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TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES 19 ed. Natureza & cultura fronteiras dissipadas pela tecnologia Sistemas de produção em rede criação, financiamento, fruição e conservação na era digital Crise, resistência e reinvenção participação, cultura hacker e perspectivas das políticas culturais

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TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

19ed.

Natureza & culturafronteiras dissipadas pela tecnologia

Sistemas de produção em redecriação, financiamento, fruição e conservação na era digital

Crise, resistência e reinvençãoparticipação, cultura hacker e perspectivas das políticas culturais

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2 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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Centro de Memória, Documentação e Referência Itaú Cultural

Revista Observatório Itaú Cultural : OIC. - N. 19 (nov. 2015/maio 2016). – São Paulo : Itaú Cultural, 2007-.

Semestral

ISSN 1981-125X (versão impressa)

1. Política cultural. 2. Políticas públicas. 3. Tecnologia e cultura. 4. Gestão cultural. 5. Produção artística.

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expedienteREVISTA OBSERVATÓRIO

EditorMarcos Cuzziol

Conselho editorialGilbertto PradoLuciana ModéMarcel FracassiRafael FigueiredoRonaldo LemosTiago D’Ambrosio

Projeto gráficoMarina Chevrand/ Serifaria (terceirizada)

DesignSerifaria (terceirizada)

Produção gráficaLilia Góes (terceirizada)

IlustraçãoDaniel Bueno (terceirizado)

Tradução (terceirizada)Marisa ShirasunaSieni Campos

EQUIPE ITAÚ CULTURAL

PresidenteMilú Villela

DiretorEduardo Saron

Superintendente administrativoSérgio Miyazaki

NÚCLEO DE INOVAÇÃO/ OBSERVATÓRIO

GerenteMarcos Cuzziol

Coordenadora do ObservatórioLuciana Modé

ProduçãoMarcel FracassiRafael FigueiredoTiago D’Ambrosio

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO

GerenteAna de Fátima Sousa

Coordenador de arteJader Rosa

Produção editorialRaphaella Rodrigues

Supervisão de revisãoPolyana Lima

Revisão (terceirizada)Rachel ReisSamantha Arana

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As páginas desta edição da Revista Observatório são ilustradas por Daniel Bueno. Seu trabalho explora contornos geométricos, texturas, ambiguidade grá-fica e fantasia. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universi-dade de São Paulo (FAU/USP) e funda-dor do coletivo Charivari, colaborou para diversas publicações, entre elas, três li-vros contemplados com o Prêmio Jabuti. Participa de anuários como os da Society of Illustrators, American Illustration e 3x3.

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aos leitores

Desde o surgimento da humanidade, possuímos uma relação simbiótica com a tecnologia. Em um eterno feedback autoam-plificador, moldamos nossas ferramentas e elas nos moldam de volta. Elas atuam tanto sobre nosso aparato cognitivo e sensorial – verdadeiros upgrades mentais – quanto so-bre nossas estruturas econômicas, políticas e sociais. Os aparelhos eletrônicos digitais, que hoje parecem monopolizar injusta-mente o significado do termo “tecnologia”, constituem parte de nossos sentidos e de nossas redes neurais, assim como óculos e telescópios são extensões de nossos olhos e instrumentos musicais tornam-se membros do corpo de um músico. Nesse sentido, como diz Andrew Clark, sempre fomos ciborgues.

Abrindo a Revista Observatório número 19, Lucia Santaella afirma que nossa primeira tecnologia, a linguagem, é marca constituinte do ser humano, nossa condição inevitável. Do surgimento da comunicação oral e escrita, da narrativa e da memória nascem a cultura e a tradição. Ao longo de nosso processo his-tórico, as tecnologias foram se acumulando e complexificando nossos modos de viver,

culminando na atual sociedade híbrida, po-tencializada pelo poder do computador e da internet. “O ser humano, desde a sua gênese, foi e continua sendo um ser inacabado que se metaboliza transformando em cultura a natureza de onde emergiu.”

Contextualizando em uma linguagem simples os recentes avanços das máqui-nas e seu poder de processamento, Marcos Cuzziol discute a possibilidade de já estar-mos vivendo em um mundo que nos obriga a nos relacionar com entidades artificiais mais competentes do que nós e que pode muito bem levantar importantes dúvidas filosóficas. Um programa de computador pode atingir um estágio de consciência? O que nos define como humanos?

A partir desse cenário incerto, são ana-lisados os impactos das tecnologias digitais em diferentes fases do sistema de produção cultural: como criamos, financiamos, fruí-mos e conservamos obras de arte no mundo atual. Como economia, política, estética e cultura se relacionam? E como tudo pode ser mais bem analisado do ponto de vista das redes que se formam? “Rede”, aliás, é

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10 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

uma palavra recorrente – e polissêmica, é verdade. Das neurais à de computadores, das sociais às de produção, das analógicas às digitais, o fato é que a sociedade globali-zada levou o número de conexões ao limite do que parecia possível. Hoje, qualquer sis-tema é complexo.

Além da linguagem – ou melhor, antes mesmo da linguagem, como sugere Edilamar Galvão –, a experiência interativa surge mais proeminente que nunca. Vivemos num tempo em que participação é pressuposto para tudo. Não à toa o mercado de videogames é um dos que mais faturam no mundo, como bem apon-ta Arthur Protasio. E o mesmo se pode prever sobre inúmeros aspectos da vida social.

Enquanto Santaella fala da semiosfe-ra – esse exosqueleto de signos e linguagem que reveste nossa natureza humana –, Ivana Bentes afirma que, no “semiocapitalismo” em que estamos vivendo, a cultura é um processo transversal e decisivo, cujos mo-dos de produção não são mais exceção, mas a regra da contemporaneidade. Regra essa que nos obriga a repensar nossas instituições e nossos modelos de representatividade num contexto de crescente disjunção entre Es-tado e sociedade civil, como apontado por Lúcia Maciel. Quando a política e a gestão tradicionais parecem não conseguir acom-panhar a velocidade da dinâmica cultural, de desejos múltiplos, a interface de proximidade trazida pelas redes parece um bom modelo a ser seguido. As tensões permanentes da democracia e do mundo da cultura exigem que se abram fendas e se encontrem brechas de movimentação, das quais a internet está

repleta. Seriam os hackers, estudados por Gabriella Coleman, os grandes sendeiros desse percurso?

Se a vital importância da alfabetiza-ção – domínio formal da primeira tecnologia humana de todas – não é mais questionada, hoje dominar a linguagem digital torna-se necessário. Apropriar-se dela é tornar-se su-jeito emancipado. A tecnologia não só muda a cultura, como também é parte dela. E “a cul-tura sempre será um campo de incertezas” (Lúcia Maciel).

Boa leitura a todos.

Equipe do Observatório Itaú Cultural

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sumário9. Aos leitoresEquipe do Observatório Itaú Cultural

1. NATUREZA & CULTURA

17. Adeus às fronteiras entre natureza e culturaLucia Santaella

24. Programas de computador e imprevisibilidadeMarcos Cuzziol

2. SISTEMAS DE PRODUÇÃO EM REDE

34. Uso criativo e crítico de redes complexasBurak Arikan

44. Games: uma linguagem em descobertaArthur Protasio

52. Crowdfunding baseado em blockchain: qual seu impacto sobre a produção artística e o consumo de arte?Primavera De Filippi

64. Um ser de sensaçãoEdilamar Galvão

77. Arquivos de arte digital – estratégias, metodologias e paradigmasJorge La Ferla

3. CRISE, RESISTÊNCIA E REINVENÇÃO

88. Cultura de redes e políticas culturais no BrasilIvana Bentes

96. A estética do novo ativismoRonaldo Lemos entrevista Gabriella Coleman

111. Política de experimentação: nas redes e nas ruasLúcia Maciel Barbosa de Oliveira

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15TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

1.17. ADEUS ÀS FRONTEIRAS ENTRE NATUREZA E CULTURALucia Santaella

24. PROGRAMAS DE COMPUTADOR E IMPREVISIBILIDADE Marcos Cuzziol

NATUREZA & CULTURA

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17TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lucia SantaeLLa

ADEUS ÀS FRONTEIRAS ENTRE NATUREZA E CULTURA

Lucia Santaella

Para compreender a hipercomplexidade da cultura contemporânea, este artigo coloca em discussão a atual coexistência de seis eras culturais: a oralidade, a escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Tendo sua gênese nas tecnologias de linguagem, cuja inexorável tendência é crescer e se multiplicar, essas formações culturais foram cada vez mais imprimindo suas indeléveis marcas sobre a face do globo, até o ponto de dissipar quaisquer fronteiras entre a natureza, de um lado, e a cultura, de outro.

por genealogia como método de trabalho a busca por fatores que sejam capazes de ilu-minar, do passado, as determinações do pre-sente. Não se trata de sair à caça de origens ou causas explicativas de que o presente se-ria um efeito; portanto, não se trata de seguir uma linha cronológica para construir uma totalidade histórica. Ao contrário, é preciso exercer uma atividade criadora de descober-tas de pontos luminosos, muitas vezes hete-rogêneos, que vão elaborando um tecido de analogias e contaminações entre passado e presente com relativa força explicativa para aquilo que nos espanta no presente.

Linguagem e cultura como condições do humano

Tudo isso para dizer que o universo di-gital ainda conserva as longínquas mas inde-léveis marcas da constituição do ser humano como um ser de linguagem. Desde que emer-giu na evolução, a linguagem impregnou o hu-mano com a consciência do tempo, da vida e

A cultura digital veio para embaralhar todas as cartas do jogo das lingua-gens, tornando densas, intrincadas

e hipercomplexas as tramas da cultura. Além de incessantes novidades que não param de surgir, o que mais espanta no mundo digital são os passos acelerados de suas transfor-mações e, sobretudo, a naturalidade com que elas são absorvidas pela sociedade em todas as faixas etárias, sobretudo pelos muito jo-vens. Quanto mais jovem, tanto mais rápida e espontaneamente se dá a adaptação às emer-gentes paisagens das interfaces interativas de acesso à informação e à comunicação em te-cidos híbridos de linguagem nos quais sons, ruídos, imagens, diagramas, pistas, ícones e escrita indissoluvelmente se misturam. Qual o segredo de tudo isso?

Para abrir algum caminho de resposta, é preciso abandonar a tendência corrente de considerar o universo digital como um fenô-meno explicável no seu isolamento, sem se preocupar com sua genealogia. Entende-se

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18 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

da morte, do outro e de si mesmo, condição da memória, da sociabilidade e das antecipações de futuro. Há autores, como Merlin Donald (1991), que defendem que, antes de se comu-nicar por meio das palavras, a cultura huma-na passou por um estágio mimético, imitativo de gestos, movimentos, sons, figurações. Foi a fala, entretanto, que trouxe a garantia de que o passado não desaparecesse na fugaci-dade do presente, mas se fixasse na memória por meio da transmissão oral das gerações mais velhas para as mais jovens. Nascem aí as culturas e suas tradições. Entretanto, para satisfazer o requisito da memória, o cérebro é muito frágil, visto que é mortal. As escritas surgiram para compensar essa vulnerabilida-de e, antes disso, ensaios de protoescritas já apareciam em imagens nas grutas.

A partir da escrita foi encontrado o caminho para o incremento gradativo da memória para fora do corpo biológico: o ser humano começou, desde então, a povoar a natureza não só com os rebentos que procria de si mesmo, mas também com as linguagens que não cessa de produzir, reproduzir e mul-tiplicar. Alguns autores (entre eles MORIN, 1975) chamam isso de camada que o humano sobrepôs à natureza mineral, vegetal e ani-mal, marcando-a com uma profusão de si-nais de sua onipresença. Prefiro usar o termo “semiosfera” (semio = signo), para fazer jus à natureza de linguagem dessas marcas na agricultura, no cozer dos alimentos, em arte-fatos, construções, livros e museus, passando pelas mídias reprodutoras da industrializa-ção, fotografia, cinema, rádio, televisão, até chegar ao computador, à comunicação pla-netária, à nuvem informacional, às cidades inteligentes, aos satélites, às naves etc. Para

sistematizar esse percurso crescente e cada vez mais complexo que hoje resulta na cultu-ra digital, tenho trabalhado com o que chamo de seis eras culturais (SANTAELLA, 2003).

Seis eras culturais: da oralidade ao digital

A divisão em eras culturais não é senão uma estratégia metodológica que tenho uti-lizado para compreender o imenso caldei-rão de intrincadas misturas constitutivas da contemporaneidade. São elas: a cultura oral, a escrita, a impressa, a de massas, a das mídias e a digital, também chamada de ci-bercultura. A divisão baseia-se nas tecnolo-gias de linguagem que estão no alicerce de cada uma dessas eras e que foram surgindo e se transformando ao longo do tempo. Em-bora, evidentemente, a linguagem e seus mecanismos de produção, transmissão e preservação da memória não sejam por si sós definidores de uma cultura – pois cultu-ra envolve também subsistência material e econômica, tanto quanto poderes políticos –, defendo que tudo isso está inextricavelmente interconectado, o que nos permite delinear o perfil de uma cultura pelos seus modos de produção de linguagem e pelos intercursos sociais de comunicação que ela possibilita. Além disso, os meios de comunicação, des-de o aparelho fonador até as redes digitais atuais, como mediadores da informação que circula socialmente, ao criarem ambientes socioculturais, são capazes de moldar o pen-samento, os modos de ação e a sensibilidade dos seres humanos.

O termo “eras” é utilizado na falta de um nome melhor, pois com isso a intenção não é significar períodos culturais lineares, como

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19TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lucia SantaeLLa

se uma era fosse desaparecendo com o surgi-mento da próxima. Ao contrário, há sempre um processo cumulativo de complexificação. Um novo ambiente vai se integrando ao(s) an-terior(es), provocando reajustamentos e re-funcionalizações, em uma verdadeira guerra e paz em busca de sobrevivência. Mas é certo que, em cada período histórico, a cultura fica sob o domínio da técnica ou da tecnologia de comunicação mais recente. Contudo, esse do-mínio não é suficiente para asfixiar as forma-ções culturais preexistentes. Afinal, a cultura comporta-se sempre como um organismo vivo e, sobretudo, inteligente, com poderes de adap-tação imprevisíveis e surpreendentes.

Levar as eras em consideração permite perceber especificidades importantes e re-veladoras. Por exemplo: a cultura impressa não nasceu diretamente da oral, mas foi an-tecedida por uma rica cultura da escrita não alfabética, pictográfica. A memória dessas escritas traz grandes contribuições para a visualidade contemporânea. Da mesma for-ma, embora haja uma tendência de ver a cul-tura digital como continuidade da de massas, houve uma fase transitória entre elas, que caracterizo como cultura das mídias. Para isso, basta rememorar que, por volta do iní-cio dos anos 1980, se intensificaram cada vez mais os casamentos e as misturas entre linguagens e meios, misturas essas que fun-cionam como um multiplicador de mídias. Elas produzem mensagens híbridas como as que se podem encontrar nos suplemen-tos literários ou culturais especializados de jornais e revistas, nas revistas de cultura, no radiojornal, no telejornal etc.

Ao mesmo tempo, surgiram equipa-mentos e dispositivos que possibilitaram o

aparecimento de uma cultura do disponível e do transitório: fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos para a gravação de vídeos, equi-pamentos como walkman e walkie-talkie, acompanhados de uma remarcável indús-tria de videoclipes e videogames, além da expansiva indústria de filmes em vídeo para ser alugados nas videolocadoras – tudo isso se somando ao surgimento da TV a cabo, para atualmente culminar, entre outros exemplos, no fenômeno da Netflix. Essas tecnologias têm como principal característica propiciar escolhas e consumos individualizados, em oposição ao consumo massivo. Foram esses processos que arrancaram o ser humano da inércia da recepção de mensagens impostas de fora, passando a buscar a informação e o entretenimento desejados, o que preparou sua sensibilidade para a chegada dos meios digitais cuja marca principal está na busca dispersa, alinear e fragmentada, mas certa-mente uma busca individualizada da men-sagem e da informação.

A hipercomplexidade da cultura contemporânea

Hoje, todas as formas de cultura – desde a oralidade até a cultura escrita, a impressa, a de massas, a das mídias e a cibercultura – coexistem, convivem e sincronizam-se na constituição de uma mescla cultural hiper-complexa e híbrida. Tudo isso incrementado pela potência do computador, uma verdadei-ra metamídia, capaz de absorver, misturar e devolver transmutadas todas as formas culturais que lhe precederam e que fora dele continuam coexistindo para a exacerbação da densa rede de produção e circulação de bens simbólicos dos nossos dias.

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20 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Como se tudo isso não bastasse, na sequência ininterrupta de suas transfor-mações a cultura digital trouxe ao nosso convívio uma invenção notável: os dispo-sitivos móveis (SANTAELLA, 2007). Eles, em muito pouco tempo, reduziram a docu-mento histórico obsoleto a tríade dos filmes Matrix, que encena a separação exacerba-da entre o mundo virtual e o mundo físico. Com os equipamentos móveis, portáteis, os usuários passaram a abrigar, na palma das mãos, computadores poderosos que os têm transportado para novas dimensões de espaço e tempo nas misturas inextricáveis entre o virtual (o ciberespaço) e os ambien-tes físicos em que o corpo biológico circula (ver SOUZA E SILVA, 2006).

A emergência de tecnologias portáteis contribuiu para a possibilidade de estar cons-tantemente conectado a espaços digitais e de, literalmente, levar a internet para todos os cantos, esquinas e recintos do cotidiano. Com isso, modificam-se relações afetivas, sociais e de trabalho, impulsionadas não apenas pela mobilidade, mas também pela incorporação ao computador de plataformas e aplicativos que, nas trocas incessantes de mensagens, imagens e vídeos pelas redes, estão levando as relações sociais ao limite do paroxismo.

Junto com isso surgem programas de computação como realidade aumentada, mista, computação ubíqua, pervasiva e vestível. Os nomes dados a esses programas são sintomáticos do apagamento a que os construtos humanos sobre a Terra levaram a pretensa naturalidade da natureza. Desde o século passado já se sabia que a natureza havia se tornado cartão-postal, atualmen-te incrementado por fôlderes e sites de

resorts ou, então, de spots mais modestos para o turismo consumista. Alguns buscam no capitalismo as causas para todas essas avalanches de produções humanas, tidas como desvirtuadoras da essência de uma vida natural. Sem dúvida, sem o incremen-to produtivo do capital, seus rebentos não seriam possíveis. Todavia, sem negar suas evidentes contradições e mazelas, o capi-talismo não contém a chave da explicação para tudo. Não explica, por exemplo, que uma pretensa essência humana só exis-tiu para Adão no Paraíso, já que o mundo pós-adâmico traz a insígnia da linguagem cujo destino é crescer, tanto quanto está no crescimento o destino da própria vida. Não por coincidência, é no cerne da vida que as tecnologias de linguagem, miniaturizadas em chips, estão cada vez mais se infiltrando.

O atual estado da arteNos últimos anos, a aceleração na ten-

dência multiplicadora das mídias atinge níveis desconcertantes e perturbadores. Sob o nome de internet das coisas, big data, realidade aumentada e tecnologias portáteis, vestíveis e implantáveis, as tendências tec-nológicas, que se avizinham, levam a prever ambientes de computação em rede globais, imersivos, invisíveis, construídos “por meio da proliferação contínua de sensores inteli-gentes, câmeras, softwares, bases de dados e centros de dados massivos em um tecido de informação de abrangência mundial.” (FA-NAYA, 2014, p. 112-113) O panorama elabora-do por Fanaya (ibid.) é ainda mais eloquente no que se segue.

Quando as redes da internet envolve-rem também as coisas, como já começa a

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22 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

acontecer, as pessoas estarão usando dispo-sitivos de conexão que lhes darão feedback sobre suas atividades, sua saúde e fitness. Esses dispositivos serão capazes de moni-torar outras pessoas, como filhos e empre-gados, também munidos de sensores ou ao entrar e sair de lugares sensorializados. As pessoas poderão controlar, remotamente, um grande número de tarefas em suas resi-dências – nelas, os sensores avisarão tudo, indicando desde objetos que precisam de reparo até se o jardim já foi regado.

Dispositivos embarcados e aplicativos para smartphones (ou quaisquer outros dispositivos que venham a substituí-los) permitirão o transporte mais eficiente de cargas e mercadorias. Os sistemas inteli-gentes poderão fornecer eletricidade e água de forma mais eficaz e alertar sobre proble-mas de infraestrutura. Indústrias e cadeias de abastecimento terão sensores e leitores que acompanharão de modo mais preciso a fabricação e a distribuição de mercadorias, de modo a acelerar e suavizar os processos. Haverá leitura em tempo real dos níveis de poluição, umidade do solo e extração de re-cursos nos campos, nas florestas, nos oceanos e nas cidades, o que permitirá um acompa-nhamento mais detalhado dos problemas. Dizem os especialistas que tudo isso se tor-nará realidade rotineira até 2025, mas muitas dessas previsões já estão começando a povoar as paisagens do mundo e a se insinuar no psi-quismo e nos comportamentos sociais.

A realidade atual de conexão e comu-nicação entre pessoas irá se expandir até os objetos (máquinas e/ou artefatos) que as cercam. Eles irão interagir de maneira inteligente, gerando ações responsivas ao

comportamento humano. Todas essas ten-dências que se avizinham transformarão o gigantesco organismo comunicativo que já é hoje a web em um superorganismo planetário estendido por todas as peças dos ambientes.

Além disso, grupos de cientistas e engenheiros que trabalham com robótica evolutiva (developmental robotics) estão engajados no desenvolvimento de robôs capazes tanto de identificar, analisar e in-terpretar o ambiente de maneira dinâmica quanto de aprender com essas experiências, à maneira de um organismo vivo dotado de inteligência. Trata-se da busca de desen-volvimento de uma computação subjetiva que vise à emulação de alguns traços da subjetividade humana – como a adaptação e a flexibilidade em ambientes desconhe-cidos –, da reflexibilidade, da percepção e das relações entre humanos por meio de algoritmos capazes de desenvolvimento mental autônomo [autonomous mental development (AMD)]. Isso significa dotar o agente tecnológico de uma concepção individual a respeito do ambiente, em um impulso normativo de arbítrio e de abertura às experiências no mundo.

Sem entrarmos aqui nas acaloradas discussões sobre os perigos iminentes da crise ecológica, as inestimáveis perdas ou os possíveis ganhos para a humanidade, é preciso constatar que o ser humano, desde a sua gênese, foi e continua sendo um ser inacabado que se metaboliza transforman-do em cultura a natureza de onde emergiu, até o ponto de levar à completa dissipação as fronteiras entre natureza e cultura que o pensamento ocidental tão ilusoriamente costumava resguardar.

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23TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lucia SantaeLLa

Lucia SantaellaÉ professora titular nos programas de pós-graduação em tecnologias da inteligên-

cia e design digital e em comunicação e semiótica na Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo (PUC/SP), com doutoramento em teoria literária na PUC/SP, em 1973, e

livre-docência em ciências da comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Uni-

versidade de São Paulo (ECA/USP), em 1993. É diretora do Centro de Investigação em

Mídias Digitais (Cimid) e coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos e do Grupo de

Estudos Sociotramas, na PUC/SP. É presidente honorária da Federação Latino-Americana

de Semiótica e correspondente brasileira da Academia Argentina de Belas Artes, eleita

em 2002, além de vice-presidente (1989-1999) da Associação Internacional de Semiótica

e presidente (2007) da Charles S. Peirce Society, nos Estados Unidos. Recebeu os prêmios

Jabuti (2002, 2009, 2011 e 2014), Sérgio Motta (2005) e Luiz Beltrão (2010). Organizou

13 livros e, de sua autoria, publicou 41 livros e cerca de 300 artigos em livros e revistas

especializadas no Brasil e no exterior.

Referências bibliográficas

DONALD, Merlin. Origins of the modern mind. Three stages in the evolution of culture and cognition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991.

FANAYA, Patricia. Autopoiese, semiose e tradução: vias para a subjetividade nas redes sociais. Tese (Doutorado)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

MORIN, Edgar. O enigma do homem: para uma nova antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

_______. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

SOUZA E SILVA, Adriana. Do ciber ao híbrido. Tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In: ARAUJO, Denize Correa (Org.). Imagem (ir)realidade. Comunicação e cibermídia. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2006. p. 21-51.

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24 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

PROGRAMAS DE COMPUTADOR E IMPREVISIBILIDADE

Marcos Cuzziol

Apesar de não passarem de conjuntos predeterminados de instruções que, por mais com-plexos que sejam, executam unicamente aquilo que lhes foi instruído por programadores hu-manos, programas não são necessariamente previsíveis nem incapazes de gerar resultados surpreendentes. Este artigo aborda a imprevisibilidade e a surpresa que se originam dessas sequências de instruções.

próprias jogadas. O princípio das instru-ções executadas por esse computador era simples: avaliar o maior número possível de jogadas com base nos dados disponíveis e escolher a que tivesse maior probabilidade de sucesso. Mas, quando instruções simples como essas são repetidas muitas vezes por segundo, algo interessante acontece: o pro-grama passa a exibir capacidades estraté-gicas. Não se tratava apenas de avaliar o próximo lance; Deep Blue podia avaliar longas sequências de jogadas e escolher a melhor delas. Esse volume de processamen-to foi fundamental para que o programa pu-desse vencer o campeão humano de xadrez.

De fato, o sucesso de Deep Blue deveu-se à estratégia de “força bruta”, com seu progra-ma tentando avaliar todas as jogadas possí-veis entre os dados disponíveis para só então decidir qual movimento fazer. Mas da mera repetição de instruções em altíssima velo-cidade emergiu algo novo, pois o programa foi capaz de fazer o que seus criadores jamais conseguiriam: vencer o campeão mundial de

Força bruta

De um lado, Deep Blue, supercom-putador criado pela IBM nos anos 1990, com um programa desen-

volvido especificamente para jogar xadrez. De outro, Garry Kasparov, então campeão mundial absoluto de xadrez. Entre 1996 e 1997, Deep Blue enfrentou Kasparov em 12 partidas de xadrez jogadas segundo regras internacionais. Apesar da polêmica levan-tada por Kasparov sobre o resultado final das partidas de 1997, o fato é que Deep Blue perdeu a sequência de seis partidas jogadas em 1996 (uma vitória, dois empates e três derrotas), mas venceu a revanche de 1997 (duas vitórias, três empates e uma derrota).

Para a época, Deep Blue era um compu-tador avançadíssimo, com 256 processado-res especializados, capazes de analisar mais de 100 milhões de posições por segundo. Além disso, possuía armazenadas em sua memória milhares de partidas de mestres enxadristas e as usava para computar as

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25TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Marcos cuzziol

xadrez. Se o programa fosse previsível, como leva a crer o fato de ter sido escrito como se-quência fixa de instruções, Kasparov dificil-mente perderia uma única partida.

Mas a previsibilidade tem limites, pelo menos para os seres humanos. Podemos entender perfeitamente como funciona um neurônio, por exemplo, e até prever com pre-cisão o que a célula fará em decorrência dos sinais que recebe de outras. Mas como prever o resultado do conjunto interconectado dos 100 bilhões de neurônios que formam um cé-rebro humano? De modo similar, como prever um programa absolutamente determinista, mas capaz de analisar mais de 100 milhões de posições de peças de xadrez por segundo e que tenha os dados de milhares de parti-das armazenados em sua memória? Murray Campbell, um dos principais programadores de Deep Blue, ilustra o estranho efeito causa-do por esse estilo força bruta de programação:

A capacidade da máquina de ignorar ideias humanas preconcebidas permite que ela encontre lacunas no conhecimen-to humano que muitas vezes são difíceis de entender sem estudo e esforço. Há situa-ções específicas no jogo de xadrez, consi-deradas uma parte dos finais de jogo, em que é possível para os programas jogar com perfeição. A experiência de jogar contra ou observar esses programas de jogo perfeito é quase fantasmagórica: as jogadas ótimas

não têm nenhum raciocínio aparente para sustentá-las, e os programas não conse-guem explicar as jogadas além de observar que as melhores produzem um xeque-mate em 42 lances, enquanto as alternativas le-vam mais tempo. (CAMPBELL, 2010, p. 64)

Mas a repetição de instruções progra-madas não está limitada à estratégia da força bruta. Um programa pode também ser instruí-do a encontrar soluções de forma evolutiva.

Adaptação evolutivaDifundidos pela pesquisa do cientista

americano John Holland nas décadas de 1960 e 1970, os algoritmos genéticos são especialmente aptos a esse tipo de solução. A pesquisa de Holland tinha dois objetivos principais: contribuir para a compreensão dos processos de adaptação natural e proje-tar sistemas artificiais que apresentassem propriedades similares a sistemas naturais.

No lugar de planejarmos e escrevermos um programa, imagine que simplesmente sorteássemos instruções ao acaso para for-má-lo. Cada número sorteado definiria uma instrução específica (o que é muito conve-niente, pois as instruções de um programa não passam de valores numéricos interpre-tados por um processador). Definimos dessa maneira um “genoma” muito simples para o programa: uma sequência de variáveis que, ao assumir valores específicos (por exemplo,

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26 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

após o sorteio), representa um “genótipo”, um dos muitos programas possíveis dentro do genoma proposto.

Dificilmente um programa escrito assim faria algum sentido. Ainda menos provável seria que ele funcionasse como solução para um problema específico. Potencialmente, en-tretanto, existem sequências de instruções permitidas pelo genoma que solucionariam diversos problemas diferentes. Convencio-nalmente, encontrar a sequência correta de instruções para solucionar tais problemas se-ria função de um programador. E justamente aqui que um novo paradigma se faz presente:

O novo paradigma baseia-se fortemente nas regras da seleção natural, procriando no-vos programas a partir de uma variada reser-va de genes. As primeiras poucas décadas do software foram essencialmente criacionistas em sua filosofia – uma vontade todo-podero-sa conclamava o programa à existência. Mas a próxima geração é profundamente darwi-niana. (JOHNSON, 2001, p. 169)

Sequências de instruções inicialmente aleatórias podem evoluir até uma solução ade-quada. Para tanto, é necessário um laço de rea-limentação entre os resultados dos programas e as sequências de valores que os compõem. Essa realimentação é executada pelo algorit-mo genético, que neste caso pode ser descrito, de modo bastante simplificado, como:

1. Gerar uma população de programas aleatórios.

2. Avaliar o resultado de cada programa (função de avaliação).

3. Caso exista resultado satisfatório, parar a execução e apresentar uma solução.

4. Selecionar os programas mais efi-cientes e eliminar os restantes.

5. Gerar nova população de programas por meio de hibridização, mutação ou clonagem dos genótipos dos progra-mas selecionados.

6. Retornar ao passo 2.

E interessante notar que não há nada de essencialmente diferente num algorit-mo genético: ele é apenas uma sequência de instruções, como qualquer outro programa. Mas sua aplicação é relativamente aberta. Como os resultados dos programas são sele-cionados segundo uma função de avaliação, é possível evoluir programas com finalidades completamente diferentes por meio de uma simples troca da função de avaliação no mes-mo algoritmo genético.

Programas desse tipo existem há algum tempo. Dois exemplos no campo das artes são as obras Eden (Jon McCormack, 2000) e Evolved Virtual Creatures (Karl Sims, 1994), que apresentam criaturas simples capazes de evoluir os próprios comportamentos pro-gramados por meio de algoritmos genéticos. Em Eden, por exemplo, as pequenas criaturas circulares são capazes de evoluir comporta-mentos sonoros que atraem a atenção dos humanos sem que o autor do programa tenha sequer previsto algo semelhante. Na obra, a presença de pessoas em frente às telas gera indiretamente “alimento” para as criaturas, e

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27TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Marcos cuzziol

a capacidade de atrair a atenção de pessoas é uma significativa vantagem evolutiva.

Instruções como essas não são progra-madas, mas, antes, “cultivadas” por evolução artificial. Ao programador do sistema original cabe apenas definir uma função de avaliação apropriada para o comportamento desejado. Ele não precisa sequer compreender as solu-ções desenvolvidas por seu programa inicial. Algoritmos genéticos criam soluções que po-tencialmente podem estar além da capacida-de criativa de seus programadores humanos. Mas seria possível, para um programa, apren-der com a própria experiência?

Redes de instruçõesRedes neurais artificiais também se ba-

seiam na repetição de instruções bastante simples. São redes formadas por “neurônios” que se conectam entre si. Cada neurônio é representado por nada mais que um mero valor binário, podendo estar ligado ou des-ligado dependendo das conexões com ou-tros neurônios. As conexões representam sinapses, simples multiplicadores que tor-nam determinada conexão mais ou menos importante. O estado de um neurônio é defi-nido então pela soma dos estados de todos os outros neurônios a ele conectados, multipli-cados pelos respectivos pesos das sinapses: se a soma ultrapassar determinado valor, o neurônio liga; caso contrário, ele desliga.

Redes neurais são programas, con-juntos de instruções como as descritas an-teriormente. Mas programas como esses têm uma característica interessante: eles aprendem. Podem ser treinados. Uma apli-cação comum para redes neurais é o reco-nhecimento da escrita. Seria extremamente

difícil para um programador estipular quais características definem cada letra. O que torna um “f ” um “f ”? Como associar a ima-gem da letra “f ” ao caractere “f ”? Esse não é um problema trivial, ainda mais se conside-rarmos todas as possibilidades de represen-tação para cada letra e a forma como cada pessoa a representa.

Numa rede neural é possível apresentar a imagem da letra “f ” aos neurônios de entra-da e associar o caractere “f ” aos neurônios de saída. O processo de treinamento envolve recalcular os pesos das conexões, as sinapses, para que os neurônios de entrada resultem no valor de saída. Repete-se o treinamento para diversas versões da letra “f ” e de todas as outras letras. Após treinada, mesmo que se apresente à entrada da rede uma imagem de letra diferente das que fizeram parte do treinamento, a rede responde de forma coe-rente. Redes neurais aprendem a reconhecer padrões que seriam muito difíceis, senão im-possíveis, de codificar diretamente.

Sempre que utilizamos programas de reconhecimento de voz ou de escrita ou mes-mo um corretor ortográfico de última gera-ção, estamos usando um programa como o que foi descrito. Mas um descendente de Deep Blue, o computador Watson, é um exemplo mais impressionante. Capaz de responder a questões em linguagem natu-ral, Watson foi criado especificamente para competir com seres humanos no programa Jeopardy!, quiz show da TV americana. Com acesso a mais de 200 milhões de pá-ginas da web, incluindo todo o conteúdo da Wikipédia, o software criava a própria base de conhecimento, era capaz de encontrar padrões nas perguntas, pesquisar a base de

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28 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

conhecimento em busca de padrões simi-lares, acionar o botão quando confiante na resposta e responder, também em linguagem natural. Em 2011, Watson competiu com dois dos mais bem-sucedidos ganhadores do Jeopardy!, Brad Rutter e Ken Jennings. O computador, executando instruções como as descritas anteriormente, venceu.

Consciência artificial?A performance de um computador pode

ser medida pela velocidade com que ele exe-cuta um programa, mais especificamente pelo número de instruções executadas por segundo. Como exemplo, Deep Blue execu-tava 11 bilhões de instruções por segundo, enquanto Watson era capaz de seguir 80 trilhões de instruções na mesma unidade de tempo – ou seja, Watson tinha uma per-formance mais de 7 mil vezes superior. Essa diferença brutal pode ser esperada de dois supercomputadores desenvolvidos com mais de dez anos de intervalo.

Na verdade, diferenças brutais também devem ser esperadas dos computadores de nosso dia a dia. Um smartphone comum de 2015 apresenta uma performance entre dez e 15 vezes superior à de Deep Blue. Isso signi-fica que, com o software correto, seu celular poderia vencer qualquer ser humano em uma partida de xadrez. Se é possível já há algum tempo simular o funcionamento de neurô-nios, será possível simular integralmente o funcionamento de um cérebro humano? Um programa de computador pode atingir um es-tágio de consciência? Ainda é difícil respon-der à segunda pergunta, mas não à primeira.

No livro The Singularity Is Near (2006), Ray Kurzweil publica um gráfico de Hans

Moravec que compara o poder de proces-samento de computadores, por mil dólares de custo, com o de seres biológicos. A curva de crescimento ilustrada é uma exponencial curiosamente contínua – e vertiginosa. Os computadores mecânicos de 1900 mal se equiparavam à velocidade de processamento do cálculo manual. Em 1950 atingia-se a uni-dade: uma instrução por segundo, por milhar de dólares, nas primeiras gerações de compu-tadores eletrônicos. Em 1990, computadores pessoais alcançaram a marca de 1 milhão de instruções por segundo – foram necessários 90 anos para que essa marca fosse atingida. Apenas dez anos depois, em 2000, compu-tadores processavam 1 bilhão de instruções por segundo pelo mesmo valor. Na virada do milênio, 1 milhão de instruções por segundo – marca que levou 90 anos para ser atingida – eram acrescentadas aos processadores a cada 5 horas. Se no início dos anos 1990 um computador pessoal tinha a performance comparável à do cérebro de uma aranha, a projeção do gráfico indica que, por volta de 2020, um computador similar deve ultrapas-sar a performance de um cérebro humano, estimada em 1016 instruções por segundo. Se projetarmos o gráfico mais adiante, um computador pessoal teria, entre 2050 e 2060, mais performance que os cérebros de todos os seres humanos reunidos.

Podemos discordar da estimativa de performance do cérebro humano apresen-tada no gráfico de Moravec, mas o cresci-mento da velocidade dos computadores é inquestionável. Se o cérebro humano tiver, digamos, cem ou mesmo mil vezes mais poder de processamento que o estimado, computadores pessoais levariam somente

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30 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

mais alguns anos para alcançá-lo – e o gráfico considera o poder de processamento por mil dólares. Supercomputadores atuais já bei-ram a marca de 1016 instruções por segundo. Simular integralmente um cérebro humano, pelo menos em termos de poder de proces-samento, talvez já seja possível.

Mesmo no caso de programas que se utilizem unicamente de “força bruta”, com as velocidades de execução projetadas, po-demos esperar feitos notáveis já nos próxi-mos anos. O que dizer então de programas que evoluam e aprendam? Ainda que tais programas jamais atinjam uma verdadeira inteligência ou consciência, algo que pode ser questionado, não deve existir dúvida de que eles venham a ter impacto significativo sobre nossa sociedade e nossa cultura, mui-to mais do que o demonstrado até aqui por seus antecessores. E importante notar que as possibilidades aqui descritas se desenvolvem sob a ótica “bem-comportada” da chamada computação clássica, de programas que são executados linearmente, com uma instru-ção após a outra. Mas há algo surpreenden-temente mais poderoso em plena gestação: a computação quântica.

Um computador quântico trabalha com qubits, que podem assumir diversas superposições dos valores zero e 1 (em opo-sição ao zero ou 1 dos bits clássicos). Devido à característica do paralelismo quântico, um programa escrito para esse novo tipo de computador pode avaliar um número inimaginável de possibilidades diferentes numa única instrução. O adjetivo “inimagi-nável” não é um exagero: o algoritmo quânti-co proposto por Peter Shor, em 1994, para a fatoração de números inteiros, por exemplo,

tem potencial matemático para avaliar 10500 possibilidades diferentes simultaneamente. Falamos do número 1 seguido de 500 zeros numa única instrução. E virtualmente im-possível imaginar um número tão grande. Ele não é sequer comparável ao número estimado de átomos em todo o universo conhecido, que é de “apenas” 1 seguido de 80 zeros. Para executar tarefa semelhante à de uma instrução do algoritmo de Shor, o supercomputador mais rápido de 2015 leva-ria muito mais tempo que os 13,7 bilhões de anos da idade estimada do universo.

Protótipos de computadores quânticos já existem. Mesmo que ainda com um núme-ro de qubits reduzido (entre 4 e 7, portanto muito longe do potencial previsto matema-ticamente), esses protótipos demonstraram que o algoritmo de Shor funciona e que a ava-liação simultânea de possibilidades é real. O que será então de programas que hoje pre-cisam avaliar diversas soluções diferentes de forma sequencial? Como um programa quântico avaliará diferentes posições de pe-ças num tabuleiro de xadrez? Ou soluções de uma população num algoritmo genético? Ou, ainda, estados diferentes de neurônios numa rede neural artificial?

Independentemente das eventuais res-postas a essas perguntas, é sensato ter em mente uma possibilidade intrigante: a de termos de nos relacionar – de competir até – com entidades artificiais muito diferentes de nós mesmos. Com programas de compu-tador. Entidades que, pelo menos em alguns campos, já são mais competentes que nós. E que evoluem em velocidade incomparável.

Um cenário como esse já pode estar acontecendo.

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31TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Marcos cuzziol

Marcos CuzziolÉ engenheiro mecânico pelo Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP), com

mestrado e doutorado em artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo (ECA/USP). É desenvolvedor de games e sócio-fundador da Perceptum

Software Ltda., além de gerente do Núcleo de Inovação/Observatório Itaú Cultural. Atua

principalmente nos seguintes temas: games, realidade virtual, comportamento artificial

e arte e tecnologia.

Referências bibliográficas

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CAMPBELL, Murray. Autonomia e sistemas de jogos. In: ITAULAB (Org.). Emocao Art.ficial 5.0: autonomia cibernética. São Paulo: Itaú Cultural, 2010. p. 61-68.

HOLLAND, J. H. Adaptation in natural and artificial system. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1975. 228 p.

JOHNSON, Steven. Emergence: the connected lives of ants, brains, cities, and software. New York: Scribner, 2001. 288 p.

KURZWEIL, Ray. The singularity is near. New York: Penguin Books, 2006. 672 p.

MCCORMACK, Jon. Arte evolucionista: pirâmides cósmicas de baixo para cima. In: ITAULAB (Org.). Emocao Art.ficial 5.0: autonomia cibernética. São Paulo: Itaú Cultural, 2010. p. 47-59.

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33TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

2.34. USO CRIATIVO E CRÍTICO DE REDES COMPLEXASBurak Arikan

44. GAMES: UMA LINGUAGEM EM DESCOBERTAArthur Protasio

52. CROWDFUNDING BASEADO EM BLOCKCHAIN: QUAL SEU IMPACTO SOBRE A PRODUÇÃO ARTÍSTICA E O CONSUMO DE ARTE?Primavera De Filippi

64. UM SER DE SENSAÇÃOEdilamar Galvão

77. ARQUIVOS DE ARTE DIGITAL – ESTRATÉGIAS, METODOLOGIAS E PARADIGMASJorge La Ferla

SISTEMAS DE PRODUÇÃO EM REDE

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34 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

USO CRIATIVO E CRÍTICO DE REDES COMPLEXAS

Burak Arikan

Uso as redes complexas como meio criativo e crítico no meu trabalho há muitos anos. Começo este artigo explicando por que a rede lógica hoje é significativa em relação ao que é chamado de big data; em seguida, examino estratégias criativas por meio de meus trabalhos recentes MyPocket (2007), Artist Collector Network (2011-) e Monovacation (2013); por fim, percorro a Graph Commons, plataforma colaborativa de mapeamento em rede.

Para entender as redes complexas

A s redes complexas são uma área de estudo dos sistemas complexos, geralmente descritas como com-

posições de muitas partes autônomas inte-ragindo umas com as outras. Sinalização no nosso sistema neural, transmissão de dados entre os dispositivos de sistemas de teleco-municação, atividades comerciais em merca-dos, formações sociais em comunidades são alguns exemplos genéricos dessas interações de massa. Para entender um sistema comple-xo, primeiro precisamos de um mapa de seu diagrama de relações, que é composto de nós e conexões, ou pontos e linhas.

O diagrama de rede oferece uma lin-guagem comum que é tanto visual como matemática. A partir de um mapa de rede, podemos inferir informações qualitativas lendo seus atores e suas relações, bem como fazer análises quantitativas calculando sua estrutura de conexão. Na verdade, podemos usar essa linguagem comum para estudar

sistemas que podem diferir em sua nature-za, em sua aparência ou em seu escopo. Por exemplo: três sistemas bem diferentes – al-guns atores que atuaram nos mesmos filmes, organizações conectadas por meio de parce-ria e dispositivos que enviam mensagens uns aos outros – poderiam, em tese, ter estrutu-ras de rede similares. A natureza dos nós e das conexões difere muitíssimo, ao passo que cada rede pode ter a mesma representação de rede. Podemos usar esse método simples de mapeamento de rede para começar a estudar toda uma série de sistemas complexos.

Por que a lógica de rede hoje é significativa?

Vamos ver por que as redes hoje têm importância, embora tenham existido em todas as sociedades da história. Sabe-se que, 3 mil anos atrás, as colônias de fení-cios e gregos criaram suas rotas comerciais e construíram redes de portos no Mediter-râneo1. Hoje, contudo, na mesma geografia, cabos submarinos conduzem mensagens e

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35TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Burak arikan

possibilitam um sistema global de comuni-cação2. O que temos atualmente não são ape-nas redes analógicas ou eventos cotidianos, mas redes digitalizadas, assim como muitos aspectos da vida são digitalizados.

Hoje as redes são importantes porque os sistemas de comunicação eletrônicos basea-dos em software tornaram as redes mensurá-veis. Só em nosso tempo as redes são capazes de atingir uma escala global e infiltrar-se em todos os aspectos de nossa vida. Com as atuais tecnologias avançadas de informação, as métricas do efeito de rede tornaram-se rastreáveis e mensuráveis inclusive em nossa vida diária, estruturando, ao mesmo tempo, o mundo social como tal.

Na verdade, todos nós experimentamos o efeito de rede – do e-mail ao e-commerce, das redes sociais ao banco pela internet, das telecomunicações ao transporte. Todos nós reconhecemos o fato de que o mundo está mais complexo do que nunca. Parece-nos tanto plano – podemos alcançar qualquer pessoa em qualquer momento – quanto caó-tico – nossa caixa de entrada de e-mails é inundada por informações vindas de todas as direções. Desde sua infância, a internet mostrou sua natureza contraditória ao evoluir de redes para redes. Dependendo de como a usa, você pode ser extremamen-te livre e anônimo ou controlar e vigiar as populações. Às vezes somos oportunistas em relação à internet, apregoando que ela

é um bem global; outras vezes somos pessi-mistas, sabendo que estamos sob vigilância contínua. Neste mundo contraditório, que ao mesmo tempo é plano, caótico, livre e confina-do, mais uma vez se coloca a pergunta: onde está e por onde circula o poder?.

Uma das respostas à questão do poder nas redes reside na prática da mensuração. Mais particularmente, na “concordância vo-luntária” em ser o sujeito da mensuração em vez de o observador que mede. Se você fizer uma pesquisa em um campus univer-sitário pedindo aos estudantes que listem seus melhores amigos e depois reunir essas listas e cruzar os nomes, poderá simples-mente construir um mapa de uma rede so-cial no campus. Isso não é novidade depois do Facebook e tudo mais. Contudo, menos conhecido é o fato de que, uma vez tendo o mapa de uma rede social, você pode come-çar a explorar atores centrais, atores perifé-ricos, conexões indiretas e grupos orgânicos – um tecido social que de outra maneira lhe seria invisível. Além disso, podem-se fazer cálculos baseados no diagrama da rede e predizer futuras conexões possíveis entre os incluídos no mapa.

Mas veja: o mapa da rede social do cam-pus só poderia ser criado se os estudantes concordassem em declarar suas relações, e de forma exata. Se algum estudante se re-cusasse a listar seus amigos ou se levasse a pesquisa na brincadeira e declarasse sem

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36 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

exatidão, ele bloquearia o que o mapa pode capturar e afetaria sua estrutura. É claro que, no mundo real, o controle “protocoló-gico”, como diz Alexander Galloway (2004), gera consentimento para seguir certas re-gras convencionadas, ou protocolos, que regem o conjunto de padrões possíveis de comportamento em um sistema heterogê-neo. Assim, por exemplo, todos desejamos clicar o botão “Adicionar aos amigos”, o que resulta na geração de um mapa de rede so-cial. Você pode fazer download de toda a sua lista de contatos, mas não das informações sobre as relações entre eles, que são de pro-priedade do Facebook Inc. e seus parceiros.

Hoje sabemos que os dados de forma co-nectada, como em gráficos, são informações valiosíssimas. É por isso que toda atividade humana está sendo continuamente captu-rada como dado e mapeada sob a forma de gráficos proprietários, também chamados de gráficos sociais, gráficos de conhecimento ou gráficos de interesse, que contêm relações capturadas em escala e visíveis apenas para quem as captura.

As técnicas usadas para capturar e medir as relações como dados já foram bem explicadas no livro publicado em 1934 por Jacob Levy Moreno, fundador da so-ciometria, da psicoterapia de grupo e do sociodrama3. O livro explica o uso de um gráfico X-Y para capturar uma atividade social, colocando as pessoas como filei-ras e o tempo como colunas, fazendo uma marca cada vez que uma pessoa fala com outra. Se duas ou mais pessoas falarem em determinada coluna de tempo, emerge um padrão vertical. Ao cruzar fileiras e colunas, gera-se um mapa relacional. Por exemplo:

Moreno usa esse método para observar e medir a atividade em escolas; demonstra que as crianças do jardim de infância for-mam grupos aleatórios, ao passo que as da 3a série se reúnem entre meninos e meninas. Bem, as próprias crianças, seus professores e seus pais podem estar conscientes dessa estrutura social; depois de mapeada, con-tudo, a informação passa a estar disponível e a ser útil para qualquer terceiro. Moreno inventou na década de 1930 essas técnicas de mapeamento de relações, cujas versões digitalizadas e mais avançadas hoje estão nas mãos de corporações e agências go-vernamentais. Assim, quando um setor de nossa vida é sensoriado e capturado como dado, ele é ligado a outras pessoas, aconteci-mentos e coisas e passa a fazer parte de um grande gráfico proprietário, “comoditizado” como todo o resto, aberto a intermináveis inferências dos poderosos.

A questão do direito à privacidade dos dados pessoais é amplamente discutida, mas são igualmente importantes tópicos como a geração de dados sob o ponto de vista do tra-balho, a economia política da coleta massi-va de dados e o uso dessas técnicas de forma crítica e criativa não só pelos que estão no poder, mas também pelas pessoas comuns. Uma força motora clara para os negócios mo-vidos a dados é o fato de que, se você capturar uma atividade, medi-la e mapeá-la, poderá formulá-la matematicamente e a modelar; se puder modelá-la, poderá predizer seu futuro; se puder predizer seu futuro, poderá contro-lá-lo. Quando a captura e o mapeamento de dados são aplicados apenas por um pequeno número de instituições às demais pessoas, começa a aumentar a desigualdade de poder.

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37TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Burak arikan

As redes complexas como meio criativo e crítico

Agora, vamos examinar exemplos do meu trabalho sobre o uso criativo e crítico das redes complexas. A discussão será feita de acordo com três estratégias:

1. predição – gerada pela análise de da-dos conectados, como nos trabalhos MyPocket e Artist Collector Network;

2. transversal – agregação de experiên-cias a partir da navegação na rede, como em Monovacation;

3. mapeamento coletivo – conexão en-tre dados parciais para compor uma imagem mais totalizante, como no projeto Graph Commons.

Antes de passar a essas estratégias, eu gostaria de mencionar três artistas que traba-lharam com pesquisa e diagramas no passado e influenciaram o meu trabalho. Em meados da década de 1950, Guy Debord criou o termo “psicogeografia” como estudo de ambientes geográficos em relação às emoções e aos comportamentos de indivíduos. Na década de 1970, George Maciunas, lançador do movi-mento “fluxus”, desenhou gráficos de história da arte, uma crônica exaustiva desse movi-mento que também narraria suas origens desde o início da arte performática. Hans Haacke, que começou a pensar e a fazer arte como sistema na década de 1960, criou em 1971 uma instalação documental – Shapolsky et al., Manhattan Real Estate Holdings, um Sistema Social em Tempo Real –, que seria exibida no Museu Guggenheim, em Nova

York, mas a obra foi considerada “inadequa-da” pelos gestores do museu e a exposição foi cancelada porque os gráficos continham o nome de um truste do Guggenheim4.

Esses artistas usaram diagramas e da-dos de maneira crítica e criativa em seu tem-po. Minha obra é impelida por sua influência, mas utiliza técnicas contemporâneas de tra-balho com software e dados e é focada nas condições sociais e políticas do nosso tempo.

MyPocket (2007)Em 2005, quando estudava no Labo-

ratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), tive uma reunião com a MasterCard, um dos patrocinadores do laboratório. Eles pergun-taram se poderíamos visualizar as milhares de transações da empresa no mundo todo. Saí da reunião com uma sensação incômoda. Pensei: se eles podem ver meus padrões de gastos, eu também deveria vê-los. Então fiz o download das transações de minha conta bancária e comecei a inserir os dados em grá-ficos básicos, observando com que frequên-cia compro coisas. A lista contém xícaras de café de várias cafeterias, passes mensais de metrô, compras de supermercado de vez em quando, saques em caixas automáticos etc. O crucial aqui é que os bancos compartilham essas informações com terceiros, inclusive com serviços financeiros, lojas e empresas de marketing. Até dizem em seu acordo com o consumidor: “Se você solicitar que não compartilhemos informações com terceiros, mesmo assim podemos fazê-lo”5.

MyPocket é um sistema de software que pega dados das minhas transações bancárias para predizer o que vou comprar dia sim, dia

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38 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

não. Cada vez que eu usava meu cartão, os dados da transação iam para a minha conta bancária e eram automaticamente incluídos na base de dados do MyPocket, então anali-sada e transformada em predições. Essa pode ser considerada uma primeira crítica ao fenômeno do eu quantificado. Vejamos seu material. O trabalho é um sistema e tem três instâncias que manifestam as ideias: o gráfico de transações, o feed de transações e os objetos preditos, que são exibidos juntos.

O gráfico de transações é o mecanismo central de predição do modelo em rede, no qual os nós são os eventos de transações in-dividuais e as conexões são similaridades, criadas se dois gastos pertencerem à mesma categoria ou acontecerem no mesmo dia da semana. As cores das bordas mudam com base na intensidade da força: são mais cla-ras quando maiores, mais escuras quando mais fracas. Com o uso desse modelo de rede e com a ajuda das regras personalizadas, o programa foi capaz de fazer predições corre-tas a respeito de meus gastos diários.

O feed de transações informa se mi-nhas compras haviam sido postadas publi-camente na internet. Qualquer um podia ver o que eu tinha comprado no passado e o que compraria no futuro. Aqui, os verme-lhos indicam predições atuais, os verdes compras corretamente preditas e os bran-cos compras não preditas. Como resultado, os dados relativos aos meus gastos deixaram de ser exclusividade de bancos e empre-sas de marketing.

Por fim, os recibos coletados eram or-denados em uma caixa; cada vez que eram corretamente preditos, eu marcava sua pro-babilidade com um carimbo verde. Junto com

as informações únicas sobre eles, data com detalhes de segundos e identidade única, os recibos se tornaram o que chamo de objetos preditos. A existência dessas evidências físicas de um evento único era predita por meio de análise e vivência deliberadas. Eles são readymades, como os objetos ordinários apropriados por artistas contemporâneos. No entanto, esses readymades são encon-trados no futuro, e não no passado, dife-rentemente dos readymades que Duchamp inventou no início do século XX.

Artist Collector Network (2011)Outro exemplo de estratégia de predi-

ção no uso de redes complexas é o projeto Artist Collector Network [Rede Colecionador- Artista], que iniciei em 20116.

Em 2010, morando em Istambul, na Turquia, me envolvi com mais intensidade no ecossistema artístico, percebendo que o mercado de arte em expansão em Istambul tem bastante influência sobre a produção artística. Senti a necessidade de examinar a forma desse mercado, mais particularmente a influência dos colecionadores no sistema. As-sim, comecei a pesquisa que chamo de Artist Collector Network, um mapa exploratório de colecionadores e artistas baseado na relação que implica estar em uma coleção de arte.

É claro que o artista pode estar em várias coleções e que o colecionador pode ter muitos artistas em sua coleção. Alguns colecionadores reúnem, em profundidade, muitas peças de poucos artistas, ao passo que outros fazem coleções laterais, com poucas peças de cada artista. Essa intensidade é re-presentada como o peso das bordas, que guia a organização do layout desse gráfico.

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39TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Burak arikan

Quando o modelo de rede é preenchido com dados da pesquisa, obtemos as relações artista-colecionador em escala. Os nomes dos artistas estão em vermelho; os dos co-lecionadores, em preto. O mapa contém 46 colecionadores, 738 artistas e 3.256 cone-xões. Os dados para o mapa foram gerados fazendo-se perguntas diretas a coleciona-dores e artistas, de forma que as informa-ções foram fornecidas por ambas as partes de uma aquisição. No entanto, os dados só foram verificados uma vez pela pessoa que forneceu as informações. Esse é o “protocolo de pesquisa” que decidi acrescentar delibera-damente ao trabalho, o que cria uma tensão entre os dois lados, os donos dos dados rela-tivos a uma aquisição de arte.

Se examinarmos um detalhe do mapa, a proximidade dos nomes significa que são similares em termos do mercado de arte. A centralidade de um nome representa sua in-fluência no mercado de arte da Turquia. É possível explorar o diagrama de rede intera-tivo ressaltando certas partes e filtrando ou-tras, analisar e entender a estrutura da rede e ver quem são os atores centrais, quais deles estão na periferia, que atores têm relações indiretas, onde são formados os grupos orgâ-nicos e onde há lacunas entre certos grupos – assim, são exploradas relações invisíveis de poder. Mesmo em casos em que a grande quantidade de dados obriga a fazer um mapa maior do que um plano visível, a interface do algoritmo dá acesso a seu uso.

Trata-se de um projeto em andamento. Enquanto o trabalho está em exibição, soli-cito às instituições que o expõem que me co-nectem com a rede de arte ao seu redor para que eu possa pedir às pessoas que participem

do mapa. Há um chamado aberto no seu site; não é necessário dizer que o mapa de rede interativo está disponível on-line para que todos o vejam.

Com a última fase desse trabalho é introduzido um sistema de predição algo-rítmica para apresentar futuras conexões entre artistas e colecionadores, ou seja, a probabilidade de um colecionador adquirir uma obra de um novo artista e vice-versa. Isso foi calculado com base nas conexões compartilhadas pelos atores. Ao digitar um nome no mapa, ressaltam-se suas conexões diretas e também as predições em verde. A predição de conexão é outro uso algorítmico de um diagrama de rede, no qual a estrutura de dados e seu uso revelam novas informa-ções sobre poder.

Monovacation (2013)Agora vamos para a estratégia do

“transversal” no uso de redes complexas. Monovacation refere-se “às férias” das fé-rias… Comerciais turísticos oficiais de paí-ses que concorrem uns com os outros foram selecionados e cada filme foi dividido em cli-pes o menor possível. Os clipes, com dura-ção de três a quatro segundos por natureza, foram codificados com tags. Por meio de um diagrama de rede que roda como simulação por software, essas tags são conectadas umas com as outras via clipes compartilhados que encontraram suas posições no mapa. Em seguida, foi gerada uma nova sequência por meio de uma transversal no mapa de rede, pulando de um nó para o nó mais próximo, seguindo o caminho dos nós mais centrais. Do litoral do Egito a Portugal, da mulher de Israel à da Índia, de figuras mitológicas da

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40 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Tailândia às da Turquia, aqui vem uma fan-tasia extraída de “férias”…7

Esses comerciais oficiais comparti-lham temas mais ou menos comuns. Por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos e no Egito as pessoas cavalgam como esporte; na Turquia, o cavalo é um objeto mitológico; em Portugal e na Espanha, pode-se treinar cavalos... Os países do Sudeste Asiático se anunciam como lugares místicos; a região do Mediterrâneo se concentra em gastronomia, vinho e vida noturna; a Europa Meridional quer ser a vizinha onde você descansa, e as-sim por diante. Cada sequência recortada é codificada com tags descritivas, reflexivas e conceituais. Quando se unem as tags, as tags compartilhadas nos clipes fazem um mapa de similaridade. Ao rodar o diagrama de rede como simulação por software, foram encontradas suas posições no layout da rede. Depois, começando de uma periferia, o nó “barco a remo” na parte inferior, roda-se um algoritmo transversal, pulando de um nó para o mais próximo, seguindo o caminho dos nós mais centrais. O que vemos como re-sultado desse gráfico transversal é um novo tipo de montagem cinematográfica, que se move por meio de morfos de conceitos, e não de morfos de imagens.

Graph Commons e uso coletivo de redes complexas

Agora, como estratégia final, vamos examinar o mapeamento coletivo. A tática do Estado, em parceria com certas corpora-ções, para monitorar os próprios cidadãos por meio do que foi chamado de big data e os vazamentos da National Security Agency (NSA) [Agência de Segurança Nacional, nos

Estados Unidos], entre outras situações, também atraíram nossa atenção para uma ferramenta inacessível, porém bastante mágica, usada para saber e predizer o que as pessoas querem. Isso foi possível ao entender a estrutura inter-relacionada ou conectável da informação gerada por muitos, mas, como foi dito, aberta só a poucas instituições.

Em outras palavras, a lógica de rede foi mistificada aos olhos do público. Apenas os especialistas em determinados campos têm agregado grandes quantidades de dados e usado ferramentas científicas para visuali-zá-los e analisá-los em base relacional. Nem os dados relacionais nem as ferramentas de visualização e análise são acessíveis às pes-soas comuns. Contudo, é um mito dizer que as pessoas comuns não têm acesso a dados. Nós somos, no entanto, os dados para gover-nos e corporações, que fazem “sensoriamen-to” contínuo de nossas atividades.

Na verdade, a interconexão de pontos de dados ao nosso redor e o mapeamento co-letivo de relações que podemos observar de fato tornariam estruturas complexas visíveis e, assim sendo, discutíveis. Juntos podemos mapear relações e desdobrar as questões que têm impacto sobre nós e sobre nossas comu-nidades. Todos nós deveríamos ser capazes de mapear conscientemente as redes que nos interessam e nossas relações, entender sua complexidade, apropriar-nos de nossos big data pessoais ou coletivos, controlar seu uso e agir sobre eles para compreender e adminis-trar futuros possíveis (CASTELLS, 2004).

Para usar a inteligência de rede e ir além das metas que ela pretende alcançar, preci-samos de ferramentas acessíveis e fáceis de utilizar, com muitos exemplos, e de meios

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41TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Burak arikan

Commons International 4.0. Se nossas re-lações e nossa conectividade criarem uma espécie de bem imaterial, um gráfico forma-do por essas conexões constituirá uma pro-priedade imaterial, que pode ser criada por meio do fazer coletivo, da propriedade cole-tiva e do controle coletivo. Assim sendo, os gráficos tornam-se bens comuns como parte do conhecimento em comum da era da rede.

Ao se envolver no processo de mapea-mento de rede e visualizar muitos exemplos de gráficos, você começa a se conectar com um pensamento racional contra o que era mí-tico, pode entender quanto valor gera quan-do o seu gráfico é capturado e ver o quanto é visto sobre você. Não se assume mais uma posição submissa – você não é mais o objeto: agora é o próprio sujeito da ação.

para colaborar em mapas. Por meio de uma espécie de alfabetização em redes, os não es-pecialistas poderiam penetrar na mais fina complexidade e desfrutar de seus méritos. A ideia da plataforma Graph Commons nasceu dessas intenções em 2011.

Graph Commons é uma plataforma co-laborativa de mapeamento de rede baseada na web e que também atua como base de conhecimento diagramático de relações8. Na Graph Commons, você entende redes complexas ao transformar os seus dados em mapas de redes interativas, descobrir novas relações e compreender questões complexas a partir de uma interface simples. Pode-se compilar coletivamente dados sobre os tó-picos que o interessam, definir e categorizar relações e mapear as questões que têm im-pacto sobre você e sua comunidade e, assim, experimentar coletivamente o ato de mapear como prática em andamento. Faça um power search em diversos gráficos, convide pessoas para colaborar no seu trabalho e peça para contribuir no delas, envolva-se em profun-da colaboração.

Ao usar a interface baseada na web, qualquer indivíduo pode começar a mapear redes, a aprender o vocabulário de análise de rede e a utilizar a inteligência de rede. Os membros da Graph Commons têm usa-do a plataforma para investigar questões de áreas como jornalismo, pesquisa de dados, ativismo cívico, estratégias, análise organi-zacional, design de sistemas, exploração de arquivos e curadoria de arte.

Todos os pontos de dados – nós e bor-das – da Graph Commons são de propriedade dos membros que os criaram e licenciados para seus autores com a licença Creative

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42 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Burak ArikanÉ um artista que divide seu tempo entre Nova York (Estados Unidos) e Istambul

(Turquia) e trabalha com redes complexas. Usa as questões sociais, econômicas e políticas

óbvias, como o input, e passa por um maquinário abstrato que gera mapas de rede e

interfaces algorítmicas, resultando em performances e procriando predições para tornar

visíveis – e, assim, discutíveis – relações inerentes de poder. Seus softwares, suas gravuras,

instalações e performances já foram apresentados em várias exposições internacionais.

É fundador da Graph Commons, plataforma colaborativa de mapeamento de rede. Já

expôs em instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e as bie-

nais de arquitetura de Veneza (Itália), São Paulo, Istambul, Berlim (Alemanha), Sharjah

(Emirados Árabes Unidos) e Marrakesh (Marrocos), além de Ashkal Alwan (Líbano), Ars

Electronica (Áustria), Sonar (Espanha), Demf, Museu de Arte de Neuberger (EUA), Ins-

tituto KW de Arte Contemporânea (Alemanha), Borusan Contemporary, Depo, Arter e

Salt (Turquia). Também expôs em locais independentes, como Art Interactive (EUA),

Künstlerhaus Bethanien (Alemanha), Hafriyat (Turquia) e Turbulence (on-line). Ministrou

e realizou workshops em instituições como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts

(MIT, na sigla em inglês), a Escola de Design de Rhode Island, o Programa de Telecomu-

nicações Interativas da Universidade de Nova York, The New School (todos nos EUA), a

Universidade Técnica de Istambul, a Universidade Bogazici, a Universidade Sabanci e a

Universidade Istambul Bilgi (as quatro na Turquia). Concluiu mestrado no Laboratório de

Mídia do MIT, no Workshop de Linguagem Física (PLW, na sigla em inglês), sob a direção de

John Maeda. No MIT, também realizou pesquisas explorando sistemas em rede que tratam

da transição da conectividade para a coletividade no contexto da expressão criativa. É

mestre em comunicação visual pela Universidade Istambul Bilgi (2004) e bacharel em

engenharia civil na Universidade Técnica Yildiz (2001), também na Turquia.

Referências bibliográficas

CASTELLS, Manuel. Posfácio: why networks matter. In: MCCARTHY, H.; MILLER, P.; SKIDMORE, P. (Ed.). Network logic. London: Demos, 2004. p. 221-225.

GALLOWAY, Alexander R. Protocol: how control exists after decentralization. Cambridge: MIT Press, 2004.

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43TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Burak arikan

Notas

1 Veja mais em: <https://ridgeaphistory.wikispaces.com/Mediterranean+Trade+Routes>. Acesso em: 31 ago. 2015.

2 Veja mais em: <http://www.submarinecablemap.com/>. Acesso em: 31 ago. 2015.

3 MORENO, Jacob Levy. Who shall survive? 2nd ed. 1953. Disponível em: <http://www.asgpp.org/docs/wss/wss.html>. Acesso em: 31 ago. 2015.

4 Descrição do trabalho de Hans Haacke na exposição Open Systems, na Tate Modern (Inglaterra), em 2005. Saiba mais em: <http://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/exhibition/open-systems/open-systems-room-7>. Acesso em: 31 ago. 2015.

5 MyPocket, de Burak Arikan, 2007. Saiba mais em: <http://burak-arikan.com/mypocket>. Acesso em: 31 ago. 2015.

6 Artist Collector Network, de Burak Arikan, 2011. Saiba mais em: <http://burak-arikan.com/acn>. Acesso em: 31 ago. 2015.

7 Monovacation, de Burak Arikan, 2013. Saiba mais em: <http://burak-arikan.com/monovacation>. Acesso em: 31 ago. 2015.

8 Sobre a plataforma Graph Commons, acesse: <https://graphcommons.com/about>. Acesso em: 31 ago. 2015.

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44 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

GAMES:uma linguagem em descoberta

Arthur Protasio

Os jogos eletrônicos enfrentam um constante processo de transformação. Este artigo busca gerar uma provocação no sentido de compreender e conhecer melhor a linguagem dos jogos a partir de seus obstáculos sociais e de suas definições estruturais. Perguntas como “Quais são as mídias e as motivações que inspiraram a criação dos games?” e “Para onde essa inspiração nos levou?” são cruciais nessa reflexão.

Jogo eletrônico. Experiência intera-tiva digital. Ou simplesmente game. Não importa a denominação usada;

falar sobre videogames é sempre um desa-fio. Felizmente, significa que a pauta deverá abordar pelo menos um destes três itens: tec-nologia, cultura, engajamento. A questão, no entanto, é que, apesar da presença desses três elementos, a mídia do jogo ainda enfrenta obs-táculos para conseguir ser aceita como uma das uniões dessa trindade.

A começar pelo fato de que, se reparar-mos na repercussão dos jogos eletrônicos na atualidade, aparentemente nenhuma outra mídia é tão comentada quando se fala em sucesso comercial e deturpação de valores. Um dos jogos que melhor exemplificam essa polêmica é a série Grand Theft Auto (GTA), criada em 1997 e com o lançamento mais re-cente em 2013. Embora seja conhecida por ter quebrado diversos recordes da indústria do entretenimento, conforme os registros mundiais do Guinness World Records – afi-nal, arrecadou 1 bilhão de dólares em apenas

três dias após seu lançamento –, também foi intensamente acusada de estimular os joga-dores a cometer crimes na vida real. Contu-do, pouco se conhece ou se discute a respeito dos desdobramentos culturais e narrativos dos games e, consequentemente, dessa série que tem como base a sátira da história cultu-ral da América do Norte.

Isso nos leva à curiosa constatação de que o contexto global em que os jogos eletrônicos se encontram é peculiar. Em-bora sua origem remeta ao fim da déca-da de 1950, e desde a década de 1970 eles existam como produtos comercializados, esses jogos ainda representam uma mídia relativamente jovem. Afinal, jogos digitais são produtos tecnológicos que se valem de uma plataforma para transformar coman-dos de programação em uma experiência interativa. No entanto, qualquer que seja a atividade criada em um game, ela será um reflexo do intelecto de seu criador e deverá prender a atenção do público se quiser ser bem-sucedida.

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45TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Arthur ProtAsio

Foi assim que os jogos eletrônicos nasceram como experimento em um am-biente universitário. Em 1958, William Higinbotham criou, com o intuito de entre-ter os visitantes do Laboratório Nacional Brookhaven (Nova York, Estados Unidos), o jogo Tennis for Two, utilizando um oscilos-cópio e um computador analógico. Embora não seja um ponto pacífico de discussão, Kent (2001) afirma que diversos historia-dores identificam esse momento como a criação do primeiro jogo eletrônico. Na se-quência, o primeiro game a ser considerado comercialmente viável foi Computer Space, uma adaptação do jogo Spacewar! lançada em 1971, fixando os alicerces para o apare-cimento de uma nova indústria no setor do entretenimento. Pac-Man, Pong e Asteroids são outros nomes que se tornaram popula-res nessa fase.

Desde então, o sucesso comercial dos jogos eletrônicos permitiu uma gradual acei-tação tanto no âmbito de políticas públicas quanto na forma como são percebidos pelos meios acadêmicos e de comunicação. Mais de 40 anos depois, em 2015, esse mercado continuamente fatura bilhões de dólares, superando, inclusive, os números da indús-tria cinematográfica e conferindo destaque econômico ao segmento. Não coincidente-mente, desde 2008 o recorde anual de maior lançamento da indústria do entretenimento tem sido conquistado por jogos eletrônicos.

Provando que os games são uma mídia em ascensão, o Guinness registra os seguintes recordes mundiais: Grand Theft Auto IV (Rockstar Games), em 2008; Call of Duty Modern Warfare 2 (Activision), em 2009; Call of Duty: Black Ops (Activision), em 2010 (CTS GAME STUDIES, s.d.); Call of Duty Modern Warfare 3 (Activision), em 2011 ( FIGUEIREDO, 2011); Call of Duty: Black Ops 2 ( Activision), em 2012 (MONTEI-RO, 2013); e Grand Theft Auto V (Rockstar Games), em 2013 (PITCHER, 2013).

Ainda assim, se o jogo é visto apenas no âmbito comercial, seu potencial como obra cultural é desperdiçado, o que nos leva ao questionamento sobre o que de-fine um game. Com base nos estudos de Huizinga (2008), Parlett (1999), Caillois (1962 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003) e Juul e Crawford (2002 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003), Salen e Zimmerman (2003) acreditam que um jogo pode ser mais bem definido considerando-se alguns ele-mentos norteadores. Ambos promoveram uma definição a partir da síntese das carac-terísticas mais comuns identificadas em di-versas definições de jogos (eletrônicos ou não). Para eles, jogos são (1) uma atividade, um processo ou um evento que (2) possuem regras que limitam os jogadores; (3) pos-suem objetivos; (4) estabelecem conflitos ou competições; (5) envolvem tomada de deci-sões; (6) são artificiais e (7) e voluntários.

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46 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Em essência, embora a definição ofere-cida por Salen e Zimmerman intencional-mente inclua os jogos eletrônicos, ela não é muito diferente da elaborada por Huizinga. Significa dizer que, ao passo que a explica-ção desse último se apresenta mais como um conceito abstrato (que inclusive pode ser aplicado à experiência de entreteni-mento de uma maneira geral), a definição de Salen e Zimmerman é útil para elencar itens específicos e particulares à mídia dos jogos, como as regras.

Koster (2005) dá prosseguimento a essa discussão da definição de jogo por outro viés. Ele comenta que os autores supracitados e outros designers, como Ernest Adams e Sid Meier, concordam em diversos pontos. Todos entendem que os jogos são uma realidade pró-pria, uma simulação, um sistema formal, e ne-cessitam de regras, além de permitir escolhas e apresentar conflitos. Contudo, para Koster, nenhuma definição menciona a presença da “diversão” como um elemento crucial. O autor

prossegue dizendo que a diversão é o prazer ou a fonte de satisfação que se consolidam quando um jogador passa a compreender e a dominar o jogo – assim como quando um quebra-cabeça é solucionado.

Curiosamente, embora Salen e Zimmerman não usem o termo “diversão”, eles apresentam uma definição similar sob a alcunha de “participação significativa” (2003, p. 1.018-1.023). Para eles, todo jogo deve almejar essa participação, pois ela é a meta de qualquer design de jogo bem-suce-dido. Dessa forma, é possível concluir que a participação significativa é fruto de um jogo bem projetado. Isso pode se dar pela relação entre a ação do jogador e o resultado do sistema, constituindo, então, o processo pelo qual o jogador realiza ações no sistema projetado e a forma como o sistema do jogo responde a essas ações. Assim, essa partici-pação é valorizada, pois as ações do jogador e os resultados do jogo se tornam discerníveis e integrados ao contexto deste.

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47TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Arthur ProtAsio

Fica evidente, portanto, que no cerne do jogo está o diferencial da interação. Sem ela, a criação dessa estrutura não cumpre sua função de promover esse vínculo de parti-cipação com o jogador. Sem essa estrutura não há engajamento. Contudo, para que a interação tenha impacto ou significado, ela precisa ser uma obra comunicativa, e é a par-tir desse viés que o game reforça sua relevân-cia como linguagem.

Para compreender o jogo como obra transmissora de ideias, é importante tam-bém atentar para a compreensão do gênero como discurso. Segundo Bakhtin (2003), a comunicação é indispensável aos seres hu-manos, podendo se dar por meio de variadas manifestações linguísticas, como a escrita, a oralidade, o som, os gestos e as expressões fisionômicas. Essas manifestações atingem uma grande diversidade, pois se relacionam diretamente com as esferas da atividade humana. Assim, o gênero é uma instân-cia comunicativa, que pode ser cotidiana e

realizada de maneira espontânea, imediata e informal ou ter mais complexidade e ser mediada pela escrita, como no caso de ro-mances, teses, peças e palestras.

O jogo, no entanto, não é necessaria-mente escrito, por se tratar, em termos estru-turais, de uma obra audiovisual interativa, já que sua postura comunicativa é relacional e de constante significação (e ressignificação) do indivíduo. É essa característica dinâmica que garante ao gênero uma constante trans-formação a partir da interação.

Um exemplo desse caso é a apresenta-ção do jogo LA Noire no Festival de Cine-ma Tribeca, em Nova York. Um dos motivos para a exposição de um jogo eletrônico em um festival de cinema foi a extensão e a complexidade do roteiro da obra – que, com 2.200 páginas, equivale a duas temporadas de uma série de TV. Esse dado nos leva a perceber que a linguagem do jogo eletrônico, em realidade, é um amálgama de diversas outras linguagens.

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48 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Portanto, é impossível falar sobre jogos digitais sem perceber que sua formação se inspirou em tantas outras formas de arte e comunicação para se consolidar, bem como é indiscutível reconhecer que em todas as experiências criadas pelos jogos há discursos sendo proferidos e histórias sendo contadas. Dessa maneira, cria-se uma conexão direta com os jogos e a narrativa.

Enquanto uma história é compreendi-da como uma sequência específica de even-tos com personagens, a narrativa, por sua vez, se revela como o gênero, ou seja, a forma pela qual essa sequência de eventos é narra-da de acordo com a perspectiva subjetiva do narrador. Essa distinção nos permite perce-ber que cada linguagem, e especificamente cada jogo, adota uma forma particular de contar sua história. A seleção dos elementos (que sempre ocorre no momento da estru-turação das regras) determina a quantidade e a qualidade de eventos a ser narrados e, portanto, afeta o todo.

Sob essa ótica, Frasca (1999) enxerga os jogos como detentores de elementos narrati-vos e encoraja a experimentação. O pesqui-sador afirma que as regras do jogo devem ser abertas o suficiente para que diferentes abor-dagens sejam permitidas ao jogador, diferen-temente de uma narrativa tradicional, em que a intriga é fechada e imutável. Assim, os jogos têm potencial para deixar que o jogador deter-mine a forma como quer participar da expe-riência – e, apesar de ele não se tornar autor da estrutura, a liberdade oferecida lhe confere a autoria das ações realizadas. Para Frasca, a narrativa complementa o jogo na medida em que, ao apresentar elementos críveis e identi-ficáveis em suas histórias, permite estimular

o pensamento crítico por parte do jogador e caracterizar o jogo como uma mídia ideal para discutir e explorar questões pessoais e sociais.

Reiterando esse entendimento, é pos-sível observar uma relação entre os jogos e o ato de contar histórias que acompanha essa mídia desde sua origem. Como todo processo criativo que se fundamenta em alguma ins-piração, é natural que os jogos eletrônicos sempre tenham sido influenciados por ou-tras linguagens, como a literatura, o cinema e os role-playing games (RPGs). Exemplos desse cenário e sua evolução são percebidos desde o surgimento dos jogos Colossal Cave Adventure, lançado em 1976, e The Bard’s Tale, de 1985. Embora haja um espaço de nove anos entre a data de lançamento de um e a de outro, ambos os jogos fazem parte de um mesmo paradigma tecnológico, promo-vendo uma relação textual com seu usuário de forma que toda a atuação do jogador seja dependente de frequentes – e muitas vezes extensas – leituras.

Ainda que os jogos sejam distintos, pois o primeiro se assemelha a um livro-jogo, en-quanto The Bard’s Tale é parte integrante do gênero RPG e contém ilustrações, o funcio-namento e a representação do conteúdo são muito parecidos: longas leituras descritivas sobre ambientes ficcionais e ênfase na in-teração com um espaço imaginário criado por meio de textos, e não de imagens. A in-fluência do texto e da literatura na produção dessas obras digitais é evidente.

Nas décadas seguintes, em razão da evolução técnica, os recursos gráficos pas-saram a ser mais abundantes. Muitos jogos exploraram diferentes possibilidades vi-suais, tornando-se visível uma transição da

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49TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Arthur ProtAsio

influência literária para a cinematográfica. Diversos games incorporaram elementos típicos do cinema, como movimentos de câmera e quadros. Os jogos mais preocupa-dos com uma experiência narrativa, ou seja, voltados para a narração de uma história, iniciaram a fusão de suas bases literárias com seu visual cinematográfico.

Dessa categoria, jogos como Sam & Max: Hit the Road, lançado em 1993, e Baldur’s Gate, lançado em 1998, exemplificaram as possibilidades de trabalhar com histórias em jogos, unindo o texto ao audiovisual. O pri-meiro contava com uma apresentação visual similar à de um desenho animado, na qual o jogador precisaria explorar o ambiente para coletar e combinar itens a fim de satisfazer os desejos de outros personagens e progre-dir no enredo. Embora o já citado Colossal Cave Adventure pudesse ser chamado de uma versão textual de Sam & Max: Hit the Road, esse último era mais próximo de um roteiro cinematográfico interativo.

Essa inspiração em outras linguagens se torna ainda mais diversificada e misturada se levarmos em conta produções mais recentes. Jogos como Heavy Rain e Beyond: Two Souls são frequentemente chamados de “filmes in-terativos” – inclusive tendo sido apresentados em festivais de cinema –, enquanto Device 6 é identificado como um “livro interativo de investigação”. Adaptações de outras obras, como The Walking Dead, Game of Thrones e A Volta ao Mundo em 80 Dias, podem não ser consideradas jogos por muitos, mas têm feito grande sucesso ao contar suas histórias por meio de uma narrativa interativa. Por outro lado, a evolução da realidade virtual tem per-mitido que diversos ambientes digitais, ainda

que de interação simplificada, já sejam con-siderados jogos imersivos por causa de seus recursos audiovisuais.

Na prática, a linguagem dos jogos está em constante descoberta. Não há uma res-posta definitiva e provavelmente nunca haverá. O que os games usaram da litera-tura e da cinematografia para se consolidar foi unido ao diferencial da interação para criar uma linguagem e uma mídia novas. No entanto, também não se pode afirmar que a interação é a rigor uma criação dos jogos digitais, pois essa característica já está pre-sente, desde os primórdios da humanidade, em diversas atividades culturais.

Ainda assim, é possível constatar que toda criação surge de uma transformação. Talvez o termo “jogo” atualmente não seja o mais apropriado para identificar a pluralidade de experiências presentes no mercado e na arte. No entanto, é notório que todas essas experiências interativas se valem de uma plataforma tecnológica para promover enga-jamento pela interação e sentido por meio de um discurso cultural. Sem esses elementos, essa linguagem não seria capaz de existir. Além disso, a forma exata como essa expres-são se dá varia não só conforme o seu criador, mas também de acordo com o jogador – que se torna uma espécie de segundo autor.

Portanto, o game é um amálgama de tec-nologia, cultura e interação. Possivelmente mais valioso do que descobrir se existe uma forma de expressão particular dos jogos é aceitar que o grande trunfo dessa inovadora e peculiar linguagem é ser a mistura de tantas outras e, assim, conseguir promover vínculos emocionais e comunicativos com um vasto e expansivo público.

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50 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Arthur ProtasioÉ sócio-fundador e diretor criativo da Fableware, produtora especialista em criar

histórias para diferentes plataformas e projetos transmídia. É mestre em design, autor

dos livros Negra Cicatriz e Jogador de Mil Fases e roteirista da atração Xpirado, no Hot

Park (Rio Quente/GO), e dos jogos Sword Legacy: Omen, Cavaleiros do Zodíaco: Cards,

Ballistic e Spy of Us. É conhecido por ter criado o canal on-line de crítica de jogos Ludo-

Bardo e foi consultor da TV Globo na novela Geração Brasil, indicada ao Emmy Digital.

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51TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Arthur ProtAsio

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52 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

CROWDFUNDING BASEADO EM BLOCKCHAIN:qual seu impacto sobre a produção artística e o consumo de arte?

Primavera De Filippi

O crowdfunding se baseia na contribuição de um grande número de indivíduos para financiar a produção de determinado trabalho. Algumas plataformas de crowdfunding já fo-ram desenvolvidas na tecnologia do blockchain, recompensando a contribuição monetária das pessoas com real participação financeira no projeto. Assim, seus interesses se alinham mais com os do autor, pois qualquer pessoa que investe no projeto se torna acionista ativo, cujo retorno sobre o investimento depende, em última instância, do sucesso ou do fracasso daquele projeto.

Desde o início da civilização, a produ-ção artística foi financiada e, por-tanto, também gerida por alguns

intermediários: de universidades públicas e instituições religiosas na Idade Média aos patronos públicos e corporativos dos pri-meiros anos do Renascimento (KEMPERS, 1994); das primeiras guildas de editores no Reino Unido a seus modernos representan-tes, como grandes editoras, gravadoras e pro-dutoras cinematográficas, que se tornaram poderosos guardiões das indústrias criativas (LESSIG, 2004a).

É claro que as mudanças na produção e no financiamento das obras criativas es-tão intrinsecamente ligadas ao desenvolvi-mento tecnológico (ROSE, 1995). Antes do advento da imprensa, a produção (e a repro-dução) de obras literárias era um esforço ár-duo que exigia muitas horas de preparação

do manuscrito pelos escribas – que, à época, eram quase sempre contratados pela Igreja ou por órgãos do governo. Da mesma forma, no âmbito das belas-artes, a produção ar-tística era majoritariamente constituída de peças únicas, tais como obras de escultura e pintura, destinadas, sobretudo, a decorar edifícios públicos, igrejas e residências particulares, sem nenhuma expectativa de retorno financeiro.

Foi só com o advento da imprensa – e de outros dispositivos mecânicos para a produção em massa de informação – que a  produção artística adquiriu valor mais comercial e o resultado dessas práticas criativas acabou sendo considerado ver-dadeiro objeto de comércio (BENJAMIN, 2008). Essa mudança na percepção se re-fletiu imediatamente em modificações na lei (GRACZ; DE FILIPPI, 2014). Embora

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53TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Primavera De FiliPPi

justificado, em primeiro lugar, pela neces-sidade de recompensar os artistas por seu trabalho criativo, o marco regulatório das leis de direitos autorais também – se não principalmente – foi introduzido como meio de proteger o investimento de editores ou de outros intermediários da informação, que cada vez mais ansiavam por apoiar a produção de obras criativas como forma de investimento comercial para promover seus interesses econômicos.

Com o advento do regime de direitos autorais, a informação passou a ser trata-da como “propriedade intelectual”, ou seja, como ativo que pode ser possuído (mesmo se apenas por um período de tempo limita-do) por uma ou mais entidades ou deten-tores de direitos. Por lei, o proprietário dos direitos autorais de uma obra tem uma série de direitos exclusivos sobre sua exploração, podendo vendê-la (ou licenciá-la) a tercei-ros em troca de remuneração econômica. Graças a esse novo marco regulatório, a produção artística tornou-se um negócio lucrativo e o mercado gradualmente supe-rou o financiamento público e de patronos como principal sustento da produção artís-tica (SHAPIRO; VARIAN, 2013).

No entanto, dados os elevados custos fi-xos envolvidos na produção e na distribuição

de obras criativas, as indústrias culturais foram rapidamente dominadas por um pe-queno número de operadores encarrega-dos de financiar grande parte da produção artística principal no mundo todo. Em sua maioria, esses operadores – por exemplo, grandes gravadoras, como Universal Music Group e Sony BMG, gigantes da produção cinematográfica, como Disney, Time War-ner e Universal, e grandes editoras, como HarperCollins, Hachette e Elsevier – hoje são considerados elementos essenciais das indústrias criativas, atuando como inter-mediários entre produtores e consumidores desse tipo de obra (CAVES, 2000).

Por muito tempo, para que seu traba-lho conseguisse cobertura da grande mídia e ampla distribuição em rede global, escrito-res e artistas quase inevitavelmente tinham de fazer acordos com esses intermediários, que assumiam todos os custos relaciona-dos à produção e à distribuição dessas obras criativas em troca de uma margem de lu-cro (geralmente altíssima). Os avanços no campo das tecnologias da informação e co-municação tiveram efeito de ruptura nos negócios dos intermediários tradicionais (MANOVICH, 2009). As tecnologias digi-tais não só reduziram os custos da produção (e da reprodução) de conteúdo em formato

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54 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

digitalizado, como também permitiram que qualquer pessoa divulgue esse conteúdo em escala global – em tempo praticamente zero e a custos muito baixos –, por meio da inter-net. Portanto, com o advento das modernas tecnologias de telecomunicação, o processo de desintermediação começou tanto na pro-dução quanto na distribuição de conteúdo (GELLMAN, 1996).

No entanto, mesmo que hoje seja mui-to mais fácil (e barato) para os indivíduos produzirem o próprio conteúdo e torná-lo disponível para o público pelos próprios meios, as pessoas ainda recorrem a um pe-queno número de intermediários (ou “in-fomediários”) para acessar a maior parte do conteúdo on-line: de redes sociais, como Google+, Facebook e Twitter, a lojas de mú-sica on-line do estilo do iTunes, plataformas de streaming, como Spotify, SoundCloud e Pandora, no caso da música, e YouTube, Netflix e Hulu, para vídeos. Apesar das no-vas oportunidades de desintermediação e emancipação individual que a internet e as tecnologias digitais oferecem, a maior parte do conteúdo hoje produzido – tanto por ar-tistas amadores quanto por profissionais – é armazenada, gerenciada e comunicada ao público por alguns poucos operadores centralizados, que se apresentam como os novos intermediários da sociedade da in-formação (SCOTT, 2000).

Foi só em 2009, com o advento do Bitcoin e a subsequente emergência de novas aplicações descentralizadas basea-das na mesma tecnologia subjacente – o blockchain –, que começou uma nova onda de descentralização, revitalizando promes-sas de liberdade individual e emancipação

que recordam os primeiros tempos da in-ternet (DE FILIPPI; MAURO, 2014). Como livro-razão público descentralizado colo-cado sobre uma rede de pares, o blockchain pode ser usado para armazenar informa-ções sem recorrer a nenhum servidor ou intermediário centralizado, baseando-se apenas na contribuição de cada partici-pante da rede para desenvolver um banco de dados totalmente descentralizado cuja segurança e integridade são garantidas por algoritmos criptográficos.

Paradoxalmente, a confiança e a trans-parência aumentam ao eliminar-se a ne-cessidade de terceiros e de intermediários confiáveis. Modernos desenvolvimentos nas tecnologias blockchain também implemen-tam características adicionais que possibili-tam a execução de código computadorizado sobre esse repositório de dados distribuído, assim permitindo o desenvolvimento das chamadas aplicações descentralizadas, que não estão em determinado servidor, mas são rodadas, de maneira descentralizada, por cada participante da rede.

Portanto, assim como a internet incen-tiva o desenvolvimento de comunicações entre pares – marcando uma virada que os afastava do modelo tradicional de radiodifu-são da mídia de massas (de um para muitos) e os levava a canais de comunicação mais interativos e distribuídos (de muitos para muitos) –, o blockchain permite o desenvol-vimento de uma série de transações (finan-ceiras e de outros tipos) entre pares que não são reguladas nem regidas por nenhuma au-toridade centralizada e confiável, como um banco central ou qualquer outro operador centralizado (DE FILIPPI, 2014).

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55TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Primavera De FiliPPi

De fato, uma das características mais importantes do blockchain é oferecer às pessoas a possibilidade de fazer transa-ções diretas umas com as outras sem pas-sar por intermediário algum. Isso significa que escritores e artistas podem não só se comunicar com as pessoas de maneira di-reta para criar uma relação mais forte com seu público, mas também fazer transa-ções diretamente com elas, sendo recompensados por seu trabalho com base em uma relação entre pares – e não por meio de um opera-dor intermediário encarregado de receber o dinheiro e redistribuí-lo aos artistas per-tinentes. Esses novos avanços tecnológi-cos podem ter impacto considerável tanto sobre a produção artística quanto sobre o consumo de arte.

Hoje há dois modelos predominan-tes para a distribuição de conteúdo digital on-line. Um é o de assinatura (como Spotify e Netflix), no qual o usuário paga ao ope-rador da plataforma uma taxa fixa ou um montante do tipo pay-per-view para poder acessar obras criativas. O outro é o modelo baseado em publicidade, no qual o conteúdo é grátis para o usuário, mas os anunciantes pagam uma taxa ao operador da plataforma cada vez que seu anúncio é divulgado nela. Assim, os operadores da plataforma rece-bem todo o dinheiro e depois o redistribuem (normalmente uma parte muito pequena) aos artistas pertinentes. Ambos os modelos de negócios são altamente lucrativos para os operadores das plataformas on-line, mas a remuneração dos artistas muitas vezes

nem cobre os custos da produção artística (o Spotify, por exemplo, paga aos artistas uma média de 0,0007 dólares; e o YouTube, 0,0018 dólares)1.

Como reação ao sentimento generali-zado de exploração por grandes gravadoras e operadores on-line, um número crescente

de artistas tem experimenta-do meios alternativos de dis-tribuir seu trabalho e financiar sua criação de forma mais in-dependente (LESSIG, 2004b; GEITH, 2008; ZIMMERMAN, 2009). Em vez de se basearem na exclusividade que a lei de

direitos autorais proporciona no intuito de ob-ter remuneração com o mero consumo de seu trabalho, alguns artistas (inclusive bandas e músicos famosos, como Radiohead, Nine Inch Nails e David Bowie) experimentaram usar esquemas alternativos de licenciamento – tais como o proposto pela Creative Commons2 – destinados a promover e a facilitar a livre reprodução e difusão de trabalhos criativos (FITZGERALD, 2004; ELKIN-KOREN, 2006). Ao eliminar o intermediário, esses ar-tistas conseguiram criar uma relação muito mais direta e pessoal com seu público, que os recompensa – por livre e espontânea vonta-de – com doações.

Hoje, contudo, a maior parte dessas doa-ções passa pela mediação de uma autoridade central (por exemplo, o PayPal), que recebe uma comissão por cada transação (CAR-ROLL, 2006). Incentivados pelas baixas taxas cobradas por transação pelos sistemas des-centralizados de pagamento, como Bitcoin e outras aplicações baseadas em blockchain, os artistas agora podem ser pagos diretamente

Uma das características mais importantes do blockchain é permitir que as pessoas façam transações diretas umas com as outras sem passar por intermediário algum.

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56 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

por seu público, sem ter de recorrer aos ser-viços de nenhuma instituição intermediária. Novos modelos de negócios podem acabar surgindo com base na execução de um gran-de número de micropagamentos efetuados por uma elevadíssima quantidade de pessoas (SWAN, 2015)3. De fato, dado o baixo custo da transação nesses sistemas descentralizados, as pessoas podem ter contato mais direto com seus artistas favoritos enviando-lhes micro-gorjetas ou microdoações. O que talvez seja mais importante – já que as modernas tecnologias block-chain permitem a incorpora-ção de fragmento de código em qualquer transação (os “contratos inteligentes”) – é a possibilidade de incorporar termos e condições específicas diretamente na “instanciação” blockchain de um ativo digital (FAIRFIELD, 2015). Assim, os artistas podem disponibilizar seu trabalho publicamente com certas restrições, que só serão removidas após o pagamento de uma taxa – num esquema semelhante ao de sis-temas de gerenciamento de direitos digitais, embora desenvolvido de forma totalmen-te descentralizada.

No entanto, todos esses mecanismos só são úteis para recuperar os custos de produ-ção depois de feito o trabalho. Alguns artis-tas – especialmente os que se encontram em situação econômica precária –, contudo, talvez só tenham condições de produzir um trabalho se conseguirem uma fonte exter-na de financiamento. Exceto por subsídios públicos e de patronos privados com base em compromissos filantrópicos, a produção artística hoje depende essencialmente de

financiamento corporativo, proveniente de grandes editoras, gravadoras e produtoras de cinema (COBB, 1996; WU, 2003; KLAMER; MIGNOSA; PETROVA, 2010).

Recentemente surgiu um novo meca-nismo para a produção artística, denomi-nado crowdfunding (como as plataformas Kickstarter e Indiegogo) e que consiste em reunir um grande número de contribuições financeiras de uma quantidade significativa de pessoas que muitas vezes não se conhecem

(BRABHAM, 2008). Os que contribuem financeiramente para um projeto – os apoiado-res – costumam ser recom-pensados com um benefício (perk), cujo valor depende do valor global de sua contribui-ção (por exemplo, podem obter

acesso ao pré-lançamento da obra em condi-ções preferenciais ou receber uma camiseta ou outro tipo de merchandising).

Apesar de darem a impressão de ser mais descentralizadas (em comparação com modelos de financiamento tradicionais), essas iniciativas, em sua maioria, são coor-denadas e, portanto, reguladas por grandes intermediários, que atuam como terceiros confiáveis responsáveis por cobrar e redis-tribuir o dinheiro. As tecnologias blockchain eliminam a necessidade desses intermediá-rios, pois permitem a criação de plataformas descentralizadas de crowdfunding que ope-ram de maneira autônoma sobre uma rede de pares. Embora a tecnologia ainda seja mui-to experimental e não totalmente madura, várias dessas plataformas já estão funcio-nando, como é o caso de Swarm, Koinify e Lighthouse, para citar apenas algumas.

Crowdfunding consiste em reunir um grande número de contribuições financeiras de uma quantidade significativa de pessoas que muitas vezes não se conhecem.

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57TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Primavera De FiliPPi

Mas o caráter descentralizador da pla-taforma de crowdfunding é apenas um lado da moeda. Podemos perceber melhor a verdadeira inovação que o blockchain in-troduziu ao examinar a maneira como o projeto está sendo financiado. A tecnolo-gia do blockchain pode ser usada por qual-quer pessoa para criar novos tipos de título – geralmente chamados de “criptocapital” (cryptoequity) –, por meio de tokens crip-tográficos (semelhantes ao Bitcoin, mas sem conotação financeira alguma) que re-presentam ações do projeto para o qual se busca financiamento (DIETZ et al, 2014). Em vez de serem recompensados com um benefício predefinido (cujo valor não evolui com o tempo), os apoiadores podem ser con-templados com uma parte do projeto que estão apoiando e interesses nele – e, portan-to, beneficiar-se de receitas adicionais que possam provir da apreciação subsequente do valor dessas ações. Isso cria uma relação mais simétrica entre quem está promoven-do o projeto e quem está contribuindo com recursos financeiros para sua realização.

Em uma campanha tradicional de crowdfunding, como a Oculus Rift, os pro-jetos não precisam dar nada em troca a seus apoiadores, exceto os benefícios que prometeram – e isso independentemente do sucesso que possam vir a ter (a Oculus Rift conseguiu 2,4 milhões de dólares no Kickstarter e depois foi comprada pelo Facebook por 2 bilhões de dólares). Por outro lado, em uma campanha de crowdfunding ba-seada em criptocapital, os apoiadores estão, na verdade, investindo no projeto que finan-ciam. Eles se tornam reais acionistas do pro-jeto e, assim, o sucesso de seu investimento

passa a depender inerentemente do sucesso ou do fracasso da proposta financiada.

É claro que esse avanço tecnológico também precisa respeitar o marco regula-tório no qual opera. A venda de participação financeira é regulada em muitas jurisdições, especialmente nos Estados Unidos, onde a Comissão de Valores Mobiliários [Security and Exchange Commission (SEC)] exige que quem oferece e vende capital para investi-mento cumpra formalidades realmente duras (e geralmente muito caras). Historicamen-te, essas regulações surgiram para proteger investidores pouco sofisticados que talvez não entendessem os riscos substanciais e pouquíssimo visíveis associados a esse tipo de investimento. Portanto, as plataformas de crowdfunding precisam ser cuidadosamen-te desenhadas para evitar vender algo que se pareça com um título. De fato, muitos opera-dores do espaço blockchain argumentaram que os tokens criptográficos não deveriam ser encarados como títulos, e sim como tokens de acesso que podem ser comprados com ante-cedência, muitas vezes por preço mais baixo, no intuito de o usuário depois desfrutar dos serviços prestados pela aplicação baseada em blockchain que está sendo apoiada4. No entanto, essa linha de argumentação ainda precisa ser testada em um tribunal. No mo-mento, o ponto de vista da SEC é que, “se ca-minha como pato e grasna como pato, é pato”. Não obstante, reformas jurídicas recentes relativas ao crowdfunding de capital5 estão criando um marco regulatório mais indul-gente, abrindo gradualmente caminho para o crowdfunding de criptocapital.

Apesar desses desafios jurídicos, as pla-taformas descentralizadas de crowdfunding

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58 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

desenvolvidas sobre o blockchain apresen-tam duas vantagens importantes em relação a suas contrapartes centralizadas. Por um lado, na medida em que o blockchain eli-mina a necessidade de autoridade central ou de intermediários, os custos da reali-zação de uma campanha de crowdfunding bem-sucedida são significa-tivamente reduzidos, já que não há comissão a ser paga a um intermediário6. Por outro lado, uma vez que não existe uma entidade legal operando a plataforma, os desafios jurí-dicos supracitados podem ser menos problemáticos, já que não há quem responsabilizar pela falta de cumprimento das formalidades exigidas. Nesse sentido, é particularmente interes-sante o caso do Popcorn Time7, no qual em-presas que forneciam e/ou faziam funcionar a aplicação foram consideradas indireta-mente responsáveis por violação de direitos autorais, embora nenhuma acusação tenha sido feita contra os desenvolvedores ou os usuários dessa aplicação.

Além disso, e especificamente em re-lação ao âmbito artístico, essa forma des-centralizada de financiamento está mais em sintonia com os ideais descentralizados de muitos artistas e criadores, que prefe-rem ser remunerados diretamente por seu público a recorrer aos serviços de inter-mediários centralizados, cujos interesses comerciais muitas vezes estão em contra-dição com os deles.

Em particular, as campanhas de crowdfunding baseadas em criptocapital poderiam ter implicações significativas

no contexto da produção artística (SWAN, 2015), na medida em que possibilitam a ar-tistas emergentes (com orçamento reduzido, mas potencial forte e visível) conseguir uma fonte externa de financiamento necessária para a produção de trabalhos que, do contrá-rio, não poderiam realizar. Independente-

mente das razões subjacentes pelas quais as pessoas possam aportar recursos financeiros à produção desses trabalhos (porque querem apoiar o ar-tista, porque querem que o artista produza mais obras ou simplesmente porque querem especular sobre o valor futuro

dessas obras), determinado número de ações será distribuído a cada apoiador, que, por conseguinte, receberá uma parte dos lucros auferidos com a venda ou a exploração co-mercial dessas obras.

O conceito de criptocapital também pode ser desenvolvido no mercado de arte tradicional por meio da venda ou da entre-ga de ações de uma obra de arte a patroci-nadores ou colecionadores individuais com vistas a remunerar artistas, a posteriori, por seu trabalho criativo. Nesse sentido, as tec-nologias blockchain poderiam, em grande medida, democratizar os investimentos no setor cultural – especialmente no âmbito das belas-artes, caracterizado por obras cujo va-lor de mercado costuma ser elevado demais para que muitas pessoas contemplem essa possibilidade. Com o criptocapital, muitos indivíduos podem tornar-se proprietários parciais de determinada peça e beneficiar-se com seu sucesso da mesma maneira que uma galeria ou um colecionador.

O criptocapital poderia democratizar os investimentos no setor cultural, especialmente no âmbito das belas-artes, caracterizado por obras com valor de mercado realmente alto.

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59TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Primavera De FiliPPi

Essa é a proposta de valor do Artlery, aplicativo baseado em blockchain que re-compensa os apreciadores de uma obra de arte com um presente que representa uma porcentagem do futuro fluxo de receita relacionado a essa obra, não apenas pela venda inicial, mas também por vendas “se-cundárias” subsequentes. Dessa maneira, as tecnologias blockchain também pode-riam facilitar aos próprios artistas o res-peito a seus direitos de revenda – que são impostos por lei em muitas jurisdições, mas com frequência não são aplicados ou o são de forma precária, sobretudo devido à di-ficuldade de implementar essas normas –, alinhando os incentivos tanto de artistas como de seus patrocinadores.

As implicações para o consumo artís-tico também são dignas de nota. Tanto no crowdfunding baseado em criptocapital quanto na venda de ações de criptocapital, o público não é mais consumidor passivo – ele se torna parte interessada ativa de uma obra cultural. Como resultado, os interesses do público alinham-se cada vez mais com os dos artistas, já que todos têm um incentivo para promover as obras no intuito de colher os frutos de seu sucesso. Futuramente, isso poderia afastar o mercado de arte de seu atual estado de escassez artificial e exclu-sividade, aproximando-o de um estado de coisas mais colaborativo, enraizado na dis-seminação e no compartilhamento.

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60 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Primavera De FilippiÉ pesquisadora permanente do Centre d’Études et de Recherches de Science

Administrative/Centre National de la Recherche Scientifique (Cersa/CNRS), da Universi-

dade Paris II (França). É docente associada ao Berkman Center for Internet & Society, na

Harvard Law School (Estados Unidos), onde está pesquisando o conceito de governança

por projeto em suas relações com arquiteturas on-line distribuídas, tais como Bitcoin e

Ethereum. Obteve Ph.D. pelo European University Institute, de Florença (Itália). É membro

do Conselho da Agenda Global sobre o Futuro dos Serviços de Software & TI do Fórum

Econômico Mundial, além de fundadora da coalizão dinâmica do Fórum de Governança

da Internet sobre Neutralidade da Rede e Responsabilidade pela Plataforma. Além de

sua pesquisa acadêmica, atua como perita jurídica para o Creative Commons na França

e na Fundação P2P.

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61TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Primavera De FiliPPi

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62 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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63TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Primavera De FiliPPi

Notas

1 Disponível em: <http://www.theguardian.com/technology/2015/apr/03/how-much-musicians-make-spotify-itunes-youtube>. Acesso em: 31 ago. 2015.

2 Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos que produz licenças destinadas a reduzir as restrições-padrão previstas pela lei de direitos autorais. Essas licenças visam abandonar o conceito de “todos os direitos reservados” do regime de direitos autorais para adotar um regime mais permissivo, em que só “alguns direitos são reservados”. Ver mais detalhes em: <http://creativecommons.org>. Acesso em: 31 ago. 2015.

3 É claro que já era possível efetuar microtransações antes do advento das tecnologias blockchain, mas isso não era tão fácil de implementar por causa dos custos fixos por transação. A Apple, por exemplo, relutou em lidar com os 30 centavos de dólares americanos somados a 3% para cada transação com cartão de crédito na loja iTunes. A solução foi reunir várias compras de forma a distribuir os custos de transação a um lote maior. Ver em: SCHLENDER, B.; TETZELI, R. Becoming Steve Jobs. Crown Business, 2015.

4 Por exemplo, nem a Swarm nem a Koinify vendiam capital diretamente. Vendiam, antes, tokens para uso de sua plataforma enquanto ela ainda estava sendo construída. De certa forma, esse modelo pode simplesmente ser encarado como uma forma particular de pré-venda, na qual as pessoas investem em determinada quantidade de tokens que mais tarde lhes permitirão usar a plataforma. Para mais detalhes sobre as várias maneiras de lidar com tokens criptográficos no regime regulatório dos Estados Unidos, ver: DIETZ et al, 2014.

5 Ver, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a nova isenção determinada no Título IV da Lei Jumpstart Our Business Startups (Jobs) permite que pequenas empresas ofereçam e vendam até 50 milhões de dólares em títulos em um período de 12 meses sem ser submetidas a registro e qualificação decorrentes da Lei de Títulos.

6 Veja, contudo, que – ao contrário da Lighthouse, que opera como aplicação descentralizada no blockchain, sem nenhuma organização por trás – tanto a Swarm quanto a Koinify são dirigidas por duas empresas com fins lucrativos que cobram dos usuários uma comissão para operar seus negócios.

7 Após mandado de injunção impetrado por cinco membros da Motion Picture Association of America, um tribunal britânico determinou que diversos websites que forneciam a aplicação Popcorn Time fossem bloqueados, embora eles mesmos não estivessem comunicando ao público trabalhos submetidos a direitos autorais. No entanto, os desenvolvedores do Popcorn Time não foram responsabilizados pelos usos da aplicação.

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64 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

UM SER DE SENSAÇÃOEdilamar Galvão

Este artigo é uma versão reduzida, com as adaptações necessárias, do segundo capítulo da tese de doutorado A Insuficiência da Linguagem – Fundamentos para uma Estética da Arte Tecnológico-Digital (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006), ainda inédita. O artigo centra-se na reflexão do “ser” da obra de arte tecnológico-digital in-serida no desenvolvimento da categoria que funda e define a arte: a experiência. A aisthesis, o ser de sensação que se origina na experiência ritualística e mítica antes de ser “arte”, como imitação de uma experiência.

Nós somos os propositores: nós somos o molde, cabe a vocês soprar dentro dele o sentido de nossa existência.

Nós somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos. Estamos à sua mercê.

Nós somos os propositores: enterra-mos a obra de arte como tal e chamamos você para que o pensamento viva dentro de sua ação.

Nós somos os propositores: não lhe propomos nem o passado nem o futuro, mas o agora.

Paradoxalmente, a arte é, ao mesmo tempo, filiação e rompimento da experiência forte e original do rito.

Experiência que dessacraliza o mito fun-dador, talvez para investigar a experiência mesma em todas as suas faces. Por isso, a pergunta mais adequada para a obra de arte em geral talvez seja: “Que tipo de experiên-cia você instaura?”. Inserir-se na experiência proposta também parece ser a forma corre-ta de compreender a arte para, na verda-de, sentir a experiência que ela instaura. Como nos pede Lygia Clark em seu famoso Livro-Obra, de 1968:

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65TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Edilamar Galvão

Artista como propositor. Arte como molde. A relação entre artista-obra e seu leitor-receptor como diálogo. Como diálogo, a  forma primeira da filosofia. O diálo-go como forma de ação e de existência do leitor-receptor na obra.

A palavra “recepção” sofreu uma es-pécie de preconceito semântico diante das novas experiências estéticas. Com o com-preensível desejo de reforçar a necessidade de ação do re-ceptor, à palavra foi atribuída uma passividade. Devemos, porém, nos lembrar de Jorge Luis Borges no conto “Pierre Menard: Autor de Dom Qui-xote”: “O autor é autor da sua obra, o leitor é autor da sua leitura”. É bastante com-preensível que o tipo de recepção instaurado desde a arte moderna tenha feito crescer o estranhamento e que, justamente aí, exista a necessidade de um deslocamento e de uma autonomia cada vez maiores por parte dos receptores. Sem isso, a obra fica cada vez mais opaca. Eis o motivo de a palavra “inte-rator” ganhar a preferência de pesquisadores e críticos das novas formas de manifestação artística: ela torna mais precisa e enfática a ampliação da exigência aos receptores con-temporâneos, além de a recepção das obras de arte tecnológico-digitais muitas vezes mover o processo de leitura para todo o cor-po, fazendo-o agir na experiência corpórea mesma pela interação com as obras ou, então,

fazendo-o conceber entradas, senhas, pala-vras, escolhas que serão a própria condição de existência da obra.

Tal condição pode nos fazer pensar que um livro fechado também é um dispositivo desligado. A ampliação da exigência de au-tonomia e ação por grande parte das obras de arte tecnológico-digitais nos leva a pensar não somente na condição de recepção a elas,

mas também que a recepção ideal de toda obra de arte é a completa entrega ao uni-verso proposto por ela. Re-visitemos Dom Quixote hoje e verifiquemos se não é isso que o livro pede de nós. Pois, quando há o apagamento ou a transformação das condi-ções materiais de produção

e existência das obras, elas entram em uma nova opacidade e é preciso reconstituí-las de alguma forma para redescobrir sua linguagem, seu frescor, sua atualidade. A recepção é sempre também uma ação, e re-ceber aqui é aceitar a proposição de soprar a existência na obra.

Será possível existir a obra, como arte, fora da experiência? Não se define a aisthesis como a experiência por meio dos sentidos? Fernando Pessoa já não nos ensinou que, no poeta, o que pensa está sentindo? Qual é o lugar da experiência senão o agora? O pen-samento e as obras podem ser eternos, mas só acordam da sua eternidade pela expe-riência, quando vêm à existência num agora.

Artista como propositor. Arte como molde. A relação entre artista-obra e seu leitor-receptor como diálogo. Como diálogo, a forma primeira da filosofia. O diálogo como forma de ação e de existência do leitor-receptor na obra.

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67TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Edilamar Galvão

Artistas são… gente que cria algo completamente original e novo, algo além da fronteira conhecida da base de informação. Ao usar ou inventar novas ferramentas, mostram novos usos e aplicações que sinergizam e sintetizam campos. Os artistas expandem os limites de tecnologias, levando-as para metas não obtidas anteriormente. Artistas, assim como cientistas, trabalham com símbolos abstratos, representações de várias realidades de ferramentas de trabalho. Até a linguagem usada pelos dois grupos é semelhante. Cientistas que trabalham com matemática frequentemente descrevem uma explicação ou solução particularmente boa como ‘elegante’ [...] A ponte intelectual da abstração e da consideração estética é fundamental para ambos os grupos.”

Vibeke Sorensen, The Contribution of the Artist to Scientific Visualization

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68 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Se assumirmos essa exploração das formas da experiência como aspecto ontológico da arte, não veremos ruptura em seu desenvolvimento, tampouco avanços. Será a arte o que deve ser como experiência em cada agora, que respon-de a uma necessidade interior do artista, de sua época e da própria arte – como já definiu Wassily Kandinsky –, que busca, por meio de todos os meios de manipulação por ela inven-tados ou à sua disposição, mostrar uma rea-lidade fora de qualquer manipulação, como nos disse Walter Benjamin? Assim também Gilles Deleuze poderia responder à pergunta proposta por ele mesmo sobre o que seja uma obra de arte com o conceito de arte “como um ser de sensação e nada mais, ela existe em si” (DELEUZE, 1992, p. 213).

Toda a teoria que está aí envolvida será importante para tentar estabelecer um diá-logo com os objetos produzidos a partir da tecnologia atual com a arte digital, uma vez que as diversas manifestações artísticas di-gitais tendem a pressupor o sensório no seu aspecto interativo. A sensorialidade envolvi-da nos processos de interação digital foi bri-lhantemente trabalhada por Lucia Santaella em seu Navegar no Ciberespaço. Nesse livro, ao apresentar três tipos de leitor – o contem-plativo (característico da cultura impressa), o movente (característico da era industrial na cultura de massas e das mídias) e o imer-sivo (característico da cultura digital) –, a autora expõe de modo esclarecedor os as-pectos sensoriais envolvidos nesse último perfil cognitivo, que terá seu grau máximo de realização na realidade virtual. Ou seja, a imersão implica o sensório e, mais que isso, uma transformação na própria sensibilidade corporal, física e mental, segundo Santaella:

A navegação interativa entre nós e ne-xos pelos roteiros alineares do ciberespaço envolve transformações sensórias, percep-tivas e cognitivas que trazem consequências também para a formação de um novo tipo de sensibilidade corporal, física e mental. Essas transformações devem muito provavelmen-te estar baseadas em: a – tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da decodificação ágil de sinais e rotas se-mióticas, b – de comportamentos e decisões cognitivas alicerçados em operações indife-renciais, métodos de busca e de solução de problemas. Embora essas funções percepti-vo-cognitivas só sejam visíveis no toque do mouse, elas devem estar ligadas à polissenso-rialidade e à senso-motricidade, no envolvi-mento extensivo do corpo na sua globalidade psicossensorial, isto é, na sua  capacidade sensorial sinestésica e sensório-motora. (SANTAELLA, 2004, p. 34-35)

Santaella coloca a modificação da sen-sorialidade na raiz da comunicação digital; assim, quando ampliamos o uso dos recursos da tecnologia digital, o que se amplia é essa característica constituinte. Uma vez que a realidade virtual propicia a experiência sen-sória por meio da utilização de interfaces múltiplas, ela pode realizar em grau máxi-mo a extensão dessa polissensorialidade por meio da tecnologia digital.

A discussão apresentada por Deleuze torna-se também operativa quando pensa-mos nas condições de produção e recepção da arte tecnológico-digital, pois aqui a tec-nologia digital – o material que constitui a obra de arte – é tratada como fator dife-rencial na produção de uma nova forma

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69TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Edilamar Galvão

artística que altera o próprio modo como a arte é pensada, assim como os materiais e os procedimentos artísticos modificaram, cada um a seu tempo, o próprio conceito de arte. Walter Benjamin deixou isso claro ao refletir sobre a mudança provocada pelo advento da reprodutibilidade técnica:

Já se haviam gasto vãs sutilezas em decidir se a fotografia era ou não arte, mas, preliminarmente, ainda não se perguntara se essa descoberta não transformava a na-tureza geral da arte; os teóricos do cinema sucumbiriam ao mesmo erro. (BENJAMIN, 1989, p. 233)

Aliás, não seria interessante perguntar se o erro não vem sendo cometido suces-sivamente?

Uma reflexão que parta do objeto artís-tico foi também a preocupação apresentada por Herbert Read no clássico A Arte de Agora Agora. No primeiro capítulo, o autor critica toda a tradição estético-filosófica pelo seu idealismo, pelo seu descolamento da arte, a fim de, por outro lado, defender uma meto-dologia empírica para construir o discurso estético. Poderíamos dizer que Read defen-de que a estética parta da materialidade da obra de arte, dos seus aspectos constituti-vos, da escuta do próprio discurso no mo-mento de sua mudança, e que não parta das regras de uma arte anterior para construir uma verdadeira ciência da arte: “O artista fala em pedra, em madeira, em bronze, em cor, exatamente como o poeta fala em pa-lavras: o artista torna o pensamento visível, sem o intermediário dos conceitos verbais”, diz Read (1981, p. 25, grifo nosso).

O meio aqui é uma necessidade. De ma-neira análoga, em carta a Oliver Grau, Char-lotte Davies reflete sobre a acessibilidade e a necessidade do uso da tecnologia:

Uma das coisas que estamos fazendo com Osmose é apontá-la para novas tecno-logias à medida que a tecnologia aparece, talvez no final das contas cheguemos com ela a algo relativamente pequeno. E espe-ramos fazer isso também com o novo tra-balho, Ephemere. É a minha insistência em transparência (em tempo real) que nos faz necessitar desse equipamento tão de ponta. Se pudesse fazê-lo apenas com um pincel de madeira e pigmento eu o faria – mas então você não poderia ser envolvido no espaço criado, que foi o que me levou a esse meio em primeiro lugar e pode me manter aqui, apesar de todas as complexidades técnicas. (DAVIES apud GRAU, 2003, p. 210)

Podemos usar algumas obras de arte tecnológico-digital como exemplo, dando ênfase à sua materialidade e às sensações delas resultantes. As aqui citadas são todas anteriores a 2004, mas mantêm sua atualida-de e sua força em relação aos princípios teó-ricos propostos em minha tese de doutorado, estes ainda adequados a obras mais recentes, tais como as apresentadas nas cinco edições do Emoção Art.ficial, do Itaú Cultural, e no Festival Internacional de Artes Eletrônicas (File), ambos realizados em São Paulo (SP).

Em The Legible City (1988-1991), do artista e teórico Jeffrey Shaw1, o interator precisa pedalar numa bicicleta ergométrica conectada a um computador que simula o es-paço físico de uma cidade baseada nos seus

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70 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

próprios mapas. No lugar de prédios, textos edificados nas mesmas proporções dos edi-fícios da cidade. O “ciclista” imerge na cidade por meio de um avatar e “lê” esses textos con-forme passeia pelas ruas dessa cidade legível. Nas versões Amsterdam (1990) e Karlsruhe (1991), os textos são reunidos com base em arquivos de documentos que descrevem a realidade histórica de cada lugar. Na versão Manhattan (1989), computadores ligados em diferentes lugares permitem, ainda, que os in-teratores se encontrem em tempo real no espa-ço simulado. Aqui os textos produzidos partem de monólogos ficcionais de oito moradores de Manhattan, entre eles um motorista de táxi e o magnata Donald Trump, que se distinguem em palavras construídas em oito diferentes cores. Ou seja, cada interator-ciclista define sua rota e sua velocidade pela cidade virtual, construída a partir de seu espaço, de sua his-tória e de personagens reais. Essa experiência estética pode proporcionar uma redescoberta do espaço citadino, mas ela é construída de um modo extremamente individual. O interator pode se sentir no espaço observado, trans-formado em espaço verbal tridimensional. O discurso mistura-se com estar no espaço físi-co, o espaço físico transforma-se em espaço verbal. A leitura, por sua vez, transforma-se num caminhar à deriva, num construir rotas possíveis, alternativas, num ir ou voltar, atua-lizando mesmo a concepção “peripatética” de construção discursiva de Aristóteles.

Andar de bicicleta nesta cidade de pa-lavras é, consequentemente, uma viagem de leitura. A escolha da direção, a escolha de onde fazer uma curva, é uma escolha de tex-tos e sua sobreposição, e a identidade dessa

cidade surge na conjunção de sentidos que es-sas palavras geram enquanto surgem ao lon-go do trajeto da bicicleta. (SHAW e STILES in SELZ, 1996, p. 487)

No trabalho de Sommerer e Mignonneau, a mesma tensão é percebida. Em sua primeira instalação interativa por computador, Interac-tive Plant Growing (1993), os autores integram a bioarte à plataforma computacional inte-rativa. Ao tocarem plantas reais, os usuários podem controlar o crescimento de plantas virtuais geradas por computador.

As tensões do corpo dos usuários são captadas pelas plantas vivas e usadas para controlar o crescimento de vários algorit-mos de plantas artificiais. Ao tocarem ou simplesmente se aproximarem das plantas vivas, os usuários podem cultivar e criar coletivamente plantas artificiais sempre diferentes que são expressões diretas e inter-pretações de suas interações com as plantas reais. (SOMMERER e MIGNONNEAU in DOMINGUES, 1997, p. 200, grifos nossos)

Os artistas declaram seu interesse numa arte orientada para o processo ante uma arte orientada para o objeto. A reflexão sobre o darwinismo e a vida artificial marcam o tra-balho da dupla, bem como as mais variadas intersecções com a tecnologia digital e o co-nhecimento científico sobre a evolução das espécies. No trabalho A- Volve (1994), os ar-tistas permitem ao público criar de fato vidas artificiais. Numa tela de toque 2D, os usuá-rios desenham uma figura qualquer que será traduzida como um código genético. Desse código nasce uma vida artificial que viverá

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71TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Edilamar Galvão

numa piscina com água. Esses seres virtuais adquirem uma visualidade e uma plastici-dade parecidas com as de águas-vivas. Eles interagem entre si na água segundo uma lei darwinista. Caçam, se acasalam, se reprodu-zem ou podem até mesmo evoluir de acordo com as mutações provocadas pelo ambiente no seu algoritmo genético. Os usuários podem criar mais vidas e tocar nesses seres virtuais, produzindo, assim, alteração no ambiente ou criando energia vital para sua subsistên-cia. Segundo Grau, o usuário brinca de Deus (GRAU in DOMINGUES, 2003, p. 291).

Osmose é uma simulação tecnicamente avançada e visualmente impressionante de uma série de espaços textuais e visuais que se dividem de muitas formas: uma esfera mi-neral/vegetal intangível. Nada faz lembrar as imagens granuladas, sobressaltadas e po-ligonais dos primeiros anos da arte virtual; no espaço de dados da canadense Charlotte Davies, pontos de luz fosforescentes brilham na escuridão com foco suave. Osmose é um ambiente interativo imersivo, que envolve um equipamento que é colocado na cabeça [head mounted display, ou HMD], grafismos em computadores 3D e som interativo, que pode ser explorado sinesteticamente. No segundo nível, a instalação oferece aos vi-sitantes a oportunidade de seguir a viagem de imagens do interator individual através desse simulacro de natureza. Com ajuda de lentes polarizadoras, eles assistem à sua perspectiva de mundos tridimensionais em constante mudança numa grande tela de projeção. As imagens são geradas exclu-sivamente pelo interator, cuja silhueta em movimento pode ser vagamente distinguida

numa vidraça de vidro opaco. A solidão do interator é intencional, pois ela intensifica a experiência individual do lugar virtual. A estrutura da instalação, uma combinação de sistema independente e de um auditório às escuras com uma tela, faz lembrar um estú-dio de teatro ou de cinema.

Como um mergulhador solitário e sem peso, o interator primeiro desliza para fora de uma grade de coordenadas cartesianas para os cenários virtuais: um abismo oceânico sem limites com nuvens tremeluzentes de insetos gerados por computador até a densa vegetação rasteira de uma floresta escura. A passagem de um cenário para o seguinte é suave e fluida. Enquanto os primeiros meios virtuais utilizavam portais que tornavam as transições abruptas, no mundo de imagens de Osmose o observador vivencia transições osmóticas de uma esfera para outra, vendo-a desaparecer gradualmente antes de se amal-gamar à seguinte. Naturalmente, isso signi-fica que dois espaços de imagens têm de ser gerados simultaneamente. O monitor estéreo HMD em frente aos olhos permite ao intera-tor passar imediatamente ao interior do solo, onde ele encontra rochas e raízes vívidas, e, finalmente, entrar no microcosmo cintilante e opalescente de uma folha de árvore.

No centro desse espaço de dados encon-tra-se uma árvore sem folhas numa clareira, representativa e isolada. Seu tronco e seus galhos brilham como cristal, inteiramente transparentes e permeáveis até o seu centro. Osmose é uma esfera ao mesmo tempo feita de mineral sólido e fluida e intangível, um espaço não cartesiano. […] Olhado de cima para baixo do alto da árvore digital, na qual o processo biológico da osmose é mistificado,

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72 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

aureolado e mesclado às imagens técnicas, o emaranhado de raízes lembra uma galáxia distante; no entanto, à medida que o observa-dor se aproxima, evoca um microcosmo. Dois mundos textuais servem como parênteses desse simulacro de natureza. As 20 mil linhas de códigos de programa da obra são visíveis no ambiente virtual, organizadas em colunas colossais; e um espaço cheio de fragmentos de textos – conceitos de natureza, tecnologia e corpos, todos escritos por pensadores, como Bachelard, Heidegger e Rilke, cujas ideias não foram tocadas pelos desenvolvimentos revo-lucionários recentes em relação à imagem. Que o programa de computador esteja visível não diminui substancialmente a expe-riência imersiva; ele reve-la em parte as fundações binárias dos espaços de imagem e, dessa maneira, torna o observador consciente das origens da ilusão. (GRAU, 2003, p. 195-196, grifo nosso)

A experiência proporcionada por Osmo-se parece colocar o indivíduo em completa imersão no ambiente simulado. Tal simula-ção também parece conferir ao participante a sensação de corporeidade no e do ambiente, além da própria experiência ultraindividual.

Esteticamente, como quer Ortega y Gasset em A Desumanização da Arte, procu-ramos um pano de fundo comum no qual a diversidade das manifestações artísticas se encontra ou, como quer Deleuze, tentamos construir uma “gigantesca alusão” que evapora e se distingue da realidade do acontecimento.

O fato é que as obras de arte voltam a particu-larizar a experiência em si. Na diversidade de sua experiência, os caminhos são inúmeros e a cada artista deverá ser dedicada a reflexão que lhe seja própria e particular. Isso ainda não deixará de ser uma construção que se distin-gue da obra de arte como experiência, mas, ao mesmo tempo, constitui-se na experiência de viver e pensá-la sem distinção.

Não se pode, assim, determinar um ca-minho ou uma direção comum para a diversi-dade das práticas artísticas. Possivelmente, o

pano de fundo “comum” em que elas se projetam é a pro-posição do debate contem-porâneo sobre o indivíduo, o corpo, o conhecimento, a tecnologia, a ética na forma de uma experiência. A expe-riência por meio da interati-vidade que exige do outro a ação na obra e uma conse-quente alteração da obra e

do discurso nessa ação. Se pela obra como processo se constrói o compartilhamento da autoria, os resultados temporários desse processo e o próprio processo em andamento são sempre alterados e alteráveis pela ação individual e coletiva.

“Eu entendo interatividade, nesse con-texto, como o potencial para poder influenciar intencionalmente o desempenho de um arte-fato tecnológico”, diz Felix Stalder ( STALDER apud CZEGLEDY in DOMINGUES, 2003, p. 143). Na reflexão sobre seu trabalho como artista e curadora, Nina Czegledy afirma que seus projetos têm a intenção de suscitar, de modo estético, questões relativas à cul-tura contemporânea: o corpo, a ciência, as

A experiência proporcionada por Osmose parece colocar o indivíduo em completa imersão no ambiente simulado. Tal simulação também parece conferir ao participante a sensação de corporeidade no e do ambiente, além da própria experiência ultraindividual.

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73TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Edilamar Galvão

telecomunicações, a interatividade. Choice foi o nome dado a um de seus projetos de curadoria, com o trabalho de três artistas ca-nadenses que, segundo Czegledy, “abordavam as contradições científicas e as possibilidades pragmáticas da interatividade” (ibid., p. 141).

A palavra choice (escolha) implica op-ções, alternativas, uma motivação para tomar decisões. Escolha, um termo sedutor, sugeria liberdade, até mesmo democracia. Poderia ser interessante considerar quanta liberdade ver-dadeira, quanto controle sobre nossa escolha ainda resta dentro do domínio digital – abas-tecido com jogos de computador preconce-bidos, arte virtual programada e esculturas interativas incorporadas. (Ibid., p. 143)

Assim, interatividade aqui não é uma simples característica do meio digital – tal-vez seja o modus operandi no qual se projeta o verdadeiro pano de fundo da obra de arte con-temporânea. Constituir a obra de arte como uma experiência única, individual, intrans-ferível, mas fazendo, ao mesmo tempo, essa experiência ser completamente dependente da ação e das escolhas do sujeito. É como se a obra de arte recuasse um passo antes da linguagem para constituir-se como experiência e sensa-ção em si antes da experiência da linguagem. Uma segunda natureza tecnológico-digital. E, em muitos casos, uma experiência que deseja ou tende a assemelhar-se – a ser – à experiência fundante/fundamental do rito. Que é a experiência mesma.

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74 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Edilamar GalvãoÉ poeta, jornalista e professora. Graduada em comunicação social com habilitação

em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) em

1993, defendeu o mestrado Poesia (em) Tradução (1999) pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC/SP), sob a orientação de Arthur Nestrovski, e o doutorado

pela mesma instituição com a tese A Insuficiência da Linguagem – Fundamentos para

uma Estética da Arte Tecnológico-Digital (2006), sob a orientação de Sérgio Bairon. Na

área da educação, concluiu o máster em tecnologia educacional pela Fundação Arman-

do Alvares Penteado (Faap) em 2004. É coordenadora do curso de pós-graduação em

jornalismo cultural na Faap, onde também é professora de estética nos cursos de gradua-

ção e pós-graduação das faculdades de comunicação e artes plásticas. Como jornalista,

foi repórter, apresentadora e diretora, em 1994 e 1995, na TV Cultura do Amazonas e

colaboradora do jornal Folha de S.Paulo entre 1997 e 1999. É autora do livro de poemas

DUVIDA DIVIDA DADIVA (2009). Entre 2009 e 2010, assinou uma coluna sobre cinema

e filosofia na revista Beta. Atuou também como crítica de artes visuais na revista Bravo!.

Referências bibliográficas

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75TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Edilamar Galvão

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Nota

1 Descrição feita com base em Christiane Paul e Jeffrey Shaw (The Legible City) em SELZ; STILES, 1996, p. 487.

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77TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Jorge La FerLa

ARQUIVOS DE ARTE DIGITAL –estratégias, metodologias e paradigmas

Jorge La Ferla

Um percurso sobre a situação da obra de arte digital e sua conservação a partir de sua especificidade, considerando a concepção de arquivos programados. Uma problemática que abarca a ampla gama das artes tecnológicas, incluindo a simulação numérica dos suportes analógicos. Desenvolve-se o conceito de arquivo como produto cultural e sua concepção a partir da criação de algoritmos de compilador. As primeiras obras interativas na América Latina são comparadas com produções recentes, considerando sua preservação e a constituição de acervos inteligentes da história da arte digital no continente.

suas implicações – pode ser útil para fazer um balanço mais amplo.

A reflexão sobre a arte tecnológica ex-pande a problemática do acervo para sua materialidade original e, portanto, para sua conservação, para os usos criativos e para uma interpretação crítica da constitui-ção de arquivos de artes digitais no âmbito da cultura. É importante remeter-se à origem e à história do arquivo ao longo do tempo e a seu valor de memória cultural, cujo sentido tem variado de acordo com a história dos meios de comunicação, seu uso em massa e as práticas artísticas. É a documentação que outorga o sentido de pertencimento, pois vincula os indivíduos a uma cultura regida pela economia de dados.

A questão do arquivo de artes digitais está relacionada ao colecionismo, ou seja, à aquisição, ao armazenamento, à conser-vação e à restauração de obras com base em critérios curatoriais que determinam

O desafio da conservação da arte digital faz parte de um tema transcendente: a preservação de todas as artes au-

diovisuais convertidas em processo de digi-talização, em que a constituição de arquivos ocupa lugar central. A digitalização de mídias e de comunicações modificou a concepção clássica de arquivo de obras em sua varia-da materialidade e dispositivos. A aparente homogeneidade da conversão numérica é relativa para uma problemática que se ve-rifica em todo o campo da cultura e, parti-cularmente, no campo das artes, sendo um disparate restringir o problema unicamente ao campo das artes tecnológicas programa-das. O simulacro numérico do audiovisual analógico a partir da mídia digital é parte de um debate que ainda não alcançou toda a sua amplitude no que diz respeito à preservação. Por isso, revisar algumas variáveis sobre o conceito de arquivo como produto cultural – em suas particularidades, sua ideologia e

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78 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

sua circulação e sua exibição – processos operacionais e conceituais que remetem a uma série de saberes que vão do tecnológi-co ao ideológico. A história da arte digital é constituída de uma questão essencial, e específica, que implica considerar o próprio estatuto do processamento matemático de dados e seus dispositivos, desde a máquina de calcular até o computador, no âmbito de sua ontologia, sua história, sua materiali-dade e seus usos1. Tal problemática envolve os variados campos da produção artística, a academia e o museu contemporâneo.

Estabelecer um panorama comparado e abrangente da conservação da arte digi-tal é uma tarefa ainda por realizar, devido à falta de critérios para a criação de coleções completas, nacionais e regionais. Essa difi-culdade é um desafio que se coloca diante da quantidade de centros, fundações, festivais, museus, escolas e universidades dedicados à arte tecnológica, os quais, invariavelmen-te, evitam o assunto, considerando apenas a diversidade de máquinas e programas cujas principais características são sua difícil compatibilidade e sua rápida obsolescência. A uniformidade computacional é aparente de-vido à impossível padronização de formatos de hardware e de sistemas operacionais, evitada pelas empresas que dominam o mercado. As alternativas disponíveis, desde o software livre até os programas de autor, oferecem as mesmas características, ou seja, são incompa-tíveis exceto por sua rápida obsolescência. A produção, a exibição e a preservação de obras digitais encontram-se em uma conjuntura paradoxal, considerando que um fotógrafo, um videoartista, um cineasta, um diretor de TV ou um artista de “novas tecnologias”

usam as mesmas máquinas baseadas no pro-cessamento de informação de dados numé-ricos e na mídia digital.

Podemos considerar alguns casos emblemáticos de obras históricas da arte digital na América Latina que servem de exemplo particular e de dificuldades no to-cante à sua preservação. Uma dessas obras é o antológico J. S. Bach2 (1988) – do artista chileno Juan Downey – laser disc tido como referência por se tratar de um dos primei-ros desse tipo, na história do audiovisual no continente, a ser interativo. Devido à nobreza do suporte, a obra pode ainda ser vista por aqueles que possuem o hardware necessário. O Electronic Arts Intermix3, por sua vez, não tem tal obra em seu catálogo, embora ofere-ça a versão digital do vídeo linear de mesmo nome4, também de Downey. Outras institui-ções fazem-na figurar em seus arquivos, mas apenas possibilitando sua visualização no lo-cal, sem a opção de empréstimo5. Na maioria desses acervos, aparece o vídeo homônimo, mas são poucos os que registram e catalogam essa obra interativa de referência.

O vídeo, por sua vez, propõe um relato sobre a obra de Bach por meio de uma nar-rativa baseada em uma estética imposta pela videoarte com a superposição de imagens em quadro, configurando várias interpretações, nas quais se destacam a voz e o pensamen-to de Downey. Já o laser disc se articula por meio do projeto de uma interface que propõe intervenções sobre a estrutura composicio-nal de “Fuga 24 em Si Menor”, de Bach, na opção de diversas variáveis para sua execu-ção. Lembremos que Downey, juntamente com Woody Vasulka e Nam June Paik, fez parte da saga de autores de vídeo que muito

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79TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Jorge La FerLa

cedo realizaram experimentos com a ima-gem digital, continuando as experiências já feitas no cinema por Larry Cuba e os ir-mãos Whitney, quando ainda não havia no mercado computadores que processassem informação audiovisual.

No entanto, diferentemente de todos esses autores, o chileno transcende a inter-venção numérica sobre a imagem eletrônica analógica, concebendo uma forma de pro-gramação operacional para o leitor do laser disc, cujo dispositivo já oferecia variáveis de interação. Para aqueles que ainda têm o aparelho original, já fora do mercado, essa obra de Downey funciona perfeitamente (várias instituições e alguns colecionado-res individuais conservam uma cópia desse trabalho). A circunstância de um hardware já inacessível, no caso do referido trabalho de Downey, tornou invisíveis obras recen-tes, cuja recuperação é ainda incerta devido à sua complexidade técnica.

Outro caso notável é a obra multimídia do mexicano Pedro Meyer Fotografo para Recordar6, que, com Mentiras y Verda-des7, foi editada pela conhecida produtora Voyager no começo dos anos 1990. Esses softwares interativos, concebidos para com-putadores Mac, em pouco tempo ficaram obsoletos pelas mudanças ocorridas nos sis-temas operacionais dessa marca de compu-tadores. Foi o próprio Meyer quem, após um longo e custoso processo, converteu aquele primeiro CD-ROM em uma obra on-line, agora disponível em sua página Zona Cero8. A situação dessas primeiras obras intera-tivas de Downey e Meyer constitui um eloquente testemunho da dificuldade em conceber ações institucionais, critérios de

conservação e circulação de obras interati-vas que marcam a história da arte digital na América Latina.

Diversos centros e instituições possuem acervos próprios de arte tecnológica, cons-tituídos de acordo com várias estratégias de armazenamento e manutenção, sendo que uma fração mínima é colocada em ex-posição e são poucas as entidades que têm enfrentado as dificuldades advindas com sua coleção de arte digital. Além de seus habituais auditórios e salas de exposições, algumas instituições estabeleceram áreas de documentação e pesquisa como parte de um projeto para aquisição, conservação e restauro de obras tecnológicas. No Brasil, Videobrasil e Itaú Cultural vêm desenvol-vendo um trabalho de longa data para a ma-nutenção de suas coleções, tarefa notável perante a ausência de órgãos públicos que cuidem desse patrimônio.

O Videobrasil vem refletindo especifi-camente sobre a conservação de um acervo formado ao longo de mais de três décadas de existência, gerando vários processos que fazem de seu arquivo de arte eletrônica o mais completo e mais bem cuidado de todo o continente (FARKAS; MARTINHO, 2015). O Itaú Cultural tem, ao longo dos últimos anos, promovido eventos e exposições9 que, apesar de sua proximidade temporal, já re-presentam sérios desafios em matéria de conservação, documentação e circulação, os quais envolveram a aquisição, a exposição ou a produção das mesmas obras tecnológi-cas. Todo o universo dos meios tecnológicos foi exposto e colocado em circulação, e vá-rias obras foram adquiridas ou produzidas pela instituição.

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80 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Da mesma forma como fazemos alusão às obras de Downey e Meyer, que nos reme-tem aos primórdios da arte digital no conti-nente, há exemplos recentes que servem de referência devido a seu processo de preser-vação. Foi em 201410 que se voltou a expor Desertesejo (2000), de um artista-chave como é Gilbertto Prado, pioneiro no campo das artes tecnológicas. Desertesejo, desen-volvido na época como integrante do pro-grama Rumos Itaú Cultural Novas Mídias, já não estava em operação. Essa instalação interativa imersiva, multiusuária na época e construída na linguagem VRML, propõe uma ação de navegação lúdica e inteligente

que, de modo pioneiro, vincula trajetos a partir de um mapa imaginário cuja leitura da paisagem envolve a descoberta de luga-res e suas mitologias. Para recuperar a obra, cuja versão original de programação não funcionava mais, foi necessário reformular seu programa, o display e a interface ope-racional para uma nova versão, que incluiu novos trajetos em seu hipertexto cartográ-fico e conceitual – isso colocou novamente em funcionamento uma obra cuja proposta continua atual, mas que, sem o respectivo restauro11, teria desaparecido.

Outro caso emblemático, sempre na complexa prática das instalações intera-

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81TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Jorge La FerLa

tivas imersivas associadas a ações per-formativas, é OP_ERA, de Rejane Cantoni e Daniela Kutschat (2001-2010). Essa ver-são da extensa série foi realizada na caver-na digital12 da Universidade de São Paulo (USP). Hoje sua recuperação é bastante complexa, devido à dificuldade em dispor de uma caverna virtual e dos programas e das interfaces que foram projetados especial-mente para esse projeto. Trata-se de uma das obras que marcam a história da arte digital na América Latina, e dela restam vestígios baseados em uma incisiva docu-mentação13 produzida por ambas as artistas como parte do processo.

Sem dúvida, essa problemática excede qualquer contexto nacional, sendo relevante em um âmbito mais amplo. Deparamo-nos com a questão central de como constituir ar-quivos de obras de arte digital (HOFMAN; ROZO, 2009), considerando a situação de seu estado computacional nas suas possibilida-des específicas de conservação, circulação e/ou exposição, mas que deveriam responder a uma tarefa prévia da constituição da docu-mentação compilatória. Enquanto há vários órgãos e organizações dedicados à cataloga-ção de obras de arte digital – tendo em vista sua conservação –, a imensa quantidade, a variedade e a hibridação de gêneros tornam

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82 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

difícil estabelecer um sistema único de classificação. Diante da impossibilidade de conservação e restauro de toda a produção, torna-se necessário conceber como parte da tarefa de preservação uma introdução sobre a conservação, começando por estabelecer conjuntos de obras. Exceto as que perma-necem vigentes, on-line e foram  pensadas para esse meio ou estão em exposição, o resto fez parte de mostras ou exposições temporárias, das quais, na melhor das hi-póteses, permanecem vestígios e, algumas vezes, documentação relevante.

Na América Latina, vêm sendo realiza-das várias experiências sobre essa temáti-ca, considerando uma possível tipologia de obras a partir da especificidade de suporte, programa e pertencimento a possíveis gê-neros, a classificação com base em possíveis categorias de linguagem de acordo com as opções de exibição, consumo e navegação, em um panorama no qual a grande maioria dessas obras é perdida devido à expiração dos sistemas operacionais, dos dispositivos, das interfaces. As obras de arte digital na América Latina seguem o mesmo caminho dos filmes mudos do continente de um século atrás, que, à exceção de uma ínfima quantidade, estão de-finitivamente perdidos. É por isso que várias instituições, entidades culturais e centros de distribuição optaram por organizar seus acer-vos de mídia audiovisual e arte tecnológica, embora seguindo uma ordem discutível, como o formato do catálogo biblioteconômico, oriundo da arte ou da enciclopédia e baseado em obras – adquiridas, expostas, produzidas – agrupadas segundo critérios cronológicos, genéricos, temáticos e outros previsíveis de outras práticas culturais e artísticas.

A realidade é que se está lidando com suportes efêmeros, cuja materialidade é de-terminada pelos processos de informação numérica gerados em máquinas provenien-tes de textos científicos; máquinas essas que possuem espectro tecnológico e de programação variável e imprevisível. O uso em massa dessas tecnologias implica uma perdurabilidade e uma circulação que depen-dem de um mercado cujo princípio é a mu-dança permanente que assegure o benefício econômico. É assim que o efeito de aparente homogeneidade e permanência do digital é funcional e requer suportes, hardware e software que não sejam uniformes nem du-radouros. A questão primordial seria expor grupos conceituais que estabeleçam conjun-tos de documentação de obras para possíveis preservações, que sempre serão efêmeras, pelo caráter e pela imaterialidade daquilo que sustenta a existência do meio.

Os processos de restauração material e operacional de obras de arte digital re-querem uma variedade de conhecimentos específicos, técnicos e conceituais que re-cuperem em versões novas as peças origi-nais, as quais, uma vez desmontadas e sem espectadores, se revestem de um caráter de obra latente, pois é o usuário que lhes dá existência ao operá-las. Por esse motivo, a informação sobre as obras requer uma eco-nomia precisa para avaliar a quantidade de peças armazenadas que exigem interpreta-ção e avaliação como parte de um conjunto. Ou seja, é preciso conceber metadados que proponham uma leitura crítica e compara-tiva de dados, isto é, uma pesquisa interpre-tativa de leitura do arquivo de obras com base em seu caráter computacional específico.

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Esse processo talvez seja o aspecto mais importante a levar em consideração antes de qualquer restauração, ou seja, estabelecer um conjunto comparativo de obras funda-mentado em diversos critérios de classifi-cação dados pela mesma condição digital do arquivo e pela elaboração de um código de programação pertinente. Ante a impos-sibilidade de restaurar toda a história da arte digital e a irreversível obsolescência de sua própria conservação, torna-se impres-cindível catalogar, classificar e pesquisar os conjuntos de obras, sua tipologia genérica e sua possível simulação para, por fim, ava-liar uma decisão de preservação sob critérios possíveis de restauração para uma exposição operacional que sempre será efêmera.

A maioria das instituições dedicadas às tarefas de conservação e promoção vem favorecendo os processos de arquivamento de suas obras de arte digital com variados critérios, que sempre partem de cada expo-sição, peça ou autor. A mesma categoria de arte digital é ainda uma enteléquia, mas, de qualquer forma, falamos de obras de cine-ma, vídeo, instalações, multimídia digital (net.art, interativos fechados, instalações imersivas, videogames de autor, entre muitos outros exemplos) que respondem a determinado hardware que está longe de ter sido padronizado e de cuja atualização se produzirá uma versão simulada. É uma escolha generalizada que os conjuntos desses acervos sejam apresentados como informação sob a forma do conhecido site corporativo. Esses catálogos geralmente não aproveitam sua materialidade digital nem seu caráter programático hipertex-tual. A ordem clássica estabelecida quanto

a obras e autores costuma ser desprovida de uma leitura interpretativa do conjunto.

Uma programação algorítmica inte-ligente implicaria recriar a base de dados, mas traduzida de diferentes lugares de aná-lise comparativa. É a partir da linguagem de compilação, de acordo com o significado do termo computacional, que se poderiam gerar diferentes cotejos e assimilações dos dados armazenados. Os próprios sites des-ses centros dedicados às artes e ao meio digital se limitam a fornecer informações lineares sobre esses arquivos, suportados por uma resolução gráfica que geralmente tem a forma de banners 2D – um modelo de implementação de página controverso, pois não realiza nenhuma comparação sob nenhum aspecto da coleta de patrimônio. Informações que, interpretadas a partir de sua base de dados numérica, possam ser analisadas e explicadas, sofrer intervenção e ser percorridas de maneiras diferentes.

Refletir sobre a formação de acervos de obras digitais nos leva a recuperar conceitos transcendentes enunciados no último sécu-lo, como o Atlas Mnemosyne (WARBURG, 2010), o museu imaginário (MALRAUX, 1947), o “anarquivo”14 e o arquivo vivo15. São propostas de interpretação sobre as artes visuais baseadas em mapeamentos e siste-mas de classificação comparados como um passo essencial para a preservação de todo acervo de arte digital.

A posse de obras e acervos representa o desafio da conservação, começando por sua catalogação como arquivo digital interativo comparado, o primeiro passo para uma pos-sível preservação como forma de pensamento baseada em sua compilação programada.

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84 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Jorge La FerlaÉ pesquisador, curador e programador em artes audiovisuais. Professor da Fun-

dação Universidade do Cinema (FUC) e da Universidade de Buenos Aires (UBA), onde

é chefe de cátedra. Foi curador de mostras de cinema, vídeo, multimídia e instalações

nos Estados Unidos, na América Latina, na Europa e no Oriente Médio. Organizou mais

de 40 publicações de arte e mídia na Argentina, no Brasil e na Colômbia. Seu último

livro é Cine (y) Digital.

Referências bibliográficas

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MALRAUX, André. Le musée imaginaire. Paris: Skira, 1947.

WARBURG, Aby. Atlas Mnemosyne. Madrid: Ediciones Cedeac, 2010.

Notas

1 CANTONI, Rejane. Máquinas de pensamiento. In: FERLA, Jorge La. El medio es el diseño audiovisual. Manizales: Universidad de Caldas, 2007. Disponível em: <www.academia.edu>. Acesso em: 22 ago. 2015.

2 DOWNEY, Juan. J. S. Bach: Fugue #24 in B Minor, laser disc, Estados Unidos, 1988.

3 Disponível em: <http://www.eai.org/title.htm?id=1501>. Acesso em: 22 ago. 2015.

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85TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Jorge La FerLa

4 DOWNEY, Juan. J. S. Bach, 25’, 1986.

5 Disponível em: <http://www.sfsu.edu/~avitv/avcatalog>. Acesso em: 8 set. 2015.

6 MEYER, Pedro. I photograph to remember. Mac System 6.0.7, Nova York, Voyager, 1991.

7 MEYER, Pedro. Truths & fictions. CD-ROM, Mac System 7, Nova York, Voyager, 1995.

8 MEYER, Pedro. I photograph to remember. Disponível em: <http://www.pedromeyer.com/galleries/i-photograph/>. Acesso em: 22 ago. 2015.

9 Mediações (1997); Máquinas de Arte (1999); Imateriais (1999); Emoção Art.ficial (2002, 2004, 2006, 2008, 2010); Pioneiro Palatnik: Máquinas de Pintar e Máquinas de Desacelerar (2002); Rumos Itaú Cultural Transmídia (2003); Game o quê? (2003); Made in Brasil – Três Décadas do Vídeo Brasileiro (2003); Cinético_Digital (2005); Memória do Futuro – Dez Anos de Arte e Tecnologia no Itaú Cultural (2007); Cinema Sim (2008); Visionários – Audiovisual na América Latina (2008); Gameplay (2009); Arte Cibernética – Acervo Itaú Cultural (2009); Ocupação Regina Silveira (2010); Rumos Arte Cibernética (2011).

10 Singularidades/Anotações, Rumos Artes Visuais (2014). Curadoria de Regina Silveira, Aracy Amaral e Paulo Miyada.

11 Caso exposto por Marcos Cuzziol em: Arte, preservação e banco de dados. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES: ARTE E PESQUISA. São Paulo: Paço das Artes, 2015.

12 Caverna digital é um complexo para realidade virtual de alta resolução, utilizando-se de um sistema de múltiplas projeções em 3D estéreo que propicia um ambiente virtual totalmente imersivo e interativo.

13 Também foi produzido um DVD documentando todo o processo dessa versão da obra em particular. Disponível em: <www.op-era.com>. Acesso em: 8 set. 2015.

14 Para saber mais, acesse: <www.anarchives.net>.

15 ARANTES, Priscila. Arquivo Vivo, exposição realizada no Paço das Artes, São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.pacodasartes.org.br/exposicao/arquivo_vivo.aspx>. Acesso em: 8 ago. 2015.

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87TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

3.88. CULTURA DE REDES E POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASILIvana Bentes

96. A ESTÉTICA DO NOVO ATIVISMORonaldo Lemos entrevista Gabriella Coleman

111. POLÍTICA DE EXPERIMENTAÇÃO: NAS REDES E NAS RUASLúcia Maciel Barbosa de Oliveira

CRISE, RESISTÊNCIA E REINVENÇÃO

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88 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

CULTURA DE REDES E POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL

Ivana Bentes

A cultura não pode mais ser pensada como um “setor”, e sim como um processo transversal e decisivo em um capitalismo que é cultural e cognitivo. Partindo da cultura também se criam formas de resistência e invenção, processos e linguagens, cosmovisões que apontam para outro modelo de desenvolvimento, baseado não na escassez, mas na abundância. No capitalismo cognitivo – que tem como valor a informação, a comunicação, os afetos –, o modo da produção cultural (que engloba a precariedade, a informalidade, a autonomia) é a própria forma do trabalho contemporâneo, a forma geral de trabalho, e não mais uma “exceção”. Essas novas dinâmicas são um desafio e uma oportunidade para as políticas culturais.

A cultura está no centro de um em-bate em torno de outro modelo de desenvolvimento e radicalização

da democracia, como um campo expandi-do, que é a porta de entrada para os direitos sociais. Hoje, trata-se de entender a cultura como estruturante de mudanças decisivas já em curso. É que a cultura não é mais um setor – ela é um processo transversal e de-cisivo. O capitalismo é cultural e as formas de resistência e invenção são processos e linguagens, cosmovisões que apontam para, inclusive, outra cultura política. A cultura é decisiva porque no “semiocapitalismo”, o capitalismo cognitivo – que tem como valor a informação, a comunicação, os afetos –, o modo da produção cultural (que engloba a precariedade, a informalidade, a autono-mia) é a própria forma do trabalho contem-porâneo, a forma geral do trabalho, e não mais uma exceção.

Em um mundo em crise de postos e empregos, em crise narrativa, a cultura in-venta novas formas de atuação, fabulação e sustentabilidade. A cultura emerge não como luxo nem como exceção, mas como modelo de mutação do trabalho precário em potência e vida, o que impacta as formas de produção de valor em todos os campos.

Colocar a cultura no centro de um novo modelo econômico significa que podemos, par-tindo da cultura, repensar questões decisivas no campo social, articulando o campo das ar-tes e das linguagens ao campo sociocultural. Estamos falando de políticas de valorização, apoio, sustentabilidade e ampliação dos Pon-tos de Cultura, como o reconhecimento da cosmovisão indígena, as ações voltadas para os movimentos urbanos, as novas redes de  produ-ção cultural, audiovisual e de mídia dos povos tradicionais, remixando a cultura digital com a tradição oral, as linguagens urbanas e as artes.

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89TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Ivana Bentes

Nem folclore engessado (o típico, o tu-rístico e o exótico) nem indústria cultural, simplesmente. O entendimento ampliado da cultura traz a possibilidade de reconectar o Ministério da Cultura (MinC) à educação, à comunicação, aos direitos humanos, aos mo-vimentos urbanos, aos novos processos das re-des e das ruas, em que as cidades são os novos laboratórios de políticas públicas.

São movimentos que surgem com a pós-redistribuição de renda, que não de-mandam simplesmente recursos, mas polí-ticas de sustentação e ativação de narrativas, commons e bens simbólicos, entendendo que a transferência de renda, apenas, não acaba com as desigualdades. O desafio é dar suporte e criar políticas para essas redes so-cioculturais que se reinventaram após uma conquista mínima de direitos.

Vivemos em uma reestruturação pro-dutiva, e isso se torna claro na cultura, já que ela é hoje o lugar do trabalho informal (não assalariado), com o primado do trabalho ima-terial. São grupos, redes e movimentos que tra-balham com informação, comunicação, arte e conhecimento e que não estão nas grandes corporações. Esse contexto exige novas agen-das estratégicas, sem as forças imediatistas do mercado nem as decisões centralizadas demais do Estado – uma radicalização da democracia estimulando a produtividade social.

Essa experiência da cultura por meio dos movimentos socioculturais surge como

possibilidade de uma renovação radical das políticas públicas. Não é só uma mu-dança da política para a cultura, mas uma mudança da própria cultura política. São muitas as iniciativas com potencial para ser instituídas, e o Brasil surge como laboratório desses projetos culturais.

Dessa forma, podemos destacar a eco-nomia e a cultura do funk e do hip-hop, mo-vimentos que produzem novas identidades e sentimento de pertencimento, de comu-nidade (“rolezinho”, “bonezaço”, “midiali-vristas”, ambientalistas etc.), grupos e redes que criam mundos e atividades produtivas: DJs, donos de equipamentos de som, donos de vans, organizadores de bailes, seguran-ças, rappers, funkeiros, produtores de con-teúdos e mídias, pontos de cultura rurais (violeiros, jongueiros, artesãos), produtores e agentes culturais das mais diferentes lin-guagens, urbanas e comunitaristas, vindas das artes, mas também dos povos de terrei-ro, grupos indígenas, de matriz africana, da tradição oral etc.

Da cultura aos commonsÉ cada vez mais central o primado da

cultura na constituição da economia cogni-tiva e da economia narrativa no capitalismo contemporâneo. Para além do simbólico, vemos emergir outra economia, capilari-zada e de cauda longa. Uma economia da cultura emergente que tem de ser pensada

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90 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de forma bem mais ampla, reconhecen-do-se os arranjos produtivos culturais em todos os níveis – ou seja, de um terreiro de candomblé a um desenvolvedor de games, colocando esses agentes para cogestar essas políticas e demandas. Economia da cultura que não é um nicho (a economia criativa) no MinC, mas um campo que dialoga com o restante de todas as políticas. É um setor estruturante e transversal. Essas redes cul-turais locais contrastam com as políticas públicas organizadas no centro, super-hie-rarquizadas, centralizadas e que não resol-veram ou reduziram a um nível desejável as desigualdades sociais.

Hoje nós temos uma oportunidade histórica de experimentar outros modelos de políticas públicas, ainda embrionários, redes socioculturais que funcionam justa-mente de forma horizontal, acentrada, rizo-mática, organizando a própria produção. Os movimentos socioculturais trabalham com uma ideia de educação não formal como porta de entrada para a educação formal e para o trabalho vivo. A explosão de escolas livres e as metodologias de formação no Brasil são sintomáticas desses processos autonomistas, mas precisam da produção de commons feita pelo Estado, bens comuns e direitos para sustentar essa produção. Pre-cisam de políticas que sejam interfaces en-tre a cultura e a educação, apontando para um reconhecimento, por parte do Estado e do Ministério da Educação (MEC), dessa cultura formadora e educadora.

Estamos falando de ações e processos que extrapolam a ideia fordista de educação ou de indústria cultural, processo que não é formal, mas sim precário, informal, veloz, e

que se dá em redes colaborativas, as quais operam produzindo transferência de capi-tal simbólico e real, fortalecendo os movi-mentos socioculturais sem os tradicionais mediadores culturais, mas que dependem de políticas públicas novas e ampliadas. Esses movimentos sociais se tornam habilitados a administrar a própria cultura que produzem e, ao mesmo tempo, podem ser parceiros sig-nificativos do Estado ou de quem detém os meios de produção e de difusão, por exem-plo. Os movimentos socioculturais podem atuar em todas as pontas: como produtores de cultura, administradores e beneficiários do resultado de sua produção, formadores e cogestores do Estado.

Se os atores culturais e sociais dispõem de recursos intelectuais e materiais para as-sumir esse protagonismo, qual é o papel das políticas públicas? Apoiar, estimular e promo-ver, formar lideranças, agentes de cultura, ges-tores, administradores de cultura e de eventos culturais, oferecendo condições mínimas para esse desenvolvimento. Essa foi a grande virada do MinC antropológico que emergiu na gestão de Gilberto Gil e de Juca Ferreira e que hoje retorna com uma segunda capa de desafios: constituir uma cultura de redes para além da hiperfragmentação identitária.

Sabemos que, hoje, financiar cultura é financiar processos e vidas e disputar visões de mundo, cosmopolíticas. É em torno da cultura que se pode formar uma rede crítica que coloque os governantes em urgente diálogo com a pauta trazida por jovens das periferias, do hip-hop, do funk, com projetos sociais e culturais vindos das favelas e do campo das artes. Essa mesma rede recolocou em cena o debate em torno

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91TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Ivana Bentes

dos Pontos de Cultura, da banda larga, da cultura digital, da criminalização da cul-tura das periferias e dos jovens negros e mesmo a demanda de mudança da cultura política, engessada e pouco participativa. Nesse sentido, não podemos esperar a con-figuração conservadora crescer; existe um sentimento de urgência em todos os movi-mentos de juventude e urbanos, nas perife-rias, no campo. A juventude está inquieta e disposta, demanda participação, cogestão e incidência nas políticas públicas.

Trata-se de uma mudança de cultura política, em que temos de nos perguntar quem são esses novos trabalhadores urba-nos que não estão nas instituições ou nos partidos. Em parte é o “precariado” e “cog-nitariado” urbano que congrega jovens das periferias em trabalhos informais de todo tipo, mas também, e muito fortemente, os produtores de cultura das bordas, do interior, os jovens estudantes saídos das universida-des, os ativistas, os midialivristas etc.

Esses jovens não demandam postos de trabalho ou uma relação patrão-empregado, como na fábrica fordista e na reivindicação de uma juventude mais conservadora. Precisam, para se constituir como movimento e campo, de acesso a direitos e a benefícios sociais. Pre-cisam acessar os commons, bens comuns: in-ternet, repertórios, moradia, sede, sistema de saúde e seguridade.

Cultura de redes Aqui destacamos a Política Nacio-

nal de Cultura Viva, do MinC, como um laboratório desse novo ciclo das políticas culturais. Trata-se do programa que gere os Pontos de Cultura, um arranjo que se

expressa em ações culturais capilarizadas com as mais diferentes linguagens e atores e com potencial de escala. São cerca de 4 mil Pontos de Cultura presentes em todos os estados brasileiros e em mil municípios – a meta é atingir 15 mil pontos em 2020, conforme o proposto no Plano Nacional de Cultura (PNC).

Os Pontos de Cultura, um reconheci-mento do Estado brasileiro diante da potên-cia da cultura de muitos, trazem, por fora e por dentro do Estado, novos e tradicionais sujeitos do discurso, como os povos de ter-reiro, os movimentos sem-terra e sem-teto (com ações culturais nos assentamentos rurais e nas ocupações urbanas), a cosmo-visão e as estéticas dos povos indígenas e quilombolas, o movimento estudantil e a percepção das vidas-linguagens que nas-cem dos territórios (funk, hip-hop, jongo e “tecnobrega”, por exemplo).

Trata-se de uma política pública ri-zomática que cria programas específicos para cada um desses movimentos a partir de suas particularidades, mas que pode, na sua nova etapa, induzir, apoiar e fomentar a constituição de uma cultura de redes, um passo inovador e ousado para a articulação e a mobilização de um novo tipo de movi-mento cultural.

Entendemos a cultura de rede como um processo de construção conjunta de re-des de cultura (redes de povos de terreiro, redes de mídia livre, redes do funk, redes de produtores e agentes culturais etc.) – arran-jos e articulação em redes que são uma nova capa de construção do campo expandido da  cultura, capaz de rivalizar com a indústria cultural e fazer disputas narrativas.

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92 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Economia cognitiva e narrativaEntendemos que o campo da cultura

hoje elabora uma disputa social e de nar-rativas. Daí a necessidade de uma políti-ca de comunicação e mídia para o campo cultural que articule produtores de cultu-ra a uma rede de comunicação inovadora e fluida, independente e regionalizada em todo o país: circuitos, sites, blogs, web TVs, web-rádios, rádios, TVs comunitárias, TVs públicas, pequenos jornais, revistas, perfis em redes sociais etc. 

Temos a oportunidade de fazer uma ação transversal do MinC com o Ministério das Comunicações que responda de forma pontual a uma demanda histórica de demo-cratização do campo da comunicação e das

mídias, pensada em um contexto pós-mídias de massa. É a lógica das redes e das novas mídias, a lógica das plataformas de produ-ção colaborativas, como a Mídia Ninja e tantos outros coletivos que fazem disputas narrativas. Trata-se de uma política de ponta para os que não vão esperar a regulamenta-ção dos meios de comunicação e que aglutina e mobiliza um campo enorme e decisivo de aliança entre cultura e mídia, mídias e di-versidade e inclusão subjetiva.

Outro desafio nas políticas culturais é aproximar as artes do campo de disputa política e do campo sociocultural, momen-to em que as linguagens artísticas passam a transitar para além de centros culturais, mu-seus e instituições. Cinema, música, teatro,

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94 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

literatura, artes visuais e performáticas – to-das essas áreas sinergizadas com o campo comunitarista e sociocultural, com os Pontos de Cultura, com as linguagens indígenas, de matriz africana, de tradição oral. Emergência das vidas-linguagens em que a estética nasce dos territórios e das lutas.

Aqui temos uma oportunidade histórica de juntar os artistas do circuito tradicional das artes – das galerias e dos museus – com a experiência, a estética e as linguagens vindas das bordas, das periferias, das tribos. Essa é inclusive uma tendência internacional, a de uma conexão territorial-global, de um encon-tro de gerações de grandes artistas de todas as linguagens com esse campo alargado da cultura no sentido antropológico.

Participação e governançaA democracia brasileira vive, entre tan-

tas crises, uma crise de representação, com experiências cotidianas de participação e expressão de milhares de cidadãos nas re-des sociais, o que faz emergir uma cultura plebiscitária de sociabilidade em tempo real.

Essa erótica da comunicação recém-ex-perimentada produz, por parte do Estado e de parlamentares tradicionais, um “pânico da participação”, sintoma da crise dos interme-diários, quando milhares de pessoas passam a exercitar a governança e a “ruidocracia” nas redes sociais e nas ruas, da mesma forma como buscam processos sem intermediação na produção cultural (provocando a crise de gravadoras e editoras, por exemplo) com a ascensão da cultura do faça você mesmo.

Trata-se também de uma crise de ve-locidade: governos, Congresso, parlamen-tares são lentos demais para responder aos

desejos de uma democracia em tempo real e on-line, conectada, em que as posições e as decisões políticas são monitoradas, co-mentadas e criticadas ao vivo. Vemos ain-da o descrédito e o não funcionamento de sistemas tradicionais de governança: con-ferências, conselhos de cultura estaduais e municipais, conselhos que não funcionam ou que não têm incidência real; planos na-cionais, estaduais e municipais de cultura que não saíram do papel.

O pânico da participação social vocali-zado em muitos setores (mídia, corporações, Estado) nos seus diferentes níveis impede a construção de um Estado-rede, poroso e aber-to à cogestão com a sociedade civil e com os agentes culturais. Trata-se de superar o fosso entre o Estado e a sociedade civil, em um novo arranjo de governança.

Mais uma vez o desafio é fazer emergir uma cultura de redes que apoie e reforce a criação de novas institucionalidades – e in-duza a isso – com redes específicas de cogestão com o sistema MinC em todos os níveis. O sis-tema de participação vai desde a ativação de Pontos de Cultura, agentes territoriais locais, redes e arranjos nacionais, conferências, teias, fóruns e encontros até plataformas, gabinetes digitais, consultas públicas e fer-ramentas de participação virtuais, em escala e modulação distintas mas complementares.

Nessa arquitetura, a política de partici-pação social – polifônica, digital, nas redes e nas ruas – torna-se a base do que estamos chamando de movimento social das cultu-ras, que se constituiu nas conferências, nos fóruns e nos debates a partir da era Lula, mas cujo sistema de participação se tornou insu-ficiente e está em disputa.

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95TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Ivana Bentes

Ivana BentesÉ pesquisadora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

e secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC). Dou-

tora em comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da

UFRJ e ensaísta do campo da comunicação, da cultura e de novas mídias. Desenvolve a

pesquisa Estéticas da Comunicação: Novos Modelos Teóricos no Capitalismo Cognitivo

e Periferia Global, sobre o imaginário e as ações vindas das favelas e das periferias na

cultura brasileira e no cenário global, bem como suas redes de articulação.

Referências bibliográficas

BAUWENS, Michel. A economia política da produção entre pares. Disponível em: <http://www.p2pfoundation.net/>.

BENTES, Ivana. Redes colaborativas e precariado produtivo. In: Caminhos para uma comunicação democrática. São Paulo: Le Monde Diplomatique: Instituto Paulo Freire, 2007.

______. Deslocamentos subjetivos e reservas de mundo. In: MIGLIORIN, Cezar (Org.). Ensaios no real: o documentário brasileiro hoje. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010.

HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão: guerra e democracia na era do império. Rio de Janeiro: Record, 2005.

LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba, 2012.

LAZZARATO, Maurizio. As revoluções do capitalismo. Record, 2008.

LAZZARATO, M.; NEGRI, A. Trabalho imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

RANCIÈRE, Jacques. Política da arte. In: SEMINÁRIO SÃO PAULO S.A., PRÁTICAS ESTÉTICAS, SOCIAIS E POLÍTICAS EM DEBATE. São Paulo: Sesc Belenzinho, 2005.

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96 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A estética do novo ativismoRonaldo Lemos entrevista Gabriella Coleman

Gabriella Coleman é antropóloga e uma das maiores especialistas do planeta nas novas formas de ativismo, em cultura hacker e grupos de ativistas digitais, como o Anonymous1. Mas como alguém se torna es-

pecialista em temas tão fugidios e de acesso tão restrito? Gabriella mergulhou por anos nesse universo, ganhando a confiança de muitos de seus integrantes, participando de seus canais de discussão (todos criptografados, aliás) e fazendo um mapeamento amplo das formas como esses grupos se organizam e atuam. Seu trabalho é uma aula de etnografia no mundo digital, que revela o ethos de um dos protagonistas mais importantes dos nossos tempos: o hacker-ativista.

Biella (como é chamada pelos amigos) nasceu em Porto Rico, graduou-se na Universidade Columbia e obteve mestrado em antropologia sociocultu-ral na Universidade de Chicago, ambas as instituições nos Estados Unidos. É hoje professora da Universidade McGill, com sede em Montreal (Canadá), cidade onde vive desde 2011. Em seu trabalho, Gabriella já explorou temas como a estética da programação e dos códigos de computador, as dinâmicas do movimento do software livre e das licenças Creative Commons e a questão da ética entre os hackers. Nos últimos anos, vem se dedicando à compreensão das novas formas de ativismo digital, o que a levou a conviver de perto com grupos como o Anonymous.

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97TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

COMO VOCÊ ACHA QUE OS AVANÇOS DAS ÚL-TIMAS DUAS DÉCADAS DA TECNOLOGIA NA MÍDIA MUDARAM O PAPEL DO ATIVISTA E O PAPEL DO ARTISTA?

Acho que grandes movimentos sociais e políticos não precisam da internet para se es-palhar rapidamente e mundo afora. Sabemos disso [pela experiência] da década de 1960, quando houve movimentos de protesto que eram realmente robustos. A internet, porém, certamente reduz o tempo que os movimentos sociais podem levar para se espalhar. Outro elemento está muito relacionado às novas formas de ação direta que são possíveis com o hacking. Por um lado, há melhores condi-ções para nos vigiar com as novas tecnolo-gias, mas, por outro, também há melhores condições para invadir as empresas e roubar dados. Creio que estamos apenas no início disso. Acho que os ativistas estão somente aprendendo agora o que significa participar de ações digitais diretas, quebrando a segurança de governos e empresas para pegar dados em situações nas quais não é preciso ser alguém

de dentro, não é preciso trabalhar na empresa, não é preciso ser um informante interno. Isso significa realmente uma mudança profunda e importante e só está começando agora.

Por último, os movimentos de protesto sempre contaram, em grande medida, com a arte e o imaginário, com cartazes, zines e coisas dessa natureza. Contudo, o tipo de rico vocabu-lário visual que é possível por causa de mídias on-line, como vídeos, imagens e “memes”, não traz necessariamente uma mudança que seja radicalmente nova. É mais como um aprofun-damento das formas de participação artística que podem acontecer devido à existência de muitos outros canais para a expressão artística.

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98 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

VOCÊ ACHA QUE, DE CERTA FORMA, HÁ UMA FUSÃO DE ATIVISMO E PERFORMANCE-ARTE?

Bem, repetindo, acho que a performance sempre teve um papel no ativismo. Há vários exemplos da década de 1960 até o presente, como os hippies, que eram bastante performa-tivos. Creio, porém, que a diferença – e isto é o que importa – é que esses esforços tendiam a ser de pequenos grupos de pessoas muito fechados que realmente tinham os recursos, os quais verdadeiramente [os] identificavam como artistas e ativistas. O Anonymous é o exemplo perfeito dessa diferença. Trata-se apenas de indivíduos que não necessariamen-te se identificam como artistas, no entanto usam os meios artísticos para o seu ativismo. Admitindo isso, algumas das pessoas que são os melhores media makers do Anonymous, em algum momento, terão de se considerar artistas. Eles são um tanto geeks. Esse é o su-porte deles, isso é o que eles fazem. Esse tipo de acesso está realmente disponível a uma parcela muito maior da população.

VOCÊ ESTUDOU O TRABALHO DO ANONYMOUS POR BASTANTE TEMPO. COMO ACHA QUE ELES FIZERAM OS DEBATES POLÍTICOS AVAN-ÇAR? E TAMBÉM NOÇÕES COMO AUTORIA?

Essa é uma ótima pergunta. Acho que uma das mais fascinantes e importantes intervenções relacionadas ao Anonymous diz respeito à autoria coletiva. A ideia não é ganhar prestígio nem fama pelo que se faz. É verdadeiramente por uma causa coletiva. Isso é tão importante, porque há uma manei-ra pela qual as intervenções ativistas formam uma corrente por meio da mídia dominante, e é apenas um punhado de pessoas. Os líde-res que se transformaram em ícones para o movimento. Isso é um verdadeiro problema para um movimento envolvendo muitas pes-soas. O Anonymous é um entre alguns grupos que realmente afirmaram com êxito: “Olha, o nosso negócio é o coletivo, não o individual”, e eles conseguiram efetivamente fazer isso.

É uma ética viva. Pede-se que uma pes-soa leve a vida de acordo com essa ética e, se

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99TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

ela a violar, será punida dentro do coletivo. É importante ter espaços onde se faz algo para o bem do coletivo, não para reconhe-cimento individual, e é muito difícil criar tal espaço onde essa coletividade aconteça. O Anonymous conseguiu fazer isso. Ago-ra, uma das razões pelas quais eles ainda atuam na esfera pública é o fato de serem realmente bons em gestão de marca e em criar uma história rica, que não é meramen-te o ato de fazer ataques de denial of service2 ou hacking. Eles têm os seus vídeos, os seus suportes. Eles são muito performativos.

Isso só vem mostrar a importância de ter certo elemento que seja forte, perfor-mativo, narrativo, artístico para qualquer mensagem que se queira transmitir lá fora, porque se atrai mais atenção assim. Eles são simplesmente fantásticos em gerar o tipo de espetáculo que chama atenção.

VOCÊ ACHA QUE, APESAR DE TUDO ISSO, EXISTE UM SISTEMA DE REPUTAÇÃO ENTRE OS MEMBROS DO ANONYMOUS NESSE SEN-TIDO? VOCÊ ACHA QUE ELES AINDA BUSCAM, DE CERTA FORMA, O RECONHECIMENTO DOS SEUS PARES OU DE ESTRANHOS PARA O TRABALHO DELES?

Definitivamente, dentro do coletivo há uma reputação que é acumulada, e alguns membros têm mais autoridade porque as pes-soas confiam mais neles do que em outros. Dito isso, se alguém conta vantagem e fica se mos-trando, a reação será apenas: “Nós vamos eli-miná-lo”. Isso não se faz – existe, mas também é ajustado. Essa é uma das grandes tensões na história do Anonymous. Existem certas contas de Twitter com pseudonomes, como Topiary ou Sadu, que se tornaram famosas. Por um lado, ter essas personalidades foi útil, porque as pes-soas podem se relacionar com elas, querem se-gui-las; por outro, isso se tornou um ponto fraco do movimento, na medida em que, uma vez que se é persistente, é possível ser apanhado.

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100 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Uma das coisas interessantes, acho eu, que têm acontecido no último ano não é algo [feito] por um Anonymous com “A” maiús-culo, mas sim por um anonymous com “a” minúsculo – Phineas Fisher3, que invadiu o sistema de duas empresas, Gamma e Hacking Team4. Quando invadiu a Gamma, ele divul-gou o acontecimento no Twitter, ficou ron-dando e depois desapareceu. Agora, ele está mais uma vez de volta para atacar a Hacking Team e desapareceu novamente. Para mim, isso não é sob o nome do Anonymous, mas este foi um dos primeiros grupos a invadir as empresas de segurança e, assim, eles defini-tivamente deram vida a essa forma de ação. Então essa pessoa está adotando os princí-pios do Anonymous e executando-os de uma forma mais cirúrgica e limpa, o que, a meu ver, é realmente interessante.

UMA PERGUNTA SOBRE O MOVIMENTO OCU-PAR WALL STREET. É INTERESSANTE OBSER-VAR QUE ELE FOI INICIADO PELA REVISTA CANADENSE ADBUSTERS, QUE FAZ PARTE DO MUNDO DA PUBLICIDADE, FAZ PARTE DO SISTEMA. COMO VOCÊ VÊ ESSA CONFUSÃO DE PAPÉIS?

Sim, são muito confusos esses papéis, porque não há um que seja puramente ati-vista. É muito difícil ver alguns formatos puros de ativismo em atividade. Está tudo ligado. Acho que foi apenas um erro imagi-nar que alguma vez poderia haver uma po-lítica pura. É fato que alguns dos ativistas tecnológicos mais radicais que conheço são de esquerda, vistos como anticapitalistas, mas, mesmo assim, trabalham no Google. Eles não necessariamente gostam do Goo-gle, mas é lá que ganham o dinheiro de que precisam para conseguir praticar o seu ati-vismo. Acho que parte do problema é uma expectativa de pureza, que, para começar, é falsa. Nunca deveríamos buscar essa pure-za. Dito isso, penso realmente que existem

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101TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

formas mais ou menos radicais de ativismo. No fim da década de 1990, o Indymedia era o lugar onde todos esses ativistas desenvol-viam o que se transformou nas tecnologias da web 2.0. Muitos dos que faziam parte do Indymedia foram contratados no Vale do Silício, em 2000, 2001, por empresas como Flickr e Yahoo!. A tecnologia ativista foi a base para o surgimento da web 2.0. Isso é surpreendente. Pense a respeito – é exata-mente o que você está falando.

Acho que [o software] Tor5 é um ótimo exemplo disso. O Tor ganha bastante dinheiro do governo norte-americano e isso incomoda muita gente. Não tenho tanta certeza se o fato de aceitar esse dinheiro está diluindo o projeto ou tornando-o algo politicamente suspeito. O que ele permite, na verdade, é ter pessoas radicais que se comprometeram com a pri-vacidade para trabalhar em tempo integral porque têm bons salários. Se elas estivessem conseguindo sobreviver sem dinheiro, então o projeto estaria avançando com dificuldade. Isso é um caso perfeito. Se a tentativa fosse de

encontrar pureza, na verdade o que se estaria fazendo seria prejudicar o impacto do projeto.

Por outro lado, movimentos políticos podem ser identificados por alguns atores – atores empresariais – como sendo “legais” e podendo ser cooptados. O melhor aspecto do Anonymous é que isso não acontece, por dois motivos. O primeiro é que eles são anônimos e o segundo é que são impiedosos ao atacar as empresas diretamente. Eles só fazem as-sim: “Ah, nós os odiamos. Não queremos ter nenhuma espécie de ligação com eles”. Eles estão relativamente protegidos. Acho que ativistas têm de ser inteligentes e saber que não deveriam estar necessariamente bus-cando a pureza o tempo todo, mas também têm de ser realmente táticos para saber de quem vão pegar dinheiro e com quem se rela-cionam. Acho que o Tor tem feito, na verdade, um grande trabalho em não ter a abordagem na linha de “Nós não vamos pegar nenhum dinheiro público”. Eles levam toneladas de dinheiro do governo e, consequentemente, constituem um projeto muito forte.

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102 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

COLETIVOS COMO O ANONYMOUS USAM MUITO HUMOR, COMO MEMES E PIADAS. OS POLÍTICOS ESTÃO, CURIOSAMENTE, APRO-PRIANDO-SE DESSA LINGUAGEM – BARACK OBAMA, POR EXEMPLO. CONVERSEI RECEN-TEMENTE COM IVAN KRASTEV, UM ESPECIA-LISTA EM DEMOCRACIA BEM CONHECIDO. ELE ME DISSE: “ISSO É MUITO PERIGOSO”. NA OPINIÃO DELE, SEMPRE QUE O PODER USA O HUMOR DESSE JEITO, TORNA-SE PERIGOSO. O QUE ACHA DE HUMOR E POLÍTICA?

Acho que isso mostra como se pode fa-cilmente cooptar algo que, em um momento, era muito contracultural ou independente das formas dominantes de poder. Só acho que isso não vai sumir. Trata-se de um processo que vai acontecer invariavelmente, e os ativistas precisam assegurar-se de estar constante-mente diferenciando a sua posição, se fizer sentido, daquela do poder dominante. É nes-se ponto que acho que a ação direta faz com que certos tipos de política sejam incooptá-veis. Se é somente uma questão de expressar

o ativismo por meio da arte, no mesmo nível de importância, sempre poderá ser cooptá-vel. Se é arte e ao mesmo tempo também se atua no vazamento, na delação e no hacking, o governo não pode se apropriar disso. Na verdade, e isto é uma coisa completamente diferente, o que é preciso é tomar cuidado para o governo não marcar a pessoa como terrorista. Recentemente, o Anonymous escapou do rótulo de terrorismo, mas por muito, muito pouco.

Isso ocorreu, em parte, por causa da arte e do humor. Isso é realmente impor-tante para garantir que eles não sejam vis-tos como loucos extremistas ou algo assim, o que é um perigo enorme para qualquer movimento radical. Penso justamente que, uma vez que aqueles no poder passam a apropriar-se do imaginário e do humor, de material visual, é preciso continuar a garan-tir que se está agindo, e não simplesmente divulgando uma causa, porque depois será muito mais difícil diluí-la ou cooptá-la.

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103TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

A MAIORIA DOS COLETIVOS DO ANONYMOUS NO BRASIL É MUITO CONSERVADORA E DE DI-REITA. VOCÊ VÊ ESSE PADRÃO POLÍTICO EM OUTRO LUGAR?

Sim. Há um pouco disso na Alema-nha também. Uma das maiores páginas do Anonymous no Facebook é uma espécie de grupo conservador direitista do coletivo. No entanto, a maior parte dos seus grupos é liberal e de esquerda. Em alguns aspec-tos, o software livre teve a mesma história também, quando passou a ter código aber-to e poderia ser adotado pelas empresas para uma mensagem neoliberal. Acho que o Anonymous é parecido, embora eu ainda diga que a maioria dos grupos tende para o liberal e para a ala da esquerda.

QUAIS SÃO OS LIMITES DA “TROLLAGEM”, QUE É A ESSÊNCIA DE GRUPOS COMO O ANONYMOUS? QUANDO VOCÊ ACHA QUE ELA COMEÇA A ATRAPALHAR A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA ESFERA PÚBLICA?

Bem, acho que a trollagem, muitas ve-zes, perturba bastante. Eu contestaria que o Anonymous seja fundamentalmente trolla-gem, porque de forma nenhuma enquadro os ataques e as invasões de denial of service nessa definição. De vez em quando eles real-mente levantam a espada da trollagem, e isso é tanto uma arma tática como um lembrete de que não são um grupo político que pode ser facilmente domado. A maneira como é usada no Anonymous pode ser bastante sincera, a meu ver, porque é contida, está controlada. No contexto em que está superfora de con-trole – como quando os trolls só estão atacan-do feministas por todos os lados e em todos os lugares –, é definitivamente, nesses casos em particular, apenas puro assédio.

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104 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Sim, acho que a trollagem pode real-mente atrapalhar a liberdade de expressão. Contudo, também acho que seja um grande teste. Por exemplo, a Nova Zelândia acaba de bani-la. É melhor procurar pessoas específi-cas que estejam assediando, digamos, um in-divíduo com muita persistência. Não se pode simplesmente dizer “Ah, nada é possível”, mas proibir toda a vontade de fazer trollagens repentinamente... O que o Anonymous faz – e que talvez não seja trollagem –  poderia ser categorizado como  trollagem e, depois, subitamente, considerado ilegal. Acho que  isso é um precedente muito assustador em alguns aspectos. Grandes ataques de trollagem podem ser muito, muito difíceis de controlar na  internet.

QUAL É O FUTURO DO ANONYMOUS E DA SUA TÁTICA? VÃO SOBREVIVER À FREQUENTE REAÇÃO VIOLENTA CONTRA ELES?

A reação é muito grande. Há repressão de governos na Europa e nos Estados Uni-dos, e em menor grau na América Latina, mesmo que algumas pessoas tenham sido certamente pegas. Acho que há alguns as-pectos a considerar. Na verdade, acho que havia um inacreditável volume de atividade em 2011 e 2012, e nós nunca vamos voltar a ver esse nível de atuação. A atividade que estamos vendo hoje é executada de uma for-ma mais precisa, menos desleixada e com maior segurança. Para dar um bom exem-plo, houve na verdade um grande ataque de denial of service no Canadá contra um proje-to de lei sobre vigilância ou antiterrorismo. Atingiram os sites do governo e derrubaram a maioria deles, também deixando inaces-sível o e-mail do governo. Eles na verdade arquitetaram durante meses essa operação, que foi realmente bem executada. A re-gra número 1 deles: sem danos colaterais. Ninguém será preso por isso.

Isso foi muito diferente de seus ata-ques distribuídos de negação de serviços

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105TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

anteriores, quando diziam: “Vamos fazer um ataque de DDoS [sigla em inglês para esse tipo de ataque]. Venha a bordo”. É apenas caótico e confuso. Trata-se de uma mudança completa por causa das prisões. De fato, nin-guém foi preso. Na Itália, eles foram detidos. Contudo, nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, ninguém foi preso e, em parte, acho que também porque a questão ilegal irá acontecer em lugares como a América La-tina e o Oriente Médio, onde é mais difícil pegar as pessoas. De fato, acho realmente que continuaremos a ver ação. Talvez não tanto quanto antes, mas isso também será devido a um planejamento mais cuidadoso. O segundo ponto é que – já vimos isso antes – os hackers estão indo direto para as empresas em busca de informações, o que não é o mesmo que fez Bradley/Chelsea Manning6. Ela trabalhava para o Exército, era uma pessoa de dentro. Edward Snowden era um funcionário da empresa. Jeremy Hammond7 não era uma pessoa da casa. AntiSec8 não era alguém da casa. Phineas Fisher, que organizou as ações contra a Gamma e a Hacking Team, provavel-mente não era de dentro e, se for, o que ele fez foi muito inteligente.

Vamos ver mais disso. Se as pessoas se autodenominam Anonymous ou não, o Anonymous as ajudou a ter uma existência, aquele tipo de desejo de usar o hacking para vazar informações, principalmente contra empresas de segurança e coisas assim. A invasão da Hacking Team é enorme. Pro-vavelmente foi uma operação política muito bem articulada. Pelo que entendo, Phineas Fisher vai explicar como fez isso, mas os da-dos, creio eu, foram retirados muito lenta-mente durante um longo período de tempo, para que não se percebesse que estava tudo indo embora. Outras pessoas vão imitar essa invasão, e ela deve a sua concretização ao que o Anonymous fez antes. É um novo am-biente que foi criado. Também acho que, se virmos o suficiente disso, as empresas final-mente levarão sua segurança muito mais a sério. Haverá, porém, uma janela de tempo durante a qual elas não poderão melhorar a sua segurança a fim de atingir os padrões necessários para evitar acontecimentos dessa natureza. Acredito, portanto, que ve-remos várias situações assim nos próximos dois a quatro anos.

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106 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

VOCÊ ACHA QUE A ESTÉTICA DO ANONYMOUS VAI DESAPARECER? MINHA OPINIÃO É QUE JÁ ESTÁ DESAPARECENDO. HÁ ALGUMA OUTRA ESTÉTICA PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO HORIZONTE?

É interessante, porque Guy Fawkes9

está aí há bastante tempo, desde o século XVII. Isso vai e vem. É interessante tam-bém porque antigamente a associação que se fazia era somente negativa. Foi no início do século XX que começou a haver uma as-sociação positiva. Ele começou a ser retra-tado como um herói em livros infantis e isso não acontecia antes, até [aparecer] nosso romance mais litográfico, o que realmen-te o tornou um verdadeiro tipo de herói. Mais tarde, com o filme de Hollywood [V de Vingança], as massas falavam “Ah, Guy Fawkes é um cara legal”, em vez de “Nossa, ele é um terrorista horrível” ou qualquer outra coisa. Eu o considero um personagem muito interessante porque, diferentemente do símbolo de paz, qual é a causa de Guy Fawkes? Se ele pode passar de terrorista

a revolucionário, acho que é possível esse movimento de vai e vem.

Quero dizer, acredito que existe a fadiga da marca e há uma maneira pela qual o po-der tanto do DDoS quanto do ícone deveria recuar e depois aparecer inesperadamente. Uma presença demasiadamente persistente vem acompanhada de uma espécie de fadiga da marca. Agora, o que fica claro em relação à invasão do Phineas Fisher é que não exis-te gestão de marca nem um movimento. É a ação de um indivíduo. Repetindo, isso vai inspirar outros, mas também é possível ver os seus limites. Quando se tem todo um uni-verso simbólico, pode-se realmente abri-lo a uma participação ampla, e isso não vai ne-cessariamente acontecer com as pequenas invasões isoladas. A arte é um meio pelo qual se pode realmente inscrever porções maiores da população. Mas não estou certa de qual será o tipo de imaginário ou iconografia do futuro em alguns aspectos. Eu diria, contudo, que o anonimato ideal não desaparecerá, e isso também é um aspecto poderoso.

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107TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

VOCÊ ACHA QUE AS PESSOAS FICAM MENOS CRIATIVAS SOB VIGILÂNCIA?

Sim, elas estão menos dispostas a cor-rer riscos. Quando não se está sendo vigia-do, existe a liberdade para experimentar. Se a pessoa está sendo vigiada, ela tende a se conformar. Sabemos disso por meio de experimentos psicológicos. Dito isso, há sempre, sob as formas mais extremas de vigilância, pessoas que conseguem criar focos de resistência e assim por diante. No entanto, o que é um tanto assustador é que existem vários vetores de vigilância sob os quais as pessoas podem estar vivendo, desde o nível empresarial até o governamental, da microvigilância para a macrovigilância, e esse acontecimento é inédito. Como isso vai mudar o comportamento? Creio que temos uma ideia de que, precisamente, haverá uma espécie de roubo de inovação, uma intenção de levar as pessoas ao conformismo. Isso provavelmente acontecerá, mas sob regi-me extremo. Acho que pode haver alguns elementos inesperados.

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108 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Ronaldo LemosÉ professor e pesquisador brasileiro respeitado internacionalmente. É diretor do

Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org) e professor da Uni-

versidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). É pesquisador e representante para o Brasil

do MIT Media Lab. Fez mestrado na Universidade Harvard (Estados Unidos) e doutorado

na Universidade de São Paulo (USP). É especialista em temas como mídia, inovação e

tecnologia. Foi professor visitante nas universidades de Princeton (EUA) e Oxford (Rei-

no Unido). É membro do conselho de administração de várias empresas de tecnologia,

incluindo a Mozilla, que faz o browser Firefox. Foi curador de vários festivais de música,

arte e tecnologia, entre eles o Tim Festival e o Festival Hipersônica. Foi responsável pela

concepção e pela curadoria do Laboratório de Atividades do Amanhã, do Museu do

Amanhã, no Rio de Janeiro. Foi eleito pelo Fórum Econômico Mundial, em 2015, um dos

jovens líderes globais.

Gabriella ColemanOcupa a cátedra Wolfe em Alfabetização Científica e Tecnológica na Universidade

McGill (Canadá). É formada em antropologia cultural e seu trabalho de pesquisa, redação

de artigos e ensino versa sobre os hackers de computador e o ativismo digital. Seu pri-

meiro livro sobre software livre, Coding Freedom: the Ethics and Aesthetics of Hacking, foi

publicado pela Princeton University Press. Seu novo livro, Hacker, Hoaxer, Whistleblower,

Spy: the Many Faces of Anonymous, publicado pela Verso, foi indicado na categoria de

Melhor Livro de 2014 do Kirkus Reviews.

Notas

1 Grupo de ativistas-hackers que surgiu na internet e em fóruns anônimos da rede. O grupo caracteriza-se por sua ausência de liderança formal e pelo anonimato dos integrantes, até mesmo uns com os outros. Organiza-se em diversos países e de forma independente. Nesse sentido, vários grupos já se denominam Anonymous sem que haja necessariamente uma unidade entre eles. Seu símbolo é a máscara com o rosto estilizado de Guy Fawkes, popularizada pelos quadrinhos V de Vingança, de Alan Moore, também transformados em filme.

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109TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lemos entrevista CoLeman

2 Distributed denial-of-service (DDoS) attack, ou ataque distribuído de negação de serviços, é uma tática utilizada por hackers que faz com que um site seja bombardeado com inúmeros pedidos de acesso simultâneo, sobrecarregando o servidor no qual ele está hospedado e, assim, fazendo com que o site se torne indisponível. É uma ação usada para “derrubar” um site da internet.

3 Identidade de uma conta no Twitter e nome de um usuário do site de discussões Reddit que assumiu a autoria do hackeamento das empresas Gamma Group e Hacking Team. Não se sabe se a identidade se refere a um único indivíduo ou a um grupo de pessoas.

4 Empresas que fornecem tecnologia de vigilância e hackeamento (se autodenominando “empresas de segurança”) a governos e clientes em vários lugares do mundo, em especial países autoritários. Foram incluídas pela organização Repórteres sem Fronteiras na lista de “inimigos da internet”.

5 Software que permite o anonimato das comunicações na internet e pode ser instalado em qualquer computador. É hoje mantido pela Electronic Frontier Foundation, respeitada entidade criada nos anos 1990 para proteger direitos na internet. O uso do Tor torna muito mais difícil o rastreamento das comunicações na internet, razão pela qual ele é utilizado em muitos países autoritários em que há censura da rede.

6 Soldado norte-americano que vazou milhões de documentos para o site Wikileaks e foi condenado por suas ações nos Estados Unidos. Como uma mulher transexual, assumiu a identidade de Chelsea, abandonando o nome anterior, Bradley.

7 Ativista e hacker de Chicago, condenado a dez anos de prisão por hackear a empresa de segurança Stratfor, vazando documentos para o Wikileaks.

8 Movimento de hackers que se formou contra a indústria de empresas de segurança. Ganhou visibilidade mundial por algumas de suas ações, nas quais expõe falhas, vulnerabilidades e questões éticas com relação à atuação dessas empresas.

9 Membro de um grupo de católicos ingleses que planejou um atentado na Inglaterra em 1605 para explodir o Parlamento inglês usando pólvora. A tentativa foi malsucedida, tendo sido denunciada por uma carta anônima, o que levou as autoridades a descobrir o plano e prender Guy Fawkes. A data do atentado, 5 de novembro de 1605, é usualmente comemorada na Inglaterra, onde sua efígie é queimada em uma fogueira junto com espetáculos de fogos de artifício.

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111TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lúcia MacieL BarBosa de oLiveira

POLÍTICA DE EXPERIMENTAÇÃO:nas redes e nas ruas

Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira

A disjunção entre a sociedade civil e o Estado tem evidenciado o esgotamento de institui-ções tradicionais das democracias representativas, que não conseguem dar respostas satisfató-rias à sociedade nem dar vazão à multiplicidade de desejos e de voz pública, não mais passíveis de contenção nos espaços delimitados pelas instituições tradicionais. As novas dinâmicas nas práticas culturais e artísticas não podem ser apartadas do processo político-social de forma mais ampla. Tal processo gera desafios para a política e a gestão cultural.

Thomas Mann, escritor alemão, em-preende uma viagem de navio, em 1934, da Holanda aos Estados Uni-

dos. Na travessia vai acompanhado de Dom Quixote – escrito por Miguel de Cervantes –, que, segundo o alemão, é o livro justo para uma viagem pelo mundo: “[...] escrevê-lo foi uma aventura ousada, e a aventura receptiva que se cumpre ao lê-lo está à altura das circunstân-cias”, anota Mann. A experiência da viagem, tramada com a leitura, é registrada em diário. Em um dos seus apontamentos lê-se que

é preciso acolher o presente em toda a sua complexidade, em todas as suas contra-dições, pois o futuro nasce do que é múltiplo, não do que é único. (MANN, 2014, p. 117)

O preceito de Mann parece encontrar resistência ainda hoje, quando o acolhimen-to ao múltiplo, ao desconhecido e ao incerto desconcerta e muitos ainda anseiam por um amplo relato que organize a diversidade do

mundo como uma espécie de tábua de salva-ção. Na perspectiva do uno, o futuro só pode ser concebido como uma cruel repetição do presente. Avançamos num mar de surpresas e incertezas, lembra Favaretto (2012), o que nos coloca diante da indeterminação, de uma paisagem desconhecida que é preciso confi-gurar e decifrar. Ante tal desafio, e na impos-sibilidade de dar respostas seguras, cabe-nos a tarefa de problematizar a respeito do novo contexto em que estamos inseridos.

Um eixo fundamental dessa problema-tização diz respeito ao fato de que, nas socie-dades em que a democracia está instalada, há uma disjunção crescente entre o Estado e a sociedade civil que tem se tornado visível em várias esferas, sobretudo nas políticas públi-cas, que parecem andar a reboque da dinâmica social, dia a dia mais complexa em decorrên-cia do próprio processo democrático. A socie-dade civil é ator-chave da dinâmica atual.

O filósofo Jacques Rancière, em seu li-vro Ódio à Democracia, busca compreender

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112 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de que forma, no interior das supostas so-ciedades democráticas, uma intelligentsia dominante, que não deseja viver sob outro regime, acusa diariamente os males causados pela democracia, “a catástrofe da civilização democrática”. Em outras palavras, a expan-são da democracia incomoda, sobretudo pelo princípio segundo o qual seu cerne é o poder de qualquer um para governar, para adentrar em esferas antes reservadas a poucos. A in-tensidade da vida democrática, sua ingover-nabilidade advinda da constante e conflituosa expansão que opera em seu interior, funda-menta seu governo. Nas palavras do autor,

o processo democrático é o processo desse perpétuo pôr em jogo, dessa invenção de formas de subjetivação e de casos de verifi-cação que contrariam a perpétua privatização da vida pública. (RANCIÈRE, 2014, p. 81)

A razão de ser da democracia é o reco-nhecimento do outro, o permanente exercí-cio de reconhecimento, e tem como princípio fundamental a ampliação dos direitos, cuja matéria-prima é o desejo, na bela formulação de Renato Janine. É o desejo dos sujeitos, com novas lógicas e novas sensibilidades na are-na pública, que lutam por reconhecimento. Vivemos, portanto, um fenômeno próprio do desenvolvimento democrático, que é a cons-tante busca pela ampliação do espaço na arena pública, a qual advém da multiplicidade de de-sejos. A administração dessa diversidade é algo próprio da dinâmica da democracia e um dos grandes desafios da gestão democrática. Tra-ta-se da compreensão de que a democracia não chegará a um momento em que estará consoli-dada, na medida em que ela tem, por princípio,

esse processo de ampliação pelos desejos, essa permanente condição de desejo. A multiplici-dade de vozes que buscam espaço na arena pública é inerente ao exercício democrático. A continuidade e o alargamento do processo de democratização levam a sociedade a exigir uma participação cada vez maior e mais ativa na esfera pública e na tomada de decisões.

A disjunção entre a sociedade civil e o Estado tem evidenciado o esgotamento de instituições tradicionais das democracias representativas, que não conseguem dar res-postas satisfatórias à sociedade nem dar vazão à multiplicidade de desejos e de voz pública, não mais passíveis de contenção nos espaços delimitados pelas instituições tradicionais. A legitimidade do Estado tem sido abalada pela dificuldade em acompanhar as transforma-ções da sociedade, o que se traduz na tensão constante entre as suas instituições e as novas dinâmicas sociais, trazendo reflexos diretos nas políticas públicas. Estas parecem se guiar por modelos e sistemas antes legitimados, mas que não fazem face à indeterminação contem-porânea, às múltiplas dinâmicas que consti-tuem sua paisagem. As lentes parecem apontar para a criação de relatos parciais de sujeitos e grupos que buscam construir espaços no mundo, abrir fendas, mesmo que temporárias. A política toma a forma de uma batalha entre diferentes âmbitos de visibilidade. Os corpos estão saindo às ruas. A perspectiva empreendi-da por Paul B. Preciado para a compreensão de movimentos como os Indignados na Espanha e a vitória de Ada Colau em Barcelona foca a passagem de uma política de representação para uma política de experimentação, em que a ação e a narração remetem à construção de múltiplos significados por corpos indisciplinados.

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113TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lúcia MacieL BarBosa de oLiveira

O modo de vida atual é crescentemente participativo; a sociedade sente-se excluída da arena pública e quer nela ser reconhecida e dela participar. Há um sentimento de des-conforto e descontentamento que gera tensão de forças múltiplas e heterogêneas em ação. Enquanto a política permanece como que acorrentada a um tempo pretérito, a socie-dade avança pelas ondas líquidas e digitais da vida hipermoderna, defende o cientista político Marco Aurélio Nogueira (2013).

A compreensão da dinâmica política atual, que tem ganhado novos contornos com o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, é elemento fun-damental para o entendimento das práticas culturais e artísticas na atualidade. Em outras palavras, as novas dinâmicas nas práticas cul-turais e artísticas não podem ser apartadas do processo político-social de forma mais ampla. As práticas culturais e artísticas, em sua rela-ção com as novas tecnologias de informação e comunicação, evidenciam a proatividade dos novos atores e a localização incerta de muitos processos culturais na produção, na circula-ção – o que reduziu a sacralização de lugares de exibição – e na criação de novos espaços de experiências culturais e artísticas.

Nas redes circulam produções e se de-senvolvem discussões que reforçam tal ideia. O modelo de comunicabilidade em rede – in-terativo e conectivo (MARTÍN-BARBERO, 2014) – abre potencialidades e novas pro-blemáticas para as trocas, os intercâmbios, a afirmação de identidades e de coletividades, as novas elaborações simbólicas e os enfren-tamentos conflituosos.

Portanto, se a dinâmica democrática gera tensões permanentes, no universo

da cultura essas tensões parecem ganhar contornos fortes em decorrência dos novos desejos e das novas necessidades da mul-tiplicidade de sujeitos e grupos que com-põem a sociedade. A cultura é entendida como processo de elaboração contínua em um mundo em que as interdependências e os confrontos se intensificam a cada dia. Ela deve ser diálogo, o que significa troca per-manente, performativa e interativa e, como consequência, imprevisibilidade, abertura para o devir, e isso exige a gestão de contex-tos de interculturalidade.

É em torno da participação que flutuam as maiores esperanças de recomposição so-cial e recuperação da política, lembra Marco Aurélio Nogueira (2013). A política é antes de tudo a capacidade de quaisquer corpos se apoderarem de seus destinos. Trata-se de emancipação e, segundo Jacques Ran-cière (2010), emancipação significa borrar a fronteira entre os que atuam e os que olham, entre indivíduos e membros de um corpo coletivo. Uma comunidade emancipada é uma comunidade de narradores e de tradu-tores: fronteiras cruzadas, papéis borrados, situar-se nas interações e nos desacordos.

As novas tecnologias de informação e comunicação têm modificado as práticas cul-turais e artísticas, suas estratégias, a forma como os sujeitos se relacionam com o mundo, a maneira como aprendem, criam, comparti-lham, se agrupam, colaboram, fazem circular sua criação, se apropriam. Vivemos hoje a emergência de processos criativos em es-paços distribuídos na cidade, muitos deles improváveis, fortalecendo as microlocalida-des e a multiplicidade de vozes, imbricações e interações, estabelecendo redes de tensão e

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114 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

potencializando o desejo de criação de outros tempos e espaços, a geração de experiências, os novos afetos e sinergias.

Muitos sujeitos têm repensado sua forma de estar no mundo, abrindo fendas para viver uma descontinuidade particular, subjetiva, mas que reverbera no coletivo – retomando a experiência como parte fun-damental da existência, interpelando seu tempo para estar à altura de transformá-lo. Eis um grande desafio para pensar práticas culturais e artísticas na atualidade.

Talvez estejamos nos aproximando da-quilo que o historiador Michel de Certeau (1997) defendeu como tônica da ação humana: a invenção da própria liberdade, da criação de brechas e espaços de movimentação. Em sua concepção, a cultura “é uma proliferação de invenções em espaços circunscritos” (p. 19); ou, ainda, “a cultura é o flexível” (p. 233), osci-lando entre a permanência e a invenção, sen-do necessário que as práticas sociais tenham significado para quem as realiza. De Certeau questiona: “[...] que grupo tem o direito de de-finir, em lugar dos outros, aquilo que deve ser significativo para eles?” (p. 142).

Como se produz e se constrói o espaço público? Como se toma a palavra nele? Os corpos saíram às ruas e anseiam pela vida sem mediações. A disseminação e o baratea-mento das novas tecnologias de informação e comunicação têm possibilitado que sua apropriação aconteça de maneira cada vez mais ampla, permitindo que sujeitos e gru-pos produzam obras e as façam circular, o que potencializa sua apropriação e amplia os circuitos e a produção de uma multipli-cidade de relatos. Segundo Canclini (2010), movimentos artísticos, políticos e culturais

trabalham tomando fragmentos do mundo, dando certa visibilidade ao que é iminente e mostrando como se pode atuar mesmo a par-tir de visões incompletas em zonas de inter-seção que sugerem e insinuam mais do que representam literalmente. Ao narrar, contar suas experiências aos outros, os indivíduos e os grupos constituem-se como sujeitos da linguagem, sujeitos da vida pública, e

instaura-se a relação entre o reconheci-mento e a participação cidadã, a capacidade de participação e intervenção dos indivíduos e as coletividades em tudo aquilo que os con-cerne. (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 22)

No que se refere especificamente às políticas públicas de cultura, o descompas-so entre suas proposições e suas ações e a multiplicidade social ganha contornos mais nítidos, sobretudo porque sua organização formal, a questão do patrimônio (nem sempre coletivamente compartilhado) e no que este está instituído são eixos de tensão permanen-te com a dinâmica cultural, a cada dia mais complexa. Para adensar ainda mais a trama, o desenvolvimento e a disseminação das novas tecnologias de informação e comunicação têm permitido que o sistema de produção cultural ganhe novos contornos, habilitando canais para que a arte e a cultura floresçam em di-nâmicas fora dos espaços consagrados e dos circuitos tradicionais, que não têm mais o privilégio de estabelecer balizas e critérios para inclusão ou exclusão no sistema ar-tístico-cultural nem o de definir os valores culturais. Como estar à altura do presente no que se refere às políticas públicas de cultu-ra? No século XXI, de que forma as políticas

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115TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Lúcia MacieL BarBosa de oLiveira

culturais respondem às inquietações, aos desejos e às necessidades do emergente que, segundo Raymond Williams, se transmu-tarão em dominantes no futuro? Citando Martín-Barbero (ibid., grifos nossos):

A convergência digital introduz nas po-líticas culturais uma profunda renovação do modelo de comunicabilidade, pois do unidire-cional, linear e autoritário paradigma da trans-missão de informações, passamos ao modelo da rede, isto é, ao da conectividade e da interação que transforma o modo mecânico da comu-nicação a distância pelo modo eletrônico da interface de proximidade. Novo paradigma tra-duzido em uma política que privilegia a siner-gia entre muitos projetos pequenos acima da complicada estrutura dos grandes e pesados aparatos tanto na tecnologia como na gestão.

Portanto, se a dinâmica democrática gera tensões permanentes, no universo da cultura essas tensões parecem ganhar contornos fortes, o que se reflete no per-manente conflito, próprio da política cul-tural, entre a manutenção das tradições, da memória, do patrimônio, dos cânones, das instituições, do consagrado – mesmo das culturas popular e periférica vistas sob uma ótica cristalizada – e os novos desejos e necessidades da multiplicidade de sujei-tos e grupos que compõem a sociedade, das suas experimentações, dos seus espaços de visibilidade. Como a cultura é inerente ao ser humano, desenvolve-se a despeito das políticas culturais. A política e a gestão cul-tural estão desafiadas a estar à altura da di-nâmica atual. Diante da multiplicidade de desejos que busca espaço na arena pública,

elas devem criar condições e facilidades, ha-bilitar canais, negociar de maneira pactuada para adquirir legitimidade. A cultura é o fle-xível, falando novamente com De Certeau, e a política e a gestão cultural devem assumir tal perspectiva, criando fendas para que seja possível respirar, abrindo possibilidades para interações e intercâmbios. A cultura sempre será um campo de incertezas.

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116 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Lúcia Maciel Barbosa de OliveiraÉ docente e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Infor-

mação (PPGCI) e no Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Tem doutorado em

ciência da informação (PPGCI), mestrado em ciências da comunicação [Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM)], bacharelado em história [Fa-

culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)] e licenciatura em história

[Faculdade de Educação (FE)], todos pela USP. É autora, entre outras publicações, de

Corpos Indisciplinados: Ação Cultural em Tempos de Biolítica; Nossos Comerciais, por

Favor!; e Biblioteca Escolar e Circuitos Culturais.

Referências bibliográficas

CANCLINI, Néstor García. La sociedad sin relato: antropología y estética de la inminencia. Buenos Aires: Katz, 2010.

DE CERTEAU, Michel. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1997.

FAVARETTO, Celso. Transformação em processo. In: Educação integral: experiências que transformam. São Paulo: Fundação Itaú Social: Unicef: Cenpec, 2012.

MANN, Thomas. Travessia marítima com Dom Quixote. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

MARTÍN-BARBERO, Jesus. Diversidade em convergência. In: Matrizes, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 15-33, 2014.

NOGUEIRA, Marco Aurélio. As ruas e a democracia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.

RANCIÈRE, Jacques. El espectador emancipado. Buenos Aires: Manantial, 2010.

______. Ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.

RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo: Publifolha, 2002.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

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118 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

COLEÇÃO OS LIVROS DO OBSERVATÓRIO

Identidade e Violência: a Ilusão do DestinoAmartya SenNesta obra, Amartya Sen trata da violência relacionada à ilusão iden-titária e às confusões conceituais. Ele problematiza a identidade apon-tando que, ao mesmo tempo que ela pode trazer conforto ao indivíduo que se sente representado em uma cultura, pode impedir a identificação das pessoas com a humanidade, abordando para isso as questões rela-cionadas à divisão dos indivíduos por raça, classe, religião ou partido a que pertencem.

As Metrópoles Regionais e a Cultura: o Caso Francês, 1945-2000Françoise Taliano-des GaretsEsta obra traça pela primeira vez a história das políticas culturais de grandes cidades francesas na segunda metade do século XX. Seis delas, Bordeaux, Lille, Lyon, Marselha, Estrasburgo e Toulouse, são objeto de uma história comparada que examina a articulação entre políticas culturais nacionais e locais na França desde o fim da Segunda Guerra Mundial. É um estudo que contribui para a revisão de certas ideias co-muns sobre política cultural para as cidades e sobre as articulações entre as diretivas e os discursos do poder central nacional e a realidade local. Além disso, mostra como a cultura se impôs em lugares distintos, em ritmos diferentes, como um campo legítimo da ação pública e fator de fortalecimento da imagem e de desenvolvimento de cidades que buscam um lugar de destaque nacional e internacionalmente. Abordando uma realidade francesa, este livro serve de poderoso instrumento de reflexão sobre a política cultural para as cidades, onde quer que se situem.

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119TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

Afirmar os Direitos Culturais – Comentário à Declaração de FriburgoPatrice Meyer-Bisch e Mylène BidaultA publicação organizada por Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault aborda a Declaração de Friburgo, que reúne e explicita os direitos cul-turais reconhecidos de maneira dispersa em muitos instrumentos. Levando o subtítulo Comentário à Declaração de Friburgo, o livro analisa detalhadamente e comenta os considerandos e os artigos da declaração, tendo como objetivo contribuir para a discussão e o desenvolvimento do tema. Percebendo que a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos padecem sempre com a marginalização dos direitos culturais, o Grupo de Friburgo – um grupo de trabalho internacional organizado a partir do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos da Universidade de Friburgo, na Suíça – preparou um guia para a reflexão e a implementação dos direitos relacionados à cultura previstos no Acor-do Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Arte e MercadoXavier GreffeEste título discute as relações da arte com a economia de mercado e a atual tendência de levar a arte a ocupar-se mais de efeitos sociais e econômicos – inclusão social, o atendimento das exigências do turismo e as necessidades do desenvolvimento econômico em geral – do que de suas questões intrínsecas. Conhecer o sistema econômico é o primeiro passo para colocar a arte em condições de atender realmente aos direi-tos culturais, que hoje se reconhecem, como seus.

Cultura e Estado. A Política Cultural na França, 1955-2005Teixeira CoelhoNeste livro, Teixeira Coelho faz uma seleção dos textos presentes na coletânea La Politique Culturelle en Débat: Anthologie, 1955-2005, da Documentation Française, que reflete sobre a relação entre Estado e cultura na França. A cultura francesa se associa intimamente à iden-tidade da nação e do Estado, e os autores desta obra, de diversas áreas, analisam os aspectos dessa proximidade.

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120 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Cultura e EducaçãoTeixeira Coelho (Org.)Esta publicação remete ao Seminário Internacional da Educação e Cul-tura realizado no Itaú Cultural em setembro de 2009. Os participantes latino-americanos (inclusive brasileiros) e espanhóis comparam e re-fletem práticas capazes de culturalizar o ensino, por meio de iniciativas administrativas e curriculares e de ações cotidianas em sala de aula.

SaturaçãoMichel MaffesoliO título reúne os textos “Matrimonium” e “Apocalipse”, de Michel Maf-fesoli. Neles o autor estende a discussão sobre a pós-modernidade para além do domínio das artes e analisa os fatos e os efeitos pós-modernos na vida social. A partir desse debate, Maffesoli questiona valores como indivíduo, razão, economia e progresso – pedras fundamentais da so-ciedade ocidental moderna, que está em crise, saturada.

O Medo ao Pequeno NúmeroArjun Appadurai“Arjun Appadurai é conhecido como autor de novas formulações notáveis que esclareceram os desenvolvimentos globais contemporâneos, especial-mente em Modernity at Large. Neste novo livro, ele aborda os problemas mais cruciais e intrigantes da violência coletiva que hoje nos cerca. Um livro repleto de ideias novas e originais, alimento essencial para o espírito dos especialistas e de todos os que se preocupam com essas questões”, diz Charles Taylor, autor de Modern Social Imaginaries. As transformações na economia mundial desde a década de 1970 produziram efeitos con-sideráveis nas relações entre as nações e as pessoas. Multiplicaram-se as disputas e as preocupações sobre soberania nacional, indigenismo, imigração, liberdade, mercado, democracia e direitos humanos. Algumas ditaduras sumiram, outras permaneceram ativas e uma ou outra mais insiste em afirmar-se no palco mundial, como se as mudanças no mundo ao longo do último meio século não tivessem existido.

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121TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

A Cultura e Seu Contrário Teixeira CoelhoAs duas últimas décadas do século XX viram a ascensão da ideia de cul-tura a um duplo primeiro plano: o das políticas públicas e o do mercado, neste caso de um modo ainda mais intenso que antes. O papel de cimento social antes exercido pela ideologia e pela religião, corroídas em particu-lar na chamada civilização ocidental, embora não neutralizadas, foi sendo gradualmente assumido pela cultura, tanto nos Estados pós-coloniais como, em seguida, nas nações subdesenvolvidas às voltas com os desafios da globalização e decididas ou resignadas a encontrar, na identidade cultural, uma válvula de escape. Do lado do mercado, o vertiginoso cres-cimento do audiovisual (cinema, vídeo, música) colocou a cultura numa situação sem precedentes no elenco das fontes de riqueza nacional.

A Cultura pela CidadeTeixeira Coelho (Org.)Qual a relação entre a cultura e a cidade? Nesta publicação, 12 autores, nacionais e estrangeiros, são convidados a refletir sobre o tema. Os artigos abordam questões como: Agenda 21 da Cultura, espaço público e cultura, política cultural urbana e imaginários culturais.

Leitores, Espectadores e InternautasNéstor García CancliniA publicação contém artigos dispostos em ordem alfabética, podendo o leitor transitar livremente por eles sem interferir na compreensão do texto. Seu tema são os novos hábitos culturais surgidos com o avanço das tecnologias de comunicação e entretenimento, e nossas respostas a eles como leitores, espectadores e internautas. Por meio de provocações, o autor nos incentiva a pensar sobre nossos “novos hábitos culturais”, colocando mais questões a ser respondidas do que conceitos estabeleci-dos, como num fragmento de “Leitores” em que questiona as campanhas de incentivo à leitura: “Por que as campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas incluem somente impressos em papel?” (p. 56), abrindo assim a discussão da necessidade de reformu-lação das políticas culturais públicas, uma vez que, atualmente, somos leitores de revistas, quadrinhos, jornais, legendas, cartazes, blogs.

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122 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A República dos Bons SentimentosMichel MaffesoliComo observou Chateaubriand, é comum chamar de conspiração po-lítica aquilo que na verdade é “o mal-estar de todos ou a luta da antiga sociedade contra a nova, o combate das velhas instituições decrépitas contra a energia das jovens gerações”. O momento atual é um desses em que jornalistas, universitários e políticos, em suma, a intelligentsia, se mostram em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para en-tender melhor em que isso consiste, é preciso pôr em evidência a lógica do conformismo intelectual reinante. Só quando não mais imperar o ronronar do “moralmente correto” é que será possível prestar atenção à verdadeira “voz do mundo”.

Este é um Maffesoli diferente, polêmico e que não receia ser até mesmo panfletário. Seu alvo é o pensamento conformado com as conquistas teóricas dos séculos passados que não mais servem para entender a época contemporânea. Discutindo com o pensamento oficial, Michel Maffesoli investe contra o politicamente correto, o moralmente correto e todas as formas do bem pensar, isto é, contra as ideias feitas que se transmitem e se repetem acriticamente.

Cultura e Economia Paul TolilaDurante muito tempo os economistas negligenciaram a cultura e por muito tempo o setor cultural também se desinteressou da reflexão eco-nômica. Vivemos o fim dessa época. Para os atores do setor cultural, as ferramentas econômicas podem se tornar uma base sólida de desenvol-vimento; para os tomadores de decisões, a contribuição da cultura para a economia do conhecimento abre oportunidades originais de ação; para os cidadãos, trata-se de ter os meios para compreender e defender um setor cujo valor simbólico e potencial de riqueza humana e econômica não podem mais ser ignorados.

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123TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

SÉRIE RUMOS PESQUISA

Os Cardeais da Cultura Nacional: o Conselho Federal de Cultura na Ditadura Civil-Militar − 1967-1975Tatyana de Amaral MaiaNeste livro, Tatyana de Amaral Maia discorre sobre a criação e a atua-ção do Conselho Federal de Cultura, órgão vinculado ao antigo Minis-tério da Educação e Cultura, no campo das políticas culturais. A autora analisa a relação entre seus principais atores, relevantes intelectuais brasileiros, e as questões políticas e sociais do período da ditadura, bem como os conceitos relativos à cultura brasileira, tais como patrimônio e identidade nacional.

Discursos, Políticas e Ações: Processos de Industrialização do Campo Cinematográfico BrasileiroLia BahiaO tema deste livro é a inter-relação entre a cultura e a indústria no Brasil, por meio da análise das dinâmicas do campo cinematográfico brasileiro. A obra enfoca a ligação do Estado com a industrialização do cinema brasileiro nos anos 2000, discutindo as conexões e as desco-nexões entre os discursos, as práticas e as políticas regulatórias para o audiovisual nacional.

Por uma Cultura Pública: Organizações Sociais, Oscips e a Gestão Pública Não Estatal na Área da CulturaElizabeth PonteA autora traz um panorama do modelo de gestão pública compartilhada com o terceiro setor, por meio de organizações sociais (OS) e organi-zações da sociedade civil de interesse público (Oscips), procurando analisar seu impacto em programas, corpos estáveis e equipamentos públicos na área cultural. O estudo é baseado nas experiências de São Paulo, que emprega a gestão por meio de OS, e de Minas Gerais, que possui parcerias com Oscips.

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124 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A Proteção Jurídica de Expressões Culturais de Povos Indígenas na Indústria CulturalVictor Lúcio Pimenta de FariaA proteção jurídica das expressões culturais indígenas, de suas formas de expressão e de seus modos de criar, fazer e viver é analisada sob as perspectivas do direito autoral e da diversidade das expressões cultu-rais, a partir do conceito adotado pela Unesco.

AS REVISTAS DO OBSERVATÓRIO

Revista Observatório Itaú Cultural No 18 – Perspectivas sobre política e gestão cultural na América LatinaEsta edição traz análises comparativas da política e da gestão cultural da América Latina e aborda o seminário internacional sobre o tema re-alizado em março de 2015. Autores do Brasil, da Argentina, do Chile, do Paraguai, do Uruguai, da Colômbia e do México nos convidam a pensar sobre nossos modelos políticos e a importância do papel da cultura na integração dos povos latino-americanos.

Revista Observatório Itaú Cultural No 17 – Livro e Leitura: das Políticas Públicas ao Mercado Editorial Esta edição reflete sobre livro e leitura no século XXI, levando em conta novos aspectos e dimensões que vão além das publicações em papel, das bibliotecas e das livrarias físicas. A revista contempla abordagens históricas, discussões contemporâneas, contribuições de pesquisadores acadêmicos e de profissionais do mercado.

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125TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

Revista Observatório Itaú Cultural No 16 – Direito, Tecnologia e Sociedade: uma Conversa Indisciplinar Esta edição mistura autores provenientes de campos diversos do co-nhecimento para tratar de temas que se tornam cada vez mais centrais nos nossos agitados tempos, em que as ruas e as redes se misturam, em que o real e o virtual se fundem. Privacidade, direitos autorais, liberdade de expressão, limites e possibilidades do “faça você mesmo”, conflitos envolvendo mídias sociais e tradicionais, os sucessos e as falhas da promessa da aldeia global. São temas que estão hoje no centro do palco e despertam ao mesmo tempo esperança e preocupação.

Revista Observatório Itaú Cultural No 15 – Cultura e FormaçãoEsta edição destaca o Seminário Internacional de Cultura e Formação, realizado no Itaú Cultural em novembro de 2012. O seminário é fruto de dois processos relacionados: primeiro, uma grande reflexão sobre os destinos da instituição, que completara, nesse mesmo ano, 25 anos de fundação; consecutivamente, o desejo de dialogar sobre como o ter-ceiro setor pode contribuir para o desenvolvimento dos processos de formação cultural, bem como qual lugar lhe cabe nesse cenário. Para a revista, selecionamos contribuições de natureza diversificada derivadas desse encontro: discussão de conceitos, debates de políticas, análise de situações ou simplesmente narrativas de experiências, compondo, assim, um pequeno retrato do seminário, bem como das relações entre cultura e formação na contemporaneidade.

Revista Observatório Itaú Cultural No 14 – A Festa em Múltiplas DimensõesOs muitos carnavais, aspectos socioeconômicos das festas, políticas públicas e patrimônio cultural. Essas e outras questões acerca das fes-tividades brasileiras são discutidas tendo as políticas culturais como ponto de partida.

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126 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural No 13 – A Arte como Objeto de Políticas PúblicasNesta edição, a Revista Observatório apresenta reflexões sobre alguns setores artísticos no Brasil a partir de pesquisas, informações e percep-ções de pesquisadores e instituições, vislumbrando contribuir para que a arte seja pensada como objeto de políticas públicas.

Revista Observatório Itaú Cultural No 12 – Os Públicos da Cultura: Desafios ContemporâneosEsta edição se debruça sobre as discussões da relação entre as práticas, a produção e as políticas culturais. Refletindo sobre o consumo cultural e o público da cultura com base na experiência francesa, a revista põe o leitor em contato com a produção atual de pesquisadores que têm como preocupação central as escolhas, os motivos, os gostos e as recusas dos “públicos da cultura”.

Revista Observatório Itaú Cultural No 11 – Direitos Culturais: um Novo PapelEste número é dedicado aos direitos culturais em diversos âmbitos: relata o desenvolvimento do campo, sua relação com os direitos hu-manos, a questão dos indicadores sociais e culturais e o tratamento jurídico dado ao assunto.

Revista Observatório Itaú Cultural No 10 – Cinema e Audiovisual em Perspectiva: Pensando Políticas Públicas e MercadoEsta edição trata das políticas para o audiovisual no Brasil e passa por temas como distribuição, mercado, políticas públicas, direitos autorais, gestão cultural e novas tecnologias, além de trazer texto de Silvio Da--Rin, ex-secretário do Audiovisual. Parte dos artigos é de ganhadores do Prêmio SAV e do programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural 2007-2008.

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127TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

Revista Observatório Itaú Cultural No 9 – Novos Desafios da Cultura DigitalAs novas tecnologias transformaram a indústria cultural em todas as suas fases, da produção à distribuição, assim como o acesso aos produtos culturais. Em 12 artigos, esta edição discute as questões que a era digital impõe à indústria cultural, os desafios que permeiam políticas públicas de inclusão digital, a necessidade de pensar os direitos autorais e como trabalhar a cultura na era digital. Traz também uma entrevista com Ro-salía Lloret, da Rádio e TV Espanhola, e Valério Cruz Brittos, professor e pesquisador da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sobre convergência das mídias e televisão digital, respectivamente.

Revista Observatório Itaú Cultural No 8 – Diversidade Cultural: Contextos e Sentidos Esta edição é dedicada à diversidade. Na primeira parte, são explorados vários aspectos culturais do país – aspectos que estão à margem da vivência e do consumo usual do brasileiro – e como as políticas de ges-tão cultural trabalham para a assimilação e a preservação deles, de modo que não causem fortes impactos na dinâmica social. A segunda parte da revista é composta de artigos escritos por especialistas em cultura e tem como fio condutor a discussão sobre a sobrevivência da diversidade cultural em um mundo globalizado.

Revista Observatório Itaú Cultural No 7 – Lei Rouanet. Contribuições para um Debate sobre o Incentivo Fiscal para a CulturaA Lei Rouanet é o tema do sétimo número da Revista Observatório. Aqui os autores discutem diversos aspectos e consequências des-sa lei: a concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, o papel das empresas estatais e privadas e o incentivo fiscal. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, comenta em entrevista a lei e as falhas do atual modelo. O propósito desta edição é apresentar ao leitor as di-versas opiniões sobre o assunto para que, ao final, a conclusão não seja categórica. O setor cultural é tecido por nuances; há, portanto, que pensá-lo como tal.

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128 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural No 6 – Os Profissionais da Cultura: Formação para o Setor CulturalO gestor cultural é um profissional que, no Brasil, ainda não atingiu seu pleno reconhecimento. A sexta Revista Observatório é dedicada a expor e a debater esse tema. Neste número, há uma extensa indicação biblio-gráfica em português, além de artigos e entrevistas com professores especializados no assunto. A carência profissional nesse meio é fruto da deficiência das políticas culturais brasileiras, quadro que começa a se transformar com a maior incidência de pesquisas e cursos voltados para a formação do gestor.

Revista Observatório Itaú Cultural No 5 – Como a Cultura Pode Mudar a CidadeA quinta Revista Observatório é resultado do seminário internacional A Cultura pela Cidade – uma Nova Gestão Cultural da Cidade, organizado pelo Observatório Itaú Cultural. Sua proposta foi promover a troca de experiências entre pesquisadores e gestores do Brasil, da Espanha, do México, do Canadá, da Alemanha e da Escócia que utilizaram a cultura como principal elemento revitalizador de suas cidades. Nesta edição, além dos textos especialmente escritos para o seminário, estão duas entrevistas para a reflexão sobre o uso da cultura no desenvolvimento social: uma com Alfons Martinell Sempere, professor da Universidade de Girona (Espanha), e outra com a professora Maria Christina Barbosa de Almeida, então diretora da biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e atual diretora da Biblioteca Mário de Andrade. A revista número 5 inaugura a seção de crítica literária, com um artigo sobre Henri Lefebvre e algumas indica-ções bibliográficas. Encerrando a edição, um texto sobre a implantação da Agenda 21 da Cultura.

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129TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES

Revista Observatório Itaú Cultural No 4 – Reflexões sobre Indicadores CulturaisO que é um indicador, como definir os parâmetros de uma pesquisa, como usar o indicador em pesquisas sobre cultura? A quarta Revista Observatório trata desses assuntos por meio da exposição de vários pesquisadores e do resumo dos seminários internacionais realizados pelo Observatório no fim de 2007. No final da edição, um texto da Orga-nização das Nações Unidas (ONU) sobre patrimônio cultural imaterial.

Revista Observatório Itaú Cultural No 3 – Valores para uma Política CulturalA terceira edição da revista discute políticas para a cultura e relata a expe-riência do programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural e dos seminários realizados nas regiões Norte e Nordeste do país para a divulgação do edital do programa. A segunda parte desta edição traz artigos que co-mentam casos específicos de cidades onde a política cultural transformou a realidade da população, fala sobre o Observatório de Indústrias Culturais de Buenos Aires e apresenta uma breve discussão sobre economia da cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural No 2 – Mapeamento de Pesquisas sobre o Setor CulturalO segundo número da revista é dividido em duas partes: a primeira trata das atividades desenvolvidas pelo Observatório, como as pesquisas no campo cultural e o programa Rumos, e traz uma resenha do livro Cultura e Economia – Problemas, Hipóteses, Pistas, de Paul Tolila. A segunda é composta de diversos artigos sobre a área da cultura escritos por especialistas brasileiros e estrangeiros.

Revista Observatório Itaú Cultural No 1 – Indicadores e Políticas Públicas para a CulturaEsta revista inaugura as publicações do Observatório Itaú Cultural. Criado em 2006 para pensar e promover a cultura no Brasil, o Observatório reali-zou diversos seminários com esse intuito. O primeiro número é resultado desses encontros. Os artigos discutem o que é um observatório cultural, qual sua função, como formular e usar dados para a cultura e as indústrias culturais. A edição também comenta experiências de outros observatórios.

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Esta revista utiliza as fontes Sentinel e Gotham sobre o papel Pólen Bold 90g/m2. Os pantones 2347 e Black foram os escolhidos para esta edição. Duas mil unidades foram impressas pela gráfica Pancrom em São Paulo, no mês de novembro do ano 2015.

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/itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 fax 11 2168 1775 [email protected] avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]

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