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157 Cadernos de Linguagem e Sociedade, 10 (1), 2009 Dijk, Teun A. van. Discurso e poder/ Hoffnagel, J. & Falco- ne, K. (Orgs.) São Paulo: Contexto, 281 págs. Resenhado por Theresa Jardim Frazão 1 (Universidade de Brasília) A entrada no mercado editorial brasileiro de mais um livro do linguista holandês Teun van Dijk é sempre saudada com simpatia e a exclamação de que chegou numa boa hora. Primeiramente, por representar, sempre e mais, uma importante contribuição aos estudos da análise do discurso crítica e porque o aparecimento de mais um dos seus livros amplia o acesso a textos que, predominantemente, estão disponíveis em inglês e espanhol. Assim é que parte de uma vasta produção acadêmica transforma-se nesse acréscimo oportuno à bibliografia do autor em português do Brasil. Discurso e Poder vem acrescentar informações valiosas àqueles que buscam van Dijk a dirimir dúvidas e apontar caminhos, o que sempre ele consegue fazer, através dos seus escritos ou das conferências, repletas de público entusiasta. Ambas as formas são instigantes e afeitas à realidade, a exemplo dessa obra em foco que, provavelmente, conseguirá repetir o impacto produzido pelas suas publicações brasileiras anteriores, como Cognição, Discurso e Interação (2004), com a apresentação e organização da professora Ingedore Koch, e Racismo e Discurso na América Latina (2008). Vale salientar que duas dessas publicações, pela Editora Contexto, não constituem per si um livro no sentido estrito, elaborado como tal, mas um apanhado a formar coletânea que resulta de atos perpetrados pelas organizadoras, Kock (2004), no primeiro e, no segundo, Judith Hoffnagel e Karine Falcone (2008), a garimpar assuntos correlatos em obras que não foram até então traduzidas, no nosso país. Isso 1. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da UnB

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    Cadernos de Linguagem e Sociedade, 10 (1), 2009

    Dijk, teun A. van. Discurso e poder/ Hoffnagel, J. & Falco-ne, K. (orgs.) So Paulo: Contexto, 281 pgs.

    Resenhado por theresa Jardim Frazo1

    (Universidade de Braslia)

    A entrada no mercado editorial brasileiro de mais um livro do linguista holands teun van Dijk sempre saudada com simpatia e a exclamao de que chegou numa boa hora. Primeiramente, por representar, sempre e mais, uma importante contribuio aos estudos da anlise do discurso crtica e porque o aparecimento de mais um dos seus livros amplia o acesso a textos que, predominantemente, esto disponveis em ingls e espanhol. Assim que parte de uma vasta produo acadmica transforma-se nesse acrscimo oportuno bibliografia do autor em portugus do Brasil.

    Discurso e Poder vem acrescentar informaes valiosas queles que buscam van Dijk a dirimir dvidas e apontar caminhos, o que sempre ele consegue fazer, atravs dos seus escritos ou das conferncias, repletas de pblico entusiasta. Ambas as formas so instigantes e afeitas realidade, a exemplo dessa obra em foco que, provavelmente, conseguir repetir o impacto produzido pelas suas publicaes brasileiras anteriores, como Cognio, Discurso e Interao (2004), com a apresentao e organizao da professora Ingedore Koch, e Racismo e Discurso na Amrica Latina (2008).

    Vale salientar que duas dessas publicaes, pela Editora Contexto, no constituem per si um livro no sentido estrito, elaborado como tal, mas um apanhado a formar coletnea que resulta de atos perpetrados pelas organizadoras, Kock (2004), no primeiro e, no segundo, Judith Hoffnagel e Karine Falcone (2008), a garimpar assuntos correlatos em obras que no foram at ento traduzidas, no nosso pas. Isso

    1. Doutoranda pelo Programa de Ps-Graduao em Lingustica da UnB

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    pode ser visto quando determinado enfoque repetido por duas ou mais vezes. No total, perceptvel a inteno de relacionar os diversos excertos, captulos e partes de distintos livros em funo justamente da correlao e pertinncia com o eixo temtico.

    Enquanto o livro Cognio, Discurso e Interao traz artigos publicados no perodo de 1976 a 1990, Discurso e Poder apresenta ensaios de 1989 a 2006. Na primeira parte desta segunda obra Discurso e dominao: uma introduo, o autor justifica a recorrncia do tema porque, embora haja muitas publicaes sobre o assunto, imperativo focalizar as dimenses do poder que so diretamente relevantes para o estudo do uso lingustico, do discurso e da comunicao, vez que o exerccio e a manuteno do poder apia-se na estrutura ideolgica: Essa estrutura, formada por cognies fundamentais, socialmente compartilhadas e relacionadas aos interesses de um grupo e seus membros, adquirida, confirmada ou alterada, principalmente por meio da comunicao e do discurso. (p.43). Entre os cuidados que enumera para a identificao de tal estratgia, est a necessidade da observncia de uma entonao particular, emprego de pronomes, constituio e disposio das manchetes jornalsticas, escolhas lexicais, o ngulo e seleo de fotografias, uso de metforas, que podem dar relevo e tornar evidente uma relao abstrata como a de poder e sociedade.

    Ainda nessa primeira parte, van Dijk explica a concepo dos Critical Discourse Studies, expresso que em portugus (lngua que ele conhece bem) traduzida por Estudos Crticos do Discurso (ECD), tem por base a definio do que seja poder, sendo um movimento cientfico especificamente interessado na formao de teoria e na anlise crtica da reproduo discursiva de abuso do poder. Assim, estuda as relaes de poder da perspectiva de grupos dominados e dos seus interesses; as experincias desses grupos para compar-las contextualizao discursiva dos grupos dominantes; e, mais decisivamente, formulao de alternativas de resistncia, caminhos possveis dos grupos dominados no enfrentamento dos discursos dos dominadores.

    Quando van Dijk aborda o tema discurso e reproduo do poder social analisa mecanismos de defesa de interesses dos detentores do

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    poder em detrimento dos dominados, o que configura, ento, o abuso do poder: o controle se aplica no s ao discurso como prtica social, mas tambm s mentes daqueles que esto sendo controlados, isto , seus conhecimentos, opinies, atitudes, ideologias, como tambm s outras representaes pessoais ou sociais. (p.18).

    Entre outros aspectos importantes abordados pelo autor, est aquele que se transforma em impasse para quem trabalha com a Anlise do Discurso Crtica, ao tentar relacionar a anlise discursiva com o social, sem perder o foco na sua concretizao, resultante no aprofundamento analtico e complexo das estruturas de organizao, do controle e do poder. Muitas vezes, tal ao acarreta o surgimento de problemas metodolgicos, pela impossibilidade de acesso s fontes, que sonegam dados ou se recusam a fornecer a informao necessria e indispensvel.

    As relaes entre discurso e poder social levam em conta que esse poder exerce uma forma de controle social se a sua base for constituda de recursos socialmente relevantes. Dessa forma, van Dijk ressalta de forma recorrente a importncia da estrutura ideolgica para o exerccio e a manuteno do poder social, compreendendo cognies fundamentais, socialmente compartilhadas e relacionadas aos interesses de um grupo e dos membros. Essa base ideolgica adquirida, mantida ou alterada, atravs da comunicao e do discurso. Intencionalmente, o uso de uma ideologia proporciona a necessria coerncia s atitudes sociais para transform-las nas prticas sociais.

    O autor enfatiza que a sada para esse impasse somente pode ser representada pelo contrapoder, como resistncia ao poder constitudo, o que, para ele, apesar de ser difcil, acontece. A afirmativa repisa o bvio, pois a observncia dos passos da histria da humanidade fornece exemplos antolgicos. Essa estratgia estilstica de expor tal evidncia busca destacar a capacidade de reao do ser humano consciente de si mesmo, da esfera qual pertence, e do seu papel na estrutura da sociedade onde vive. Somente assim promovida a mudana do status quo e refeita a confiana desse ser como gestor do seu mundo.

    Vale lembrar que, atravs dos tempos, foi esse contrapoder que impulsionou revoltas e mudanas na Roma imperial, fez

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    sucumbir ditaduras da Amrica Latina, redefine a ordem social e econmica, motiva protestos contra os desmandos e deixa antever e possibilita divulgar, por exemplo, os perversos abusos praticados em Guantnamo, Iraque ou Afeganisto. o contrapoder que alimenta o estado de constante viglia, que permite o combate a tantas atrocidades. sempre assim que o contrapoder, materializado na resistncia dominao, reinaugura um novo e desejvel tempo.

    Um dos captulos dedicado a discurso e negao do racismo, tema recorrente nos trabalhos de van Dijk. A partir do uso frequente da frase de negao aparente como no tenho nada contra os negros, mas... (p.142) ele analisa estratgias discursivas, relacionando-as com as funes cognitivas e sociais, usadas para camuflar, em gneros orais e escritos, a existncia de questes tnicas e raciais. tendo em vista que teoricamente impresses so representaes de pessoas, e levando em conta os esquemas mentais para definir categorias pelas quais algum julgado, a negao de racismo, e de ser racista, tem uma dimenso social e, outra, individual. Assim, as pessoas de pele branca negam veementemente o rtulo, claramente ofensivo, de racista. No campo social, o discurso pblico tem uma grande audincia, j que adquire visibilidade na mdia, setores da educao, na poltica, em empresas e outras organizaes. a forma mais forte e abrangente, fazendo predominar o discurso social consensual do branco dominante. O indivduo, por sua vez, reage com a absoro de preconceitos, mas sem se declarar racista. til no se reconhecer como tal para ser um cidado decente.

    A parte que trata de Discurso e Manipulao, traduo de Discourse and Manipulation, texto publicado em Discourse & Society, n17, de 2006, subdividida em anlise conceitual, manipulao e sociedade, e manipulao e cognio. O autor estuda a manipulao como prtica discursiva para a comunicao e a interao porque, ao assumir carter de violao s normas sociais, se concretiza no predomnio de algum sobre outros, sempre em detrimento destes, j que tm princpios, valores e interesses contrariados, sem se dar conta dessa manipulao.

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    assim que a manipulao, ao se voltar para o poder e ao se envolver com o poder, transforma aes em abuso do poder, ou atos de dominao. Os manipuladores nunca se declaram como tal, por falta da percepo do que fazem ou porque a denominao como rtulo, por ser nefasta, no lhes conveniente. A manipulao , pois, uma das prticas sociais discursivas de grupos detentores do poder que objetiva reproduzir e ampliar esse mesmo poder, gerando a possibilidade de tornar natural e legitimar essa relao poder e dominao.

    H certas observaes de van Dijk que instauram de pronto o dj-vu e a constatao de obviedade. Subjacente, porm, h possivelmente a inteno do autor de deixar claro que o problema no est superado, sendo imperioso, portanto, repetir tais informaes, pois acontecimentos de agresso dignidade humana e atos arbitrrios sempre voltam a ocorrer. Estar alerta, dissecar as artimanhas e mecanismos do poder, aprofundar a anlise dos seus discursos transformam-se em rotas saudveis e desejveis na luta contra o autoritarismo e a manipulao. E van Dijk, ao escrever o que escreve, ao usar linguagem clara e objetiva, cumpre seu papel de acadmico e de cidado do mundo. Ao adentrar esse Discurso e Poder, somos, portanto, beneficiados com instigantes e preciosos argumentos para analisar criticamente os discursos que nos rodeiam e as manifestaes de poder que nos atordoam.

    Recebido em: outubro de 2009Aceito em: dezembro de 2009

    [email protected]

    Referncias Bibliogrficas

    Van Dijk, t.A. Cognio, Discurso e Interao. So Paulo: Contexto, 2004.

    ________Racismo e Discurso na Amrica Latina. So Paulo: Contexto, 2008.