138620012 O Livro Dos Sabios

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  • O Livro dos

    Sbios

    (1870) Eliphas Levi

  • NDICE

    introduo

    Prefcio da Edio Francesa de 1912

    DISCUSSO EM FORMA DE DILOGO

    Primeiro Dilogo: Um Clrigo e Eliphas Levi

    Segundo Dilogo: Um Filsofo e Eliphas Levi

    Terceiro Dilogo: Um Pantesta e Eliphas Levi

    Quarto Dilogo: Um Israelita e Eliphas Levi

    Quinto Dilogo: Um Protestante e Eliphas Levi

    Sexto Dilogo: Um Mdico e Eliphas Levi

    Stimo Dilogo: Um Doutor e Eliphas Levi

    Oitavo Dilogo: Um Sacerdote e Eliphas Levi

    Nono Dilogo: Um Esprita e Eliphas Levi

    Dcimo Dilogo: Um Iniciado e Eliphas Levi

    RESUMO GERAL - Por definies e aforismos

    Captulo I - A Religio

    Captulo II - A Moral

    Captulo III - A Natureza

    Captulo IV - O Magnetismo

    Captulo V - A Morte

    Captulo VI - Sat

    Captulo VII - Ocultismo

    Captulo VIII - A F

    Captulo IX - A Cincia

    Captulo X - A Ao

    Captulo XI - A Fora e Seus Auxiliares

    Captulo XII - A Paz Profunda

    PREFCIO DA EDIO FRANCESA DE 1912

    (Chez Charconac - 11 Quai Saint-Michel - Paris) "Dedicado ao meu amigo, o Baro

    Spedalieri" Este livro contm os princpios e os elementos dessa terceira revelao,

    que o conde Joseph de Maistre dizia ser necessrio para o mundo. Esta terceira

    revelao no pode ser seno a explicao e a sntese das outras duas. Ela deve

    conciliar a cincia e o dogma, a autoridade e a liberdade, a razo e a f. Ns

    preparamos a semente, outros a semearo. Quem escreveu estas pginas est

    longe de achar-se um profeta. V a verdade e a escreve. Sua autoridade a

    evidncia, e sua fora a razo. Fala para os sbios e espera o escrnio e o

    desdm dos loucos. Escreve para os fortes e no ser lido pelos fracos, aos quais

    inculcar o medo s suas doutrinas. Este livro est dividido em duas partes; a

    primeira, contm dilogos que renem toda a polmica religiosa e filosfica do

    presente sculo. A segunda, contm definies e aforismos. No h aqui nem flores

    de retrica, nem frases. H duas coisas eternas, e s elas, tem preocupado o autor:

    a justia e a verdade.

    ELIPHAS LEVI

    DISCUSSO EM FORMA DE DILOGO

    PRIMEIRO DILOGO

    UM CLRIGO e ELIPHAS LEVI

    O CLRIGO - Tuas pretensas cincias vm do inferno e tuas razes so blasfmias.

    ELIPHAS LEVI -No sei se tua ignorncia vem do cu, porm, tuas razes

    assemelham-se muito s injrias.

    O CLRIGO - Eu chamo as coisas pelo seu nome; pior para ti se estes nomes te

    resultam injuriosos. Como tu, que tendo sado da Igreja, que procurando ajudar a

    impiedade a minar em sua base seu edifcio eterno, tens o louco orgulho de crer

    que ela vacila sob os golpes de teus semelhantes; e para o cmulo do ultraje,

    estendes, para sustent-la, tua mo sacrlega? No temas a sorte de Oza, a quem

    Deus castigou mortalmente, porque, com inteno melhor que a tua e com mos

    talvez mais puras, quis sustentar a arca Santa? ELIPHAS LEVI - Detenho-te aqui,

  • Senhor; citas a Bblia sem compreende-la e preferiria em teu lugar, compreend-la

    sem cit-la. A morte de Oza, da qual me falas, assemelha-se um pouco ao trgico

    fim dos quarenta e dois meninos devorados pelos ursos por terem-se rido do

    profeta Eliseu, que era calvo. Felizmente, diz Voltaire este respeito, no existem

    ursos na Palestina. O CLRIGO - Ento a Bblia um tecido de mentiras e ris dela

    como Voltaire? ELIPHAS LEVI - A Bblia um livro hiertico, ou seja, sagrado; est

    escrita em estilo sacerdotal, misturado com histrias e alegorias.

    O CLRIGO - Somente a Igreja tem o direito de interpretar a Bblia. Crs na sua

    infalibilidade? ELIPHAS LEVI - Sou da Igreja e no tenho dito e nem escrito nada

    que seja contrrio aos meus ensinamentos.

    O CLRIGO - Admiro tua desenvoltura. No s um livre pensador? No crs no

    progresso? No admites as temeridades da cincia moderna que d todos os dias

    desmentidos Santa Escritura? No acreditas na antigidade indefinida do mundo e

    na diversidade, seja simultnea, seja sucessiva das raas humanas? No consideras

    como mito ou fbula, o que a mesma coisa, a histria da ma de Ado, sobre a

    qual fundamenta-se o dogma do pecado original? Porm, tu sabes bem que ento

    tudo se derruba, no mais revelao nem encarnao, pois todo o cristianismo no

    tem sido mais que um longo erro; a Igreja no pode se manter seno prescrevendo

    o bom senso e propagando a ignorncia? Admites isto e ousas chamar-te catlico?

    ELIPHAS LEVI - Que quer dizer a palavra catlico? No quer dizer universal? Creio

    no dogma universal e me cuido das aberraes de todas as seitas particulares.

    Suporto-as porm, na esperana 5 de que o progresso se cumprir e de que todos

    os homens se reuniro na f das verdades fundamentais; o que tem-se cumprido j

    naquela sociedade conhecida em todo o mundo, chamada franco-maonaria.

    O CLRIGO - nimo Senhor, tiras a mscara por fim, completamente; s sem

    dvida Franco Maom e sabes perfeitamente, que os Franco-Maons acabam de ser

    excomungados recentemente, pelo Papa.

    ELIPHAS LEVI - Sim, o sei; e, desde ento, tenho deixado de ser Franco-Maom,

    porque os Franco-Maons excomungados pelo Papa, no acreditavam que deviam

    tolerar o catolicismo. Tenho me separado deles, para resguardar a minha liberdade

    de conscincia e para no me associar as suas represlias, talvez desculpveis, se

    no legtimas; porm, seguramente inconseqentes, j que a essncia da

    Maonaria a tolerncia todos os cultos.

    O CLRIGO - Queres dizer, a indiferena em matria de religio?

    ELIPHAS LEVI - Dizes em matria de supersties.

    O CLRIGO - Oh! Sei que para ti, a Religio e a superstio so uma s e mesma

    coisa. ELIPHAS LEVI - Creio, pelo contrrio, que so duas coisas opostas e

    inconciliveis, tanto que, aos meus olhos, os supersticiosos so mpios. Quanto

    religio, no h mais que uma. E no tem havido nunca, seno uma verdadeira. a

    esta que chamo verdadeiramente de Catlica ou universal. Um muulmano pode

    pratic-la como o tem demonstrado muito bem o emir Abd-el-Kader, quando salvou

    os Cristos de Damasco. Esta religio a Caridade; o smbolo da caridade a

    Comunho; e o oposto da comunho excomunho; comungar evocar a Deus,

    excomungar evocar ao diabo. O CLRIGO - por isto que tens o diabo no corpo,

    pois com certeza, semelhantes doutrinas fazem de ti um excomungado.

    ELIPHAS LEVI - Se eu tivesse o diabo, serias tu quem me o teria dado, e eu no

    seria, por certo, bastante mau para devolv-lo a ti; trat-lo-ia como os

    comerciantes tratam as falsas moedas, que pregam-nas no seu balco para retir-

    las de circulao.

    O CLRIGO - No quero escutar-te mais. s um extravagante e um mpio.

    ELIPHAS LEVI - (Rindo). Sabes tudo a meu respeito! E falas coisas das quais estou

    longe de

    suspeit-las em mim; no sou to sbio e no direi o que s. Fao-te observar,

    somente que o que me

    dizes, no nem caritativo nem corts.

    O CLRIGO - s um dos mais perigosos inimigos da Igreja. ELIPHAS LEVI - o

    senhor de Mirville que tem dito isto. Porm, eu responderei ele, como ti, com

  • estes versos do nosso bom e grande La Fontaine:

    NADA MAIS PERIGOSO DO QUE UM AMIGO IMPRUDENTE;

    MAIS VALERIA UM INIMIGO SBIO

    SEGUNDO DILOGO

    UM FILSOFO e ELIPHAS LEVI

    O FILSOFO - (Entrando) - Que fazias com aquele energmeno? ELIPHAS LEVI -

    Nada muito bom, creio; teria apreciado poder acalm-lo, no entanto, s consegui

    enraivec-lo ainda mais.

    O FILSOFO - Tambm, que tens a fazer com semelhante gente? E porque obstinas

    em declarar-te ainda catlico? Alijas-te de ti os livres pensadores e os catlicos te

    desprezam. ELIPHAS LEVI - um mal entendido.

    O FILSOFO - Do qual s a causa. Porque te obstinas em dizer "cachorro" quando

    se trata de "gato"?

    ELIPHAS LEVI-No creio terme permitido semelhantes excentricidades de

    linguagem; chamo as coisas pelo seu nome, porm tem me acontecido ver

    cachorros e gatos que se entendem maravilhosamente.

    O FILSOFO - Isto nada prova em favor de teu sonho que um acordo impossvel

    entre a religio e a cincia, entre a autoridade dogmtica e a liberdade de exame.

    ELIPHAS LEVI - Porque impossvel?

    O FILSOFO - Porque a religio o sonho que quer fazer a lei para a razo; o

    absurdo que se impe com a obstinao da loucura; o orgulho da ignorncia que,

    para se crer sobrenatural, inventa virtudes contra a natureza; Alexandre VI posto

    no lugar de Deus; a chave do cu colocado nas mos sangrentas dos inquisidores.

    ELIPHAS LEVI - No, a religio no nada disso; a religio a f, a esperana e a

    caridade.

    O FILSOFO - que chamas f?

    ELIPHAS LEVI - A f a afirmao do que deve ser; e, a aspirao confiada no que

    bom esperar.

    6

    O FILSOFO - Vamos sair das nuvens, se permites. Dizes catlico; pois bem, sabes

    o que um catlico?

    ELIPHAS LEVI - Catlico quer dizer universal; um catlico aquele que se religa s

    crenas universais, ou seja, religio nica, cujo fundo encontra-se nos dogmas de

    todos os povos e de todos os tempos.

    O FILSOFO - No senhor, um catlico, de acordo com Veuillot, a quem Roma no

    condena, aquele que cr que Jesus Cristo o nico Deus e que fala pela boca do

    Papa. ELIPHAS LEVI - Deixemos Veuillot e raciocinemos.

    O FILSOFO - No, j que falamos de religio, bem sabes que, segundo um padre

    da Igreja, muito autorizado, o objeto da crena o absurdo.

    ELIPHAS LEVI - O infinito no absurdo? Entretanto, a cincia est obrigada a

    acreditar nele. O eterno acercamento de duas linhas que jamais se tocaro, no

    por acaso um absurdo?; sem dvida, a geometria se v obrigada a admiti-lo.

    Existem absurdos de duas espcies: uns so seno aparentes e so aqueles que

    vem de uma falha da nossa inteligncia; outros so evidentes: as afirmaes

    contrrias s verdades demonstradas; agora, a religio no nos obriga a aceitar

    estas ltimas. FILSOFO - No entremos no labirinto de teus mistrios. O dogma

    emaranhado gosto de teus telogos, me daria fceis possibilidades de

    controvrsia; porm, estas antigalhas esto abandonadas hoje em dia, que no nos

    preocupamos mais com elas, nem mesmo para rir. Resumindo, o Cristianismo est

    superado pelo progresso h tempos; e se queres pr vinho novo em teu odre velho,

    perderas o odre e o vinho! Deixa o velho catolicismo morrer em paz; ele no te

    aceita; s para ele um renegado e um sacrlego; tens o valor de teu livre

    pensamento e deixa aos mortos sepultar os mortos. Fazer ridculos esforos para

    conciliar a civilizao moderna o "syllabus"; e na verdade, que isto deve matar

    quilo. Queres conciliar Polichinelo e a Fora; porm Polichinelo no quer ouvir falar

    desta e pensas em enforcar ele mesmo, ao verdugo, no importando os arranhes

    do gato. Perdoa-me se sou pouco srio; porque na verdade, tua f de

  • expedientes e de preconceitos no sria; ela exagera o absurdo para aumentar

    seus malabarismos. Pode ser muito bonita, porm isso no til ningum e se

    torna muito molesta para ti.

    ELIPHAS LEVI - Deixemos de lado meus interesses pessoais, no os tenho e no

    quero ter outros a no ser os da verdade.

    O FILSOFO - Pois bem. A verdade, a verdade evidente para qualquer pessoa de

    boa f, que no existe relao universal, e as religies devoram-se entre si.

    Todos os sectrios afirmam que Deus lhes tem falado, porm, bem sabes que Deus

    no fala nunca seno que pela boca de seus sacerdotes, que se amaldioam uns

    aos outros e no estaro, de acordo jamais. Queres conservar o dogma e suprimir

    o sacerdote, porm eles se equilibraram entre si e at se suportam mutuamente.

    Deus o sacerdote do cu, assim como o sacerdote afirma ser Deus na terra.

    Dispensas ao sacerdote; ele levar seu Deus e te provar que s ateu. ELIPHAS

    LEVI - Eu no quero dispensar a ningum, seno que desejaria iluminar a todos.

    O FILSOFO - Talvez, at aos sacerdotes?

    ELIPHAS LEVI - Sobretudo aos sacerdotes, porque lhes devo a minha primeira

    educao. O FILSOFO-No o digas; pois, nota-se bastante. Entre eles que

    aprendestes s conciliaes jesuticas e s asseres com segundas intenes.

    ELIPHAS LEVI - Eu escrevo sobre cincias ocultas.

    O FILSOFO - Entendo, e acreditas que tens que ocultar teu pensamento; porm,

    haveria um meio bem simples para ocult-lo; seria o de no escrev-lo. ELIPHAS

    LEVI - E de no falar; porm, ento eu no teria a vantagem de discutir hoje

    contigo.

    O FILSOFO - Eu no discuto as tuas crenas, condeno-as em nome da cincia e do

    progresso. ELIPHAS LEVI - Mas como! At a minha crena em Deus, na

    imortalidade da alma, na solidariedade entre todos os homens e no esprito da

    caridade? O FILSOFO - Estas so, talvez, idias respeitveis; porm, que no

    existem e no poderiam existir para a cincia, pois no so nem demonstrveis

    nem demonstradas. ELIPHAS LEVI - De forma que, no acreditas em nada?

    O FILSOFO - Perdoa-me; creio na natureza, na cincia e no progresso. ELIPHAS

    LEVI - Tuas crenas, so as minhas; no se trata seno de nos entendermos; e,

    antes de outra coisa, o que a natureza para ti?

    O FILSOFO - Fora e matria.

    ELIPHAS LEVI - Como? Sem esprito?

    O FILSOFO - O esprito a fora diretriz.

    ELIPHAS LEVI - Muito bem, no te peo mais; acrescentarei s "evocadora" e

    teremos encontrado a Deus.

    7

    O FILSOFO - Deus, sempre Deus! No posso sentir esta palavra, ela no pertence

    cincia.

    ELIPHAS LEVI - verdade, pertence f; porm, a cincia no pode prescindir-se

    dela.

    O FILSOFO - o que eu nego.

    ELIPHAS LEVI - Sim, sem poder provar a fora da tua negao.

    O FILSOFO - A ti cabe provar, j que afirmas.

    ELIPHAS LEVI - Afirmo que a f existe e que ela est na natureza do homem.

    Afirmo que a f razovel, dado que a cincia est limitada. Afirmo, por fim, que a

    f necessria, porque, como tu, acredito no progresso. Sem a f, a cincia no

    leva seno dvida absoluta e ao desgosto por todas as coisas. Sem a f, a vida

    no seno um sonho, que terminar, sem o despertar, no nada. Sem a f, os

    afetos so vazios, a honra no mais do que engano, a virtude, mentira; e, a

    moral, decepo.

    Sem a f, a cincia no mais do que o despotismo das riquezas; a igualdade

    impossvel e a

    fraternidade no existe. "Filsofos do atesmo, partidrios da fora cega e da

    matria motriz, vs no

    sois homens de progresso. um de nossos mestres, no sculo passado, j fizestes

  • rir; chamava-se

    Lamatthie e era um dos mdicos do rei da Prssia. triste vos ver malgastar tanto

    esprito para provar

    que sois bests." Digo-te senhor, no poderias ser dirigido, pois credes na fora

    inteligente e no progresso. A fora inteligente o esprito e o progresso a

    imortalidade. O FILSOFO - Tudo isto no est demonstrado, Porm o que

    evidente para ti no o para mim?

    ELIPHAS LEVI - Estendo-te a mo e separemo-nos como bons amigos.

    O FILSOFO - Adeus, pois!

    ELIPHAS LEVI - Sim, Deus! Pois pretendes no crer em Ele apesar de que o

    invocas sem pensar.

    TERCEIRO DILOGO

    UM PANTESTA e ELIPHAS LEVI

    O PANTESTA - impossvel conceber um Deus que seja outra coisa que a

    universidade dos seres.

    ELIPHAS LEVI -Muito bem. s um discpulo de Espinoza, e te direi, no entanto, que

    nunca existiu e que no existe outro Espinoza seno que a coleo das obras deste

    filsofo. O PANTESTA-Esta uma brincadeira de mau gosto. Bem sabemos que so

    homens que fazem os livros e que os "in-folio" no gravitam por si mesmos no

    espao. Porm, no acontece o mesmo com os mundos; a lei fatal do movimento

    equilibrado os produz e pode destru-los nas revolues necessrias do Universo

    eterno.

    ELIPHAS LEVI - Assim o nosso universo fatal; , por conseqncia, cego e surdo

    como a fatalidade. Como, pois, pode dar-nos a inteligncia que no possui? O

    PANTESTA - O universo inteligente e por isso que o chamo de Deus.

    ELIPHAS LEVI - Acreditas que no homem o corpo o que produz o fenmeno do

    pensamento?

    O PANTESTA - Sinto o pensamento em minha cabea e sei que ele se produz no

    meu crebro.

    ELIPHAS LEVI - Sim, como a msica sobre um violino.

    O PANTESTA - Oh, vamos devagar! Queres dizer que nossa alma serve-se do

    crebro como de

    um instrumento; porm, este instrumento s os anatomistas conhecem seu

    mecanismo? A criana que

    comea a pensar nem sequer sabe que possui um crebro e no se imagina em

    utilizar suas fibras e seus recursos. O crebro funciona, pois, por si mesmo, sob o

    duplo impulso da natureza e da vida. ELIPHAS LEVI - O sentido, comum assegura-

    nos que, nosso crebro alguma coisa, porm no algum. algo do qual

    algum determinou a forma e o uso e, se existem instrumentos que parecem tocar

    sozinhos, estes instrumentos no revelam seno a existncia de um mecnico hbil

    e de uma msica que o instrumento no inventa.

    O Pantesta - Penso que como dizes, porm, para mim, o grande mecnico e o

    msico das harmonias da natureza, o imenso, o eterno universo, que pela

    prpria necessidade de ser, que infinito, ao qual atribus as funes inteis do

    Criador. A palavra criao, por outro lado, um absurdo; sim se supe que do nada

    pode sair algo; a substncia uma, infinita, eterna; as criaes sucessivas e

    expontneas no so mais que manifestaes de aparncias; combinaes fsicas;

    todas as cincias naturais tendem hoje a demonstr-la. Tu mesmo estas

    constrangido em admiti-lo e no acreditas j no Deus desptico e caprichoso da

    Idade Mdia; no Deus inimigo da natureza, no Deus

    da vingana e dos milagres. Consideras a Deus como a alma do universo, a alma

    diferente do corpo, dizes; porm, inseparvel, acrescentarei, j que Deus no pode

    morrer. Sem o fenmeno da morte que deixa o corpo inerte e gelado, o homem

    seria indivisvel e no se diferenciaria sua alma do seu corpo. No , com efeito, a

    alma s que vive; todo o homem, inteiro; e o pensamento a luz da vida.No

    diferenciamos, pois, a alma do universo, do universo mesmo; o universo o grande

    todo, 8 inteligente e visvel. Quando pensa, se lhe chama esprito, quando toma

  • uma forma matria; porm, a matria e o esprito no so dois seres, so duas

    formas de existncia. A substncia eterna e infinita a gnese do pensamento e da

    forma; no fora de si mesma onde no existe nada, seno em si mesma e por si

    mesma. a isto que chamamos Deus.

    ELIPHAS LEVI - Deixei que falasses e penso como tu sobre muitos pontos; porm,

    no admitirei jamais que Deus seja o universo, porque isto me devolveria

    idolatria dos sculos ignorantes em que adorava-se o Sol e a Lua; tudo de Deus,

    com certeza, porm, tudo no Deus e a liberdade humana no deve deixar-se

    absorver pela grande fatalidade Divina que pareces admitir. Se tudo fosse Deus, o

    homem no seria responsvel por nada e a moral seria uma quimera. Que idia,

    ento, nos caberia a Sabedoria Divina, os erros e as tolices humanas? Se

    entretanto fossemos absurdos, Deus seria ridculo. Deus mesmo seria o autor do

    mal e assim negar-se-ia a si mesmo; ou, a palavra de Deus no teria j sentido

    razovel. Deixemos ao deus Pan dos antigos, suas flautas e seus cornos. Quando

    Jesus, morrendo sobre a Cruz, tinha proclamado a inviolabilidade da conscincia

    humana e a liberdade da f, confirmada pelo direito ao martrio, um piloto

    misterioso, chamado Thamuz, gritou s ilhas que o grande Pan havia morrido e

    escutaram-se vozes confusas que choravam o gigante da mitologia antiga. Deus,

    na humanidade, acabava de triunfar sobre a fatalidade e sobre a morte e a

    humanidade volta-se Divina, no por usurpao sacrlega ou por confuso das

    naturezas, seno por uma sublime aliana.

    O PANTESTA - Detm-te e no prolongues estas frases de sermo. s livre para

    elogiar ainda o Cristianismo; porm, ele o que agora est morto e o grande Pan

    ressuscitou. O Cristianismo foi uma doena do esprito humano e faltou pouco para

    que a nossa pobre terra se tornasse uma morada de loucos; a demncia da f cega

    colocada acima da cincia e da razo, a dor preferida ao prazer, a misria

    riqueza, o celibato contra a natureza esgotando as fontes da fecundidade, o

    fanatismo feroz se impondo pelo ferro e o fogo, a autocracia dos sacerdotes, o

    embrutecimento dos homens, a misria dos povos; eis a o Cristianismo. Ele

    julgado pelas suas prprias armas. ELIPHAS LEVI - Assim, segundo tu, fez-se bem

    em crucificar a Jesus Cristo, e se Nero tivesse conseguido extirpar o Cristianismo,

    teria sido ele o verdadeiro salvador do mundo? O PANTESTA-Nada prova a

    existncia histrica de Jesus Cristo. O Cristianismo uma corrente de idias que

    no provm de um s homem e tu mesmo tens afirmado e provado que o Cristo

    dos Evangelhos uma figura simblica do homem liberado dos servides legais,

    sacrificando-se livremente pelo triunfo da verdade e da justia. Segundo o mito

    sagrado, seu sacrifcio era necessrio para a salvao do mundo e os que o

    crucificaram foram os executores da alta justia de Deus. No que se refere a Nero e

    a outros perseguidores, so universalmente condenados pela conscincia humana.

    A verdade no deve impor-se pelo temor, deve provar-se pela razo; porm, os

    pagos, os judeus e os cristos foram todos igualmente fanticos; e, de vtimas que

    foram desde o comeo, tornaram-se verdugos desde o momento em que puderam

    s-lo com impunidade. Nero no mais espantoso do que So Domingos;

    Torquemada e Domiciano; e ainda h gente que chora a ausncia das dragonadas.

    Conheces, por outro lado, a clebre mxima atribuda ao rei Luiz Felipe: "A

    responsabilidade s existe quando no se triunfa".

    ELIPHAS LEVI - Aceito esta mxima. Que , com efeito, uma coisa conquistada? a

    coisa bem feita. Fazer bem triunfar; e, aquele que no triunfa, mais ou menos

    responsvel por sua torpeza.

    As coisas, na realidade, esto de tal forma ordenadas pela Sabedoria Suprema que

    o mal no poderia

    ter um xito real e durvel, e que o bem, apesar de todas as demoras e de todos os

    obstculos, chega

    sempre a seu fim. Falas do mal que se produziu a propsito do Cristianismo. Este

    mal passou em

    parte, e o que dele resta, passar. Porm, o bem ficou e ficar. No em nome de

    Torquemada, e sim

  • em nome de Vicente de Paula que as irms de Caridade cuidam dos pobres rfos.

    Alexandre VI no publicou jamais uma constituio apostlica justificando o

    envenenamento e o incesto. A religio santa, os homens que so maus.

    O PANTESTA - No, senhor, os homens no so maus. Falando assim, calunias a

    tua me; a santa e divina natureza; porm reflete e te ressentirs de tua

    deplorvel educao clerical. Sabes o que tornava mau Alexandre VI? que ele se

    achava o vigrio e o representante de Deus, que queima eternamente seus

    inimigos; no entanto os inimigos do Papa, aos olhos do Papa, no so os inimigos

    de Deus? O veneno dos Brgias era uma pena muito doce comparada com os

    suplcios do Inferno; e, quem sabe se este indulgente vigrio de J. O. no dava

    indulgncias para o outro mundo s suas garrafas de vinho de Siracusa. Diz-se que

    envenenava as hstias; era uma forma de torn-las ativamente indulgentes para a

    boa morte; no era ele o mestre dos mestres e o rei dos reis? No era ele infalvel,

    o que quer dizer, certamente, impecvel? Ah! no nos fales de tuas perniciosas

    crenas; elas conduzem apoteose de um novo Nero, sempre que este, no lugar

    da coroa dos Csares, leve a tiara dos pontfices. No canonizaste o horrvel e

    sangrento Chisleri? Vosso Veuillot no verte ainda 9 lgrimas de crocodilo sobre a

    abolio dos autos de f? Oh! se esta gente retomasse por um instante o poder,

    como nos arrojariam a todos com nossos filhos e nossas mulheres, sob as rodas do

    carro carcomido que arrasta ainda seu implacvel Jaggrenat! No te declares mais

    catlico; tu que s um livre pensador, ou cuidas que a santa inquisio de Roma

    no te pea conta de tuas obras! Deixa esse Vaticano do qual os deuses partiram

    h muito tempo, de onde at os ratos comeam a fugir e sobre o qual se formam,

    desde a vitria de Mentana, nuvens de corvos e de abutres. ELIPHAS LEVI - Alto l,

    senhor! Se h corvos no Vaticano, h tambm guias. a Frana que tem Roma,

    e Roma tarde ou cedo, dever contar com a Frana que marcha, como o sabes,

    cabea da civilizao e do progresso. Segundo os sectrios de Veuillot, que os

    abandonou, o Papa seria a reao e a compreenso divinizada; porm, no ser

    assim. O Papa ser ou no ser; eu acredito que deve ser e que no pode ser

    seno o Evangelho coroado.

    O PANTESTA - Estas ainda nisto e no vs que o Evangelho foi superado h muito

    tempo pelo bom senso e pela cincia. Existem coisas boas no Evangelho, bem o

    sei; a boa semente misturada ancinho. Porm, h tambm ensinamentos

    brbaros e doutrinas deplorveis, assim, perdoar a seus inimigos para que Deus os

    castigue ainda mais; no resistir ao mal; odiar seu pai e sua me, odiar-se

    a si mesmo, o que d um sentido estranho ao conceito de amar ao prximo como a

    si mesmo; alentar a preguia pela esmola e a injustia pelo abandono voluntrio do

    que de ti se quer roubar; preferir o isolamento estril vida familiar, odiar ao

    mundo e fazer-se odiar por ele; pois bem, o mundo, no sentido do Evangelho, a

    sociedade dos homens. Matar ante o rei, ou melhor, ante Deus queles que no

    querem que seu filho, ou seja, Jesus Cristo, representado pelo Papa, reine sobre

    eles; abjurar da sua razo, quebrantar seus efeitos, adorar a humilhao e a dor,

    eis aqui o fundo destes evangelhos,to inspidos; o resto, ou seja, os preceitos

    verdadeiramente morais, pertencem filosofia de todos os

    sculos. Eis a, o fundo da religio Crist, na verdade; um homem razovel no

    pode hoje nem defender publicamente nem admitir em segredo, semelhante

    religio! O catolicismo deixou de ser uma Igreja; uma seita e a mais horrvel de

    todas as seitas. At o protestantismo j no tem razo de ser e vai dissolvendo-se

    dia a dia no pantesmo que a nica religio universal e verdadeira. ELIPHAS LEVI

    - Muito bem. Ento tudo Deus, eu sou Deus, tu s Deus, a tolice Deus, o crime

    Deus e por conseguinte, segundo tu, at Veuillot Deus; o clericalismo Deus e

    o Papa Deus. O PANTESTA - Nada de brincadeiras indignas de ti. Deus a

    afirmao e no a negao de todas as coisas; o que e no o que pretende ser;

    a verdade e no a mentira: no tendes dito tu mesmo que o mal no tem

    existncia real?

    ELIPHAS LEVI - Absolutamente, sem dvida! Porm, h no relativo uma existncia

    demasiado real, j que opera contra o bem. Logo, esta ao, segundo tu, vem de

  • Deus? O PANTESTA - Sim, como a tua sombra vem do teu corpo e como as

    doenas vm da sade. ELIPHAS LEVI - Ento teu Deus esta enfermo quando os

    homens fazem o mal; e, quando dizem mentiras o esprito de Deus que lhes

    empresta a sua sombra?

    O PANTESTA-A luz precisa da sombra para produzir as formas visveis, e o que

    chamas de mal necessrio para o triunfo do bem. Deus faz sombra para

    manifestar sua luz e no se mostra como luz seno para justificar sua sombra; eis

    aqui o que quer dizer o vosso mistrio de redeno, eis aqui a razo de ser do

    diabo, que a mscara de sombra da face esplndida de Deus, eis aqui o equilbrio

    do cu e do inferno, eis aqui o Sat do livro de Job recebendo do mesmo Deus a

    misso de atormentar ao justo; eis aqui porque teus smbolos relatam que Jesus

    Cristo desceu aos infernos? ELIPHAS LEVI - Ento, h mais culpveis? Todos os

    homens so inocentes; os anjos das trevas so os servidores da mscara Divina, a

    penalidade uma injustia, a moral uma trapaa estendida aos dbeis para faz-

    los escravos dos fortes, os malvados so os mais poderosos auxiliares da virtude e

    o justo lhes deve suas coroas? No sentes, senhor, que a doutrina to monstruosa

    subversiva de toda ordem e que, por conseguinte, contrria a toda verdade,

    porque a ordem a verdade e o que desordem a mentira?

    O PANTESTA - O que dizes provm do teu sistema de ocultismo, porm, no fundo

    pensas como eu.

    ELIPHAS LEVI - Protesto! Pelo contrrio. Creio em Deus, causa de tudo e no

    confundo a causa com o efeito. Creio na liberdade do homem e por conseguinte na

    sua moralidade. Concedo-te todo o resto.

    QUARTO DILOGO

    UM ISRAELITA e ELIPHAS LEVI

    O ISRAELITA - Tendo ouvido a tua conversa com esse ateu, constato com prazer

    que liquidas os erros do cristianismo.

    ELIPHAS LEVI - Sim, sem dvida; porm, para defender suas verdades com

    maior energia.

    10

    O ISRAELITA - Quais so as verdades do cristianismo?

    ELIPHAS LEVI - As mesmas que as da religio de Moiss, mais os sacramentos

    eficazes com a f, a esperana e a caridade.

    O ISRAELITA - E mais ainda a idolatria; ou seja, o culto que devido a Deus, rendido

    a um homem e at um pedao de po. O sacerdote colocado no lugar do prprio

    Deus e condenando ao inferno aos Israelitas, ou seja, os adoradores do verdadeiro

    Deus e os herdeiros da sua promessa. ELIPHAS LEVI - No, filho dos nossos pais;

    ns no pomos nada no lugar de Deus. Cremos, como tu, que sua divindade

    nica, imutvel, espiritual e no o confundimos com as suas criaturas. Adoramos a

    Deus na humanidade de Jesus Cristo e no essa humanidade no lugar de Deus.

    Existe entre ns um mal entendido que dura muitos sculos e que tem feito

    derramar muito sangue e muitas lgrimas. Os pretensos Cristos que te

    perseguiram eram fanticos e mpios, indignos do esprito daquele Jesus que

    perdoou aos que o crucificaram e morreu dizendo: "Perdoai-os, meu pai, pois no

    sabem o que fazem". Nosso dogma, por outro lado, no comea com Jesus Cristo;

    ele est contido completamente nos mistrios da Cabala, cuja tradio remonta-se

    at ao Patriarca Abrao. Nosso Homem-Deus o tipo humano e divino do Zohar

    realizado num homem vivo. Nosso Verbo encarnado chamado Logos por Plato e

    por So Joo, O Evangelista, quer dizer: razo manifestada pela palavra; chama-se

    Hochmah na doutrina das Sefirots.

    O ISRAELITA - Interrompo-te aqui e de claro que, entre ns, a Cabala no autor

    idade. No a conhecemos mais, porque foi profanada e desfigurada pelos

    Samaritanos e pelos Gnsticos Orientais. Maimnides, uma das grandes luzes da

    sinagoga, considera a Cabala como intil e perigosa; no quer que nos ocupemos

    dela; quer isto sim, que nos atenhamos ao smbolo, do qual ele mesmo formulou os

    treze artigos no Sefer Thor, aos profetas e ao Talmud. ELIPHAS LEVI - Sim, porm

    o Sfer Thor, os profetas e o Talmud so ininteligveis sem a Cabala. Direi mais:

  • estes livros sagrados so a prpria Cabala escrita em hierglifos hierticos, ou seja,

    em imagens alegricas. A escrita um livro fechado sem a tradio que a explica;

    e, a tradio a Cabala.

    O ISRAELITA - Heis a o que nego. A tradio o Talmud.

    ELIPHAS LEVI - Dizes que o Talmud o vu da tradio; a tradio o Zohar.

    O ISRAELITA - Podes prov-lo?

    ELIPHAS LEVI - Sim, se tiveres a pacincia de escutar-me; pois teria que razoar

    bastante, citar e comparar autores, apreciar o que dizem Franck e Drach, dois

    sbios cabalstas que no esto de acordo; explicar o Gneses e Ezequiel, buscar

    neste ltimo a chave do Apocalipse de So Joo, analisar a Mischna e ver em que

    difere essencialmente da dos Gemarah, aplicar aos sete primeiros captulos do

    Gneses as chaves alfabticas e numricas do Sefer Yetzira, voltar aos livros

    dogmticos do Zohar, estudar a fundo o Siphra Di-Tzeniutha com as explicaes do

    grande e pequeno Snodo. Tudo isto leva tempo, que, te dedicaria com boa vontade

    se esperasse ser-te til e pediria uma ateno longa e contnua, que seguramente,

    no ma darias. O ISRAELITA - Porque?

    ELIPHAS LEVI - Porque no sou um rabino, nem sequer um Israelita; pelo menos,

    como o acreditas.

    O ISRAELITA - Como o creio! E estou bem seguro disso. ELIPHAS LEVI - intil que

    fale por mais tempo, pois escutar-me-ias com uma desconfiana que aumentaria

    com a mesma fora das minhas razes. s ainda por demais judeu! Venha visitar-

    me quando duvidares da tua religio que te mostrarei a nossa.

    QUINTO DILOGO

    UM PROTESTANTE e ELIPHAS LEVI

    O PROTESTANTE - Senhor, escreveste isto em um de teus livros: "Eu sou mais

    catlico que o Papa, mais protestante que Lutero". Qual pode ser o sentido destas

    estranhas palavras? ELIPHAS LEVI - Isto quer dizer que considero como admissveis

    comunho universal todos queles a quem o Papa excomunga e que protesto

    contra as fantasias dogmticas de teu mestre, Martin Lutero.

    O PROTESTANTE - Pretenderias ento fundar uma nova seita?

    ELIPHAS LEVI - Pelo contrrio; desejaria fundir todas as seitas em uma fraternal

    unidade.

    O PROTESTANTE - Podes acreditar que o Papa te aprovar?

    ELIPHAS LEVI - O Papa no me censurou ainda.

    O PROTESTANTE - E se ele censurasse?

    ELIPHAS LEVI - Eu aprovaria sua censura de antemo.

    O PROTESTANTE - Ento ris dele e de ns?

    11

    ELIPHAS LEVI - No rio de ningum. A Igreja Romana tem declarado que a razo

    inseparvel da f, que se pode e se deve levar aos homens a f pela razo e eu no

    falo outra coisa; no , pois, o fundo da minha doutrina que o Papa poderia

    censurar, seno s algumas revelaes dos mistrios do ocultismo, que poderia

    achar perigosas e intempestivas. O PROTESTANTE - Teria, por certo, muita razo.

    Porque misturas continuamente a religio e as cincias ocultas? Anuncias livros de

    magia e escreves livros de religio. Que podem ter em comum a Bblia e o

    Grimrio?

    ELIPHAS LEVI - Os Grimrios compem-se de evocaes e de oraes, supe um

    dogma e

    contm um ritual; as cincias ocultas tm como ponto de partida uma teologia

    secreta que a Cabala;

    elas iniciam nos mistrios de uma taumaturgia cerimonial anloga aos sacramentos

    da Igreja; vs pois, que no se podem ensinar as cincias ocultas sem falar-se

    muito da religio. O PROTESTANTE - Porque escolheste a proclamas como a

    melhor, entre todas as religies, aquela que mais energicamente condena a magia?

    ELIPHAS LEVI -Porque a nica que incontestavelmente dogmtica e realmente

    taumatrgica; porque a religio romana a magia hierarquicamente constituda

    que reprova e deve reprovar os feiticeiros como competidores sem diploma; porque

  • s os sacerdotes catlicos so verdadeiros encantadores, evocando ao prprio Deus

    e forando-o a descer das suas alturas, devolvendo a inocncia aos culpveis,

    apagando com uma palavra as sentenas de morte eterna, abrindo e fechando a

    seu gosto o cu e dispondo da eternidade.

    O PROTESTANTE - As coisas que admiras na Igreja Catlica so precisamente

    aquelas que a tornam abominvel; seus sacerdotes no so, para ns, mais que os

    encantadores do Fara, e ao invs de viver com eles, preferimos sofrer com Israel

    no deserto.

    ELIPHAS LEVI - Tens o cetro de Moiss? Temo que um bom dia te encontres sem

    Deus e que

    por fadiga de uma religio sem eficcia, danars como tantos outros em torno do

    bezerro de ouro. V

    ao que chegou a Inglaterra; enjoa-se mortalmente em meio das suas riquezas e o

    pauperismo a corroe. A Alemanha pode muito bem expandir-se: no converters

    jamais o mundo inteiro ao culto do "chucrut" e da cerveja, sua nebulosa filosofia;

    passando por Kant e por Hegel, chegou a uma desesperante escurido. Por outro

    lado, nos pases protestantes, a vida das almas retarda-se e todos os cuidados do

    homem dirigem-se s coisas puramente temporais. Beber bem, comer bem,

    alguma coisa certa: porm, o homem no vive s de po, como tambm o diz

    nosso grande mestre. O PROTESTANTE - No temos ns a Bblia e o Evangelho?

    ELIPHAS LEVI - Sim, tens e a fazes traduzir em todas as lnguas para que seja lida

    pelos selvagens; aqueles que os mais sbios dentre ns mal compreendem ou no

    compreendem absolutamente nada. A Bblia! Esta Babel da antigidade oriental;

    este livro sobre o qual empalideceram-se os eruditos de tantos sculos, esta

    enciclopdia abstrata, que um dos nossos grandes poetas chama com razo de um

    terrvel mar semeado de escolhos ! Heis a o que colocas entre as mos dos

    ignorantes e dos idiotas, dizendo-lhes: "Tomai, heis aqui a palavra de Deus, cabe a

    vs compreender julgar e fazer para vs uma regra de conscincia". Por isso

    quantas interpretaes absurdas! O Protestantismo e como uma grande casa de

    alienados, cheia de celas, as quais Ihes chamam seitas; uns so medrosos, outros

    danarinos, muitos so epilpticos, outros imveis e taciturnos; e talvez, em

    nome da razo que chamas ao livre exame; porm, o que a liberdade sem leis?

    No a mesma coisa que a razo sem autoridade, essa rival impotente da

    autoridade sem razo?

    O PROTESTANTE - Posto que Deus tendo falado na Bblia, devia querer ser

    compreendido e inspirar-nos ele mesmo o verdadeiro sentido das suas palavras.

    ELIPHAS LEVI -Se Deus tem a obrigao de inspirar-nos, no tens j necessidade

    da Bblia. So todos profetas e teus sonhos so toda a lei.

    O PROTESTANTE - Porm, se no me engano, tu mesmo interpretas a Bblia de

    outra forma da que os Doutores Catlicos.

    ELIPHAS LEVI - A Bblia tem um sentido oculto, cuja cincia tradicional chama-se

    Cabala, entre

    os Hebreus. Esta cincia era conhecida pelo apstolo So Joo e pelos padres mais

    sbios da

    primitiva igreja; eu no a inventei e no ensino nada que venha de mim; isto o

    que faz a minha fora

    e minha confiana, isto o que me d o direito de chamar catlicos mal lluminados

    aos catlicos melhor instrudos. Podes provar-me que estou errado?

    O PROTESTANTE - No, porque no posso seguir-te em tuas buscas; porm,

    guardarei as minhas convices.

    ELIPHAS LEVI - No pretendo tir-las; a controvrsia jamais converte a ningum;

    algum se apoia nas idias que quer defender e se obstina mais nelas medida que

    o ataque mais forte; as convices apoiam-se ou mudam-se por si mesmas, a

    medida que a razo cresce e que a luz se faz.

    12

    O PROTESTANTE - Desejo que ela se faa para ti.

    ELIPHAS LEVI - Restituo-te o mesmo desejo.

  • SEXTO DILOGO

    UM MDICO e ELIPHAS LEVI

    O MDICO - Queres permitir que te tome o pulso?

    ELIPHAS LEVI - Parece-te que tenho febre?

    O MDICO - Oh! No te quero comparar a Baslio, apesar de que no podes

    impedir-nos de trabalhar um pouco para ele.

    ELIPHAS LEVI - Como assim?

    O MDICO - Oh! Bem o sabes. s um livre pensador e queres que os dogmas

    absurdos sejam respeitados para maior satisfao de Baslio.

    ELIPHAS LEVI - No creio que Baslio seja um grande partidrio dos dogmas

    explicados pela filosofia.

    O MDICO - E Baslio tem razo, porque um dogma explicado um dogma morto;

    no se estuda mais a anatomia seno sobre os cadveres; no se dissecam os

    vivos. ELIPHAS LEVI -Tua comparao falha Doutor; porque os dogmas so

    espritos e o esprito no poderia morrer para ser dissecado como os corpos. Achar

    a palavra de um enigma no suprimir seu texto, seguidamente engenhoso.

    Esclarecer e por acaso destruir? O MDICO - Quando a esfinge adivinhada, torna-

    se morta; introduzir uma luz em uma lanterna de papel de seda atear fogo

    lanterna. Um mistrio explicado deixa de selo; a f e o sonho da ignorncia;

    quando alcana-se a cincia, o esprito acorda e o sonho para; sonhar acordado

    estar louco e a isto que queres conduzir-nos; no entanto, como me parece que s

    de muito boa f, duvido da tua sade e venho tomar-te o pulso.

    ELIPHAS LEVI - Doutor, acreditas na medicina?

    O MDICO - No, por certo que no acredito nela. Estudei-a e tenho a pretenso de

    conhec-la.

    ELIPHAS LEVI - E os aforismos desta cincia no te pareceram jamais duvidosos?

    O MDICO - Jamais; quando a sua verdade me demonstrada.

    ELIPHAS LEVI - Rejeitas tudo o que no est demonstrado?

    O MDICO - No o estudo, porm, no creio em nada antes de saber. ELIPHAS

    LEVI - Porm quando se sabe, tem-se deixado de crer; por conseguinte, jamais

    acreditastes em nada; no credes em nada e jamais crers em nada. Se isto

    certo, compadeo-me de ti, Doutor, porque no amaste nunca e no amars

    jamais. O MDICO - Oh! Nada de sentimentalismo mstico! Amo a minha me e aos

    meus filhos porque sei.

    ELIPHAS LEVI -Sim, sabes e sabias tudo aquilo, porm nada de tudo aquilo te foi

    demonstrado e no pode ser demonstrado ainda. No poderia ter sido trocado de

    ama? Tua mulher e teus filhos... Crs e tens razo em crer na fidelidade da

    primeira e na legitimidade dos ltimos; porm tudo isto, Doutor, no cincia,

    f.

    O MDICO - uma f razovel!

    ELIPHAS LEVI - Heis a a palavra que eu desejava fazer-te dizer; f razovel; a

    palavra de So Paulo e tambm a minha. No peo outra coisa.

    O MDICO- No confundamos! Falo da f humana e natural, que essencialmente

    razovel; tu, pelo contrrio, falas da f religiosa e sobrenatural, necessariamente

    absurda porque supe uma revelao do infinito ao finito por meio do mistrio

    eternamente incompreensvel do qual h que se adorar a frmula sem procurar

    jamais seu sentido, o que eqivale a dizer que Deus probe aos homens a razo e

    impe-lhes a demncia. Que um louco, na realidade? um homem que cr nas

    alucinaes de seu crebro mais que no bom senso de todos; um crente

    extravagante e obstinado que opera segundo o que imagina e no em conseqncia

    do que v desafio-te a no reconhecer neste retrato os pretensos santos de tua

    igreja catlica.

    ELIPHAS LEVI - Desejaria ser louco como So Vicente de Paula. O MDICO - Oh! E

    quanto a esse! Sabes o que dele tem-se dito com muita fineza; era um bom

    homem, ao qual prejudicaram muito canonizando-o.

    ELIPHAS LEVI - s intratvel; porm ensaiemos outro arrazoamento: admites que o

    sentimento religioso existe nos homens e que um fato fisiolgico com o qual a

  • cincia deve contar? O MDICO - Sim, reconheo a existncia desta doena em um

    grande nmero de homens e estou em condies de provar-te que possuem os

    caracteres completos da alie nao mental.Reconheo pela causa o desgosto pela

    realidade e o desejo melanclico pelas quimeras, uma ambio desmedida e uma

    presuno que faz crer ao homem que pode se apropriar da eternidade e

    13

    da imensido, domnio de um Deus que o homem representa como sua prpria

    imagem acrescentada;

    e, enchendo o cu com as suas propores colossais. O homem tomado deste mal

    usa os meios mais diretamente opostos ao fim que se prope; quer ser imortal e

    deixa-se morrer todos os dias; quer ser objeto das predilees de Deus e volta-se

    odioso e insuportvel aos homens, mesmo aos mais imperfeitos. Censura, molesta

    e atormenta aos demais, sob o pretexto de am-los; no fundo no os ama mais que

    as suas crenas, no admite que se as discuta; a contradio sobre este assunto

    tornam furioso, foge daqueles o que quiserem desengan-lo e toma-lhes medo,

    como os alienados o fazem com os mdicos.

    ELIPHAS LEVI - Disseste tudo? No me falars um pouco tambm das matanas

    cometidas sob o pretexto da religio, dos autos de f e de So Bartolomeu? Sei

    tudo isto to bem como tu; afetai-te como o fazem sempre os adversrios dos

    crentes, para confundir com a religio, a superstio e o fanatismo, pelo que toda a

    gente honesta tem averso.

    O MDICO - A superstio e o fanatismo so o absoluto em religio; os crentes

    razoveis so mornos; o homem que segue as luzes do bom sentido opera como

    um filsofo e no como um devoto; um dogma absurdo exige um culto insensato.

    Falai-me dos estilistas, dos encouraados, dos silencirios, dos que andam

    descalos, dos mortos de fome, de So Cucufin, de So Labre: eis aqui os

    verdadeiros crentes! E no digas que abandonastes estas pessoas; so as

    preferidas da tua Igreja que tem predicado sempre e ainda predica a santa loucura

    da cruz. ELIPHAS LEVI - Eram homens de outro sculo; os tempos mudaram e os

    costumes tambm. O MDICO - S os dogmas so imutveis. Tal , ao menos, a

    pretenso dos crentes; porm mudam sempre em sentido inverso das idias e dos

    costumes. ELIPHAS LEVI - Que entendes por isso?

    O MDICO - Entendo que os dogmas, para imobilizarem-se, materializarem-se cada

    vez mais, medida que o progresso das cincias tendem a explic-los

    espiritualizando-os em maior proporo. A teologia oficial a cincia de

    embalsamar as crenas mortas e mudar em mmias os smbolos outrora viventes.

    ELIPHAS LEVI - Ests errado ao dizer embalsamar; tua expresso lembra-me os

    perfumes de Roma, desse muito odorfico Veuillot; se lestes os meus livros, deves

    saber que penso como vs sobre o farisasmo antigo e moderno, sobre a falsa

    teologia, etc.; porm, tudo isto no a verdadeira religio.

    O MDICO - como se dissesses que o que se faz, combina-se e prepara-se em

    todos os escritrios da Europa, no a verdadeira poltica.

    ELIPHAS LEVI - No seria conveniente para ti desafiar-me demais em diz-lo. O

    MDICO-Ento fica entendido, no h outra poltica seno a que sonhas, no h

    outra religio que o teu misticismo pessoal, azul para iluminar as nuvens que no

    te parecem de boa cor. Sinto haver-te feito falar tanto, pois isto te exalta e te

    prejudica; deixa dormir um pouco teu farrapo de cincias ocultas; no fiques s, faz

    exerccios, te submetas a um regime refrescante e sobretudo no fumes demais.

    ELIPHAS LEVI - (Rindo) - Obrigado por vossa receita Doutor; creio que teus

    conselhos so bons e desejaria dar-te, por minha vez, algumas prescries

    higinicas; porm, desafortunadamente considero-te incurvel.

    O MDICO - Porque?

    ELIPHAS LEVI - Porque no ests doente.

    O MDICO - Assim, consideras que tenho ganha a causa e que te converti. ELIPHAS

    LEVI - Oh! Nada disto, tu no estas doente; porm, te falta um sentido; vs muito

    bem, porm no enxergas seno com um s olho; tudo isto moralmente, bem

    entendido. O MDICO - O olho que me falta no ser casualmente o que Victor

  • Considernt queria pr na extremidade de uma cauda?

    ELIPHAS LEVI - Pode ser Doutor; e visto que ris, a nossa conversa est terminada.

    STIMO DILOGO

    UM DOUTOR e ELIPHAS LEVI

    O DOUTOR - Aceito tuas teorias religiosas que so, mais ou menos, as de Emlio

    Burnouf e

    Vacherot. No confundo a exaltao religiosa que produz o fanatismo com o

    sentimento religioso que

    pode perfeitamente acordar-se com a cincia e com a razo; acho, como tu, que

    existe na palavra

    catolicidade uma promessa de porvir que quer dizer sntese e solidariedade

    universais: porm, pareceme

    evidente que esta grande e ltima transformao religiosa no possa se cumprir

    seno fora do catolicismo oficial, como o cristianismo no pode se manifestar e

    triunfar seno fora da sinagoga.

    ELIPHAS LEVI - Se a sntese verdadeiramente catlica, ou seja, universal, no

    exclui nem a

    14

    Igreja oficial nem a sinagoga; deve pelo contrrio, reuni-las e reconcili-las. As

    divises e subdivises religiosas tm sido os resultados do esprito de anlise

    necessrio a crtica; o esprito de sntese, pelo contrrio, tem como tendncia reunir

    tudo e coordenar tudo. Depois de haver criticado, o esprito humano julgar e o

    veredicto definitivo jogar ao cu simblico as suas nuvens; a humanidade

    formular seu dogma e dir: "aqueles que me alimentaram quando tinha fome,

    socorrido quando sofria, esses so os benditos de meu pai; e, aqueles que, pelo

    contrrio, oprimiram-me e tornaram-me miservel, so os malditos". ento que

    os "publicamos" e as meretrizes entraro antes dos fariseus

    no reino de Deus e que se apreciaro em seu justo valor os mritos dos vivos e os

    dos mortos; existir ento uma moral certa e invarivel e a poltica cessar de ser a

    cincia da mentira; os direitos sero provados e equilibrados pelos deveres, seja

    entre as naes, seja entre os homens. Isto deve ser; e em conseqncia, ser

    certamente.

    O DOUTOR - Gosto da tua forma, to engenhosa quanto heterodoxa, de explicar a

    parbola

    proftica do juzo final; porm, devo confessar, creio muito pouco que os homens

    cheguem a este

    acordo definitivo. Se tivesse de ser, seria j h muito tempo; as luzes no faltaram,

    nem as exortaes

    dos grandes homens; porm, as paixes rivais e o antagonismo dos interesses tem

    impedido, impedem ainda e impediro sempre aos homens porem-se de acordo.

    ELIPHAS LEVI - No pretendo que, quando a grande sntese religiosa e social tiver

    sido proclamada e reconhecida, os homens tornem-se perfeitos, nem sequer penso

    que todos se inclinem ante a evidncia desta grande luz; tem havido idlatras no

    mundo e mesmo entre os hebreus depois da revelao de Moiss; a Lei Crist foi

    promulgada h dezenove sculos e a caridade no reina ainda sobre a terra porque

    essa palavra divina que encanta os coraes no recebeu ainda explicao

    suficiente. pela solidariedade que a caridade se explica; pois bem, solidariedade e

    o socialismo, 1tima palavra do cristianismo; a propriedade de cada um para

    todos e de todos para cada um. Ento no se definir mais a propriedade como o

    direito de usar e de abusar e se abater frente a razo e a moral esta concepo

    monstruosa do direito e do abuso. Esta revoluo se cumprir, digo, porque j est

    realizada no mundo da inteligncia e do progresso que tambm o da cincia e da

    f. O DOUTOR - Tem fora e verdade o que dizes; porm talvez concedes demais

    f e no muito cincia; a cincia no aceita os milagres, que atribus ao

    magnetismo ou magia, no admite as tuas cincias ocultas. Os prodgios, para ela,

    no existem, nem supe que alguma coisa se faa fora das leis da natureza.

    ELIPHAS LEVI - Eu no o suponho tampouco, porm, no vejo que todas as leis da

  • natureza sejam conhecidas nem que to pouco aquelas que se conhecem, tenham

    sido estudadas ainda o suficiente, sobretudo em suas aplicaes particulares.

    Enquanto que fatos certos e incontestveis no tenham sido explicados, a cincia

    no ter dito a 1tima palavra. O DOUTOR - No h fatos certos e incontestveis

    seno os fatos cientficos.

    ELIPHAS LEVI - Quais so os que chamas de cientficos? O DOUTOR - Chamo de

    cientficos os fatos que se produzem e devem produzir-se em virtude de certas leis

    determinadas pela cincia.

    ELIPHAS LEVI - Ento, os fenmenos eltricos no eram fatos certos e

    incontestveis antes que a cincia houvesse reconhecido a existncia da

    eletricidade? O DOUTOR -No, sem dvida; porque eles no pertenciam ainda a

    cincia, que a nica que d a certeza. Necessrio era estud-los com prudncia;

    porm, no havia o direito de afirm-los positivamente.

    ELIPHAS LEVI - As cincias ocultas so uma religio e a religio no deve jamais

    confundir-se com a filosofia.

    O DOUTOR - Dizes ento que s um mstico e no tomas o ttulo de Doutor.

    ELIPHAS LEVI - um ttulo que tm-se-me dado s vezes; chama-me mstico se te

    parece bem;

    mesmo que esta qualidade dificilmente harmonize-se comigo; eu no o aceitei

    jamais e no o pretendo

    ainda; sou aquele que escreve sobre os mistrios da natureza; no me ofenderei;

    amo e estimo por demais a cincia para querer brigar com aqueles que a

    representam e a honram.

    OITAVO-DILOGO

    UM SACERDOTE e ELIPHAS LEVI

    O SACERDOTE - Venho a ti como um ex frade desviado e conjuro-te em nome de

    tua sade eterna a recolher-te em ti mesmo e a pensares nas promessas que

    fizeste Igreja. ELIPHAS LEVI - Essas promessas eram mtuas, padre; e, no fui

    eu quem retirou-se da Igreja; ela que retirou-se de mim sem ter outra coisa

    reprovar-me do que meu grande amor pela verdade e pela justia.

    O SACERDOTE - A verdade o que a Igreja ensina. A justia a obedincia a seus

    15 mandamentos.

    ELIPHAS LEVI - A Igreja no pode ensinar outra doutrina que a do Evangelho; no

    pode ordenar nada que seja contrrio moral: estou, pois, de acordo com ela.

    Abandonado por aqueles que deviam proteger-me e conduzir-me, voltei a vida laica

    sofrendo todas suas conseqncias; porm, de esprito e de corao fico ligado

    Igreja.

    O SACERDOTE - Podes dizer semelhante coisa quando todo o mundo sabe que s

    professor de Cabala e de Magia, coisas que horrorizam a Igreja? Quando ousas

    explicar filosoficamente os nossos santos mistrios e fazer do mesmo salvador do

    mundo uma espcie de personagem fictcio e mitolgico semelhante a Osris e a

    Khrishna!

    ELIPHAS LEVI - Permites a leitura de meus livros teus penitentes, padre?

    O SACERDOTE - No, por certo que no.

    ELIPHAS LEVI - No oferecem ento, perigo para eles; porm, podem desarmar os

    inimigos do Cristianismo mostrando-lhes a razo velada onde acreditavam ver a

    loucura. Amo a Igreja como se quer a uma velha me decrpita e cada no

    infantilismo; vejo-a debilitada pela idade e no temo que morra porque creio na

    transfigurao prxima. Ela acumulou ao seu redor toda a lenha seca dos antigos

    prejuzos e sobre esta fogueira vai consumindo-se como Hrcules ou como a fnix

    da fbula para renascer imortal; o prximo conclio ser uma palingenesia, uma

    orao fnebre e uma apoteose,o fim da Igreja Romana o comeo da catolicidade

    universal. O SACERDOTE - A Igreja ser o que ou no ser mais; porm, Deus

    prometeu-lhe a Eternidade.

    ELIPHAS LEVI - S Deus eterno; a letra mata e morre, e o esprito vivifica. A

    sinagoga no afirmava-se tambm imortal? O Templo de Jerusalm no deveria

    durar tanto como o Sol? A lei de Moiss no era perfeita e imutvel? Ah, padre,

  • quando os cegos se tornam condutores dos cegos, caem com eles no precipcio!

    Isto diz algum mais sbio do que eu. O SACERDOTE - Vs bem que, como os

    materialistas e os ateus, crs na destruio prxima e necessria da Igreja.

    ELIPHAS LEVI - No padre; creio em seu nascimento prximo, porque, at agora,

    ela perdeu a envoltura das instituies e dos prejuzos do velho mundo; sua

    concepo imaculada, mas os trabalhos de iluminao sero longos e penosos; h

    necessidade de luz, de razo, da cincia da natureza que e a mesma lei de Deus e

    para que tenha tudo isto deve desprender-se das tradies do farisasmo moderno

    e das trevas da falsa teologia; deve ser visitada pelo esprito da inteligncia, pelo

    esprito da cincia, pelo esprito do bom conselho que invocas em vossa liturgia;

    "veni creator spiritus"!

    O SACERDOTE - Este esprito no o dos praticantes da magia. ELIPHAS LEVI -

    dos magos que vieram do Oriente, guiados por uma estrela. No julgues, padre, o

    que no conheces e se queres criticar-me razoavelmente, 1; primeiro os meus

    livros. O SACERDOTE - No criticam-se autores como tu; queimam-se!

    ELIPHAS LEVI - Heis a o teu 1timo argumento; o dos inquisidores.

    O SACERDOTE - Falo s dos teus livros; quanto a ti, o inferno que te queimar.

    ELIPHAS LEVI -No notas que falando assim me maldizes? Pois bem, eu te bendigo,

    e, vendo-te atiar-me, por vossa cruel esperana, o fogo do inferno, penso em Joo

    Huss que, vendo uma pobre velha trazer lenha para sua fogueira, exclamou:

    "Sancta Simplicitas"! Qual de vocs mais cristo? O SACERDOTE - Dado que

    tomas o bem pelo mal e o mal pelo bem, deixo-te com vosso empacamento.

    ELIPHAS LEVI -E eu, como no pude iluminar-te, me vejo obrigado a deixar-te com

    tua cegueira.

    NONO DILOGO

    UM ESPRITA e ELIPHAS LEVI

    O ESPRITA - Li teus livros sobre a cincia dos espritos e de boa vontade chamaria-

    a, a ignorncia dos espritos. Negas sua interveno; em fenmenos cuja evidncia

    os confunde e sem embargo, admites, quase completamente, a doutrina que eles

    nos ensinam. ELIPHAS LEVI - Nego somente tudo o que no se pode admitir

    razoavelmente; atribuo, como tu, uma grande importncia aos fenmenos do im

    humano e da fotografia astral; reconheo que se pode determinar, observando-as,

    as grandes correntes da imaginao e do pensamento coletivo; elas iniciam-nos nos

    mistrios da transmisso simptica das idias. Como no creio na morte, creio que

    as idias sobrevivem ns e que as dos mortos podem misturar-se ainda a dos

    vivos; porm, no creio que os pretendidos mortos possam revelar-nos algo dos

    segredos da outra vida, porque a natureza para impedir que recaiam aqueles que

    ela eleva, fecha sob eles as portas que lhes faz transpor. Os que viveram entre ns,

    ainda vivem conosco, porm, s pelas recordaes que deixaram e que so ainda

    suas recordaes; no podem falar-nos mais do que a nossa linguagem e ns no

    16 compreenderamos a linguagem do cu. No creio to pouco que os imortais

    estejam em condies de falar-nos de outra forma que no seja pela comunicao

    ntima dos pensamentos, liberados da matria inerte e pensante, dirigem-se ao que

    de mais sutil e mais puro em ns; eles no tm necessidade de misturar-se aos

    vapores densos do antro de Trofonios nem aos vapores malsos das mulheres

    histricas ou desses homens propensos catalepsia que chamas de "mediuns". Se

    seres que tm a aparncia da inteligncia, se comunicaram conosco por tais meios,

    no poderiam se seno larvas impuras ou esboos espirituais muito inferiores

    humanidade. No falarei dos numerosos casos de alienao mental, determinados

    pelas prticas do espiritismo, que contestarias com razo;

    pois, as religies em geral e a catlica em particular, produziu-os, talvez, em maior

    nmero; porm farte-ei notar que tuas evocaes no so mais que um retorno aos

    antigos orculos do paganismo que,h j dezoito sculos, o gnio do cristianismo

    fez calar em todo o mundo. Pois bem, esta exumao do passado no poderia ter

    os caracteres do progresso no qual todos acreditamos; seria o mesmo que tratar de

    galvanizar as mmias - como no conto de Edgar A. Poe. O cristianismo, sendo a

    mais espiritualista de todas as religies, devia facilitar e tornar mais freqentes as

  • comunicaes dos espritos de ultratmulo com os vivos e o que tem feito pela

    comunho dos santos e a unidade das

    trs igrejas; a Igreja triunfante, a Igreja militante e a Igreja de sofrimento. Ento,

    cessaro os prestgios dos demnios, ou seja, dos espritos desconhecidos e

    equvocos que se manifestam por convulses e se comprazem, nos vapores.

    Quando a humanidade carece de religio, tem delrio, como um faminto sem po e

    isto porque, agora que a f est quase extinta no mundo, os fantasmas voltam a

    fazer-se escutar.

    O ESPRITA - Os espritos que qualificas de fantasmas predicam, como tu, a

    caridade, a religio universal e a salvao de todos os homens.

    ELIPHAS LEVI - So idias que esto no ar, se posso expressar-me assim; mas,

    predicam eles a organizao da caridade, formas irms de caridade que possam

    comparar-se as de So Vicente de Paula? Substituem a hierarquia catlica por uma

    hierarquia nova? So teus sonmbulos, santos, e teus mediuns apstolos? Tens

    sacramentos que do a graa efazem tocar e gostar de Deus? s visionrio como os

    Gnsticos, como os iluminados, como os convulsionrios que no provaram nada.

    Tomas fenmenos naturais por milagres; consultas orculos ocasionais e escutas

    nas vozes do eco sem ter em conta a tradio, a transmisso legtima dos poderes

    e a autoridade apostlica. O ESPRITA - Tudo isso pertence ao passado e tu mesmo

    no acreditas mais; sorris pensando nos inquisidores que condenaram Galileu e

    igualmente te horrorizam So Pio V e Torquemada.

    ELIPHAS LEVI - O mal que fez aquela gente estava longe de se assemelhar

    doutrina dos

    apstolos. Porque, pode suceder a um cirurgio inbil cortar a artria de um doente

    querendo sangrlo;

    haveria que condenar e proscrever a cirurgia? A religio dos padres da Igreja no

    a de Torquemada; e, o humilde So Francisco de Sales no teria condenado

    Galileu. Sim, certamente, creio na caridade universal; sim, aguardo a salvao de

    todos os homens, porque reverencio o dogma Universal e porque o Salvador do

    mundo deu seu sangue para todos os homens. Creio na verdade da f dos santos e

    no triunfo da pacincia dos mrtires, porque tantas virtudes no podem ter sido em

    vo, porque uma esperana to herica no pode ter sido enganosa; creio que os

    nossos filhos, quando fazem sua primeira comunho com toda a pureza de seu

    corao e com todo o fervor de sua inocncia, recebem realmente o que nenhuma

    outra religio saberia dar-lhes; ante os prodgios sempre renascentes da caridade,

    meu corao prosterna-se e adora. Sim, eu creio em Deus que faz correr as

    lgrimas de Santo Agostinho e as torrentes de eloqncia de So Joo Crisstomo e

    de Bossuet. Creio no Deus de So Vicente de Paula e de Phenelon; no Deus dos

    sacramentos eficazes da comunho dos Santos e da venervel hierarquia; creio, em

    uma palavra, no Deus da Igreja nica, santa, catlica e apostlica, apesar dos

    escndalos de Roma e o sangue que mancha ainda a espada de So Pedro, pregado

    com a cabea para baixo, sobre a cruz que no soube manter levantada; expiar a

    sua negao e seu arrebatamento sacrlego; porm, a doutrina do Salvador

    triunfar apesar dos sucessores de Caifs e dos imitadores de Judas. Eis aqui minha

    f e minha esperana.

    O ESPRITA - est a tua caridade! Parece-me que, para, um fiel filho do Papa,

    tratas a teu

    padre bastante mal; que tens bastante ojeriza a este pobre Veuillot e que te

    preocupas muito pouco do

    domnio, temporal da santa Igreja. Em tudo isto, ao meu parecer, tens razo,

    porm obedeces como ns, a uma inspirao independente e particular; acreditas

    em teu prprio esprito e estas mais exposto a extraviar-te do que ns, que temos

    f em comunicaes milagrosas do outro mundo. ELIPHAS LEVI - Creio em

    argumentos irrefutveis e tu acreditas em vises muito discutveis.

    O ESPRITA - Muito bem; se houvesse medida, teramos dois versos.

    ELIPHAS LEVI - Sim, do tipo daqueles que escrevem as tuas mesas falantes.

    O ESPRITA - Tens o direito de burlar-te delas?

  • ELIPHAS LEVI - Das mesas falantes? Um pouco, e creio, que no me acusars,

    espero, de faltar 17 por isto caridade, porque no reconheo os mveis como

    meus irmos. O ESPRITA - Te burlas das nossas mesas, ns nos burlaremos das

    tuas fbulas. ELIPHAS LEVI - Ah! Misericrdia! e que Allan Kardec venha em nossa

    ajuda; eis que te tornas mdium versificador.

    O ESPRITA - No, falemos seriamente; ousas tomar-nos por loucos e somos mais

    razoveis do que tu. Vou dar-te uma prova. Tu admites a hierarquia e por

    conseguinte, a autoridade da Igreja catlica romana, o que no te impede em crer

    diametralmente o contrrio do que ela ensina.

    ELIPHAS LEVI - A harmonia resulta da analogia dos contrrios. Toda luz que

    manifesta uma

    forma, deve necessariamente projetar uma sombra. Creio na sombra porque creio

    na luz. A liturgia catlica no aplica Igreja esta palavra da Esposa do Cntico;

    "Sentei-me a sombra da rvore que amava e saboreei seus frutos?"; no diz ela em

    seu ofcio: "Senhor, protege-nos com a sombra das tuas asas?". A nuvem que

    guiava os hebreus no era luminosa de um lado e tenebrosa do outro? E quando

    Deus deixou-se ver, ou seja, compreender por Moiss sob o smbolo da forma

    humana, no lhe disse: "Passarei em frente a ti e ento te cobrirs o rosto; depois,

    quando tenha passado, olhars e vers o que esta atrs de mim, ou seja, a minha

    sombra"? No compreendes esta cabea de luz e esta cabea de sombra que so o

    reflexo uma da outra, nos magnficos smbolos do Zohar e que explicam todos os

    mistrios da religio universal?

    O ESPRITA - Confesso que no te compreendo muito bem. ELIPHAS LEVI - Se

    compreendesses no serias mais um esprita, serias um, iniciado; portanto, em

    lugar de consultar mesas nas que no se podem encontrar outros espritos que o

    esprito da madeira; roga ao esprito da inteligncia para que te abra o

    entendimento e estuda a Cabala.

    DCIMO DILOGO

    UM INICIADO e ELIPHAS LEVI

    O INICIADO - Estudei a Cabala e no poderia compartilhar a lei catlica romana.

    ELIPHAS LEVI - Porque?

    O INICIADO - Porque as chaves de So Pedro deixaram de ser as da verdade.

    Porque a hierarquia dessa Igreja artificial e no real. Porque desptica e no

    fraternal; porque material e no espiritual. Porque os condutores dos cegos, so

    eles mesmos, cegos. Porque a f cega do rebanho justifica-se s pela f iluminada

    e pela cincia do pastor. Porque ela (a Igreja Romana) sacrifica descaradamente

    seus interesses espirituais aos interesses temporais. Porque abjura publicamente o

    esprito da caridade, autorizando, e ainda tolerando polemistas tais como Luis

    Veuillot e outros blasfemadores. Do qual concluo que este corpo eclesistico perdeu

    a eficcia da sua cincia e que est desprovido, ao mesmo tempo, da religio e da

    f. ELIPHAS LEVI -Renunciaremos cincia porque existem ignorantes? E haver

    que abandonar a religio porque certas pessoas entendem-na mal e mal a

    praticam? O INICIADO - O mundo est cansado dos absurdos dogmticos. ELIPHAS

    LEVI - So eles comparveis aos absurdos do materialismo? Porm eu falo a um

    iniciado que sabe que o ocultismo, ou seja, a absurdidade aparente, a prpria

    essncia de qualquer dogma. Aqueles da Tbua de Esmeralda so mais obscuros e

    mais absurdos em aparncia que os do smbolo dos apstolos. Os livros hermticos

    como o Apocalipse e as vises de Ezequiel parecem completamente inexplicveis e

    por isso que chegaram at ns. Se houvessem sido compreendidos, teriam

    causado revolues no mundo e se lhes haveria suprimido. Conheces a histria de

    So Paulo queimando os livros de magia de feso, de Omar incendiando a

    Biblioteca de Alexandria e do inquisidor lanando os livros e os autores ao fogo. O

    dogma o enigma da Esfinge. Aqueles que adivinham devem calar-se e ocultar aos

    invejosos que eles se tornaram reis e sacerdotes. Aqueles que no adivinham so

    devorados pelo monstro.

    O INICIADO - Ento tem-se que fazer como dipo necessrio obrigar ao monstro a

    precipitar-se no abismo.

  • ELIPHAS LEVI - E recomear a guerra de Tebas e o extermnio dos irmos inimigos.

    Tira a religio do mundo e os homens se desgarraro entre eles; os fortes

    esmagaro aos dbeis, os pobres mataro os ricos. No ouves, na medida em que

    a f se debilita, como ruge a guerra social na sombra? Creia-me, quando os crios

    dos altares se extinguirem, ver-se-o acender as tochas da conflagrao universal.

    O INICIADO - No acreditas, pois, na razo humana?

    ELIPHAS LEVI - A razo sem f no aconselha a abnegao e no admite o

    sacrifcio. O homem egosta pela razo, no grande e generoso seno pela

    crena.

    O INICIADO - Penso como tu. Crer na honra, crer no amor, crer na virtude, crer

    em Deus e

    desejaria expandir no mundo inteiro esta f saudvel. O tesmo, em nossa poca,

    basta para o mundo.

    18

    ELIPHAS LEVI - Isto seria bom dizer no tempo de Jean Jacques Rousseau; hoje

    faria rir de piedade os discpulos de Proudhon. No h meio lgico entre estes dois

    termos; atesmo ou religio revelada. Agora, tu sabes bem que existe uma

    revelao; tu, a quem se tem mostrado sobre qual pedra viva est colocada a

    cidadela de Tebas invisvel, tu que compreendes os smbolos da nova Jerusalm.

    O INICIADO - Sim, sei que existe uma revelao cujos fieis perseguiram sempre na

    Igreja Romana.

    ELIPHAS LEVI - Dizes os infiis, ou seja os indiscretos e os profanadores do

    simbolismo oculto.

    O INICIADO - Chamas infiis ou indiscretos a Vanini, a Giordano Bruno e

    Savanarola? Aos templrios castigados de morte e aos Franco-maons

    excomungados? Aprecias os horrveis suplcios suportados por Campanela? Amas as

    Dragonadas? No, em verdade, no tenho certeza. E, no

    tenhas vergonha em diz-lo e proclama-lo altamente. Serias excomungado talvez,

    porm tu te comportarias como homem de bem. Creia-me irmo; no te faas o

    desgraado advogado de uma causa perdida para sempre. Os que querem ficar

    fiis, como Cato de Itica, ao qual os deuses abandonam, pronto vm-se decididos

    a jogar-se sobre sua prpria espada e a desgarrar-se as entranhas. Desgraa para

    os homens que se obstinam em permanecer no templo quando os deuses se vo?

    Crs que o mundo, ou seja, o mundo inteligente e iluminado pela cincia, voltar

    jamais ao Deus, do inferno para as multides e do cu para um, pequeno nmero

    de privilegiados ignaros, ao Deus que proscreve a razo, a cincia e a liberdade?

    No sentes que o verdadeiro Deus deve estar de acordo com a natureza que a

    sua lei e com a humanidade que a sua filha? Era justo o Deus de Moiss quando

    favorecia a um s povo entregando as outras naes ao antema; e o Deus dos

    Cristos no condena ainda a maioria dos habitantes do universo? Que monstruosa

    inveno este inferno abrindo sua face imensa e devorando o rio quase inteiro das

    geraes sucessivas e isto pelo capricho de um Deus que se fez crucificar para

    redimir os homens! Basta, digo, basta dessas crenas barbaras... No reinaro

    mais sobre ns porque esto mortas para sempre. Desejas talvez, para cumprir no

    sei que sonho filial, sepult-las com honras; porm, toma cuidado! A terra

    movedia em torno da fossa que elas escavaram e tu poderias cair com elas.

    ELIPHAS LEVI - No temo a morte; porque a minha esperana est cheia de

    imortalidade e, enquanto Deus no me revelar um novo Dogma, ater-me-ei ao da

    Igreja, desprendendo-me das sombras das letras e invocando a luz do esprito.

    O INICIADO - Um novo Dogma! Porm podes ignorar que este dogma j existe, em

    todas as inteligncias cultivadas? Vs mesmo o tens formulado e eu poderia

    escrever seu smbolo com extratos de tuas obras. Cremos em Deus, princpio de

    todo o ser, de todo o bem e de toda justia inseparvel da natureza que sua lei e

    que se revela pela inteligncia e o amor. Cremos na humanidade, filha de Deus,

    cujos membros so solidrios uns aos outros, de maneira que todos devem

    contribuir salvao de todos. Cremos que para servir Deus, necessrio servir

    humanidade. Cremos na separao do mal e no triunfo do bem na vida eterna.

  • ELIPHAS LEVI - Amm! Este o puro esprito do Evangelho e no um dogma

    novo; o resumo de todos os dogmas. a sntese dogmtica da religio eterna,

    porm pretendo e poderia demonstrar, se fosse necessrio, que estes smbolo

    explica todos os outros sem destru-los e se tornar um dia o da catolicidade

    humanitria e universal.

    RESUMO GERAL

    Por definies e aforismos

    CAPTULO I

    A RELIGIO

    I

    O paraso da alma a razo satisfeita; seu inferno a loucura irritada.

    II

    O Deus da razo , ele prprio, a razo luminosa das coisas. O Deus da loucura a

    razo obscura dos sonhos.

    III

    Dizer que Deus se revela loucura para confundir a razo, como se dizer que o sol se

    revela noite para confundir a luz.

    IV

    Deus se revela por leis e em leis que no mudam jamais. Ele implacvel porque

    no se irrita jamais. No saberia perdoar porque jamais se vinga.

    V

    O mal no mais que o aborto do bem. Pode-se morrer pela conseqncia do

    aborto e se a mulher 19 o provocou por imprudncia, j est bastante castigada.

    VI

    O diabo a loucura atribuda a Deus. Deus, que parece afirmar-se mau mediante

    um plenipotencirio surgido do pesadelo da loucura humana.

    VII

    O milagre a loucura atribuda natureza. A natureza no poderia infringir a

    menor das suas leis sem cair toda ela na demncia.

    VIII

    Se um s gro de p pudesse se mover contrariamente s leis da atrao e da

    gravidade, a cadeia da harmonia universal se quebraria e nada do mundo

    subsistiria mais.

    IX

    A Bblia a filosofia dos antigos, escrita em enigmas e em parbolas maneira dos

    poetas orientais.

    X

    A Cabala a frmula cifrada da hiptese divina. Os mistrios so os teoremas da

    sua lgebra. simples como dois e dois so quatro, claro como as quatro regras da

    aritmtica e obscura para os ignorantes como a tbua de logaritmos ou o binrio de

    Newton.

    XI

    Deus o grande silncio do infinito. O mundo todo fala dele; e, para ele nada do

    que se fala representa to bem como seu silncio e sua calma eternas.

    XII

    A lei rigorosa; necessria; no pode no ser; no pode ser diferente do que ,

    dados os fenmenos do ser e da vida. Pois bem, o ser ; e, para dar-lhe uma causa

    intil imaginar outro ser. Porm h que reconhecer-lhe uma razo e esta razo

    o que chamamos Deus.

    XIII

    Todos os males da alma humana vm do temor e do desejo. As ameaas e as

    promessas so os grandes meios de corromper e de embrutecer os homens. O

    dogma que anuncia o privilgio e que ameaa com um castigo exorbitantemente

    monstruoso e sem fim s multides ignorantes, no nem divino, nem humano, nem

    razovel, nem civilizado.

    XIV

    Desde o reino de Constantino at os nossos dias, o Cristianismo oficial no foi

  • seno um ensaio cada vez mais desgraado para conciliar as luzes do Cristianismo

    com as trevas do antigo mundo.

    XVI

    O Evangelho no o dia, uma bela noite cheia de resplendores crepusculares;

    um cu cintilante de estrelas.

    XVII

    Deus o esprito, e aqueles que de hoje em diante o adoram devero faz-lo em

    esprito e em verdade. Eis uma estrela fixa que aproximando, torna-se um sol. "Pai,

    perdoa-os, pois no sabem o que fazem"; eis a a humanidade real que se mostra

    maior que a divindade fictcia. No tens seno um Mestre que Deus e sois todos

    irmos; isto um cometa que ameaa os sacerdotes e reis do velho mundo.

    Que aquele que esteja sem pecado, atire a esta mulher a primeira pedra; isto o

    fulgor crepuscular do sol da justia.

    Jesus no se apresenta a si mesmo como sendo o esprito da verdade; anuncia

    somente que este esprito vir.

    XVII

    O esprito da verdade explica tudo e no destrui nada. Explicar transformar. Na

    natureza tudo se transforma, nada se destrui; o mesmo acontece na religio.

    XVIII

    No den frutificavam duas rvores; a rvore da cincia e a rvore da vida; a rvore

    da cincia a razo e a rvore da vida o amor que produz a f. A razo sem a f

    a morte do corao. A f sem a razo a loucura criadora do inferno, o

    aniquilamento do esprito.

    XIX

    A rvore da vida que a da f, no tem mais do que uma raiz e um galho. Tem

    suas primaveras e seus invernos. Tem folhas e flores que caem. No digais que a

    rvore est morta quando se despoja; reverdecer na primavera. No intenteis

    cort-la porque suas flores esto murchas, esperai que d seus frutos.

    XX

    Foras das matemticas puras, tudo no verdadeiro seno proporcionalmente,

    relativamente e 20 progressivamente.

    XXI

    Discutir com os loucos insensato; contrari-los ou mofar-se deles inumano;

    somente necessrio impedir-lhes de fazer dano.

    XXII

    Irritar-se contra a desordem uma desordem; fazei a ordem e a desordem

    cessar.

    XXIII

    Proclamar altamente a razo em meio aos loucos fazer um ato de loucura. Ter

    razo contra todos estar errado ante a sociedade; eis aqui o que justifica a

    retratao de Galileu.

    CAPTULO II

    A MORAL

    I

    O real na natureza uma doena de crescimento. A dor o auxiliar da iluminao.

    II

    A pena no uma vingana, um remdio. A expiao no uma servido, um

    tratamento.

    III

    A pena do pecado a morte. Ela o remdio para as misrias humanas que so o

    pecado da natureza.

    IV

    A vida e eterna. A morte que em seu ideal a negao da vida, no pode ser, pois,

    seno aparente e transitria.

    V

    A morte passageira no seno um fenmeno da vida eterna anloga ao do sono

    ou ao acordar.

  • Uma boa noite e a conseqncia de um dia bem empregado.

    VI

    O fenmeno da morte realiza s os grandes problemas da terra: liberdade,

    igualdade, fraternidade e solidariedade.

    VII

    A morte a liquidao final das dvidas da solidariedade humana.

    VIII

    Porque a morte a pena mais forte e a sofrem todos sem a ter merecido

    igualmente, existe reversibilidade do mrito de uns sobre o demrito de outros.

    IX

    Quem paga as suas dvidas, se enriquece; quem paga a dos outros se enobrece.

    X

    Fazer o bem uma felicidade e uma honra, e Deus no deve aos justos mais

    recompensa que as que o Estado deve aos que fazem fortuna.

    XI

    Fazer o mal uma desgraa e uma vergonha, e a bondade suprema deve meios de

    reparao aos malvados, porque ela toda poderosa.

    XII

    Ningum tem o direito de castigar; somente a lei que castiga.

    XIII

    O diabo o bastardo do Deus vingador. O redentor o filho legtimo do Deus justo.

    XIV

    A moral essencial, absoluta, universal, natural; porm, no independente,

    porque depende da lei.

    XV

    Uma sociedade que, para se conservar, v-se obrigada a cortar um membro seu,

    uma sociedade gangrenada. Porm, a humanidade, que imortal no admite

    mutilaes.

    XVI

    Posto que Deus a vida do grande corpo da humanidade, se a maioria dos homens

    pudesse ser condenada, poder-se-ia dizer que Deus o inferno.

    XVII

    Se um s homem pudesse ser reprovado sem remdio e sem esperana, a

    redeno seria uma mentira e a criao uma monstruosa injustia.

    XVIII

    "Amai-vos uns aos outros" no queria dizer: "Excomungai-vos e condenai-vos uns

    aos outros".

    21

    XIX

    A catolicidade verdadeiramente universal a razo e a verdade. O catolicismo

    exclusivamente romano o absurdo e a mentira.

    XX

    Fazei aos outros, no o que quereis que vos faam; seno o que deveis querer que

    se vos faa; e no lhes faais o que seria injusto fazer-vos.

    XXI

    A humanidade dirigida pela justia e a justia temperada pela humanidade, eis aqui

    toda a moral.

    CAPTULO III

    A NATUREZA

    I

    A natureza inconsciente de si mesma. No evidentemente um maquinista, uma

    mquina maravilhosa, porm, cega.

    II

    como um balancim submetido ao movimento, que cunha medalhas admirveis

    quando a matria boa, que d rascunhos confusos e disformes quando a matria

    m .

    III

  • A matria obedece ao esprito com uma resistncia proporcional debilidade da ao.

    IV

    A fora da ao regular est na razo direta do desenvolvimento da vontade livre

    no motor inteligente.

    V

    O infinito cria infinita porm, progressivamente; de outra forma, o incriado criar-se-

    ia infinitamente a si mesmo; o que seria um absurdo.

    VI

    O progresso infinito a falta corrigindo-se eternamente.

    VII

    O infinito incriado e o finito infinitamente criado so como linhas paralelas que se

    avizinham eternamente sem poder nunca se juntar.

    VIII

    O infinito operando no finito o faz necessariamente de uma forma relativamente

    finita, ou seja, imperfeita; porm, sempre absolutamente perfeita nas relaes do

    finito com o infinito.

    XIX

    O fogo eterno onde so rejeitados os imperfeitos a vida coletiva e inferiormente

    progressiva.

    XX

    Quando o ser imperfeito afirma-se como finito, julga-se perfeito porque sente viver

    nele, o princpio eterno da perfeio progressiva.

    XXI

    Todo ser imperfeito morre por sua imperfeio, por que esta imperfeio atesta a

    necessidade imperiosa e fatal de uma perfeio maior.

    XXII

    Quando o ser imperfeito vai morrer por decrepitude, ou seja, por impotncia, a

    natureza rejeita tudo o que poderia conserv-lo na sua imperfeio atual. Isso

    certo para as religies, imprios, civilizaes e homens. Embalsamar e galvanizar

    cadveres render culto morte; os que crem na vida eterna no procuram

    imobilizar a morte, pelo contrrio, favorecem o movimento regenerador da vida.

    XXIII

    Quando o homem envelhece, perde seus dentes, seus olhos velam-se, seus ps e

    suas mos embotam-se. que a natureza lhe tira os meios de se conservar.

    Quando os poderes devem cair, os governantes so atacados de incapacidade e de

    demncia. Rejeitam os homens de talento e no escutam seno os maus conselhos.

    Lus XVI considerava somente como amigos aqueles que o empurravam sua

    perdio. Roma condenou a Lamennais e rejeita com todas as suas foras a

    eloquncia do bispo Dupanloup, a cincia e o valor do padre Gratry, etc. Porm,

    favorece, aprova e d alento a Luis Veuillot.

    XXIV

    A morte no aniquila seno o imperfeito; como um banho de fogo que separa da

    sua aleao o metal puro.

    por isso que o Salvador do Mundo d o nome de fogo eterno aqueles limbos da

    vida, onde a 22 imperfeio necessita sempre da morte.

    XXV

    O finito desprende-se do infinito como por ampurao. Os limites do finito so como

    uma ferida que a natureza se apressa a cicatrizar. Assim, forma-se as escamas que

    so a substncia material dos mundos.

    Formam-se tambm escamas sobre as crenas finitas. So os dogmas

    materializados e as supersties que querem imobilizar-se.

    XXVI

    Desde h cento e cinqenta mil anos ou mais, que se sucedem raas humanas

    sobre a terra.

    Essas raas diferiram essencialmente umas das outras e pereceram pelas suas

    imperfeies.

    XXVII

  • Estas raas no puderam ter mais que uma responsabilidade relativa a seu

    desenvolvimento. Quando a natureza faz pobres, encarrega-se de pagar por eles.

    por isso que se diz que Deus devia sofrer a morte para expiar as faltas dos

    homens; maneira de falar paradoxal que revela uma intuio ousada dos segredos

    da justia eterna.

    XXVIII

    A raa atual perecer como as outras e d sinais de decrepitude. Os homens que

    viro depois de ns sero superiores, como ns somos superiores ao orangotango e

    ao gorila.

    XIX

    Estes sero responsveis porque sero livres e Deus j no ter necessidade de

    morrer.

    XXX

    A natureza lenta em operar as transformaes que substituem as velhas raas

    pelas novas. Os povos nascem, crescem e envelhecem. A decadncia de Roma se

    assemelha nossa, porm a raa humana no mudou. A maioria dos homens

    carece de lgica e de justia. E, entretanto, ainda queremos o governo das

    maiorias.

    XXXI

    A natureza aristocrtica e monrquica. Os universos no tem mais que um sol, o

    homem no tem mais que uma cabea e o leo sempre o rei do deserto.

    XXXII

    A verdade, a razo, a justia, a lei, so rigorosamente da inteligncia do homem.

    Basta, para isso,

    conhecer-lhe e ningum subtrai-se impunemente a sua autoridade. Onde no

    reinam nem a verdade,

    nem a razo, nem a justia, nem a lei; a fora fatal que decide; porm, sempre

    seguindo a lei de um

    equilbrio providencial.

    XXXIII

    As foras fatais da natureza podem tornar-se auxiliares das raas humanas.

    XXXIV

    O homem no pode nada quando est s. As grandes foras inteiras, devem ser

    monrquicas, ou seja, dominadas por um homem de gnio, uma cabea sem

    corpo. Uma multido no dirigida por uma autoridade infalvel e nica, um corpo

    sem cabea.

    XXXV

    a confiana dos discpulos que faz a autoridade do Mestre. Se um discpulo duvida

    da infalibilidade do Mestre no deve ir mais a escola. a confiana cega dos

    soldados que faz a fora do general. Um soldado que cr que seu general erra, est

    na vspera de desertar. Os soldados obedientes so a fora dos exrcitos; os

    soldados razoadores e refratrios so a sua debilidade.

    Para ser Mestre h que saber fazer-se obedecer. E, para isto, h que magnetizar as

    multides.

    CAPTULO IV

    O MAGNETISMO

    I

    O magnetismo, no homem, irradiao e atrao fsicas, determinadas numa

    direo pela fora moral.

    II

    Todos os seres irradiam uns aos outros e atraem-se e repelem-se entre si, com

    uma fora que pode ser aumentada, diminuda e dirigida pela cincia.

    III

    O magnetismo universal no foi ainda examinado pela cincia alm de suas

    manifestaes astrais e metlicas.

    IV

    23

  • Por meio da cincia, compem-se ims metlicos artificiais mais fortes que os

    naturais.

    V

    Poder-se-ia chegar ao mesmo resultado para todas as especialidades de ims.

    VI

    Aumenta-se o magnetismo humano natural, atravs do regime e do exerccio;

    podem-se fazer ims humanos artificiais compondo grupos e crculos equilibrados.

    VII

    Magnetizam-se os pares com a direita e os impares com a esquerda.

    VIII

    Os semelhantes repelem-se e os opostos atraem-se.

    IX

    Os ims observados pela cincia tm dois plos e um centro. O im humano

    representado pelo pentagrama tem tantos plos como centros. Os dois plos da

    cabea so os dos ps; os dois plos da mo direita so a mo esquerda e o p

    esquerdo; os dois plos da mo esquerda so a mo direita e o p direito; os dois

    plos do p direito so a cabea e a mo esquerda; os dois plos do p esquerdo

    so a cabea e a mo direita.

    X

    O im humano duplo em cada sujeito: masculino, ou seja, irradiando direita; e

    feminino, ou seja, absorvendo esquerda, com matizes e irregularidades causadas

    pela diferena dos hbitos e caracteres.

    XI

    Os sujeitos nos quais predominam o magnetismo irradiante so magnetizadores.

    Aqueles nos quais abunda o magnetismo absorvente so sujeitos magnticos.

    XII

    Os magnetizadores, quando no se sabe resistir-lhes, podem ser fascinadores; e os

    sujeitos magnticos, quando no se lhes domina, transformam-se facilmente em

    vampiros entre os vivos.

    XIII

    As mulheres irradiantes so as inspiradoras ou os flagelos dos homens dbeis e as

    mulheres absorventes so as Dalilas dos homens fortes.

    XIV

    Um homem e uma mulher superiores no se harmonizaro nunca juntos. Victor

    Hugo e George Sand fariam um mal casal e de um ensaio de aproximao entre

    Benjamin Constant e Mme. de Stael nasceu a triste e