de manter a ordem, são em algumas

situações as mesmas que a desrespeitam.

Neste período foram identificadas como condutas irregulares, que como se viu, para

alguns policiais se tornaram o motivo de seu licenciamento da polícia, o seguinte:

embriaguez no comando de patrulha; saltar muralha do quartel à noite; brigar e

desrespeitar o comandante; deixar evadir criminoso; insubordinação; fazer prisão

injusta na Capital; faltar ao serviço; deixar recruta fugir; perturbar o sossego público;

cometer espancamento; estar de guarda por ocasião de roubo da tesouraria;

desertar, alguns por mais de uma vez, mesmo aqueles que já haviam se

128

apresentado voluntariamente; e fugir no cumprimento de pena de prisão por

deserção.

As punições para tais condutas era a prisão comum, que poderia ser por ordem do

Presidente da Província, do comandante da polícia (quando existia na instituição),

do Juiz (seja de Paz ou comum) e do Chefe de Polícia; a prisão na Fortaleza da

Barra; a prisão por meses; o rebaixamento de posto; e a não recomposição ao

serviço (reengajamento).

As condutas positivas não eram registradas, apenas constou-se no assentamento de

alguns policiais a sua ótima conduta, sem nenhum detalhe.

No período entre 1868 e 1889, dos 497 policiais que ingressaram na policia o

percentual de policiais que não tiveram registro de indisciplina em seus

assentamentos diminuiu para 47,3%.

Os que foram punidos cometeram as seguintes indisciplinas: provocar desordem

com paisanos; espancar e ferir um camarada; desrespeitar ou insubordinar-se com

superior; abrir caixa e ofício endereçados a um Alferes; extraviar documentos;

material ou equipamento (ordem escrita, arma, capote); enviar ao Comandante um

telegrama inconveniente à disciplina; deixar preso sob sua guarda ou escolta fugir;

ter mau comportamento; jogar no trabalho; pernoitar fora do quartel; faltar ao toque

de formatura; ausentar-se sem licença; desertar, também as vezes por mais de uma

vez; permitir que preso dormisse com uma mulher; simular doença após licença;

permitir roubo de armas; não retornar após licença; apropriar-se de um cinturão e de

um sabre-baioneta; dormir na patrulha; cometer rapto; ser revolucionário38; jogar em

três diferentes ocasiões; deixar de fazer os toques de alvorada; deixar de dar

instruções de corneta ao aprendiz; relaxar na guarda do hospital; demorar em

viagem de Linhares a Vitória sem justificativa; por excesso de licenças; deixar de

cumprimentar o ajudante da presidência; estar em pagode com prostitutas no horário

38 Provavelmente algum policial que estava envolvido com atividades políticas consideradas

contrárias a ordem estabelecida. É bom lembrar da proximidade de São Matheus com a Bahia que se

sublevou contra o governo regencial.

129

de serviço; conduzir mal um cadáver; dormir na sentinela; provocar a mulher de um

preso; desrespeitar um Delegado de Polícia; praticar violência; roubar dinheiro; ter

se portado mal; embriagar-se; desrespeitar famílias após ter se embriagado; e

propalar mal de superior.

A punição mais usual era a prisão que podia ser simples, variando de 1 à 30 dias,

que poderia também ser acompanhada de alguns dias de solitária, de perda parcial

ou integral de soldo por determinado período, de trabalho, de multa pecuniária, de

rebaixamento de posto. No caso da deserção, podia durar de 2 à 6 meses. Mas

havia também a transferência, a alta forçada, o rebaixamento de posto permanente

ou por um determinado período, e ainda os castigos: d’armas, correr marche-marche

ou marcha por 5 dias.

Foram detectados alguns poucos registros positivos tais como ter sido naturalizado

brasileiro em reconhecimento pelos trabalhos, cumprir bem seus deveres em

diligências fora da Capital e ter se apresentado asseado.

Pelos percentuais de não registro de indisciplina em seus assentamentos, 55,7% na

primeira fase e 47,3% na segunda, conclui-se que os policiais daqueles tempos do

império tiveram dificuldades em se ajustar aos rigores impostos ao exercício do

ofício policial. Certamente as autoridades e comandantes, além das dificuldades

encontradas em relação ao recrutamento, também tiveram que se desdobrar para

manter sob controle a nascente categoria profissional que consideravam essencial

ao funcionamento do Estado como se demonstrou ao longo desta dissertação.

130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo policial brasileiro tal qual o conhecemos hoje tem suas origens no início do

século XIX, quando as polícias estaduais foram sendo formatadas a semelhança do

modelo português. O ano de 1808 marca muitas mudanças na antiga colônia que

logo foi elevada a categoria de Reino Unido a Portugal. A família real portuguesa

que aqui se instalou e fez do Rio de Janeiro a sede do governo português demandou

estruturação e criação de serviços e instituições. Afinal estava acostumada aos

moldes de uma cidade européia. É pertinente destacar que

No início do século XIX, o conceito de polícia relacionava-se à cultura, ao

aperfeiçoamento e melhoria na civilização da nação, no governo e

administração da república (da coisa pública). Também estava ligada ao

tratamento decente, ao decoro, à urbanidade dos cidadãos (daqueles que

moram na cidade) no falar, nas boas maneiras, na cortesia, no polimento;

tinha em vista as comodidades: a limpeza, a iluminação e abastecimento

(de água e alimentos). Por fim, destacavam-se as atividades relacionadas à

segurança e à vigilância. (COTTA, 2006, p. 42)

Assim é que no que tange a segurança e justiça, uma das primeiras providências na

capital, ainda em 1808, foi a criação da Intendência Real de Polícia, que além do

exercício de funções judiciais, como se sabe, atuou nas tarefas administrativas de

organização da cidade. O segundo passo para a formatação do modelo brasileiro foi

a criação da Guarda Real de Polícia no ano seguinte, corpo militarizado, criado

como força de intervenção da Intendência para fazer valer a ordem na cidade

através do patrulhamento uniformizado. É consenso entre aqueles que pesquisaram

sobre a história das polícias brasileira que de tais instituições se originaram

respectivamente a Polícia Civil e a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Um segundo momento marcante é encontrado sob os auspícios do governo

regencial quando por força do Ato Adicional de 1834 foi autorizada a criação da

131

polícia nas Províncias. O modelo da Guarda Real foi replicado e instituições

militarizadas destinadas ao patrulhamento foram criadas nas diferentes Províncias,

ressalvadas as especificidades locais em que as questões relativas a configuração

política de formatação do Estado imperial estavam inseridas.

No caso específico da Província do Espírito Santo demonstrou-se através da

descrição passo a passo das oscilações no efetivo da polícia desde a sua criação

em 1835 até o final do Império, ou seja, durante 53 anos, como foi duro o embate

político estabelecido entre os representantes do Executivo e do Legislativo

provincial. Os Presidentes foram unânimes em reclamar sobre a escassez de efetivo

policial ou mesmo da não existência da polícia. Os deputados por sua vez relutavam

em atender aos reclames de aumento de efetivo, chegando ao extremo de extinguir

a polícia. Certamente o que motivava esses parlamentares não era a certeza

absoluta de que a polícia era desnecessária baseada nas “precárias estatísticas

criminais” e nos relatos repetitivos dos Presidentes sobre a índole pacífica dos

habitantes da Província. Como apontou Goularte (2008) o tema segurança era

efetivamente uma das preocupações dos membros da primeira legislatura da

Assembléia. O entendimento é de que na correlação de forças entre um

representante do governo central, através da figura do Presidente, e os membros da

elite local, representados pelos deputados, estabeleceu-se uma forma original de

oposição ao projeto centralizador que prevaleceu na construção da identidade

política do Brasil. Os deputados souberam usar, e muito bem, aquilo que lhes

competia: legislar sobre o efetivo. Aos Presidentes, como se indicou ao longo desta

dissertação, coube definir sobre a utilização da polícia. Mas como fazê-lo com uma

força destituída de policiais? Este foi realmente um dilema para os chefes do

Executivo provincial que recebiam pedidos de efetivo de força policial oriundos de

diferentes autoridades de todos os cantos da Província. Mas foi desta correlação de

forças que a polícia constitui-se como instituição e assim atravessou do Império para

a República.

De tudo o exposto pode-se afirmar que, naqueles tempos do Império, aos olhos da

administração da Província, cujos encargos eram de competência do Executivo, a

polícia era efetivamente necessária. A montagem do nascente Estado exigia a

132

realização de tarefas que ainda estariam sendo alvo de definições quanto aos seus

executores, considerando que outras agências estatais estariam concomitantemente

sendo instituídas.

Mas, quem foram aqueles policiais? Seu perfil pode ser traçado a partir dos

assentamentos escriturados na época e felizmente preservados para que

pudéssemos conhecê-los. Os policiais daqueles tempos do Império, no alvorecer

das instituições nacionais, e neste caso particularmente da Polícia Militar do Espírito

Santo, eram oriundos das camadas inferiores da sociedade. A maioria era negra e

parda. Uma parcela considerável era filha de pais incógnitos, provavelmente de

mãe escrava com pai branco ou de mãe solteira. Alguns eram filhos de escravos,

outros poucos eram eles mesmos escravos. Mesmo à época em que o recrutamento

forçado passou a não ser mais permitido muitos policiais devem ter ingressado na

polícia sem vontade própria. Dentre estes, alguns aceitaram a imposição e

cumpriram seu tempo sem maiores problemas para os comandantes como, por

exemplo, um dos policiais que foi apresentado no capítulo 3. Outros deviam

expressar suas insatisfações através das condutas irregulares, ou simplesmente

abandonando a polícia de forma ilegal, isto é, sem cumprir o tempo mínimo de

assentamento, o que se configurava como deserção. Mas uma parcela, menor é

claro, mas nem por isso menos significativa, deve ter visto na polícia uma nova

possibilidade de vida, mesmo que posteriormente tenha dado a ela outro destino.

E o que faziam no cotidiano de seus dias como policiais? O trabalho realizado foi

registrado nos Mapas Diários onde consta que os policiais patrulhavam as ruas da

cidade, quando certamente deviam tanto socorrer pessoas e amparar idosos e

crianças, quanto prender os que infligiam a lei. Mas, também fiscalizavam a

iluminação pública, acompanhavam o cobrador de impostos, faziam guarda na

cadeia e nos prédios públicos, serviam de ordenança às autoridades (Presidentes,

Delegados, Juízes, Deputados), costuravam as fardas, capturavam criminosos e

escravos fugidos, faziam diligências requisitadas em geral pelos delegados, já que

não possuíam pessoal para o trabalho investigativo, eram destacados para

localidades distantes da capital.

133

Enfim, como muito apropriadamente diz Cotta (2009) em ensaio onde trata da polícia

da capital do Império na primeira metade do século XIX, “a polícia era plural”.

Podemos dizer com precisão que assim era também na Província do Espírito Santo.

E mais, era no passado e é ainda no presente. Essa é uma característica que,

independente de localização geográfica e das tentativas de mudança de rumo,

definitivamente perpassa toda a sua trajetória histórica. Apesar do importante papel

que lhe coube no sistema criminal, a polícia ostensiva, hoje chamada de Polícia

Militar, caracterizou-se realmente desde sua gênese constitutiva como um

“fenômeno de múltiplas funções e responsabilidades” (ROLIM, 2006, p. 23) como já

apontado na introdução.

134

FONTES

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