18 - Fundaçoes e Novo Código Civil - Cibele

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    1/24

    As Fundaes e o Novo Cdigo Civil

    Cibele Cristina Freitas de ResendePromotora de Justia

    Atravs de questionamento trazido individualmente ao crivo deste Centro de Apoio

    Operacional das Promotorias da Cidadania, com atribuies em matria fundacional,

    apresenta-se extremamente oportuno fazer algumas reflexes sobre o atualssimo tema

    das finalidades para as quais uma fundao pode ser instituda, sobretudo frente s

    inovaes trazidas pelo novo Cdigo Civil, sob o prisma das particularidades que essas

    pessoas jurdicas de direito privado apresentam.

    Aproveitando a abordagem do caso concreto no identificado propositalmente1

    nota-se da leitura dos dispositivos destacados do projeto de estatuto submetido

    aprovao do Ministrio Pblico, que, a par do ponto central da reforma estatutria

    pretendida no captulo das finalidades, justificada pela entrada em vigor do novo

    Cdigo, identifica-se outro tema, de igual ou at superior importncia no contexto atual,

    representado pela insero na proposta de alterao estatutria da expressa

    possibilidade de que a entidade fundacional se utilize de seu patrimnio nodesenvolvimento de atividades econmicas, ora como meio de atingir suas finalidades

    assistenciais, ora sendo estas atividades econmicas coincidentes com as mesmas

    finalidades (econmicas).

    No caso em espcie, trata-se de verificar a possibilidade, frente ao aparato legal, de se

    instituir uma fundao com as finalidades a seguir transcritas:

    Artigo 2 . A Fundao CANAL LARANJA2tem por finalidade especfica:

    prestar assistncia genrica, com os objetivos em frente

    delineados.

    Pargrafo primeiro - na forma prevista no Pargrafo nico, do artigo 62 da

    Lei 10406/2002, respeitando as suas finalidades primitivas, conforme

    1Em ateno ao princpio do Promotor Natural.2

    Nome fictcio.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    2/24

    preceitua o inciso II do artigo 67, da mesma Lei, a FUNDAO CANAL

    LARANJA concentrar suas atividades em finalidades de Assistncia

    Social, mais precisamente as aes conforme descritos no artigo 203

    incisos I a V, da Constituio Federal do Brasil de 1988.

    Pargrafo segundo Para atingir os seus objetivos, a FUNDAO CANAL

    LARANJApoder colocar o seu Patrimnio a trabalhar em atividades

    econmicas, conforme lhe assegura o artigo 170, pargrafo nico, da

    Constituio Federal de 1988, sendo os seus resultados canalizados para

    suas finalidades de Assistncia Social, podendo concomitantemente as

    atividades econmicas serem coincidentes com as mesmasfinalidades. (GRIFOS MEUS)

    Pois bem, a par das diversas imprecises de natureza formal apresentadas nas

    disposies citadas que sero abordadas em parecer dirigido situao

    particularizada , podemos destacar, nesta anlise, trs aspectos de interesse geral

    para o estudo da matria fundacional, que passaro a ser objeto de reflexo na

    seguinte ordem: 1) a aplicao do pargrafo nico do artigo 62 do Cdigo Civil; 2) o

    exerccio de atividade econmica por fundaes visto sob a tica das modificaestrazidas pelo novo Cdigo Civil s pessoas jurdicas de direito privado; 3) a previso de

    adequao das entidades fundacionais j existentes disciplina do novo Cdigo Civil

    (artigos 2.031 a 2.033).

    I. A APLICAO DO PARGRAFO NICO DO ARTIGO 62DO NOVO CDIGO CIVILInicialmente preciso registrar as premissas normativas que sero objeto de

    interpretao neste trabalho:

    Estabelecia o artigo 24 do Cdigo Civil de 1916:

    Para criar uma fundao, far-lhe- o seu instituidor, por escritura pblica ou

    testamento, dotao especial de bens livres, especificando o fim a que destina e

    declarando, se quiser, a maneira de administr-lo.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    3/24

    Atravs da disposio correspondente, no artigo 62 do novo Cdigo Civil (Lei n 10.406

    de 10.01.2002), o legislador prev, adotando redao semelhante, que:

    Para criar uma fundao, o seu instituidor far, por escritura pblica ou testamento,dotao especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, sequiser, a maneira de administr-la.

    Todavia, acrescenta a essa disposio um pargrafo nico, no qual delimita os fins para

    os quais podero ser institudas as pessoas jurdicas fundacionais:

    A fundao somente poder constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou deassistncia.

    Sobre a inovao mencionada, importa observar, desde logo, que tramita no Congresso

    Nacional um projeto de lei do prprio Deputado Ricardo Fiza, propondo a supressodeste pargrafo nico, justificada pela inconvenincia da limitao dos fins das

    entidades fundacionais (PL n 7.160, de 27.08.02).34

    No sem razo que esta disposio tem sido objeto de ateno, e porque no dizer

    de preocupao dos diversos agentes envolvidos na identificao da posio jurdica

    e do papel social das fundaes privadas, dadas as limitaes que a sua incidncia

    concreta poder ensejar quando da criao de novas entidades fundacionais.

    Dentre as opinies j editadas sobre a matria, ressaltamos o abalizado posicionamento

    de Jos Eduardo Sabo Paes, em sua obra Fundaes e Entidades de Interesse Social5,

    o qual adverte que: A limitao da fundao totalmente contrria ao interesse pblico

    e inconveniente ao interesse da sociedade.

    Este entendimento coincide, na ntegra, com aquele defendido pela Associao

    Nacional dos Procuradores e Promotores de Justia de Fundaes e Entidades de

    Interesse Social PROFIS6

    , cujos membros, na recente reunio ordinria ocorrida em28 de abril de 2003, em Braslia, por ocasio do IV Simpsio Ministrio Pblico e o

    Terceiro Setor em Convergncia com o Interesse Social, ratificaram o entendimento j

    3O Projeto de lei, segundo consulta via Internet, encontra-se na Comisso de Constituio e Justia

    5Braslia Jurdica, 4 edio, p. 259.6

    Da qual esta autora recm-associada.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    4/24

    anteriormente manifestado, contrrio referida restrio, diante da notcia da

    resistncia, por parte de alguns parlamentares, acerca do projeto que prope a

    supresso desta norma, ao argumento de que a limitao imposta evitaria o

    desvirtuamento das finalidades para as quais foram previstas ditas entidades em sua

    origem, e o mau uso que vem sendo feito das receitas auferidas com a renncia e os

    incentivos fiscais para fomentar-lhes as atividades de cunho social.

    preciso deixar assente, entretanto, que ao mesmo tempo em que encampado o

    posicionamento de que a limitao das finalidades fundacionais no atende ao interesse

    da sociedade, assume-se, em contrapartida, o crescimento da responsabilidade do

    velamento pelo Ministrio Pblico, no intuito de impedir que algumas entidades, sob omanto do formato fundacional, atuem como verdadeiras bancas de negcios,

    privilegiando e enriquecendo ilicitamente alguns apaziguados, utilizando-se da via da

    concorrncia comercial desigual e desleal, propiciada pelo tratamento tributrio

    diferenciado das fundaes (imunidades e isenes a entidades de interesse pblico),

    ou atravs da burla hoje bastante comum da legislao trabalhista

    (voluntariado), previdenciria (pilantropia) e administrativa, sobretudo na

    contratao com o Poder Pblico (fraude lei de licitaes e exigncia de concursos).Oportuno consignar a respeito, que este Centro de Apoio Operacional das Promotorias

    da Cidadania-Ncleo das Fundaes, vem expandindo a sua atuao neste campo de

    grande interesse social, anotando que, no Paran, na maioria dos casos, o exerccio da

    funo de velamento vem sendo realizado h vrios anos mediante a verificao in

    loco, por auditores do Ministrio Pblico, da documentao referente s contas

    apresentadas. Alm disso, encontra-se em fase de progressiva implantao, o controle

    finalstico de aplicao de recursos dessas entidades, medidas essas que tm permitidoaos Promotores de Justia a adoo de medidas tendentes a coibir abusos e

    ilegalidades, no obstante as dificuldades prticas que envolvam esta rdua tarefa.

    Isto posto, e voltando ao enfrentamento da temtica proposta da interpretao da

    regra do pargrafo nico do artigo 62, hoje em vigor, para abrir o debate da questo,

    iniciamos com o registro do entendimento do ilustre Procurador de Justia, Coordenador

    do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Tutela de Fundaes de Minas

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    5/24

    Gerais, doutor Tomz de Aquino Resende7, apresentada em atualssimo artigo sobre a

    matria, no qual pontifica:

    Ao acrescentar o pargrafo nico ao artigo 62 do Cdigo Civil, buscou o legislador,pensamos, tornar mais claro ainda que no direito ptrio, como tradio secular,

    no se admite a figura de pessoa patrimonial a administrar interesses

    exclusivamente privados, como acontece em outros pases, onde so criadas

    fundaes para administrar fortunas em favor de alguns poucos herdeiros.

    Como j tivemos oportunidade de asseverar em outros trabalhos, este desejo da

    sociedade, expressado atravs dos legisladores, em no admitir o nascimento de

    fundao para administrar interesses particulares, vem muito claro no artigo 11 do

    Decreto-Lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introduo ao Cdigo

    Civil) que nos leva, a sim, numa interpretao literal, concluso irrefutvel de

    que, obrigatoriamente, s podero existir sociedades sem fins lucrativos (hoje

    associaes) e fundaes, se objetivarem as mesmas, em seus especificados fins, a

    questes de interesse coletivo, como se v:

    As organizaes destinadas a fins de interesse coletivo, como as

    sociedades e as fundaes....

    Assim, alm de desnecessria, a inovao posta atravs do pargrafo nico acima

    mencionado, com o claro intuito de repetir a restrio j existente, de uma

    redao deveras confusa e imprpria, vez que se no ambguos, os termos nela

    contidos demandariam complementao, vez que totalmente desnecessrios e

    indevidos, tanto que proposta do Deputado Ricardo Fiza sugere a supresso total

    do mencionado pargrafo8.

    O ilustre Procurador de Justia discorre, ainda, em seu artigo, sobre interpretao das

    finalidades elencadas na precitada disposio, tais como: os fins religiosos e os finsculturais, que, a seu ver, prescindem de maiores comentrios; os fins morais,

    lembrando que j no so permitidas entidades imorais em nosso ordenamento ou que

    7 Texto integral do artigo disponibilizado, na ntegra, em nosso site: (www.mp.pr.gov.br/cidadania/fundaes

    8 Proposta Ricardo Fiza Art. 62: Prope-se a supresso do pargrafo nico. Em vista da forma de sua constituio e

    das limitaes e rigorosa fiscalizao a que esto sujeitas as fundaes, no parece conveniente a limitao a seus

    fins.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    6/24

    tenham objeto ilcito; e os fins de assistncia, que representam, na verdade, a

    inteno do legislador em deixar claro que as entidades semfins lucrativos continuam

    obrigadas a prestar assistncia s questes de interesse coletivo, para, ao final de sua

    exposio, concluir:

    Portanto, ainda que desconsiderando o trocadilho, embora o mesmo tenha mais

    sentido do que o dispositivo legal em comento, no sendo imorais (entendam-se

    por ilcitos) os fins, nem tendo como objetivo a administrao de interesses

    particulares, dessume-se da legislao brasileira a possibilidade de instituio de

    fundao para qualquer das inmeras finalidades demandadas pelo interesse

    coletivo, como at ento vem se fazendo. Ou seja, nenhuma contribuio houve,

    com o acrscimo de pargrafo ao artigo 62 do Cdigo Civil, o qual dever ser

    excludo da lei, ou, mesmo se mantido, no gera qualquer efeito de ordem prtica

    com relao ao j estabelecido para a instituio de fundaes em nosso Pas.

    Com todo o respeito aos valorosos fins defendidos pela viso transcrita, impe-se

    reconhecer que diante do absoluto silncio que pairava na legislao anterior, a simples

    insero desta norma, citando expressamente os fins para os quais pode uma fundao

    ser instituda, leva, objetivamente, ao reconhecimento do seu carter restritivo, ainda

    que a sua redao possa ensejar a pesquisa do significado e do alcance da terminologia

    utilizada.

    Nesse contexto, no vemos outro caminho seno a de procurar identificar, sob a

    perspectiva legal, quais seriam essas finalidades morais,religiosas,culturaise de

    assistncia, que possam traduzir o alcance social para os quais essas entidades de

    interesse coletivo, sem fins econmicos ou lucrativos, podem ser institudas, valendo

    destacar, nesta tarefa, o seu aspecto mais polmico, qual seja, as ditas finalidades de

    assistncia.

    Como norte desta empreitada, lembramos, primeiramente, o que disps o constituinte

    originrio para a concretizao das polticas pblicas decorrentes dos princpios

    fundamentais da dignidade humana, da cidadania, da justia social, dentre outros,

    estabelecendo no artigo 6 da Constituio Federal, os Direitos Sociais:

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    7/24

    So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a

    segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a

    assistncia aos desamparados, na forma dessa Constituio.

    Expressam ainda as polticas pblicas voltadas ao apoiamento dos direitos sociais, entre

    outras, o disposto no artigo 203 da Constituio Federal, o qual indica como objetivos

    da assistncia social, regulamentados pela LOAS Lei Orgnica de Assistncia Social

    (Lei n 8.742/93):a proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e

    velhice; o amparo a crianas e adolescentes carentes; promoo da integrao ao

    mercado de trabalho; habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia

    e a promoo de sua integrao vida comunitria.

    Outrossim, o Decreto n 2.536/98, que dispe sobre a concesso do CEBA -Certificado

    de Entidade Beneficente de Assistncia Social (antigo certificado de filantropia),

    considera como entidade beneficente de assistncia social, sem fins lucrativos, alm das

    entidades que atuem nas reas acima, aquelas que promovam, gratuitamente,

    assistncia educacional ou de sade.

    Ao lado dessas fontes primrias de interpretao, extradas do direito positivo, mas no

    fora da sua abrangncia, retornaremos ento ao estudo apresentado pelo Procurador deJustia mineiro, Toms Aquino Resende9, acerca da interpretao do novel regramento:

    (...) Quanto afins de assistnciamelhor sorte no merece, vez que alm

    dos argumentos acima alinhavados, aqui tambm plenamente cabveis, devemos

    entender que a inteno do legislador foi a de deixar ainda mais claro que as

    entidades sem fins lucrativos continuam obrigadas a prestar assistncia s

    questes de interesse coletivo.

    Se, como dizem alguns, os fins fossem os de prestar servio gratuito ao

    atendimento das necessidades de pessoas desprovidas de recurso, imprescindvel

    seria o acrscimo da expresso social. Assim, se no se trata de assistncia social,

    o foco do legislador ao mandar acrescentar o termo lei, evidentemente foi o de

    estabelecer que s se admitem fundaes com o fim de, nos mais diversos campos

    9

    Transcrio do texto da citado anteriormente.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    8/24

    do interesse coletivo, colaborar, apoiar, proteger e amparar, pois esta a

    interpretao lxica da expresso assistncia, considerando, inclusive, o contexto

    onde a mesma est inserida.

    E, colaborar, apoiar, proteger, amparar, enfim, prestar assistncia (muito diferente

    da assistncia social, repita-se com nfase) pode ser realizado em qualquer das

    reas de interesse coletivo: Meio ambiente, pesquisa, esportes, sade, educao,

    etc.,etc.

    De forma plenamente compatvel com esta linha de raciocnio, registramos, ainda, o

    ponto de vista de Maria Helena Diniz10, a qual, se reportando s concluses do Centro

    de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal11, refere-se s fundaes privadas

    e suas finalidades da seguinte forma:

    , portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei a capacidade jurdica

    para realizar as finalidades pretendidas pelo seu instituidor, em ateno aos seus

    estatutos, desde que religiosos, morais, culturais ou assistenciais (CC, art. 62,

    pargrafo nico). No tem fins econmicos, nem fteis. Logo, a constituio de

    fundao para fins cientficos, educacionais ou de promoo do meio ambiente

    est compreendida no Cdigo Civil, art. 62, pargrafo nico (Enunciado n 8 do

    Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal), por ser meramente

    enunciativa e por indicar a excluso de fins lucrativos. E, alm disso, cultura em

    sentido amplo pode abranger a educao, inclusive a ambiental, a pesquisa

    cientfica, a preservao do patrimnio cultural, a valorizao e a difuso de

    manifestaes culturais, o desenvolvimento intelectual etc. O art. 62, pargrafo

    nico, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundaes de fins

    lucrativos.

    Alm dos argumentos visitados, outro aspecto que enseja a mxima ateno doaplicador da lei, o contexto e a oportunidade em que a previso surgiu, justamente,

    quando tambm ocorreram mudanas afetas s demais pessoas jurdicas de direito

    privado interno.

    10Curso de Direito Civil, Teoria geral do Direito Civil, 1 Volume, Editora Saraiva, 20 edio, p. 211.

    11

    Enunciado n 9 do Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    9/24

    Significativamente, no Cdigo Civil atual, as sociedades civis sem fins lucrativos

    desaparecem, subsistindo apenas como sociedades civis as quepossuem fins lucrativos,

    simples ou empresrias.

    Atualmente, sem fins lucrativos sero apenas as associaes e as fundaes.

    Sob este prisma encontra-se realada a idia de que as fundaes, tal como as

    associaes, no se coadunam com objetivos econmicos ou lucrativos, razo pela qual

    as finalidades para as quais podem ser institudas devero atender, puramente, a

    objetivos de interesse coletivo. Nesses moldes, mostra-se justificvel a limitao

    pensada pelo legislador, quanto s finalidades religiosas, morais, culturais e de

    assistncia.

    Assim sendo, e levando em conta as idias acima expostas, relacionamos as seguintes

    concluses:

    1. O legislador inseriu uma norma de carter restritivo s finalidades para as

    quais podem ser constitudas as fundaes, cuja forma de exposio permite, e

    reclama, o exerccio de interpretao, sobretudo teleolgica, sobre o contedo da

    disposio comentada;

    2.A restrio surgiu simultaneamente s modificaes introduzidas quanto s

    demais pessoas jurdicas de direito privado, significativamente, quando

    desaparece a figura das sociedades sem fins lucrativos, as quais, ao lado das

    fundaes e das associaes, compreendiam as entidades de interesse social,

    reforando a noo de fundaes como organizaes destinadas a fins

    coletivos; a impossibilidade de sua utilizao para fins econmicos ou

    lucrativos; a vedao para a administrao de interesses particulares.

    3. Segundo as fontes positivas de interpretao, os fins assistenciais

    compreendem: a assistncia educao, sade, ao trabalho, moradia, ao

    lazer, segurana, previdncia social, proteo maternidade, infncia e

    adolescncia; a assistncia aos desamparados, promoo da integrao ao

    mercado de trabalho; habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de

    deficincia e a promoo de sua integrao vida comunitria.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    10/24

    4. Como fins culturais, alm do apoio, valorizao e a difuso de manifestaes

    culturais, propriamente ditas, podem inserir-se a educao ambiental para a

    preservao do meio ambiente.

    5.A viabilidade, sob a tica da essncia do instituto fundacional, da interpretao

    extensiva da norma, admitindo-se como fins de assistncia: a colaborao, o

    apoio, o amparo, a prestao de assistncia direta a questes coletivas em

    qualquer das reas de interesse coletivo: como o meio ambiente, a pesquisa

    cientfica, a preservao do patrimnio cultural, a valorizao e a difuso de

    manifestaes culturais, o desenvolvimento intelectual, os esportes, etc., desde

    quem sem fins econmicos.

    6. O reconhecimento de que, mesmo antes da mudana em questo, j havia para

    o Ministrio Pblico, ao aprovar os estatutos de uma fundao, a obrigao de

    verificar se esta, a despeito das expresses formais que utiliza no texto

    estatutrio, se coaduna com a noo de entidade de interesse social, sem fins

    econmicos ou lucrativos.

    Em arremate, frisamos que, dentro dos parmetros legais e doutrinrios expostos, e sob

    o prisma de que uma fundao nasce sempre para beneficiar uma coletividade, por

    meio da dotao de bens livres destinados a uma finalidade eminentemente social,

    dever o intrprete perquirir12, em cada caso concreto, a possibilidade jurdica da

    instituio de determinada fundao, independentemente de conter em seu estatuto

    expresses formais pinadas do texto legislativo atual.

    12

    Como j lhe cabia fazer, de forma at mais ampla, sem os parmetros dados pela legislao atual.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    11/24

    II. A PREVISO DE FINALIDADES ECONMICAS E OEXERCCIO DE ATIVIDADE ECONMICA POR FUNDAES

    VISTO SOB A TICA DAS MODIFICAES TRAZIDAS PELONOVO CDIGO CIVIL S PESSOAS JURDICAS DEDIREITO PRIVADONo chega a ser incomum surgirem interessados em defender a possibilidade de se

    instituir fundaes com fins econmicos, sob a justificativa de que o resultado desta

    seria inteiramente aplicado em finalidades de carter social, invocando, em regra, dois

    argumentos principais: a ausncia de vedao legal expressa e o princpio geral de

    atividade econmica insculpido no artigo 170, pargrafo nico, da Constituio Federal,o qual estabelece: assegurado a todos o livre exerccio de qualquer atividade

    econmica, independentemente de autorizao de rgos pblicos salvo nos casos

    previstos em lei.

    Iniciando o exame desta questo, preciso deixar claro, desde logo, que combatemos

    intransponivelmente tal entendimento, seno por sucumbir a uma anlise mais

    profunda, luz das mesmas fontes jurdicas invocadas para lhe dar sustentao, mas

    sobretudo porque, na prtica, tem dado concretude a pssimos exemplos de fraudes ordem jurdica (econmica, tributria, trabalhista, previdenciria,administrativa,etc.),

    viabilizando importaes com iseno fraudulenta de impostos para o uso dos

    equipamentos em fins comerciais comuns; contratao mascarada de trabalhadores

    como voluntrios ou estagirios em detrimento da abertura de vagas de trabalho

    regular e registro em carteira; desvio de receitas pblicas e emprego de verbas de

    cunho social, obtidas com os incentivos fiscais e parafiscais usadas para o pagamento

    de despesas particulares de diretores e seus familiares; concorrncia desleal frente aocomrcio formal, etc, etc, etc....

    Todas essas atividades acima mencionadas verificadas por esta Promotoria de Justia

    em casos prticos tm gerado nenhum ou insignificante retorno social frente aos

    benefcios obtidos com as renncias e incentivos fiscais concedidos a essas entidades,

    razo pela qual vm as mesmas sendo alvo de inquritos civis e aes de interveno e

    extino de fundaes, no raro quando o mal j se encontra irremediavelmente

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    12/24

    consumado, perdendo-se preciosos recursos que deveriam ser aplicados pelo governo

    na carente realidade social brasileira.

    Mas, afinal, o que so fundaes?A resposta a essa singela questo, que pode nosparecer, a princpio, bvia, assume grande importncia para a soluo da temtica

    proposta, conforme restar evidenciado.

    O artigo 62 do Cdigo Civil no oferece um conceito direto, mas a delineia da

    seguinte forma:Para criar uma fundao, o seu instituidor far, por escritura pblica ou

    testamento, dotao especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e

    declarando, se quiser, a maneira de administr-la.

    Segundo Pontes de Miranda, fundao uma universalidade de bens personalizada

    em ateno ao fim que lhe d unidade.

    Para Clvis Bevilaqa: uma universalidade de bens personalizada, em ateno ao

    fim, que lhe d unidade ou um patrimnio transfigurado pela idia, que o pe ao servio

    de um fim determinado.

    Ao lado das clssicas definies, Carvalho de Mendona, tambm:

    o patrimnio que compe a fundao pertence sociedade ou a uma parcela

    desta, pois quando a pessoa jurdica fundacional (patrimnio destinado a um fim

    social) adquire personalidade (no momento em que ocorrer o registro no cartrio

    de registro civil das pessoas jurdicas) aqueles bens que passaram a constituir a

    fundao se desvincularam totalmente do instituidor surge uma pessoa nova,

    um novo sujeito de direitos e obrigaes, o qual no detm, por si, capacidade

    para exercitar direitos ou cumprir tais obrigaes, de vez que o prprio patrimnio

    tambm a pessoa (no pertencendo ao instituidor, ou aos membros de sua

    administrao, nem ao Estado, tampouco ao seus usurios), necessitando, assim,

    de uma assistncia diferenciada por parte do Estado, uma vez que pblico

    objetivo e indeterminado o dono do patrimnio.13

    13Contractos no Direito Civil Brasileiro, Tomo II, 1938, 2 ed., P. 218.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    13/24

    Maria Helena Diniz14, modernamente, conceitua fundaes particulares como

    universalidades de bens, personalizadas pela ordem jurdica, em considerao a um fim

    estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutvel e seus rgos servientes, pois

    todas as resolues esto delimitadas pelo instituidor.

    Jos Eduardo Sabo Paes15 anota que as fundaes, historicamente, procuram

    beneficiar a coletividade por meio de finalidades eminentemente sociais. A

    vontade dos instituidores dever sempre estar ligada a um interesse geral, uma vez

    que os destinatrios dos benefcios que uma fundao pode prestar so, de uma

    maneira geral, a prpria sociedade ou comunidadeem que ela se inserir.

    Assim, podemos concluir, com Toms Aquino Resende16, que uma fundao umpatrimnio que se transforma em pessoa jurdica, patrimnio este que pertence

    sociedade desvinculando-se de seu instituidor e passando ao domnio pblico, em

    razo de sua finalidade social; complementam ou substituem a atividade

    governamental; prestam servios de forma desinteressada, com a predominncia do

    interesse pblico, em carter gratuito e sem fins lucrativos e o fazem dentro dos

    objetivos e finalidades estabelecidas pelo instituidor; sua estrutura deve ser organizada,

    de forma a tornar possvel a consecuo das finalidades estabelecidas, pois os fins, napessoa fundacional, so perenes e imutveis na sua essncia; como cooperam com a

    organizao estatal no atendimento coletividade, recebem benefcios e isenes

    tributrias, merecendo um especial tratamento por parte do Estado.

    Nesse passo, e delineadas as noes principais da figura fundacional, como uma

    universitas bonorum17 preciso, ento, situ-las no plano jurdico geral, quanto s

    funes e capacidade das pessoas jurdicas:

    Segundo a classificao adotada por Maria Helena Diniz:

    14Curso de Direito civil Brasileiro, teoria Geral do Direito Civil, 1 Volume, Editora Saraiva, 20 edio. p.211.15Fundaes e Entidades de Interesse Social, Braslia Jurdica, 4 edio. p. 260.16Ao justificar as razes do velamento pelo Ministrio Pblico na obra: Novo Manual de Fundaes, Editora Indita,1997, p.92.17

    Segundo Clvis Bevilaqa:o patrimnio especializado que lhe d unidade.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    14/24

    As pessoas jurdicas de direito privado, institudas por iniciativa de particulares,

    conforme o art. 44, I a III, do Cdigo Civil, dividem-se em: fundaes particulares,

    associaes, sociedades (simples e empresrias) e, ainda, partidos polticos (Lei n

    9.096/95, art. 1, CF, art. 17, I a IV, 1 a 4; Decreto n. 4.199/2002; CC, arts.

    2.031 a 2.034), que, atualmente, ante o disposto na Carta Magna (art. 17, 2),

    tm a natureza de associao civil, sendo pessoa jurdica de direito privado.

    O Cdigo Civil atual, em seu artigo 53, estabelece que as associaes so entidades

    constitudas para fins no econmicos e coerentemente com esta disposio, o

    pargrafo nico do artigo 53, prev que no existe entre os associados, direitos e

    obrigaes recprocas, o que seriam caractersticas prprias das sociedades.

    A sociedade simples (sociedade civil), tratada pelos artigos 997 a 1.038 do CC, segundo

    Maria Helena Diniz18, a que visa fim econmico ou lucrativo, que deve ser

    repartido entre os scios, sendo alcanado pelo exerccio de certas profisses ou pela

    prestao de servios tcnicos. (grifos meus)

    Por sua vez, as sociedades empresrias (sociedades mercantis) so aquelas que

    visam lucro, mediante exerccio de atividade mercantil.

    A partir da nova normatizao civil, depreende-se que as sociedades passam a terfinalidade, exclusivamente, econmica ou lucrativa, no mais se assemelhando noo

    de associaes, estas como entidades destinadas ao desenvolvimento de finalidades de

    interesse social, e aquelas, visando, sempre, objetivos econmicos ou lucrativos.

    Nesse passo, luz dos dispositivos expostos, posicionamo-nos no sentido de que as

    fundaes, ao lado das associaes, ocupam a posio legal de pessoas jurdicas de

    direito privado sem fins econmicos ou lucrativos, configurando-se como entidades

    de interesse social.

    Pois bem, delimitado-se que as fundaes no possuem fins econmicos, a primeira

    observao a ser feita a de que embora as fundaes tambm no visem a aferio

    de lucro, j que o seu patrimnio especialmente vinculado consecuo dos objetivos

    de carter social propostos pelo instituidor, tem-se que no h vedao alguma quanto

    18

    Op citada, p. 227.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    15/24

    obteno de supervit a ser reaplicado nas prprias finalidades fundacionais e no

    fortalecimento da estrutura patrimonial.

    A respeito, vale anotar:Tanto o lucro como o supervit podem ser definidos como o resultado econmico-

    financeiro positivo de uma atividade, apurado em um determinado perodo. A

    distino entre um e outro no reside na forma de apurao, que em termos

    simples a diferena entre as receitas e as despesas, mas na natureza e finalidade

    do ente que auferiu o resultado positivo. O supervit tpico das entidades que

    tm por objetivo gerir recursos para a consecuo suas atividades finalsticas, de

    interesse social. a diferena entre a captao de recursos, quer por meio de

    doaes ou prestao de servios, quer por quaisquer outros meios lcitos, e a

    despesa realizada em prol de seus fins. No objetivo da entidade de interesse

    social o atingimento dosupervit em si, mas este conseqncia, uma sobra a ser

    utilizada no desenvolvimento de suas atividades em benefcio da sociedade.19

    Todavia, ressalta-se que os fins econmicos so a ela estranhos, quer porque o

    legislador civil delimitou, ainda mais, as formas jurdicas prprias para a consecuo das

    finalidades econmicas (sociedades simples e empresrias), quer porque a finalidade

    econmica se afasta inteiramente do esprito do instituto, voltado consecuo de fins

    de carter geral e de interesse social e, sobretudo, dos objetivos buscados pelo

    constituinte ao conceder a essas entidades um tratamento fiscal diferenciado para

    fomentar as atividades sociais para as quais esto essencialmente vocacionadas.

    Em suma, a essncia diferenciada da fundao reconhecida e levada em conta pela

    prpria Constituio Federal ao abrig-la do poder tributrio do Fisco no permite

    que, de forma conflitante com a posio adotada pelo constituinte, venha a entidade aatuar, competitivamente, no mesmo campo destinado a outras figuras jurdicas de

    direito privado, conquanto estas no gozem do mesmo tratamento que lhe

    proporcionado.

    Trata-se da simples aplicao do princpio constitucional da isonomia.

    19

    Jos Eduardo Sabo Paes, nora 279, p. 265,

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    16/24

    Ora, buscando os prprios princpios gerais que informam a atividade econmica,

    inseridos no artigo 170 da Constituio Federal, constata-se que um dos pilares da

    organizao econmica do pas reside na livre concorrncia, o que pressupe, para o

    Estado, a vedao da intervir na atividade econmica em favor de entes particulares em

    detrimento de outros.

    Pois bem, o Estado, objetivando fortalecer essas entidades de interesse social e

    garantir-lhes condies de estabilidade e transparncia, diante da alta funo social que

    desempenham, concede-lhes favores ou concesses especiais20, em reconhecimento aos

    servios prestados em fins humanitrios e sociais a que se dedicam.

    Como precisamente colocado pelo Promotor de Justia paranaense Divonzir Jos

    Borges, em seu artigo Fiscalizando as Fundaes e Entidades Sem Fins Lucrativos:

    Para o fomento das polticas pblicas de enfrentamento da pobreza, utiliza-se

    tambm o Estado do instituto da renncia de receita. A renncia de receita,

    tambm nominada doutrinariamente de renncia fiscal ou gasto tributrio21,

    corresponde a uma abdicao, integral ou parcial, de tributos incidentes sobre

    produtos, servios e rendas. Desta forma, os valores no recolhidos aos cofres

    pblicos equivalem a uma transferncia desses recursos s instituiesassistenciais. Em contrapartida, as entidades beneficiadas com o incentivo fiscal22

    devem aplicar integralmente ditos recursos23, mediante a prestao de servios

    20 Como exemplo desse especial tratamento, lembramos: as imunidades tributrias das instituies de educao ouassistncia social (artigo 150, VI, c, da CF), de acordo com os requisitos do artigo 14 do CTN; as isenes doimposto de renda ( Lei 9.532/97) s entidades de carter filantrpico (CEBA), recreativo, cultural e cientfico; aiseno da cota patronal devida previdncia social atravs dos certificado de fins filantrpicos pelo CNAS (Lei8.742/93); as isenes legais quanto ao COFINs, sobre as atividades prprias das fundaes, o PIS/PASEP, o CSSL.

    21 Gastos tributrios ou renncias de receita so mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pblica(iseno fiscal, reduo de base de clculo ou de alquota de imposto, depreciaes para efeito de imposto de rendaetc.) que produzem os mesmos resultados econmicos da despesa pblica (subvenes, subsdios, restituies deimposto etc). Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributrio, 6 ed., Rio de Janeiro, 1999, pg. 165.

    22 Para Paulo Sandoni, incentivo fiscal o subsdio concedido pelo governo, na forma de renncia de parte de suareceita com impostos, em troca do investimento em operaes ou atividades por ele estimuladas. Apud Carlos

    Valder do Nascimento in Comentrios Lei de Responsabilidade Fiscal pg. 95.

    23 Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000

    Da Execuo Oramentria e do Cumprimento das Metas

    Art. 8.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    17/24

    assistenciais, baseados na tica, transparncia e responsabilidade comunidade

    que deles necessitam. O Estado deixa de receber o valor da arrecadao

    renunciada, porm no abre mo da contrapartida social que a receita deve

    proporcionar populao24. A renncia fiscal vem sempre acompanhada de algum

    objetivo a atingir.

    Nesse prisma, ainda que reconheamos que o direito em si lacunoso, especialmente

    no que se refere matria fundacional, temos que, se a fundao se lana na prtica de

    atividades econmicas ainda que no distribua lucros haver que faz-lo par e

    passo, em igualdade de condies com as demais pessoas jurdicas de direito

    privado que exercem atividades econmicas, sob pena de ferir o princpio da

    isonomia e especialmente o da livre concorrncia, este ltimo erigido na mesma seara

    constitucional com a qual os interessados, no caso sub judice, pretendem defender a

    existncia de fundaes com fins econmicos.

    De outro vrtice, no que tange ao exerccio de atividades econmicas, conforme

    precisamente colocado por Jos Eduardo Sabo Paes, nos parece bastante pertinente

    a seguinte ilao:

    Admite-se, no entanto, a realizao de atividades econmicas por parte dasfundaes. Primeiro, quando elas sejam necessrias para o melhor cumprimento

    dos seus fins estatutrios e estejam a eles (fins) diretamente ligadas;

    segundo, quando a fundao seja acionista ou cotista de uma sociedade comercial.

    25(grifos meus)

    De qualquer modo, a realizao de atividade econmica ou de carter industrial por

    uma fundao, mesmo quando ligadas diretamente s finalidades essenciais da

    fundao (fins sociais), de ser vista com a mxima cautela e em carter

    Pargrafo nico. Os recursos legalmente vinculados a finalidade especfica sero utilizados exclusivamente paraatender ao objeto de sua vinculao, ainda que em exerccio diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

    24 Lei n 9.995, de 25 de julho de 2000 - Dispe sobre as diretrizes para a elaborao da lei oramentria de 2001 ed outras providncias.

    Art. 87. As entidades privadas beneficiadas com recursos pblicos a qualquer ttulo submeter-se-o fiscalizao doPoder concedente com a finalidade de verificar o cumprimento de metas e objetivos para os quais receberam osrecursos.

    25 Op. Citada, p. 265.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    18/24

    extremamente excepcional, em cada caso concreto, na medida em que tem sido fonte

    de desvirtuamento do instituto e de fraudes ordem jurdica, lembrando que a questo

    tem sido encontrada na jurisprudncia, justamente, quando h discusso inerente ao

    alcance das imunidades constitucionais e isenes tributrias de que gozam estes entes

    jurdicos, no raro por representarem o completo desvirtuamento do instituto

    fundacional.

    No caso em mesa, verifica-se que a interessada dispe em seu estatuto que para

    atingir os seus objetivos, a FUNDAO CANAL LARANJA poder colocar o seu

    Patrimnio a trabalhar em atividades econmicas, sendo os seus resultados canalizados

    para suas finalidades de Assistncia Social, podendo concomitantemente as atividadeseconmicas serem coincidentes com as mesmas finalidades.

    O que primeiro chama ateno neste caso, o fato de consignar, expressa e

    genericamente, no prprio texto estatutrio, que a fundao poder colocar o seu

    patrimnio para trabalhar em atividades econmicas.

    A segunda anotao, diz respeito previso de que estas atividades econmicas

    podero ser, concomitantemente, coincidentes com as mesmas finalidades. Ou seja,

    atravs de um jogo de palavras, insere-se no contedo da norma que a fundao

    poder ter tambm finalidades econmicas, as quais coincidiro com as prprias

    atividades econmicas representadas.

    Ora, ao se inserir no texto do estatuto que a entidade possui carter assistencial a

    qual gozaria de imunidades sobre o patrimnio, a renda ou servios prestados e ao

    mesmo tempo estabelecer que poder exercer atividades econmicas (coincidentes ou

    no com suas finalidades), pretende a interessada receber um salvo conduto para

    empreender em sua atividade principal (canal de rdio ou televiso) a prtica da

    concorrncia desigual e desleal.

    Assim sendo, a previso sub examen no se coaduna com a forma jurdica

    fundacional, a qual no comporta a finalidade econmica vislumbrada no texto da

    proposta de reforma estatutria.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    19/24

    III. PREVISO DE ADEQAO DAS ENTIDADESFUNDACIONAIS J EXISTENTES DISCIPLINA DO NOVO

    CDIGO CIVIL (artigos 2.031 2.033).O estudo que vem sendo feito acerca da proposta de alterao estatutria apresentada no que diz respeito s finalidades das fundaes, enseja ainda o exame da

    adequao dos estatutos estatutrios das entidades fundacionais constitudas antes da

    vigncia do novo Cdigo Civil, com as modificaes dele advindas, luz dos dispositivos

    supracitados, inseridos nas Disposies Transitrias.

    Para tanto, iniciamos por transcrever as disposies pertinentes, aonde se destacam as

    particularidades relevantes para a presente anlise.

    O artigo 2.031estabelece:

    As associaes, sociedades e fundaes, constitudas na forma as leis

    anteriores, tero o prazo de um ano para se adaptarem s disposies deste

    Cdigo, a partir de sua vigncia; igual prazo concedido aos empresrios.

    Por sua vez, o artigo 2.032prev o seguinte:

    As fundaes, institudas segundo a legislao anterior, inclusive as de fins

    diversos dos previstos no pargrafo nico do art. 62, subordinam-se quanto

    ao seu funcionamento, ao disposto neste Cdigo.

    Dispe o artigo 2.033:

    Salvo o disposto em lei especial, as modificaes dos atos constitutivos das

    pessoas jurdicas referidas no art. 44, bem como a sua transformao,

    incorporao, ciso ou fuso, regem-se desde logo por este Cdigo.Pois bem, na situao em comento, a entidade fundacional pretende a reforma dos seus

    estatutos sob a justificativa de que necessita adequar as suas finalidades, e demais

    disposies, s regras previstas na lei substantiva civil.

    Especificamente, sobre a necessidade ou possibilidade de adequao dos fins de uma

    fundao j constituda antes da vigncia do novo Cdigo Civil, a alguma das finalidades

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    20/24

    elencadas no pargrafo nico do artigo 62, entendemos que a modificao no

    exigvel, e sequer permitida.

    Com efeito, preciso ressaltar, mais uma vez, que as fundaes so entidades jurdicasparticularizadas e distintas das associaes e sociedades, a primeira como acervo de

    bens livres que recebe da lei a capacidade jurdica para realizar as finalidades

    pretendidas pelo seu instituidor, em ateno aos seus estatutos 26, enquanto que as

    ltimas giram em torno de um elemento pessoal, de idias e esforos dos seus

    integrantes.

    Relembrando o que dispe o artigo 62, quanto instituio de uma fundao, para cri-

    la, o seu instituidor far, por escritura pblica ou testamento, dotao especial de benslivres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de

    administr-la.

    Esto presentes no momento da criao de uma fundao, portanto: a vontade do

    instituidor e os bens destinados a atend-la.

    Dessa ilao, extrada diretamente do texto legislativo, decorrem duas conseqncias j

    conhecidas a respeito das fundaes: a) a disposio de vontade inicial quanto s

    finalidades, feita no ato de sua criao, possui carter de permanncia, no podendo

    ser modificada na sua essncia; b) a inalienalibilidade dos bens que compem o

    patrimnio fundacional, em ateno sua certa e determinado destinao.

    insofismvel que esta inalienabilidade, de natureza legal, sofre, nos casos concretos e

    em carter excepcional alguma relativizao, como anota Jos Eduardo Sabo Paes27:

    Segundo os tribunais,os bens das fundaes so normalmente inalienveis,

    porque representam a concretizao dos fins preestabelecido pelos respectivosinstituidores, no tendo os seus administradores qualidade para alterar o

    imperativo da vontade daqueles (RT 252/661). Note-se, porm que essa

    inalienabilidade simplesmente relativa, no tendo carter absoluto.(...)

    26 Distino essencial entre fundao e associao e algumas de suas conseqncias, artigo da doutora rikaSpalding, publicado no Cadernos Fundata, n -1 CEFEIS, 2001, pela FIPE (Fundao Instituto de PesquisaEconmicas) .27

    Fundaes e Entidades de Interesse Social, 3 ed. Braslia Jurdica, p. 217.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    21/24

    A orientao jurisprudencial nesse campo manifesta-se pela relativa

    inalienabilidade dos bens fundacionais. Caso os mesmos sejam vendidos, exigem

    os tribunais a aplicao do preo na aquisio de outros bens, que devero ficar

    igualmente destinados ao mesmo fim (ct RT 116/650, 138/18, 149/580, 126/127 e

    242/232).

    A venda desses bens estar, portanto, sempre condicionada necessidade, essa

    deciso ser submetida ao Promotor de Justia com atribuies para velar pelas

    Fundaes, ao qual caber assegurar-se que a venda do bem indispensvel para a

    existncia e/ou continuidade das atividades da fundao, exigindo at a sua sub-

    rogao ou substituio por outro (s) bem(ns) destinado (s) ao mesmo fim.28

    Opatrimniode uma fundao, no entanto, estar sempre afetados finalidades para

    as quais esta instituda.

    A instituio de uma fundao, no dizer deArnaldo Rizzardo: Envolve a destinao

    de um acervo de bens, que se reveste, por fora da lei, de capacidade jurdica para

    realizar finalidades pretendidas pelo instituidor.29

    Como vasos comunicantes, as finalidades e o patrimnio encontram-se vinculados

    desde o momento da criao da fundao.

    Assim sendo, ocorre tambm uma espcie de precluso temporal, ligada ao momento

    consumativo do nascimento da pessoa jurdica fundacional (registro da escritura e dos

    estatutos), a impedir, sobremaneira, posterior alterao das finalidades de uma

    fundao.

    A ilao tambm vlida quando estivermos diante de uma fundao instituda por

    testamento, sobretudo se considerarmos que, quanto s disposies testamentrias, avontade do testador absoluta, excetuada apenas a parcela referente legtima.

    28Op. Citada, p. 219.29

    Parte Geral do Cdigo Civi l, Editora Forense, 2002, p. 233.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    22/24

    Nesse sentido, cabe lembrar, novamente, os ensinamentos de Jos Eduardo Sabo

    Paes, tendentes a balizar os limites a que esto sujeitas as alteraes estatutrias das

    fundaes:

    Estatuto norma essencial e perene para a entidade. Todavia, circunstncias

    posteriores instituio da entidade, e apenas constatadas no decorrer do seu

    funcionamento, podem fazer com que seja absolutamente necessria a reforma ou

    alterao de dispositivos do estatuto, tendo sempre como ltimo escopo a

    preservao do seu patrimnio e o aperfeioamento e mantena das suas

    finalidades. 30

    E prossegue:

    Os fins ditados pelo instituidor tambm no podem ser desvirtuados ou entregues

    ao arbtrio dos administradores, uma vez que em sede fundacional no existe a

    liberalidade de modificaes ou alteraes dos prprios fins, mesmo

    implicitamente, sob pena d caracterizar o denominado desvio de finalidade.

    No so admissveis, portanto, alteraes estatutrias dos fins da fundao

    distanciadas ou contrarias aos propsitos do(s) fundador(es).

    Tais colocaes so efetuadas em carter preliminar com o escopo de embasar oposicionamento ora adotado, de que as alteraes introduzidas no pargrafo nico do

    artigo 62 do novo Cdigo Civilno atingem as fundaes regularmente institudas

    antes da sua vigncia, no que tange s suas finalidades.

    Esse entendimento sustentado, ainda, pela prpria interpretao literal do artigo

    2.033, o qual especifica que a subordinao das fundaes institudas antes do novo

    Cdigo, se referem ao funcionamento dessas entidades, inclusive daquelas que

    tinham fins diversos dos agora previstos nopargrafo nico do art. 62.

    30Fundaes e Entidades de Interesse Social, Ed. Braslia Jurdica, 3 edio, p. 199 e 229.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    23/24

    Trata-se, tambm, de uma norma que especifica o que prev o dispositivo anterior

    art. 2.031 , de contedo mais genrico, a qual pretendeu deixar assente qual a

    extenso da primeira regra quanto s fundaes (interpretao sistemtica).

    Assim, conclumos que as fundaes j institudas independentemente dos fins j

    previstos devero se adequar s normas do novo Cdigo no que diz respeito to-

    somente ao seu funcionamento.

    De outro vrtice, essa diferenciao quanto s fundaes no foi feita claramente em

    face do artigo 2.033, o qual dispe que, salvo o disposto em lei especial, as

    modificaes dos atos constitutivos das pessoas jurdicas referidas no art. 44

    (sociedades, associaes, fundaes), bem como a sua transformao, incorporao,ciso ou fuso, regem-se desde logo por este Cdigo.

    Se considerarmos como atos constitutivos a escritura pblica e os estatutos da

    fundao, como visto, a primeira no pode mais ser alterada, e as normas estatutrias,

    sero passveis de mudana apenas em algumas hipteses, dentre as quais no se

    insere a restrio de finalidades.31

    Outrossim, h que se considerar que no se aplicam s fundaes, os institutos da

    transformao, da incorporao, ciso total ou fuso.

    Nessa perspectiva, entendemos que as regras em relao as quais devero as

    fundaes j constitudas se adequar, dizem respeito s previses passveis de serem

    alteradas e que sejam pertinentes ao seu funcionamento, tais como, os artigos 67 e 68.

    IV. CONCLUSODo exposto, conclumos que as fundaes por nascerem da colocao espontnea de

    um patrimnio para servir sociedade, alcanando finalidades essencialmente sociais,

    sem fins lucrativos ou econmicos, devero buscar a sua viabilidade econmico-

    financeira de forma compatvel com a natureza jurdica da entidade. Ou seja, atravs da

    31Exceto se se tornarem ilcitas ou imorais.

  • 7/24/2019 18 - Fundaoes e Novo Cdigo Civil - Cibele

    24/24

    prpria dotao inicial de bens e das fontes de recursos previstas no estatuto que

    garantam a sua sustentabilidade, tais como, rendas sobre o seu patrimnio, doaes,

    legados, convnios, acordos, termos de cooperao, contribuies, subvenes.

    Sobretudo aps as modificaes introduzidas pelo novo Cdigo Civil, as fundaes, ao

    lado das associaes, se distanciam ainda mais das entidades que objetivam fins

    econmicos, valendo registrar que, apesar da interpretao a ser dada ao pargrafo

    nico do artigo 62 deva focar o interesse pblico, no h como negar o carter restritivo

    desta norma, em face das inmeras facetas que esses entes tm tomado nos ltimos

    tempos, muito distantes da concepo original da pessoa jurdica fundacional.

    A anlise da viabilidade de instituir-se uma fundao privada, luz do novo Cdigo Civil,depender do exame de cada caso concreto, com vistas em toda a legislao que a

    envolve, no se atendo apenas aos requisitos formais de sua constituio propriamente

    dita, mas tambm o tratamento constitucional dado pelo Estado e o papel social que a

    justifica.

    Com efeito, na tendncia imposta ao Estado moderno na busca de novas estruturas de

    atendimento das questes sociais, a sua descentralizao administrativa encontra nas

    organizaes privadas de interesse pblico (Terceiro Setor), o caminho propcio para a

    consecuo dos mandamentos constitucionais que asseguram a dignidade humana, a

    cidadania plena e a justia social, vez que essas entidades, constituem-se sem

    finalidades econmicas ou lucrativas, para prestar servios de relevncia pblica,

    desenvolvendo aes pblicas no estatais.

    Por fim, temos que as modificaes introduzidas junto ao novo Cdigo, no implicam

    em alteraes de finalidades das fundaes j constitudas, exceto para aquelas

    entidades que, porventura, tenham sido institudas para atingir fins econmicos, as

    quais encontram, nesta oportunidade, o momento adequado para a redefinio do seu

    papel social, nos moldes da nova ordem jurdica.

    Curitiba, 10 de junho de 2003.