13 DE JUNHO DE 2009 O CULTO AOS MORTOS NUMA …bvespirita.com/O Culto aos Mortos Numa Visao Kardeciana (Jorge... · ritual religioso, transportando-se do ... momento em que o Espírito

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  • 13 DE JUNHO DE 2009

    O CULTO AOS MORTOS NUMA VISO

    KARDECIANA

    O Homem s comea a ser Homem, quando comea a enterrar seus mortos, diz-nos o historiador Anbal de Almeida Fernandes, em "A Genealogia como fator bsico na formao da Civilizao", e conclui: o marco divisrio entre o animal e o primeiro homem, e ocorreu h cerca de 40.000 anos com o Homo Sapiens e o Homo Neanderthal, antes mesmo da agricultura, e o incio da histria humana. O sentimento de cultuar os mortos foi moldado, pois, a partir de poca bem remota e est sedimentado em quase todas as tendncias religiosas. As comunidades primitivas, peninsulares, agropastoris, inclinadas ao culto agrcola e ao culto da fertilidade, acreditavam, originariamente, que, em sepultando seus mortos nas proximidades dos campos agrcolas, os espritos desses cadveres ressurgiriam vida com mais vigor, quais sementes plantadas em solo frtil, mas criam que isso se daria como algo secreto e misterioso. Com essa crena, reverenciavam-se os mortos prximos s tumbas, com festas e, sobretudo, com muita alegria, prtica que se estendeu viva em algumas culturas contemporneas. Os

  • costumes dos povos primitivos foram se modificando devido influncia de outros, vindos, provavelmente, do norte da frica (os Iberos) e do centro da Europa (os Celtas). Veja-se o que nos revela um dos expoentes da Doutrina Esprita: " dos gauleses que vem a comemorao dos mortos, (...) s que, em vez de comemorar nos cemitrios, entre tmulos, era no lar que eles celebravam a lembrana dos amigos afastados, mas no perdidos, que eles evocavam a memria dos espritos amados que algumas vezes de manifestavam por meio das druidisas e dos bardos inspirados". (1) Ressalte-se, aqui, que os gauleses evocavam os ancestrais mortos (divindades) nos recintos de pedra bruta. As druidisas (sacerdotisas) e os bardos (poetas e oradores inspirados) eram verdadeiros "mdiuns" e somente eles tinham consentimento para consultarem os orculos (na Antiguidade, resposta de uma divindade a quem a consultava). Os gauleses, portanto, no veneravam os restos cadavricos, mas a alma sobrevivente, e era na intimidade de cada habitao que celebravam a lembrana de seus mortos, longe das catacumbas, diferentemente dos povos primitivos. A Festa dos Espritos era de suma importncia para eles, pois homenageavam Samhain, "O Senhor da Morte", festividade, essa, iniciada sempre na noite anterior a 1 de novembro, ou seja, no dia 31 de outubro. Essa celebrao marcava o fim do vero e o fim da ltima colheita do ano. Acreditavam que os espritos dos mortos, nos meses de inverno, sairiam dos tmulos gelados para visitarem suas antigas moradias aquecidas e orientar seus familiares. Os bons, supostamente, os protegeriam, mas, para confundirem os maus espritos, vestiam-se de

  • fantasias, o que deu origem tradicional festa de Halloween dos nossos dias. Porm, uma densa bruma desceu sobre a terra das Glias, atravs do taco de Roma, que expulsou os druidas e imps o Cristianismo clrico. Esse perodo histrico de frentica agitao, mais tarde foi mutilado pelos brbaros, sobrevindo uma madrugada de dez sculos (a obscura Idade Mdia), que proscreveu o espiritualismo e entronizou a superstio, o sobrenatural, o milagre, a beatificao, a santificao e a definitiva narcotizao da conscincia humana, levando-a ao analfabetismo espiritual. A histria oficial da Igreja registra que foi no Mosteiro beneditino de Cluny, no sul da Frana, no ano de 998, que o Abade Odilon promovia a celebrao do dia 2 de novembro, em memria dos mortos, dentro de uma perspectiva catolicista. Pela influncia que esse Mosteiro, ento, exercia na Europa setentrional, propagou-se com rapidez a nova celebrao, at porque veio de encontro aos costumes j arraigados em todas as culturas, cada qual com seu entendimento e sua prtica, obviamente, quanto a cultuar os mortos. Somente em 1311 foi sancionada, em Roma, oficialmente, a memria dos falecidos, mas foi Bento XV quem universalizou tal celebrao, em l915, dentre os catlicos, cuja expanso da religio auxiliou, ainda mais, a difuso desse costume. A legislao vigente chega a declarar o dia 2 de novembro como feriado nacional, com o objetivo de as pessoas poderem homenagear seus parentes e amigos falecidos. Ns, os espritas, somos questionados sobre o tema: como o Espiritismo analisa o dia dos mortos? Respondemos a essa questo, da seguinte maneira: as religies falham, excessivamente, no que tange aos ensinos das essenciais

  • noes sobre a imortalidade da alma, muito embora haja uma ou outra que j tenha alguma noo do que seja. Mesmo assim, ainda insigne, se comparada aos ensinamentos de luz, ditados a Allan Kardec, e contidos em "O Livro dos Espritos". Da a razo pela qual, no dia dos finados, as pessoas se dirigem aos "campos santos", como se o cemitrio fosse a morada eterna daqueles que desencarnam. "O Livro dos Espritos" nos ensina o respeito aos desencarnados como um impositivo de fraternidade, sem que materializemos esse sentimento frente aos tmulos, nem que tais lembranas ou homenagens sejam realizadas em um dia especial, oficialmente estabelecido. Nos dias de hoje, essa celebrao se desviou, e muito, do ritual religioso, transportando-se do foco sentimental e emocional para o comercial, uma vez que a mercantilizao de flores, velas, santinhos, escapulrios, e a eventual preocupao para a conservao dos tmulos (normalmente, s so lembrados em novembro) respondem por esse protocolo social. O zelo com que so cuidados os tmulos s tem algum sentido para os encarnados, que, alis, devem se precaver para no criarem um estranho tipo de culto. No devemos converter as necrpoles vazias em "salas de visita do alm", como diz Richard Simonetti, (2) at porque, h locais mais indicados para nos lembrarmos daqueles que desencarnaram. Ainda que no reprovemos, de maneira absoluta, as pompas fnebres, pois a homenagem memria de um homem de bem, "so justas e de bom exemplo"(3), o Espiritismo revela que o desejo de perpetuar a prpria memria nos monumentos fnebres vem do derradeiro ato de orgulho . "A suntuosidade dos monumentos fnebres

  • determinada por parentes que desejam honrar a memria do falecido, e no por este, ainda faz parte do orgulho dos parentes, que querem honrar-se a si mesmos. Nem sempre pelo morto que se fazem todas essas demonstraes, mas por amor-prprio, por considerao ao mundo e para exibio de riqueza ."(4) A tumba o lugar-comum de encontro de todos os homens e nela se findam, impiedosamente, todas as distines sociais. Em face disso, intil o rico tentar perpetuar a sua memria por meio de faustosos monumentos. Os anos os destruiro, assim como o seu prprio corpo. Essa a Lei da natureza. A recordao das boas e ms aes ser menos perecvel que o seu tmulo. A pompa dos funerais no o deixar limpo de suas torpezas e no o far ascender sequer um degrau na hierarquia espiritual.(5) Procuramos, mais, o lado cmodo, arraigando-nos ao formalismo material e desprezamos a essencialidade do ser, motivo pelo qual obrigou Jesus a se expressar aos escribas e fariseus da sua poca: " sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas por dentro esto cheios de ossos de cadveres e de toda espcie de podrido".(6) Da questo 320 329 do Livro matriz, que deu origem ao Espiritismo, recebemos lies de extrema importncia sobre funerais e celebrao em memria dos "mortos", vejamos: os Benfeitores afirmam que os chamados "mortos" so sensveis saudade dos que os amavam na Terra e que, de alguma forma, " a sua lembrana aumenta-lhes a felicidade, se so felizes, e se so infelizes, serve-lhes de alvio."(7) Porm, em se referindo ao dia dos "finados", atestam que um dia como outro qualquer, at porque os espritos so sensveis aos nossos pensamentos, no s solenidades humanas. No dia dos finados eles s "

  • renem-se em maior nmero, porque maior o nmero de pessoas que os chamam. Mas cada um s comparece em ateno aos seus amigos, e no pela multido dos indiferentes."(8) No podemos desconhecer que o pensamento uma fora e que o atributo caracterstico do ser espiritual; " ele que distingue o esprito da matria; sem o pensamento o esprito no seria esprito. (...)se tem a fora de agir sobre os rgos materiais, quanto maior no deve ser sobre os elementos fludicos que nos rodeiam! O pensamento age sobre os fludos ambientes, como o som sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Assim, pela comunho de pensamentos, os homens se assistem entre si e, ao mesmo tempo, assistem os Espritos e so por estes assistidos ".(9) A tradicional visita ao tmulo, em massa, no significa que venha trazer satisfao ao "morto", at porque uma prece feita em sua inteno vale mais. bem verdade que a " visita ao tmulo uma maneira de manifestar que se pensa no Esprito ausente: a exteriorizao desse fato (...) mas a prece que santifica o ato de lembrar; pouco importa o lugar se a lembrana ditada pelo corao. "(10) Conhecemos pessoas (alis muitas delas) que solicitam, antes mesmo de morrerem, que sejam enterradas em tal ou qual cemitrio. Essa atitude, sem sombra de dvida, demonstra inferioridade moral. "O que representa um pedao de terra, mais do que outro, para o Esprito elevado?"(11) Quanto s honras que tributam aos despojos mortais de parentes e amigos, o Espiritismo esclarece que no momento em que o Esprito chega a um certo grau de perfeio no tem mais a vaidade da sociedade humana e compreende a futilidade de tais solenidades, Contudo, faz

  • uma ressalva sobre alguns, pois h "Espritos que, no primeiro momento da morte, gozam de grande satisfao com as honras que lhes tributam, ou se desgostam com o abandono a que lanam o seu envoltrio, pois conservam ainda alguns preconceitos deste mundo."(12) O defunto assiste ao seu enterro? "Muito frequentemente o assiste".(13) Esclarecem os Benfeitores - "algumas vezes no percebe o que se passa, se ainda estiver perturbado" (14) - complementam. Muitas vezes o falecido presencia seus herdeiros em reunies de partilhas, engalfinhando-se quais chacais em disputa pela herana. "Nessa ocasio que [o falecido] v quanto valiam os protestos que lhe faziam. Todos os sentimentos se tornam patentes, e a decepo que experimenta, vendo a rapacidade dos que dividem o seu esplio."(15). Reflitamos juntos: o dia 02 de novembro consagrado aos falecidos libertos ou aos mortos que ainda esto jungidos vida material? Existem duas possibilidades de mortos: os que se sentem totalmente livres do arcabouo carnal, porm "vivos" para uma vida espiritual plena, e os que permanecem com a sensao de que, ainda, esto encarnados, porm "mortos" para a vida fsica, pois somente vivenciam, na espiritualidade, a vida animal. " Para o mundo, mortos so os que despiram a carne; para Jesus, so os que vivem imersos na matria, alheios vida primitiva que a espiritual. o que explica aquele clebre ensinamento evanglico, em que a pessoa prontificou-se a seguir o Mestre, mas antes queria enterrar seu pai que havia falecido, e Jesus conclamou" (16)- "Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos, tu, porm, vai anunciar o Reino de Deus".(17)

  • A visitao aos tmulos um ato exterior, que evoca a lembrana dos entes queridos desencarnados e a maneira de as pessoas demonstrarem a saudade e o carinho que sentem por eles, mas s ter o seu devido valor, se essa atitude for realizada com subida intencionalidade. No deve, portanto, representar um compromisso social e nem ser eivada de manifestaes de desespero, de cobranas, de acusaes, como si ocorre em muitas ocasies. Em verdade, se a visitao aos tmulos no condenvel, ela totalmente desnecessria, at porque o falecido no se encontra no cemitrio, podendo ser lembrado e homenageado atravs da prece, a qualquer momento e em qualquer lugar. Portanto, nossos entes queridos j falecidos podem ser lembrados na prpria intimidade e aconchego do lar, ao invs da frieza dos cemitrios e catacumbas. bvio que "faz sentido rememorar com alegria e no lastimar os que j partiram, e que esto plenamente vivos. Finados uma mistura de alegria e dor, de presena-ausncia, de festa e saudade. Aos que ficamos por aqui, cabe-nos refletir e celebrar a vida com amor e ternura, para depois, qui, no amargar no remorso. Aos que partiram, nossa prece, nossa gratido, nossa saudade, nosso carinho, nosso amor!" ( 18) Se formos capazes de orar, com serenidade e confiana, transformando a saudade em esperana, sentiremos a presena dos parentes e amigos desencarnados entre ns, envolvendo-nos o corao com alegria e paz. Por esta razo e muitas outras, faamos do dia 2 de novembro um dia de reverncia vida, lembrando carinhosamente os que nos antecederam de retorno ptria espiritual, e tambm os que conosco ainda jornadeiam pelos caminhos da existncia terrena.

  • Jorge Hessen [email protected]

    Site: http://jorgehessenestudandoespiritismo.blogspot.com FONTES: (1) Denis, Leon. O gnio cltico e o mundo invisvel. Rio de Janeiro: Ed.CELD. 1995. p. 180 (2) Disponvel em http://comunidadeespirita.com.br/Imortalidade/quemtemmedo/estranho%20culto.htm (3) Kardec, Allan. O Livro dos Espritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 824.) (4) Kardec, Allan. O Livro dos Espritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Pergs. 823 e 823a. (5) Idem (Ver item 320 e seguintes) (6) (Mateus 23:27) (7) Kardec, Allan. O Livro dos Espritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 320 (8) Idem pergunta 321-a (9) Kardec, Allan. Revista Esprita, dezembro de 1864 "Da Comunho do pensamento" (10) Idem pergunta 323 (11) Idem pergunta 325 (12) Idem pergunta 326 (13) Idem pergunta 327 (14) Idem pergunta 328 (15) Artigo de Joo Demtrio intitulado: Finados a Luz do Espiritismo, disponvel no site (16) http://www.feal.com.br/colunistas.php?art_id=6&col_id=9> acessado em 26/10/07 (17) (Lucas nove, 51-62) (18) Editorial do Jornal Mundo Esprita novembro 2006